castro, zília cardoso de. cultura e política de manuel borges carneiro e o vintismo
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7/26/2019 CASTRO, Zlia Cardoso de. Cultura e Poltica de Manuel Borges Carneiro e o Vintismo
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Cultura M oderna e Contempornea 5
Cultura e Poltica
Manuel Borges Carneiro
e o Vintismo
Zlia
Osrio de Castro
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Manuel Borges Carneiro e o Vintismo
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uiLuici iviuucrim e Contempornea 5
Cultura e Poltica
Manuel Borges Carneiro
e o Vintismo
Zlia Osrio de Castro
Volume I
2 ^
Centro de Histria da Cultura da
Universidade Nova de Lisboa
-
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TITULO
Cultura e Polt ica
Manuel Borges Carneiro e o Vintismo
1.* edi o 1990
Srie Cultura Mo derna e Contempornea
ISBN 972-667-120-5
AUTOR
Zlia Osrio de Castro
EDI O
Tiragem: 1000 exemplares
Instituto Nacional de Investigao Cientfica
Centro de Histria da Cultura da Universidade Nova de Lisboa
C A P A
Arra njo grfico de M rio Vaz a partir de desenho de D. A. de Sequeira
Sala da primeira assemblia constituinte Palcio das Necessidades
(MNAA)
C OM POSI O E IM PR ESSO
Tipografia Guerra Viseu
Contribuinte n. 500 295 697
DISTRIBUIO
Imprensa Nacional / Casa da Moeda
Rua Marqu s S da Bandeira, 16 1000 Lisboa
Depsito legal
n.
35282/90
Copyright ZUa Osrio de Castro
TRABALHO PREPARADO NO CENTRO DE HISTRIA
DA CULTURA DA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA.
DIRECO CIENTFICA DO PROF. J . S . DA SILVA DIAS
-
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INSTITUTO NACIONAL DE INVESTIGAO CIENTFICA
CENTRO DE HISTRIA DA CULTURA
DA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA
P UBL ICAE S E M CIRCUL AO (L IVROS OU ART IGOS ) :
CUL T U RA HIS T RIA E F IL OS OF IA
Vo l. I 1982
Vo l. II 1983
Vol. III 1984
Vol. IV 1985
Vol. V 1986
Vol. VI 1987
ART IGOS / SEPARATAS
1.
J. S. da Silva D ias:
a)
Pomb alismo e Teoria Poltica,
1982;
b)
Pom balismo e Projecto Poltico,
1983-1984;
c)
O Cnon e Filosfico Conimbricense (1592-1606).
1985.
2 . Joo F . de Almeida Pol icarpo,
Deveres de Estado e pensamento social n'
A
Palavra.
Uma interpretao,
1982;
Os Crculos Catdllcos de Operrios. Sentido e fontes de inspi
rao,
1986.
3. M aria Lusa Braga, A Inquisio na poca de D. Nuno da Cunha de Ataide e Melo
(1707-1750), 1982-1983; A polmica dos Terramotos em Portugal, 1986.
4 . Mr io Sot to Mayor Cardia , O pensamento filosdfico do jovem Srgio, 1982.
5. Fernando
Gil,
Um caso de inovao conceptual. A formao da teoria kantiana do espao
(1746-1768),
1983.
6. Man uel M aria Carri lho, O empirismo analtico de Condillac, 1983; A Ideologia e a
transmisso dos saberes. 1986.
7. Piedade Braga Santos, Actividade da Real Mesa C ensdria. Um a sondagem (1983).
8. Jo o Sgua , O problema do fundamento nas Investigaes Ldgicas de Husserl, 1983.
9. Gra a Silva Dias , O Pr-Deismo. Esboo de uma interpretao,
1983.
10. Joo Paulo M ontei ro , Ideologia e economia em Hobbes, 1984.
11 . Jos Esteves Pereira , Kant e a Resposta pergunta: o que so as Luzes?, 1984; Pensa
mento
filosdfico
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XVIIl
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1986; A Ilustrao em Portugal.
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O tratado da esfera de D. Joo de Castro,
1984;
Introduo sabe
doria do Mar,
1986;
Introduo ao pensamento tcnico de Fernando Oliveira: em torno
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13.
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A linguagem como mtodo nas Prelaces Filosdficas de Sil
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1984.
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Clausum.
Mar
Liberum. Dimenso doutrinai de um
foco de tenses polticas,
1984.
15 . Diogo Pires Au rl io,
O Mos
Geomtricas
de Thomas Hobbes,
1985;
A racionalidade
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1986.
16. Antn io Marques ,
A teoria da causalidade na terceira crtica de Kant,
1986.
17. Zlia Os rio de Ca stro,
Constitucionalismo Vintista. Antecedentes e pressupostos,
1986;
O regalismo em Portugal. A ntdnio Pereira de Figueiredo.
18. M aria Ivone de Ornel las de An drad e,
Razo e Maioridade. Sculos XVII e
XVIII, 1985;
Sete reflexes sobre o Marinheiro,
1986;
Jos Sebastio da Silva Dias.
Historia
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20. A. Coxi to , Para a Hlstdria do Cartesianismo e do Anticartesianismo na Filosofia Portu
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21 .
Joaqu im Ferre ira Gom es,
Alguns Vcios da Universidade de Coimbra no Sculo
XVII.
segundo a Devassa de 161 9-1624.
22. Nicolau de Almeida Vasconcelos Ra pos o, Alguns Aspectos da Teoria das Formas Subs
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23. Lus Reis To rgal,
Passos Ma nuel e a Un iversidade. Do Vintismo ao Setembrismo .
24.
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D.
Francisco
M anuel de Melo e a Sociedade do seu
tempo (1608-1666).
25 .
Maria Laura Pimenta Henriques Simes,
D a Orgnica do Estado.
26 .
Jlio Gonalves Barreto,
O Vintista perante o s problema s da Educao e do Ensino.
11.
Olmpia Silva Oliveira Valena Rebe lo,
O Conceito da Liberdade em Joaquim Antdnio
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28 .
lida da Conceio Ferreira Saldanha,
D.Francisco Alexandre Lobo e as Reformas dos
Estudos
29. Ma nuel Alberto deCarvalhoPrata. Reforma Pombalina da Universidade. F aculdade de
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30 .
Maria Helena Pais de Sousa, Reformas Escolares. Ensino Primrio e Secundrio
31.
Maria Manuela Tavares Ribeiro,AImprensa Portuguesae asRevolues Europiasde1848
Til. Fernando Catroga,Laicizao
e
Democratizao
na Necrpole em P ortugual
(1756-1911)
33 . Rosa Esteves,
Dilogos sobre a Justia. AlmeidaGarrett,
Louis-Franois
Raban e Vlctor
Hugo.
34.
Isabel Nobre Vargues,
Do Sculo das Luzes s Luzes do Sculo.
35. Jos Henrique Dias,
A Carta Constitucional Prom etida
36 .
Norberto Cunha,
A Ilustrao de Jos da Cunha Brochado
37 .
Ftima Nunes,
Notas para o estudo do periodismo cientfico: Annaes d as
Scienciais
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38.
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Fidelidade e Suspeita.
39.
Jos Augusto dos Santos Alves, O Portuguez e o
Discurso do Saber / Poder.
40 .
Francisco Contente Dom ingues,
A Oraoda Abertura da Academia dasCinciasde Lis
boa. Aspectos de uma polmica.
41. Joo Pedro Rosa Ferreira, A Proposta Constitucional do Correio Braziliense.
42 . Joo Lus Lisboa,
Imagens de Cincia na Leitura Comum em Portugal.
LIVROS
CULTURA MODERNA E
CONTEMPORNEA
1. Maria deFtima Nunes, O Liberalismo em Portugal. Iderios e Cincias. O Universo
de Marino Miguel Franzini (1800-1860).
1 volume
2.
Jos Henrique R. Dias,
JosFerreira Borges. Poltica e Economia.
1 volume
3.
Ana Maria Ferreira Pina,
D e Rousseau ao Imaginrio da revolu o n o discurso consti
tucional das cortes de 1820-1822. 1 volume
4.
Maria Benedita Cardoso Cm ara,Francisco Soares Franconoperodode 1804-1823. Open
samento crtico. 1 volume
5.
Zlia Osrio de Castro,Culturae Poltica. M anuelBorges Carneiroe o Vintismo. 2volumes
PUBLICAES NO PRELO
CULTURA HISTRIA E FILO SOFIA , VOL. VII (1988)
1.
J. F. de Almeida Policarp o,
O pensamento social do grupo catdlico de APalavra
(1872-1913). 2
volumes de 600 pp. (previstas).
2. Jos A. Santos Alves, Ideologia e Poltica na Imprensa do Exlio. O Portuguez
(1814-1826).
1 volume de 320 pp . (previstas).
3. Joo Pedro Rosa Ferreira, O Jornalismo na Emigrao. Ideologia e Poltica no Correio
Braziliense (1808-1822). 1 volume de 400 pp. (previstas).
4.
Jos S. da Silva Dias, O (novo) Erasmismo e a Inquisio em Portugal no sculo XVI,
2
volumes, no tota l de 700 pp . (previstas);
A Inquisioe ostextos pedaggicosde Erasmo.
1 volume de 120 pp. (previstas).
5.
Graa Silva Dias,
Do deismo ao tesmo:
Jos Anastcio
da Cunha e o seu crculo.
1 volume
de cerca de 550 pp. (previstas).
6. Jlio J. da Cos ta Rodrigues da Silva,
Teses em confronto nas Cortes Constituintes de
1837-1838.
1 volume de 350 pp. (previstas).
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A MEUS PAIS
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PREFACIO
O meu primeiro contado coma problemtica vintista remontaao
tempo em que
freqentava
a
cadeira
de H istria da Cultura Portuguesa,
ento
regida,
na Faculdade de Letras daUniversidadede Co imbra, pelo
Prof. Silva Dias. Optei, nessa altura pela possibilidade, oferecidapor
este Professoratodoocurso,detrocaromtodo tradicional de apren
dizagem pelo regimede seminrio, substituindo preleco m agistral
a investigao pessoal como fonte deaqu isiodeconhecimentos.Fiz
assim parte dopequeno grupo dealunos que, sob aorientao ime
diata
do Prof.
Jos Esteves Pereira
(ao
tempo,
no
incio
da
carreira
universitria), participaram numa experinciadeensino cujos a spectos
positivos no sopara olvidar.
