caracterizaÇÃo das propriedades mecÂnicas das … · cartilagem articular e dos seus tecidos...
Post on 01-Nov-2018
218 Views
Preview:
TRANSCRIPT
-
CARACTERIZAO DAS PROPRIEDADES MECNICAS DAS CARTILAGENS DO JOELHO E DA SUA INTERAO COM OS TECIDOS
CIRCUNDANTES
JOANA CATARINA FERREIRA MACHADO DISSERTAO DE MESTRADO APRESENTADA FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO EM REA CIENTFICA DE ENGENHARIA BIOMDICA
M 2014
-
Joana Machado, 2015
-
vi
[Esta pgina foi intencionalmente deixada em branco]
-
FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Caracterizao das Propriedades Mecnicas das
Cartilagens do Joelho e da sua Interao com os
Tecidos Circundantes
Joana Catarina Ferreira Machado
Dissertao apresentada Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
para obteno do grau de Mestre em Engenharia Biomdica
Dissertao realizada sob a orientao de:
Prof. Doutor Mrio Augusto Pires Vaz
Professor Associado com Agregao do Departamento de Engenharia Mecnica
Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
Dr. Lus Miguel Marta de Lima Monteiro
Assistente Hospitalar Graduado de Ortopedia e Traumatologia
Hospital de S. Joo
Mestrado em Engenharia Biomdica
Porto, Junho de 2015
-
Dissertao realizada com o apoio de:
-
i
Resumo
O joelho a maior e a mais complexa articulao do organismo, sendo mecanicamente a mais
solicitada das articulaes do corpo humano, e estando, por isso, suscetvel a vrios tipos de
leses. A cartilagem articular do joelho tem a capacidade de suportar grandes cargas
compressivas, enquanto providencia uma superfcie suave e lubrificada na zona de contacto
entre os ossos, facilitando o movimento e a distribuio da carga. Obter as caractersticas
mecnicas deste tecido e perceber o seu comportamento em estado saudvel, pode ser um meio
para a preveno de situaes patolgicas, como a osteoartrose. Nesta patologia a cartilagem
danificada e so desenvolvidos defeitos que podem evoluir de superficiais at extenso
total da sua estrutura, atingindo o osso. Posto isto, pretende-se caracterizar este tecido por meio
de ensaios mecnicos de compresso, bem como pela criao de um modelo numrico que
permita simular o seu comportamento e prever situaes de risco.
No presente estudo, foram realizados testes de compresso inconfinada e confinada em
modo tenso-relaxamento em amostras de discos cilndricos de cartilagem recolhida de fmur
suno. A partir dos ensaios foi determinado o mdulo de Young, , e o mdulo agregado
compresso, , respetivamente. Os resultados indicam valores de =0.3886 MPa e de
=0.4777 MPa. Foram ainda realizados testes de compresso contnua para estudo das foras
e tenses associadas falha do tecido. A falha das amostras ocorreu com a desidratao das
mesmas, assim como mltiplas fissuras do tecido, a um valor de tenso de 63.5 34.6 MPa.
Numa fase posterior do trabalho, foi utilizado um modelo 3D de elementos finitos
representativo da articulao tbio-femoral (incluindo as cartilagens tibiais e femorais, bem
como os meniscos e os ossos fmur e tbia), para estudo das tenses desenvolvidas ao nvel da
cartilagem articular e dos seus tecidos envolventes em situao saudvel e osteoartrtica. A
modelao 3D da cartilagem focou-se na diviso da sua estrutura em trs camadas (superficial,
mdia e profunda) cada uma com diferentes propriedades mecnicas. Foram analisadas as
tenses geradas durante as trs subfases da fase de apoio do ciclo de marcha (apoio plantar,
apoio do calcanhar e apoio dos dedos). As tenses mais elevadas so desenvolvidas na situao
-
ii
de apoio dos dedos e as mais baixas na de apoio plantar. Entre as trs camadas de cartilagem
consideradas, as tenses mais altas localizam-se na superficial, e depois na profunda e medial.
Na presena de osteoartrose, as tenses aumentam e as mximas concentram-se na zona do
defeito.
Palavras-Chave: cartilagem articular, biomecnica da cartilagem, ensaios mecnicos de
compresso, articulao do joelho, anlise de elementos finitos, tenses de contacto, osteoartrose.
-
iii
Abstract
The theme of this thesis is concerned with the mechanical characterization of the knee articular
cartilage. The knee was the chosen joint because it is the major joint of the human organism,
as it is frequently mechanically demanded it is also susceptible to various kinds of injuries.
The knee articular cartilage (AC) has the capability of supporting large compressive loads,
while providing a soft and lubricated surface in the area of contact between bones. This
structure facilitates knee movements and load distribution. Finding the mechanical properties
of the articular cartilage and understanding its behaviour on its healthy state, can be a way of
preventing pathological situations like osteoarthritis (OA). Hereupon, this thesis intends to
characterize this structure by undergoing mechanical compression tests, as well as creating a
numerical model which simulates their behaviour and predicts risk situations.
In current study, both unconfined and confined ramp-stress relaxation compression tests
of cylindrical cartilage discs, taken from the swine femur, were utilized to determine Youngs
modulus, E, and aggregate modulus, HA, of the cartilage tissue. The results indicates values of
=0.3886 MPa and =0.4777 MPa. Furthermore, continuous compression tests were
performed to study forces and stresses associated with tissue loss. Specimens failure occurred
with dehydration and multiple cracks of the tissue at a nominal applied stress of
63.5 34.6 MPa.
A 3D finite element model of the tibio-femoral joint including femoral and tibial cartilage,
menici and bones, was used to study contact stresses on AC and its surrounding tissues in
healthy and osteoarthritic cartilage situations. The 3D modelling of AC was redesign to include
three cartilage layers (superficial, medial and deep zones) with different mechanical
behaviours. Three situations of the stance phase of the gait cycle were analysed (heel strike,
single limb stance and toe-off). The high stresses on AC are developed in toe-off situation
and the minimum in the single limb stance. Furthermore, between the three AC layers, peak
-
iv
stresses are in the superficial, then in the deep and medial layers. In the presence of OA, the
maximum stresses were higher and are concentrated in the affected area.
Key-Words: articular cartilage, cartilage biomechanics, mechanical compression tests, knee joint,
finite element analysis, contact pressure, osteoarthritis.
-
v
Agradecimentos
Ao professor orientador Doutor Mrio Vaz, bem como ao mdico e coorientador Dr. Miguel Marta
por todo o acompanhamento e motivao na realizao do trabalho.
Ao Engenheiro Nuno Viriato pela disponibilidade, dedicao, pacincia e ainda pelas dicas e
conselhos no ensino e manipulao dos programas comerciais utilizados na elaborao do trabalho,
bem como no auxlio das tcnicas de recolha das amostras e realizao dos ensaios experimentais. Foi
uma pessoa essencial em toda a conduo do trabalho.
Engenheira Viviana Pinto pelo auxlio e esclarecimentos nas questes relacionadas com os testes
experimentais.
Ao Engenheiro Shayan Eslami pela construo da cmara de confinamento e cilindros de compresso
adaptados mesma.
s entidades de apoio pelos recursos disponibilizados para o desenvolvimento do trabalho.
Aos meus amigos do 12B, por estarem sempre presentes em todas as fases da minha vida.
s minhas colegas e amigas do Grupo do Joelho, Joana Silva e Diane Carvalho, pelo apoio
demonstrado e pelas dicas e conselhos em alguns aspetos relacionados com o meu trabalho.
Aos meus colegas do Mestrado em Engenharia Biomdica pelas crticas construtivas ao longo do
tempo. Em especial ao Lus e Ins, que estiveram presentes em muitas fases.
Aos meus pais, a quem dedico esta dissertao, por me proporcionarem a oportunidade de atingir esta
formao, por todo o apoio incondicional e pelo aconselhamento sempre sensato em todas as decises
necessrias ao longo do meu percurso acadmico.
Ao meu irmo, ajudante de talho por profisso, pela disponibilidade na obteno de joelhos sunos,
bem como pela ajuda na disseco dos mesmos. A ele e toda a restante famlia que sempre mostraram
orgulho e confiana em mim.
Por fim, Brbara, e, em especial, ao Tiago, por me demonstrarem apoio, positivismo e
essencialmente perseverana, em todos os momentos de fraqueza.
