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Considerações sobre a teoria de Marx e a crise do capitalismo
Atenágoras Oliveira Duarte *
RESUMO
O propósito deste artigo é tratar da validade da contribuição da teoria de Marx para a
análise da atual crise econômica internacional. Na primeira parte do artigo busca-se a
apresentação dos principais indicadores sociais e macroeconômicos que indicam as
circunstâncias históricas mais gerais da crise. Em seguida são consideradas algumas
dimensões cruciais da teoria do valor de Marx. Busca-se mostrar a inexistência de um
problema da transformação de valor-trabalho em preço de produção, a partir de uma
abordagem centrada no método marxista de investigação. A lei de tendência à queda da
taxa média de lucro, por sua vez, é analisada a partir de uma abordagem segundo a qual
a realidade é constituída por tendências e contratendências cuja interação permite
resultados distintos, a cada momento histórico. Neste sentido, o próprio Marx enuncia o
que ele considerou serem as seis causas contrariantes mais genéricas da tendência à
queda da taxa de lucro, admitindo, portanto, outros processos historicamente mais
específicos. O artigo buscará mostrar que o processo de financeirização funcionou como
uma causa contrariante à queda da taxa média de lucro, mas dentro de um processo
contraditório de enfraquecimento da capacidade produtiva e de consequente crise
econômica. Considera-se ainda que o processo de financeirização incorpora outra
dimensão da teoria do valor de Marx, que se constitui em sua própria negação (ao
menos no formato apresentado no livro I de “O Capital”), a partir de uma “desmedida”
do valor decorrente do avanço científico e tecnológico. A parte final do artigo destina-se
a interpretar a atual crise do capitalismo a partir das dimensões teóricas anteriormente
expostas.
PALAVRAS-CHAVES: Teoria do Valor, Tendência à Queda da Taxa de Lucro, Capital
Fictício, Financeirização, Crise Econômica Internacional, Capitalismo.
* Professor de Economia do Centro Acadêmico do Agreste – UFPE.
2
Considerações sobre a teoria de Marx e a crise do capitalismo
Atenágoras Oliveira Duarte
1. A crise internacional de 2008
Em 15 de setembro de 2008 era anunciada a falência do Lehman Brothers,
quarto maior banco de investimentos dos EUA. Deflagra-se a maior crise financeira
internacional desde a Grande Depressão dos anos 30.
A atual crise financeira internacional tem seu início predominantemente
marcado em agosto de 2007, quando o Banco francês BNP Paribas congelou o resgate
de cerca de 2 bilhões de euros de fundos sob sua administração, alegando identificar um
risco relevante nos pagamentos de crédito “subprime” nos EUA. O resultado desta
medida foi a propagação de uma reação de pânico no mercado imobiliário dos EUA, ao
ponto da empresa American Home Mortgage (AHM), uma das 10 maiores empresas do
setor de crédito imobiliário e hipotecas, pedir concordata. A crise no setor seguiu uma
trajetória de piora gradativa, até que em março de 2008 o quinto maior banco de
investimentos dos EUA, o Bear Stearns, estava na iminência da falência. Nesta ocasião
o FED optou por estender uma linha de crédito de US$ 30 bilhões ao banco JP Morgan
Chase para que este adquirisse o Bear Stearns. Em julho de 2008 foi a vez das empresas
de hipotecas Fannie Mae e Freddie Mac, responsáveis por carteiras de ativos da ordem
de US$ 5 trilhões, darem sinais de iminência de falência. O Tesouro dos EUA interviu
neste processo, oferecendo, entre outras ações, uma injeção de liquidez da ordem de
US$ 200 bilhões. Em setembro de 2008, frente às sinalizações de risco oriundas do
mercado financeiro, o governo dos EUA optou por estatizar as empresas Fannie Mae e
Freddie Mac.
Quando a iminência de falência atingiu o banco Lehman Brothers, quarto
maior banco de investimentos dos EUA, contudo, o governo dos EUA optou por não
intervir, e permitir a quebra desta instituição. Logo na sequência do anúncio da falência
do banco Lehman Brothers, o governo dos EUA anuncia um empréstimo de US$ 85
bilhões à maior empresa de seguros dos EUA, a American Interegional Group (AIG),
que se converte na aquisição de cerca de 80% das ações da empresa. Esta medida não
impede o alastramento do pânico no mercado financeiro internacional, de maneira que a
3
magnitude da crise, a partir da falência do banco Lehman Brothers, atinge a escala de
maior crise internacional desde o Crash da Bolsa de Nova Iorque, em 1929.1
Um dos efeitos da crise internacional foi o amplo questionamento ao
pensamento econômico hegemônico que não só não a previu, como só a admitiu quando
ela estava em pleno curso.2 Por decorrência, correntes do pensamento econômico
heterodoxo que privilegiam o estudo das crises do capitalismo voltaram a ganhar
destaque, especialmente o legado teórico de Marx.
A comprovação da validade do legado de Marx para a análise da atual crise
internacional, contudo, remete às mais famosas controvérsias sobre algumas de suas
teses. No caso de serem efetivas as inconsistências alegadas a conceitos fundamentais
de sua obra, faria pouco sentido o uso da teoria de Marx como ferramenta de
compreensão da crise atual, podendo, no máximo, servir de provocação pontual para
pesquisas a partir de outros instrumentos teóricos. Para demonstrar que é legítima a
interpretação segundo a qual não existiriam tais inconsistências, a próxima seção é
destinada a defender a validade da teoria do valor e da lei de tendência à queda da taxa
de lucro, acrescentando ainda a importância do conceito de capital fictício.
2. Principais recursos da obra de Marx para análise da crise
2.1 Teoria do valor trabalho e a questão da transformação de valores em preços
Segundo a teoria valor trabalho de Marx, em síntese, o valor (enquanto
percepção social de importância) das mercadorias possui base objetiva, e esta base é a
quantidade de trabalho socialmente necessário incorporado em cada mercadoria.
O debate sobre a validade da teoria do valor-trabalho de Marx acabou por se
concentrar no chamado “problema da transformação de valores em preços de
produção”. É fácil encontrar significativa literatura sobre o assunto. Um dos trabalhos
que procuram organizar as diversas posições em agrupamentos semelhantes é o de
1 Descrição do processo baseada em Borça Jr & Torres Filho (2008), Borça Jr (2008), Carcanholo, Pinto,
Filgueiras & Gonçalves (2008). 2 Pelo menos dois casos podem ser citados. Em 20/04/2003 a Folha de São Paulo publica uma entrevista
com o historiador econômico Robert Brenner, sobre o lançamento de seu livro ''O boom e a bolha: os
Estados Unidos na economia mundial''. Na entrevista o pesquisador destaca que a bolha no mercado
imobiliário dos EUA estaria “perto de estourar”, com graves consequências para a economia dos EUA.