O contado com textos representativosdopensamento
liberal
por
tugus dos princpios do sculo XIX iniciadodeste modo, iria ter conti
nuao natural nafreqncia doSeminrio deCultura Portuguesae,
finalmente, na escolhade umtemadeinvestigao.A dissertaoque
em
1987
apresentei Faculdade de Cincias Sociais e Hum anas da Uni
versidade Nova de Lisboa representa, portanto,
o
resultado
de um
tra
balho depesquisa e anlise cujos primeiros passos, a nvel doutrinai
e metodolgico, foram dados no mbitodeum aexperinciapiloto. Ape
sarde tudo, nemsemprefoi fcil prosseguir num caminho, aliciante
sem dvida, mas paraoqualosestudos
curriculares
da licenciaturaem
Cincias histricas pouca ounenhuma preparao ministravam. M uito
fiquei adever,porisso, aoProf. Silva Dias, meu orientador cientfico,
no
s
pelo incentivo prestado nalguns mom entos
de
desnimo,
mas
tambm, e sobretudo, pelo saberdo seumagistrioepela pertinncia
dos seus conselhos, revelados nospontos cruciaisda investigaoe
durante o tempo em que,como suaassistente, colhiosbenefciosdas
perspectivas
abertas
pelas
cadeiras
de H istria das
Idias
PolticaseCul
tura Portuguesa.
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PREFACIO
Sob os auspcios desta orientao realizei as pesquisas necessrias
ao estudo da figura po ltica de Manuel B orges C arneiro segundo atr
plice perspectiva que viria a encontrar expresso formal na diviso do
presente texto em trs partes. N a primeira, de
caracter
biogrfico, pro
curei definir a personalidade do deputado, situando-o como cidado,
como magistrado e como poltico na sociedade do tempo, mediante o
conhecimento das vicissitudes sofridas e do
caracter
revelado pelo juzo
dos contemporneos. Na segunda, pretendi caracterizar o personagem
sob o ponto de vista da actividade parlamentar, integrando-o nos deba
tes suscitados por questes de reconhecido interesse (j que a sua capa
cidade de participao, verdadeiramente excepcional, tornou imprati
cvel um estudo exaustivo), para determinar, pelo teor das intervenes
e pela forma de votar, a posio relativa ocupada en tre os mem bros
da primeira assemblia liberal portuguesa. Na terceira e ltima parte,
intentei valorar o contributo do magistrado no estabelecimento, evolu
o e objedivos do regime vintista, indo procurar as razes doutrinrias
do seu discurso (oral e escrito) aos autores representativos do pensa
mento europeu em matria poltica, religiosa e
econmica,
e avaliando
a receptividade manifestada relativamente s
idias
enunciadas.
Por
fim,
unindo num todo as trs partes apenas metodologicamente divididas,
apresentei na sntese final a dimenso cultural de um deputado liberal,
fortemente empenhado no regime vintista e com um perfil pessoal e
social definido com um mximo de objedividade.
No obstante julgar fora de discusso o reconhecimento de M anuel
Borges Carneiro como figura representativa do primeiro
liberalismo
por
tugus, estou consciente da relatividade do meu contributo para a com
preenso do vintismo. Na verdade, passar do particular para o geral
no plano dascincias culturaistem, inevitavelmente, um significado redu-
tor e, como tal, tarefa contestvel aplicar aprioristicamente ao todo,
aquilo que apenas conhecimento fundamentado da parte. Isto signifi
caria, no presente caso, entender o poltico, no com o um ente situado,
mas como um ente universal. Significaria tambm entender o libera
lismo vintista como algo de homogneo, sem tenses nem confrontos,
ou seja, fora da perspectiva dinmica revelada no processo de implan
tao,
queda e
seqelas
do m ovimento liberal. Seria, em ltima anlise,
assumir uma atitude a-histrica, j que ser difcil compreender a His
tria, nomeadamente a Histria das Idias, sem os indivduos concre
tos
os homens situados
quer se coloquem no incio, quer no fim
do esquema interpretativo de uma poca ou de um acontecimento. Neste
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PREFCIO
sentido, se a histria do vintismo no se pode fazer sem a histria de
Borges Carneiro, tambm no se pode fazer sem a histria de tantos
outros que, na mesma poca, fizeram seu o ideal de liberdade. Da,
o
caracter
problemtico, que no dogm tico, das concluses a que
cheguei.
Para terminar, resta-me dirigir umas palavras de agradecimento.
Em primeiro lugar, ao Prof.Silva Dias pelo encorajamento e orienta
o com que ficaram assinalados certos perodos da realizao deste
trabalho. Depois, para todos os que, dando provas de sincera e leal
amizade, suavizaram os momentos difceis com palavras de nimo e
nunca deixaram de manifestar, das mais
diversas
formas, o seu apoio
e ajuda.
Quero tambm lembrar aqui, com reconhecimento, a boa-vontade
e disponibilidade encontradas junto dos funcionrios do Arquivo Nacio
nal da Torre do Tombo, Arquivo da
Universidade
de Coimbra, Arquivo
Histrico-Parlamentar
da
Assemblia
da Repblica,
Biblioteca da
Ajuda,
Biblioteca Nacional de Lisboa, Biblioteca Pblica de vora e Biblio
teca Geral da Universidade de Coimbra.
Lisboa, 13 de Junho de 1989.
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ABREVIATURAS
AAR Arquivo Histrico-Parlamentar da Assemblia da Repblica
AU C Arquivo da Universidade de Coimbra
BGUC Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra
BNL Biblioteca Nacional de Lisboa
BPE Biblioteca Pblica de vo ra
DC Dirio das Cortes Gerais e Extraordinrias da Nao Portuguesa
(1821-1822)
DCD Dirio da Cm ara dos Senhores Deputados da Nao Portuguesa
DG Dirio do Governo
DL Dirio das Cortes da Nao Portuguesa (1822-1823)
IGP Intendncia Geral da Polcia
ANTT Arquivo Nacional da Torre do Tom bo
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CAPITULO I
EPISDIOS DA VIDA DO CIDADO
1.
Traar o perfil de um a individualidade , no mbito sectorial
e redutor de membro de uma comunidade politicamente organizada,
implica, antes de mais, encar-la sob o ponto de vista das condies
sociais, econmicas, culturais e profissionais que a distingue, para alm
da igualdade nascida da sujeio aos imperativos de uma mesma lei.
Nesta perspectiva, a personalidade de Borges Carneiro, apresenta-
-se particularizada. Nascido numa famlia de proprietrios rurais, com
um certo nvel scio-econmico e cultural, viria a ocupar, pelos pr
prios mritos, um lugar de destaque na carreira escolhida, depois de
se ter salientado nos estudos conducentes ao desempenho das respecti
vas funes.
Como cidado, Manuel Borges Carneiro, define-se, portanto, em
primeiro lugar, pelos laos que o ligam a uma famlia e a uma profis
so.So laos naturais e laos criados, mas complementares no contri
buto para o conhecimento do homem e da poca.
I N F N C I A E A D O L E S C N C I A
2. Quem percorrer, ao longo da margem esquerda do Dou ro a
estrada de Lamego ao Porto, goza de uma das mais belas paisagens
entre quantas se podem adm irar em Portug al. De facto, o percurso entre
aquela cidade e a pequena vila de Resende, justamente destacado do
todo,
um deslumbramento de cor, harmonia e perspectiva. As encos
tas de ambas as margens, cobertas de vinhas, descem suavemente para
o rio, cicHcamente pintadas de castanho, verde e vermelho, e sempre
salpicadas de bra nco do branco luminoso das casas. Na periferia
de Resende, numa pequena elevao, est a Quinta das Cotas, inte-
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2 EPISDIOS DA VIDA DO CIDADO
grando-se, tambm ela, na cultura que deu nome e riqueza quela parte
do territrio nacional.
Nesta quinta nasceu Manuel Borges Carneiro quando em 1774, as
vinhas apresentavam as cepas nuas, mas promissoras de uma nova
colheita, e a Igreja Catlica rezava pelos seus mortos: 2 de Novembro.
Era filho do Dr. Jos Borges Botelho e de D. Joana Tomzia de Melo,
da Quinta das Cotas, neto paterno de Manuel Borges Botelho, natural
de Vinhos, e de Rosa Botelho, natural de S. Cens, e neto materno de
Antnio Carneiro e de Tereza Cardoso, tambm da Quinta das
Cotas
KO
nome ligava-o aos ascendentes paternos e maternos; o local
do nascimento, terra dos antepassados, nomeadamente Quinta das
Cotas pertencente me. Aqui, teriam tambm nascido e vivido as
irms . A duas viriam a aproxim-lo de forma particular laos cria
dos em situaes especiais. A mais velha, Bernardina, ao lado do tio
Antnio Borges Botelho, representante do padrinho Manuel Rosa
de Oliveira tomara por procura o, o lugar da mad rinha Catarina
Lana de Oliveira na cerimnia do seu baptismo . A mais nova,
Mariana Raquel, seria presa por razes polticas, vtima tambm das
represlias do governo de D. Miguel sobre os partidrios dasidiaslibe
rais.
E sofreria durante quatro anos, na priso de Lamego, os incmo
dos, tormentos e desgostos de quantos se vem privados de liberdade'*.
Tudo indica que a famlia vivia com um certo desafogo. O pai
formara-se em cnones e, embora com habilitao para os lugares de
letras , nunca teria exercido qualquer funo pblica. Alm disso, na
inquirio civil da praxe pode ler-se textualmente: ... no consta que
seus pais e avs exercitassem em tempo algum officio mecnico antes
se faz por certo que
sempre vivero de suas fazendas ^.
Por seu
lado.
' Vide Apndice documental, doe. n. 1.
2 Ignora-se o nm ero de irms de Manuel Borges Ca rne iro. data da sua
priso, por ordem de D. Miguel, sabe-se que existiam trs; se uma est perfeita
mente identificada o mesmo no se pode afirmar das outras (Vid.
BRITO REBELO,
Manuel Borges Carneiro,in O O ccidente, vol.2, n.48, 15 de Dezembro de 1879,
p.
186).
3 Vid. Apndice documental, doe. n. 1.
" Vid.
BRITO REBELO,
Manuel Borges Carneiro, in O Occidente, vol. 2,
n. 48, 15 de Dezembro de
1879,
p. 186.
5 Cfr. AUC, Livro de actos e graus, 1755, fl. 87 v.
6 Cfr. ANTT, Leitura de
bacharis
(1761), M. 26, n. 3 .
' Idem, ibldem. O itlico nosso.
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INFNCIA E ADOLESCNCIA 3
a Quinta das Cotas evidencia abastana, com claros sinais de melhoria
de condies econmicas, e de aumento de importncia social. Prova
irrefutvel desta evoluo encontra-se na arquitectura da casa. A parte
mais antiga est construda apenas num andar onde a cozinha, muito
espaosa, com uma enorme chamin e grandes mesas de pedra, ocupa
o lugar principal, quer pelas dimenses, quer pela localizao. As res
tantes dependncias so pequenas e sem beleza. Ligada a esta casa, foi
posteriormente construda outra de maiores dimenses: dois andares,
janelas de sacada, zago , com partimentos espaosos, tectos de m aceira.