A todos, o meu sincero agradecimento
Joana Machado
-
vi
[Esta pgina foi intencionalmente deixada em branco]
-
vii
ndice
Resumo .................................................................................................................................................... i
Abstract ..................................................................................................................................................iii
Agradecimentos ...................................................................................................................................... v
ndice .................................................................................................................................................... vii
ndice de Figuras .................................................................................................................................... xi
ndice de Tabelas ................................................................................................................................ xvii
Lista de Abreviaturas e Acrnimos ...................................................................................................... xix
Lista de Smbolos ................................................................................................................................ xxi
Introduo ........................................................................................................................... 1
1.1. Objetivos ...................................................................................................................................... 4
1.2. Apresentao dos Captulos ......................................................................................................... 5
Articulao do Joelho ......................................................................................................... 7
2.1. Terminologia Anatmica Elementar ............................................................................................ 7
2.1.2. Posio Anatmica, Planos e Eixos de Referncia ............................................................... 7
2.2. Artrologia do Joelho .................................................................................................................... 8
2.3. Estrutura do Joelho .................................................................................................................... 10
2.3.1. Ossos ................................................................................................................................... 10
2.3.2. Tecidos Moles ..................................................................................................................... 11
2.4. Mecnica das Articulaes......................................................................................................... 13
2.4.1. Mecnica do Contacto ......................................................................................................... 13
2.4.2. Fenmenos de contacto no joelho ....................................................................................... 14
2.4.3. Desgaste das Articulaes ................................................................................................... 15
2.5. Movimentos Articulares do Joelho ............................................................................................ 15
2.5.1. Cinemtica do Joelho .......................................................................................................... 16
2.5.2. Cintica e Estabilidade do Joelho ....................................................................................... 17
2.5.3. Ciclo de Marcha .................................................................................................................. 18
Cartilagem Articular ......................................................................................................... 21
3.1. Tipos de Cartilagem ................................................................................................................... 21
-
viii
3.2. Composio e Estrutura da Cartilagem Articular ...................................................................... 22
3.2.1. Arranjo da Cartilagem ........................................................................................................ 24
3.2.1.1. Zona Superficial .......................................................................................................... 25
3.2.1.2. Zona Mdia .................................................................................................................. 25
3.2.1.3. Zona Profunda ............................................................................................................. 25
3.2.1.4. Zona de Calcificao ................................................................................................... 25
3.3. Comportamento Mecano-Eletroqumico da Cartilagem Articular ............................................. 25
3.4. Falncia da Cartilagem .............................................................................................................. 27
3.4.1. Osteoartrose ........................................................................................................................ 27
3.4.2. Procedimentos cirrgicos para restauro da cartilagem articular ......................................... 30
3.4.2.1. Microfratura ................................................................................................................. 30
3.4.2.2. Transplante de excertos osteocondrais ........................................................................ 31
Biomecnica da Cartilagem Articular............................................................................... 33
4.1. Conceitos Fundamentais da Cincia dos Materiais ................................................................... 33
4.2. Modelao Biomecnica............................................................................................................ 35
4.3. Propriedades Mecnicas da Cartilagem Articular ..................................................................... 40
4.3.1. Comportamento da Cartilagem em Compresso ................................................................ 40
4.3.1.1. Compresso Confinada ................................................................................................ 40
4.3.1.2. Compresso Inconfinada ............................................................................................. 41
4.3.1.3. Testes de Indentao .................................................................................................... 42
4.3.1.4. Modos de Teste ............................................................................................................ 42
4.3.1.5. Estado da Arte ............................................................................................................. 44
4.3.2. Caracterizao de ensaios mecnicos em tecidos biolgicos .............................................. 46
4.3.3. Comparao entre espcies ................................................................................................. 46
Ensaios Experimentais de Compresso ............................................................................ 49
5.1. Disseco do joelho ................................................................................................................... 49
5.2. Mtodos de recolha de amostras cilndricas de cartilagem ........................................................ 50
5.3. Ensaios de compresso .............................................................................................................. 53
5.3.1. Compresso contnua .......................................................................................................... 54
5.3.1.1.Variao da localizao da amostra .............................................................................. 55
5.3.1.2. Variao da velocidade ................................................................................................ 55
5.3.1.3. Variao do dimetro da amostra ................................................................................ 56
5.3.1.4. Clculo de propriedades mecnicas ............................................................................. 58
5.3.2. Modo Tenso-Relaxamento ................................................................................................ 59
Modelao por Elementos Finitos .................................................................................... 63
6.1. Evoluo do Mtodo dos Elementos Finitos ............................................................................. 63
6.2. Caractersticas do Mtodo dos Elementos Finitos ..................................................................... 64
6.3. Modelao 3D da Articulao do Joelho ................................................................................... 66
6.3.1. Obteno de geometrias tridimensionais ............................................................................ 67
6.3.1.1. Modelo Open Knee ...................................................................................................... 68
-
ix
6.3.2. Malha de elementos finitos ................................................................................................. 70
6.3.3. Modelao da cartilagem em camadas ................................................................................ 71
6.3.4. Modelo Constitutivo e Propriedades Mecnicas ................................................................. 72
6.3.5. Condies Fronteira e de Carregamento ............................................................................. 74
Simulao Numrica ......................................................................................................... 75
7.1. Avaliao das tenses geradas em joelho com diferenciao da cartilagem por camadas ......... 75
7.1.1. Meniscos ............................................................................................................................. 76
7.1.2. Ossos ................................................................................................................................... 77
7.1.3. Cartilagens .......................................................................................................................... 79
7.2. Efeito da Osteoartrose ................................................................................................................ 81
7.3. Introduo de dados experimentais ............................................................................................ 83
Discusso dos Resultados ................................................................................................. 87
8.1. Ensaios experimentais de compresso em cartilagem de suno ................................................. 87
8.2. Simulao Numrica .................................................................................................................. 90
8.2.1 Validao do modelo de elementos finitos .......................................................................... 93
Concluso e Trabalho Futuro ............................................................................................ 95
9.1. Perspetivas futuras ..................................................................................................................... 97
Anexos .................................................................................................................................................. 99
Anexo A - Distribuio de tenses e deformaes em joelho com diferenciao da cartilagem por
camadas........................................................................................................................................... 100
A.1. Ossos ....................................................................................................................................... 100
A.1.1. Situao de apoio do calcanhar ........................................................................................ 100
A.1.2. Situao de apoio dos dedos ............................................................................................ 101
A.2. Meniscos ................................................................................................................................. 102
A.2.1. Situao de apoio do calcanhar ........................................................................................ 102
A.2.2. Situao de apoio dos dedos ............................................................................................ 102
A.3. Cartilagens Tibiais .................................................................................................................. 103
A.3.1. Situao de apoio do calcanhar ........................................................................................ 103
A.3.2. Situao de apoio dos dedos ............................................................................................ 104
A.4. Cartilagens Femorais............................................................................................................... 105
A.4.1. Situao de apoio do calcanhar ........................................................................................ 105
A.4.2. Situao de apoio dos dedos ............................................................................................ 106
Anexo B - Distribuio de tenses e deformaes em joelho com propriedades experimentais para a
cartilagem femoral (situao de AP) ............................................................................................... 107
B.1. Ossos ....................................................................................................................................... 107
B.2. Meniscos ................................................................................................................................. 108
B.3. Cartilagens Tibiais .................................................................................................................. 109
Glossrio de Termos ........................................................................................................................... 111
Referncias Bibliogrficas .................................................................................................................. 113
-
x
[Esta pgina foi intencionalmente deixada em branco]
-
xi
ndice de Figuras
Figura 2.1 - Ilustraes representativas de: (a) posio anatmica, (Adaptado de Duarte, 2009); (b)
distribuio dos eixos e planos do corpo e termos direcionais, (Adaptado de Nordin & Frankel, 2012).