Um segundo caso, mais famoso, é o do economista Nouriel Roubini, que em 2006 defende a iminência e
a gravidade da crise internacional a partir dos EUA no auditório do FMI, tendo suas previsões
ridicularizadas na ocasião (conforme artigo obtido em http://www.hsm.com.br/artigos/nouriel-roubini-de-
louco-profeta).
4
Guerrero (2000), que considera que o debate poderia ser definido em torno de quatro
posições:
1. A que considera a teoria correta e acabada, de maneira que suas re-
interpretações são tidas, pelos adeptos desta posição, como uma conversão a
uma teoria distinta;
2. A que considera a teoria incorreta, fundamentalmente em seu desenvolvimento
formal e lógico, mas passível de correção, desde que reformuladas algumas
conclusões obtidas pelo próprio Marx. Constitui-se no grupo majoritário dentro
do debate;
3. A que considera a teoria correta, mas inacabada, considerando ainda que o
desenvolvimento desta teoria deve incorporar algumas das contribuições “de los
críticos y modificar algunos aspectos concretos de las conclusiones de Marx
que, sin embargo, no hacen incorrecto el contenido de su teoría” (GUERRERO,
2000, cap.2, p.41)
4. A quarta posição seria uma variante da posição 3, sendo a posição adotada pelo
próprio Guerrero:
A mi juicio, de ese punto muerto sólo se puede salir añadiendo nuevos
elementos para completar la teoría de Marx; elementos que, a diferencia
de lo que ocurre en la posición 2, no sustituyen la teoría de Marx por
teorías opuestas, ni la subsumen en otra superior, sino que se incorporan
al cuerpo teórico y conceptual marxiano por absorción activa de éste, es
decir, quedando subsumidos ellos en el interior de la teoría que
consideramos superior, que es la que procede de Marx. (GUERRERO,
2000, cap. 2, p.41)
Na medida em que se demonstre que a “transformação de valores em preços de
produção” está de acordo com a metodologia de Marx e apresenta coerência e
consistência em sua formulação, ou seja, que a teoria está correta (ainda que não
necessariamente devidamente explicitada), não haveria necessidade, para os propósitos
deste artigo, de investigar outras posições. Pelo apanhado de obras investigadas,3
destaco dois argumentos fundamentais (embora não explicitamente abordados em todas
as obras citadas, constituem-se em argumentos compatíveis, no essencial, com a lógica
desenvolvida):
a) Não existe problema de transformação de valores em preços de
produção porque este último conceito, nos marcos da obra de Marx, não se
3 Carcanholo (1996), Paula (1996), Gontijo (1989).
5
constitui, de fato, em preço, mas sim em um valor modificado.4 Por preço de
produção, Marx estaria considerando a parcela de valor apropriado por cada
capitalista, em horas trabalhadas, e não em preço do custo de produção no
sentido tradicional, que precisa incorporar as taxas de lucro das mercadorias que
compõem este custo de produção – no caso do custo com os trabalhadores, as
taxas de lucros incorporadas no preço da cesta de bens-salários.
b) O propósito fundamental de Marx não foi encontrar posições de
equilíbrio que mensurassem as quantidades das variáveis envolvidas, mas
identificar, logicamente, a dinâmica do processo através do qual a essência (a
formação do valor) iria se manifestar em sua aparência (a formação dos preços).5
A existência de contradições neste processo de transformação é da própria
essência da diferença entre essência e aparência da realidade, manifestando-se
enquanto processo de interações sociais, e não enquanto condição de equilíbrio
pré-estabelecido do sistema.6
O desenvolvimento deste conceito em Marx passa por um momento de maior
simplificação, no qual o trabalho complexo constitui-se em um múltiplo do trabalho
simples, de maneira que a maior complexidade do trabalho não atrapalha a cristalização
4 “Para Marx, como vimos, o preço de produção não é mais que um valor modificado, ou melhor, a
magnitude do valor apropriável por cada capital ou por cada setor de produção, se certo critério de
distribuição da mais-valia entre os capitais ocorrer: a uniformidade da taxa de lucro. A grandeza do valor
indica a magnitude da riqueza capitalista produzida em cada setor; a grandeza do preço de produção
mostra a quantidade apropriável, atendido o critério anterior. É por isso que podemos comparar a
magnitude do valor com a do preço de produção: este pode ser igual, maior ou menor que aquele. [...]
Coloquemo-nos um pouco na pele do preço de produção, tal como Marx o concebeu. O autor teria
cometido a infelicidade de chamá-lo preço de produção. Na verdade, trata-se de um valor transformado;
um valor que representa a riqueza apropriada pelo produtor de cada mercadoria, na venda, em condições
de existência de taxa de lucro uniforme, isto é, em condições de equilíbrio dado o não monopólio. A
infelicidade consistiria em não pensar que seus críticos, frente ao conceito de preço de produção, fixar-se-
íam menos no seu real conteúdo que na palavra preço.” (CARCANHOLO, 1996, p. 13 e 14) 5 “Pretende-se apresentar aqui um argumento, que busca apresentar o problema, a partir do que é
rigorosamente fundamental em Marx que é a centralidade da dialética como método e como ontologia.
Isto é, enfrentar a questão não mais no plano da afirmação da identidade, nos marcos de uma perspectiva
de equilíbrio geral, mas no terreno em que a contradição é o móvel e o conteúdo do processo de
determinação dos preços no regime capitalista. Significa, enfim, dizer que não há um “problema de
transformação” senão que uma dialética entre valores e preços” (PAULA, 1996, p. 24) 6 “Na verdade o processo de determinação dos preços resulta de uma série sistemática de interpelações
alternadas entre o plano de produção e da circulação, entre valores e preços. O processo inicia-se com um
conjunto de preços dados – o preço do capital constante; os salários; os juros; o aluguel; o lucro esperado
– é a avaliação destes preços que determinará a forma de produção. Neste sentido quando os capitalistas
iniciam o processo de produção estão cientes do conjunto de preços relevantes e só tomam a atitude de
produzir porque avaliam viável o negócio dados aqueles preços. O que é, então, incógnita neste processo,
que se inicia com o conhecimento, pelo produtor, das condições de mercado? São incógnitas neste
processo os elementos mesmo da concorrência: as modalidades concretas de extração da mais valia
operadas pelos outros capitalistas, a dinâmica do progresso tecnológico; a “politização” dos preços
decorrente da ação do Estado; a entrada de novos capitalistas no ramo de produção considerado; as
modificações no gosto e na preferência dos consumidores [...]” (PAULA, 1996, p. 25 e 26).
