contextualizando a prÁxis formativa de educadores ... · sergipe, da ufs, e ao grupo de estudos e...
Post on 18-Oct-2020
2 Views
Preview:
TRANSCRIPT
CONTEXTUALIZANDO A PRÁXIS FORMATIVA DE EDUCADORES
AMBIENTAIS: PERCURSOS POLÍTICOS DA FORMAÇÃO INICIAL À
CONTINUADA
Com a gravidade dos problemas socioambientais e, paradoxalmente, na tentativa de
sua manutenção, naturalizam-se discursos e práticas conservadores por dentro e por
fora do contexto escolar. Considerando o campo educacional como campo de disputa,
entendemos ser possível infiltrar, por entre as brechas existentes, o que é o caso da
formação inicial e continuada, uma Educação Ambiental emancipatória que questione
e lute por qualidade de vida e justiça socioambiental. Com isso, tecemos discussões
relevantes acerca da formação de educadores ambientais sob o viés crítico,
compreendendo-a como um mecanismo de enfrentamento do modelo de sociedade
vigente. Desta forma, como resultado de pesquisas de mestrado e de doutorado
desenvolvidas junto ao Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Ambiental de
Sergipe, da UFS, e ao Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Ambiental,
Diversidade e Sustentabilidade, da UFRRJ, intencionamos expor uma discussão que
abarca três estudos: no primeiro, intitulado “Das Tensões Políticas à Formação de
Educadores Ambientais: contextualizando políticas públicas e a práxis pedagógica”, a
autora analisa as concepções de gestores participantes da construção da Política
Estadual de Educação Ambiental sergipana quanto à formação de educadores
ambientais,em seu viés crítico; no segundo, “Possibilidades para Formação de
Educadores Ambientais em Cursos de Pedagogia”, a autora analisaas propostas
curriculares dos cursos de Pedagogia de universidades sergipanas,a fim de refletir
sobre a formação inicial de educadores ambientais; e, no terceiro estudo, de título
“Unidade de Conservação como Espaço Formativo: uma proposta para a formação de
educadores ambientais”, a autora traça reflexõessobre o processo formativo de
educadores ambientais em espaços extramuros acadêmicos, isto é, no Parque Natural
Municipal de Nova Iguaçu. Ademais, dessa maneira, a EA torna-se relevante pela sua
capacidade de intervenção na dinâmica social e pela possibilidade de provocar
mudanças por meio do processo educativo crítico, emancipatório e transformador.
Palavras-Chave: Educação Ambiental Crítica. Formação Educadores Ambientai.,
Políticas Públicas
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10436ISSN 2177-336X
POSSIBILIDADES PARA FORMAÇÃO DE EDUCADORES AMBIENTAIS
EM CURSOS DE PEDAGOGIA
Mônica Andrade Modesto
(Secretaria de Estado da Educação-SE)
Resumo
As contradições deste modelo de sociedade, sobretudo no formato da crise
socioambiental, têm se intensificado. A Educação Ambiental (EA) Crítica emerge
como mecanismo indispensável para o enfrentamento desse contexto. No entanto,
uma EA Conservadora, que se difunde em seu fazer, corrobora com a manutenção do
padrão societário vigente tornando-o, ideologicamente, natural. A fim de
problematizar tal vertente, a formação de educadores ambientais críticos traz uma
possibilidade concreta, por isso não idealizada, para a constituição de uma EA de
tendência histórica que vise à emancipação humana. Neste ínterim, o campo do
currículo expressa um projeto de sujeito e de sociedade, podendo promover a inclusão
ou a exclusão destes, dependendo da forma como é desenvolvido. Desta feita, diante
da compreensão do campo do currículo como um território em que o saber, a
identidade e o poder estão interconectados, este artigo busca compreender as
possibilidades para a formação de educadores ambientais mediante cursos de
Pedagogia, tomando como pressuposto a dimensão ambiental da formação, a
educação ambiental crítica e a interdisciplinaridade. As análises curriculares dos
cursos de Pedagogia das universidades sergipanas foram realizadas a partir da análise
de conteúdo, delimitando como categorias a educação ambiental presente de forma
explícita nos currículos e a interdisciplinaridade. Os resultados desvelaram que os
currículos analisados apresentam-se como um espaço profícuo para a promoção de
educadores ambientais e as possibilidades, para isto estão presentes de forma tácita
nas disciplinas que os compõem. Contudo, é preciso que os professores dos cursos em
questão compreendam as possibilidades desveladas e as promovam em suas práticas
pegaógicas.
Palavras-chave: Currículo. Formação de educadores ambientais. Pedagogia.
Perspectivas curriculares e formação de educadores ambientais
Historicamente, a formação é fruto de um sistema de ensino fragmentado e,
por meio dele, constroem-se conhecimentos arraigados em apreensões de conteúdos
explícitos e implícitos no currículo. À vista disso, a formação docente não está alheia
a essa situação, afinal, a estrutura da escolarização de nível básico e superior foi
planejada a partir do paradigma tradicional do ensino que se fundamenta no “espírito
da privatização e da postura moral de egoísmo em quase todos os níveis do currículo
formal e oculto” (GIROUX; PENNA, 1997, p. 69).
Diante desse contexto, pensar na formação de educadores ambientais é pensar
em possibilidades para o enfrentamento desse modelo paradigmático que predomina
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10437ISSN 2177-336X
até os dias atuais e buscar caminhos para uma possível ressignificação das ideias
ocultas que estão inseridas nos currículos e que promovem a alienação e a divinização
do “eu” em detrimento da coletividade, superando, assim armadilhas paradigmáticas
das práticas pedagógicas (GUIMARÃES, 2012).
Nessa direção, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Ambiental (DCNEA) apontam para a necessidade de se vislumbrar a dimensão
ambiental da educação, superando a ideia fragmentada de que a educação ambiental
(EA) é uma especialização. Sob a óptica desse documento, a EA é entendida como
uma prática intencional, desconstruindo a ideia ingênua de que a educação é neutra,
desvelando um intuito de que o cerne da dimensão ambiental da educação é a busca
por uma relação homem-natureza pautada na ética.
Esse entendimento está relacionado a uma postura por parte do educador que
deverá pensar a sua prática pedagógica a partir da percepção de que a educação
ambiental enquanto dimensão estará, ainda que de forma implícita, promovendo uma
práxis transformadora. Essa postura proporcionará também um distanciamento da
visão utilitarista da educação ambiental, que se limita a oferecer uma série de
informações consideradas "úteis" ou “ecologicamente corretas” para a obtenção de
resultados em detrimento da promoção de “uma formação geral na direção de uma
educação integral” (GADOTTI, 2000, p. 08).
Nessa perspectiva, faz-se necessário refletir sobre a formação docente, afinal,
se os currículos de cursos de formação de professores pautarem-se nesse modelo
paradigmático, as instituições de ensino superior estarão formando multiplicadores de
uma educação ambiental ingênua e reducionista que, futuramente, formarão sujeitos
também ingênuos e esse ciclo não se romperá. Diante disso, entender como currículos
do curso de Pedagogia podem apresentar possibilidades para a formação de
educadores ambientais é um problema a ser refletido.
Considerando então que o papel da universidade na formação de professores é
“estabelecer um espaço educativo de diálogo para provocar a discussão das questões
socioambientais e o enfrentamento dos dilemas causados pela crise ambiental”
(GUERRA, 2011, s/p), os currículos voltados para a formação docente precisam
estabelecer nexos entre múltiplas culturas, linguagens e contextos e articular
conteúdos objetivos e subjetivos na produção de conhecimento e de sentidos a fim de
superar a lógica da racionalidade instrumental que exclui da construção do
conhecimento os valores entre ser humano e natureza (TRISTÃO, 2002) para que
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10438ISSN 2177-336X
assim possam estar formando educadores ambientais capazes de promover uma práxis
docente que vislumbra uma aprendizagem humanizada e significativa que busca o
enfrentamento da problemática ambiental.
Á luz desse pensamento, foram analisadas, do ponto de vista curricular,
possibilidades para a dimensão ambiental e formação de educadores ambientais nos
cursos de Pedagogia ofertados pelas universidades sergipanas, utilizando, para tanto, a
análise de conteúdo. A justificativa pela opção por esse curso está no fato de que o
foco da formação do pedagogo consiste em formar profissionais generalistas, aptos
para desenvolver, além de atividades relacionadas à docência, atividades que
compreendam a organização e a gestão de sistemas de ensino, bem como outras
relacionadas à produção técnico-científica, conforme expressam as Diretrizes
Curriculares Nacionais para os cursos de Pedagogia (DCN-Ped). Para tanto, faz-se
imprescindível uma formação que englobe “conhecimentos como o filosófico, o
histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o psicológico, o lingüístico, o
sociológico, o político, o econômico, o cultural" (BRASIL, 2006, p. 01).
A análise curricular foi realizada delimitando como categorias “educação
ambiental explícita” e “interdisciplinaridade” que ajudaram a compreender como a
dimensão ambiental da formação se faz presente nos currículos dos cursos de
Pedagogia da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e da Universidade Tiradentes
(UNIT).
A categoria “educação ambiental explícita” foi delimitada a partir dos
pressupostos da vertente crítica e a categoria “interdisciplinaridade” foi delimitada
com base no pressuposto de que a interdisciplinaridade é uma “nova atitude diante do
ato de conhecer" (CARVALHO, 1998, p. 09), levando em consideração as
orientações das DCN-Ped que delineiam que o pedagogo, ao formar-se, precisa estar
apto para “ensinar Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia,
Artes, Educação Física, de forma interdisciplinar e adequada às diferentes fases do
desenvolvimento humano” (BRASIL, 2006, p. 02).
Desta feita, foi considerada, em ambas as categorias, a presença de conteúdos
relativos às questões ambientais, às relações socioambientais e à relação homem-
natureza a fim de identificar em que medida é possível promover a educação
ambiental ao longo da formação dos futuros pedagogos e o possível viés dessa
formação. É importante salientar que para o estabelecimento dessas categorias não
foram considerados elementos implícitos tais como “normas, valores e crenças não
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10439ISSN 2177-336X
declaradas que são transmitidas aos estudantes através da estrutura subjacente do
significado e no conteúdo formal das relações sociais da escola e na vida em sala de
aula” (GIROUX; PENNA, 1997, p. 57) pelo fato de que apenas a análise do projeto
pedagógico do curso não é suficiente para a identificação de resultados sólidos
referentes a esses elementos. Seria necessário, para tanto, observações, entrevistas,
questionários, etc, e, como esse não é o objetivo geral desta pesquisa, analisou-se os
elementos explícitos e implícitos relativos especificamente aos conteúdos presentes
nas ementas das disciplinas.
