cidade, corpo e deficiência: percursos e discursos possíveis na experiência urbana
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iiCIDADE, CORPO E DEFICINCIA:
PERCURSOS E DISCURSOS POSSVEIS NA EXPERINCIA URBANA
EICOS - PROGRAMA DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES DE COMUNIDADES E ECOLOGIA SOCIALREGINA COHEN
Regina Cohen
CIDADE, CORPO E DEFICINCIA: Percursos e Discursos Possveis na Experincia Urbana
RIO DE JANEIRO Maio de 2006
Tese de Doutorado apresentada como parte dos requisitos necessrios para a obteno do ttulo de Doutor em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social no Programa de Estudos Interdisciplinares de Comunidades e Ecologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientadora: Maria Incia D'vila Neto Co-Orientadora: Ceclia de Mello e Souza
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EICOS - PROGRAMA DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES DE COMUNIDADES E ECOLOGIA SOCIALREGINA COHEN
Cohen, Regina,
C678 Cidade, corpo e deficincia: percursos e discursos possveis na
experincia urbana/ Regina Cohen. - Rio de Janeiro: EICOS/IP/UFRJ,
2006.
xiv+207 il.; 30cm.
Orientadora: Dra Maria Incia Dvila Neto. Tese (doutorado) - UFRJ/EICOS/ Programa de Estudos Interdisciplinares de Comunidades e Ecologia Social, 2006. Referncias bibliografias: f.247-60.
1. Cidade, 2.Espao Urbano, 3. Deficiente fsico. 4. Corpo 5.Percepo. 6. Percurso, 7. Experincia Urbana. I. Dvila Neto, Maria Incia. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Psicologia, Programa de Estudos Interdisciplinares de Comunidades e Ecologia Social. III. Ttulo.
CDD 300
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Regina Cohen
RIO DE JANEIRO
Maio de 2006
Tese de Doutorado submetida como parte dos requisitos necessrios para a obteno do ttulo de Doutor em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social no Programa de Estudos Interdisciplinares de Comunidades e Ecologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Incia D'vila Neto Programa de Estudos Interdisciplinares de Comunidades e Ecologia Social Eicos/UFRJ
Co-Orientadora: Profa. Dra. Ceclia de Mello e Souza Programa de Estudos Interdisciplinares de Comunidades e Ecologia Social Eicos/UFRJ
Profa. Dra. Rosa Maria Ribeiro Pedro Programa de Estudos Interdisciplinares de Comunidades e Ecologia Social Eicos/UFRJ
Profa. Dra. Cristiane Rose de Siqueira Duarte Programa de Ps-Graduao em Arquitetura Proarq/UFRJ
Prof. Dr. Paulo Afonso Rheingantz
Programa de Ps-Graduao em Arquitetura Proarq/UFRJ
Profa. Dra. Gleice Virginia Medeiros de Azambuja Elali Universidade Federal do Rio Grande do Norte
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MARIA INCIA,
O que dizer para minha orientadora?
Voc esteve presente o tempo todo mostrando as incoerncias,
ajudando e apontando caminhos e percursos possveis. Sei que
no foi fcil e, mesmo no tendo demonstrado, me lembro do
seu entusiasmo quando consegui definir minha metodologia e
novas perspectivas para a pesquisa.
Voc batalhadora e te admiro muito como pessoa, intelectual
e pesquisadora. Como orientadora me guiou nas leituras, me
emprestou muitos livros e referncias e acompanhou mais de
perto na reta final a grande dificuldade de concluir o trabalho.
Suas contribuies foram muito importantes e espero que
consigamos escrever alguns artigos juntas, comemorar vida
como voc fez um dia e planejar novas empreitadas.
Tenho um grande carinho por voc e mais do que profissional
quero t-la como uma grande amiga.
BON COURAGE!
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Que cidade esta, em que tantos vivem, mas que s voc vive, que s voc v?
sua a cidade dos que olham para cima? sua a cidade dos que olham para o cho, para as caladas, para os degraus? Ou a cidade dos que
no olham, dos que no vem? A sua a cidade em que a barriga pesa at libertar uma nova vida, ou
aquela em que no se pode falar em barriga? Conte como a cidade dos que se doem de amor e a das para quem o
ato de amar di. Vamos ler a cidade dos que ouvem outros sons e a dos que no ouvem
som algum. A dos que tocam sons que no se ouve e a dos que no emitem sons.
Como a sua cidade, se sua cidade sua cor? Como sua cidade, encoberta pelo olhar viciado do quotidiano,
escondida pela indiferena ou apenas tmida, recndita: cidade invisvel.
www.orkut.com Comunidade As Cidades Invisveis.
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DEDICATRIA
Uma dedicatria especial para minha irm querida que se estivesse aqui estaria muito feliz torcendo por mais este passo.
Sinto saudades!
A voc mana eu dedico esta tese.
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Na minha cidade eu consigo caminhar, mesmo sobre as rodas da minha cadeira. No encontro buracos, degraus ou pedras. As caladas
so lisas e macias. Existem rampas em todas as esquinas. Na minha cidade as ruas no morreram, so alegres e cheias de rvores com pssaros. Tem informaes para quem no ouve e
consegue orientar quem no v. A minha cidade fica no Brasil, mas existe apenas nos meus sonhos.
Regina Cohen. A Cidade do meu Movimento.
www.orkut.com Comunidade As Cidades Invisveis.
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AGRADECIMENTO ESPECIAL
PARA CRISTIANEAlgum muito especial me ajudou durante todo este processo dando
fora e fazendo valer a pena chegar at aqui. Iniciei minhas pesquisas e
a vida acadmica sempre estimulada por ela. Esta pessoa se chama
Cristiane Rose de Siqueira Duarte e a ela devo algumas palavras de
gratido.
Cristiane foi colega de turma na Faculdade de Arquitetura, orientadora
de mestrado, cmplice e sempre amiga. Depois de formadas nos
afastamos e algum tempo depois nos reencontramos para trabalhar
juntas no Ncleo Pr-Acesso da UFRJ.
Amiga,
difcil te agradecer por tudo que tem representado na minha vida.
Admiro voc pela competncia, inteligncia e pelo carinho que tem
pelas suas orientandas e alunas. Como senti sua falta nos momentos
mais difceis deste caminho quando queria te consultar, te mostrar o
andamento do meu trabalho, dirimir as muitas dvidas, angstias e
inseguranas quando voc partilhou um pouco das minhas ansiedades.
Estou emocionada e triste ao mesmo tempo porque agora sinto aquele
vazio de concluir uma tarefa muito importante para a qual voc foi a
grande motivadora e por ter a honra de te encontrar sempre por perto
como uma grande amizade que no quero que se acabe nunca.
Vamos comemorar muito e sempre porque so estas manifestaes de
afeto que nos fazem crescer e sentir o prazer de ir sempre mais
adiante.
Muito Obrigado!
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AGRADECIMENTOS
No tenho muitas pessoas mais para agradecer, mas algumas foram bastante
especiais. Durante as crises e a vontade de quase desistir pude contar com meu
grande amigo e terapeuta Jorge, aconselhando, animando e fazendo ir em frente.
Teve pacincia e foi quem mais verdadeiramente acreditou que eu conseguiria
chegar at aqui e vencer.
minha querida bolsista e estagiria Monique do Ncleo Pr-Acesso da UFRJ devo
desculpas pelas exigncias e ausncias e agradeo pela grande tarefa de fazer os
quadros e tabelas desta tese. Gosto muito de voc!
Ethel, minha amiga querida. Obrigado pela linda capa, pelo apoio moral e pela
torcida. Tenho um grande carinho por voc, sou sua f incondicional, te admiro
muito e quando crescer quero ter toda esta competncia e ser como voc.
No posso deixar de mencionar a Ceclia, para quem no sei o que dizer porque ela
se sentia bastante acanhada na tentativa de ajudar, no sabendo como poderia
desempenhar este rduo papel de ser co-orientadora. Obrigado por suas mensagens
de apoio e pelos comentrios importantes que fez sobre o copio.
Rosa Pedro, com voc tudo comeou quando fez minha entrevista para admisso no
doutorado. Dali em diante, sempre te encontrava sorrindo em meio qualquer
crise, inclusive na minha qualificao, o que servia para acalmar a todos em volta.
Na vida acadmica agradeo a Paulo Afonso com quem tenho a honra de trabalhar
na mesma sala e pedir alguns conselhos acadmicos e pessoais. Gleice que tambm
faz parte da banca examinadora uma nova amizade que tenho certeza ir crescer
e render muitos frutos.
A Mariana, tambm bolsista, espero que no fique dando tantas desculpas. Agora
vou te cobrar porque confio no seu potencial como estagiria e pessoa, desde que
haja empenho.
Ficou faltando o importante agradecimento a todos os participantes da pesquisa e
dos percursos comentados: Ednilson, Evangel, Zenira, Vander, Chiquinho, Valmir,
Lobo, Rita, Elane, Maruf, Tnia, Cludio, Estela, Heloisa, Maringela, Welington,
Wesley e Valria. Sem cada um de vocs no haveria a pesquisa.