................................................................................................................................................................ 8
Figura 2.2 - Ilustrao da articulao do joelho: (a) cpsula articular intacta, (Adaptado de (eOrthopod:
Medical Multimedia Group, 2012); (b) cpsula articular em plano sagital, (Adaptado de Herlihy &
Maebius, 2002). ...................................................................................................................................... 9
Figura 2.3 - Movimentos da articulao do joelho: (a) analogia de dobradia; (b) movimentos de flexo
e extenso; (Adaptado de Seeley et al., 2014). ..................................................................................... 10
Figura 2.4 - Ossos do joelho humano (vista anterior), (Adaptado de eOrthopod: Medical Multimedia
Group, 2012). ........................................................................................................................................ 11
Figura 2.5 - Diferentes ligamentos do joelho, (Adaptado de eOrthopod: Medical Multimedia Group,
2012). .................................................................................................................................................... 11
Figura 2.6 - Ilustrao da posio dos meniscos na articulao do joelho, (Adaptado de eOrthopod:
Medical Multimedia Group, 2012). ...................................................................................................... 12
Figura 2.7 - Localizao das cartilagens articulares dos diferentes ossos do joelho, (Adaptado de
eOrthopod: Medical Multimedia Group, 2001). ................................................................................... 12
Figura 2.8 - Padro de tenses obtidas por fotoelasticidade na regio de contacto, (Popov, 2010). ..... 14
Figura 2.9 - Representao geomtrica e designaes atribudas aos seis graus de liberdade na
movimentao do joelho, (Adaptado de Nordin & Frankel, 2012). ...................................................... 17
Figura 2.10 - Movimentos do joelho: (a) Joelho em extenso; (b) Joelho fletido a 90; (Adaptado de
Putz, 2006). ........................................................................................................................................... 17
Figura 2.11 - Subfases da fase de apoio do ciclo de marcha: (a) apoio do calcanhar; (b) apoio plantar;
(c) apoio dos dedos, (Adaptado de Footlogics, 2015). .......................................................................... 19
Figura 3.1 - Aparncia da cartilagem: (a) A cartilagem hialina, em pacientes jovens, apresenta-se como
um tecido translcido azul claro e pode ser encontrada nas superfcies articulares e placa de crescimento;
(b) Com o avano da idade a cartilagem articular torna-se mais opaca com uma colorao amarela
esbranquiada; (Horvai, 2011). ............................................................................................................. 22
-
xii
Figura 3.2 - Representao esquemtica da interao entre a rede de colagnio e de PGs, (Adaptado de
Lu & Mow, 2008). ................................................................................................................................ 23
Figura 3.3 - Organizao dos condrcitos (direita) e das fibras de colagnio (esquerda) ao longo da
profundidade da CA, (Adaptado de Ronken, 2012). ............................................................................ 24
Figura 3.4 - Graus de dano na cartilagem: 1 a 4, respetivamente de (a) a (d), de acordo com a escala de
Outerbridge, (Erggelet & Mandelbaum, 2008). .................................................................................... 29
Figura 3.5 - Etapas do procedimento cirrgico de microfratura: (a) a cartilagem danificada removida;
(b) abraso dos restos de tecido; (c) utilizado um instrumento que permite a criao de pequenos furos
atravs do osso subcondral - gerao de suprimento sanguneo que permite o transporte de clulas
saudveis para crescimento da cartilagem, (Erggelet & Mandelbaum, 2008). ..................................... 30
Figura 3.6 - Viso artroscpica de leso da cartilagem no cndilo femoral aps procedimento cirrgico
de microfratura, (Erggelet & Mandelbaum, 2008). .............................................................................. 31
Figura 3.7 - Procedimento cirrgico para tratamento de defeito na cartilagem no cndilo femoral atravs
de transplante de cilindros de cartilagem: (a) colheita de cilindros de zona de cartilagem no afetada
com pouca probabilidade de dano; (b) implementao dos cilindros na zona da leso; (c) defeito de
cartilagem aps transplante, (Erggelet & Mandelbaum, 2008). ........................................................... 31
Figura 3.8 - (a) Reconstruo 3D de defeito ao nvel do cndilo femoral; (b) Imagem real de cndilo
femoral com leso preenchida por cilindros de cartilagem e osso. De notar que os cilindros, de
dimenses diferentes, se sobrepem para cobrir totalmente a zona lesionada; (Erggelet & Mandelbaum,
2008)..................................................................................................................................................... 32
Figura 4.1 Cargas principais: (a) compresso; (b) trao; (c) corte; (d) toro; (e) flexo; (Adaptado
de Knudson, 2007). .............................................................................................................................. 34
Figura 4.2 - Representao esquemtica da variao de comprimento de um corpo sseo com a aplicao
de foras de trao nas suas extremidades, (Adaptado de Completo & Fonseca, 2011). ..................... 35
Figura 4.3 - Representao esquemtica do ensaio de compresso confinada, (Adaptado de Abbass &
Abdulateef, 2012). ................................................................................................................................ 41
Figura 4.4 - Representao esquemtica do ensaio de compresso inconfinada, (Adaptado de Abbass &
Abdulateef, 2012). ................................................................................................................................ 41
Figura 4.5 - Representao esquemtica do teste de indentao, (Adaptado de Abbass &
Abdulateef, 2012). ................................................................................................................................ 42
Figura 4.6 Curvas representativas do comportamento em fluncia da cartilagem: (a) aplicao de uma
fora constante na amostra de cartilagem; (b) resposta em fluncia da amostra sob carga constante
aplicada, (Adaptado de Completo & Fonseca, 2011 e Nordin & Frankel, 2012). ................................ 43
Figura 4.7 - Curvas representativas do comportamento em modo tenso-relaxamento da cartilagem: (a)
Deslocamento imposto na amostra com incio em t0; (b) resposta do tecido em modo tenso-
relaxamento, (Adaptado de Completo & Fonseca, 2011 e Nordin & Frankel, 2012). .......................... 43
Figura 4.8 Comportamento tpico da cartilagem articular em compresso inconfinada, compresso
confinada e indentao: (a) modo tenso-relaxamento em funo do tempo; (b) tenso-deformao no
equilbrio; (Adaptado de Korhonen et al., 2002). ................................................................................. 44
Figura 4.9 - Curvas de tenso-deformao para os dois ensaios, (Adaptado de Jurvelin et al., 2003). 45
-
xiii
Figura 4.10 - Comparao do joelho entre espcies: (a) bovino e humano, (Adaptado de Athanasiou et
al., 1991); (b) suno e humano, (Adaptado de Xerogeanes et al., 1998). .............................................. 47
Figura 5.1 - Resultado da disseco do joelho suno para obteno das amostras de interesse: (a) fmur;
(b) tbia. ................................................................................................................................................ 50
Figura 5.2 Recolha de amostras: (a) cortantes utilizados para obteno de amostras cilndricas; (b)
amostras de osso e cartilagem do joelho do suno. ............................................................................... 50
Figura 5.3 - Esquematizao do ensaio de compresso inconfinada de amostras cilndricas de cartilagem
agarrada a osso: (a) amostras com faces no paralelas entre si o que causa um ensaio invlido; (b)
demonstrao da fixao correta da amostra nos cilindros de compresso. .......................................... 51
Figura 5.4 - (a) Recolha de amostras de cartilagem agarrada ao osso adjacente, por meio de mquina
CNC; (b) Amostra cilndrica de cartilagem agarrada a osso com um dimetro de 10 mm e altura de ~13
mm. ....................................................................................................................................................... 52
Figura 5.5 - Cartilagem total recolhida do joelho de suno: (a) parte superior do fmur; (b) cndilos do
fmur; (c) tbia. ..................................................................................................................................... 52
Figura 5.6 - Amostras de cartilagem em forma de disco: (a) dimetro de 10 e 6 mm; (b) visualizao da
espessura das amostras - 2.10 e 1.20 mm. (NOTA - Os valores apresentados nesta legenda referem-se,
respetivamente, cartilagem da esquerda e direita). ............................................................................. 53
Figura 5.7 - Ensaios de compresso contnua: (a) TIRA test 2705; (b) aparato para compresso
confinada com clula de carga. ............................................................................................................. 54
Figura 5.8 - Amostras de cartilagem aps ensaio de compresso contnua: (a) exemplo com =10 mm;
(b) exemplo com =6 mm; (c) sada de fludo do tecido. .................................................................... 55
Figura 5.9 - Grfico fora-tempo para o ensaio de compresso confinada em amostras dos cndilos do
fmur com =6mm. .............................................................................................................................. 56
Figura 5.10 - Grfico fora-tempo para o ensaio de compresso inconfinada em amostras da parte
superior do fmur a uma velocidade de 1 m/s. ................................................................................... 57
Figura 5.11 - Grfico tenso-deformao para o ensaio de compresso inconfinada em amostras da parte
superior do fmur a uma velocidade de 1 m/s. ................................................................................... 57
Figura 5.12 - Grfico tenso-deformao para dois tipos de compresso: CI - compresso inconfinada;
CC - compresso confinada. ................................................................................................................. 58
Figura 5.13 - Ensaios de tenso-relaxamento: (a) INSTRON Electro Plus E1000; (b) clula de carga
(1 kN) e cmara de confinamento. ........................................................................................................ 59
Figura 5.14 - Comportamento tpico da cartilagem em compresso confinada e inconfinada: (a) ensaio
tenso-relaxamento total para amostras com =6mm; (b) parte do ensaio para visualizao detalhada
da rampa de tenso-relaxamento. .......................................................................................................... 60
Figura 5.15 Resposta tenso-deformao na fase de equilbrio em modo tenso-relaxamento. ........ 61
Figura 6.1 Discretizao da articulao do joelho em elementos finitos. (Adaptado de Kazemi et al.,
2013) ..................................................................................................................................................... 65
Figura 6.2 - Imagens RM do plano sagital do joelho e segmentao da geometria 3D, (Adaptado de
Mononen et al., 2012). .......................................................................................................................... 67
Figura 6.3 - Modelo de elementos finitos gerado por Shirazi & Shirazi-Adl, 2009, (Adaptado). ........ 68
-
xiv
Figura 6.4 (a) e (b) Modelo de elementos finitos do projeto Open Knee: vista anterior e posterior,