Ao lado, mas unida, a capela. Alm destes indcios de bem-estar eco
nmico e social, materializados em pedra, outros existem personaliza
dos no prprio Borges Carneiro. Com efeito, deve ter recebido uma
educao humanstica cuidada que despertou nele o gosto e a admira
o pelos autores antigos, pagos e cristos, freqentemente citados;
e, alm disso, tevepossibiUdade de continuar os estudos universitrios
depois de trs anos de interrupo.
As obras de melhoramento da casa da Quinta das Cotas incluram,
como se referiu, a construo da capela. Este facto, seja qual for a data
da construo e os eventuais significados que se lhe possam atribuir,
testemunha o caracter religioso da famlia. Borges Carneiro insere-se
nesta tradio familiar. Baptizado a 17 de Novembro, ou seja, quinze
dias depois do nascimento, pelo abade Jos Marques de Paiva , nunca
renegou a f crist. Mais. Chegou mesmo a afirmar publicamente no
s o seu credo catlico como tambm a observncia dos preceitos da
Igreja. Eu me tenho por muito catUco dissera e] no
duvido declarar aqui em pblico, que sempre serei muito solcito em
no faltar a ouvir missa nos dias de preceito da igreja '^.
Foi provavelmente nesta casa mais tarde propriedade sua ^
e neste ambiente familiar, que decorreu o tempo despreocupado da infn
cia e da adolescncia do ilustre jurisconsulto, do qual no temos alis
nenhum conhecimento directo. Podem, contudo, considerar-se vrias
hipteses quan to educao recebida, tendo em conta o estado do ensino
em Portugal e as exigncias do futuro ingresso na Universidade.
8 Vid. Apndice documental, doe. n. 1.
9 BORGES CARNEIRO,
DC,
t. 2, n. 139, 30 de Julho de 1821, p. 1687.
'O
Idem, DC,
t. 7, 5 de Outubro de 1822, p. 696. Vid. tambm
Infra,
p. 66.
'
Vid. BRITO REBELO,
Manuel Borges Carneiro,
in O Occidente, t. 2,
n.
39, 1 de Agosto de
1879,
p. 166.
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INFNCIA E ADOLESCNCIA 5
secundrio. Este inclua a gramtica latina, o grego e a retrica as
humanidades e, tambm, uma cadeira de filosofia acrescentada a
este
curriculum
tradicional pela carta de lei de 6 de Novembro de 1772,
e, ao mesmo tempo, tornada obrigatria para o ingresso em todos os
cursos universitrios
^ .
Como se sabe foram duas as pocas em que
o Marqus se ocupou de modo especial dos problemas de educao:
a primeira, em finais dos anos
cinqenta;
a segunda, no im'cio da dcada
de setenta. Ligam-nas os m esmos princpios orientadores; separam-nas
os circunstancialismos que enformaram ou acompanharam uma e outra.
De facto, a reforma de
cinqenta,
decorrente da aco anti-jesutica
de Pombal, no teve, por isso, autonomia prpria nos planos polticos
do ministro de D. Jos. Ela aconteceu, devido ao vcuo deixado no
campo do ensino pelo encerramento, provisrio primeiro, definitivo
depois '^, das escolas da Companhia de Jesus e, como tal, abrangeu
unicamente o ensino secundrio, ou seja o estudo das chamadas letras
hum anas. Caracterizou-se pela introduo de um novo m todo no ensino
do latim , grego , hebraico e retrica e pela substituio dos compndios
de latim, inovaes estas acompanhadas pela nomeao de novos mes
tres;
numa palavra, substituiu o ensino tradicional dos jesutas por outro
mais conforme s luzes que brilhavam na Europa* .
Estas medidas extemporneas, ditadas pela agudizao dos pro
blemas que haviam de conduzir ruptura total com a Companhia e
expulso dos seus membros do territrio nacional, integraram-se depois
perfeitamente no p lano geral da reforma do ensino, traado pelo minis
tro de D. Jos. De facto, nos anos
setenta.
Pombal retomou a poltica
iniciada pelo alvar que pusera termo a um m agistrio considerado ultra
passado. Previra ento a criao de vrios lugares de professores de
gramtica latina em Lisboa (um por bairro) e um, pelo menos, em cada
vila de provncia, assim como a existncia de quatro professores de grego
e retrica na capital, dois em Coimbra, vora e Porto, um nas cidades
1 Vid.
Carta de
lei
de 6 de Novem bro de 1772,
in CoUeco das leys, decre
tos e alvars, t. 3.
>8 Vid.Alvar de 28 de Junho de1759 in CoUeco das leys, decretos e alva
rs,
t. 1.
'9 Vid. Idem, Ibldem; e Instrues para os professores de gramtica latina,
grega, hebraica,
e deretrica ordenadase m andadas publicar porEl-reiNosso Senhor,
para uso das escolas novam ente fundadas nestes reinos e seus dom nios, ibldem.
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6 EPISDIOS DA VIDA DO CIDADO
e vilas cabeas de comarca
^.
Pretendia agora dar total concretizao
a este projecto e seus ajustamentos.
O significado desta poltica no se reduz, embora este aspecto seja
digno de nota, ao aumento das possibilidades de acesso cultura ofere
cidas populao ^'. Com efeito, o Estado ao chamar a si a respon
sabilidade do ensino, tirou Igreja uma prerrogativa que at ento a
ela pertencia, assumindo uma das atribuies do estado polcia moderno,
e abrindo as portas secularizao da cultura. Para a sociedade do
tempo este ltimo aspecto era verdadeiramente revolucionrio. Tes
temunha-o, por exemplo, a aco do governo de D. Maria I ao refor
mar compulsivamente um certo nmero de professores e ao entregar
s corporaes religiosas a responsabilidade do ensino de certas reas
do saber, nomeadamente da filosofia racional ^ . Borges Carneiro fez,
portanto, os estudos secundrios e os preparatrios para a entrada na
Universidade num ambiente com reflexos evidentes da crise de valores
que, ao tempo, abalava a sociedade a diversos nveis.
4.
De acordo com as directrizes pom balin as, Resende ficou ofi
cialmente dotada de professor de gramtica latina ^ , mas s em
Lam ego, cabea de comarca, se ministrava o ensino d o grego e da ret
rica. E tambm s ali se viria a exercer o magistrio da filosofia ^ .
A reforma mariana de 1779 alterando em Lamego, quer o quadro de
estudos, quer o dos professores ^ , no se fez sentir em Resende. Aqui,
com efeito, manteve-se no s a classe de gramtica latina, como o seu
professor, Antnio Pereira^ ,
Manuel Borges Carneiro poder, p ortan to, ter comeado a preparar-
-se para o ingresso na Universidade na terra natal, e Antnio Pereira
poder ter sido o seu primeiro mestre. Tambm possvel que o pai.
2 0
Vid. Alvar de 28 de Junho de 1759, Ibldem.
21 Vid.Carta de
lei
de 6 de Novem bro de 1772, in CoUeco das leys, decre
tos e alvars, t. 3.
2 2
Vid.
JOAQUIM FERREIRA GOMES,
ob. cit.,
p p .
40-73.
Vid. Mapa de professores e mestres das escolas menores, apud Idem,
3
ob. ctt
2 Vid. Idem, ibldem.
2 5 Vid.
Infra,
p. 25.
2 6 Vid. Lista dos professores rglos, in JOAQUIM FERREIRA GOMES, ob. clt..
p. 51.
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INFNCIA E ADOLESCNCIA 7
matriculado em cnones com certido delatim ^ o tenha auxiliado no
estudo desta matria to importante no
curriculum
escolar do tempo ^.
O mesmo no ter acontecido, todavia, quanto s restantes disciplinas
preparatrias. De facto, no havendo em Resende professores de ret
rica, nem de filosofia, afigura-se inevitvel a sada da casa paterna. Para
onde? As hipteses mais plausveis visto no ter freqentadoo Col
gio das Artes seriam Lam ego, dada a proximidade, e o Porto , onde
viviam os padrinhos. E foi realmente nesta cidade que o futuro depu
tado estudou filosofia racional e moral, como consta do respectivo reque
rimento de exame^ . A questo do grego no se pe por ser exigido
somente aos estudantes moradores em local onde o respectivo ensino
se ministrasse ^ . Fica-se, portanto, apenas em dvida quanto ret
rica e ao aperfeioamento do latim , provas que viria a prestar no mesmo
dia. Pressupunham, por isso, uma preparao simultnea, com iguais
possibihdades de ter sido feita tanto numa como noutra cidade, e sem
nada indicar qual a escolhida.
Ora, Borges Carneiro, quando resolveu prosseguir os estudos secun
drios na capital do Norte, optou ao mesmo tempo pelo magistrio
dos oratoriano s. Na verdade, em Lam ego, D . Maria entregara o ensino
da filosofia racional confiado por Pombal ao padre Manuel da Madre
de Deus Carvalho
^'
aos
rehgiosos
eremitas de
St.
Agostinho
^ ,
e
no Porto, onde fora ministrado por um presbtero secular ^ , Con
gregao do Oratrio
^'^.
Por este mesmo motivo, se o futuro jurista
escolheu esta cidade logo que se viu obrigado a abandonar a Quinta
das Cotas, foi tambm nos
Nerys
que seguiu as lies de retrica.^
E, neste caso, pela razo j apontada, ter eventualmente aperfeioado
2 7 Veja-se AU C, Livro de Matrculas, 1749-1750, fl. 310 v.
2 8 Veja-se Alvar de 28 de Junho de 1759,e Instruo para os professores,
in CoUeco das leys, decretos e alvars, t. 1.
2 9 Vid. Apndice documental, doe. n. 5.
3 0
Cfr.
Estatutos da Universidade de Coimbra (1772),
t. 2, p. 255.
31 Vid. Lista dos professores rglos, in
JOAQUIM FERREIRA GOMES,
ob. cit.,
p.
34.
3 2 Vid. Lista de terras, conventos e pessoas destinadas para professores,
in Idem, ob. cit., p. 54.
3 3 Vid. Lista dos professores, in Idem, ob. cit., p. 34.
3 4 Vid.
Lista de terras, conventos e pessoas, destinadas para professores,
in Idem, ob. clt., p. 57.
3 5 Vid. Idem, ibldem; Lista dos professores rglos, in Idem, ob. cit., p. 34.
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8 EPISDIOS DA VIDA DO CIDADO
O latim com Ricardo de Alm eida ou com Jos Teixeira, professores
nomeados por Pombal e mantidos pela reforma mariana ^ . Se, pelo
contrrio, Lamego recebeu, de incio, a preferncia probabilidade
reforada pelo teor do requerimento de exame ^ foi talvez alun o
de Bento Jos de Sousa, em retrica e de Joo Bernardo Loureiro, em
gramtica latina^ .