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RESUMO
ABSTRACT Introduo Apresentao do Tema 1
1. Objeto de Estudo 7 2. A Problemtica e as Questes Centrais 11 3. Hipteses de Trabalho 13 4. Objetivos 14
5. Jean-Paul Thibaud 15 6. Percursos e Itinerrios pela Cidade O Mtodo como Fundamentao. 18 7. Outros autores 21 8. O Corpo Deficiente 24 9. O Corpo Deficiente no Ambiente Urbano 26
10. As Categorias de Anlise 30 11. Outros Conceitos Importantes 35
12. As Pessoas com Deficincia 40 13. O Corpo Deficiente atravs da Histria 45 14. As Pessoas com Deficincia e o Desenvolvimento Sustentvel 59 15. Pessoas com Deficincia, Sustentabilidade e Acessibilidade no Brasil. 63
16. Sobre os Ambientes Urbanos 73 17. Corpo, Ambiente e Movimento Motricidade e Mobilidade 74
17.1 Percepo, Cognio e Experincia Urbana 80 18. Ambientes, Espaos e Lugar 85
18.1 Corpo Deficiente situado no Espao Identificao com os Lugares 89 19. Ambientes Sensveis, Percepo Situada e Acessibilidade 94
20. A Busca de um Caminho Metodolgico 103 21. A Perspectiva do Usurio 103 22. Caminhos Metodolgicos Percursos Comentados O Mtodo de Jean-Paul Thibaud 105
SUMRIO
PARTE II FUNDAMENTAO TERICA E CONCEITUAL:
PARTE I ESTRUTURA DA TESE:
PARTE IV AS PESSOAS COM DEFICINCIA:
PARTE V AS PESSOAS COM DEFICINCIA E AS AMBINCIAS URBANAS:
PARTE III CATEGORIAS DE ANLISE E OUTROS CONCEITOS IMPORTANTES:
PARTE VI METODOLOGIA O CORPO DEFICIENTE CAMINHANDO PELAS RUAS DA CIDADE:
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22.1 Anlise do Contexto das Pessoas Pesquisadas 22.2 Definio dos Espaos de Pesquisa 22.3 Os Percursos Realizados 22.4 Entrevistas 22.5 Foto e Vdeo
23. O Roteiro da Pesquisa 23.1 Primeiro Passo Percursos Comentados 23.2 Segundo Passo Entrevista
23.2.1 O Percurso 23.2.2 A Cidade como um todo
24. As Limitaes da Pesquisa
25. A Pesquisa de Campo 26. A Cidade Percebida Os Percursos Comentados
26.1 A Necessidade de uma Contextualizao 26.2 A Cidade de Salvador
26.2.1 O Percurso na Estao da Lapa 26.3 A Cidade de Juiz de Fora
26.3.1 O Percurso na Avenida Independncia 26.4 A Cidade do Rio de Janeiro
26.4.1 O Percurso no Bairro de Ipanema 26.4.2 O Percurso no Calado de Campo Grande 26.4.3 O Percurso no Bairro da Lapa 26.4.4 O Segundo Percurso no Bairro de Ipanema 26.4.5 O Percurso no Largo da Carioca 26.4.6 O Percurso no Bairro da Tijuca A Praa Saens Pea.
26.5 O Distrito Federal ou a Capital do Pas Braslia 26.5.1 O Percurso na Esplanada dos Ministrios
27. A Anlise dos Percursos e dos Discursos
27.1 A Cidade Vivida 28. Corpo, Ambiente e Movimento nas Cidades Pesquisadas Deficientes?
28.1 As Categorias de Anlise 29. Cidades Possveis
PARTE VII AS PESSOAS COM DEFICINCIA POR ELAS MESMAS A DESCRIO DOS PERCURSOS:
PARTE VIII ANLISE E AVALIAO DOS DADOS: 160
CONCLUSES 186
161 163 171 174 179
121 122 123 124 125 130 130 133 135 137 141 145 149 152 156 158
108 111 112 114 115 116 117 117 117 117 118
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LISTA DE SIGLAS 206
LISTA DE GRFICOS 206 LISTA DE TABELAS 206
LISTA DE QUADROS 207 LISTA DE FIGURAS 207
BIBLIOGRAFIA 191
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RESUMO
Regina Cohen
Palavras-chave: corpo, deficincia, cidade, espao urbano, percepo em movimento, percurso, experincia urbana.
CIDADE, CORPO E DEFICINCIA: Percursos e Discursos Possveis na Experincia Urbana
A presente pesquisa aborda a utilizao e apropriao do ambiente segundo o caminhar de
pessoas que possuem uma deficincia ou mobilidade reduzida. Trata-se de uma abordagem
interdisciplinar da percepo ambiental que leva em conta a dimenso intersensorial da
experincia urbana e os sentimentos. Esta investigao adotou o mtodo dos percursos
comentados de Jean-Paul Thibaud, para quem, as caractersticas do local so analisadas, na
maior parte do tempo, em termos de situaes ou de um determinado contexto espacial e
temporal. Se para o autor, perceber envolve um conjunto sensorial que afetado pelo tipo de
mobilizao perceptiva ao qual ele d lugar, para esta tese, ser este caminhar que nos
mobilizar para o entendimento da relao entre corpo, cidade e deficincia e de percursos e
discursos possveis na experincia urbana. A anlise da percepo ambiental de pessoas com
deficincia ou com mobilidade reduzida foi realizada no contexto de quatro cidades brasileiras:
Rio de Janeiro, Salvador, Juiz de Fora e Braslia. Os dados obtidos nos permitem apontar para o
paradoxo existente entre as cidades percebidas e as vividas pelas pessoas pesquisadas atravs
das sensaes. A falta de identificao destas pessoas com os lugares tambm demonstrou
como elas no conseguem se apropriar deles e desenvolver o sentimento de pertencimento
sua cidade ou de sua experincia urbana. Mesmo assim, as cidades despertaram laos afetivos,
revelando a expresso de uma ambincia sensvel.
Orientadora: Maria Incia D'vila NetoCo-Orientadora: Ceclia de Mello e Souza
Resumo de Tese submetida como requisito parcial para a obteno do ttulo de Doutor em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social no Programa de Estudos Interdisciplinares de Comunidades e Ecologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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ABSTRACT
Regina Cohen
Keywords: body, disability, city, urban space, perception in movement, route, urban experience.
CITY, BODY AND DISABILITY: Possible Routes and Speeches in the Urban Experience
This dissertation outlines how people with disability or reduced mobility use and appropriate
urban environment. Our aim is to develop an interdisciplinary approach of the environmental
perception and to take into consideration the intersensorial dimension of the urban experience
and the feelings. For our investigation, we have adopted the method of annotated routes by
Jean-Paul Thibaud, for whom local characteristics are analyzed, mostly, in terms of situations or
on a specific spatial and temporal context. If the author understands perceiving as an
embodiment of sensorial elements affected by the type of perceptive mobilization, in this thesis it
is this movement that allows the understanding of the relation among city, body and disability and
of possible routes and speeches in the urban experience. The analysis of the urban perception of
people with mobility difficulty is based on data collected in four Brazilian cities: Rio de Janeiro,
Salvador, Juiz de Fora and Braslia. It reveals a paradox between people with disabilities
perceived city and the cities experienced through their sensations. The lack of identity people with
disability have towards the analyzed places has also demonstrated that they cannot improve their
sense of belonging and appropriation of the city and their urban experience. Even though, cities
can give good feelings such as affect, showing the expression of an ambiance.
Advisor: Prof. Dr. Maria Incia D'vila NetoCo-advisor: Ceclia de Mello e Souza
Abstract of the Thesis submitted as partial requirement for the obtainance of the degree in Doctor in the Program of Communities Interdisciplinary Studies and Social Ecology of the Psychology Institute at the Federal University of Rio de Janeiro.
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INTRODUO APRESENTAO DO TEMACIDADE, CORPO E DEFICINCIA.
possvel ir mesmo mais longe ainda e indagar se a relao existente entre o narrador e sua matria, a existncia humana, no assume tambm um carter
artesanal; se sua tarefa no se resume exatamente em trabalhar a matria-prima das experincias prprias e estranhas de forma slida, til e nica?.
Walter Benjamin. O Narrador. 1969: 80.
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Fig 1: O corpo
Fonte: www.germinaliteratura.com.br/almandrade
Fig 2: O corpo deficiente em movimento
Fonte: Henri-Jacques Stiker
Esta tese far uma reflexo sobre a locomoo e sobre a
motricidade, tendo como objetivo principal o entendimento dos
percursos e itinerrios cotidianos realizados pelo corpo
deficiente. Foram analisadas as diversas formas de caminhar,
perceber e descrever os ambientes urbanos e demonstraremos
estas maneiras de agir, sentir, viver e conhecer esses
ambientes que levam a pessoa a apropriar-se das cidades para
a elas pertencer.
Mais do que assumir o papel do narrador de Walter Benjamin,
foi investigada a realidade vivida por Pessoas com Deficincia
nas cidades, suas sensaes, sua percepo e seu corpo
situado nos ambientes.
Os quatro primeiros captulos, que formam a primeira parte da
tese, apresentam a maneira como foram estruturados o objeto
de estudo, objetivos e hipteses de trabalho, a problemtica e
as questes centrais.
Para analisar os percursos e discursos, foi feito o levantamento
da teoria existente sobre ambientes como lugares de ao e de
sensaes e de questes relacionadas ao corpo, motricidade
que o une ao seu ambiente sensvel, sua mobilidade urbana
e percepo situada no contexto de algumas cidades.
A parte II apresenta a fundamentao terica tendo como
principal eixo condutor o socilogo Jean-Paul Thibaud. A
aplicao da base conceitual e avaliao dos dados da
pesquisa de campo consideraram as seguintes categorias de
anlise: affordances (caractersticas do meio ambiente
INTRODUO APRESENTAO DO TEMA
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oferecidas ao usurio), orientao, identificao com os lugares
e experincia urbana, colocadas na parte III.
