cadernos cepec vol.01 n.01
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ISSN 2238-118X
CADERNOS CEPEC
V. 1 N. 1 fevereiro de 2012
BORRACHA, NORDESTINO E FLORESTA: A ECONOMIA E A SOCIEDADE AMAZÔNICA NOS DOIS CICLOS GOMÍFEROS.
Wesley Pereira de Oliveira
José Raimundo Barreto Trindade
Nathalia Menezes Machado
Centro de Pesquisas Econômicas da Amazônia
5
CADERNOS CEPEC
Publicação do Programa de Pós-graduação em Economia da Universidade Federal do Pará Periodicidade Mensal – Volume 1 – N° 1 – Fevereiro de 2012 Reitor: Carlos Edilson de Oliveira Maneschy Vice Reitor: Horácio Shneider Pró-Reitor de Pesquisa e Pós Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho Instituto de Ciências Sociais Aplicadas Diretor: Marcelo Bentes Diniz Vice Diretora: Maria José de Souza Barbosa Coordenador do Mestrado em Economia: José Nilo de Oliveira Júnior Editores José Raimundo Barreto Trindade Sérgio Rivero Conselho Editorial Armando Souza Marcelo Diniz David Carvalho
Francisco Costa José Nilo José Trindade
Gilberto Marques Sérgio Rivero Gisalda Filgueiras
Raimundo Cota Danilo Fernandes
Comentários e Submissão de artigos devem ser encaminhados ao Centro de Pesquisas Econômicas da Amazônia, através do e-mail: cepec.ppge@gmail.com. Página na Internet: www.ufpa.br/cepec/
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Cadernos CEPEC
Missão e Política Editorial
Os Cadernos CEPEC constituem periódico mensal vinculado ao Programa de Pós-graduação
em Economia do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) da Universidade Federal do
Pará (UFPA). Sua missão precípua constitui no estabelecimento de um canal de debate e
divulgação de pesquisas originais na grande área das Ciências Sociais Aplicadas, apoiada
tanto nos Grupos de Pesquisa estabelecidos no PPGE, quanto em pesquisadores vinculados a
organismos nacionais e internacionais. A missão dos Cadernos CEPEC se articula com a
solidificação e desenvolvimento do Programa de Pós-graduação em Economia (PPGE),
estabelecido no ICSA.
A linha editorial dos Cadernos CEPEC recepciona textos de diferentes matizes teóricas das
ciências econômicas e sociais, que busquem tratar, preferencialmente, das inter-relações entre
as sociedades e economias amazônicas com a brasileira e mundial, seja se utilizando de
instrumentais históricos, sociológicos, estatísticos ou econométricos. A linha editorial
privilegia artigos que tratem de Desenvolvimento social, econômico e ambiental,
preferencialmente focados no mosaico que constitui as diferentes “Amazônias”, aceitando,
porém, contribuições que, sob enfoque inovador, problematize e seja propositivo acerca do
desenvolvimento brasileiro e, ou mesmo, mundial e suas implicações.
Nosso enfoque central, portanto, refere-se ao tratamento multidisciplinar dos temas referentes
ao Desenvolvimento das sociedades Amazônicas, considerando que não há uma restrição
dessa temática geral, na medida em que diversos temas conexos se integram. Vale observar
que a Amazônia Legal Brasileira ocupa aproximadamente 5,2 milhões de Km2, o que
corresponde a aproximadamente 60% do território brasileiro. Por outro lado, somente a
Amazônia brasileira detém, segundo o último censo, uma população de aproximadamente 23
milhões de brasileiros e constitui frente importante da expansão da acumulação capitalista não
somente no Brasil, como em outros seis países da América do Sul (Colômbia, Peru, Bolívia,
Guiana, Suriname, Venezuela), o que a torna uma questão central para o debate da integração
sul-americana.
Instruções para submissão de trabalhos
Os artigos em conformidade a linha editorial terão que ser submetidos aos editorialistas, em
Word, com no máximo 25 laudas de extensão (incluindo notas de referência, bibliografia e
anexos). Margens superior e inferior de 3,5 e direita e esquerda de 2,5. A citação de autores
deverá seguir o padrão seguinte: (Autor, data, página), caso haja mais de um artigo do mesmo
autor no mesmo ano deve-se usar letras minúsculas ao lado da data para fazer a diferenciação,
exemplo: (Rivero, 2011, p. 65 ou Rivero, 2011a, p. 65).
Os autores devem fornecer currículo resumido. O artigo deverá vir obrigatoriamente
acompanhado de Resumo de até no máximo 25 linhas e o respectivo Abstract.