A um destes grupos de mestres ficaria Borges Carneiro devendo
apenas parte da prepara o necessria para o ingresso n a Un iversidade,
pois D. Maria, por CartaRegia de 28 de Janeiro de 1790, acrescentara
a este
curriculum,
em vigor desde 1772, as disciplinas de geometria e
de catecismo ^ . Deste modo, a aprovao em cada uma, assim como
em filosofia racional, retrica e latim, mediante exame no Colgio das
Artes, ficou sendo condio
sine qua non
de matrcula. Desconhece-se
em absoluto aonde e por quem foi ministrado a Manuel Borges Car
neiro o ensino destas matrias. Se, quanto doutrina crist no haveria
decerto dificuldade em encontrar na terra natal quem lhe ensinasse as
noes claras, slidas e breves exigidas^, o mesmo no acontecia
provavelmente em relao outra cadeira. No entanto, o facto de ter
sido examinado em cada um a com poucos dias de intervalo, parece indi
car, tambm neste caso, uma preparao simultnea. Fosse como fosse,
os resultados no podiam ter sido melhores, tendo concludo com xito
todos os exames.
T E M P O D E C O I M B R A
5, Os primeiros passos com o estudante de Co imb ra, deu-os Bor
ges Carneiro num dia de vero do ano de 1789. A 22 de Julho, na sala
dos exames prepa ratrios do C olgio das Arte s, sendo presidente o lente
da Faculdade de Teleologia, Lus Antnio Lopes Pires e examinadores
36 Vid.
Idem, Ibldem; idem, ibldem.
3''
Vid.
Apndice documental,
doe. n. 2.
3 8 Lista de terras, conventos e pessoas, destinadas para professores, in
JOA
QUIM FERREIRAGOMES,
ob. clt.,
pp. 50 e 51;
Lista dos professores rglos,
in
Idem,
ob. clt., p. 31.
3 9 Vid.
Carta
Rgla
de 29 de Janeiro de
1790,in
Legislao
acadmica,p. 37.
'O Idem, ibldem.
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10 EPISDIOS DA VIDA DO CIDADO
ceiro ano, pelo curso de leis. Todos seguiram, assim, quando muito
com uma diferena de dias, o mesmo itinerrio quanto s aulas, aos
exames e s matrculas.
Borges Carneiro prestou as primeiras provas como estudante uni
versitrio, com os outros sete colegas includos na stima turma ^ , a
6 de Julho de 1792. Assinaram o registo de exame os lentes de
Institua
e de
Direito natural,
respecdvamente Jos Carlos Barbosa e Manuel
Barreto Perdigo. Aprovado
nemine discrepante
^ nas disciplinas de
direito natural e das gentes, histria do direito civil romano e ptrio ^ ,
e instituies de direito civil romano, integrantes do primeiro ano jur
dico^, pde matricular-se no segundo ano ^ efreqentar as aulas no
perodo lectivo de 1792-1793. Beneficiou, no final do ano, do
perdo
de ado
^ concedido pela carta regia de 24 de Abril de 1793 para fes
tejar o nascimento da Princesa da Beira, D, Maria Teresa, primeira
filha do Prncipe Regente D. Joo ^ . Prosseguindo na carreira univer
sitria e tendo escolhido o curso de leis, matriculou-se no terceiro ano
a 2 de Outubro ^ , e a 12 passou no exame de grego ^ , requerido dias
antes como preparatrio para o 6. ano ^ . Por motivos desconheci-
5 7 Os exames do primeiro ano dos cursos jurdicos pod iam ser feitos por tur
mas para maior brevidade (Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), t. 2,
p. 596). Veja-se Cadernos de Actos das diversas Faculdades. Leis, t. 3, 1791 para
1792, 1. Anno Jurdico, 4.* feira, 6 de Junho, hora 8.
5 8
Cfr.
Apndice documental,
doe. n. 13.
5 9 A regncia desta cadeia estava ento confiada a Ricardo Raimundo
Nogueira, nico dos mestres de Coimbra a ser distinguido por Borges Carneiro.
Dedicou-lhe o
Resumo chronolglco das
leis
mais
teis
no foro e uso na
vida
civil,
evocando a qualidade de antigo discpulo: Havendo tido a honra de ser discpulo
de V. Excelncia no primeiro e quinto ano do Curso Jurdico da Universidade de
Coimbra, e recebido em um e outro as primeiras lies dos Direitos Romano e Por
tugus, entendi que me ser permitido oferecer a V. Ex.* a presente obra.... Acei
tai,
pois, Ex."*" Senhor a dedicao deste meu pequeno trabalho, pelo qual desejo
mostrar os sentimentos do profundo respeito e gratido.... (BORGES CARNEIRO,
Resumo chronolglco, t. 1).
6 0 Vid. Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), t. 2, p. 595.
61 Vid. Apndice documental,
does. ,
n.s 14 e 15.
6 2
Vid.
Idem,
doe. n. 16.
6 3 Vid. TEFILO BRAGA, Histria da Universidade de Coimbra, t. 3, p. 733;
veja-se tambm AUC, Actas das congregaes de
leis,
fls. 72, 72 v.
6 4 Vid. Apndice documental,
does.
n. 17 e 18.
6 5 Vid. Idem, doe. n. 20.
6 6 Vid. Idem, doe. n. 19. Veja tambm Carta Rgla de 28 de Janeiro de
1790,
in Legislao
acadmica,
p. 35.
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TEMPO DE COIMBRA 11
dos, no foi admitido s provas finais por falta de freqncia ^ e inter
rompeu os estudos. S trs anos depois, a 3 de Outubro de 1797, o
seu nome consta novamente dos livros de matrcula^ .
6. Havia, contudo, abandonad o a idia inicial de seguir o curso
de leis e, seguindo as pisadas do pa i, op tara pelo de cnones. O afasta
mento da vidaacadmicadu rante aquele lapso de tem po , relativamente
longo, proporcionou-lhe, ao regressar, conhecer um ou tro grupo de cole
gas.Dos novos companheiros apenas viria a reencontrar dois no grupo
dos primeiros deputados vintistas. Um, Jos Homem Correia Teles
Pacheco ^ seria eleito pela provncia da Beira; o outro, Joo Jos de
Freitas Arago ^ , pela Madeira. Foram seus contemporneos terceira-
nistas, embora cursando leis, os bem conhecidos Bento Pereira do
Carmo^^ eleito como ele, em 1820, pela provncia da Estremadura,
e Jos Joaquim Ferreira de Moura ^ , pela provncia da Beira.
Reiniciados os estudos, prosseguiu-os normalmente at final do
curso,
tendo obtido sempre, em cada acto realizado, a aprovao de
todos os professores. No ano do regresso Universidade, foi instrudo
nos princpios do
Direito Cannico Pblico
e seguiu as preleces do
Decreto de Graciano,
disciplinas que constituam matria de exame do
terceiro ano de cnones''^. Prestou provas a 11 de Outubro, perante
um jri constitudo pelos lentes Antnio Jos Cordeiro, presidente, e
Fernando Saraiva Fragoso de Vasconcelos, a quem coube o papel de
examinador ' ' .O sucesso abriu-lhe as portas do bacharelato ^ .No ano
escolar seguinte, ouviu as lies sobre asDecretais
de
Gregrio
IX,
tendo
sido examinado, a 13 de Julho, pelo lente Simo de Cordes Brando' .
6 7 Veja-se a aeta do dia 22 de Maio de 1794, in Actas das
Congregaes
de
Leis, fl. 76 V.
6 8 Vid. Apndice documental, doe. n. 22; veja-se tambm
doe.
n. 20.
6 9 Vid. AU C, Livro de Matrculas, n. 26, 1797, fls. 89 v.
7 0 Vid.
Idem,
fls. 95 v.
71 Vid. Idem, fls. 138.
7 2
Vid.
Idem,
fls. 193 v.
7 3 Vid. Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), t. 2, p. 604.
7 4 Vid. Apndice documental, doe. n. 23; veja-se tambm Cadernos dos
Actos das diversas Faculdades. Cnones,
liv. 3, fl. 91 v.
7 5
Vid. Apndice documental, does. 24 e 25.
7 6 Vid. Idem, doe. n. 26; veja-se tambm Cadernos dos Actos das diversas
Faculdades. Cnones, liv. 3, fl. 120.
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12 EPISDIOS DA VIDA DO CIDADO
Presidiu ao acto o Doutor Rodrigo Rolo Couceiro Pimentel, que lhe
conferiu o grau de bacharel '', o primeiro grau acadmico
''^.
O cerimonial obedecia a directrizes estabelecidas pelos Estatutos.
O
grad uad o, de p, diante da cadeira do Presidente, proferia breve ora
o pedindo o grau de bacharel. Seguidamente, prestava o juramento
da Conceio '^^, ajoelhava-se e recebia o grau ^. A concesso era feita
pelo lente que presidia, mediante ritual simblico: O presidente lhe
por ento o barrete na cabea, meter-lhe- um livro aberto nas mos
e lhe dar poder para subir cadeira e explicar nela algum lugar da
Escritura
ou da
Tradio
^ A cerimnia terminava com palavras de
louvor a Deus, de agradecimento assistncia e de obedincia Igreja,
proferidas pelo novo b acharel, depois de ter exercido, pela primeira vez,
o poder concedido ^ . Encerrada a sesso, a Universidade contava,
entre os seus membros m ais um g raduado ... e se haver por diante
7 7 Vid. Apndice documental, doe. n. 26.
7 8 Vid. Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), t. 1, p. 179.
7 9
Vid.
Apndice documental,
doe.
n.
26. Segundo os Estatutos da Univer
sidade publicados em 1654 ningum podia ser admitido aos graus e cadeiras sem
fazer o juramento da Conceio, pela forma que ali se estabelecia. No tendo a
reforma pombalina introduzido qualquer alterao no formulrio ento estatudo,
Borges Carneiro prestou juramento nos seguintes termos: Purssima Virgem e
Senhora Nossa, Santssima Me de Deus, Rainha dos Cus, eu, Manuel Borges Car
neiro, reconhecendo a piedade e santo zelo com que o serenssimo Rei D. Joo o
quarto, nosso senhor, levado da devoo que sempre teve e mostrou ao sacrossanto
mistrio de vossa purssima conceio, convocados em Cortes os trs estados do
Reino, de unnime consentimento de todos, solenemente vos elegeu por padroeira
dele, e em venerao do mesmo mistrio se fez vassalo vosso com tributo anual
vossa santa casa; e jurou com todo o dito Reino de defender sempre, que fostes
concebida sem pecado original. Aqui neste acto presente prometo e juro firmemente,
de minha prpria e livre vontade a Deus todo poderoso e a vs Santssima Me
sua, de defender pblica e particularmente, que vs Virgem bemaventurada, santa,
imaculada e bendita entre todas as mulheres, pelos merecimentos de Jesus Cristo,
filho vosso, previstos desde a eternidade, fostes totalmente preservada da mcula
do pecado original por particular favor e privilgio da divina graa, de sorte que
em nenhum instante a contraistes; e que fostes sempre pura, santa, imaculada e
cheia de graa. E prostado humildemente diante de vossa sagrada imagem, vos fao
esta promessa, assim Deus me ajude e estes santos Evangelhos {Estatutos da Uni
versidade de Coimbra, (1654), p. 299).