6
de um valor social dado ao trabalho, em função da quantidade de horas socialmente
necessárias para sua realização – este momento investigativo é observado no livro I de
“O Capital”. Mas o método de Marx é agregativo, ou seja, parte do simples para o
complexo, de um menor número de variáveis para um maior número de variáveis, da
separação das variáveis para exame a parte até a integração das variáveis em processos
crescentemente complexos. No livro III de “O Capital” Marx tem condições de avaliar a
trajetória logicamente resultante de suas considerações anteriores. Se o sistema
capitalista constitui-se em fonte gerador de inovações tecnológicas enquanto
necessidade para a continuidade da acumulação de capital, se a inovação tecnológica é a
arma com a qual se enfrenta a concorrência, se é o principal instrumento para se fazer
frente à tendência à queda da taxa de lucros (tendência que será examinada adiante),
então a tendência é que o progresso tecnológico no capitalismo seja acelerado e
contínuo (ainda que não linear). O resultado lógico é o aumento da complexidade do
trabalho, a crescente incorporação da ciência ao processo produtivo, ampliando a
presença do trabalho complexo frente ao trabalho simples. Nos termos de Marx:
A troca de trabalho vivo por trabalho objetivado, ou seja, a posição do
trabalho social na forma de contradição entre o capital e o trabalho
assalariado, é o último desenvolvimento da relação de valor e da
produção baseada no valor. O pressuposto dessa produção é, e segue
sendo, a massa de tempo de trabalho imediato, a quantidade de trabalho
empregada como fator determinante na produção de riquezas. Todavia, à
medida que a grande indústria se desenvolve, a criação de riqueza real
torna-se menos dependente do tempo de trabalho e da quantidade de
trabalho empregada, passando a depender mais da capacidade conjunta
dos agentes postos em ação durante o tempo de trabalho, capacidade cuja
eficácia (...) não mantém nenhuma relação com o tempo de trabalho
imediato que sua produção exige; depende do estado geral da ciência e
do progresso técnico, ou da aplicação da ciência à produção.
[...] Nessa transformação, o que aparece como pilares fundamentais da
produção e da riqueza não são nem o trabalho imediato executado pelo
homem nem o tempo em que este trabalha, mas sim sua força produtiva
geral, sua compreensão da natureza e seu domínio sobre ela graças à sua
existência como corpo social; em uma palavra, o desenvolvimento do
indivíduo social.(MARX, 1973, p. 704-705, apud PRADO, 2005, p. 83)
Desenvolvendo considerações sobre estas formulações de Marx, Prado (2005)
observa que:
[...] as diminuições do tempo de trabalho deixaram de ser um objetivo sempre
dominante na produção da riqueza. O que, então, tornou-se importante para o
crescimento da força produtiva do trabalho foram as determinações qualitativas
7
que informam o próprio trabalho e que advêm do progresso da ciência e da
tecnologia. O próprio tempo de trabalho perde relevância em relação ao tempo
fora do trabalho porque é aí que o trabalhador ganha as determinações
qualitativas que se tornam cruciais para o aumento da produtividade. Dito de
outro modo, o trabalho complexo – que agora é tecno-científico -, enquanto
gerador de valores de uso, não pode mais ser medido apenas pelo tempo de um
modo economicamente significativo. (PRADO, 2005, p. 85)
Além da origem da contribuição para a qualificação do trabalho ficar mais
indefinida (pois, em que espaço e em que tempo cada contribuição qualitativa foi
formada, fora do trabalho imediato, para ser incorporada posteriormente, dentro do
trabalho?), a própria dinâmica da geração e desenvolvimento do conhecimento
científico constitui-se em fonte de indeterminação. A ciência constitui-se em um
conjunto de certezas relativas e temporárias. A incorporação da ciência ao processo
produtivo não apenas incorpora conhecimentos já bastante consolidados na sociedade,
mas também incorpora as incertezas relacionadas a cada um destes conhecimentos.
Quanto mais a ciência é incorporada no processo produtivo, mais complexo se torna
tanto a avaliação do esforço social empreendido para o seu uso, quanto o entendimento
em relação “ao que virá”. Um trabalho complexo envolve um grau de incerteza maior
que um trabalho simples, de maneira que a definição de seu valor, pela sociedade,
adquire a complexidade de seu conteúdo cognitivo. Em um sistema econômico que
estabelece a apropriação do valor presente pela perspectiva do valor a ser gerado no
futuro – e este ponto será visto adiante –, a indeterminação da trajetória do produto
fortalece o desregramento de sua medida de valor.