7
1 INTRODUÇÃO 9
2 A ECONOMIA GOMÍFERA: O PRIMEIRO CICLO ECONÔMICO CAPITALISTA NA
AMAZÔNIA E SUA TENTATIVA DE “REMAKE” 10
2.2 A DECADÊNCIA DA ECONOMIA DA BORRACHA 14
2.3 A RETOMADA DA EXTRAÇÃO GOMÍFERA 16
3 ASPECTOS DA DEMOGRAFIA AMAZÔNICA NOS CICLOS DA BORRACHA 18
3.1 O PRIMEIRO CICLO DA BORRACHA 21
3.2 PERÍODO PÓS PRIMEIRO CICLO 23
3.3 OS SOLDADOS DA BORRACHA NO SEGUNDO CICLO 25
4 A SOCIEDADE DA BORRACHA: CONFLITOS DE INTERESSES E LIMITES DA
ACUMULAÇÃO CAPITALISTA NA AMAZÔNIA 24
4.1 A COMPOSIÇÃO DA SOCIEDADE AMAZÔNICA NA VIRADA PARA O SÉCULO XX 27
4.2 A SOCIEDADE A DERIVA APÓS A BELLE ÉPOQUE 28
4.3 OS INTERESSES SURGIDOS A PARTIR DO SEGUNDO CICLO E SUAS CONSEQUÊNCIAS 30
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 34
8
BORRACHA, NORDESTINO E FLORESTA: A ECONOMIA E A SOCIEDADE
AMAZÔNICA NOS DOIS CICLOS GOMÍFEROS
Wesley Pereira de Oliveira
Mestre em Economia (UFPA)
Doutorando em Economia (UnB)
wpoeconomia@yahoo.com.br
José Raimundo Barreto Trindade
Doutor em Desenvolvimento Econômico (UFPR)
Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia
da Universidade Federal do Pará (PPGE/UFPA)
jrtrindade@uol.com.br
Nathalia Menezes Machado
Bolsista de Iniciação Científica
Graduanda do Curso de Economia
nathaliamenezes12@hotmail.com
Resumo Este trabalho apresenta um “brief” panorâmico da história econômica da Amazônia dos dois ciclos da borracha e entre eles. Corresponde basicamente ao período compreendido entre a última década do século XIX e meados do século XX. Para uma melhor compreensão da relevância deste período para a região, é apresentado os comportamentos em termos de economia, demografia e sociedade em cada uma das fases: primeiro ciclo da borracha, pós-primeiro ciclo e segundo ciclo. O objetivo central do artigo é retomar a análise desses períodos demonstrando sua notória influência sobre as atuais sociedades brasileiras amazônicas. Palavras-chave: ciclo da borracha, economia amazônica, desenvolvimento. Abstract This paper presents a "brief" wide economic history of the Amazon and two rounds of rubber between them. Basically corresponds to the period between the last decade of the nineteenth and mid twentieth century. For a better understanding of the relevance of this period for the region, is presented behaviors in terms of economics, demography, and society in each of the phases: the first cycle of the rubber, after the first cycle and second cycle. The main objective of this paper is to resume the analysis of these periods showing his obvious influence on the current Brazilian Amazonian societies. Key-words: rubber cycle, economics Amazon development
Área temática: História Econômica Geral e Economia Internacional.
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1 INTRODUÇÃO
A economia amazônica teve seu momento de auge na virada do século XIX para o XX.
A atividade gomífera foi à força motriz da economia regional1 e proporcionou a
conformação de elites com elevado padrão de vida, tão expressivo que lhes davam
condições a tentar reproduzir o estilo de vida europeu. Este momento de apogeu ficou
conhecido como belle époque2 e marcou a sociedade da região. Findo este período – o
primeiro ciclo da borracha –, em meados dos anos 1910, só nos anos 40 que voltaria a
tentativa por parte do governo nacional de ressurgir a atividade gomífera, resultando no
segundo ciclo da borracha, sob condições e pressões internacionais distintas do primeiro
“boom da borracha”.
O presente trabalho visa apresentar as principais características econômicas e
demográficas da sociedade amazônica durante os dois ciclos da atividade gomífera,
destacando o comportamento da sociedade – tanto em termos sociais quanto políticos –
e também os aspectos econômicos durante os dois ciclos e entre eles. Parte-se, assim, do
período que Santos (1980) denomina de fase de expansão gomífera (1870/1910) e
encadeia-se com os interesses de retomada da produção durante a segunda guerra
mundial, ciclo bastante curto (1940/1950), porém de reais repercussões sobre a
economia amazônica.