8 0
Vid.
Estatutos da Universidade de Coimbra (1772),
t. 1, p . 183.
8'
Idem, pp. 182-183.
82 Veja-se Idem, p. 183.
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TEMPO DE COIMBRA 13
por bacharel corrente ^ , No caso presente, chamava-se Manuel Bor
ges Carneiro e ficaria na Histria.
Chegou, finalmente, o quinto ano do curso '*. Pela ltima vez,
seguiu, de Outubro de 1799 a Julho de 1800, a seqncia das aulas e
dos trabalhos escolares. Despediu-se da Universidade com as discipH-
nas curriculares do de rradeiro ano de cnones: o
Direito
Cannico
pelo
mtodo analtico
e o
Direito Ptrio^^.
Do que aprendeu foram jui
zes os Doutores Manuel Pais de Arago Trigoso e Jos Xavier
Teles ^ , terminando nesse dia 3 de Julho de 1800 a vida acad
mica.
Nos dois ltimos anos do curso, Manuel Borges Carneiro distinguiu-
-se como um dos melhores alunos. Foi, por isso, galardoado no quarto
e no quinto ano ^ com um dos prmios criados por D. Maria para
recompensar os estudantes que, anualmente, mostrarem, por seus exa
mes e actos, serem os mais benemritos ^ . Recebeu, assim, das duas
vezes, a quantia de quarenta mil reis arbitrada pela Universidade de
acordo com a indicao da Rainha ^ . Mas no foram estas as nicas
provas de distino. As informaes secretas enviadas em cumprimento
da carta regia de 3 de Junho de 1782, pela congregao da faculdade
ao soberano, sobre o procedimento e costumes, merecimento literrio
e prudncia, probidade e desinteresse dos novos bacharis ' foram
igualmente elogiosas. Borges Carneiro no s mereceu aplauso unnime
pelas suas qualidades morais, como foi um dos catorze (num total de
cinqenta e nove) a ter qualificao de muito bom quanto ao mereci-
8 3 Idem, Ibldem.
84 V i d .
Apndice
documental,
d o e s .
n.s
27 e 28 .
8 5 Veja-se supra, p. 28, not. 59.
8 6 Vid.
Idem,
doe. n. 29; veja-se tambm
Cadernos dos Actos das diversas
Faculdades, Cnones,
liv. 3, fl. 151.
8 7 Vid. Apndice documental, does.
n.s
30 e 33. Veja-se, tambm no Livro
de Actas da Congregao da Faculdade de Cnones, fls. 138 e
142,
as actas do
dia 27 de Julho de 1799 e 29 de Julho de 1800, respectivamente.
8 8 Veja-se Aviso Rgio de 25 de Setembro de 1787, inLegislao acadmica,
p.
92.
8 9 Veja-se, a acta do dia 6 de Outu bro de 1794, in Actas das Congregaes
da Faculdade de Cnones (1772-1820), vol. 1, p. 249; e ainda, Aviso Rgio de 25
de Setembro de 1787,
supracitado.
9 0 Veja-se
Carta Rgla
de 3 de Junho de 1782, in
Legislao acadmica,
pp. 13-14. Veja-se tambm o que sobre o assunto escreveu TEFILO BRAGA,
ob.
clt., p. 3, pp. 666-668.
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16 EPISDIOSDAVIDADOCIDADO
VIDA
PROFISSIONAL
8. Concludo o curso universitrio, soou a hora de Manuel Borges
Carneiro escolher a actividade profissional adequada aos conhecimen
tos adquiridos. Optando pela magistratura, tratou de cumprir as for-
maUdadesnecessrias ao ingresso na carreira . D e posse da c arta de for
matura, pedida mal acabara o ltimo exame^ , requereu, no ano
seguinte, a habilitao para os lugares de letras e a admisso leitura
perante o Desembargo do Pao ^ . Seguiram-se, ento, os trmites do
processo. Foram inquiridas pelo Corregedor de Lamego, Antnio de
Gouveia Arajo Coutinho, sete testemunhas ^ , entre as pessoas que
conheciam pessoalmente o candidato. Face s respostas dadas, pessoal
e individualmente, pde o magistrado fazer a declarao solicitada:
o habilitando ... no he Hereje, Apstata da nossa Santa F, nem
seus Pais e Av Paterno, cometessem crime de Leza Magestade, Divina
ou H um ana , por que fossem sentenciados e condenad os nas penas esta
belecidas nas Leis destes Reinados; Nem to bem os mesmos Pais e
Avs tivessem algum officio ou exerccio, dos que costum am professar,
exercitar as Pessoas Plebias. Finalmente confirmo ser o dito Habili
tando pessoa de boa vida, costumes, sem nota em contrrio, ainda sol
teiro^ .
Prosseguindo o processo de habilitao, foi pedida aos diversos
juzos ordinrios, de correio e do Desembargo do Pao decla
rao das culpas que, em cada um deles, o suplicante, porventura,
tivesse. Em resposta, foi-lhe passado alvar de folha corrida, encerrando,
na forma do costume, as respostas dos escrives do juzo ordinrio de
Resende ^^; outro, contendo as do juzo de correio de Lamego ^^;
e, ainda, um ltimo, com as dos vogais competentes do Desembargo
do Pao
^ .
Todos o declararam sem culpa nos respectivos juzos.
Entretanto, em Lisboa, Borges Carneiro apresentou-se s audincias do
96
Vid.
Apndice
documental, doe. n. 30;
veja-se tambm
does.n.s 31, 32,
33 e 34.
97
Vid. Idem, doe. n. 35.
98
Vid. Idem, doe. n. 36.
99 Idem,
doe. n. 37.
1 0 0 Vid.
Idem,
doe.
n.
38.
101 Vid. Idem. doe. n. 39.
1 0 2
Vid. Idem, doe. n. 40.
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18 E P I S D I O SDA VIDA DO CIDADO
vila e seus habitantes. De facto, no crcere, ao acusar as autoridades
de lhe negarem a defesa a que todos tm direito ^^\ queixou-se de o
terem preso sem que se produz a o testem unho / hon roso de um a vila,
que me estima / E que fiel me pede, no ingrata / A quem sempre
ao seu bem fora fiel^^^.
Restitudo liberdade e declarado inocente, foi reintegrado no lugar
que ocupara
^^\
Ali se manteve at 1810, j que o dia 18 de Junho
desse ano marcou o termo dessa situao ^ , e, passado tempo, da
estadia no Alentejo "''. Ignoram-se as razes desta deciso e da subse-
113
Vid.
infra,
p. 49, nota 7.
114
BORGES CARN EIRO,
Pensamentos do
Juiz
de Fora de Viana do Alentejo,
p . 3. No mera figura de retrica esta afirmao de Borges Carneiro. Grande
parte das testemunhas ouvidas como era da praxe, para lhe ser passada certido
de residncia do tempo que servira como juiz de fora em Viana d o A lentejo, refere-
-se no s integridade manifestada no desempenho do cargo, mas tambm ao
zelo pelo bem pblico. Algumas particularizaram, mesmo, aspectos deste inte
resse, falando do encanamento da Agoa da Fonte da Praa, da reparao de
fontes e caladas, da enxertia de muitos zambugeiros no Baldio do Concelho,
ou referindo-se, genericamente, a varias obras de im portncia, que eram de grande
necessidade para a como didade de todos (Autos de Rezidencla que
tira
o Dezem-
bargador Jos Francisco Fernandes Correia ao Bacharel Manoel Borges Carneiro
Juiz de Fora quefoi desta Vllla de Vianna do Alemtejo, A N T T , Desembargo do
Pao.
Alentejo,
M . 633, n. 9). Alm deste em penham ento, o magistrado, no intuito
de fazer cessar situaes de prepotncia e privilgio, no deixou de recorrer directa-
mente ao pod er rgio, q uand o se lhe afigurava ser esse o nico recurso. Isto aconte
ceu para defender um lavrador das prepotncias do senhorio
{Carta ao Prncipe
Regente. ANTT Desembargo do Pao. Alentejo e Algarve, M. 575, n. 55) e para
acautelar os rendimentos da ermida de Nossa Senhora
d'Aires
das dissipaes da
respectiva irmandade {Carta ao Prncipe Regente, idem, M. 575, n. 68).
115 Vid. Apndice documental, doe. n. 48.
116 Vid.
Apndice documental,
doe. n. 49. As providncias que iriam pr
termo s funes de Borges Carneiro com o juiz de fora de Viana do Alentejo foram
levadas a efeito pelo doutor Jos Francisco Fernandes Correia, nomeado para tirar
residncia ao magistrado de todo o tempo que servira o dito lugar (cfr. ANTT,
Desem bargo do Pao. Alentejo e Algarve, M. 270,
n.
1). Iniciadas com a sua sus
penso e afastamento para Ouriolas, vila situada a seis lguas, continuaram-se com
a inquirio de sessenta e oito testemunhas e as declaraes necessrias das autori
dades com petentes. Tendo-se verificado que o sindicado servira bem, com limpeza
de mos, bom acolhimento das partes e cumprira as formalidades legais, a Mesa
do Desembargo d o Pa o m andou passar-lhe a certido de residncia solicitada (cfr.
A N T T ,
Desembargo do Pao. Alentejo e Algarve,
M. 633, n.os 9
e
13).
117 Mais tarde Borges Carneiro referiu-se expressamente aos anos de perma
nncia nesta provncia: .... estive no Alentejo sete anos....
(BORGES CARNEIRO,
DC, t . l , n. 37, 20 de Maro de 1821, p. 287).
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VIDA PROFISSIONAL 19
quente interrupo da carreira. Com efeito, terminado o servio naquela
vila, s viria a retomar a vida profissional em 1812, ao ser nomeado,
a 30 de Maio ^ , provedor da comarca de Leiria. Durante os quatro
anos de exerccio deste ministrio salientam-se vrios factos ligados
vida do magistrado.