O currículo do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Sergipe e as
possibilidades para a formação de educadores ambientais
O atual currículo do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Sergipe é
resultado de uma série de reformulações que ocorreram ao longo desses 47 anos de
funcionamento. Nessa perspectiva, a estrutura curricular resultante da reformulação
atual, de 2007, apresenta um prisma unitário da sociedade e da educação que
vislumbra “a aproximação de teoria e prática, o respeito e o reconhecimento dos
diferentes saberes existentes em toda relação pedagógica” (BRETAS, 2009, p. 43),
tomando como princípio primeiro a interdisciplinaridade, segundo a mesma autora.
Dessa maneira, os conteúdos relativos aos eixos temáticos (campos do conhecimento
educacional; sociedade, Estado e educação; prática educativa; currículo,
conhecimento e diversidade sociocultural; política e gestão em educação; docência,
infância, juventude e cultura, e, educação e comunicação) são problematizados forma
integrada ao longo do curso das disciplinas que também são articuladas aos
conhecimentos de outras áreas, corroborando assim com as indicações contidas nas
DCN-Ped. Esses eixos temáticos são distribuídos entre as 64 disciplinas que
compõem a estrutura curricular do curso, dentre as quais 48 pertencem a gama
obrigatória e 16, à optativa.
Dessa maneira, verificou-se, mediante a categoria “educação ambiental
explícita” que apenas a disciplina Educação e Ética Ambiental apresenta de forma
manifesta conteúdos relativos à educação ambiental permeando os aspectos históricos
e normativos da educação ambiental, sua epistemologia, a dimensão educativa dos
estudos ambientais e a sua inserção nos espaços escolares e não-escolares. Todavia,
mediante a categoria “interdisciplinaridade” verificou-se que há uma grande
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10440ISSN 2177-336X
potencialidade para a promoção da abordagem ambiental da formação, uma vez que
um quantitativo considerável de disciplinas elenca algum conteúdo capaz de desvelar
essa promoção, conforme os dados apresentados na tabela 01.
Tabela 01 – Conteúdos potenciais para a abordagem ambiental da formação de
professores no currículo de Pedagogia da UFS
Legenda: (*) Disciplina obrigatória / (**) Disciplina optativa
Disciplina Conteúdos Fundamentos Filosóficos da Educação
(*) As correntes filosóficas.
Fundamentos Sociológicos da Educação (*)
Relação entre educação e sociedade.
Introdução à História da Educação (*)
Doutrinas pedagógicas.
Antropologia na Educação (*)
Sociedade, escola, cultura e conhecimento.
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem
I (*)
O desenvolvimento humano e as condições sociais de
existência.
Fundamentos da Investigação Científica (*)
A ciência moderna e os cientistas.
Política e Educação (*)
Transformações econômicas e políticas dos séculos
XVII a XIX e a educação.
Trabalho e Educação (*)
A relação trabalho e educação
Ensino de Ciências nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental (*)
A relação entre Ciência, tecnologia e sociedade.
Ensino de História nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental (*)
Concepções de História.
Ensino de Geografia nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental (*)
A relação entre Geografia, sociedade e educação.
Educação do Campo (*)
Relações econômicas e sociais contemporâneas no
campo e na cidade.
Política e Gestão Educacional II (*)
Autonomia das escolas. Educação, gestão democrática
e participação popular.
Educação e Movimentos Sociais (**)
Movimentos sociais na América Latina e no Brasil.
História Econômica Geral e do Brasil (**)
Relações entre História e Economia. Fonte: Anexo IV da Resolução nº 25/2008/CONEPE.
À primeira vista os conteúdos listados na tabela podem até parecer distantes da
educação ambiental ou dar a impressão de que não se relacionam a ela, mas
retomando as discussões aqui abarcadas, observa-se que há um ponto comum entre
eles: a relação entre o homem, a cultura, a história e o ambiente e não há educação
ambiental que desconsidere essa relação. Ratificando o que fora apontado por Bretas
(2009), as disciplinas convergem para a consolidação da abordagem relativa aos eixos
temáticos e para a mescla dos mesmos ao longo do curso. Dessa maneira, há uma
abordagem de conteúdos variada em cada semestre, intercalando-se disciplinas de
caráter técnico-pedagógico e epistemológico, do início ao fim do curso.
Esse fator é potencial para que se faça uma abordagem ambiental quando na
ocasião da transmissão dos conteúdos, posto que ao se trabalhar as correntes
filosóficas, por exemplo, é possível tratar do desencantamento do mundo e da busca
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10441ISSN 2177-336X
pela racionalidade que remete aos gregos e que ocasionou o desencadeamento de um
entendimento científico e instrumental do mundo, no qual “por meio do conhecimento
científico e da sua aplicação prática, os humanos dominariam a natureza, tornar-se-
iam seu dono, adquirindo, assim, o direito de usufruir dela „sem qualquer custo‟”
(DESCARTES, 1989, p. 79 apud QUINTAS, 2009, p. 34).
Essa compreensão permite ao aluno o desenvolvimento de percepções
relacionadas à educação e à sociedade, à educação e ao trabalho, à educação e à
política, à educação e à economia, entre outras, que abrangem a atual problemática
ambiental e, acima disso, a atual crise racional e civilizatória que temos vivenciado
que dogmatizou “mitos da acumulação progressiva e depurada do conhecimento
científico, da inviolabilidade do sujeito humano, da ordem logocêntrica do mundo e
das verdades universais” (GONZÁLEZ-GAUDIANO, 2005, p. 132). Essas
percepções, quando desenvolvidas, convergem para a evolução do estado de
consciência ingênua para o estado de consciência crítica do sujeito.
É exequível uma formação para o ensino de Ciências, de História e de
Geografia sob a égide da abordagem ambiental, pois ambas as áreas têm como figura
principal o homem e suas ações situadas no tempo e no espaço e não há como falar
das ações humanas sem considerar seus impactos (benéficos e maléficos) para o
ambiente. O ensino de História, Geografia e Ciências tem como conteúdo intrínseco e
implícito a contextualização das transformações espaço-temporais protagonizadas
pelo homem ao longo da produção dos seus meios de existência provenientes do
estabelecimento das culturas e esse conteúdo, quando enxergado e trabalhado,
apresenta condições de suscitar uma percepção crítica das consequências dessas
transformações.
É possível também que se trate de autonomia e gestão escolar chamando a
atenção dos futuros professores para a importância do coletivo, da parceria, dos
movimentos que emergem da sociedade civil na busca pela sensibilização e de
soluções para várias questões que predominam dentro e fora do espaço escolar (má
distribuição de renda, violência, fome, degradação ambiental, etc.), frutos de um
processo de ordenamento social dos bens ambientais na sociedade que explicita uma
ordem social “criada para servir a poucos e que se fundamenta na injustiça, na
desigualdade social e no uso intensivo e predatório dos recursos naturais”
(QUINTAS, 2009, p. 59).
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10442ISSN 2177-336X
Além disso, o curso oferta estágios supervisionados curriculares obrigatórios
no qual o aluno tem a oportunidade de experienciar a relação teoria-prática e a
autonomia para desenvolver atividades relativas aos temas transversais, inclusive, o
tema meio ambiente e assim dar os primeiros passos para a promoção da educação
ambiental. Oferece ainda, atividades complementares de formação como a
participação em projetos de iniciação científica, de extensão e de iniciação à docência,
sendo este último o que abarca maior quantitativo de discentes e, ao mesmo tempo,
permite ao discente a paralela vivência da relação teoria-prática e, tal qual a disciplina
de estágio supervisionada, lhe permite autonomia para o desenvolvimento de projetos
relativos à educação ambiental.
Entretanto, respeitada a autonomia pedagógica do professor, cabe a cada
docente a escolha de realizar ou não essa abordagem em sua práxis assim como, de
realizar essa abordagem em disciplinas que não foram listadas por não apresentarem
uma ementa contemplativa de abordagem ambiental, através do referencial
bibliográfico indicado e das estratégias metodológicas escolhidas para o andamento
da disciplina. Para tanto, há que haver por parte dos professores o entendimento dessa
possibilidade que é também uma necessidade.
O currículo do curso de Pedagogia da Universidade Tiradentes e as
possibilidades para a formação de educadores ambientais
O currículo do curso de Pedagogia da Universidade Tiradentes é composto por
uma estrutura curricular que teve sua última reformulação no ano de 2015. Assim,
atualmente o curso é composto por 40 disciplinas, sendo 34 de caráter obrigatório e
06 de caráter optativo, o que perfaz um total de 146 créditos. Dessas 40 disciplinas,
verificou-se que 17 disciplinas apresentam conteúdos, em suas ementas, capazes de
promover a educação ambiental, sendo que, correspondendo à categoria “educação
ambiental explícita”, tem-se somente uma disciplina: Fundamentos e Metodologias do
Ensino de Ciências.
Ainda assim, pondera-se que a educação ambiental é um conteúdo dessa
disciplina, diferentemente do que ocorre na Universidade Federal de Sergipe que tem
uma disciplina direcionada exclusivamente para a educação ambiental. Em que pese
haja a observância desse fato, isso não quer dizer que nessa instituição a abordagem
da educação ambiental tenha menor importância que na anterior, isso vai depender
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10443ISSN 2177-336X
das estratégias utilizadas pelo docente da disciplina no decorrer do curso. Como se
trata apenas de um tópico de uma ementa de uma disciplina, não é possível identificar
a nuance de educação ambiental que é abordada na disciplina Fundamentos e
Metodologias do Ensino de Ciências.
Já em relação à categoria “interdisciplinaridade” verifica-se que as 17
disciplinas apresentam uma diversidade de conteúdos que perpassam diferentes áreas
do conhecimento capazes de promover a educação ambiental sob a óptica do trabalho
interdisciplinar, conforme é possível verificar na tabela 02.
Tabela 02 – Conteúdos potenciais para a abordagem ambiental da formação de
professores no currículo de Pedagogia da Unit
Legenda: (*) Disciplina obrigatória
Disciplina Conteúdos Seminários Integrados I, II e III
(*) Reflexão interdisciplinar sobre os temas transversais.
História da Educação (*)
O iluminismo e suas concepções de cultura e
educação.
Práticas Extensionistas I e II (*)
O papel da extensão universitária. Desenvolvimento de
ações extensionistas.
Cultura Afro-Brasileira e Indígena (*)
O contato entre o europeu e o africano e a chegada dos
africanos no Brasil. As diversas formas e tipos de
escravidão. A cultura negra e a cultura indígena. A
formação da sociedade nacional.