2.2 Tendência à queda da taxa de lucro
O conceito marxista de tendência à queda na taxa de lucro constitui-se em uma
categoria com um histórico de grande polêmica. A teoria de Marx pode ser apresentada
a partir da definição da taxa de lucro enquanto função da mais valia (m) e do capital
total empregado, decompondo-se este em capital constante (c) e capital variável (v),
para salário e jornada de trabalho dados:
l = m/(c + v)
A tendência da queda da taxa de lucro decorre diretamente da tendência ao
aumento da composição orgânica do capital (do capital constante crescer mais que o
capital variável), do predomínio da extração da mais-valia relativa (pelo incremento das
inovações tecnológicas) e do processo de acumulação de capital. Se a equação acima for
8
dividida, no numerador e no denominador pelo capital variável (procedimento não
realizado por Marx), a taxa de mais valia (m/v) e a composição orgânica do capital (c/v)
ficam explícitas na equação:
l = (m/v)/[(c/v)+1]
Nas palavras de Marx:
Com o desenvolvimento da força produtiva e a composição superior do
capital, que lhe corresponde, põem um quantum cada vez maior de meios
de produção em movimento por um quantum cada vez menor de
trabalho, cada parte alíquota do produto global, cada mercadoria
individual ou cada medida individual determinada de mercadoria da
massa global produzida absorve menos trabalho vivo e, além disso,
contém menos trabalho objetivado, tanto na depreciação do capital fixo
empregado quanto nas matérias-primas e auxiliares utilizadas. Cada
mercadoria individual contém, portanto, uma soma menor de trabalho
objetivado nos meios de produção e de trabalho novo agregado durante a
produção. Por isso cai o preço da mercadoria individual. (MARX, 1983,
pág. 172 e 173)
Na apresentação de sua teoria, Marx considera de imediato o cenário de
aumento da taxa de mais-valia, mas procura demonstrar que este eventual aumento não
pode conter a tendência à queda da taxa de lucro, por si só. Marx apresenta a “Lei da
queda tendencial da taxa de lucro” (que corresponde a seção III do livro III de “O
Capital”) em mais de um capítulo, tratando no capítulo XIII de “A Lei enquanto tal”, e
no capítulo XIV de “Causas Contrariantes”. Neste último capítulo, Marx inicia com as
seguintes considerações:
Se se considera o enorme desenvolvimento das forças produtivas do
trabalho social, ainda que somente nos últimos 30 anos, em comparação
com todos os períodos anteriores, se se considera a saber a enorme massa
de capital fixo que, além da maquinaria propriamente dita, entra no
conjunto do processo de produção social, então, no lugar da dificuldade
que até agora ocupou os economistas, isto é, explicar a queda da taxa de
lucro, aparece a dificuldade inversa, ou seja, explicar por que essa queda
não é maior ou mais rápida. Deve haver influências contrariantes em
jogo, que cruzam e superam os efeitos da lei geral, dando-lhe apenas
o caráter de uma tendência, motivo pelo qual também designamos a
queda da taxa geral de lucro como uma queda tendencial. As mais
genéricas dessas causas são as seguintes [...]. (MARX, 1983, pág. 177,
grifos meus)
Este é um dos trechos da obra de Marx em que seu método de pesquisa fica
mais destacado, no qual fica explícito e inequívoco que Marx não trabalhava com “leis”
sociais deterministas, mas sim com o conceito de ‘resultante de forças’, processo pelo
9
qual tendências podem, ou não, ser anuladas por contratendências, enquanto processos
sociais antagônicos. Observe-se que Marx enfatiza que a queda da taxa de lucro
constitui-se em uma tendência, não em um processo determinado, certo de ocorrer. Já
nas causas contrariantes, Marx observa apenas aquelas que lhes parecem mais
genéricas, admitindo de imediato a possibilidade de outras causas mais específicas de
cada processo de recuperação ou de não redução das taxas de lucros (entre as quais
poderíamos citar a intervenção estatal e a financeirização da economia).
Nos termos de Marx, as causas contrariantes mais genéricas da tendência à
queda da taxa de lucro seriam:
I. Elevação do grau de exploração do trabalho
II. Compressão do salário abaixo de seu valor
III. Barateamento dos elementos do capital constante
IV. Superpopulação relativa
V. Comércio exterior
VI. Aumento do capital por ações
Na sequência da seção III, Marx vai explorar os “Desdobramentos das
contradições internas da lei”, em mais um momento de sua obra em que se destaca a
perspectiva filosófica de seu método, ou seja, a percepção da realidade enquanto
constituída por contradições que estabelecem sua dinâmica e sua transformação. Deste
capítulo XV, entretanto, não se pretende explorar o conjunto do desenvolvimento destas
contradições, mas apenas enfatizar um trecho a ser resgatado mais adiante:
Nenhum capitalista emprega um novo método de produção, por mais
produtivo que seja ou por mais que aumente a taxa de mais-valia, por
livre e espontânea vontade, tão logo ele reduza a taxa de lucro. Mas cada
um desses novos métodos de produção barateia as mercadorias. Ele as
vende, portanto, originalmente acima de seu preço de produção, talvez
acima de seu valor. Embolsa a diferença entre seus custos de produção e
o preço de mercado das demais mercadorias, produzidas a custos de
produção mais elevados. Pode fazê-lo porque a média do tempo de
trabalho socialmente exigido para a produção dessas mercadorias é maior
do que o tempo de trabalho exigido pelo novo método de produção. Seu
procedimento de produção está acima da média do social. Mas a
concorrência generaliza-o e submete-o à lei geral. Então se inicia o
descenso da taxa de lucro – talvez primeiro nessa esfera de produção, e
depois se equaliza com as outras –, o que é totalmente independente da
vontade dos capitalistas. (MARX, 1983, pág. 198)
10
O histórico de debates acerca do tema é extenso, de maneira que ficaremos
apenas com uma obra panorâmica do debate estritamente teórico e com uma obra crítica
mais recente. Este recurso parece válido porque o propósito deste trecho não é
apresentar uma ampla resenha do assunto, mas tão somente apresentar exemplos de
contestação às categorias de Marx para demonstrar como o aspecto metodológico pode
ser crucial para a incompreensão de sua obra.
A obra panorâmica escolhida foi Carcanholo (1997), que serve de inspiração
para uma separação (não adotada explicitamente pelo referido autor) dos tipos de
questionamento à teoria da tendência à queda da taxa de lucro:
- Baseados no conjunto dos fundamentos teóricos e metodológicos:
Corresponde, basicamente, à rejeição da obra de Marx por parte da ortodoxia
econômica, centrada na tradição neoclássica. Para estes, como já foi observado, não há
como se estabelecer um debate razoável visto que seus próprios fundamentos envolvem
o conceito de equilíbrio geral e racionalidade substantiva dos agentes, (que são
categorias obviamente estranhas a Marx), a partir de um método científico que rejeita
categorias como dialética, contradição, processo e historicidade das categorias. Esta
rejeição não será tratada neste artigo, pois envolveria um conjunto teórico muito amplo,
e que não serviria adequadamente para a ilustração pensada para este trabalho de
mostrar como a questão metodológica pode gerar incompreensões mesmo entre
correntes de pensamento com vários pontos de semelhança e categorias aparentemente
iguais, o que não é o caso entre a ortodoxia e a heterodoxia do pensamento econômico;
- Baseados na antecipação das causas contrariantes enquanto impeditivo da existência
da tendência à queda da taxa de lucros
Não há, para este tipo de questionamento, uma rejeição a priori, como no caso
neoclássico, mas sim uma incompreensão para com o método de Marx, de separar, no
campo abstrato, os fenômenos envolvidos, como forma de explorar sua ontologia. O
propósito de Marx aparentemente foi identificar as fontes da resultante do processo,
separando as forças envolvidas e as investigando profundamente, ao invés de misturá-
las e tentar analisar fenômenos com dinâmicas e características distintas como se
fossem iguais. Só após um estudo específico dos condicionantes de cada fenômeno é
que a resultante de sua interação pode ser adequadamente investigada. O resultado desta
investigação separada lhe permitiu concluir que as causas contrariantes não seriam
11
suficientes para anular, sistematicamente, a tendência à queda da taxa de lucro. Os
pesquisadores que defendem esta anulação sistemática (de maneira que a tendência de
queda sequer seria observada) é que precisam provar que tal acontece, e explicar
também porque se observa, na história econômica, períodos de queda das taxas médias
de lucro.