As alterações, não somente econômicas, mas também institucionais e demográficas nos
dois períodos em tela, mas especialmente no primeiro ciclo gomífero, marcaram em
definitivo a sociedade amazônica, especialmente Belém e Manaus. Deste modo,
compreender o desenrolar dos acontecimentos no período em questão é de fundamental
relevância para auxiliar no entendimento do cenário amazônico no período do pós II
1 É possível falar em “economia regional” em função de dois aspectos: i) o ciclo econômico da borracha
estabeleceu uma rede de ligação entre os dois maiores núcleos citadinos da Amazônia: Belém e Manaus.
Diversos pontos interioranos de contato entre às áreas de produção e os portos de escoamento conformam
a malha regional (Santos, 1980; Leal, 2010); ii) as relações e condições de exploração econômica, assim
como sua integração a economia nacional, eram semelhantes: marcadamente fundadas em maior interação
com as economias forâneas e centradas no extrativismo com uso do “aviamento” nas relações de
trabalho. 2 Diversos trabalhos historiográficos e em menor número de história-econômica ressaltam a
especificidade econômica e social desse período. Destacaríamos, entre outros, três trabalhos bastante
elucidativos: TOCANTINS (1982); SANTOS (1980) e SARGES (2000:17). Especialmente SARGES
(2000) confere destaque ao desenvolvimento urbano e a conformação da elite local a partir da
estruturação de uma “nova ordem econômica”, centrada no ciclo extrativista e exportador gomífero.
10
Guerra Mundial. Buscará também pontuar as diferenças de concepções ideológicas das
elites locais durante o período analisado, destacando os interesses contidos no discurso
das classes dominantes com o passar de um ciclo para outro e entre eles, assim como a
atenção (ou a falta dela) dada pelo governo central à região amazônica.
Assim, o trabalho está dividido em cinco partes. Além desta introdução, a segunda
seção apresenta as características econômicas, já os aspectos demográficos da região são
apresentados na seção seguinte, enquanto na quarta seção faz-se uma análise da
sociedade como um todo, levando em consideração o desempenho conjunto dos
aspectos das duas seções anteriores, por fim têm-se as considerações finais.
2 A ECONOMIA GOMÍFERA: O PRIMEIRO CICLO ECONÔMICO
CAPITALISTA NA AMAZÔNIA E SUA TENTATIVA DE “REMAKE”3
A produção e exportação gomífera no período entre 1870 e 1920 constituiu o primeiro
grande momento de exploração econômica centrada na acumulação de capital da Região
Amazônica. Como destaca Leal (2010:105) a Amazônia “deixa de ser mero espaço de
suprimento para a subsistência suntuária da metrópole, e passa a se integrar,
diretamente, ao circuito internacional da Acumulação”. Neste sentido, a sociedade que
se conforma e as próprias relações demográficas e citadinas estiveram na dependência
do ciclo da borracha.
Durante o período da segunda guerra (1940/1950) se buscará restabelecer a produção e
comercialização em escala de borracha amazônica, com novas repercussões,
especialmente demográficas, como se demonstrará, porém extremamente mais tímidos
que o derradeiro ciclo histórico.
3 O termo a ser utilizado seria “repetição” ou “refazer”, porém considerando a historicidade da influência
estadunidense na tentativa de soerguimento da produção amazônica de borracha preferiu-se o termo
inglês “remake”.
11
2.1 A FASE DE EXPANSÃO DA ATIVIDADE GOMÍFERA
Ao tecer sobre as fases de crescimento econômico da Amazônia, Santos (1980), em seu
célebre livro História Econômica da Amazônia (1800-1920), sugere uma periodização
do processo de crescimento amazônico como sendo constituído em cinco fases, a saber,
i) fase de decadência: 1800-1840; ii) fase da expansão gomífera: 1840-1910; iii) fase de
declínio: 1910-1920; iv) fase não caracterizada (recuperação?): 1920-1940; e v) fase de
crescimento moderado: 1940-1970.
Será dada atenção especial aos fatos econômicos da fase de expansão gomífera por ser o
momento áureo da economia regional, caracterizado como de maior exuberância de
riqueza e marcado pela realização de eventos e construção de prédios semelhantes aos
observados no cenário europeu naquele momento.
A fase de expansão gomífera, com destaque ao final do século XIX, foi marcada na
Amazônia como um período de ouro, a Belle Époque. Certamente, os ganhos e
investimentos eram restritos aos exportadores de borracha e Belém e Manaus eram
basicamente os centros concentradores de toda a riqueza gerada na extração gomífera.
Toda a riqueza do período deve-se ao fato de a Amazônia ser praticamente o único lugar
do mundo com produção de borracha. Como a demanda mundial pelo produto estava
em constante aumento devido, principalmente, ao desenvolvimento da indústria
automobilística, as exportações só aumentavam.