Fundamentos Antropológicos e Sociológicos (*)
O processo identitário do homem cultural e social. O
homem e a organização da sociedade.
Filosofia e Cidadania (*)
Evolução do conhecimento. Escola e Sociedade.
Ciência e Valores. Educação e Transformação. Ética e
Cidadania.
Organização do Trabalho Pedagógico (*)
LDB. Diretrizes Curriculares. Plano Nacional de
Educação.
Pedagogia Social (*)
Globalização e Identidade Social. Movimentos
Sociais. Problemas sociais na sociedade
contemporânea.
Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências (*)
Interdisciplinaridade entre os estudos de Ciências
Naturais e a formação do espírito crítico. Educação
Ambiental.
Princípios do Ensino Médio e suas Modalidades (*)
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio. Parâmetros Curriculares Nacionais.
Educação de Jovens e Adultos (*)
Valores, crenças, sentimentos concepções sobre o
mundo, representações sociais.
Currículos e Programas na Educação Básica (*)
Currículo e práxis.
Fundamentos e Metodologia do Ensino de História
e Geografia (*)
O sentido da História e da Geografia.
Educação e Saúde Escolar (*)
Saúde. Prevenção.
Fonte: Ementário do curso de Pedagogia da Universidade Tiradentes.
Os conteúdos que perpassam as disciplinas listadas são conteúdos que, sob a
égide da interdisciplinaridade, apresentam condições para a promoção de uma
educação ambiental crítica e transformadora. A exemplo disso é possível citar que as
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10444ISSN 2177-336X
disciplinas Seminários Integrados I, II e III, ao tratar especificamente dos temas
transversais propostos pelo MEC, intrinsecamente estará tratando de parâmetros “que
devem garantir uma mesma qualidade na construção do currículo regional, mas
atrelados e enfatizando a necessidade de restaurar a base material das escolas
públicas” (CASTRO; SPAZZIANI; SANTOS, 2012, p. 168) e também do tema Meio
Ambiente, elucidando, certamente, alguma nuance da educação ambiental. Ademais, a
abordagem ambiental e o desenvolvimento da percepção do significado da mesma
podem ser desvelados com os estudos relacionados à legislação educacional vigente,
na qual, em conformidade com os autores, é ressaltada, ainda que de forma vaga e
dispersa, “a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da
tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade” (idem, p. 166).
Além dos temas transversais, conteúdos relacionados ao desenvolvimento da
razão e à evolução do conhecimento são propícios para uma discussão de cunho
crítico sobre a abordagem ambiental da produção científica que, ao tempo em que
leva cada vez o sujeito ao esclarecimento, instrumentaliza seu pensamento e sua ação
e o torna um senhor, “não apenas porque é o senhor ou se estabeleceu como senhor de
toda a natureza, mas porque é senhor de si mesmos e de seus atos” (ARENDT, 2014,
p. 178), sendo, portanto, livre para produzir e também para destruir.
O estudo sobre a cultura, seja ela indígena, africana, europeia ou de quaisquer
povos, sobre a diversidade cultural e a multiculturalidade no Brasil e sobre o processo
identitário são também outra fonte para discussões interdisciplinares que promovem a
abordagem ambiental da educação. Afinal, não há como tratar desses conteúdos sem
considerar as diferenças entre os povos e os indivíduos e sem “observar as variantes
culturais a partir das quais grupos humanos interagem com a natureza, interagem
entre eles e entre eles e os seus símbolos” (BRANDÃO, 2005, p. 83), resultantes de
modos de vida imbuídos de significações distintas sob as lentes de diversas culturas. E
compreender os modus vivendi é basilar para a compreensão da nuance crítica da
educação ambiental.
O ensino de conteúdos relacionados à globalização e seus desdobramentos na
contemporaneidade pode ser outro locus para a abordagem ambiental da formação
docente, posto que a relação entre esse conteúdo e a problemática ambiental é
indissociável. A respeito disso, Meira-Cartea (2005) aponta que a globalização e,
principalmente, a globalização econômica é responsável pelas perversões econômicas,
sociais e ecológicas que ludibriam “os riscos ecológicos que a sociedade industrial
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10445ISSN 2177-336X
contemporânea produz” (p. 153). Corroborando com esse entendimento está Porto-
Gonçalves, ao afirmar que o mundo globalizado que é o “mundo para ganhar dinheiro
é o fim da humanidade” (2011, informação verbal), uma vez que o consumo
desenfreado, além de instrumentalizado, é estimulado através da construção do
significado de que só é possível “o fortalecimento das identidades individuais e
sociais por meio da aquisição de bens” (ZACARIAS, 2009, p. 119).
Currículo e práxis, valores, crenças, concepções sobre o mundo são conteúdos
que propiciam o debate relacionado à educação ambiental crítica que, em seu caráter
transformador, pressupõe como urgente a emancipação dos sujeitos e essa
emancipação não ocorrerá enquanto o currículo for compreendido como um território
em disputa pela reprodução de uma ideologia que utiliza como instrumentos a
correlação de forças sociais, políticas e culturais. É interessante pensar que mesmo
sendo um campo de disputa, é também “o mais politizado, inovado, ressignificado”
(ARROYO, 2013, p. 13), apesar disto, o currículo permanece asfixiado pela mídia,
pelos gestores, pelas avaliações, pela imposição de um currículo por competências, de
um currículo único, pelo controle repressor dos docentes, entre outros (idem). E isto
acontece porque sutilmente ele estabeleceu-se como um instrumento de poder. Mas o
mesmo poder que tem para reproduzir uma ideologia dominante, pode vir a ter para
promover uma educação crítica e pautada na abordagem ambiental da formação.
Resta aos cursos de formação docente o desafio de romper com esse paradigma e
formar futuros professores aptos a mediarem a emancipação dos alunos desse
processo reprodutor.
O ensino de conteúdos relacionados à saúde é outra abertura de caminho para
a promoção da educação ambiental, uma vez que o termo saúde não faz menção
exclusivamente às condições biológicas do organismo, mas também às condições do
ambiente no qual estamos inseridos e um ambiente saudável proporciona sensações
benéficas ao organismo que se traduzem também em saúde, tanto que vários
pesquisadores já começam a considerar o conceito de saúde como ausência de doença
um conceito falido, uma vez que a ausência de saúde é “consequência das condições
de vida – incluindo aspectos relacionados à alimentação, ao salário, à educação, à paz,
ao lazer e à justiça social” (GUIMARÃES, 2010, p. 13).
Desse modo, observa-se que o currículo do curso de Pedagogia da
Universidade Tiradentes apresenta ampla condição para a promoção da educação
ambiental através de práticas docentes interdisciplinares. As disciplinas e conteúdos
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10446ISSN 2177-336X
listados, pelo teor diversificado, possibilitam o estabelecimento de relações sobre
vários dos aspectos englobados na problemática ambiental, o que é bastante positivo,
visto que permite ao aluno a ampliação de seu horizonte e de sua percepção sobre o
ambiente. Possibilitam também uma abordagem ambiental crítica da formação
docente, que seja capaz de desvelar ao aluno a complexidade da educação ambiental e
a superação da visão ingênua na qual lhe é atribuído um significado simplista e
limitado de criticidade (CARVALHO, 2012).
Considerações
As estruturas curriculares dos cursos de Pedagogia das instituições
pesquisadas apresentam possibilidades para que se aborde uma dimensão ambiental
voltada para a égide da emancipação e transformação por meio de possibilidades de
práxis capazes de desvendar aos futuros professores ética, reconhecimento do outro e
alteridade para com os homens e o ambiente.
Através das análises realizadas torna-se possível concluir que, do ponto de
vista documental, o currículo do curso de Pedagogia desvela condições para a
promoção de uma formação docente capaz de formar também educadores ambientais
que, a partir de suas futuras práticas pedagógicas, poderão atuar frente ao
enfrentamento da problemática ambiental. Mas, para que isso possa acontecer, é
preciso que os professores do curso compreendam as possibilidades desveladas e as
promovam em suas práticas de ensino.
Referências
ARENDT, H. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 12.ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2014.
ARROYO, M. G. Currículo, território em disputa.5.ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
BRANDÃO, C. R. As flores de abril: movimentos sociais e educação ambiental.
Campinas: Autores Associados, 2005.
BRASIL. Resolução CNE/CP nº 1 de 15 de maio de 2006. Institui Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, licenciatura. Diário Oficial da
União, Brasília, 2006. Disponível em < http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf> Acesso em 21 de janeiro de
2015.
BRASIL. Resolução nº 2, de 15 de junho de 2012. Estabelece as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental. Diário Oficial da União, Brasília,
2012. Disponível em < portal.mec.gov.br/dmdocuments/publicacao13.pdf> Acesso
em: 19 jan. 2015.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10447ISSN 2177-336X
BRETAS, S. A. A atual reformulação do curso de Pedagogia da UFS segundo as
Diretrizes Curriculares Nacionais de Pedagogia /2006. In: FREITAS, A. M. B.;
SOBRAL, M. N. (Orgs). História e memória: O curso de Pedagogia da Universidade
Federal de Sergipe (1968-2008). São Cristóvão: Editora UFS, 2009.
CARVALHO, I. C. de M. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico.
6.ed. São Paulo: Cortez, 2012.
CARVALHO, I. C. de M. Em direção ao mundo da vida: interdisciplinaridade e
educação ambiental In: CARVALHO, I. C. de M. (Org). Conceitos para se fazer
educação ambiental. Brasília: IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, 1998.
CASTRO, R. S. A construção de conceitos científicos em educação ambiental. In:
LOUREIRO, C. F. B.; LAYRARGUES, P. P.; CASTRO, R. S. (orgs.) Repensar a
educação ambiental: um olhar crítico. São Paulo: Cortez, 2009. p. 173-202.
CASTRO, R. S.; SPAZZIANI, M. L.; SANTOS, E. P. Universidade, meio ambiente e
Parâmetros Curriculares Nacionais. In: LOUREIRO, C. F. B.; LAYRARGUES, P. P.;
CASTRO, R. S. (orgs.) Sociedade e meio ambiente: a educação ambiental em
debate. 7.ed. São Paulo: Cortez, 2012. p. 157-178.
GADOTTI, M. Perspectivas atuais da educação. In: Revista São Paulo em
perspectiva. V. 14. Nº 2. 2000. p. 03-11. Disponível em
<http://www.scielo.br/pdf/spp/v14n2/9782.pdf> Acesso em: 23 abr. 2015.