Com base na etnometodologia de Thibaud e nestas categorias,
apresentamos a hiptese de que as caractersticas fsicas dos
ambientes urbanos, ou suas affordances influenciam nas
competncias motoras e na habilidade de lidar com o meio,
condicionando ou reforando a deficincia ou a mobilidade
reduzida e influenciando nos sentimentos que as Pessoas com
Deficincia tm ao se locomoverem.
Os captulos seguintes situam a realidade encontrada, o corpo
deficiente atravs da histria, sua relao com os ambientes
urbanos e o tratamento dado pelos tericos sobre corpo,
motricidade, mobilidade urbana, percepo situada, ambiente
sensvel, lugar, experincia urbana e sustentabilidade.
Para compreender os caminhos efetuados pelas Pessoas com
Deficincia utilizamos o Mtodo dos Percursos Comentados
desenvolvido por Jean-Paul Thibaud1 que privilegia a ao e o
envolvimento das pessoas diretamente analisadas. Deste
embasamento terico central sobre as situaes urbanas
dirias vividas foram estabelecidos os principais conceitos e
referncias para a investigao.
1 Jean-Paul Thibaud socilogo, doutor em urbanismo e diretor de um centro de pesquisas sobre o espao sonoro e o meio ambiente urbano UMR CNRS 1563 em Cresson, na Faculdade de Arquitetura de Grenoble. Os caminhos metodolgicos que fazem parte de um de seus trabalhos nos conduziram em nossa pesquisa de campo, como ser demonstrado na parte 6 desta tese que trata da metodologia adotada. THIBAUD, Jean-Paul. La mthode des parcours comments. In GROSJEAN, Michle ; THIBAUD, Jean-Paul [Org.]. LEspace Urbain em Mthodes. Marseille: ditions Parenthses, 2001 [Collection Eupalinos srie Architecture et Urbanisme].
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Foram realizados nove percursos comentados nas cidades de
Salvador, Juiz de Fora, Rio de Janeiro e Braslia.
Em Salvador, foi definida uma rota em um local estratgico da
cidade, quando a pesquisadora acompanhou duas pessoas
cegas e duas pessoas com deficincia fsica. Na cidade de Juiz
de Fora, em Minas Gerais s participaram da pesquisa pessoas
com deficincia fsica geradas por causas diversas. No Rio de
Janeiro os percursos comentados foram feitos em bairros com
caractersticas e localizaes bastante diversificadas, assim
como os perfis scio-culturais e econmicos das pessoas
entrevistadas. O percurso no Distrito Federal foi realizado por
uma pessoa que se locomove em cadeira de rodas e, mesmo
tendo sido feito em uma s quadra da Esplanada dos
Ministrios, contribuiu de maneira significativa para as
concluses desta tese.
Percursos comentados efetuados por corpos deficientes foi
uma novidade para todas as pessoas envolvidas na pesquisa,
alm de suas aes e sensaes no espao e no tempo.
Significaram a programao de uma rota a partir de um ponto
fixo e o encontro em um local predeterminado para o relato
desta experincia urbana. O objetivo do mtodo utilizado foi
unir caminhos fsicos e sentimentos, percepo e cognio,
percurso e discurso, espao e lugar, corpo deficiente e
movimento. Implicou uma sucesso de atos: caminhar, ver,
desviar-se, lembrar-se, perceber, comparar e descrever.
Os itinerrios representaram o prprio movimento do corpo
deficiente, seu deslocamento pelo espao e sua relao com a
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cidade, tendo sido registrados oito horas de gravaes
transcritas e analisadas pela autora e documentados atravs
de recursos visuais como fotografias (cerca de 400) e vdeos (4
horas). Estes recursos metodolgicos envolveram
pesquisadora e pesquisados em uma interao que buscou o
sentido de apropriao do lugar percorrido pelo corpo e uma
identificao com a cidade.
Para talo Calvino (1990), a cidade ideal feita de excees,
impedimentos e contradies. Para as Pessoas com
Deficincia surgem complexidades adicionais ao lidar com
ambientes inadequados, o que afeta sua experincia individual
do meio. Assim, a desestruturao do universo urbano que
gera ambientes de no pertencimento decorrncia de todas
as barreiras fsicas existentes, como ser demonstrado na
avaliao dos dados e nas concluses.
Os problemas colocados podem apontar para possveis
mudanas almejadas por estas pessoas. Repensando as
concepes de percepo situada e de sensaes vividas no
ato de caminhar em um determinado contexto ambiental estarei
repensando a acessibilidade, por mim trabalhada, avanando
nesta rea de conhecimento e subsidiando a construo de
novos paradigmas para a expresso de uma afetividade motora
pela cidade.
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A ambincia no se apresenta como um objeto que podemos facilmente construir e delimitar. Colocando em questo a distino de objeto e de sujeito, ela
questiona a prpria possibilidade de sua objetivao.
Jean-Paul Thibaud. Une Approche Pragmatique des Ambiances Urbaines. 2002, p.156.
PARTE I ESTRUTURA DA TESEOBJETO, PROBLEMTICA, HIPTESES E OBJETIVOS.
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Esta tese adotou como objeto de estudo a relao do corpo
deficiente com os ambientes da cidade, o que ela significa e a
maneira como acontece. Por acreditarmos que qualquer objeto
o ambiente urbano das cidades s pode existir com relao
a um sujeito a Pessoa com Deficincia , esta relao e seu
entendimento so fundamentais. As cidades se diferenciam e
se qualificam como lugares de ao pelo trajeto desta pessoa
deficiente que busca realizar certas atividades e que, neste
esforo, considera os elementos do ambiente, seus apoios e
seus obstculos.
A escolha do universo da deficincia justifica-se pela maneira
fragmentada dos inmeros trabalhos acadmicos que tratam do
tema de forma isolada (Amaral, 1987; Gleeson, 1998). O
conjunto das dificuldades encontradas diz respeito s muitas
esferas da vida cotidiana destas pessoas que envolvem o
acesso sade, trabalho, educao, cultura, esporte e lazer.
Em todas estas atividades, conforme relatos da imprensa, os
estudos mencionados e os depoimentos colhidos para este
trabalho, percebe-se uma excluso e uma no aceitao das
diferenas corporais e um no reconhecimento de suas
necessidades especficas.
Se considerarmos o crescente nmero de pessoas em todo o
mundo com alguma dificuldade de locomoo ou mobilidade
reduzida, como veremos adiante, percebemos que este
segmento da populao no mais constitui uma minoria. Com
os avanos tecnolgicos e mdicos, as expectativas de vida
1. OBJETO DE ESTUDO
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tm melhorado e vemos aumentar o envelhecimento da
populao. Pessoas acima de 65 anos apresentam deficincias
e dificuldades para enxergar, ouvir e se locomover.
Este grfico mostra que mesmo nos pases considerados
desenvolvidos, como Canad e Estados Unidos, o nmero de
pessoas com alguma deficincia bastante significativo,
apesar de diferenas em termos de definio. Alguns pases da
Europa e tambm os considerados em desenvolvimento da
Amrica Latina, incluindo o Brasil, acompanham esta
tendncia.
O Censo Demogrfico realizado em 2000 pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) registrou que
14,5% da populao brasileira possuem algum tipo de
deficincia, conforme o grfico abaixo:
Grfico 1:
Pessoas com Deficincia no MundoFonte: Armazm de Dados Rio em Foco
Secretaria Municipal de Urbanismo Instituto Pereira Passos
Grfico 2: Pessoas com Deficincia no Brasil
(IBGE, 2000) Fonte: www.assitenciasocial.gov.br.
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No Brasil, esta incidncia maior na regio Nordeste e menor
na regio Sudeste, como demonstra a tabela do IBGE (2000)
abaixo. O Estado de So Paulo apresenta o maior nmero de
cegos (23900), seguido pela Bahia (15400).
Tabela 1
Proporo da populao residente com uma das deficincias investigadas por domiclio, segundo as grandes regies
Grandes Regies
Total Urbana Rural
Brasil 14,5 14,3 15,2
Norte 14,7 15,7 12,5
Nordeste 16,8 17,0 16,3
Sudeste 13,1 13,0 13,8
Sul 14,3 13,8 16,5
Centro Oeste 13,9 14,0 13,1
Fonte: IBGE, Censo Demogrfico 2000.
Segundo o IBGE (2000), deste total, 19,8 milhes de pessoas
com deficincia vivem em reas urbanas, fazendo com que o
acesso aos ambientes para a realizao das atividades dirias
desempenhe um papel importante para a melhoria da
qualidade de vida nas cidades.
Adotar como objeto de estudo esta relao entre a Pessoa com
Deficincia e o ambiente urbano permite tambm avaliar a
existncia de cidades mais acessveis que outras ou se
barreiras fsicas fazem parte apenas da realidade brasileira.
Apesar de a deficincia no ser uma questo recente, a
acessibilidade atual que estas pessoas encontram em algumas
cidades foi fruto de uma luta pela garantia de seus direitos que
teve incio em 1962 nos Estados Unidos e revela uma
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Fig 3: Berkeley - CA - Travessia de Rua www.transitorienteddevelopment.dot.ca.gov
Fig 4: Rampa no Metr de Buffalo NY Fonte da autora
Fig 5: San Antonio - EUA
Fig 6: Parque em Montreal Canad Fonte: Mrcia Kauffmann
Fig 7: Travessia na Place de LOpera Paris Frana
tendncia mundial de respeito diversidade humana e
liberdade individual. O movimento de vida independente surgiu
a partir de 1972 na cidade americana de Berkeley, na
Califrnia, que foi pioneira na questo da acessibilidade. No
Canad, cidades como Vancouver ou Montreal so apreciadas
pelo nvel de acesso que conseguem proporcionar s pessoas
com alguma deficincia. Algumas cidades europias como
Barcelona, Amsterd e Londres tambm tm demonstrado
sensibilidade para a questo, pois j se v em seus
planejamentos urbanos a incluso das necessidades espaciais
de todos.