respetivamente, (Adaptado de Erdemir & Sibole, 2010); (c) e (d) Modelo 3D em SolidWorks utilizado
no trabalho com eliminao da geometria dos ligamentos: vista anterior e posterior, respetivamente. 69
Figura 6.5 Malha de elementos finitos em Ansys. ........................................................................... 70
Figura 6.6 - Diviso da cartilagem em camadas: (a) cartilagem femoral original do modelo do projeto
Open Knee; (b) diviso em trs camadas atravs do software SolidWorks; (c) malha de elementos
finitos relativa cartilagem femoral; (d) geometria final dos trs corpos relativos s camadas da
cartilagem femoral em Ansys. (De notar que o mesmo procedimento foi realizado para as cartilagens
tibiais.) .................................................................................................................................................. 71
Figura 6.7 - Modelo de elementos finitos com diferenciao das camadas da cartilagem em Ansys. 72
Figura 6.8 - Condies fronteira e de carregamento do modelo 3D em Ansys: (a) aplicao da fora
compressiva; (b) fixao da tbia. ......................................................................................................... 74
Figura 7.1 - Distribuio das tenses de von Mises em joelho saudvel para os casos de: (a) AP; (b) AC;
(c) AD. .................................................................................................................................................. 76
Figura 7.2 - Distribuio das tenses, (a), e deformaes, (b), de von Mises nos meniscos em joelho
saudvel para a situao de AP............................................................................................................. 77
Figura 7.3 - Provas de tenso ao longo das faces superiores dos meniscos para a situao de AP (valores
de tenso em MPa). .............................................................................................................................. 77
Figura 7.4 - Distribuio das tenses de von Mises nos ossos em joelho saudvel para a situao de AP:
(a) fmur; (b) tbia. ............................................................................................................................... 78
Figura 7.5 - Distribuio das tenses (esquerda) e deformaes (direita) de von Mises nos ossos em
joelho saudvel para a situao de AP: (a) e (b) cndilos do fmur; (c) e (d) topo da tbia. ................ 78
Figura 7.6 - Distribuio das tenses (em cima) e deformaes (em baixo) de von Mises na cartilagem
tibial de joelho saudvel para a situao de AP: (a) e (d) camada superficial; (b) e (e) camada mdia; (c)
e (d) camada profunda. ......................................................................................................................... 79
Figura 7.7 - Distribuio das tenses (em cima) e deformaes (em baixo) de von Mises na cartilagem
femoral de joelho saudvel para a situao de AP: (a) e (d) camada superficial; (b) e (e) camada mdia;
(c) e (d) camada profunda. .................................................................................................................... 80
Figura 7.8 - Provas de tenso equivalente ao nvel da parte anterior da: (a) cartilagem femoral
superficial; (b) cartilagem tibial superficial (valores de tenso em MPa). ........................................... 81
Figura 7.9 - Ilustrao da zona de reduo de propriedades mecnicas (seta): (a) cartilagem femoral
(vista distal); (b) modelo 3D total - foi realizado o defeito na zona de contacto com o menisco. ........ 82
Figura 7.10 - Distribuio de tenses na cartilagem femoral superficial com aparecimento de defeito
com propriedades reduzidas a 50%. ..................................................................................................... 82
Figura 7.11 - Comparao das tenses ao nvel da cartilagem femoral mdia e profunda para as situaes
de saudvel e aparecimento de defeito de OA na cartilagem femoral superficial, (valores de tenso em
MPa). .................................................................................................................................................... 83
Figura 7.12 - Distribuio das tenses (em cima) e deformaes (em baixo) de von Mises na cartilagem
femoral com propriedades mecnicas obtidas experimentalmente para a situao de AP: (a) e (d) camada
superficial; (b) e (e) camada mdia; (c) e (d) camada profunda. .......................................................... 84
-
xv
Figura 7.13 - Provas de tenso equivalente ao nvel da parte anterior da cartilagem femoral superficial:
(a) modelo com diferenciao de camadas; (b) modelo com propriedades mecnicas obtidas
experimentalmente para a situao de AP, (valores de tenso em MPa). ............................................. 85
Figura 8.1 - Comparao das tenses mximas geradas em cada estrutura do joelho, para cada uma das
subfases de apoio do ciclo de marcha. .................................................................................................. 91
Figura 8.2 - Comparao das tenses mximas geradas em cada estrutura do joelho para cada um dos
casos de estudo. .................................................................................................................................... 93
-
xvi
[Esta pgina foi intencionalmente deixada em branco]
-
xvii
ndice de Tabelas
Tabela 3.1 - Composio aproximada da cartilagem articular, (Adaptado de Chiravarambath, 2012 e
Landnez-Parra et al., 2012).................................................................................................................. 24
Tabela 3.2 - Classificao do dano na cartilagem, (Abbass & Abdulateef, 2012; Erggelet &
Mandelbaum, 2008). ............................................................................................................................. 28
Tabela 4.1 - Comparao dos modelos ortotrpico e isotrpico transverso.......................................... 37
Tabela 4.2 - Vantagens e desvantagens dos diferentes modelos de comportamento dos materiais,
(Adaptado de Freutel et al., 2014). ....................................................................................................... 39
Tabela 4.3 - Cruzamento de propriedades mecnicas da cartilagem segundo vrios autores (mdia dp).
.............................................................................................................................................................. 45
Tabela 5.1 - Fora mxima, em N, de acordo com o tipo de amostra ensaiada, varivel em zona de
colheita. ................................................................................................................................................. 55
Tabela 5.2 - Fora mxima, em N, de acordo com a velocidade e tipo de ensaio................................. 55
Tabela 5.3 - Fora mxima, em N, e respetiva tenso, em MPa, de acordo com o dimetro da amostra.
.............................................................................................................................................................. 57
Tabela 5.4 - Propriedades mecnicas determinadas a partir dos testes de compresso contnua (mdia
dp, n=3). ................................................................................................................................................ 58
Tabela 5.5 Mdulo de Young e mdulo agregado compresso determinados a partir dos testes de
compresso em modo tenso-relaxamento e respetivo coeficiente de Poisson (mdia dp, n=3). ...... 61
Tabela 6.1 - Propriedades mecnicas das camadas da cartilagem, (Abbass & Abdulateef, 2012; Donzelli
et al., 1999; Mononen et al., 2011; Vaziri et al., 2008). ....................................................................... 73
Tabela 6.2 - Propriedades mecnicas para os ossos e meniscos. .......................................................... 73
Tabela 6.3 - Foras consideradas na simulao de acordo com o peso considerado. ........................... 74
Tabela 7.1 - Valores de tenso mxima de von Mises, em MPa, para as cartilagens em modelo saudvel.
.............................................................................................................................................................. 81
Tabela 7.2 - Propriedades mecnicas a partir dos dados experimentais................................................ 83
Tabela 8.1 - Comparao de propriedades mecnicas do presente estudo com a bibliografia consultada.
.............................................................................................................................................................. 89
-
xviii
[Esta pgina foi intencionalmente deixada em branco
-
xix
Lista de Abreviaturas e Acrnimos
3D Tridimensional
AC Apoio do calcanhar
AD Apoio dos dedos
APGs Agregado de Proteoglicanos
AP Apoio Plantar
BW Multiples of Body Weight (Mltiplos do Peso do Corpo)
CA Cartilagem Articular
CAD Computer Aided Design (Desenho Assistido por Computador)
CFM Cartilagem Femoral Mdia
CFP Cartilagem Femoral Profunda
CFS Cartilagem Femoral Superficial
CNC Controlo Numrico Computacional
CTM Cartilagem Tibial Mdia
CTP Cartilagem Tibial Profunda
CTS Cartilagem Tibial Superficial
ECM Extra Cellular Matrix (Matriz Extracelular)
FEUP Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
INEGI Instituto de Cincia e Inovao em Engenharia Mecnica e Engenharia Industrial
LABIOMEP Laboratrio de Biomecnica do Porto
LCA Ligamento Cruzado Anterior
LCL Ligamento Colateral Lateral
LCM Ligamento Colateral Medial
LCP Ligamento Cruzado Posterior
LOME Laboratrio de tica e Mecnica Experimental
MEF Mtodo dos Elementos Finitos
OA Osteoartrose
-
xx
PBS Phosphate buffered saline
PG Proteoglicano
RM Ressonncia Magntica
SI Sistema Internacional
.STL StereoLitography File (Ficheiro de Estereolitografia)
TC Tomografia Computadorizada
ZC Zona de Calcificao da Cartilagem Articular
ZM Zona Mdia da Cartilagem Articular
ZS Zona Superficial da Cartilagem Articular
ZP Zona Profunda da Cartilagem Articular
-
xxi
Lista de Smbolos
ngstrm
~ Aproximadamente
rea
cm Centmetro
Coeficiente de Permeabilidade
Coeficiente de Poisson
Deformao, derivada do deslocamento
dp Desvio-Padro
Dimetro
Fora
Grau
C Grau Centgrado
Hz Hertz
Mais ou menos
Marca Registada
MPa MegaPascal
m Metro
m Micrmetro
mm Milmetro
Mdulo Agregado Compresso
, Mdulo de Corte
Mdulo de Young (ou Mdulo de Elasticidade)
n Nmero de Amostras
kN QuiloNewton
kPa QuiloPascal
-
xxii
N Newton
Pa Pascal
% Percentagem
s Segundos
> Sinal de Maior
< Sinal de Menor
Tenso
v Velocidade
-
Captulo 1
Introduo
Introduo
O joelho a maior e mais solicitada articulao do corpo humano, sendo constitudo por vrias
estruturas que providenciam o seu suporte e estabilizao. uma articulao complexa que
transmite cargas, facilita a posio e o movimento do corpo e providencia os momentos
necessrios para as atividades que envolvem toda a perna, como por exemplo a locomoo. O
estudo da articulao do joelho especialmente relevante em traumatologia devido ao nmero
e gravidade de leses a que este est sujeito.
A engenharia biomdica resulta da aplicao das leis da fsica (ou biofsica) ao estudo do
sistema mecnico articulado que o corpo humano, sendo a biomecnica um dos principais e
mais importantes ramos na compreenso do seu funcionamento. A aplicao da engenharia
mecnica, atravs da biomecnica, ao estudo de sistemas biolgicos pretende descrever o
movimento e as foras geradas por este nos tecidos vivos, proporcionando ferramentas
concetuais e matemticas para o efeito. A fsica da maioria dos fenmenos biolgicos
envolvendo cargas descrita atravs da Mecnica, quer pela via da dinmica com o estudo do
movimento e foras, quer pela via do estudo da mecnica dos meios contnuos, que se dedica
ao estudo das deformaes e das tenses associadas, (Completo & Fonseca, 2011; Knudson,
2007). Nos ltimos anos, a caracterizao mecnica do joelho tem vindo a ser um passo
importante na abordagem desta articulao por parte dos profissionais de sade, uma vez que
permite que estes conheam o limite de resistncia das suas estruturas, bem como prever as
cargas impostas em situaes especficas de traumas ou patologias associadas a esta
articulao.