GIROUX, H. A.; PENNA, A. N. Educação social em sala de aula: a dinâmica do
currículo oculto. In: GIROUX, H. A. Os professores como intelectuais: rumo a uma
pedagogia crítica da aprendizagem. Tradução de Daniel Bueno. Porto Alegre:
Artmed, 1997. p. 55-78.
GONZÁLEZ-GAUDIANO, E. Interdisciplinaridade e educação ambiental:
explorando novos territórios epistêmicos. In: SÁTO, M.; CARVALHO, I. C. M.
(Orgs.) Educação Ambiental. Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 121-135.
GUERRA, A. F. S. Educação ambiental e sustentabilidade: a ambientalização
curricular nas práticas docentes. Fala proferida na mesa-redonda Educação
socioambiental da 63ª Reunião anual da SBPC – Julho/2011. s.p. In: Anais da 63ª
Reunião anual da SBPC. Disponível em < http://www.sbpcnet.org.br/livro/63ra/resumos/PDFs/arq_1246_338.pdf> Acesso em:
21 abr. 2015.
GUIMARÃES, F. T. Educação ambiental como domínio da promoção da saúde:
conversações pedagógicas no âmbito da estratégia de saúde da família. Programa de
Pós-Graduação em Ensino de Ciências do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio de Janeiro. Dissertação de mestrado. Nilópolis, 2010. Disponível
em < www.ifrj.edu.br/webfm_send/3036> Acesso em: 12 mai. 2015.
GUIMARÃES, M. A formação de educadores ambientais. 3.ed. Campinas, SP:
Papirus, 2012.
LEFF, E. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder.
Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 2001.
MEIRA-CARTEA, P. A. A catástrofe do prestigie: leituras para a educação ambiental
na sociedade global. In: SÁTO, M.; CARVALHO, I. C. M. (Orgs.) Educação
Ambiental. Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 151-179.
PORTO-GONÇALVES, C. W. A instrumentalização do desejo humano. Entrevista
concedida ao ICMBio, no ano de 2011, durante o Curso de Formação em Educação
Ambiental na Gestão Pública da Biodiversidade. Disponível em <
https://www.youtube.com/watch?v=YcAQVYpW2LU> Acesso em: 21 de Março de
2015.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10448ISSN 2177-336X
QUINTAS, J. S. Educação no processo de gestão ambiental pública: a construção do
ato pedagógico. In: LOUREIRO, C. F. B.; LAYRARGUES, P. P.; CASTRO, R. S.
(Orgs). Repensar a educação ambiental: um olhar crítico. São Paulo: Cortez, 2009.
p. 33-79.
TRISTÃO, M. As dimensões e os desafios da educação ambiental na sociedade do
conhecimento. In: RUSCHEINSKY, A. (org.) Educação ambiental: abordagens
múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 2002. p. 169-183.
ZACARIAS, R. “Sociedade de consumo”, ideologia do consumo e as iniquidades
socioambientais dos atuais padrões de produção e consumo. In: LOUREIRO, C. F. B.;
LAYRARGUES, P. P.; CASTRO, R. S. (Orgs). Repensar a educação ambiental:
um olhar crítico. São Paulo: Cortez, 2009. p. 119-139.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10449ISSN 2177-336X
UNIDADE DE CONSERVAÇÃO COMO ESPAÇO FORMATIVO: UMA
PROPOSTA PARA A FORMAÇÃO DE EDUCADORES AMBIENTAIS
Edileuza Dias de Queiroz
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
Universidade Federal Fluminense (UFF)
Resumo
O processo educativo representa um poderoso fenômeno social, capaz de contribuir
com a transição paradigmática necessária para se construir, historicamente, novas
formas sustentáveis de relações dialógicas entre seres humanos e a natureza. Nesse
sentido, a Educação Ambiental (EA) passou a ser apresentada como uma importante
estratégia para a formação de indivíduos partícipes na construção de uma sociedade
sustentável, socialmente justa e ecologicamente equilibrada. Assim, há a necessidade
de estimular os ambientes educativos ancorados em vivências, ou seja, construir
conhecimentos in lócus, ou seja, participar da realidade. Estamos vivenciando na
sociedade uma moderna um período de crise socioambiental, onde uma de suas causas
é a oposição sociedade-natureza. Com isso, esta pesquisa objetiva contribuir para o
processo formativo de educadores ambientais em espaços extramuros acadêmicos,
tomamos como locos da formação uma Unidade de Conservação localizada no
município de Nova Iguaçu/RJ, o Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu. Os
principais atores inseridos no processo formativo são os docentes de duas escolas do
entorno do Parque. Como forma de contribuir na construção de orientações teórico-
metodológicas, visamos a inserção no processo formativo de educadores ambientais
elementos que contribuam, efetivamente, para uma postura que ressalte a importância
da relação homem-natureza, estamos avançando na pesquisa e propondo reflexões e
ações durante esse processo a partir da vivência, da formação no interior no Parque.
Acreditamos que a formação nesses espaços propiciem o contato direto com a natureza,
possibilitando uma visão diferenciada de mundo, pois, é no contato com a realidade
socioambiental que cada indivíduo que se encontra em formação vai se constituindo
enquanto educador ambiental.
Palavras-chave: Educação Ambiental. Formação de Educadores Ambientais.
Unidades de Conservação.
Considerações Iniciais
Este artigo é parte de uma pesquisa de Doutorado, que encontra-se em
andamento no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal
Fluminense (POSGEO/UFF), bem como, oriundo da minha experiência enquanto
professora da Educação Básica, reflexões no Grupo de Estudo e Pesquisa em
Educação Ambiental, Diversidade e Sustentabilidade (GEPEADS), participação como
Supervisora e Coordenadora de Área do PIBID – subprojeto Geografia (IM-UFRRJ).
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10450ISSN 2177-336X
Assim, é de grande interesse e importância avançar, em termos de aprofundamento
teórico, metodológico e de pesquisas, devendo culminar com uma tese.
A partir do lugar de onde falo, considero que a Educação é condição
fundamental na formação cidadã frente às questões socioambientais. No Brasil, a Lei
9795/99 (BRASIL, 1999) – regulamentada pelo Decreto 4281/2002 (BRASIL, 2002)
– que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental, no Art. 5º, inclui a
Educação Ambiental em todos os níveis e modalidades de ensino, recomendando ser
trabalhada transversalmente, com valorização da dimensão ambiental em cada
disciplina. As Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Ambiental (BRASIL,
2012) vem ratificar a legislação anterior, ressaltando a inserção da Educação
Ambiental (EA) em todos os níveis e modalidades de ensino. Apesar da legislação
existente, observamos uma fragilidade muito acentuada em relação à inserção da EA
no processo educativo, pois,
(...) existe um descompasso entre o discurso sobre a inserção e a efetivação
da Educação Ambiental e a prática, seja na escola, seja na Universidade.
Então, é preciso que as instituições formadoras direcionem a atenção para
esse fato, a começar pela reflexão sobre o papel dos professores
formadores. Alertamos também para o fato de que existe um silêncio, no
que diz respeito os debates socioambientais, no campo das políticas
curriculares para a educação superior (QUEIROZ, 2012, p.86).
Acreditamos que uma das possibilidades para a inserção da dimensão
socioambiental na formação de educadores é a discussão da temática na instituição
universitária, especialmente junto aos cursos de Licenciatura. Guimarães (2004, p.
158) enfatiza a importância da formação de educadores ambientais:
A formação de educadores ambientais como dinamizadores de um
ambiente educativo, fomentada por uma pedagogia do movimento
complexo, amplia o “campo ambiental” ao incorporá-los, como novos
“sujeitos ecológicos”, ao movimento contra-hegemônico de uma
resistência crítica.
Desse modo, consideramos que os educadores são importantes agentes
colaboradores para o processo de transformações sociais e, portanto, a Universidade
deve lhes proporcionar uma formação tanto político-filosófica quanto técnico-
metodológica.
Neste sentido, vislumbramos uma formação docente, intrínseca ao processo
formativo do educador ambiental, uma vez que vivemos mergulhados nas práticas de
uma organização social predatória, ou seja, num modelo específico de sociedade e de
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10451ISSN 2177-336X
seu modo de produção (GUIMARÃES, 2004), onde o individualismo impera sobre a
coletividade. Advém, então, a necessidade de fazer com que as pessoas construam
novas relações, vislumbrando a construção de uma outra realidade, mais justa e menos
degradada sociambientalmente.
A Educação Ambiental que vem sendo chamada pela sociedade a contribuir na
superação dessa grave realidade, deve contemplar em suas propostas educativas o
resgate do natural numa vivência em outros referenciais paradigmáticos, como uma
forma pedagógica de enfrentamento desta situação.
Essa dimensão educacional pode contribuir significativamente com o
enfrentamento deste grave momento de crise em que vivemos. Por esse caminho,
Guimarães (2006, p. 26) define a EA como:
Proposta voltada para um processo educativo desvelador e desconstrutor
dos paradigmas da sociedade moderna com suas “armadilhas
paradigmáticas” e engajado no processo de transformações da realidade
socioambiental, construtor de novos paradigmasconstituinteseconstituídos
por uma nova sociedade ambientalmente sustentável e seus sujeitos.
As questões socioambientais quando minimizadas, reduzidas a um universo
essencialmente natural e técnico, e, portanto, “neutro”, levam à armadilha
paradigmática (GUIMARÃES, 2004), e serve para apaziguar, cada vez mais, as
acirradas contradições sociais inerentes a esse contexto.
Consideramos o processo educativo como um poderoso fenômeno social capaz
de contribuir com a transição paradigmática necessária para se construir historicamente
novas formas sustentáveis de relações dialógicas entre seres humanos e a natureza.
Assim, há a necessidade de estimular os ambientes educativos ancorados em vivências,
ou seja, construir conhecimentos in lócus, ou seja, participar da realidade.
A formação in loco
Como forma de contribuir na construção de orientações teórico-
metodológicas, visando a inserção no processo formativo de educadores ambientais
elementos que contribuam, efetivamente, para uma postura que ressalte a importância
da relação homem-natureza, estamos avançando na pesquisa e propondo reflexões e
ações durante esse processo a partir da vivência. Neste contexto, Queiroz e Guimarães
(2015, p. 12) afirmam que,
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10452ISSN 2177-336X
A vivência in loco, favorecida pelo trabalho de campo, representa um
ambiente educativo que deve ser mais valorizado, uma vez que parte da
realidade empirista, da observação, da experienciação pelos sentidos. A
partir daí há a possibilidade de uma olhar mais crítico, sensível e engajado,
para as diferentes questões que permeiam a vida em sociedade. Essa
vivência também nos possibilita a ampliação das fronteiras do
conhecimento, da percepção de mundo por outras referências.