Conforme se pode observar no Gráfico 1, a exportação da borracha tem no período
1890-1910 seu momento áureo. O ano de pico da série foi em 1912, com quantidade
exportada acima de 42 mil toneladas de borracha. A partir daí o que se observa são
quedas na quantidade exportada que só viria a apresentar elevações (menos intensas) na
segunda metade da década de 1920 e durante a II Guerra Mundial.
12
Gráfico 1 - Exportações brasileiras de borracha, 1850-1970
Fonte: Estatísticas do Século XX, IBGE (2003).
Nota: Os dados apresentados referem-se, de 1850 a 1900, à borracha não especificada; de 1901 a 1950, inclusive gomas naturais,
látex líquido e quaisquer outras gomas e borrachas de mangabeira, maniçoba, seringueira, guta-percha, balata, caucho e outros vegetais.
Para reforçar a relevância da borracha no cenário nacional, o Gráfico 2 abaixo mostra
algumas informações interessantes. A exportação de borracha só aumentava no começo
do século XX. Em 1901, o produto já tinha participação relevante nas exportações
brasileiras (21%), e nos seguintes foi só aumentando, de tal maneira que em 1910
chegou a representar 40% de tudo que era exportado pelo país. Tecendo um
comparativo com a exportação do café, principal produto de exportação, observa-se que
em 1910 os dois tinham praticamente a mesma participação nas exportações do país
(40% borracha contra 41% de café).
Gráfico 2 - Exportações brasileiras e participação da exportação de borracha e
café na balança comercial do Brasil: 1901-1920
Fonte: Estatísticas do Século XX, IBGE (2003).
Elaboração própria.
13
É interessante frisar também a questão do câmbio. Na virada do século XIX, a moeda
nacional estava bastante desvalorizada em relação ao dólar: em 1900 o câmbio estava
em 6,6 Réis/US$. Porém, nos anos seguintes, observa-se uma valorização contínua da
moeda nacional, chegando a 3,0 Réis/US$ em 1910, conforme as Estatísticas do Século
XX (IBGE, 2003). Neste período, devido sua relevância nas exportações, a borracha foi
a segunda principal responsável pela receita cambial do Brasil – ficando apenas atrás do
café (PANDOLFO, 1994).
As possíveis repercussões do formidável “boom” centrado na extração “helvética”,
foram variadas como destacam diversos autores (SANTOS, 1980; SARGES, 2000;
LEAL, 2010), contudo dois aspectos devem ser ressaltados: i) parcela considerável da
força de trabalho existente (original ou migrada) era absorvida pelos processos
produtivos de extração, transporte e comercialização da borracha, o que dificultava o
desenvolvimento reprodutivo de outros segmentos; ii) semelhante à força de trabalho, a
massa de capita-dinheiro era atraída e utilizada nos esquemas reprodutivos do setor
gomífero, produzindo o efeito de escasseamento e elevação dos custos de forma
generalizada em outros setores.
Como observou Santos (1980:216-217) “a história da borracha até 1910 revela uma
resistência excepcional às tendências depressivas de longo prazo que atuaram na
economia dos maiores centros”, o que pode ser denotado pelo comportamento dos
preços dessa matéria-prima ao longo do ciclo, como pode ser visto no Gráfico 3, que se
mantêm acima de uma média de £250,0/Ton ao longo de duas décadas (1890/1910), o
que se explica pela efervescência da acumulação capitalista no período e pela
centralidade que a indústria automotiva irá tomar neste modo de produção.
Essa “virtuosidade”, demonstrada pela escala de crescimento das exportações durante o
longo período de 1850/1912 (conferir Gráfico 1), contraditoriamente, na ausência de
políticas nacionais ou regionais de regulação e planejamento do desenvolvimento, foi o
mesmo motivo que impossibilitou as condições de estruturação econômica regional em
outras bases e levou a decadência e estagnação da economia amazônica durante um
longo período no século XX.
14
2.2 A DECADÊNCIA DA ECONOMIA DA BORRACHA
O boom da atividade extrativa da borracha – e toda a riqueza gerada no período de
expansão – só aumentou a dependência da economia amazônica à borracha. Longe de
ter outra atividade econômica com relevância pelo menos similar à extração gomífera, a
Amazônia e os seus dois principais centros urbanos (Belém e Manaus) se tornou
extremamente dependente da produção e exportação daquela matéria-prima.
A dependência de um único produto requer, entre outros pontos, a necessidade de que
sempre haja demanda por ele. Outro problema é a questão do preço. Os preços
internacionais passam a apresentar considerável volatilidade a partir da metade da
segunda década do século XX, e isso foi motivo de reclamação por parte dos
produtores. O declínio dos preços internacionais deveu-se a produção asiática que, pós
1910, aumentou de forma expressiva, tornando-se forte concorrente da produção
amazônica, resultando em vertiginosa queda nas exportações. O choque foi tão grande
que a participação da borracha nas exportações do país caiu de 40% em 1910 para
menos de 5% apenas 10 anos depois (ver Gráfico 2).