A melhor compreenso do comportamento do joelho passa pelo conhecimento da sua
anatomia e fisiologia, bem como do comportamento de cada uma das suas estruturas em
particular. De uma forma geral, o joelho constitudo por ossos (fmur, tbia e rtula) e tecidos
-
2 Introduo
moles (cartilagem, ligamentos e meniscos), onde todos desempenham um importante papel no
correto funcionamento da articulao. Por ser uma articulao de grande porte, a sua
funcionalidade biomecnica governada pela complexa interao de todos estes componentes,
sendo que a falha de um deles, pode levar a um desequilbrio natural do joelho e promover a
deteriorao de todo o sistema articular.
A cartilagem articular um tecido de conexo presente nas extremidades do osso
subcondral das articulaes. No joelho, uma estrutura vital para a manuteno do seu bom
funcionamento, uma vez que apresenta propriedades mecnicas nicas que permitem executar
funes biomecnicas importantes, tais como a absoro de choques mecnicos
(essencialmente compressivos), facilitao do movimento e distribuio da carga que
aplicada ao joelho, por forma a reduzir a concentrao de tenses no osso subjacente, e reduo
do atrito entre as superfcies de contacto, por meio de um mecanismo de lubrificao sob uma
ampla gama de condies de carga, (Athanasiou et al., 2013; Completo & Fonseca, 2011;
Nordin & Frankel, 2012).
A degradao da cartilagem a chave de doenas degenerativas como a osteoartrose (OA).
Em condies de patologia, a degenerao da cartilagem causa um movimento debilitado e
dor nas articulaes, uma vez que existe perda das suas funes. A OA persiste quando h um
desequilbrio entre a falha e a regenerao fisiolgica. Alguns estudos demonstram que fatores
biomecnicos locais podem afetar a iniciao e progresso da doena, onde as propriedades
mecnicas da cartilagem articular podem ser reduzidas entre 20-80% em comparao com o
tecido saudvel, (Completo & Fonseca, 2011; Nissi et al., 2004). So vrias as causas que
podem incitar uma maior degradao da cartilagem do joelho, podendo estas estarem
associadas a leses pontuais, quer desportivas ou acidentais, que podem levar falha dos
outros constituintes do joelho (como a rutura dos ligamentos e/ou necessidade de
meniscectomias totais ou parciais); por outro lado o envelhecimento da articulao com o
avanar da idade tambm um fator relevante no aparecimento da doena, (Buckwalter et al.,
2005; Ringdahl & Pandit, 1998). Estes aspetos contribuem para a evoluo da OA, uma vez
que se do modificaes na distribuio do padro das tenses geradas na cartilagem articular.
Entre os fatores de risco associados degradao e degenerao da cartilagem ao nvel do
joelho destacam-se o sexo feminino, pessoas obesas, idosas ou que tenham um passado clnico
de leso do joelho, (Ringdahl & Pandit, 1998). Em 2003, a Organizao Mundial de Sade
estimou que, a nvel mundial, a osteoartrose do joelho afetava cerca de 135 milhes de pessoas,
onde 40% da populao acima dos 70 anos; 80% dos doentes tinham algum grau de limitao
de movimento e 25% no eram capazes de realizar as suas atividades dirias principais,
(ONDOR, 2005). Em Portugal a informao sobre a epidemiologia da OA tem sido
considerada escassa, contudo a prevalncia de doena reumtica em Portugal situa-se entre
14,5% e 24,0%, o que por si s traduz o seu enorme peso no nosso pas, (Simes et al., 2013).
-
Captulo 1 3
Estima-se que, em Portugal, existam mais de dois milhes de pessoas com a doena, sendo
que cerca de 80% so pessoas com mais de 70 anos, (Augusto, 2014). O exerccio fsico, a
perda de peso e a aplicao de injees anti-inflamatrias podem diminuir a dor e melhorar a
funo do joelho, (Ringdahl & Pandit, 1998). No entanto, cada caso particular e no
possvel evitar completamente a doena, uma vez que se traduz num processo degenerativo
que acompanha o envelhecimento. A OA , por isso, uma doena crnica irreversvel.
So vrios os grupos de investigao que ao longo do tempo tm vindo a estudar as
caractersticas mecnicas da cartilagem, por forma a entenderem como se desenvolve a OA,
uma vez que este parece ser um fenmeno mecanicamente induzido, (Completo & Fonseca,
2011; Kazemi et al., 2013). Sendo assim, conhecer o comportamento mecnico da cartilagem
no seu estado saudvel, pode fornecer aspetos prvios que sero importantes no
desenvolvimento de situaes patolgicas.
Para conhecer o comportamento da cartilagem articular necessrio determinar as suas
propriedades mecnicas. Estas tm sido alvo de vrios estudos experimentais que permitiram
gerar modelos matemticos e protocolos de ensaio que pretendem alcanar um conhecimento
mais profundo acerca da resposta deste tecido carga. So vrias as tcnicas experimentais
usadas para medir e prever o comportamento mecnico deste tecido, sendo que, em
compresso, os ensaios mais comuns so os de compresso confinada, compresso
inconfinada e indentao, (Completo & Fonseca, 2011; Mansour, 2003; Sharpe, 2008). Os
modelos animais podem tornar-se ferramentas teis para o estudo e deliberao prvias das
melhores tcnicas a utilizar para estudos de interesse em material humano. A utilidade da
informao obtida atravs destes estudos depende dos aspetos em comum entre as
propriedades da cartilagem humana e animal, (Athanasiou et al., 1991). Para a caracterizao
da cartilagem tm vindo a ser estudados modelos de bovinos, sendo que as diferenas com o
tecido humano no so muito significativas. No so conhecidos muitos estudos realizados ao
nvel das propriedades mecnicas da cartilagem suna.
Uma outra abordagem propem solues analticas para determinao das tenses e
deformaes no tecido, bem como para a mecnica de contacto nas articulaes, de modo a
prever o comportamento quando o carregamento est implcito, (Huang et al., 2005; Mow et
al., 1989). Mais recentemente, a aplicao do mtodo de elementos finitos a modelos CAD 3D
usada para a anlise de tenses e deformaes em determinadas situaes de carga fisiolgica
ou patolgica, bem como para validao do comportamento mecnico consoante as
propriedades mecnicas adquiridas nos testes experimentais, (Abbass & Abdulateef, 2012;
Donahue et al., 2002; Y. Guo et al., 2009; John et al., 2013; Vidal et al., 2007; entre outros).
O conjunto de todas estas abordagens leva caracterizao da cartilagem articular,
importante na previso e preveno de situaes, quer normais, quer patolgicas.
-
4 Introduo
1.1. Objetivos
Com o presente trabalho pretende-se caracterizar a resposta mecnica da cartilagem articular
do joelho para compreender o funcionamento desta estrutura em situao normal. Pensa-se
que este um passo importante na previso do comportamento deste tecido em situaes de
patologia (osteoartrose) ou de acidentes. Este projeto de tese est inserido num grupo de
trabalho criado no mbito das atividades do LABIOMEP (Grupo do Joelho) que est focado
em caracterizar mecanicamente a articulao do joelho. Deste grupo surgiram trs temas de
dissertao relacionados com o estudo mecnico dos tecidos moles do joelho. O objetivo final
do grupo o de evoluir na rea da caracterizao mecnica experimental de tecidos, bem como
na simulao numrica da articulao do joelho a partir do estudo de cada uma das suas
estruturas em particular.
Esta dissertao tem como principal objetivo contribuir para a caracterizao do
comportamento biomecnico da cartilagem articular e divide-se essencialmente em duas
partes: (i) ensaios experimentais de compresso em amostras de cartilagem extradas de
joelhos de suno; (ii) criao de um modelo e simulao numrica de elementos finitos em
modelo tridimensional da articulao do joelho. Sendo assim, definiram-se os objetivos
especficos de:
Parte (i):
Obteno de amostras cilndricas de cartilagem e de cartilagem com osso subjacente;
Realizao de ensaios mecnicos de compresso confinada, compresso inconfinada
e testes de indentao;
Determinao experimental de propriedades mecnicas da cartilagem atravs dos
ensaios mecnicos realizados;
Parte (ii):
Gerao e utilizao de um modelo 3D de elementos finitos que contempla as
estruturas articulares do joelho importantes na caracterizao da cartilagem, que
comum a todos os projetos do Grupo do Joelho (modelo disponvel online atravs
do projeto Open Knee, (Erdemir & Sibole, 2010));
Focar a evoluo do modelo ao nvel da estrutura da cartilagem, dividindo-a em trs
partes fundamentais da morfologia deste tecido: zona superficial, zona mdia e zona
profunda;
Ajuste do modelo para simulao das propriedades mecnicas da cartilagem articular
em situaes especficas em estado normal e patolgico, atravs do mtodo de
elementos finitos;
Introduo das caractersticas mecnicas da cartilagem obtidas experimentalmente;
Validao do modelo numrico.
-
Captulo 1 5
1.2. Apresentao dos Captulos
Este trabalho encontra-se dividido em 9 captulos:
Captulo 1 - Introduo
feita uma introduo ao tema de dissertao, sendo definidos os seus objetivos e
apresentada a estrutura da dissertao.
Captulo 2 - Articulao do Joelho
Neste captulo feita uma breve descrio da terminologia anatmica elementar de
planos e eixos anatmicos, bem como a introduo estrutura e funo da articulao
do joelho. ainda focado neste captulo a mecnica do contacto, uma vez que o joelho
est sujeito a fenmenos de contacto, bem como os movimentos articulares desta
articulao.