Nesta direção, acreditamos que a formação em espaços de propiciem o contato
direto com a natureza possibilita uma visão diferenciada de mundo, pois, é no contato
com a realidade socioambiental que cada indivíduo que se encontra em formação vai
se constituindo enquanto educador ambiental. E assim, encontramos espaços “extra-
muros acadêmicos” um ambiente com grande potencial. Ressaltamos aqui, a
importância da vivência in loco, pois esta, segundo Guimarães e Queiroz (2013, p.
58),
[...] colabora com o despertar do aluno para a pesquisa, para o sentido
investigativo do processo de ensino-aprendizagem, o que é fundamental
para a formação de um profissional pesquisador dinâmico e criativo, apto a
rupturas paradigmáticas. Ao experienciar a pesquisa nesse contexto, o
pesquisador neófito no campo da Educação Ambiental deve ser estimulado
a pensá-la a partir das demandas socioambientais e dos problemas
vivenciados no cotidiano, como forma de práxis da pesquisa.
A formação ancorada na vivência, no contato direto com a realidade
socioambiental, possibilita uma “nova forma” de fazer Ciência, uma vez que o objeto
estudado está sendo visto, sentido, vivido. Assim, corroboramos com Kayser (2006, p.
94), ao afirmar que “qualquer um que deseje conhecer um fenômeno só poderá ter
sucesso se entrar em contato com ele, ou seja, vivê-lo (praticá-lo) dentro do próprio
meio desse fenômeno”.
Unidades de Conservação enquanto espaços de formação
As Unidades de Conservação não dizem respeito apenas à proteção de
ecossistemas ameaçados pela ação do ser humano, Coelho, Cunha e Monteiro (2009),
afirmam que “As Unidades de Conservação são, ao mesmo tempo, territórios de
conservação, territórios de vida, territórios de produção, territórios de pesquisa
acadêmica, entre outros.”
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10453ISSN 2177-336X
A partir da aprovação da Lei 9.985/2000, que implementou o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), as Unidades foram categorizadas em
dois grupos: as de proteção integral e as de uso sustentável. Na primeira categoria o
objetivo principal é a proteção da natureza, admitindo-se o uso restrito dos recursos
naturais (visitação, pesquisa científica e Educação Ambiental); na segunda categoria,
o objetivo primeiro é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável
dos recursos naturais (extrativismo, coleta e manejo ambiental).
A Lei 9885/2000, define a Unidade Conservação como:
(...) espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas
jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído
pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob
regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas
de proteção(BRASIL, 2000).
No entanto, consideramos que estes espaços devem ultrapassar sua concepção
como espaços de preservação de ecossistemas e de seus recursos naturais, pois, devem
ser considerados espaços de relações socioambientais. No entanto, esses espaços não
têm sido privilegiados no sentido de acolher determinados usos, ou seja, são
subutilizados. Vallejo (2002), ressalta que as parcerias, com os diversos setores,
inclusive as universidades não têm investido ou realizado parcerias como deveriam
fazer.
Espaços como as Unidades de Conservação são potenciais mobilizadores de
novas concepções, possibilitam a compreensão/percepção mais complexa da realidade
socioambiental local e seu “desvelamento”, a realização da vivência imersa na
realidade socioambiental que se deseja pesquisar é imprescindível, pois parte-se do
pressuposto de que,
[...] a chave do entendimento da problemática ambiental está no mundo da
cultura, ou seja, na esfera da totalidade da vida em sociedade [...]. Afinal,
são as práticas do meio social que determinam a natureza dos problemas
ambientais que afligem a humanidade [...].No processo de transformação
do meio ambiente [...] são criados e recriados modos de relacionamento da
sociedade com o meio natural [...] e no seio da própria sociedade [...]
(QUINTAS, 2005).
Nesta direção, segundo Queiroz e Guimarães (2015), é fundamental um
esforço para se conhecer e sistematizar todos os aspectos que compõem a realidade e
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10454ISSN 2177-336X
refletir acerca de processos formativos, a fim de construir consistentes caminhos que
direcionem para o real entendimento do mundo que se vive.
No caso específico da pesquisa que vem sendo realizada – e aqui apresentada
em parte –, além da vivência no contexto social, político e produtivo de uma
determinada Unidade de Conservação, haverá participação do cotidiano de diferentes
usuários que constituem/vivenciam esse espaço em sua essência como ambiente vivo.
A importância desses espaços, para fins educativos, também é ressaltada por
Pimentel e Magro (2014, p. 7), ao afirmarem que,
Os parques podem ser encarados como laboratórios de ensino de uma nova
postura social em relação ao meio ambiente. Daí a importância da
educação ambiental nessas áreas, pois suas práticas, quando socialmente
referenciadas, promovem uma visão crítica e interligam as atribuições
básicas dessas UCs, relacionadas a conservação, ao seu uso público e ao
desenvolvimento sustentável das comunidades adjacentes.
Encontramos na Educação Ambiental subsídios para a efetivação de práticas
formativas em Unidades de Conservação. Esta vertente educativa/formativa tem a
pretensão de contribuir para o amadurecimento, crescimento e fortalecimento do
saber, da ação, da reflexão e na construção do caminho que levem à
compreensão/intervenção na realidade.
Para Valenti et al (2012), “é preciso haver processos de formação continuada
de educadores ambientais que atuam nas Unidades de Conservação e outras
estratégias que possibilitem maior repercussão das políticas públicas em seu
trabalho cotidiano”.
Percursos e caminhos da pesquisa
Com o intuito de apontar iniciativas e instrumentos estratégicos de ação, para
subsidiar as atividades de uso público e a gestão em uma Unidade de Conservação
localizada no município de Nova Iguaçu- RJ – Parque Natural Municipal de Nova
Iguaçu (PNMNI), objeto de estudo da pesquisa –, apontamos a formação do educador
ambiental como fomentadora de atividades que proporcionem transformações da
realidade atual.
O PNMNI faz parte da Área de Proteção Ambiental do Gericinó-Mendanha,
considerada Reserva da Biosfera pela UNESCO em 1996. Em 05 de junho de 1998, o
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10455ISSN 2177-336X
Parque passou a ser considerado como Unidade de Conservação de Proteção Integral
pelo Decreto nº 6001. Segundo o NIMA (2010), o PNMNI é o primeiro Geoparque do
Estado do Rio de Janeiro, sendo detentor de atributos que contemplam valores
ecológicos, culturais e históricos, além de uma significativa importância geológica
devido à existência de um vulcão que se estima estar inativo há 38 milhões de anos.
Neste sentido, o PNMNI é considerado de grande importância para a região, no
entanto, existe a carência de inserções de projetos que o tornem mais atraente, onde a
comunidade crie laços de identidade, valorizando-o e dando-lhe maior visibilidade.
Acreditamos que atividades envolvendo principalmente as escolas do entorno,
tornam-se de grande relevância.
Com isso, buscamos investigar como se dá, no processo formativo através de
vivências in lócos, a dimensão socioambiental, a fim de subsidiar a proposição de
indicativos para a consolidação da Educação Ambiental em espaços
deeducação/formação extramuros acadêmicos. Apostamos na educação como forte
aliada no processo de transformações sociais. Neste sentido, Carspecken e Aplle
(1992, p. 509 apud ALVES-MAZZOTTI e GEWANDSZNADJER, 2004, p. 139):
A educação tem sido uma importante arena na qual a dominância é
reproduzida e contestada, na qual a hegemonia é parcialmente formada e
parcialmente quebrada na criação do senso comum de um povo. Assim,
pensar seriamente sobre educação, como sobre cultura em geral, é pensar
também seriamente sobre poder, sobre os mecanismos através dos quais
certos grupos impõem suas visões, crenças e práticas.
Há necessidade de pensar e realizar processos formativos de Educação Ambiental em
espaços onde a natureza seja um fator de grande inspiração. Refletindo sobre isso,
elencamos duas escolas que estão localizadas no entorno da Unidade de Conservação
que é objeto de estudo desta pesquisa, num raio de aproximadamente 2 km. No
primeiro momento, foram feitas visitas às escolas, onde aconteceu uma palestra sobre
Educação Ambiental e processos formativos, foi discutido com o trabalho com a
Educação Ambiental vem sendo realizado pelos professores, a questão da importância
da Unidade de Conservação para a região, o diálogo entre a direção do PNMNI e os
educadores.
A partir daí, foi feito um convite para os educadores interessados na temática,
para a uma formação realizada no interior do Parque. Acreditamos no afloramento do
sentimento de pertencimento, de inserção, de participação fazendo com que a
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10456ISSN 2177-336X
identidade e a valoração (re)nasçam. E quando isto ocorrer, as ações cumprem os seus
objetivos, pelo menos em parte. Objetivamos trabalhar com questões relacionadas à
percepção ambiental; à reflexões acerca da importância do espaço vivenciado; a
projetos envolvendo a inserção dos alunos no Parque. Planejamos, cinco encontros
quinzenais, aos sábados, no período da manhã. As atividades partiram sempre de uma
reflexão inicial, seguida de uma pequena trilha.
Acrescentamos que, a inserção da Educação Ambiental nas Unidades de
Conservação devem, não apenas direcionar para a sensibilização e interpretação
ambiental – apesar destas serem consideradas de grande valor –, mas, trabalhar com o
senso crítico da população, a fim de torná-la reflexiva e sensível, onde os sujeitos
tenham capacidade de criar alternativas para a solução de problemas, tornando-se
assim, mais participativos nos processos de tomada de decisão pelo poder público, por
meio de novas práticas reflexivas. Ou seja, tendo uma nova práxis de intervenção na
realidade, resultado do processo formativo
Considerações
Ressaltamos a necessidade de refletir acerca de diretrizes e procedimentos
metodológicos para projetos de Educação Ambiental em Unidades de Conservação,
sobretudo, as localizadas em grandes centros urbanos, tendo em vista, também, a
baixa produtividade acadêmica nesta área que possa embasar e instrumentalizar
efetivas práticas socioambientais nestes respectivos espaços.
É enveredando por entre trilhas, muitas vezes sinuosas, que a implementação
da Educação Ambiental pode, efetivamente, ocorrer. Essa educação não formal em
contato direto com a natureza pode possibilitar um maior envolvimento das pessoas
com as questões socioambientais, considerando-se que, as Unidades de Conservação –
mais especificamente a categoria Parque – , abrigam motivações e interesses que
despertam para uma formação cidadã, com capacidade de estabelecer uma nova
dinâmica socioambiental.
É imprescindível formação dos diversos atores envolvidos escolares com a
dinâmica do Parque, no planejamento de ações e políticas públicas em Educação
Ambiental para esse contexto. Ainda é frágil esse diálogo.