O arquiteto espanhol Francesc Aragall diz que em sua cidade
Barcelona, considerada uma referncia, a maioria dos projetos
j incorporam a questo que l evoluiu em funo de um
trabalho conjunto de diversos setores da sociedade, o qual
culminou por ocasio de um importante momento poltico os
Jogos Olmpicos de 1992, quando toda a cidade teve de ser
adaptada.
Por outro lado, pode-se observar como um maior nmero de
cidades grandes e pequenas, leva adiante projetos de
acessibilidade. Esta evoluo teve bastante sucesso nas
cidades americanas. Mais de vinte anos depois, a partir de
1982 o movimento internacional chegou ao Brasil influenciando
as mudanas.
Algumas cidades da Amrica Latina, como Santiago, no Chile e
Buenos Aires, na Argentina, incluindo algumas cidades
brasileiras, tm tentado se adequar nova realidade por meio
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Fig 8: Esquina com rampa em Paris - Frana.
Fig 9: Rua de Pedestres em Santiago
Chile
de solues pontuais, nunca de uma forma mais ampla.
Pesquisamos o contexto de quatro delas e sua relao com as
Pessoas com Deficincia. Em termos projetuais, a
acessibilidade pode condicionar o processo criativo como o
fazem a sustentabilidade, a cultura, a sociedade ou a
economia.
Pensar o urbano hoje uma necessidade. O modelo vigente
at ento, de que as pessoas que deviam se adaptar aos
ambientes ficou ultrapassado e cede lugar a um novo, mais
humano que incorpora o direito de qualquer cidado sua
cidade.
O pressuposto justifica a razo pela qual estamos trabalhando
com estas pessoas. A excluso faz parte de um contexto mais
amplo, como colocado na dissertao de mestrado em
urbanismo (Cohen, 1999), o que refora a investigao desta
tese sobre a realidade encontrada no Brasil.
Dando continuidade pesquisa do Mestrado em Urbanismo, foi
delimitada uma problemtica que trata da percepo situada
nos ambientes urbanos segundo pessoas com deficincia.
Naquela poca, trabalhamos com o recorte social constitudo
de pessoas que possuem alguma deficincia fsica e que se
locomovem em cadeira de rodas ou por meio de muletas.
Devido a uma maneira peculiar de locomoo, discorremos
sobre a falta de vista panormica da cena urbana para quem
possui um ngulo de viso mais baixo por estar sentado ou
2. A PROBLEMTICA E AS QUESTES CENTRAIS
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devido preocupao de ter que caminhar olhando para os
buracos e irregularidades da calada.
A importante questo de como estas pessoas percebem os
ambientes de uma cidade mereceu uma investigao maior,
transformando-se na problemtica desta pesquisa para minha
tese de doutorado.
O amadurecimento do tema e de algum tempo dedicado s
questes de acessibilidade de pessoas com deficincia ao
meio fsico, tambm evoluiu para uma abordagem mais
universal como tem sido o prprio discurso corrente. Desta
forma, alm das pessoas com dificuldades de locomoo, foi
tambm incorporada a deficincia sensorial de viso como
parte de nosso estudo.
Com relao problemtica do corpo situado no ambiente
urbano pode-se mencionar Gauricus2:
O corpo deficiente situado em um lugar sintetiza a relao
pesquisada entre corpo e ambiente urbano. Nos trabalhos
consultados para embasar esta avaliao, a identidade da
pessoa, sua interao com o mundo e a emergncia do seu
self tm sido o foco principal de estudos na psicologia. A
identidade vista como um processo de interao
2 Traduo livre da autora: Tout corps, quelque soit sa position, doit tre ncessairement situ en un lieu quelconque... Le lieu est ncessairement avant tout corps situ. (Gauricus apud Duvignaud, 1977)
Todo corpo, qualquer que seja sua posio, deve estar necessariamente situado em um lugar. O lugar antes de tudo um corpo situado.
Pomponius Gauricus (De Sculptura, 1504), apud Jean Duvignaud. Lieux et non Lieux, 1977
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comunicativa entre conscincia e corpo situado no mundo3
(Souza & Gomes, 2005). Este sentido conferido a um corpo em
funo de ambientes que o constituem e o situam, faz parte
das consideraes feitas nesta tese.
Complementarmente maneira como se d a relao do corpo
deficiente com o ambiente urbano, outra questo diz respeito a
este corpo na cidade, do caminhar pelas ruas, perceber os
ambientes, se locomover. Como as Pessoas com Deficincia
se locomovem pelos ambientes urbanos das cidades? Como
elas percebem e vivem esses espaos? Qual sua experincia
da cidade?
Estas so indagaes de ordem bastante prtica e objetiva e
para tratar delas e tambm do plano mais subjetivo da
experincia urbana, nossa problemtica tambm busca
entender as sensaes e sentimentos que estas pessoas tm
da cidade.
Este trabalho teve como pressuposto principal a hiptese de
que as deficincias so situaes condicionadas pelo
ambiente. Como hiptese complementar assume-se o fato de
que a deficincia condicionada pela situao encontrada no
ambiente construdo e sua forma sensvel.
3 O grifo da autora.
3. HIPTESES DE TRABALHO
H.1 As caractersticas fsicas dos ambientes urbanos influenciam nas competncias motoras e na habilidade de lidar com o meio, condicionando ou reforando a deficincia.
H.2 Os sentimentos das Pessoas com Deficincia com relao ao meio so situaes condicionadas pelas caractersticas dos ambientes.
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O objetivo principal investigar a locomoo e o
comportamento ambiental das Pessoas com Deficincia.
Buscou-se avaliar como o corpo de uma pessoa com
deficincia fsica e sua postura corporal, bem como as
deficincias sensoriais de viso influenciam na percepo
urbana. Deseja-se tambm saber como os ambientes urbanos
esto configurados para atender s necessidades destas
pessoas.
Assim, a pesquisa se estruturou da seguinte forma:
4. OBJETIVOS
Principais Objetivos:
Examinar a maneira como as Pessoas com Deficincia se locomovem pela cidade; Analisar a relao entre a mobilidade urbana da Pessoa com Deficincia e os
ambientes da cidade;
Avaliar a Percepo Urbana de Pessoas com Deficincia. Objetivos Especficos:
Investigar a relao entre o corpo da Pessoa com Deficincia e a maneira como se locomove pelos ambientes urbanos;
Avaliar como o corpo da Pessoa com Deficincia Fsica afeta a maneira como ela se locomove e percebe a cidade;
Pesquisar como uma deficincia sensorial de viso influencia na maneira como a pessoa se locomove pela cidade e a percebe;
Entender como essa deficincia visual influencia nas suas vivncia e experincia de cidade.
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O interesse dos trabalhos atuais sobre a paisagem oferecer um quadro terico que permita pensar a relao sensvel com o mundo ambiente. Algumas abordagens se
interrogam sobre a dimenso esttica da experincia urbana contempornea. Se existem diversas maneiras de conceber a paisagem, a maior parte delas reconhece sua
vertente afetiva e emocional.
Jean-Paul Thibaud. Une Approche Pragmatique des Ambiances Urbaines.
In Ambiances en Dbats. 2004, p.152.
PARTE II FUNDAMENTAO TERICA E CONCEITUAL:CORPO DEFICIENTE, ESPAO E PERCURSOS URBANOS.
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A adoo das noes de ambiente sensvel desenvolvidas
por Jean-Paul Thibaud (2004) foi um aspecto importante
incorporado em nossa abordagem sobre a relao das
Pessoas com Deficincia com as cidades. Serviu como ponto
de partida e fundamentao terica para esta tese, exatamente
por colocar em evidncia todos os sentidos e sensaes que
so acionados no ato de caminharmos pela urbe.
Esta relao prtico-sensvel inaugura uma nova maneira de
tratar o corpo em uma dinmica ambiental quando alguns
fatores necessariamente devem ser pensados. Para Thibaud
(2004:146), o lugar possui um investimento corporal
indissocivel de seu poder de orientao e de expresso, o
que tambm nos faz abandonar as antigas teorias do ambiente
sem qualidades por uma abordagem do espao encarnado
(Ibid, 147).
Alm do envolvimento do corpo no ato fundamental de uma
Pessoa com Deficincia se locomover, algumas das situaes
de percepo ambiental problemtica so trabalhadas pela
corrente de estudos desenvolvidos por este socilogo francs4.
O contexto situado de um corpo com mobilidade reduzida foi
construdo com base nestas consideraes e, acima de tudo,
4 Em seu Laboratrio de Estudos sobre o Espao Sonoro em Cresson, onde diretor, o socilogo Jean-Paul Thibaud trabalha com as noes de percepo situada e ambiente sensvel, por ele desenvolvidas e baseadas na etnometodologia. Estes conceitos fazem parte de alguns de seus trabalhos centrados na ao do cidado, nos sentimentos e no envolvimento do corpo como base para a ao, como ser tratado nesta tese.
5. JEAN-PAUL THIBAUD
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nas relaes afetivas com os lugares que ele capaz de
desenvolver quando os percorre.