Seguindo uma ordem crescente de importncia, menciona-se, em
primeiro lugar, o novo contacto com as tropas francesas, do qual alis
nada se conhece , a no ser esta simples referncia, feita anos mais tarde
pelo prprio Borges Carneiro: Quando entraram os franceses em Lei
ria, sendo eu aU ministro. ... ^'.
Em segundo lugar, refere-se o desentendimento com o corregedor
de Alcobaa, Lus Amado da Cunha e Vasconcelos, a propsito da aber
tura, quase simultnea, de duas correies. Foi a seguinte a marcha
do processo que se lhe seguiu. Perante uma queixa apresentada por este
ltimo magistrado, o Regente incumbiu o corregedor de Leiria de ave
riguar os factos e de o informar dos resultados obtidos ^^. Feitas as
diligncias necessrias para dar cumprimento ao ordenado, este magis
trado enviou ao Prncipe parecer sobre quanto lhe fora dado conhe
cer ' . Fundamentava-o em elementos colhidos na resposta represen
tao do regedor pedida, por escrito, ao prprio Borges Carneiro^ ,
e noutros documentos apensos ao processo ' , dados, alis, tambm
constantes dos depoimentos de vrias testemunhas ' '*. Este ltimo
documento completa o conhecimento de certas facetas do diferendo,
cujo resultado se ignora. Quando, porm, dois anos mais tarde foram
tirados a Borges Carneiro autos crime de residncia do tempo em que
exercera funes de Provedor, declarou-se, no respectivo acrdo da
Relao que ele servira muito bem o dito lugar, com muita prontido
no despacho das partes, zelo do Real servio na arrecadao da Real
Fazenda, limpeza de mos e inteireza pelo que seja digno continuar o
Real Servio ' . Fosse qual fosse o termo do litgio, no lhe deslus-
trou o nome, nem lhe afectou a carreira.
118 Vid. Apndice documental, doe. n. 50.
119
BORGES CARN EIRO,
DC,
t. I, n. 60, 18 de Abril de 1821, p. 623.
1 2 0
Vid. Apndice documental, does.
n.
51, 52, 53, 54.
121 Vid. Idem, doe. n. 55.
1 2 2
Vid. Idem, doe.
n.
56.
1 2 3
Vid. Idem, does.
n."
57, 58, 59, 60.
1 2 4
Vid. Idem, doe. n. 61.
1 2 5
Idem, doe. n. 62.
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20
E P I S D I O S
D AVIDA DO CIDADO
O terceiro e ltimo facto assinalvel durante a estadia do futuro
deputado em Leiria diz respeito elaborao e publicao do
Extrado
dasleis,avisos, provises, assentos e editaes e de algumas notveis pro-
clamaes, accordos e tratados publicados nasCortes de Lisboa e Rio
de Janeiro desde a pocha da partida d El-Rei Nosso Senhor para o
Brasil em 1807 at Julho de
1816
para servir de subsdio
jurisprudn
cia e histria portuguesa
e do
Appendice ao Extrado das leis, avisos,
etc. publicadas desde 1807 at Julho de 1816. O
interesse destes traba
lhos transparece da notcia sobre a publicao do primeiro, ao fazer
por estas palavras a sua apresentao: E steExtrado a respeito de algu
mas leis mostra as enrgicas medidas empregadas para regenerao de
Portugal e do Brasil depois dos acontecimentos de 1807 e 1808. Serve
de continuao ao estimvel
ndice Chronolglco do Desembargador
Joo Pedro Ribeiro ^^^.
Estava aberto o caminho para o incontest
vel lugar de destaque de Borges Carneiro como compilador da legisla
o portuguesa.
9. As duas obras prep arad as, seno na totalidade , pelo menos
em grande parte, durante a permanncia do autor na comarca de Lei
ria, representam um trabalho complementar das actividades oficiais.
Ambas saram luz em 1816. A primeira, como se deduz do epteto
de ex-provedor de Leiria aplicado ao au tor, qua nd o Borges C arneiro
j no desempenhava as referidas funes ^ . A segunda, consoante
referncia expressa, depois de ter sido indigitado para secretrio da junta
encarregada de elaborar o Cdigo Pen al M ilitar. Esta jun ta fora criada
por decreto de 27 de Maio de 1816 e, segundo este mesmo diploma,
seria composta por seis membros um presidente, quatro vogais e
um secretrio ^'^^. Por outro decreto haviam sido nomeados o presi-
126 Gazeta de Lisboa,
n. 239, 8 de Outubro de 1816.
27 A notcia de que esta obra sara e fora posta venda vem publicada
na
Gazeta de Lisboa
de 3 de Outubro o que d uma data aproximada da publi
cao.
128 Decreto de 27 de Maio de 1816, transcrito por
MRIO TIBRCIO GOMES
CARNEIRO,
A Comisso que elaborou o Cdigo Penal Militar de 1820 e a partici
pao que teve nele o Visconde da Cachoeira, in Arquivo de Direito Militar, Rio
de Janeiro,n. 3, Janeiro a Abril de
1943,
p. 225; veja tambm, no mesmo artigo,
o
doe.
n. 3.
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22 E P I S D I O S DA VIDA D O CIDADO
do primeiro banco ^ Por tal merc Borges Carneiro passava a ter,
como magistrado de Lisboa, assento no primeiro banco das Cortes.
Ficava assim equiparado ajuiz de primeira classe ^ ; ou seja, era pro
movido na escala da magistratura. Tem-se aqui um exemplo, no dizer
de Adelino da Pa lma Ca rlos, da desactualizao extrema da legislao
portuguesa daquela poca, uma vez que as Cortes no reuniam desde
1674, no reinado de D. Pedro II ' ^.
A Junta do Cdigo Penal Militar terminou a 11 de Fevereiro de
1820 os trabalhos, concluindo assim o importante objecto da sua comis
so ^ . Borges Carneiro dedicou-lhes grande parte do seu tempo e
saber e, mais tarde, no escondeu a satisfao por ter participado numa
obra daquela envergadura ^ . Tal dedicao foi, alis, apreciada e pre-
135 Vid. Idem, Ibldem.
'36 Vid. BRITO REBELO, Manuel Borges Carneiro, in O Occidente, t. 2,
n. 39, 1 de Agosto de 1879, p. 118.
1 3 7 ADELINO DA PALMA CARLOS,
Manuel Borges Carneiro,
inJurisconsultos
portugueses do sculo XIX, vol. 2, p. 4.
1 3 8 BORGES CARNEIRO,
DC, t. 4,
n.
219, 6 de Novembro de 1821, p. 2955.
Beresford levou depois o Cdigo Penal para o Brasil com o intuito de obter do
rei a sua aprovao e promulgao imediata. No conseguiu, porm, os seus inten-
tos,
visto que o texto s viria a ser aprovado pelo alvar de 7 de Agosto de 1820.
(Vid. MRIO TIBRCIO GOMES CARNEIRO, O cdigo penal militar de 1820, in
Arquivo de Direito Militar, Rio de Janeiro,n. 1, Maio-Agosto de 1942, p. 134).
Devido ao desenrolar dos acontecimentos que a partir do dia 24 do mesmo ms
se sucederam em Portugal, o Cdigo Penal Militar, embora aprovado, no chegou
a entrar em vigor. Mais tarde, nas Cortes, Borges Carneiro props que se entre
gasse a uma comisso o trabalho de rever aquela obra de legislao para se lhe
introduzirem as alteraes que o sistema constitucional exigia, de modo a poder
o exrcito beneficiar de leis adequadas a uma boa administrao de justia (vid.
BORGES CARNEIRO, DC, t. 4, n. 219, 6 de Novembro de 1821, p. 2956). E, com
este intuito, ter entregue o exemplar que possua como secretrio da Junta (Vid.
Idem, ibldem), o qual se encontra presentemente no Arquivo Histrico-parlamentar
daAssembliada Repbca juntamente com um ndiceideogrfico da prpria autoria
c por ele assinado (Vid. AA R, ndice do Cdigo Penal Militar). Queremos manifes
tar aqui o nosso reconhecimento ao Ex. Senhor Dr. Manuel Pinto dos Santos
por nos ter assinalado a existncia deste manuscrito.
1 3 9
A Jun ta havendo m editado e discutido por mais de trs anos com o vigor
que pedia a importncia da matria, revisto as diversas leis criminais militares deste
reino.. . . ; consultado os cdigos das mais polidas naes da Europa; e reflectido
enfim sobre as opinies de publicistas e filsofos, que escreveram com mais reputa
o sobre matrias da jurisprudncia criminal.... entendeu que o referido trabalho
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24 EPISDIOS DA VIDA DO CIDADO
A elaborao destas obras fazia parte de um plano mais vasto.
Borges Carneiro, julgava-se capaz de o realizar mediante a ajuda de
Deus e com o auxlio que Sua Magestade for servido conceder-
-Ihe ''* , pois o projecto envolvia dispndio de muito tempo, traba
lho e dinheiro ^'^. Pediu, por isso, o privilgio de exclusivo da publi
cao pelo perodo de 10 anos '* .
Era evidente a oportunidade de tais publicaes numa poca em
que as fontes de direito portugus eram as Ordenaes, as leis ptrias
(extravagantes) e os usos ou costumes do reino (servindo de direito sub
sidirio), o direito romano enquanto expresso de verdades essen
ciais,
intrnsecas e inalterveis o direito das gentes e as leis polti
cas, econmicas, mercantis e martimas das naes crists ^^^.Esta
complexidade legislativa dificultava a boa administrao da justia e,
em ltima anlise, lesava os direitos dos cidados.
No antigo regime, os jurisconsultos, ou porque mais sensveis ao
primeiro aspecto ou sem possibilidades de proceder a reformas profun
das, procuraram superar as dificuldades mediante a publicao de com
pilaes que tornassem conhecidas e acessveis as leis promulgadas sem
o que o juiz seria o legislador, o seu arbtrio a lei ''*''. Com o advento
do estado moderno Hberal e a consagrao poltica dos direitos indivi
duais,
tornou-se indispensvel pr termo incerteza do direito de cada
um derivado do
caracter
obscuro e dbio do sistema legislativo em
vigor *'* . Foi dentro deste esprito que nas Cortes se props e aprovou
a nomeao de uma comisso especial para organizar o Projecto de
C d i g o C i v i l
149.
Borges Carneiro revelou sensibilidade a um e outro aspecto da ques
t o ,
dando o seu contributo para a boa administrao da justia, pri-
'43 Apndice documental,
doe.
n. 66.
'44 Idem, Ibldem.
'45 Vid. Idem, Ibldem.
'46 Veja-se GUILHERME BRAGA DA CRUZ, O direito subsidirio na histria do
direito portugus,
in Revista Portuguesa de Histria, t.
14,
1975, pp. 279-304,
especialmente, 293-294.