Apostamos na Educação Ambiental porque esta é, antes de tudo, educação. E
como reflete Guimarães (2004, p. 138), “educação é construção e não apenas
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10457ISSN 2177-336X
reprodução e transmissão de conhecimentos, é a construção de novos caminhos, de
novas relações entre a sociedade e a natureza”.
Reafirmamos aqui que a articulação, da escola e seus atores com o Parque é
fundamental, para que haja compreensão, valoração, aprendizagem. Exige, também,
muito conhecimento acerca do saber ambiental, pois este “flui a seiva epistêmica que
reconstitui as formas do ser e do pensar para apreender a complexidade ambiental”
(LEFF, 2001, p. 192).
Referências
ALVES-MAZOTTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER, F. O método nas ciências
naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. 2. ed. São Paulo: Pioneira,
2004.
BRASIL. Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). LEI
N. º 9.985 de 18 de julho de 2000.
GUIMARÃES, M. A formação de educadores ambientais. Campinas: Papirus,
2004.
GUIMARAES, M. ; QUEIROZ, E. D. . A Formação em Campo do Novo Pesquisador
Comprometido com a Construção da Sustentabilidade Socioambiental. In: Santos,
A.M.M; Cardoso, C.; Guimarães, M. (Orgs). (Org.). Trajetórias da educação
ambiental crítica: experiências de uma práxis socioambiental. 1ed. Seropédica-RJ:
Editora da UFRRJ, 2013
KAYSER, B. O geógrafo e a pesquisa de campo. In: Boletim Paulista de Geografia,
São Paulo, julho de 2006, n. 84.p. 93-104.
LEFF, E. Epistemologia Ambiental. São Paulo: Cortez, 2001.
NIMA - Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente. Educação ambiental: formação
de valores ético-ambientais para o exercício da cidadania no Município de Nova
Iguaçu. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2010.
PIMENTEL, D.S. e MAGRO, T.C. Diferentes dimensões da Educação Ambiental
para a inserção social dos Parques. Anais Uso Público em Unidades de
Conservação, Niterói, RJ, v.2, n.2, 2014.
QUEIROZ, E.D. e GUIMARÃES, M. O trabalho de campo em unidades de
conservação como ambiente educativo e estratégia pedagógica fundamental para uma
formação diferenciada em educação ambiental. In: Anais da VII Jornada
Internacional de Políticas Públicas. UFMA, São Luis, 2015.
VALENTI, M.E.; OLIVEIRA, H.T.; DODONOV, P.; SILVA, M.M. Educação
Ambiental em Unidades de Conservação: políticas públicas e a prática educativa. In:
Educação em Revista, Vol. 28, No 1, p. 267-288, 2012.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10458ISSN 2177-336X
DAS TENSÕES POLÍTICAS À FORMAÇÃO DE EDUCADORES
AMBIENTAIS: CONTEXTUALIZANDO POLÍTICAS PÚBLICAS E A
PRÁXIS PEDAGÓGICA
Aline Lima de Oliveira Nepomuceno
Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Resumo
A Educação Ambiental (EA) nasce da sensibilidade de aliar conhecimento científico,
tecnológico, artístico e cultural a uma nova consciência de valores, de respeito aos
seres humanos e aos recursos naturais, com perspectiva de ajudar a formar uma
mentalidade impulsionadora da construção de um novo paradigma emancipador e
transformador da crise civilizatória atual. Diante disso, as políticas públicas
ambientais e os programas educativos relacionados à transformação da crise
socioambiental demandam cada vez mais novos enfoques integradores de uma
realidade contraditória e geradora de desigualdades, que transcendem a mera
aplicação dos conhecimentos científicos e tecnológicos disponíveis. Partindo dessas
assertivas, esta pesquisa visa analisar as concepções de formação de educadores de
gestores participantes do processo contrutivo da Política Estadual de EA de Sergipe
(Lei nº 6882/2010). Assim, busco discutir, minimamente, a influência ou não desta lei
na formação de educadores apontando caminhos de consolidação da EA Crítica e suas
respectivas potencialidades para a emancipação e enfrentamento da ordem dominante,
instaurada no regime de exclusão das relações sociais e, sobretudo, da relação ser
humano e natureza. Com isso, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os
principais gestores desse processo de construção política. E, posteriormente, para
subsidiar as análises dos dados coletados, utilizei metodologicamente adaptações da
Análise Textual Discursiva (ATD) visando perceber concepções e práticas inebriadas
por visões ideologizadas de mundo. Portanto, a intenção foi a produção de um
trabalho que avance nas reflexões a respeito de quais sentidos e quais distintos
projetos políticos se agregam à EA em Sergipe. Tais avanços, nos campos
epistemológico e epistêmico, possibilitarão dar novos sentidos às práticas educativas
de EA.
Palavras-chave: Educação Ambiental. Formação de educadores ambientais. Política
Pública.
Introdução: caminhos e pressupostos políticos e epistemológicos
A crise socioambiental que nos envolve vem ganhando proporções planetárias
que se impõem perante a sociedade. O atual estágio de desenvolvimento do modo de
produção capitalista atingiu patamares de destruição ambiental, não experimentados
em nenhuma outra fase da história da humanidade. Milhões de seres humanos estão
condenados a viver sob condições degradantes de vida e, enquanto isso, os avanços
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10459ISSN 2177-336X
científicos e tecnológicos pouco têm contribuído para amenizar os impactos
socioambientais que atinge grande parte da população humana no planeta.
Nessa direção, a Educação Ambiental (EA) passou a ser apresentada como
uma importante estratégia para a formação de indivíduos partícipes na construção de
uma sociedade sustentável, socialmente justa e ecologicamente equilibrada.
No contexto internacional, as discussões sobre a EA se solidificaram na
década de 1970, em virtude da realização de importantes eventos. Dentre eles, destaco
a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano (1972) e a Conferência
Intergovernamental de Educação Ambiental (1977), a partir dos quais foram definidos
princípios, objetivos, estratégias e recomendações para o desenvolvimento da EA
mundial.
Neste ínterim, o histórico de criação de políticas públicas de EA em âmbito
federal no Brasil iniciou-se em 1973 com a criação da Secretaria Especial de Meio
Ambiente (Sema), que tinha como uma de suas atribuições “o esclarecimento e a
educação do povo brasileiro para o uso adequado dos recursos naturais, tendo em
vista a conservação do meio ambiente” (BRASIL, 2005, p. 22).
Apesar de indícios da formação do campo socioambiental ter se dado nos anos
de 1970, somente a partir da década de 1980 é que a EA no Brasil começou a ganhar
visibilidade, tendo em vista a abertura política e a ascensão dos movimentos sociais.
Nesse momento, iniciaram-se diversos encontros e reuniões como importantes
espaços de construção de identidade social em torno das práticas educativas voltadas
para o meio ambiente.
Com isso, foi apenas em 1981 que a EA apareceu pela primeira vez em um
marco legal federal, inserida como um princípio da Política Nacional do Meio
Ambiente (BRASIL, 1981). Posteriormente, em 1988, teve a sua importância
reforçada ao ser destacada na Constituição Federal no artigo nº 225, como uma forma
de se assegurar o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e
também de defesa e preservação ambiental para as gerações presentes e futuras
(BRASIL, 1988). Em seguida, direcionando a EA para a formação humana e cidadã
foi criada em 1999 a Política Nacional de EA – Lei nº 9795/99 (BRASIL, 1999), que
além de muitos outros encaminhamentos institui a EA como obrigatória em todos os
níveis de ensino formal.
Neste sentido, em 2010 é instituída em Sergipe a Política Estadual de
Educação Ambiental - Lei nº 6882/10 (SERGIPE, 2010), que dispõe sobre a
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10460ISSN 2177-336X
Educação Ambiental e seus princípios, objetivos e campos de atuação, visando a
garantia do envolvimento ativo e permanente da comunidade escolar na defesa da
qualidade socioambiental do território onde está inserida.
Neste cenário a EA surge como uma área a ser implementada, tendo em vista a
crescente conscientização sobre a problemática ambiental, do qual é vitimado todo o
planeta sem distinções. Sendo assim, como contribuição destes encontros e demais
vêm sendo promovidos questionamentos sobre as formas de ocupação e exploração
que o homem tem destinado ao meio ambiente natural e, consequentemente, ao
ambiente social e cultural. Nasce, desta forma, a preocupação de dotar a EA de
sólidos argumentos que possibilitem uma maior e melhor compreensão das questões
ambientais e dos desafios políticos, culturais, sociais, econômicos e ecológicos que
estamos envolvidos.
Com efeito, decorrente das diferentes visões de mundo que constituíram a EA
ao longo da história e da pluralidade de perspectivas pedagógicas inerentes à sua
prática, muitas são as possibilidades de entendimento dos conceitos associados à
dimensão ambiental. Contudo, chamo atenção para as ações em EA que ainda hoje
apresentam-se fragilizadas, mesmo com a crescente difusão da EA, sobretudo no
processo educativo (GUIMARÃES, 2004). Diante destas práticas é possível afirmar
que a inserção da EA tem sido feita basicamente por três caminhos: projetos,
disciplinas especiais e inserção da temática ambiental nas disciplinas.
É nesse sentido que considero importante investigar os discursos presentes no
campo da EA, particularmente materializados nesta pesquisa, nos documentos oficiais
que definem suas diretrizes e suas políticas públicas, em especial a de Sergipe
instituída pela Lei nº 6882/10 que concretizou a Política Estadual de Educação
Ambiental (PEEA). Assim, nesta pesquisa busco respostas para alguns desafios
enfrentados na implementação da EA, especificamente no tocante a PEEA para a
educação formal. Procuro investigar como a política sergipana de EA, especialmente
no discurso de seus gestores, materializa a formação de educadores ambientais e suas
práticas pedagógicas.
A pesquisa e seus aspectos metodológicos
Em virtude do objetivo desta pesquisa, opto por uma abordagem metodológica
de natureza qualitativa para a investigação e o relato analítico de experiências
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10461ISSN 2177-336X
realizadas (MINAYO, 1994). Para tornar exequível esta pesquisa, foram delimitados
os procedimentos metodológicos abaixo descritos.
Apoio-me no materialismo histórico dialético, enquanto método que
compreende o mundo sob a égide do capitalismo, por entender que esta perspectiva
permite uma melhor apreensão do movimento do real, visando a compreensão da
totalidade das relações existentes em determinado fato, fenômeno ou situação da
realidade, em que a unidade é o movimento.