No podemos subestimar os sentimentos e esta pessoa
responder tanto ao mundo percebido quanto ao mundo real
ou vivido atravs das sensaes. Sua percepo ser
influenciada e situada por uma experincia prvia do seu
ambiente sensvel.
Estas so algumas das noes trabalhadas por Thibaud que
conduziram ao referencial terico de base etnometodolgica,
valorizando a ao do sujeito, a percepo situada e s
qualidades sensveis de uma ambincia que tem o corpo como
base de expresso de uma afetividade motora e ambiental.
Assim, considerando-se que existem diferentes maneiras de
estudar e conceber os ambientes buscou-se estabelecer um
novo paradigma e avanar nas clssicas teorias sobre o corpo,
sobre a acessibilidade cidade, sobre a percepo ambiental e
sobre o sujeito com deficincia se deslocando e
experimentando seu objeto de ao urbana: seu universo
urbano imediato.
O ambiente, como trabalhado por Thibaud, emerge nesta tese
como condicionante do deslocamento do corpo deficiente,
condicionando tambm sua prpria deficincia.
Esta concepo pode retirar da Pessoa com Deficincia a
responsabilidade pela falta de habilidade de lidar com o meio,
fazendo ver que as prprias ambincias so deficientes por
no permitirem a motricidade e a mobilidade, que a hiptese
que buscaremos comprovar com as consideraes que sero
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feitas. O que esta pessoa identifica ou seleciona faz parte da
sua experincia urbana que ser o resultado da sua percepo
ambiental.
Tambm buscamos uma metodologia inovadora para nossa
pesquisa dos trajetos e caminhos que so efetuados pela
cidade. Desta forma, os conceitos e procedimentos descritos
no mtodo de pesquisa de ambientes urbanos desenvolvidos
por Thibaud tambm serviro como fundamentao.
A reunio dos trabalhos sobre mtodos de pesquisa dos
espaos urbanos feita por Grosjean e Thibaud (2001) mostra
uma evoluo na maneira como a cidade tem sido analisada
metodologicamente. As abordagens vo desde a Ecologia
Urbana, Antropologia do Imaginrio, Psicologia Ambiental,
Avaliao Ps-Ocupao at trabalhos em Sociologia sobre
Modos de Vida e Semiologia do Espao.
Os estudos sobre a cidade aconteceram de acordo com dois
movimentos. Em um primeiro momento, o espao urbano era
tratado separadamente segundo uma perspectiva arquitetnica
ou uma perspectiva sociolgica. Raramente havia articulao
destas dimenses e o meio fsico era visto como reflexo da
estrutura social ou como determinante do comportamento.
Quando nos referimos tanto fenomenologia quanto ecologia da percepo, parece ilusrio querer dissociar a percepo do movimento. Este princpio de percepo motriz no diz respeito apenas a uma
ontologia da carne ou de uma prtica do corpo que percebe, ele torna-se operante para escolher a construo sensorial do espao pblico.
Jean-Paul Thibaud. Mthodes des Parcours Coments. 2001, p.83
6. PERCURSOS E ITINERRIOS PELA CIDADE:O MTODO COMO FUNDAMENTAO
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A partir dos anos 80, ainda conforme Grosjean e Thibaud,
comearam a surgir novos paradigmas de questionamento da
cidade moderna e uma nova perspectiva de anlise passou a
valorizar trs nveis:
Com estas novas concepes de estudo da cidade, fui
influenciada a pensar e trabalhar em termos de uma
interdisciplinaridade mais ampla, e transcender a minha
posio como arquiteta. Tornou-se ainda mais evidente a
necessidade de entendimento dos lugares como ambientes
para o comportamento das pessoas com deficincia. Estes
esto intimamente ligados aos seus ambientes subjetivos e
especialmente caracterizados como espaos psicolgicos que
abrangem aspectos sensoriais visuais, auditivos, olfativos e
trmicos, aspectos cinestsicos que so os de movimento e as
sensaes que esto presentes nos deslocamentos.
A nova postura de dar credibilidade aos agentes que utilizam
os ambientes urbanos faz parte da etnometodologia e foi
escolhida como instrumento de pesquisa para esta tese por
ressaltar o valor da experincia e da ao.
Assim, para uma investigao dos ambientes segundo a
perspectiva de acompanhamento de certos itinerrios urbanos,
1. A importncia do contexto a necessidade de avaliar o carter situado dos fenmenos observados. Esta avaliao s podia ser feita com o pesquisador indo avaliar no local.
2. A valorizao do cidado dotado de competncias para atuar sobre o meio o cidado como um agente produtor do espao pblico.
3. As abordagens da fenomenologia - o espao dotado de caractersticas prprias que afetam o deslocamento, para melhor ou para pior, daqueles que a se locomovem, a sonham, a falam.
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20CIDADE, CORPO E DEFICINCIA:
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a questo central da relao entre corpo e ambiente ganhou
evidncia ainda maior. As perguntas iniciais foram assumidas
como questes fundamentais: Como as Pessoas com
Deficincia se locomovem? O que percebido por elas ao se
deslocarem pela cidade? O que o lugar evoca para estas
pessoas? O que ele mobiliza em termos de sensaes,
comportamentos, encontros, sentimentos, que tipos de
sociabilidade?
Para responder a estas questes apoiamo-nos em conceitos
de diversas disciplinas, em especial da psicologia ambiental, da
percepo em movimento, da fenomenologia, da antropologia,
da sociologia e do urbanismo. A interdisciplinaridade permeou
toda a pesquisa, ajudando a definir um caminho de
investigao: o mtodo dos percursos comentados de Jean-
Paul Thibaud.
Mais do que um mtodo, a linha de pesquisa de Thibaud serviu
como fundamentao, por tratar dos ambientes sensveis, da
ao dos habitantes urbanos, de sua percepo situada em um
determinado contexto e de sua vida social dentro de uma
abordagem interacionista mais complexa que a sustenta. A
troca de olhares, os encontros e os contatos humanos exercem
uma influncia importante tanto na maneira como as pessoas
so percebidas, quanto na maneira como percebem o
ambiente social e urbano. Que lugar ocupa a percepo na
construo social da realidade (Berger e Luckmann, 2002)?
Buscou-se a compreenso desta realidade encontrada a partir
de uma percepo em movimento e de uma metodologia de
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21CIDADE, CORPO E DEFICINCIA:
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pesquisa que trabalha com contextos, situaes, perspectivas,
culturas e estratgias. O mtodo no utilizou apenas o discurso
do movimento das Pessoas com Deficincia pesquisadas, mas
procurou perceber em contexto. A proposta do trabalho de
Thibaud compreender as caractersticas sensveis de um
lugar (1993), configurando a percepo de uma pessoa que
caminha, seus sentimentos e afetividades e levando tambm
em considerao o inevitvel colocar em movimento da
percepo.
Nossa reformulao conceitual que se apoiou
fundamentalmente em Jean-Paul Thibaud tambm nos
conduziu reflexo das diferentes abordagens sobre o tema da
percepo situada do corpo, sua mobilidade e de um contexto
que pode ser condicionado pelas caractersticas e situaes
ambientais encontradas ao se percorrer um determinado lugar.
Na rea da Psicologia Ambiental, James J. Gibson (1986)
tambm foi referncia importante para nossa fundamentao
terica. Sua Abordagem Ecolgica da Percepo Visual Direta
que trata de uma percepo associada a um corpo em
movimento contribuiu para o entendimento desta relao.
Alguns conceitos de exterocepo e propriocepo
aprofundados por Gibson, contriburam por sua reconsiderao
da noo de estmulos do meio ambiente que um corpo
capaz de receber. O que interessa mais especificamente com
7. OUTROS AUTORES
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relao s questes aqui desenvolvidas, o sentido de
cinestesia como a conscincia de movimentos corpreos e
musculares e da mobilidade do prprio corpo sendo
caracterizadas como fatores importantes da identidade das
Pessoas com Deficincia nos ambientes da cidade.
Questionamos a teoria de Gibson por excluir o envolvimento
dos vrios sentidos e das sensaes no ato de as pessoas se
locomoverem e perceberem os ambientes. Apesar disto, o
autor estabelece em seus estudos uma relao entre as
caractersticas de locomoo dos indivduos com as condies
do meio, o que vai de encontro com Thibaud ao destacar a
associao de uma motricidade com o carter situado da
percepo de acordo com um contexto ambiental.
Com estes suportes conceituais, podemos tambm fazer uma
reflexo mais apurada sobre o conceito das affordances ou das
caractersticas ambientais de Gibson como condies
necessrias para a locomoo e a percepo. O processo, no
nosso entender, tambm requer os aspectos cognitivos e
afetivos no ato que o nosso sujeito - a Pessoa com Deficincia
desenvolve para se locomover e se identificar com seu
ambiente urbano sensvel imediato. Vista sob este ponto de
vista, a mobilidade tambm adquire esta dimenso prtico-
sensvel defendida por Thibaud, proporcionando para a
orientao e para a percepo situada desta pessoa
sentimentos e sensaes que animaro estes lugares com sua
participao, o que negado por Gibson.
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Na relao das pessoas com os lugares de uma cidade, um
grande nmero de fatores interiores ao sujeito est envolvido
na sua percepo situada de seu ambiente sensvel. Amos
Rapoport acrescenta a influncia da cognio e dos aspectos
da forma urbana, levando em considerao o envolvimento de
trs atividades no processo: rea cognitiva perceber,
conhecer, pensar, etc.; rea afetiva sensaes, sentimentos,
emoes, etc. (incorporadas em imagens); rea conativa
inclui a ao sobre o meio ambiente como resposta s duas
reas anteriores. (Rapoport, 1978: 42).