Captulo 3 - Cartilagem Articular
Este o captulo que abrange toda a composio, estrutura e funo da cartilagem
articular, introduzindo ainda o seu comportamento mecano-eletroqumico (associado
aos componentes do tecido) e os motivos que levam sua falncia mecnica ou
desgaste. feita a descrio da osteoartrose, assim como de alguns dos procedimentos
cirrgicos mais comuns no tratamento da doena.
Captulo 4 - Biomecnica da Cartilagem Articular
Neste captulo so apresentados alguns conceitos fundamentais da mecnica dos
materiais que devem ser tidos em conta em qualquer estudo mecnico. feita uma
abordagem aos diferentes modelos constitutivos que hoje em dia so empregues numa
anlise de elementos finitos e so ainda caracterizados os ensaios mecnicos de
compresso que sero realizados em amostras de cartilagem de suno.
Captulo 5 - Ensaios Experimentais de Compresso
Este captulo apresenta toda a metodologia adotada para a realizao de ensaios
mecnicos de compresso em amostras de cartilagem. descrito o mtodo de recolha
de amostras, assim como os procedimentos de ensaios realizados. Por fim so
apresentados e analisados os resultados encontrados nesta fase de trabalho.
Captulo 6 - Modelao por Elementos Finitos
Este captulo pretende apresentar o mtodo de elementos finitos, sendo feita uma breve
histria da sua evoluo, bem como descritas as caractersticas que o definem. Nesta
-
6 Introduo
fase introduzido o trabalho realizado sobre o modelo de elementos finitos utilizado em
todo o projeto, no que diz respeito modelao da geometria da cartilagem, definio
da malha de elementos finitos, atribuio de propriedades mecnicas, aplicao de carga
e condies fronteira.
Captulo 7 - Simulao Numrica
Neste captulo so apresentados os resultados obtidos relativamente parte de
simulao numrica do modelo 3D da articulao do joelho. Foram estudadas situaes
de carga em dois estados da cartilagem do joelho saudvel e osteoartrtico e ainda a
introduo das caractersticas obtidas experimentalmente, atravs do clculo das tenses
e deformaes sofridas por cada um dos componentes do joelho, com especial nfase
para as cartilagens.
Captulo 8 - Discusso dos Resultados
Neste captulo so discutidos os resultados obtidos nas duas fases do trabalho,
apresentando-se as limitaes encontradas.
Captulo 9 - Concluso e Trabalho Futuro
Neste ltimo captulo so expostas as concluses do trabalho, a relevncia clnica do
presente estudo e sugestes para futuros desenvolvimentos do mesmo.
-
Captulo 2
Articulao do Joelho
Articulao do Joelho
O joelho a articulao intermdia do membro inferior e uma das articulaes mais
complexas do corpo humano. Por se situar entre dois ossos de grande comprimento (fmur e
tbia), suporta foras e momentos bastante elevados, tornando-se particularmente exposto a
leses, quer traumticas (relativas a acidentes), quer degenerativas (associadas ao desgaste ou
ao envelhecimento).
A articulao do joelho transmite cargas, participa no movimento, auxilia na conservao
do equilbrio e promove a amplificao das foras transmitidas perna.
Este captulo pretende introduzir os aspetos mais importantes da anatomia da articulao
do joelho, bem como a sua estrutura, sendo estes pontos essenciais para um melhor
entendimento do seu comportamento biomecnico.
2.1. Terminologia Anatmica Elementar
Existem termos especficos que descrevem a localizao e posio das regies do corpo.
Devido ao facto destes termos serem frequentemente utilizados ao longo da dissertao,
importante a familiarizao com os mesmos.
2.1.2. Posio Anatmica, Planos e Eixos de Referncia
A posio anatmica uma posio de referncia que d significado aos termos direcionais
utilizados na descrio das partes e regies do corpo humano. Nesta posio o corpo
encontra-se numa posio ortosttica (em p), com os membros superiores estendidos ao lado
do tronco e as palmas das mos voltadas para a frente; os membros inferiores e calcanhares
esto unidos e o olhar voltado para o horizonte. Na Figura 2.1(a) est representada a posio
-
8 Articulao do Joelho
anatmica. Segundo esta posio existem vrios eixos e planos (representados na Figura
2.1(b)), sendo que estes delimitam o corpo atravs de linhas ou planos imaginrios numa
determinada direo, (Duarte, 2009; Herlihy & Maebius, 2002; Seeley et al., 2014). Na mesma
imagem ainda possvel verificar alguns termos direcionais importantes, como distal e
proximal e anterior e posterior.
(a) (b)
Figura 2.1 - Ilustraes representativas de: (a) posio anatmica, (Adaptado de Duarte, 2009); (b) distribuio
dos eixos e planos do corpo e termos direcionais, (Adaptado de Nordin & Frankel, 2012).
2.2. Artrologia do Joelho
Uma articulao o local de encontro entre dois ou mais ossos, desempenhando a funo de
unio entre estes, e proporcionando mobilidade e flexibilidade ao esqueleto rgido, (Herlihy &
Maebius, 2002). As articulaes podem ser classificadas segundo a constituio dos tecidos
que fazem a conexo entre os componentes das mesmas, existindo trs tipos: fibrosas,
cartilagneas e sinoviais, (Duarte, 2009; Seeley et al., 2014). O joelho humano considerado
uma articulao sinovial (ou diartrose). Este tipo de articulao caracterizado por apresentar
grande amplitude de movimentos. Ostenta uma cpsula articular (Figura 2.2(a)), constituda
Plano
Frontal
Eixo Coronal Eixo Antero-
-Posterior
(ou Sagital)
Plano Transversal
(ou Axial)
Plano Sagital
Eixo
Longitudinal
Proximal
Distal
-
Captulo 2 9
por duas membranas - fibrosa externa e sinovial interna. Esta ltima encontra-se voltada para
a cavidade articular e a responsvel pela produo do lquido ou fluido sinovial, que
composto por cido hialurnico e tem a funo de lubrificar a articulao, diminuindo o atrito
entre as superfcies sseas, (Duarte, 2009; Herlihy & Maebius, 2002; Seeley et al., 2014). A
Figura 2.2(b) representativa destas estruturas, de acordo com a articulao do joelho.
(a) (b)
Figura 2.2 - Ilustrao da articulao do joelho: (a) cpsula articular intacta, (Adaptado de (eOrthopod: Medical
Multimedia Group, 2012); (b) cpsula articular em plano sagital, (Adaptado de Herlihy & Maebius, 2002).
Uma diartrose pode ser classificada de acordo com vrios critrios, (Duarte, 2009):
(i) quanto ao nmero de ossos articulados, sendo simples quando articulam dois ossos
ou compostas quando se d entre trs ou mais ossos;
(ii) quanto ao eixo de movimento, podendo ser classificada em monoaxial, biaxial ou
triaxial, dizendo, estes conceitos, respeito ao movimento em torno de um, dois ou
trs eixos, respetivamente;
(iii) quanto forma das superfcies articulares.
Em relao ao ltimo ponto existem vrias formas, sendo o joelho tradicionalmente
considerado como tipo dobradia (Figura 2.3(a)), (Duarte, 2009; Seeley et al., 2014). Este tipo
de analogia considera uma articulao uniaxial, onde um osso de forma convexa encaixa num
outro com uma concavidade correspondente, permitindo os movimentos de flexo e extenso
da perna, como se verifica na Figura 2.3(b). Contudo, sabe-se que o joelho apresenta tambm
movimentos de rotao, apresentando, na verdade, seis graus de liberdade (Figura 2.9),
(Nordin & Frankel, 2012; Seeley et al., 2014).
Fmur
Tbia
Cpsula
articular
Rtula
Membrana
sinovial
Lquido
sinovial
Menisco lateral
Cartilagem
articular
-
10 Articulao do Joelho
(a) (b)
Figura 2.3 - Movimentos da articulao do joelho: (a) analogia de dobradia; (b) movimentos de flexo e extenso;
(Adaptado de Seeley et al., 2014).
2.3. Estrutura do Joelho
A estrutura do joelho proporciona a transmisso de cargas no membro inferior e permite o
movimento do mesmo. Esta articulao combina uma grande variedade de tecidos altamente
especializados, que lhe proporcionam excelentes propriedades mecnicas. Todas as estruturas
que a constituem trabalham em conjunto para garantir a sua mobilidade e estabilidade,
permitindo a sua normal funo na mobilidade humana.
2.3.1. Ossos
A articulao do joelho o local de encontro entre dois dos ossos do membro inferior - o
fmur, osso da coxa; e a tbia, osso da perna. ainda composto por outro osso denominado de
rtula (ou patela), que se situa na parte anterior do joelho. Sendo assim, trata-se de uma dupla
articulao, uma vez que composto pela ligao dos cndilos da extremidade distal do fmur
com os cndilos da extremidade proximal da tbia (articulao tbio-femoral); e pela ligao
da extremidade distal anterior do fmur com a parte posterior da patela (articulao
patelo-femoral), (Duarte, 2009; Herlihy & Maebius, 2002).