Com isso, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com gestores da
política pública em questão. Os mesmos foram selecionados a partir da função que
assumiram no âmbito da construção da Lei nº 6882/10, de modo que fosse possível
visualizar a percepção de representantes do Governo Estadual da época quanto a
formação de educadores(as) ambientais, revelando no contexto de produção histórico
desta política pública quais as demandas para a práxis socioambiental e seus sujeitos
no cotidiano escolar, através da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Recursos
Hídricos – SEMARH (G1 e G2). Isso evidencia a necessidade de compreender melhor
o contexto de produção das políticas de EA, o como elas concebem a formação de
educadores(as) ambientais e problematizam a prática pedagógica dos mesmos na
concretização da EA nas escolas.
Para a realização das entrevistas, tomei cuidado com seu processo de
preparação, pois, assim como consideram Marconi e Lakatos (2009), essa etapa é
importante, porque requer tempo e exige algumas medidas, como, por exemplo: ter
em vista o objetivo a ser alcançado, levar em consideração o conhecimento prévio do
entrevistador sobre o assunto, garantir ao entrevistado o segredo de seus depoimentos
e de sua identidade, organizar um roteiro com as questões importantes; além de
submeter a pesquisa ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), via Plataforma Brasil,
pois trata-se de uma pesquisa que envolve seres humanos que sempre há um risco
mínimo, seja de constrangimento, seja de exposição. Após a realização das
entrevistas, foi efetuado o procedimento de transcrição, constituindo a primeira versão
escrita do texto do entrevistado. Tal processo também foi um momento de análise,
pois tornou possível captar alguns aspectos das falas e do contexto da entrevista.
As informações coletadas foram analisadas com base em um referencial
teórico que abarca a perspectiva da EA Crítica como ato político de transformação da
realidade, superando a visão hegemônica e reduzida da realidade, e, entendendo a
prática pedagógica como contextualizada e emancipatória. Essa opção se deu, uma
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10462ISSN 2177-336X
vez que acredito ser esta vertente a que está mais alinhada com o pensamento contra-
hegemônico e que colabora para com uma sociedade mais justa, mais democrática e
menos excludente. Essas escolhas se aproximaram da Análise Textual Discursiva –
ATD (MORAES, GALIAZZI, 2006) como metodologia de análise dos dados
coletados nas entrevistas capaz de subsidiar a análise crítica da realidade investigada.
É oportuno esclarecer que os instrumentos de coleta de dados aqui utilizados
para a pesquisa revelam posicionamentos e opiniões de um determinado grupo de
pessoas que ajuda a diagnosticar e a compreender algumas possibilidades e
dificuldades da implementação da EA Crítica a partir da dimensão política. Contudo,
esses dados não podem ser generalizados de forma absoluta, o que não quer dizer que
não são importantes para entender determinadas práticas político-pedagógicas neste
campo.
Disputas políticas em contexto
Para entender EA como política pública, é interessante iniciar com os
significados dessas palavras. Logo, como política pública compreendo como o
conjunto de ações desencadeadas pelo Estado, nas escalas federal, estadual e
municipal, com vistas ao bem comum. Estas ações podem ser preventivas ou
estimulativas, sendo exemplo dessas últimas o incentivo econômico para o
desenvolvimento sustentável ─ em muitos momentos questionáveis quanto a sua
viabilidade. Portanto, a responsabilidade pela implantação de políticas públicas
ambientais invoca toda a estrutura social, econômica e política, gerando a formação
de sistemas complexos.
Ressalto no processo de construção política a relevância da participação social,
como princípio democrático, no processo de construção e implementação de políticas
públicas. Logo, a participação pública não só é considerada um dos princípios
fundamentais da democracia (HOGAN, 1994), ela também é considerada um fator
estratégico na proteção ambiental (BACKER, 1991). Evidentemente, a participação
dos indivíduos nas decisões que afetam interesses que lhe dizem respeito, ocorre
mediada por formas coletivas de reivindicação, e por instancias institucionalizadas de
participação. Daí a importância especialmente dos Conselhos Escolares e da gestão
democrática escolar para a perspectiva participativa nas escolas para esta pesquisa.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10463ISSN 2177-336X
Ademais, a construção de um processo educativo identificado com a
autonomia individual e a emancipação social não pode prescindir de uma atitude
crítica, participativa e comprometida com a ampliação da cidadania. As políticas
ambientais e os programas educativos relacionados à transformação da crise
socioambiental demandam cada vez mais novos enfoques integradores de uma
realidade contraditória e geradora de desigualdades, que transcendem a mera
aplicação dos conhecimentos científicos e tecnológicos disponíveis.
Para tanto, a educação como uma ação política é discutida pelos educadores e
pela sociedade há bastante tempo. O caráter político pode ser expresso, ou não, na
intencionalidade e no potencial transformador das relações sociais nas quais a
educação, em suas mais variadas formas de institucionalização, está inserida. Assim,
defende-se que, para lidar com uma realidade em crise a ser transformada, a educação,
como prática social, e, por conseguinte, a EA devem ser eminentemente políticas, já
que estão intimamente imbricadas. Trata-se, portanto, de uma educação política de
caráter crítico transformador.
No seio dessa totalidade, há algumas políticas que chegam ou são planejadas
para chegar às escolas sem o necessário diálogo e a mediação destas com a sua
realidade, resultando em uma inserção marginal da EA, posto que não tocam em
questões inerentes ao “mundo da educação” e que são centrais para o seu
fortalecimento no contexto. Isto é, em muitos casos as políticas públicas chegam às
escolas como determinações que em alguns momentos não representam suas reais
necessidades, fato este que tem se agravado com a recorrente descontinuidade destas
políticas, que ficam a mercê de desejos e diferentes projetos políticos de diferentes
gestores.
Destarte, o tema, cujo foco está na compreensão dos diferentes sentidos em
disputa que têm sido sócio-historicamente mobilizados e imprimidos nas políticas
públicas, sobretudo no campo da EA para o contexto escolar, é o que move a
pesquisadora, por ser seu campo de atuação desde sua formação inicial, que na
tentativa de compreender os processos que envolvem a EA tem se voltado para
estudos quem vislumbram a EA da/na/para a escola, concebendo-a como mais um
importante espaço de formação humana, emancipação e de transformação social.
Educação Ambiental nas escolas e/ou as escolas na Educação Ambiental?
(Re)pensando os processos formativos de educadores ambientais
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10464ISSN 2177-336X
Ao falar sobre a participação das escolas e dos professores durante o processo
consultivo da PEEA, os gestores foram unânimes afirmando que os professores
estiveram presentes nestas discussões. “Os professores tiveram coparticipação no
processo de construção da politica.” (G1) Com isso, revela-se a preocupação de
regulamentação da PEEA que pudesse ser realmente instrumento de implementação
da EA nas escolas.
Entretanto, problematizando o título desta subseção: a EA deve estar na
escola? Ou a escola na EA? Ou ainda, a EA deve estar na escola e a escola na EA?
Acredito que a partir deste tipo de questionamento seja possível repensarmos alguns
práticas educativas que reduzem o sentido político, crítico e emancipatório da EA.
Todavia, o debate e a reflexão críticos sobre a sociedade não podem ser confundidos
com discursos político-ideológicos sem bases para a sustentação; contudo, devem ser
compreendidos como uma necessidade permanente do ser humano em seu movimento
de transformação histórica (LOUREIRO, 2006).
Assim, saliento que ações fragmentas e descontextualizadas de EA são
recorrentes nas escolas, que continuam realizando atividades pontuais,
comemorativas, projetos descontínuos, nas “brechas” entre uma demanda e outra dos
órgãos gestores, atendendo à exigências vindas de cima para baixo. Este é um quadro
que sustenta e aflige, mesmo quando se compreende de modo dialético a realidade e
se nega o entendimento linear da realidade, pois se evidencia uma dinâmica
contemporânea destrutiva e beligerante, de elevado risco para a sociedade
(LOUREIRO, 2006). Nesta dimensão, a EA está na escola, como nos remete a
pesquisa “O que fazem as escolas que dizem que fazem EA?” (TRAJBER e
MENDONÇA, 2006). Essa preocupação transparece no trecho abaixo:
Os projetos de EA, os eventos precisam estar sendo trabalhados, não
como uma questão eventual, mas como uma questão que vise a
sustentabilidade, que precisa dar continuidade para esse trabalho que é
importante para o município. Então, neste contexto surgiram alguns
projetos da secretaria, no âmbito geral, para que desperte dentro das
escolas ou comunidade, representações, empresas, etc., a importância de
se fomentar a sustentabilidade desta ação. (G1)
Questionar e refletir sobre essas concepções enraizadas em um modelo
hegemônico dominante é repensar a EA e seus processos formativos. Trata-se da
despolitização de questões socioambientais e da reificação da natureza como algo
previamente pronto, o que, infelizmente, tem mostrado sua supremacia nos últimos
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10465ISSN 2177-336X
anos, mesmo quando se diz respeito a processos formativos e práticas ditas políticas e
críticas. Dessa forma, estabelece-se a possibilidade de busca de soluções tecnocráticas
e gerenciais dos problemas, mas desvinculadas da análise do padrão societário. Há um
escamoteamento desses sentidos contra-hegemônicos, o que tem alertado em direção
à criação de instrumentos que possam reverter essa situação.
Com isso, alguns posicionamentos dos entrevistados, foram no sentido de
potencializar ações de EA na escola, fornecer ferramentas, junto à PEEA, para os
professores desenvolverem.
E um dos entraves, que eu acho que vai ser entrave ainda, é a questão da
necessidade de apoiar os professores e coordenadores de EA nas escolas.
Até porque quem faz a EA na escola é o professor. Existe um
coordenador de EA regional na DR e os professores que estão nas escolas.
Mas esse coordenador, geralmente, ele tem outras funções, ele é
coordenador de alguma coisa e EA. E a proposta que a Lei estabeleceu é
que nós deveríamos dar mais comissões para que esse coordenadores
trabalhassem só com EA. E que os professores envolvidos nas atividades
de EA nas escolas também fossem reconhecidos: ou redução de carga
horária, porque durante as discussões eram um dos grande problemas, é
que os professores além da carga horária de fazer não sei o que ainda
tinham que fazer EA, implantar a Agenda 21 na escola, a ComVida
(Comissão pela Vida e pelo Meio Ambiente) nas escolas também eram eles
que faziam, atividades interdisciplinares, projetos interdisciplinares, e no
processo sempre haviam dificuldades de estabelecer essas interrelações
com as disciplinas. (G2)
Refletindo nesta direção, e respondendo ao questionamento que intitula essa
seção, defendo que a EA esteja na escola e a escola esteja na EA, como um processo
educativo de movimento contínuo e dielético, com espaço garantido junto ao projeto
político da escola, com professores formados, motivados e incentivados para esse tipo
de prática pedagógica, atuando coletivamente. Quiçá desta forma a EA poderá ser
concebida interdisciplinarmente e o meio ambiente perpassará o currículo escolar de
maneira transversal, assim como recomendam algumas políticas públicas nacionais de
EA e como parece salvaguardar, durante o processo de construção da regulamentação
da PEEA, os gestores/educadores entrevistados.