Assim, pode-se dizer que os motivos que levaram a economia amazônica ao colapso no
período intitulado de “fase de declínio” são diversos, porém um se destaca. Como a
força motriz da economia amazônica era baseada na extração gomífera, a concorrência
com a produção de borracha asiática às vésperas da Primeira Guerra Mundial (1914-18)
resultou em crise na Amazônia. A produção asiática foi resultante do plantio de mudas
originadas na Amazônia, porém tecnicamente melhoradas, por outro o processo
produtivo racionalizado, vis-à-vis a característica extrativista da produção amazônica,
possibilitou maior produtividade e custos produtivos menores, portanto mais
competitivos no mercado internacional. O resultado foi uma crescente elevação da
oferta do produto no mercado mundial e o consequente declínio de preços,
principalmente entre 1911 e 1914 (SANTOS, 1980), antevéspera da primeira guerra
mundial.
Nessa mesma direção, Pandolfo (1994) complementa afirmando que após o momento
de auge da borracha, o que se verificou na Amazônia foi
15
... um longo período letárgico de 30 anos (1910-1940), de profunda
decadência, quando o produto amazônico foi desbancado do comércio
internacional pela borracha oriundas dos seringais de cultivo do Extremo
Oriente, que chegava ao mercado em quantidades crescentes, de qualidade
superior e de menor preço, fazendo rever a região às suas tendências
históricas de estagnação econômica (PANDOLFO, 1994, p. 46).
Conforme comentado por Santos (1980) e Pandolfo (1994), os preços da borracha após
1910 começaram a despencar de maneira expressiva. O preço da tonelada de borracha
exportada estava em cerca de 160 libras/ton no começo da última década do século
XIX, em quase 300 libras/ton em 1900, atingindo depois 639 libras/ton em 1910. O
Gráfico 3 abaixo mostra o comportamento dos preços de exportação do produto.
Gráfico 3 - Preço da borracha exportada pelo Brasil em libras/ton.: 1888-1939
Fonte: Estatísticas do Século XX (IBGE), 2003. Elaboração própria.
Ainda sobre o comércio mundial da borracha, Furtado (2007) faz uma divisão em dois
momentos. O primeiro caracterizado pela grande demanda mundial por borracha e a
conseguinte elevação dos preços, uma vez que somente a Amazônia era fornecedora. O
outro momento é quando a oferta asiática surge e equilibra mais o preço da borracha no
mercado.
Nas palavras do referido autor:
A primeira fase da economia da borracha se desenvolve totalmente na
região amazônica e está marcada pelas grandes dificuldades que apresenta o
meio. Os preços continuam sua marcha ascensional, alcançando, no triênio
1909-11, a média de 512 libras por tonelada, ou seja, mais que decuplicando
o nível que prevalecerá na segunda metade do século anterior. Essa enorme
16
elevação de preços indica claramente que a oferta de borracha era
inadequada e que uma solução alternativa de surgir. Com efeito, ao
introduzir-se a borracha oriental de modo regular no mercado, depois da
Primeira Guerra Mundial, os preços do produto se reduziram de forma
permanente a um nível algo inferior a cem libras por tonelada (FURTADO,
2007, p. 191).
Frente esse quadro crítico, impulsionado pela queda do preço da borracha, o governo
central começou a agir no sentindo de promover a ocupação do espaço amazônico via
imigração da população e de investimentos (BECKER, 2009). Vale destacar nessa fase
a tentativa de Henry Ford implantar um centro produtor de borracha na região: a
Fordlândia, no Pará. A ideia era ter produção própria de borracha visava fazer frente ao
cartel britânico do produto. Porém, a investida de Ford na região não foi bem sucedida.
Dean (1989) cita que além da dificuldade no tratamento de fungos, os problemas com
força de trabalho foram igualmente de fundamental importância para o fracasso do
projeto. A pouca disponibilidade de mão de obra era um dos entraves. Conforme
destaca o autor supracitado, "o boom da borracha ocupava cerca de 150.000
trabalhadores, porém muitos dos que sobreviveram à experiência retornaram a seu
Nordeste natal” (p. 125). Porém, ainda segundo o autor, o maior problema “era o fato de
que, decorridos trezes anos e efetuados um investimento de quase 10,5 milhões de
dólares e o plantio de 3.650.000 seringueiras, praticamente não havia uma sequer em
condições de ser explorada” (p. 127).