- Baseados na crítica à própria lógica da tendência à queda enquanto resultado das ações
empresariais
Na medida em que a mais recente crítica à própria existência da tendência
deriva da tradição sraffiana, é no campo desta crítica que vamos buscar a argumentação
a ser examinada. Com este propósito, apresenta-se o seguinte argumento de Serrano
(2007) para rejeição da teoria da tendência à queda da taxa de lucros:
O motivo é extremamente simples e é curioso quão pouco tem sido
compreendido. O ponto central da teoria de Marx da escolha das técnicas
em condições competitivas é o de que a nova técnica adotada gera lucros
anormais (“superlucros” na terminologia de Marx) para o inovador aos
preços de produção inicialmente vigentes (que vamos supor iguais aos
valores). Desta forma, somente se a partir de uma nova técnica for
possível vender a mercadoria por um valor igual ou menor ao valor
corrente tb e ao mesmo tempo ter custos totais em valor (cb+vb)
inferiores aos da técnica “a” já em uso, os capitalistas irão adotá-la,
independentemente de sua composição orgânica (cb/vb) ou do efeito que
sua adoção poderia ter posteriormente sobre a taxa geral de lucros da
economia como um todo, que evidentemente não é levado em conta por
quem está inovando. | Ao mesmo tempo, para a taxa geral de lucro cair
seria necessário que os custos totais em valor da nova técnica em relação
ao novo valor do produto fossem superiores aos custos da técnica
anterior. Porém se esta segunda condição ocorre, não é possível que esta
nova técnica gere superlucros quando a antiga estiver em uso. Ao
contrário, quem a adotar obterá uma taxa de lucro inferior à taxa geral de
lucros vigente. Mesmo que por um improvável descuido todos os
capitalistas adotassem a nova técnica e então a taxa geral de lucro caísse,
cada capitalista individual teria um incentivo a retornar à velha técnica
pois esta necessariamente, por ter custos menores em valor, estaria
gerando superlucros numa economia onde todos usam a técnica nova.
[NR25] Este raciocínio simples e geral é conhecido há mais de 40 anos
com o nome de “teorema de Okishio” [...], embora tenha sua origem em
Tugan Baranovski e Borktievcz há pelo menos 100 anos. Não depende da
natureza dos desvios dos preços de produção em relação aos valores nem
de nenhum resultado específico obtido por Sraffa (1960). (SERRANO,
2007, p. 17 e 18)
12
NR 25: “Formalmente temos que, chamando as duas técnicas de a e b, se os custos
unitários da técnica a forem menores que os da técnica b: (cb+vb)/tb < (ca+va)/ta ,
então necessariamente: tb/(cb+vb) > ta/(ca+va) e como, por definição t/(c+v)=(1+r),
então rb> ra.”
Pela própria argumentação de Marx exposta anteriormente, não há dúvida que o
custo unitário do produto obtido pela nova técnica terá que ser menor que o custo
unitário da técnica anterior, hegemônica entre as empresas do ramo. É exatamente a
partir deste custo unitário menor que a empresa poderá vender seus produtos a preços
inferiores aos preços então vigentes do mercado e ainda assim obter lucros maiores que
a concorrência. Até que a concorrência seja capaz de adotar a mesma técnica. Desta
ressalva é preciso desenvolver algumas decorrências:
a) A tendência à queda da taxa de lucro não corresponde a um fenômeno de
curto prazo, mas uma tendência decorrente do processo contínuo de concorrência
capitalista;
b) As empresas não funcionam em ambiente de certezas inequívocas. Suas
decisões são tomadas em ambiente de incerteza forte, ou seja, suas decisões são, a rigor,
apostas. Ao se adotar determinada tecnologia considera-se ser suficientemente provável
que a concorrência não consiga baixar seus próprios preços, de forma sustentável, antes
que a empresa tenha o retorno dos investimentos vinculados à inovação. Este cenário, a
rigor, é uma aposta da empresa, feita a partir dos conhecimentos e informações
disponíveis. Pode ocorrer, ou não.
c) A divergência fundamental, com a formulação de Serrano, é a discordância
que “para a taxa geral de lucro cair seria necessário que os custos totais em valor da
nova técnica em relação ao novo valor do produto fossem superiores aos custos da
técnica anterior”. Esta interpretação não considera adequadamente o papel da redução
do preço do produto, que cai como resultado da difusão da nova técnica em ambiente de
concorrência. A primeira empresa inovadora já faria o primeiro movimento neste
sentido, pois aproveitaria seus menores custos para reduzir o preço de seu produto
visando conquistar novas parcelas de mercado, obtendo uma mais-valia extraordinária
(gerada em outras empresas, mas apropriada na empresa inovadora). Acontece que, com
a difusão da nova tecnologia, as empresas concorrentes poderão baixar seus próprios
preços, parecendo razoável, inclusive, a possibilidade de baixarem os preços ainda mais
que a primeira redução de preços efetuada pela empresa inovadora, como forma de
tentarem retomar as parcelas perdidas de mercado. Como, em um sistema capitalista,
13
não há coordenação entre as ações isoladas das empresas, este processo não tem um
ponto certo de ser concluído. Mas um aspecto é certo: com a inovação no processo, o
novo produto incorpora uma menor quantidade de horas de trabalho socialmente
necessário, ou seja, um menor valor. Para salário e jornada de trabalho constantes,
mesmo que a taxa de mais valia aumente, o limite máximo (que é o próprio valor da
mercadoria) é reduzido, visto que o propósito da inovação foi reduzir os custos unitários
(e não criar um novo produto, exclusivo), mas elevando os custos totais com o aumento
da produção, visto que o propósito da redução do preço é exatamente o de conquistar os
mercados dos concorrentes. A reação dos concorrentes pode até lhes restituir sua
participação no mercado, só que com uma tendência de aumento deste mercado, pela
entrada de novos consumidores para os novos preços, mais baixos. A decorrência deste
processo é que a concorrência entre as empresas passa a ocorrer em torno de um
patamar mais baixo de preços, com as empresas podendo ter maiores lucros totais, mas
com taxas de lucro (em relação ao capital total) menores, devido a uma maior proporção
de capital constante (trabalho morto, cujo valor só pode ser transferido para a
mercadoria) em relação ao capital variável (trabalho vivo, que é o gerador de valor e,
portanto, do excedente).7 A nova técnica que permite reduzir o custo unitário, e por
consequência o preço, ao ampliar o capital constante comparativamente ao capital
variável, estabelece também a necessidade de um maior capital total para a obtenção de
um mesmo excedente.