Com o acrscimo desta viso, conseguimos reunir em nossa
fundamentao, os aspectos prticos da ao e da percepo
visual situada em um tempo e em um ambiente presente de
James Gibson com a cognio fazendo uso da memria e de
sentimentos diversos como medos, desejos, afetos e
aspiraes (Rapoport) que so as nossas sensaes (Thibaud)
ao nos deslocarmos no meio.
As consideraes feitas pelos tericos de base
etnometodolgica colocam em questo a prpria noo de
recurso fornecida por Gibson e trazem para o centro do debate
o prprio cidado, na medida em que o recurso s existir em
funo de um sujeito que percebe, de sua ao e de sua
posio no ambiente.
Para a compreenso do universo urbano real e concreto vivido
pelas Pessoas com Deficincia nas cidades versus as cidades
vividas pelos seus sentimentos, a Teoria Ecolgica da
Percepo Direta de Gibson e o tratamento dado por Thibaud
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24CIDADE, CORPO E DEFICINCIA:
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percepo situada de seu ambiente sensvel no poderiam se
sustentar sozinhos.
A busca de uma conscincia acerca do caminhar pelos
ambientes da cidade ajudou a definir uma outra perspectiva: a
de um fenmeno chamado mobilidade urbana como resultante
das caractersticas corporais destas pessoas ou de seu lugar
na cidade. Considerando-se que a prtica de um lugar que
constitui uma ambincia e envolve a motricidade de um corpo,
tambm adotaremos a Fenomenologia da Percepo de
Maurice Merleau-Ponty (1996) como referncia desta tese.
Esta perspectiva nos fornece as importantes distines entre
espaos geomtricos euclidianos e espaos antropolgicos
transformados em lugares e, principalmente, a sntese to
fundamental para as nossas reflexes sobre as possibilidades
de ao ambiental e identificao com a cidade proporcionadas
por um corpo situado em relao com um meio (Merleau-
Ponty,1996).
Pelo seu carter existencialista e pela valorizao da
motricidade do corpo situado no ambiente, a fenomenologia faz
parte de nossa fundamentao. As anlises feitas por Merleau-
Ponty sobre a percepo como um fenmeno e de uma
experincia do corpo prprio foram de grande importncia para
o desenvolvimento deste trabalho.
Meu corpo tem poder sobre o mundo quando minha percepo me oferece um espetculo to variado e to claramente articulado quanto possvel, e quando minhas intenes motoras,
desdobrando-se, recebem do mundo as respostas que precisa.Maurice Merleau-Ponty. Fenomenologia da Percepo. 1996: 337.
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Este depoimento de uma pessoa que se locomove em cadeira
de rodas sinaliza para uma positividade quanto ao tratamento
que pode ser dado a um corpo deficiente. A deficincia pode
ser uma situao que faz parte de um contexto cultural, social e
ambiental das pessoas que a possuem. Tambm pode ser vista
como um aspecto especial que oferece novas oportunidades
para a experincia e o amadurecimento do nosso sujeito no
mundo.
Posturas corporais, competncias motoras e motricidades
especficas podem revelar pontos de vista mais de acordo com
uma nova ordem que libere o tratamento do corpo deficiente
dos modelos de um padro idealizado. No lugar de compensar
este corpo, a deficincia pode ser deslocada da pessoa para as
caractersticas mais alegres da vida como seus encontros com
o outro, suas sensaes e sua afetividade.
Entretanto, sero feitas algumas consideraes mais
freqentes sobre o corpo deficiente que fazem parte do
discurso da sociedade e do preconceito ainda to presente. Os
prprios ambientes urbanos podem colocar este mesmo corpo
em situaes de desvantagem, reforando a deficincia e
Quem disse que os aleijados so infelizes? S porque eles no podem danar? Toda msica pra, em algum momento. S porque eles no podem jogar tnis? Muitas vezes o sol est muito quente! S
porque tm que ser ajudados a subir e descer escadas? () A poliomielite no triste - ela s um grande inconveniente, o que significa que voc no pode ter acessos de mau humor e correr para dentro do quarto e bater a porta com um pontap. Aleijados uma palavra horrvel. Ela especifica!
Coloca de lado! muito ntima! Condescendente!.
Depoimento de Linduska que possui uma deficincia fsica.
In. Erving Goffman. Estigmas: Notas sobre a manipulao da identidade deteriorada. 1988, p.126.
8. O CORPO DEFICIENTE
Fig 11: mulher deficiente em cadeira de rodas.
Fonte: site Corbis set 2005
Fig 12: homem deficiente em
cadeira de rodas. Fonte: Raymond Lifchez, 1979.
Fig 10: Andrea Vesalius
De Humani Corporis Fabrica
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tornando-se eles prprios deficientes. J existem alguns
tericos debruados em anlises interessantes nas reas da
antropologia e da sociologia, constituindo-se campos
especficos para o estudo do corpo.
Pessoas que possuem corpos com mutilaes, segundo Le
Breton, so fadadas suspeita, a elas se designa uma
existncia que se desenvolve no palco, diante do ardor dos
olhares sem indulgncia dos transeuntes ou das testemunhas
da dessemelhana (Le Breton. 2003: 86).
Includas nas aparncias imediatamente visveis ao olhar dos
outros, Le Breton tambm considera que estas caractersticas
costumam gerar um certo desconforto no ambiente:
Diante destas colocaes, utilizaremos alguns trabalhos
desenvolvidos por David Le Breton, na sua antropologia do
corpo e constituiremos este quadro terico referencial com
relao ao corpo deficiente.
Existem fatores a serem levados em considerao na
constituio de nosso sujeito e que esto relacionados com o
tipo de deficincia, com algumas funes orgnicas afetadas e
com o comprometimento da prpria motricidade diretamente
relacionada com este corpo e antecedendo sua mobilidade nos
ambientes. Ocorre muitas vezes o prejuzo de determinados
sentidos como, por exemplo, o de cinestesia no caso da
deficincia fsica, a viso no caso das pessoas cegas, a
Em nossas sociedades, o homem que sofre de alguma deficincia fsica no mais sentido como homem inteiro; visto pelo prisma deformante do distanciamento ou da compaixo. Qualquer alterao
notvel da aparncia do corpo, qualquer transtorno que afete a motricidade, suscita o olhar e at mesmo a perturbao, a estigmatizao.
David Le Breton. Adeus ao Corpo. 2003: 86.
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PERCURSOS E DISCURSOS POSSVEIS NA EXPERINCIA URBANA
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audio para os surdos e a cognio em pessoas com
deficincias mentais.
Mas, no pretendemos tratar o assunto em termos do que a
pessoa perdeu e sim nas situaes oferecidas para a sua
experincia corprea e para o seu viver na cidade
contempornea. Assim, sua locomoo, sua acessibilidade e
sua orientao ficaro condicionadas pelas caractersticas
ambientais e no por suas habilidades. A responsabilidade de
incluso deste corpo retirada da pessoa, sendo transferida
para seu universo de ao ou seu ambiente sensvel.
Existem muitas pesquisas sobre o corpo, mas busca-se nesta
tese a relao desta corporeidade com a mobilidade urbana.
Da tenso entre os nossos sujeitos com deficincia e sua
dificuldade de locomoo ou mobilidade reduzida, procuramos
pelas abordagens situacionais e fenomenais deste corpo.
Resulta disso um drama em que o movimento se torna tenso, luta e esforo entre o interior e o exterior dos seres representados e entre esses seres e os espaos que os circunscrevem e
emolduram.
Carlos Antonio Leite Brando, O Corpo do Renascimento,
In Adauto Novaes, O Homem Mquina, p.287.
9. O CORPO DEFICIENTE NO AMBIENTE URBANO
Fig 13: Corpo em Metrpolis.
Fig 14: Corpo Deficiente no Espao. Fonte: Raymond Lifchez, 1979.
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28CIDADE, CORPO E DEFICINCIA:
PERCURSOS E DISCURSOS POSSVEIS NA EXPERINCIA URBANA
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O trabalho de Paul Schilder sobre A Imagem do Corpo (1999)
foi importante para a anlise da locomoo destas pessoas
pela cidade. Schilder sofreu influncia da psicologia da gestalt
e tambm inspirou-se na fenomenologia. Seus estudos
concentraram-se nos mecanismos mentais da percepo e da
ao.
A importncia das qualidades do meio ambiente para a
locomoo e ao so alguns pressupostos da teoria
desenvolvida por Schilder. Mais do que isso, a autoconscincia
do prprio corpo fundamental para o movimento:
Dentro desta concepo de direcionar a ao com um objetivo
especfico que , no nosso caso, a prpria mobilidade urbana,
a imagem corporal, o movimento do corpo prprio trabalhado
por Merleau-Ponty e o ambiente assumem uma interrelao
situada. Em outras palavras significa que uma pessoa com
caractersticas especficas de motricidade e diferentes
habilidades motoras necessita de um suporte para a sua ao
que pode ser a aceitao de seu prprio corpo ou um lugar que
ela deseja alcanar.
O ambiente dotado assim deste poder na competncia de
qualquer pessoa e ao mesmo tempo que ele preenchido pelo
corpo, ele tambm capaz de influenciar suas reaes
emocionais, suas sensaes e sua identificao com a cidade.
O conhecimento de algum sobre seu prprio corpo uma necessidade absoluta. Deve sempre haver o conhecimento de que eu estou agindo com o meu corpo, (...), que tenho que usar uma determinada
parte do meu corpo. (...) H sempre um objeto em direo ao qual a ao dirigida. Este objetivo pode ser o prprio corpo ou pode ser um objeto no mundo externo.