2.3 A RETOMADA DA EXTRAÇÃO GOMÍFERA
Na fase caracterizada por Santos (1980) como de “crescimento moderado”, o início da
II Guerra Mundial (1939-45) faz com que as atenções se voltem novamente para a
Amazônia. Os Estados Unidos estreitam relações com os outros países do continente
americano visando evitar que estes iniciassem/intensificassem contatos com países do
outro eixo.
No caso da relação com o Brasil, os estadunidenses pretendiam, entre outras coisas,
resgatar a extração gomífera para atender principalmente à necessidade de matéria-
prima para a indústria bélica e automobilística. O interesse dos EUA em incentivar a
retomada da produção do produto na Amazônia deveu-se ao fato de que os grandes
produtores de borracha (Malásia e Ceilão) caíram no domínio do Império Japonês.
17
Como possuía em seu histórico o fato de ter sido o principal fornecedor mundial de
borracha no início do século, o Brasil foi incentivado e apoiado pelos EUA na retomada
da produção de borracha na Amazônia no intuito de que a necessidade norte-americana
pelo produto fosse atendida.
Foram assinados os, assim denominados, “Acordos de Washington” (1942), que
incluíam, entre outras coisas, a criação de um fundo para o desenvolvimento da
produção de borracha. O governo brasileiro forneceria os seringais, ficaria responsável
por 52% do capital mais a mão de obra, enquanto o governo estadunidense entraria com
o restante do capital para a criação de um órgão que financiasse a extração da borracha.
Neste sentido, foi criado o Banco de Crédito da Borracha, em 1942. É o início do
segundo ciclo da borracha na Amazônia, tentativa, agora direcionado e com forte
presença do Estado, de “remake” do período anterior.
Pandolfo destaca algumas relevantes medidas tomadas neste momento:
Dentre as medidas econômico-sociais e institucionais adotadas nessa
oportunidade merecem destaque: a criação do Banco da Borracha, cujas
atividades foram depois ampliadas e diversificadas, em sucessivas
transformações, até chegar ao atual estágio de Banco da Amazônia S.A –
Basa; a criação do Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp), sob os
auspícios da Fundação Rockfeller, que desempenhou um notável programa
de saneamento no interior amazônico; auxílio às atividades de pesquisa,
com ênfase às pesquisas sobre borracha, em execução pelo antigo Instituto
de Agronômico do Norte, então recém-criado, que, através de diversas
mudanças institucionais, constitui atualmente o Centro de Pesquisas
Agroflorestais da Amazônia Oriental (CPATU, da Embrapa), além de
consideráveis melhorias nas bases operacionais instaladas nos aeroportos da
região, já que todo o movimento de transporte da borracha produzida para
os Estados Unidos, assim como o suprimento de alimentos e materiais
diversos para os seringais, era feito por via aérea, em face do bloqueio
marítimo da costa brasileira (PANDOLFO, 1994, p. 47).
Finda a Segunda Guerra Mundial e com a consequente derrota do Japão, a produção da
borracha é praticamente estancada na região amazônica. Permanece parte da estrutura
institucional criada para o segundo ciclo da borracha e que irá desempenhar papel
relevante na dinâmica econômica posterior nas décadas de 50 e 60. Por outro, fruto do
esforço de soerguimento da produção gomífera observou-se forte movimento
migratório, induzido pela campanha pró-borracha (os „soldados da borracha‟), aspecto
que será analisado na seção 3.3.
18
Também depois da guerra, dois aspectos são de grande importância a serem frisados: i)
reforça-se o interesse internacional pelos abundantes recursos naturais da Amazônia4.
Neste momento, percebendo tal situação, o governo começa a tomar medidas mais
enérgicas objetivando demarcar o espaço amazônico.
Como observado, a “malha institucional”, fruto deste curto período de retomada da
produção da borracha, terá importância relevante para o desenvolvimento da região
amazônica em momentos posteriores. Um exemplo, já comentado na citação acima, é a
conversão do Banco de Crédito da Borracha em Banco de Crédito da Amazônia S.A.
(em 1950) e, finalmente, em Banco da Amazônia S. A. (BASA, 1968). No capítulo
seguinte deste trabalho estas mudanças na instituição financeira serão reportadas com
mais detalhes.
Paralelo aos acontecimentos amazônicos a partir dos anos 1940, o mercado da borracha
nacional ganhava cada vez mais importância. Suzigan (1986) relembra que no começo
do século (1907) a indústria de artefatos de borracha estava em situação de
subdesenvolvimento, com apenas dois pequenos estabelecimentos fabricantes de artigos
de borracha, estando localizados no Rio de Janeiro. Com as concessões de incentivos do
governo na década de 1920 aos que quisessem instalar ou expandir fábricas de artefatos
de borracha várias empresas se beneficiaram.