Neste processo, qualquer empresa que eleve seus preços tende a perder sua
clientela. Uma suposta maior taxa de lucratividade com a técnica anterior esbarraria na
não realização das vendas, no caso de retorno à mesma, pois o preço não poderia
retornar ao que era quando a taxa de lucro era maior enquanto existirem empresas
adotando a nova técnica e o seu respectivo preço menor – mesmo se ocorresse um
retorno coordenado de todas as empresas à técnica anterior, a possibilidade de lucros
extraordinários continuaria a disposição de qualquer empresa que optasse adotar, outra
vez, a nova técnica, fato que por si só inviabilizaria este retorno coordenado nos marcos
do capitalismo;
d) Os argumentos acima seriam suficientes, contudo, ainda se pode reforçar a
inconsistência da crítica sraffiana com duas considerações adicionais, não contidas
7 “É exatamente por isso que a taxa média de lucro tende a cair: a substituição do trabalho vivo por
trabalho morto provoca a queda da produção do excedente, em relação ao capital que é investido.”
(CARCANHOLO, p. 11 [246], 1997)
14
explicitamente na formulação de Marx. Trata-se de considerar duas dimensões
relevantes na decisão do empresário sobre a tecnologia a ser adotada: das limitações do
próprio processo tecnológico, e da alteração do porte da empresa. No primeiro caso, a
adoção de tecnologias envolve custos de implantação e modificação. Não se entra e sai
de padrões tecnológicos com facilidade. Existem custos de aquisição, de implantação,
de treinamento de pessoal. As tecnologias, por sua vez, envolvem diferentes níveis de
apropriabilidade, de cumulatividade e de oportunidades tecnológicas.8 Uma dada
tecnologia pode envolver uma menor taxa de lucros, mas pode ser muito mais
promissora para a continuidade do progresso tecnológico do que uma tecnologia
anterior, que oferece de imediato maior taxa de lucros, mas que apresente menores
perspectivas de desenvolvimento e apropriabilidade por parte do empresário inovador.
No segundo caso, a nova tecnologia permite a empresa expandir sua produção, elevar
sua escala produtiva. Retornar à tecnologia anterior, menos produtiva, resulta em uma
redução da capacidade instalada da empresa e o aumento do custo unitário do produto,
comparativamente ao da nova tecnologia difundida. Observe-se: a nova tecnologia foi
adotada para substituir parte do trabalho vivo por trabalho morto. A venda da nova
estrutura tecnológica – ignoremos, por facilidade, o fator depreciação – só poderia
permitir, no máximo, a aquisição da maquinaria anterior, no caso da mesma estar
disponível no mercado e ao mesmo custo, e a contratação da quantidade anteriormente
liberada de trabalhadores, restabelecendo-se, aproximadamente, a capacidade produtiva
anterior e, supondo-se um cenário de inexistência de custos financeiros e operacionais
adicionais neste retorno, a capacidade financeira (em termos de recursos próprios e
capacidade de endividamento) anterior. Esta capacidade financeira poderia ser usada
para expandir a tecnologia anterior, mas, por definição, esta não forneceria a capacidade
instalada que a nova tecnologia propiciaria. Isto significa que a escolha da empresa em
retornar à tecnologia anterior, abstraindo quaisquer custos adicionais e dificuldades
operacionais, reduziria o porte da empresa e seu poder econômico. Como a nova
tecnologia efetivamente permite a venda a preços menores, a empresa que regredisse a
tecnologia anterior teria que competir tendo seus produtos a preços mais elevados,
conduzindo a uma redução da receita e consequente queda da lucratividade. O erro da
crítica sraffiana, neste ponto, é projetar para o macro o que poderia ocorrer ao nível
micro, se não houvesse concorrência.
8 Malerba & Orsenigo (1993).
15
2.3 A dimensão financeira em Marx
A hipertrofia da esfera financeira, na atual ordem econômica mundial, constitui-
se em consenso entre diferentes grupos de pesquisa.9. A partir deste consenso surge o
conceito de "financeirização", entendido enquanto um "padrão sistêmico de riqueza"10
no qual a lógica de acumulação de capital é hegemonizada pela esfera financeira.11
A
origem deste processo é identificada nos anos 60, nos EUA,12
que exerce o papel de
liderança em seu desenvolvimento, a partir da adoção de políticas que mudaram o
padrão monetário internacional, estabelecendo o chamado Padrão Dólar Flexível. Estas
políticas foram: o estabelecimento da inconversibilidade do dólar em ouro, em 1971; a
desvalorização do dólar e adoção do regime de câmbio flutuante, em 1973; a
desregulamentação do mercado financeiro e o aumento da dívida pública anglo-
americana, nos anos 70 em diante; e a elevação da taxa de juros em 1979/1980.13
9 Exemplos no Brasil: Fiori & Tavares (org.) (1997), Fiori (org.) (1999), Fiori & Medeiros (org.) (2001) e
Fiori (org.) (2004), intituladas, respectivamente, "Poder e Dinheiro", "Estados e Moedas", "Polarização
Mundial e Crescimento", e "O Poder Americano”. Fora do Brasil, um exemplo é o grupo de pesquisa
liderado por François Chesnais.. 10
Braga, 1997, p. 195. 11
Há outras definições possíveis como em Braga (1985:374-375): "A valorização e a concorrência
operam sob a dominância da lógica financeira [...] não se trata mais de que os capitais se utilizem da
intermediação financeira para um processo de produção que é o meio de valorização [...] [mas sim que]
buscam valorizar-se simultaneamente através do processo de renda (vinculado diretamente à produção) e
do processo de capitalização [...] formam [...] a partir de suas "microestratégias" de valorização do capital
próprio, uma macroestrutura financeira." (BRAGA, 1997, p. 195), ou "A financeirização do capitalismo
contemporâneo deve-se a que as transações financeiras (isto é: as operações situadas na esfera da
circulação) tornaram-se sob todos os sentidos hipertrofiadas e desproporcionais em relação à
produção real de valores – tornaram-se dominantemente especulativas." (NETTO & BRAZ, 2006, pág.