Paul Schilder. A Imagem do Corpo 1999: 55.
Fig 16: Deficiente caminhando.
Fonte: Raymond Lifchez, 1979.
Fig 17: Amputado caminhando.
Fonte: site Corbis.
Fig 15: Pessoa Idosa no Espao. Fonte: site Corbis.
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29CIDADE, CORPO E DEFICINCIA:
PERCURSOS E DISCURSOS POSSVEIS NA EXPERINCIA URBANA
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Vista sob este ngulo, estas variveis ambientais
comprometero os prprios sentimentos da pessoa com
relao ao seu corpo, sua deficincia e sua urbe.
Soma-se a estas referncias, o estudo de Rudolf Laban (1978)
sobre o domnio do movimento. Se considerarmos que o
objeto no mundo externo e nesta pesquisa o ambiente
urbano por excelncia, a interao entre corpo situado na
cidade e mobilidade das Pessoas com Deficincia formam o
contexto global desta tese.
Neste sentido, os percursos e itinerrios pela cidade como
trabalhado no mtodo de Thibaud (2001) se concretizam com
esta dinmica e recebe tambm a colaborao de muitos que
com ele tm trabalhado dentro desta perspectiva, como o
caso de Mariani-Rousset (2001):
Os trabalhos de Thibaud tm recebido um interesse cada vez
maior de pesquisadores dos ambientes pblicos urbanos e das
situaes cotidianas dotadas de algum sentido. A locomoo
da Pessoa com Deficincia e a relao de seu corpo com estes
ambientes sensveis dotados de algum valor, ajudou a
constituir todo este arcabouo terico que serviu como
fundamentao desta tese.
Os percursos Para certos pesquisadores, o percurso representa o movimento do corpo, o deslocamento no espao. Para outros, ele descrito como uma interao entre concepo e visita, o
percurso sendo levado em conta em funo do contexto. Com o percurso, o simples fato de se deslocar comea a possuir sentido.
MARIANI-ROUSSET, Sophie. La mthode des parcours dans les lieux dexposition. In Grosjean e Thibaud. Espaces Urbans en Mthodes. 2001: 31.
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A imagem que as pessoas tm de si mesmas, sua auto-imagem, se baseia em um sentido de prpria competncia e influi na imagem que tem de seu meio ambiente,
de sua interao com ele e de sua avaliao. Tudo isto se refere implicao no meio, ao papel das imagens na interao homem-meio, s atividades e conduta, e
funo simblica de meio fsico ao estabelecer a identidade de grupo e a percepo e cognio ambientais do meio urbano.
Amos Rapoport. Aspectos Humanos de la Forma Urbana, p. 326.
PARTE III DEFINIO DAS CATEGORIAS DE ANLISE E OUTROSCONCEITOS IMPORTANTES.
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31CIDADE, CORPO E DEFICINCIA:
PERCURSOS E DISCURSOS POSSVEIS NA EXPERINCIA URBANA
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No processo de relao com a cidade, muitos elementos
interagem para que a Pessoa com Deficincia possa se
deslocar e ter seu corpo situado nos ambientes. A conscincia
e o domnio de seu prprio movimento, a imagem corporal de
si, os seus espaos fsicos e sociais, a percepo da cidade,
sua identificao com os lugares e seus sentimentos, so todos
aspectos das atividades, da conduta e da vida desta pessoa.
Estes fatores sero examinados como categorias de anlise.
Alm destas categorias, tornou-se necessria a colocao de
alguns outros conceitos igualmente importantes, como, por
exemplo: mobilidade urbana, acessibilidade, barreiras, rota
acessvel e desenho universal.
Identidade do Corpo no Espao Identificao com a Cidade O conceito de identidade aos lugares5 place identity ou
place attachment foi desenvolvido nos anos 70 pelo
pesquisador Harold Proshansky para designar a caracterstica
do lugar que proporciona pessoa uma identificao e ao
mesmo tempo refora a identidade do seu eu pessoal de forma
cognitiva e afetiva e tambm sua identidade social.
5 A traduo literal da expresso place identity do ingls seria identidade aos lugares o que preferimos designar por uma identificao que um processo mais amplo que envolve o pertencimento cidade e a apropriao dos lugares.
que a identidade pessoal exprime-se tambm em termos de identificao com um lugar. Mas pode tambm acontecer que no nos identifiquemos com o lugar onde estamos; neste caso nascer um
sentimento de no-integrao: o espao ento vivido como um meio no qual nos sentimos estranhos e com o qual recusamos qualquer familiaridade. Estamos assim perante um fenmeno eminentemente
conflitual que se exprime como uma resistncia a condies de vida insatisfatrias e excluso potencial que elas arrastam.
Gustave N. Fischer. Psicologia Social do Ambiente. 1994:199.
10. AS CATEGORIAS DE ANLISE
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A identificao com um lugar a qualidade do espao fsico
que fornece ao homem um sentido de place identity,
ajudando-o a definir seu papel na sociedade. um conceito
muito importante para a Psicologia Ambiental que envolve no
s a histria da Pessoa com Deficincia, como tambm sua
competncia motora, sua motricidade e a histria ou contexto
do lugar que ela habita, ou seja, sua cidade.
A idia de place identity de Proshansky a mesma
desenvolvida por Abraham Moles e Elisabeth Rohmer (1978)
sobre o Point Ici que antropologicamente se traduz pela idia
de que o homem necessita de espao e mais ainda de um
lugar. Segundo Moles e Rohmer, esta identidade ou Point Ici
revela-se para a pessoa com sentimentos de pertencimento,
apropriao, domnio e at laos com os ambientes que do
um significado aos seus deslocamentos, permitindo o seu
movimento e a sua experincia urbana.
Esta experincia constitui-se da mobilidade da pessoa e de sua
percepo situada no contexto da sua motricidade. Traduzimos
esta identificao como a experincia do aqui e do agora ou de
ambientes que se transformam em lugares. neste sentido
que investigaremos a locomoo e a apropriao dos
ambientes pelas pessoas com deficincia.
Affordances do Meio Ambiente
So o que o meio oferece ao animal, o que ele proporciona ou fornece, tanto para o bem como para o mal. O verbo to afford encontrado no dicionrio, mas o nome affordance no. Eu o constru. Eu
quero com isto me reportar a algo que se refere tanto ao meio ambiente quanto ao animal de maneira que no existe nenhum outro termo. Ele implica a complementaridade do animal e do meio ambiente.
James Gibson. The Ecological Approach to Visual Perception. 1986: 127.
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33CIDADE, CORPO E DEFICINCIA:
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A teoria das affordances de Gibson foi influenciada pelo
trabalho de Kurt Lewin para explicar a idia de valncia 6 que
significa as caractersticas fsicas prprias de um meio
ambiente permitindo a locomoo das pessoas. Ambientes,
situaes ou outras pessoas podem possuir valncias positivas
ou negativas dependendo da sua habilidade para satisfazer as
necessidades ou aes. Mas para Gibson, a affordance de
uma coisa no muda quando a necessidade do observador
muda. O observador pode ou no perceber ou atender a
affordance, de acordo com as suas necessidades, mas ela est
sempre l para ser percebida.
O conceito e a idia de affordance desenvolvida por James
Gibson (1986) coloca em evidncia a constituio do prprio
ambiente como favorecedor ou no de uma identificao com a
sua cidade. As affordances dizem respeito ao e ao
movimento de uma pessoa; no sentido prtico e objetivo, so
as caractersticas de um ambiente e as possibilidades que ele
fornece. Devem estar intimamente relacionadas com a postura
da pessoa que est sendo considerada e possuem um
significado pelo que permitem ser efetuado no ambiente,
apontando para a dicotomia do mundo subjetivo da pessoa
com o ambiente objetivo da cidade.
Mais do que isso, a affordance pode transferir a dificuldade de
locomoo da pessoa que possui uma deficincia para o
prprio ambiente. Um dos exemplos colocados por Gibson 6 Valence foi um conceito desenvolvido por Kurt Lewin e a traduo oficial mais prxima de valncia, termo utilizado tambm por Antonio Gomes Penna (1993).
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34CIDADE, CORPO E DEFICINCIA:
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refere-se s propriedades de uma superfcie relacionadas ao
corpo e ao tipo de locomoo.
Com esta categoria de anlise, sero verificadas as
caractersticas objetivas da cidade as affordances do meio
ambiente como parte do processo da percepo das Pessoas
com Deficincia situada nos ambientes. As affordances, para
Gibson, so os nicos fatores que influenciam a avaliao,
excluindo qualquer representao mental e considerada pelo
prprio autor uma hiptese bastante radical por implicar que os
valores e significados das coisas no meio ambiente podem
ser diretamente percebidos (Gibson, 1986: 127).
Nesta tese tambm sero examinadas questes mais
subjetivas, mentais e fenomnicas que esto contidas nas
outras categorias que sero mostradas a seguir.
Orientao Espacial Para Henry Sanoff (1991), o sentido de orientao deveria ser
uma maneira compartilhada da cultura, acessvel s pessoas e
significa a experincia comum de localizao que uma pessoa
pode encontrar em um ambiente desde que existam condies
para tal.
considerado como um processo cognitivo que geralmente
ocorre com respostas afetivas em relao a um lugar,
expressando uma sensao de encontro ou de um lugar para o
corpo da pessoa se situar no tempo e no espao. A orientao
O sentimento de orientao essencial para nosso bem-estar no meio ambiente. Basicamente, ele nos permite saber onde estamos, ter um sentido de onde ir depois e ser capaz de escolher uma rota adequada para chegar l. D um sentido de facilidade e alegria e nos permite apreciar novas e inesperadas caractersticas. Envolve um nvel de diferenciao no meio ambiente para fornecer
alternativas para direo, distncias e mudanas, assim como um sentido de familiaridade nele.