Das empresas, quase todas eram de pequeno porte, com apenas duas maiores se
destacando. Uma era a Sociedade Anônima Fábricas Orion (de São Paulo), a outra era a
Companhia Brasileira de Artefatos de Borracha (localizada no Rio de Janeiro), sendo a
mais importante. Esta última já existia sob outro nome, mas em 1921 foi comprada e
pretendia-se realizar medidas à sua ampliação para produzir pneus e câmaras de ar,
resultando, então na CBAB. Sobre os incentivos governamentais concedidos a ela,
Suzigan (1986, p. 303) revela que o “governo concederia à empresa isenção de direitos
de importação sobre toda a maquinaria, aparelhos e materiais ainda não produzidos no
4 Como mostra Aluísio Leal (2010:102) em sua excelente “Sinopse Histórica da Amazônia”, não houve
momento nos últimos três séculos que essa região não tivesse despertado os mais diversos interesses
colonialistas ou de domínio econômico. Esse autor ressalta, por exemplo, que já na primeira metade do
século XIX se “testemunha uma avalanche de investigações sobre as características naturais da Amazônia
associadas à intenção de controlá-la, por parte das potências capitalistas da época, devido ao potencial de
contribuição à Acumulação que a Região representava”.
19
país e que pudessem ser necessários para a construção e instalação da fábrica ou sua
expansão”. O autor lembra que esta empresa não foi bem sucedida e, já final da mesma
década, teve que passar por reformulação, o que adiantou muita coisa.
Como fatores que influenciaram negativamente sobre a produção nacional de borracha,
o autor cita a grande distância e os elevados custos de frente entre as áreas produtoras e
os centros consumidores. Tinha também como entrave a carência de mão de obra
qualificada e até o alto custo da energia elétrica.
Mas a partir de 1930 a produção nacional de artefatos de borracha começou a apresentar
algum progresso, impulsionada principalmente pela continuação e intensificação dos
incentivos governamentais à indústria (SUZIGAN, 1986). Como resultado, a quantidade
de fábricas e a produção de pneus e câmaras de ar aumentaram consideravelmente. Para
se ter uma ideia, a produção de pneumáticos para veículos a motor que foi de 100 mil
unidades em 1939 teve sua quantidade mais que decuplicada uma década depois e
continuou a aumentar na década de 1950. O valor da produção industrial de borracha no
país teve forte crescimento, saindo de Cr$ 92 milhões em 1939 para quase Cr$ 30
bilhões em 1959. O número de estabelecimentos industriais do setor da borracha, não
obstante, aumentou substancialmente, de 65 em 1939 para 339 em 1959.
O que se tem, então, é o aumento da produção da borracha a partir da segunda metade
da década de 1930 e uma intensificação a partir de 1942 (por conta dos “Acordos de
Washington”, como já mencionado anteriormente). O Gráfico 4 a seguir mostra a
comportamento da produção e da exportação da borracha5, onde se percebe nos últimos
12 anos da série um descolamento das curvas, ou seja, menor parcela da produção
estava sendo exportada. Pode-se dizer mais ainda: a diferença entre as curvas era a parte
da produção destinada ao mercado nacional. E, com o fim da guerra, observa-se um
descolamento mais brusco a partir de 1945, sendo mais produto destinado para atender a
demanda interna pela borracha.
5 O Gráfico 1 apresenta uma série mais longa para a exportação da borracha.
20
Gráfico 4 - Produção e exportação de borracha, Brasil: 1900-1947
Fonte: IBGE (2003) e IPEA (2011).
O problema em tudo isso era a dificuldade da produção nacional da borracha dar conta
da crescente demanda, principalmente considerando que sua estrutura produtiva se
manteve bastante atrasada, aliada aos problemas naturais que dificultava uma cultura
mais racionalizada. Esses aspectos geravam permanente tensão entre os fornecedores do
produto da região amazônica que faziam pressão sobre o governo para manter a política
de preço mínimo do produto e, por outro, os industrialistas do centro-sul que
pressionavam e, quase sempre levavam a melhor, por um preço livre e também para o
governo autorizar a importação do produto que tinha menor preço do que a borracha
amazônica.
Fruto dessa pressão foi a liberação das importações a partir de 1951, sendo que já no
final da década a importação era maior do que a produção nacional, como enfatizado em
relatório da SPVEA (1960b, p. 322): “...em 1959, foi preciso importar 36,4 mil
toneladas de borracha. Incluem-se aí cerca de 26 mil toneladas de borracha natural,
quantidade superior à produção nacional, no mesmo ano, quando mal se alcançou 20
mil toneladas”.