232. Grifos no original) ou ainda "O que vem se passando no capitalismo contemporâneo é o fabuloso
crescimento (em função da superacumulação e da queda das taxas de lucro) dessa massa de capital
dinheiro que não é investida produtivamente, mas que succiona seus ganhos (juros) da mais-valia
global – trata-se, como se vê, de uma sucção parasitária." (NETTO & BRAZ, 2006, p. 231 e 232. Grifos
no original) 12
Segundo Braga, 1997, p. 200. Outros autores tratam das condições de sua ocorrência: "[...] a razão
essencial da financeirização [...] resulta da superacumulação e, ainda, da queda das taxas de lucro dos
investimentos industriais registrada entre os anos setenta e meados dos oitenta". (NETTO & BRAZ, 2006,
p. 231) 13
A conjugação destes processos resultou nos fatores que caracterizaram a financeirização:"1) a mudança
de natureza do sistema monetário-financeiro com o declínio da moeda e dos depósitos bancários enquanto
substrato dos financiamentos, substituídos pelos ativos que geram juros; 2) a securitização que
interconecta os mercados creditício e de capitais; 3) a tendência à formação de "conglomerados de
serviços financeiros"; 4) a intensificação da concorrência financeira; 5) a ampliação das funções
financeiras no interior das corporações produtivas; 6) a transnacionalização de bancos e empresas; 7) a
variabilidade interdependente de taxas de juros e de câmbio; 8) o déficit público financeiro
endogeneizado; 9) o banco central market oriented; 10) a permanência do dólar como moeda estratégica
mundial." [BRAGA, 1997, p. 211]
16
A lógica mais básica do processo de financeirização envolve a liderança do
processo global de acumulação de capital14
pelo capital financeiro, através do qual as
expectativas de ganho futuro15
envolveriam um descolamento dos valores dos ativos
produtivos da evolução dos valores dos ativos financeiros, com estes crescendo mais do
que os ativos produtivos.
A partir do conceito de capital fictício pode-se retornar às contribuições mais
tipicamente características de Marx no tratamento deste fenômeno de financeirização.
Considera-se que:
capital fictício não é valor que se conserva nem que se amplia, ao
contrário, é apenas um título que dá direito a apropriação de uma parte da
mais-valia produzida na sociedade. (CIPPOLLA, 2008, p. 15)
O capital fictício não gera valor, mas se apropria do valor gerado na esfera
produtiva. Contudo, no processo de financeirização, a diversificação, o entrelaçamento
e a expansão destes títulos estariam associados com o crescente poder desta forma de
capital de influir nas decisões tomadas nos marcos das atividades efetivamente
produtivas (geradoras de valor). Mas este fenômeno, nos marcos da teoria de Marx, não
pode ocorrer fortuitamente, sem conexões com o próprio processo de criação de valor. É
neste ponto que se estabelece uma conexão com as categorias anteriormente
consideradas, das teorias do valor trabalho e da tendência à queda da taxa de lucros. E é
com estas ferramentas que é possível se analisar a atual crise econômica mundial dentro
dos marcos das contribuições teóricas de Marx.
3. Elementos de uma análise marxista da crise
O processo especulativo gerado em torno de diferentes mensurações do capital
fictício está associado ao elevado crescimento da produtividade e ao crescimento do
14
"A autonomização do capital-dinheiro sob a forma de capital a juros e a correspondente expansão do
sistema de crédito são os elementos que permitem entender a centralização do capital e a fusão de
interesses entre os bancos e a indústria. [...] O controle da riqueza sob a forma líquida é que permite ao
sistema de crédito impor o seu comando sob todas as outras formas de riqueza." (BELLUZZO, 1999, p.
88) 15
"Se os ativos tangíveis podem ser avaliados pelo seu custo de produção ou reposição, aqueles de
natureza não-tangível só podem sê-lo através de sua capacidade líquida de ganho. Esta, por sua vez, só
pode ser estimada como o valor capitalizado da totalidade dos rendimentos futuros esperados, menos o
custo de reposição dos ativos tangíveis. É aqui, neste último elemento (ativos não-tangíveis), que reside a
elasticidade do capital, comumente utilizada pela "classe financeira" para ampliar a capitalização para
além dos limites da capacidade "real" de valorização." (BELLUZZO, 1999, p.90 e 91)
17
conteúdo de trabalho intelectual, sendo este último caracterizado por oferecer uma
maior dificuldade de avaliação de sua importância social, ou seja, caracterizado por uma
crescente dificuldade na medição de seu valor. O aumento do conteúdo científico do
trabalho amplia as conexões com a incerteza do futuro e as conexões mais sofisticadas
com os fatores políticos do que a apropriação do trabalho físico pode gerar.16
Na medida
em que a definição de valor envolve um elemento comparativo, a 'desmedida' do valor
do trabalho intelectual possibilita a 'desmedida' de qualquer trabalho – o que não
elimina a existência de fatores objetivos que definam os limites inferiores destes
valores, visto que a contradição ocorre entre a redução dos valores objetivos decorrente
do aumento da produtividade, de um lado, e a lógica de contínua acumulação de capital,
do outro.
A financeirização corresponde ao poder do capital financeiro de estabelecer sua
própria lógica de autovalorização na liderança do processo de acumulação de capital, 17
alterando a mensuração do valor do trabalho socialmente necessário, já dificultado pelo
processo de “desmedida do valor”.18
Mais do que isso: o próprio processo de desmedida
do valor oriundo do avanço científico e tecnológico e de sua incorporação ao processo
produtivo de mercadorias constitui-se na raiz mais profunda (mas não única) do atual
estágio de financeirização da economia mundial. As incertezas do avanço tecnológico
tornam-se excelentes oportunidades de negócios especulativos, e somados com a
intensidade dos ganhos de produtividade fomentam gigantescas bolhas especulativas.