Conjecturando sobre isso e diante da tentativa de compreender, sobretudo, a
prática pedagógica, remete-se à formação de professores. Essa preocupação, também,
esteve nas narrativas dos entrevistados:
Numa seara com 50 professores talvez 2 destes estavam motivados pela
EA e os outros não estavam porque desconheciam, não eram
sensibilizados para tal. Então, nós queríamos promover essa
sensibilização, essa capacitação, nós queríamos que os professores não só
o de Biologia e o de Geografia, mas o de Matemática, o de Química,
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10466ISSN 2177-336X
Português, Literatura, estivessem envolvidos com a questão ambiental,
mas eles não eram. (G2)
Achar que EA é assunto para professor de Ciências ou para aula de Ciências
ainda é muito comum entre os professores. Chamar a atenção por rasgar papel e jogar
lixo no chão é incorporar uma atitude de EA descontextualizada de uma totalidade, de
um processo de construção do sujeito crítico, reflexivo. Nesse sentido, Tozoni-Reis
(2002, p. 92) alerta para que “(...) a ideologia da eficiência tem sido um forte
obstáculo à formação crítica dos profissionais no ensino superior” os quais, mesmo
reconhecendo e sabendo dos artifícios e das artimanhas que o padrão excludente
possui, acabam por incorporar essas ações em seu retorno à sala de aula, dando uma
ideia de onipotência ao paradigma hegemônico. Pensar uma formação de educadores
superadora dessas “armadilhas” do/no processo educativo é, também, pensar a
formação do educador-reflexivo, do educador ambiental crítico, reflexivo,
participativo que, na inculcação e na transformação, busca um real desenvolvimento
da sociedade no âmbito de um padrão civilizatório diverso do atual.
Daí despontam alguns questionamentos de Nóvoa (1992) sobre como os
professores são vistos: se como funcionários ou se como profissionais reflexivos, se
como técnicos ou se como investigadores, se como aplicadores ou se como
conceptores curriculares.
Surge, nessa direção, a necessidade de investimento na formação de
educadores ambientais críticos, já que se reconhece a educação como ato político e
não neutro, como utopia e práxis. Essa inquietação foi possível diagnosticar durante a
criação da PEEA através do que foi dito pelos gestores.
Ao refletir sobre isso, ouso propor uma ruptura com o pensamento que
consolida o processo educativo como espaço de reprodução e o professor como
repetidor de conhecimentos produzidos por outros. Ao assumir que a dialogicidade,
por meio do movimento participativo, é o caminho sócio-político para a formação de
atores sociais críticos, reflexivos, cidadãos e transformadores, assume-se que,
somente com o entendimento da totalidade dos seres humanos como sujeitos
historicamente constituídos, será possível a transformação do paradigma dominante
em uma lógica contra-hegemônica de justiça social e, sobretudo, socioambiental.
É importante também salientar que, nesse processo meandroso, até nebuloso,
do “vai-e-vém” de ações críticas (apesar de dominantemente presentes as ideologias
de caráter conservador), elas se mostraram permeáveis.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10467ISSN 2177-336X
Todos os fatores, explicitados influenciam diretamente a formação do
educador, capacitando-o para ser um intelectual que opera a serviço dos interesses do
Estado e cuja formação social visa primordialmente manter e legitimar o status quo
(GIROUX e MCLAREN, 2009), são refletidos diretamente na prática pedagógica. A
maioria desses professores foi ou é formada na perspectiva conservadora presente,
consequente e diretamente, em suas práticas pedagógicas.
Logo, vale reforçar que esse tipo de prática também enquadra o processo
educativo da EA. Os educadores, formados dentro dessa lógica de silenciamento,
estão, na maioria das vezes, preocupados com a degradação da natureza e partilham
de soluções paliativas ou mitigadoras, engendradas pela racionalidade hegemônica
para a resolução de “problemas ambientais”. Essa dinâmica espelha uma prática
pedagógica limitada pelo discurso inadequado e ingênuo que forja o papel político do
ato pedagógico, tornando-o, ao mesmo tempo, vertical e excludente.
É com base nessas perspectivas que o processo educativo recai em
redundância e, consequentemente, a prática educativa se pauta na lógica da
“armadilha paradigmática” (GUIMARÃES, 2004). Tais práticas, então, tendem a
reproduzir um fazer pedagógico que inebria o caráter crítico e criativo do processo
educativo, homogeneizando e superficializando o discurso da EA. Nisto, o homem
sacrifica imediatamente a sua capacidade criadora (FREIRE, 2009).
O agravante desse tipo de concepção é que o paradigma dominante da
sociedade moderna, em sua racionalidade, reforça a visão fragmentada, dualista e
dicotômica de mundo, e naturaliza a separação entre o refletir e o agir. Nesse aspecto,
chama-se a atenção para a importância da práxis como reflexão e ação, como teoria e
prática, realizando-se concomitante e reciprocamente, direcionadas para a constituição
de um novo paradigma em conjunto com a construção de uma sociedade
ambientalmente sustentável.
Esses princípios educativos que buscam outros caminhos devem ancorar e/ou
estar ancorados em novas propostas pedagógicas, como as interdisciplinares em EA,
as quais, para se aproximar da complexa realidade socioambiental, assumem a
abordagem relacional com uma de suas principais características: o estabelecimento
da abertura ao outro e do diálogo. Esse tipo de ação, já recomendada por diversos
documentos normativos PCNs, Conferência de Tbilisi, entre outros , considera a
EA como um processo educativo por natureza transversal e interdisciplinar.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10468ISSN 2177-336X
Considerações
Acredito que repensar as políticas públicas de EA, e a própria EA em sua
essência é, antes de tudo, repensar a educação; é repensar o papel dos professores; é
repensar as condições de sobrevivência dos oprimidos e excluídos; é repensar o papel
dos seres humanos enquanto sujeitos histórico-dialeticamente determinados; é
transformar os padrões ditatorias, neoliberais, alienantes, conservadores,
individualizantes e antropocêntricos da lógica mercadológica vigente. Nessa direção,
é prestigioso que esse tipo de discussão envolva os professores/educadores, para que
os mesmos possam estar constantemente refletindo a partir de sua práxis e buscando
ações transformadoras, quiçá revolucionárias.
Diante das análises realizadas no que tange a formação de educadores(as)
ambientais, principalmente na perspectiva crítica, há predominância de uma visão
reduzida. Seja por uma prática pouco transformadora, seja por condições hegemônicas
que insistentemente se fazem presentes, esse tipo de formação acaba negligenciando
seus criadores e sua criação. Pensando nesse contexto, a educação como campo de
disputa e como espaço habitado por multissubjetividades, na percepção de um
movimento dialético de superação-persistência, a manutenção prevalece sobre a
contra-hegemonia e, opostamente, a resistência favorece a transformação; ou se
liberta da “armadilha paradigmática” (GUIMARÃES, 2004) e, por conseguinte, da
burocratização da mente, ou se prossegue alimentando as ideias parasitas reformistas.
Surge, veementemente, nessa direção, a necessidade de investimento na
formação de educadores ambientais críticos, já que se reconhece a educação como ato
político e não neutro, como utopia e práxis. Distante do processo de alienação que
acaba por inibir a criatividade e próximo à utopia e à esperança, luta-se por uma
pedagogia da humanidade em constante processo de libertação, pensada na/para a
formação plena do ser humano, sem estranhamento, sem dominação e sem exclusão.
Referências
BACKER, J. I. L. The right to participation in environmental matters. Anais da
Conferencia Internacional de Direito Ambiental. Rio de Janeiro, 1991.
BRASIL. Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do
Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação e da outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 set. 1981.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10469ISSN 2177-336X
______. Constituição Federal de 1988. Constituição [da] Republica Federativa do
Brasil. Brasília, DF: Senado Federal 1988.
______. Lei 9.795, de 27.04.1999. Dispõe sobre Educação Ambiental e institui a
Política Nacional de Educação Ambiental, e da outras providências. DOU 28.04.1999.
_______. DEA/MMA e CGEA/MEC. Programa Nacional de Educação Ambiental
(ProNEA). Brasília: Edições MMA, 3. ed., 2005.
FEIRE, P. Educação como prática da liberdade. 32ª reimp. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2009.
GIROUX, H. A., MCLAREN, P. Formação do professor como uma contra-esfera
pública: a pedagogia radical como forma de política cultural. In: MOREIRA, A. F.,
SILVA, T. T.(orgs) Currículo, Cultura e Sociedade. 11ª ed. São Paulo, Cortez,
2009.
GUIMARÃES, M. A formação de educadores ambientais. São Paulo: Papirus,
2004.
HOGAN, D. J. Pobreza, poluição e prioridades: considerações sobre o meio
ambiente e a cidadania. Campinas, Unicamp, Textos Didáticos, n. 3, 1994.
LOUREIRO, C. F. B. O movimento ambientalista e o pensamento crítico: uma
abordagem política. 2. ed. Rio de Janeiro: Quartet, 2006.
MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos de metodologia científica.
6. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
MINAYO, M. C. de S. Ciência, técnica e arte: o desafio da pesquisa social. In:
MINAYO, M. C. de S. et al (Orgs.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 2.
ed. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 9-29.
MORAES, R; GALIAZZI, M. do C. Análise textual discursiva: processo
reconstrutivo de múltiplas faces. Ciência e Educação, v. 12, n. 1, p. 117-128, 2006.
NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, A. (Org.).
Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992. p. 13-33.
SERGIPE. Governo do Estado de Sergipe. Política Estadual de Educação
Ambiental Sergipe. Lei n.º 6882, 2010. Disponível em:
http://www.semarh.se.gov.br/modules/tinyd0/index.php?id=14. Acesso em: 10 ago.
2014.
TOZONI-REIS, M. F. de C. Formação dos educadores ambientais e paradigmas em
transição. Ciência e Educação, Bauru, v. 8, n. 1, p. 83-96, 2002.
TRAJBER, R.; MENDONÇA, P. R. (Orgs.). Educação na diversidade: o que fazem
as escolas que dizem que fazem educação ambiental? Brasília: Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade/MEC/UNESCO, 2006.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10470ISSN 2177-336X
top related