Do lado lateral da tbia existe um outro osso, denominado pernio. Este no faz parte da
articulao do joelho, uma vez que no contribui para o movimento, contudo apresenta uma
superfcie articular com a parte proximal da tbia e o local de fixao de um dos ligamentos
principais da articulao do joelho, (Nordin & Frankel, 2012; Seeley et al., 2014).
Na Figura 2.4 esto representadas todas estas componentes sseas que integram o joelho.
-
Captulo 2 11
Figura 2.4 - Ossos do joelho humano (vista anterior), (Adaptado de eOrthopod: Medical Multimedia Group, 2012).
2.3.2. Tecidos Moles
Para alm dos ossos o joelho tambm constitudo por tecidos moles, sendo estes: os
ligamentos, os meniscos e as cartilagens articulares.
Os ligamentos so constitudos por tecido fibroso conectivo que tem como funo a ligao
dos ossos. Estas estruturas so essenciais para o funcionamento correto do joelho, uma vez
que providenciam a estabilidade da articulao, controlando o deslocamento da tbia em
relao ao fmur nas direes antero-posterior (atravs dos ligamentos cruzados) e
medial-lateral (pelos ligamentos colaterais. So quatro os ligamentos mais importantes do
joelho - ligamento cruzado anterior (LCA), ligamento cruzado posterior (LCP), ligamento
colateral lateral (LCL) e ligamento colateral medial (LCM), representados na Figura 2.5.
Existe ainda o ligamento patelar, fazendo a conexo entre a rtula com os dois grandes ossos,
fmur e tbia, (Herlihy & Maebius, 2002; Seeley et al., 2014).
Vista anterior Vista Posterior
Figura 2.5 - Diferentes ligamentos do joelho, (Adaptado de eOrthopod: Medical Multimedia Group, 2012).
LCM
LCL
LCA LCP
LCA
Fmur
Pernio
Rtula
Tbia
-
12 Articulao do Joelho
Os meniscos so duas estruturas semicirculares, com forma de C, e encontram-se
posicionados entre os ossos fmur e tbia, um de cada lado (lateral e medial), (Figura 2.6). Os
seus tecidos so estruturas fibrocartilaginosas e tm como principal funo o amortecimento
articular, assim como a distribuio do peso exercido sobre o joelho. Sem os meniscos, o peso
que provm do fmur seria concentrado num ponto especfico da tbia, no entanto, com a
presena desta estrutura, o peso espalhado pela superfcie do topo da tbia. Esta distribuio
do peso importante no sentido de proteo da cartilagem articular em relao a foras
excessivas ou concentrao de foras, o que poderia causar dano na superfcie deste tecido,
levando mais facilmente sua degenerao ao longo do tempo. Para alm disto, os meniscos
ajudam os ligamentos na manuteno da estabilidade da articulao, (Baquedano, 2004;
Seeley et al., 2014).
Figura 2.6 - Ilustrao da posio dos meniscos na articulao do joelho, (Adaptado de eOrthopod: Medical
Multimedia Group, 2012).
Outro dos componentes do joelho a cartilagem articular. Esta envolve as extremidades
distais do fmur, o topo da tbia e a face posterior da rtula, como se pode ver na Figura 2.7.
A cartilagem uma substncia com textura superficial escorregadia, que providencia uma
superfcie mais suave na zona de contacto entre os ossos, facilitando o movimento. Esta
estrutura o foco de toda a dissertao e, por isso, ser descrita pormenorizadamente no
captulo seguinte.
Figura 2.7 - Localizao das cartilagens articulares dos diferentes ossos do joelho, (Adaptado de eOrthopod:
Medical Multimedia Group, 2001).
Menisco Medial Menisco Lateral
Cartilagens Tibiais
Tbia Pernio
Cartilagem
Articular
Tbia
Fmur
Rtula
-
Captulo 2 13
2.4. Mecnica das Articulaes
O conceito de articulao inclui, necessariamente, o contacto entre duas ou mais superfcies
que, no caso das grandes articulaes do corpo humano (joelho; anca) so formadas por osso
revestido de cartilagem articular.
A principal funo da cartilagem a distribuio das cargas impostas ao osso de uma forma
uniforme sobre a superfcie articular, bem como a reduo do atrito e, consequentemente, o
desgaste das superfcies da articulao. Estas cargas podem ser extremamente variadas, sendo,
no caso do joelho, geralmente dinmicas, intermitentes e severas, (Baquedano, 2004). Os
valores das mesmas so elevados e no se devem apenas ao peso dos segmentos corporais e
cargas externas, mas tambm a foras inerciais e musculares que atuam para estabilizar a
articulao, e que se traduzem em tenses de contacto, (Baquedano, 2004; Completo &
Fonseca, 2011). Por sua vez, a transmisso destas cargas mecnicas produz fenmenos de
frico e desgaste, que so reduzidos devido estrutura e propriedades dos tecidos das
superfcies de contacto.
Posto isto, importante o estudo da mecnica do contacto, uma vez que a articulao do
joelho est fortemente envolvida em problemas de contacto entre as suas estruturas.
2.4.1. Mecnica do Contacto
A mecnica do contacto estuda as tenses e deformaes impostas quando as superfcies de
dois corpos slidos esto em contacto. Um problema de contacto normal resume-se ao contacto
entre dois corpos atravs de foras que so perpendiculares s suas superfcies, (Popov, 2010).
So distinguidos dois tipos de contacto: (i) contacto conformado, quando as superfcies dos
dois corpos se ajustam entre si sem que haja deformao; e (ii) contacto no-conformado, que
ocorre quando os corpos apresentam perfis dissimilares (caso do joelho humano), (Johnson,
1985).
A teoria de Hertz (ou Teoria Hertziana) assenta no pressuposto do contacto entre dois
slidos perfeitamente elsticos, isotrpicos e homogneos, (Campos, 1994), onde no existe
atrito, sendo que apenas transmitida uma presso normal entre os corpos, (Johnson, 1985).
As tenses de contacto Hertziano referem-se s tenses localizadas que se desenvolvem
nos materiais, devido ao contacto entre duas superfcies curvas que, ao se tocarem, se
deformam ligeiramente sob as cargas impostas. Esta quantidade de deformao dependente
do mdulo de elasticidade, ou mdulo de Young (), dos materiais em contacto. Sendo assim,
as tenses de contacto so encontradas em funo da carga normal aplicada, dos raios de
curvatura de ambos os corpos em contacto, bem como dos seus mdulos de elasticidade,
(Johnson, 1985; Popov, 2010).
-
14 Articulao do Joelho
Durante a ao de uma carga, os corpos deformam-se na vizinhana da zona inicial de
contacto, no havendo penetrao de material, e formando uma rea ou superfcie de contacto.
Esta rea relativamente pequena, em comparao com as dimenses dos corpos em contacto.
Estes so considerados como semi-espaos elsticos, onde as deformaes locais so
pequenas, mas as tenses geradas so elevadas e extremamente concentradas na regio da zona
de contacto, decrescendo rapidamente para pontos mais afastados do ponto inicial de contacto,
(Campos, 1994; Johnson, 1985; Popov, 2010). A Figura 2.8 representa um padro tpico de
tenses geradas numa rea de contacto. Este tipo de padro pode ser visvel com o uso de
tcnicas como a fotoelasticidade, onde a polarizao da luz alterada proporcionalmente
tenso de corte instalada, isto 1 2, (Sharpe, 2008).
A Teoria Hertziana diz respeito a uma situao ideal, no entanto, as articulaes do corpo
humano, e principalmente o joelho, apresentam uma geometria complexa que envolve atrito,
o que exige um estudo mais profundo sob o seu movimento, carregamento e tenses geradas.
Figura 2.8 - Padro de tenses obtidas por fotoelasticidade na regio de contacto, (Popov, 2010).
2.4.2. Fenmenos de contacto no joelho
Pelo facto da articulao do joelho se comportar com um efeito de dobradia (como descrito
em 2.2.), existem fenmenos de contacto associados entre as estruturas que a compe. Tendo
em conta a anatomia do joelho, desde logo se destacam cinco pares de contacto: (i) fmur e
cartilagem femoral; (ii) cartilagem femoral e cartilagem tibial, (iii) cartilagem femoral e
meniscos; (iv) meniscos e cartilagem tibial; e (v) cartilagem tibial e tbia, (John et al., 2013).
O movimento principal da articulao tbio-femoral o de flexo e extenso, sendo que
medida que este efetuado, as diferentes estruturas contactam entre si em pontos diferentes,
gerando foras de compresso. No entanto estas reaes ocorrem, quer a articulao esteja
parada, quer esteja em movimento, devido ao baixo coeficiente de atrito entre as superfcies
-
Captulo 2 15
articulares, proporcionado pelo fluido sinovial e superfcies suaves da cartilagem articular. A
direo destas foras de compresso depende das magnitudes e direes da carga funcional e
da fora muscular associada articulao. A articulao consegue a sua estabilizao atravs
das curvaturas das superfcies em contacto, sendo que, de forma voluntria, procura uma
posio de contacto consistente com a gerao de uma fora de reao apropriadamente
direcionada, (Completo & Fonseca, 2011). Vrios autores acreditam que os danos que ocorrem
ao nvel da cartilagem articular do joelho so mecanicamente induzidos pelas tenses de
contacto existentes na articulao, (Vidal et al., 2007; Donahue et al., 2002). Neste facto reside
o interesse no estudo de fatores mecnicos associados ao joelho.
Vrias investigaes tm reportado diferentes abordagens na anlise mecnica do joelho.