Henry Sanoff. Visual Research Methods in Design, 1991: 73.
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35CIDADE, CORPO E DEFICINCIA:
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espacial um fator muito importante na caracterizao da boa
forma da cidade (Lynch). Theo van der Voordt (1978) a coloca
como um dos nove aspectos embutidos no conceito de
qualidade funcional.
As arquitetas Dischinger, Ely et al., sustentam com base em
seus estudos sobre a acessibilidade, que a orientao de uma
forma mais ampla envolve dois processos distintos e
interativos: orientao espacial e orientao dinmica. O
primeiro segue a definio de Sanoff que o traduz com a idia
de mapa mental. A orientao dinmica7 envolve o
deslocamento do indivduo para chegar a determinado local
(Dischinger, Ely et. al., 2004:31).
Segundo Passini (1984), a orientao envolve trs
caractersticas: informao, deciso e execuo da deciso. O
processo deve ser visto de forma integrada envolvendo
tambm as informaes contidas no ambiente. De acordo com
Gibson, a orientao s possvel com as affordances que as
pessoas encontram nos ambientes que lhes fornecem esta
informao, tornando-as capazes de se decidirem para onde
querem ir e partirem para a ao.
Experincia Urbana Existe uma diversidade de mundos perceptivos e de
experincias sensoriais. Jean-Paul Thibaud (2001) apontou
esta dimenso intersensorial dos ambientes. Para obter esta 7 Segundo as autoras, a utilizao do termo orientao dinmica foi resultante da traduo de wayfinding.
Tudo aquilo que o homem e faz est ligado experincia do espao. Nosso sentimento do espao resulta da sntese de numerosos dados sensoriais, de ordem visual, auditiva, cinestsica, olfativa e
trmica.
Edward Hall, A Dimenso Oculta.
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36CIDADE, CORPO E DEFICINCIA:
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experincia urbana, a busca de orientao e informao no
espao faz parte da explorao perceptual situada no meio e
utiliza todos os rgos dos sentidos, atravs dos quais o
ambiente se relaciona com o corpo, contribuindo para sua
locomoo, sua ao e sua experincia.
Com relao percepo visual e experincia adquirida por
este sentido, leva-se em considerao o ngulo de viso da
Pessoa com Deficincia que olha, que depende de sua postura
corporal, de sua motricidade, de sua posio no espao
(sentada, inclinada, etc.), de sua maneira de locomoo, das
caractersticas dos ambientes urbanos e da disposio dos
elementos e equipamentos na cidade.
Alm da viso e da percepo, o carter da experincia
tambm parte de um processo de cognio espacial intra-
urbana (Cauvin, 1999). Assim, a Pessoa com Deficincia pode
experienciar um espao urbano especfico (uma rua, uma
praa, um transporte, uma estao de nibus) e neste ato ela
desenvolve algumas aes: julgamentos, avaliaes e
interpretaes de seu esquema cognitivo. So os resultados
destas operaes que propiciaro a ao e a experincia
urbanas. Em outras palavras, esta anlise envolve mais
especificamente, trs reas: rea cognitiva, rea afetiva e rea
conativa.
A experincia urbana tambm depende de muitos outros
fatores. Certamente, o ambiente fsico importante, mas no
nico. Com base nas colocaes dos estudiosos da
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37CIDADE, CORPO E DEFICINCIA:
PERCURSOS E DISCURSOS POSSVEIS NA EXPERINCIA URBANA
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experincia urbana8, pode-se dizer que a conscincia do
prprio corpo do observador no mundo uma parte da
experincia (Gibson: 207). E como o espao urbano vivido
atravs da ao, a experincia deste corpo da pessoa com
deficincia em movimento que ser examinada.
Alguns conceitos desta tese aparecem com alguma freqncia
tanto no nosso discurso sobre a locomoo do corpo no
ambiente urbano quanto no das pessoas com deficincia que
fizeram os percursos comentados. Por estas razes merecem
alguma meno, mesmo que de forma breve, pois esto
relacionados com o prprio deslocamento pelos espaos.
Mobilidade Urbana Mobilidade Urbana e Motricidade so dois conceitos
amplamente trabalhados por Jean-Paul Thibaud (2001, 2004)
nos seus estudos sobre ambincias e por Rachel Thomas
(2000) em sua tese de doutorado sobre acessibilidade. A
motricidade diz respeito s prprias caractersticas e
movimentos do corpo, mas antecedem a mobilidade humana
que significa se deslocar de um ponto a outro nos ambientes
urbanos. Estes autores debatem sobre estas noes,
considerando que alm dos aspectos orgnicos das pessoas e
das caractersticas corporais, esto envolvidas na dinmica as
sensaes. Vista sob este ngulo, a mobilidade pode ser
8 O conceito de experincia urbana tem sido adotado e aperfeioado nas pesquisas de DUARTE, Cristiane Rose & COHEN, Regina. (2002, 2004 e 2005). Pode-se tambm mencionar os muitos estudos sobre a experincia urbana: COHEN, Regina. & DUARTE, Cristiane (2004). HARVEY, David (1992) e FISCHER, Claude S. (1984).
11. OUTROS CONCEITOS IMPORTANTES
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38CIDADE, CORPO E DEFICINCIA:
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considerada mais do que uma condio fsica e envolve
afetividades e emoes no ato de se movimentar e perceber
uma ambincia, que a maneira como queremos analis-la
nesta tese.
O Governo Federal criou uma poltica de mobilidade urbana
que, dentre outras questes, vem trabalhando com a
acessibilidade de Pessoas com Deficincia. Dentro deste
programa existe um projeto que se chama Brasil Acessvel
que tenta estimular, atravs de financiamentos ou cursos de
capacitao, um melhor deslocamento destas pessoas.
Algumas cidades brasileiras j passaram pela experincia e
cabe com a introduo do conceito, saber como est a relao
do discurso do poder com a perspectiva do usurio. Em outras
palavras como ocorre esta mobilidade nas cidades brasileiras e
como estas pessoas se locomovem.
Acessibilidade A acessibilidade no ser examinada aqui em toda a sua
globalidade tendo em vista os inmeros trabalhos
desenvolvidos sobre o tema, inclusive a dissertao de
mestrado da autora desta pesquisa (Cohen, 1999) e as
pesquisas de Duarte e Cohen nestes ltimos anos. Entretanto,
cabe ressaltar o carter inovador como estas estudiosas vem
tratando o assunto, dando aos ambientes a responsabilidade
no fornecimento da acessibilidade e que tambm a hiptese
A mobilidade um atributo das cidades e se refere facilidade de deslocamentos de pessoas e bens no espao urbano. Tais deslocamentos so feitos atravs de veculos, vias e toda a infra-estrutura urbana (vias, caladas, etc.) que possibilitam esse ir e vir cotidiano. (...) o
resultado da interao entre os deslocamentos das pessoas e bens com a cidade.
Ministrio das Cidades, Secretaria de Transporte e da Mobilidade Urbana e Instituto Polis.
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39CIDADE, CORPO E DEFICINCIA:
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sobre as influncias das affordances nas competncias
motoras das Pessoas com Deficincia, que se pretende
comprovar nesta tese. A definio da Associao Brasileira de
Normas Tcnicas (ABNT) a seguinte:
Esta conceituao importante por associar a acessibilidade
com condies de alcance, que se relaciona com a categoria
de anlise de orientao e com a percepo que um aspecto
da experincia urbana muito importante.
Outra definio fornecida pelo Decreto Federal Brasileiro
5296, tambm de 2004:
Dentro desta perspectiva em associar a acessibilidade com
percepo, inauguramos tambm uma nova fase inspirada nos
trabalhos desenvolvidos por Jean-Paul Thibaud e na tese de
doutorado de Rachel Thomas (2000) sobre a acessibilidade,
orientada por ele. O carter situado da percepo defendido
por Thibaud e Thomas coloca a questo da deficincia como
sendo condicionada e situada pelas caractersticas dos
ambientes e pela acessibilidade, envolvendo tambm a
expresso motora de uma afetividade.
Acessibilidade - a possibilidade e condio de alcance, percepo e entendimento para utilizao com segurana e autonomia de edificaes, espao, mobilirio, equipamento urbano e
elementos.
NBR 9050/2004 ABNT.
Condio para utilizao, com segurana e autonomia, total ou assistida, dos espaos,mobilirios e equipamentos urbanos, das edificaes, dos servios de transporte e dos
dispositivos, sistemas e meios de comunicao e informao, por pessoa portadora de deficincia ou com mobilidade reduzida.
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40CIDADE, CORPO E DEFICINCIA:
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Barreiras Todas as noes de limites, fronteiras e distncias sociais
ajudam tambm a definir o conceito de barreiras fsicas que
assume o carter concreto de impedimento para a ao no
meio ambiente. Barreiras representam dificuldades nos
percursos das Pessoas com Deficincia, na sua percepo dos
espaos urbanos e no seu campo de viso da panormica da
cidade. Tambm um conceito importante j trabalhado na
dissertao de mestrado de Cohen (1999).
Rota Acessvel O conceito de Rota Acessvel consiste no percurso livre de
qualquer obstculo de um ponto a outro (origem e destino) e
compreende uma continuidade e abrangncia de medidas de
acessibilidade.
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