1 4 7 Vid. VICENTE JOS FERREIRA CARDOZO DA COSTA, Compilao systema-
tlca das leis extravagantes de Portugal, p. 1-2; veja-se tambm, pp. 5-20.
1 4 8 Vid.
Idem, Que he o
Cdigo
Civil?,
pp. 81-91.
1 4 9 Vid. DC, t. 5, 29 de Maro, 24 e 25 de Abril de 1822, pp. 665-666, 946,
954-955, respectivamente.
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VIDA
PROFISSIONA L 25
meiro pela elaborao de obras de compilao, depois com a apresen
tao do
Direito Civil de Portugal
^^^. Assim o deve ter entendido, a
seu tempo, o Desembargador Jos Maria Cardoso Soeiro ao afirmar
no Parecer dado quele pedido, referindo-se s obras j publicadas:
Facilito o exame do que em diversos tempos se legislou e tm tobm
a utilidade de reduzir a methodo a confuzo que se segue da multiplici
dade das Leys ^^^. Estas palavras, fundamentando a opinio de ser
o suplicante muito digno do privilgio exclusivo ' , tiveram eco na
mesa do Desembargo do Pao ' , qual se enviara o pedido i *,e con
triburam para que fosse feita a concesso solicitada pelo autor de obras
to interessantes
^^.
10. O empenhamento poltico de Borges Carne iro depois da revo
luo de 1820 obrigou-o a interromper a produo literria no campo
da jurisprudncia
^^^,
a qual s viria a ser retomada posteriormente aos
sucessos de 1823. Com efeito, com o triunfo do absolutismo, iniciaram-se
as represlias contra quem mais se tinha salientado no regime anterior
e Borges Carneiro viria a ser um dos abrangidos pelas medidas ento
tomadas. Uma destas, emanada da Intendncia Geral da Polcia, e publi
cada com data de 10 de Julho de
1823,
fixou-lhe compulsivamente resi
dncia em Resende
i ;
outra, o decreto de 17 do mesmo ms, demi-
'50 Vid.
Infra,
p. 44.
'5 '
Apndice documental,
doe.
n. 68.
'52 Idem, Ibldem.
'53 Vid.
Idem,
doe.
n.
69.
'54 Vid. Idem, doe. n. 67.
'55 Vid. Idem, doe. n. 70.
'56 A ateno do depu tado no perodo de 1820-1823 esteve inteiramente vol
tada para poltica. Por isso, neste campo que se mostram os frutos da sua activi
dade literria (vid. infra, pp. 50-52).
157 Na Gazeta de Lisboa, suplemento ao
n.
162, II de Julho de 1823, vinha
pubUcadaa seguinte relao, encabeada pelo nome da entidade responsvel, aInten
dnciaGeralda Policia. Relao dos indivduos que foram mandados sair da capi
tal com passaportes desta Intendncia Geral da Polcia, para os lugares indicados,
por serem notoriamente suspeitos e muitos deles havidos como fabricantes ou per
tencentes s defendidas associaes secretas e por isso perigosos sua e segurana
do estado.... O Desembargador Manuel Borges Carneiro, para Resende.... N.B.
Todos os indivduos acima relacionados por ocasio de se lhes entregarem os passa
portes, assinaram nesta mesma Intendncia a intimao que se lhes fez de regula
rem a sua conduta futura de maneira que se no torne suspeitosa e que no induza
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26 EPISDIOS DA VIDA DO CIDADO
tiu-0 de desembargador da Relao e Casa do Porto ^^^. Durante os
trs anos decorridos entre este acontecimento e a morte de D. Joo VI,
Borges Carneiro, na Quinta das Cotas, ocupou, decerto, grande parte
do tempo na preparao do
Direito Civil de Portugal. O
resultado
tornou-se patente aos olhos de todos com a publicao do primeiro to m o,
em 1826, e do segundo e terceiro, nos dois anos seguintes. A obra
um testemunho de que, apesar do exlio, a esperana de regenerar a
sociedade portuguesa no morrera no corao do acrrimo defensor do
regime constitucional e nem mesmo a morte, a iria fazer desaparecer.
Com efeito, o quarto tomo do
Direito Civil
saiu do prelo quando o
autor j deixara de pertencer ao nmero dos vivos
^^.
A mudana de rumo da poltica portuguesa verificada com o
advento de D. Pedro IV, teve incidncias no s na actividade poltica,
mas tambm na vida profissional de Borges Carneiro
'^.
Como se
sabe, a
Carta Constitucional
representava um compromisso entre o tra
dicional e o revolucionrio qua nto a o poder do soberano e condi
o poltica da burguesia e da aristocracia, cujos direitos, e res
pectivas aspiraes e privilgios no podiam ser ignorados. A
Carta
traduzia, assim, um desejo de conciliao com reflexos na prtica pol-
a crer-se que os seus ideais se acham em oposio legitimidade do governo de
Sua Magestade; e bem assim para nofreqentarem ou formarem de futuro socie
dades secretas proibidas pelas leis. E nesta conformidade se lhes ordenou assinas
sem termo perante os juizes do territrio em que cada um dos sobreditos se acha,
pelo qual se obrigasse a cum prir a referida in tima o, com a com inao de se haver
contra eles o procedimento regulado pelas leis, no caso de transgresso. Lisboa,
10 de Julho de
1823.
Simo da Silva Ferraz de Lima e Castro. O
teor deste comu
nicado indica que data da sua publicao j tinha sido dada ordem s pessoas
nele mencionadas de recolherem s residncias indicadas. No caso de Borges Car
neiro,
este facto corroborado por notcia inserta no mesmo peridico mencio
nando a sua passagem por Coimbra a 14 de Junho {Gazeta de Lisboa, n. 144,
19 de Junho de 1823, p. 1106).
'58 Vid. Idem, n. 169, 19 de Ju lho de 1823, p . 1250.
'59 Foi publicado em 1840. A edio foi prefaciada e dirigida por Emdio da
Costa, o qual, resume assim a tarefa realizada: Sendo-me apresentado em manus
crito o 4. volume do
Direito Civil de Portugal
do sr. Manuel Borges Carneiro,
mas incorrecto porque a morte ceifara este nclito jurisconsulto antes de lhe haver
dado a ltima demo; persuadi-me que faria servio corrigindo-o; para isso no
poupei fadigas, coordenei as matrias, aqui, aU dispersas, supri lacunas, imitei o
estilo e linguagem do autor quanto em mim cabia; segui sempre ou procurei adivi
nhar o seu pensamento; corrigi imensas citaes, nesta parte o pbheo decidir se
consegui o meu intento {Direito Civil de Portugal, t. 4, prefcio).
'60 Vid.
Infra,
p p . 65-71.
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VIDA PROFISSIONAL 27
tica. Tomaram-se ento medidas tendentes a remediar a intransigncia
para com tantos homens ilustres, no raras vezes votados a total ostra
cismo. O ex-deputado vintista foi um dos beneficiados. Por alvar de
16 de Outubro de 1826 ^ baseado no decreto de 30 de Setembro do
mesmo ano ^^^, a Infanta Regenterestituiu-lhe o lugar na Relao do
Porto e nom eou-o, no a no seguinte. Desembargador ordinrio da Casa
da Suplicao ' . Os merecimentos do conhecido jurisconsulto foram
assim plenamente reconhecidos pelo novo governo.
Durou pouco tempo o perodo de pacificao. Em 1828,D . Miguel
regressou a Portugal; e tornou-se, de imediato, o plo centralizador
de todo s os esforos tendentes a derruba r o regime representativo. Pa s
sado pouco tempo proclamou-se rei absoluto. Seguiu-se, ento, uma
poca de grande agitao, em que os partidrios da revoluo foram
sistematicamente perseguidos e presos. Entre eles, estava Borges Car
neiro.
Como tal, sofreu a demisso do cargo de Desembargador da Casa
da SupHcao e foi mandado riscar da magistratura '^; por ltimo,
entrou na priso onde havia de passar os ltimos anos da vida ' ^.
As represlias do governo de D. Miguel sobre o ex-deputado tive
ram ainda outros aspectos. Alm da perseguio feita s irms
^^,
foram criadas dificuldades distribuio da obra, nomeadamente, de
um dos tomos do
Direito Civil.
Demonstra-o o seguinte pedido dirigido
ao Infante: Diz o Desembargador Manoel Borges Carneiro que, tendo
remetido na passada viagem do barco de vapor um pacote contendo
sessenta e seis exemplares do segundo tomo do seu
Direito C ivil de Por
tugal.... sucedeu mandar o Juiz daAlfndegada mesma cidade [Porto]
conduzir o dito pacote para a alfndega e no o entregar sem ordem
de V.A. Serenssima. E porque o dito tomo foi impresso e publicado
com a licena necessria e se acha venda nesta cidade, peo a V. A.
Serenssima se digne mandar expedir ordem ao dito juiz para a referida
entrega^ .
'6 ' V i d .Apndice documental, doe . n . 73 .
'62 V i d . Gazeta de Lisboa, n. 2 3 1 , 2 d e Ou tubro de 1826, p . 9 45 .
'63
V i d .
Apndice documental,
d o e .
n .
74.
'64 V i d .
B R I T O R E B E L O , Manuel Borges Carneiro,
in O
Occidente,
t. 2,
47, 11 de
Dezembro
de 1879, p . 179.
'65 V i d . infra, p p . 77 ss .
'66 V i d .
B R I T O R E B E L O ,
Manuel Borges Carneiro, in O
Occidente,
t. 2,
48, 15 de
Dezembro
de 1879, p . 186. V id.supra, p . 20.
'67 Apndice documental,
doe.
n. 75.
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4 E F E M R I D E S D A E X I S T N C I A D O P O L T I C O
idias de liberdade e igualdade '^, destruir a unidade crist
^'^
e dera
origem a perseguies religiosas
'^.
Numa palavra, nos sucessos de
Frana, e depois nos da Europa, havia a deplorar algo mais alm dos
excessos cometidos. Na realidade, os princpios laicos enunciados tra
ziam o germen da destruio de todo o edifcio poltico e a alterao
da ordem social, pois, tanto um como a outra, no podiam prescindir
dos valores religiosos que sempre lhes tinham servido de base.
Sendo assim, afigura-se plausvel, em 1808, a imagem de Borges
Carneiro como defensor da ordem tradicional assente na concepo jus-
divinista do poder e no
caracter
imprescindvel da religio para a exis
tncia da sociedade. O nico aspecto de modernidade residia (embora
limitado a um caso pontual) no respeito pelos direitos naturais dos indi
vduos exigido s autoridades,
3. U m a dzia de ano s decorreram .,,; 1820 m arcou o comeo do
perodo ureo de actuao poltica de um dos mais ilustres deputados
vintistas, O acto inicial de uma interveno que iria acompanhar, ponto
por ponto, os destinos da revoluo, teve lugar, nesse mesmo ano,
escassas semanas depois do dia 24 de Agosto, com a publicao do pri
meiro de uma srie de textos de caracter poltico, Borges Carneiro,
intitulou-o
Portugal Regenerado em 1820
e assinou-o com um pseud
n imo D,C,N,
Publicola ^^.