Os resultados publicados na literatura sugerem uma gama de tenses ao nvel da cartilagem
articular de 0.15-34 MPa, com diferentes configuraes de carregamento e variando a fora
imposta (700-2275 N), sendo que o lado medial da articulao do joelho , na maior parte dos
casos, o mais afetado, (Carter & Wong, 2003; Donahue et al., 2002; Y. Guo et al., 2009;
Kubcek & Florian, 2009; Mononen et al., 2011; Vidal et al., 2007). Os meniscos tm um
importante papel na distribuio da carga ao longo da articulao tbio-femoral, e neles que
se concentram os maiores valores de tenso associados ao carregamento por compresso de
toda a estrutura do joelho.
2.4.3. Desgaste das Articulaes
O desgaste das superfcies de contacto de uma articulao consiste numa perda de material das
mesmas devido a fatores mecnicos e qumicos, sendo este ltimo, geralmente, devido
corroso. Existem dois tipos principais de desgaste mecnico: (i) desgaste superficial, que
consequncia do contacto entre as superfcies e depende da rugosidade das mesmas, da rea
de contacto e da magnitude da carga aplicada; e (ii) desgaste por fadiga, devido a tenses e
deformaes cclicas geradas pela aplicao de cargas repetitivas, sendo dependente da
frequncia das cargas e das propriedades do material em questo, (Baquedano, 2004).
A taxa de desgaste nas articulaes humanas saudveis extremamente baixa. A
degradao do lquido sinovial ou da cartilagem articular conduz a um aumento do atrito e do
desgaste, acompanhado da reduo de mobilidade e de dor nas articulaes. No entanto, e
apesar da importncia deste problema, os processos de desgaste nas articulaes sinoviais so
ainda pouco compreendidos, (Completo & Fonseca, 2011).
2.5. Movimentos Articulares do Joelho
O joelho sustm foras e momentos bastante elevados, por se situar entre dois ossos de elevado
comprimento, o que o torna particularmente sujeito a leses. Deste modo, necessria uma
-
16 Articulao do Joelho
boa compreenso e anlise das foras e movimentos a que esta articulao est sujeita,
(Completo & Fonseca, 2011).
O movimento do joelho ocorre simultaneamente em trs planos: frontal, sagital e
transversal (Figura 2.9); contudo, para a maioria dos movimentos desta articulao, o plano
sagital dominante, (Completo & Fonseca, 2011; Nordin & Frankel, 2012).
Vrios msculos geram foras no joelho. Uma anlise biomecnica bsica pode resumir-se
ao movimento num plano e fora exercida por um grupo de msculos, sendo que esta
simplificao permite uma compreenso dos movimentos e uma previso das principais foras
e momentos no joelho, (Completo & Fonseca, 2011). Contudo, uma anlise dinmica mais
avanada da biomecnica desta articulao, inclui todos os tecidos moles, estruturas
complexas que continuam a ser objeto de investigao.
O estudo dos movimentos de uma qualquer articulao pressupe conceitos nas reas da
cinemtica e cintica, bem como da sua estabilidade.
2.5.1. Cinemtica do Joelho
A cinemtica o captulo da mecnica que estuda o movimento do corpo sem referenciar
foras ou massas, definindo e descrevendo a amplitude e a superfcie de movimento de uma
articulao, (Completo & Fonseca, 2011; Nordin & Frankel, 2012). Qualquer alterao destes
casos ir alterar a normal distribuio de cargas na articulao e resultar em consequncias
prejudiciais. Uma anlise cinemtica do ciclo de marcha de um indivduo permite medir o
movimento do joelho em todos os planos.
A amplitude de movimento da articulao tbio-femoral extremamente importante para
o desempenho do joelho nas vrias atividades fisiolgicas. Nesta articulao a amplitude de
movimento superior no plano sagital, sendo que o movimento varia dos 0 (extenso
mxima) para aproximadamente 140 (flexo mxima), (Completo & Fonseca, 2011).
O movimento no plano transversal, rotao interna-externa, influenciado pela posio da
articulao no plano sagital. A amplitude de rotao do joelho aumenta medida que este flete,
atingindo-se o mximo a 90 de flexo (representados na Figura 2.10(b)). Com o joelho nesta
ltima posio, a rotao externa e interna variam entre 0-45 e 0-30, respetivamente,
(Completo & Fonseca, 2011; Nordin & Frankel, 2012).
O movimento no plano frontal, varo-valgo, tambm afetado pelo movimento de flexo,
uma vez que a extenso completa do joelho limita praticamente a totalidade do movimento no
plano frontal, (Completo & Fonseca, 2011; Nordin & Frankel, 2012).
A articulao patelo-femoral revela um movimento de deslizamento, sendo que no
movimento de extenso-flexo a patela desliza sobre os cndilos do fmur, onde a rea de
contacto aumenta com a flexo do joelho e a fora exercida pelos msculos associados,
(Completo & Fonseca, 2011).
-
Captulo 2 17
Figura 2.9 - Representao geomtrica e designaes atribudas aos seis graus de liberdade na movimentao do
joelho, (Adaptado de Nordin & Frankel, 2012).
(a) (b)
Figura 2.10 - Movimentos do joelho: (a) Joelho em extenso; (b) Joelho fletido a 90; (Adaptado de Putz, 2006).
2.5.2. Cintica e Estabilidade do Joelho
A cintica o captulo da mecnica que estuda o movimento do corpo sob o efeito da ao de
foras e momentos, envolvendo, simultaneamente, uma anlise esttica e dinmica, (Nordin
& Frankel, 2012). As foras e momentos nas articulaes do joelho dependem do peso, da
ao muscular, da resistncia dos tecidos moles, das cargas externas, da atividade fsica e do
estado da articulao, (Completo & Fonseca, 2011).
Translao (Proximal/Distal)
Rotao (Interna/Externa)
Translao (Medial/Lateral)
Rotao (Flexo/Extenso)
Rotao (Varo/Valgo)
Translao (Anterior/Posterior)
-
18 Articulao do Joelho
O joelho encontra-se sujeito a tenses de contacto, formadas por esforos de compresso
que resultam do contacto entre as vrias estruturas do mesmo que ocorrem durante o
movimento. A direo destas foras depende das magnitudes e direes da carga funcional e
da fora muscular associada articulao do joelho, (Completo & Fonseca, 2011).
A estabilidade articular a capacidade que a articulao apresenta para manter uma
posio funcional apropriada ao longo de toda a amplitude de movimento. Uma articulao
estvel se, quando ao mover-se no seu campo de amplitude normal, for capaz de transferir as
cargas funcionais a que est sujeita, sem provocar dor, gerando foras de contacto de
intensidade normal nas superfcies da cartilagem articular, (Completo & Fonseca, 2011).
Sendo assim, a estabilidade articular torna-se um requisito essencial para que um indivduo
realize atividades dirias.
Todas as estruturas do joelho contribuem para a estabilidade deste durante o movimento.
Se uma destas estruturas est defeituosa ou alterada, h instabilidade da articulao e esta no
realiza a sua normal funo.
2.5.3. Ciclo de Marcha
A marcha uma sequncia repetitiva de movimentos rtmicos e alternados dos membros
inferiores que proporciona a locomoo anterior do corpo enquanto, simultaneamente, mantm
a estabilidade no apoio. Durante a marcha, um membro atua como suporte mvel estando em
contacto com o solo, enquanto o membro contra lateral avana no ar. Este conjunto de
movimentos repete-se de uma forma cclica e os membros invertem as suas funes a cada
passo. A sequncia simples do apoio e avano de um nico membro denominada de ciclo de
marcha, (Completo & Fonseca, 2011; Knudson, 2007; Nordin & Frankel, 2012).
O ciclo de marcha , ento, a sequncia de movimentos que ocorre entre dois contactos
sucessivos do mesmo p com o solo. As duas principais fases do ciclo de marcha so a fase de
apoio, em que o p est em contacto com a superfcie de apoio, e a fase de balano, que
corresponde ao perodo em que o p no est em contacto com a superfcie de apoio,
terminando esta fase no momento em que o calcanhar contacta novamente o solo. O ciclo de
marcha dura aproximadamente um segundo, sendo que a fase de apoio ocupa entre 51 a 60%
do ciclo e a fase de balano entre 38 a 40% do mesmo. Cada uma destas fases pode ainda ser
dividida em subfases, dependendo do grau de profundidade do estudo que as investiga,
(Completo & Fonseca, 2011).
A articulao do joelho uma das mais importantes na locomoo do indivduo, sendo
que, ao longo da marcha, esta adquire o movimento certo para que todas as fases do ciclo
sejam executadas. Ao caminhar o ngulo de flexo/extenso da sub-articulao tbio-femoral
vai-se alterando assim como as condies de carregamento impostas. As trs principais
subfases do ciclo de marcha onde so geradas cargas de interesse ao nvel do joelho
-
Captulo 2 19
encontram-se na fase de apoio unipodal, subdividindo-se em: (i) apoio do calcanhar (Figura
2.11(a)); (ii) apoio plantar (Figura 2.11(b)); e (iii) apoio dos dedos (Figura 2.11(c)). A
imposio de carga no joelho aquando o ato de caminhar tem vindo a ser estudada e algumas
investigaes concluem que estas trs subfases representam, respetivamente, os ngulos de
flexo da articulao tbio-femoral de 5.5, 15.5 e 4
top related