Destaque-se que tanto a financeirização quanto o avanço tecnológico são caminhos
alternativos e complementares da luta do capitalismo mundial contra a tendência à
queda da taxa de lucros. A busca pelo barateamento do capital constante, a partir de
novo desenvolvimento tecnológico, constitui-se em uma das causas contrariantes
16
"Embora o próprio trabalho médio simples mude seu caráter, em diferentes países ou épocas
culturais, ele é porém dado em uma sociedade particular. Trabalho mais complexo vale apenas como
trabalho simples potenciado ou, antes, multiplicado, de maneira que um pequeno quantum de trabalho
complexo é igual a um grande quantum de trabalho simples. [...] As diferentes proporções, nas quais as
diferentes espécies de trabalho são reduzidas a trabalho simples como unidade de medida, são fixadas por
meio de um processo social por trás das costas dos produtores e lhes parecem, portanto, ser dadas pela
tradição" (MARX, 1983/[1867], pág. 51 e 52. Grifos no original). Na financeirização este processo de
mensuração seria hegemonizado, por vias da lógica da acumulação de capital, pelo capital financeiro. 17
Daí surge uma outra definição da financeirização: "[...] após a profunda crise dos anos 70 do século
XX, o capitalismo entra numa nova etapa que será caracterizada pela desmedida do próprio valor, ou,
dizendo de outro modo, pela negação da possibilidade de cristalização do tempo de trabalho socialmente
necessário na produção de mercadorias." (PRADO, 2005, p. 14) 18
"[...] em razão do crescente conteúdo intelectual do trabalho, o valor encontra-se desmedido. Ao invés
de um tempo de trabalho socialmente necessário na produção de mercadorias, o qual se formava
objetivamente segundo a lógica de valorização do capital produtivo, agora se tem uma medida de tempo
de trabalho abstrato até certo ponto arbitrária, que se torna dependente da arbitragem do próprio capital
financeiro". (PRADO, 2005, p. 15)
18
citadas por Marx, mas também – após a mediação da concorrência – na fonte da
próxima queda da taxa de lucro, e na continuidade no aumento do conteúdo científico
do trabalho. Por outro lado, a ampliação da inserção de parte das empresas produtivas
na esfera financeira decorre exatamente da busca por rendimentos e segurança tidos
enquanto insatisfatórios na esfera produtiva. Ou seja: o comando da lógica financeira
não decorre apenas do acesso ao crédito e do custo do dinheiro, mas em maior medida
da procura, por parte das empresas do setor produtivo, de capital fictício que lhes
permitam obter os resultados que não conseguem obter em sua atividade tida enquanto
principal. A contradição é óbvia: o capital fictício não gera valor, apenas pode se
apropriar de valor gerado na esfera produtiva. Sua liderança no processo de acumulação
pode até, sob certas condições, propiciar um estímulo ao desenvolvimento do capital
produtivo, mas dada a sua própria lógica de autovalorização e de descolamento dos
ativos reais, tende a predominar a retirada de recursos do processo produtivo para serem
esterilizados na esfera financeira, isto é, um desestímulo ao desenvolvimento do capital
produtivo.
Se o conteúdo científico da produção envolve uma complexa análise que permita
separar as reais contribuições dos diferentes setores da economia para um processo de
“desmedida do valor”, já não se observa tal dificuldade quanto à avaliação do papel dos
atuais níveis de produtividade para o processo de criação de bolhas especulativas,
porque, a rigor, está se tratando do tradicional problema de superprodução, no sentido
de uma geração de valor sem contrapartida compatível de poder de compra para
realização do valor. Ademais, considera-se aqui que uma bolha especulativa pode surgir
em um mercado distinto de onde ocorre a superprodução. A bolha no mercado
imobiliário nos EUA não nasce de uma eventual “super-oferta” de imóveis,19
mas sim
de um mecanismo financeiro de endividamento da classe assalariada para financiar o
consumo. A superprodução que está aí envolvida é de uma imensa carga de mais-valia
gerada, sobretudo na Ásia (com a China liderando este processo) mas transferida, em
forma monetária, para os EUA, na forma de compra de títulos do governo, que por sua
vez resulta no financiamento do consumo, e em forma material nas exportações dos
países asiáticos para os EUA, que constituem-se em parte significativa deste consumo.20
A bolha especulativa que surge neste processo é maior que a magnitude da mais-valia
19 Cippolla, 2010. 20 “Teoricamente, ela é uma crise clássica na interpretação marxista: é de realização do valor, mas aqui
está sua novidade: a produção do valor se dá na China e sua realização nos EUA.” (OLIVEIRA, 2009)
19
transferida para os EUA, em conformidade com a essência do processo especulativo e
do papel do capital fictício, mas a base material que lastreia e autoriza, até certo ponto, a
especulação, veio desta relação econômica entre os EUA e, sobretudo, a China (ainda
que não somente ela). Sendo assim, retoma-se a hierarquia do processo nos marcos da
contribuição de Marx: a origem da crise está na esfera produtiva, na geração de valor e
nas dificuldades de sua realização, mas assume uma dimensão, uma especificidade e
complexidade incomuns pelo efeito da financeirização.
A gravidade da crise reside menos na magnitude da bolha especulativa
internacional gerada e mais na manutenção do mecanismo que a gerou. Uma diferença
fundamental da crise atual para a crise dos anos 30 é exatamente esta magnitude da
produtividade disponível, e a profundidade da incorporação da “ciência em geral” ao
processo produtivo. Não se conclui, desta consideração, qualquer especulação quanto a
uma eventual “crise final do capitalismo”, até mesmo porque ambos os processos estão
muito longe de serem homogêneos. Há que se considerar, inclusive, o potencial de
fomento ao processo de acumulação mundial de capital que ainda existe nos dois
principais polos atuais de crescimento econômico (China e Índia), ou até mesmo em
espaços econômicos atualmente quase que inteiramente excluídos do processo
internacional de acumulação de capital (no caso, a África). Entretanto, este potencial em
nada altera as contradições do capitalismo aqui tratadas. Pelos termos do problema
acima exposto, não será no campo estritamente econômico que a atual crise
internacional poderá vir a ser equacionada.
CONCLUSÃO
O propósito deste artigo foi explorar as categorias de Marx que permitam a
análise da atual crise econômica internacional. Exposto o contorno mais visível da crise,
em termos da dimensão de suas quebras financeiras, buscou-se avaliar a consistência de
categorias da teoria de Marx que possam ser úteis para compreensão da crise para além
de sua aparência. Em consonância com uma literatura já testada em anos de polêmicas
teóricas, desenvolveu-se a argumentação favorável à validade da teoria do valor, da lei
de tendência à queda da taxa de lucro e do conceito de capital fictício enquanto
ferramentas consistentes de análise do capitalismo contemporâneo. Ainda que tais
argumentos disponíveis na literatura da economia política não sejam hegemônicos entre
as interpretações do legado de Marx, sua mera existência dentro do campo das
20
contribuições científicas autoriza e legitima esforços investigativos da realidade fazendo
uso dos mesmos. Ou seja, acredita-se ter demonstrado que existem elementos razoáveis
no campo da pesquisa científica que legitimam uma interpretação da atual crise
econômica internacional a partir do uso destas três categorias.
A intepretação aqui adotada é que o aumento do conteúdo científico incorporado
no trabalho e os baixos custos unitários observados em vários setores produtivos,
conjugados, favorecem um processo de “desmedida” do valor, ou seja, de um processo
de crescente dificuldade de atribuição do valor ao trabalho por parte da sociedade. Este
processo, conjugado por sua vez com a tendência de expansão do capital fictício
enquanto forma de combate, por parte do Capital, da tendência à queda da taxa de lucro,
favorece enormemente a formação de bolhas especulativas. No caso concreto observado
em 2008, a contribuição dos baixos custos unitários decorrentes de elevados níveis de
produtividade e de baixos salários, oriundos, sobretudo, da China, foi peça-chave na
formação da bolha especulativa nos EUA, ao longo dos anos 2000.
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