O escrito teve de imediato uma segunda
13 ... . liberda de, / igualdade altares alevanta, / a estes dois fantasmas,
que destroem / Por si ss a humana convivncia.
{Idem, Ibldem).
4 O- pensam ento cvico introd uz, / Inven o, que reprov a a S de Roma,
/ Destinado a forar as conscincias, / A mudar as Catlicas Igrejas, / Em Consti
tucionais e a promover / O Cisma dos Padresjuradores. / Desde ento a catlica
unidade/ dissolvida se v.... {Idem, ibldem).
15 A perseguio nasce, oh Deus que horro res / C on tra aqueles fiis ao
vosso nome, / Que a comunho cismtica rejeitam. / ... Os claustros arrombados
se profanam; Os meiis entregues so ao desumano / Impetuoso furor dos Sans-
-eulottes. / Corre dos sacerdotes
no jurados / O
sangue a borbotes. Dizei-o vs
Santo Bispo d'Arles, Santos Padres / Que martrio no templo carmelita / supor-
tastes; dizei-o os que tivestes / Sobre vs furibundo o tigre d'Avinho; / Dizei-o
Lamballe ilustre, e quantos vistes / A sanguinosa raiva dos Manueis, / A dos Robes-
pierres, dos Marats; / A dos Clubs Jacobino e Brissontino. / E outras medonhas
frias, que podero / Do trtaro sair. Feliz quem pode / salvar-se transmigrando
em terra estranha
{Idem,
p p . 10-12).
16 Vid.
MARTINHO AUGUSTO DA FONSECA,
Subsdios para um diccionario de
pseudnimo s, iniciais e obras anonym as de escritores portugueses, p .
105.
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6 EFEM RIDES DA EXISTNCIA DO POL TICO
de declaraes feitas por este na imprensa peridica. Estavam em causa
acontecimentos ocorridos numa sesso das Cortes, no perodo quente
da discusso da questo brasileira, os quais haviam levado o represen
tante do Brasil a pedir a demisso. Ao relatar o sucedido, Andrada e
Silva acusou Borges Carneiro de falta de correco e queixou-se da forma
como alguns deputados e a assistncia haviam reagido a declaraes
suas. A estas palavras de crtica, respondeu o deputado com a citada
carta 2^. Os outros dois textos, pubHcados com um escasso ms de
intervalo, tm de comum a defesa do regime perante a crescente onda
contra-revolucionria que , internacional e nacionalm ente, se erguia con
tra ele
2^
Ao mais antigo deu a forma de carta dirigida ao monarca
francs
Carta a sua Magestade Lus XVIII2^;
e apresentou o
seguinte, como uma proclamao
Aos portuguezes
^ .
2 2 Veja-se o D irio do Go verno , n. 90, 18 de Abril de 1822, pp. 627-628.
A carta que lhe deu origem foi tambm publicada no mesmo peridico (veja Di
rio do Governo,
n.
89, de 17 de Abril de 1822, p. 618 e, ainda, n. 88, 16 de
Abril de 1822, pp. 612-613). Veja-se igualmente sobre o mesmo episdio. Borboleta
Constitucional,
nmeros 93 e 96, 23 e 26 de Abril de 1822, respectivamente;
Cam
peo Lisbonense, n. 52, 23 de Abril de 1822;Jornal da sociedade
literria
patri
tica, t. 1,
n.
2, 19 de Abr de 1822, pp. 58-64.
2 3 Vid. infra, pp. 62-64.
2 4 Vid.
BORGES CARNEIRO,
Carta a Sua Magestade Luis
XVIII,
in Dirio
do Governo,n.42, 18 de Fevereiro de 1823, pp. 326-328 (veja-se infra, pp . 62-63).
O peridico intitulado A Trombeta Luzitana publicou non.42, de 20 de Fevereiro
de 1823, uma resposta a esta carta, segundo ele, publicada no Boletim do Exrcito
dos Pirinus, por um granadeiro francs. O estUo irnicoda missiva no deixa dvidas
(se dvidas podia haver) quanto ao quadrante poltico do autor (vid. Infra, p. 102).
O mesmo acontece, contudo, em relao ao aplauso publicado sobre o mesmo
assunto: Saiba embora El-rei de Frana, que c o coxo, no fica atrs do sr. Bor
ges Carneiro : sempre h , na verdade u m patriota que se no receou e s ele se lem
brou de pegar na pena, para bem o contestar, dizendo-lhe: se o Deus de S. Lus
no ser o mesmo que o Deus de S. Fernando e de Afonso Henriques? vejam-me
vv. mm. em outro tempo, quem seria que se atrevesse a falar com tal energia a
um rei? no que a verdade ento se afastava do trono, e hoje com impavidez ele
se apresenta ante o mesmo. E acrescentava o mesmo autor: verdade.... no
h dignidade hoje em quem escreve. Olhe o melhor escrito que tem aparec ido, alm
de outros do mesmo A. a carta do sr. Borges Carneiro a El-rei de Frana, aquilo
sim, aquilo que dignidade de escritor portugus
(VIII Conversao dos pobres
do Lausperenne da segunda colleco ....,
pp. 3-4).
2 5 Veja-se BORGES CARNEIRO,
AOS
portuguezes, in Dirio do Governo,
n. 61, 12 de Maro de 1823, pp. 507-508 (veja Infra, pp. 63-64). Uma crtica a
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ACTIVIDAD E POLTIC A 7
Sob o ponto de vista dasidiase das concepes, um abismo separa
o texto escrito na priso de Beja do textopubUcadono dealbar do pri
meiro regime liberal portugus. Este apresenta um caracter program-
tco, Com efeito, os tpicos fundamentais e as grandes linhas de reforma
das estruturas polticas da sociedade portuguesa encontram-se ali apon
tados e traados, Haviam sido inspirados nas idias que, em Frana,
dnham marcado a rotura com o Antigo Regime sendo, assim, evidente,
que o tribuno nortenho no condenava j, globalmente, a Revoluo,
Pelo contrrio. Aceitava a experincia francesa nos princpios orienta
dores,em bora continuasse a critic-la q uanto aos meiosutihzadospara
a sua concretizao. Em 1820, escreveu as seguintes palavras, testemu
nho claro da evoluo do seu pensamento: Convm que a grande obra
da nossa regenerao siga um a m archa regular e pacfica.... e que no
penetre em Po rtugal aquele esprito de vertigem que acarretou Frana
tanto sangue e tantas lgrimas.... Ns sabemos que aUberdadeciv il....
no se confunde com a
Ucena,
com a audcia, com a insubordinao
s leis e s autoridades^ .
Qual ter sido a influncia determinante da mudana inequivoca
mente expressa ao esboar, no dealbar da revoluo, um projecto
poltico abrangendo os pontos fulcrais do futuro iderio vintista? Bor
ges Carneiro no podia ignorar as dificuldades polticas, sociais e eco
nmicas de Portugal, agravadas umas, nascidas outras, com as inva
ses francesas e a ida da Corte para o Brasil. No podia, tambm, ter
ficado alheio abortada revoluo de 1817 e execuo do seu chefe.
Gomes Freire de Andrade, nem podia ainda desconhecer asidias em
confron to, tan to mais que chegara j a Lisboa, como secretrio da Jun ta
do Cdigo Penal Militar, quando se deram esses acontecimentos^ .
esta proclamao foi publicada no Argos Lusitano, jornal anti-ministerial e anti-
-trombeteiro,
n.^
54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, respectivamente de 14, 15, 17, 18, 20,
21, 22 de Maro de 1823, pp. 219-246. Segundo o autor, o jornal fora injustamente
visado pelas palavras do deputado contra os peridicos que davam cobertura a ata
ques contra o regime. Empenhou-se pois na sua defesa, lembrando a preocupao
presente em todas as pginas de no perder de vista que a regularidade das COI
SAS e no o cmodo e vantagem das PESSOAS, deve fazer o objecto essencial
dos verdadeiros
constitucionais
(p. 225). Preocupou-se tambm em salientar nem
sempre ter sido a atitude do deputado a mais adequada suas responsabilidades
(vid.infra,p. 120). Invocou a autoridade de Benjamin Constant, traduzindo e trans
crevendo extractos do Tratado dasreacespolticas para definir o dever do escri
tor (p. 229) e para mostrar quais eram as normas que deviam guiar a aco do
legislador (pp. 244-245).
2 6 BORGES CARN EIRO,
Portugal Regenerado em 1820, 3.* ed., p. 69.
2 7
Veja-se supra, pp. 38-40.
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8 E F E M R I D E S D A E X I S T N C I A D O P O L T I C O
Conhecer uma situao no implica todavia necessariamente, empenhar-
-se na sua modificao,
tal
como o conhecimento de um ideal no se
traduz de forma imprescindvel numa adeso. Por isso, o facto de ter
aderido no s aos sucessos do Porto mas faco que viria a dominar
a situao e convocar Cortes, corresponde a uma mutao ideolgica
posterior redaco dos Pensamentos. Ter sido mao ilustre
^
e, neste caso, a maonaria no deixou, por certo, de influir na forma
o da sua
forma mentis
hberal
^ .
Pode mesmo ter tido contactos com
o grupo denominado Segurana, visitado em 1818 pelos regeneradores
Jos da Silva Carvalho e Jos Pereira de Menezes
ou com o prprio
Fernandes Toms, quando este visitou os amigos da capital
^^
2 8
Ter, Borges Carn eiro pertencido, de facto, m aon aria? A resposta a esta
pergunta foi dada pelo Prof. Silva Dias ao apresentar o deputado como grande
chanceler do Grande Oriente Lusitano (vid. G R A A e J. S. SILVA DIAS,
OS
primr-
dios da maonaria em Portugal, t. 1, p. 815); veja-se tambm Vria. Maons ilus-
tes, in GRANDE ORIENTE LUSITANO UNIDO . SUPREMO CONSELHO DA MAON ARIA POR
TUGUESA,
Boletim Oficial,
n.
12, Dezembro de
1923,
p. 13. Fora, alis, invocando
a sua fiUao manica que, em 1823 a Intendncia da Polcia o intimara a sair
da capital e lhe fixara residncia em Resende {Gazeta de Lisboa, Suplemento, 11
de Julho de 1823). certo que ele negou ter pertencido a qualquer sociedade secreta
e desafiou as autoridades a prov-lo como se l na seguinte carta: Senhor Redac-
tor Vi naGeizetade Lisboan. 144 o
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