21
3 ASPECTOS DA DEMOGRAFIA AMAZÔNICA NOS CICLOS DA
BORRACHA
A demografia da região amazônica durante o período aqui estudado tem comportamento
diretamente relacionado com o desempenho da economia da borracha. Assim, mostra-se
o comportamento pendular dos movimentos populacionais durante i) o primeiro ciclo da
borracha, com destaque à população nas duas grandes capitais da região, Belém e
Manaus; ii) a influência dos anos de decadência econômica e iii) durante a retomada da
atividade gomífera que caracterizou o segundo ciclo da borracha.
3.1 O PRIMEIRO CICLO DA BORRACHA
O crescimento da produção gomífera, a fim de atender a crescente demanda
internacional pela borracha, gerou também uma expressiva elevação populacional, tanto
nas duas grandes capitais amazônicas (ver Tabela 1 abaixo), quanto no hinterland
regional. Belém, que tinha 50 mil habitantes em 1890, tem sua população quase que
quadruplicada 20 anos depois; enquanto Manaus, no mesmo período, tem sua população
aumentada de 38,7 mil para quase 65 mil habitantes. É importante enfatizar a questão
assinalada por Furtado (2007, p. 192) sobre o sistema produtivo baseado no
extrativismo e nas relações de aviamento, segundo ele o “aumento expressivo” (da
produção) “deveu-se exclusivamente ao influxo de mão-de-obra, pois os métodos de
produção em nada se modificaram”. Esse influxo de mão-de-obra proveniente,
principalmente, do Nordeste reconfigura parcialmente a estrutura populacional
amazônica.
Tabela 1 - População em Belém e Manaus nos anos 1890, 1900 e 1910
Capitais 1890 1900 1910
Belém 50.064 96.560 190.000
Manaus 38.720 50.300 64.614 Fonte: Estatísticas do Século XX, IBGE (2003).
Analisando as estatísticas populacionais para os estados do Pará e do Amazonas (Tabela
2), observa-se um salto igualmente expressivo. A participação da população dos dois
estados na composição nacional apresentou aumento considerável. O Pará, por exemplo,
detinha 2,3% da população nacional em 1890 e, 20 anos depois, aumenta para 3,35%.
Furtado (2007) comenta ainda que a imigração foi possível porque havia um excedente
22
de mão de obra nordestina disponível, uma vez que a atividade cafeeira no período
supriu sua necessidade de mão de obra via incentivos governamentais à imigração de
trabalhadores europeus.
Tabela 2 - População do Brasil e dos estados do Pará e do Amazonas: 1872/1910
Estados 1872 1890 1900 1910
Pará 275.237 328.455 445.356 783.845
Amazonas 57.610 147.915 249.756 358.695
Brasil 10.112.061 14.333.915 17.318.556 23.414.177
%_Pará 2,72 2,29 2,57 3,35
%_Amazonas 0,57 1,03 1,44 1,53
Fonte: Estatísticas do Século XX, IBGE (2003).
Esse aumento populacional, como é sabido, não veio acompanhado de melhorias para
atender todo esse aglomerado que estava se formando. Dentre os resultados, podem ser
citados o crescimento desordenado da ocupação urbana e o aumento de mortes por
motivos diversos (os serviços de saúde não cresceram na mesma proporção da
população). É certo que apenas uma pequena parcela da população usufruía da riqueza
gerada no ciclo da borracha e que poucos municípios foram beneficiados com recursos
da extração gomífera.
Nazaré Sarges (2000:90) detalha, a partir de documentos de época, que o incremento
demográfico produziu a reorganização urbana da cidade de Belém, sendo que a
intervenção do Estado foi extremamente forte, especialmente no chamado período
“lemista”, entre 1897 e 1910, quando a capital do Pará foi administrada pelo intendente
Antônio Lemos. Vale observar, como demonstra a autora anteriormente citada, que
Belém até hoje guarda características que são resultantes dessa administração.
Os números de evolução populacional mostram que os fluxos migratórios eram
provenientes principalmente do atual estado do Ceará, sendo uma população que vinha,
em grande medida, “fugida” das secas que afligiam a região nordestina. Por mais que os
números mostrem que não havia escassez de mão-de-obra para fazer frente à expansão
da produção gomífera, porém existe certo entendimento analítico (SANTOS, 1980;
LEAL, 2010), que havia falta de força de trabalho em setores importantes da economia,
especialmente na agricultura e setores da indústria.
23
Santos (1980:112-113) ponderou que “a procura (no setor gomífero) tinha toda a força
de trabalho que podia obter, suposto certo volume de capital, mas não tinha tanta quanto
desejava”, por outro, o autor em tela reforça a percepção já posta quanto aos demais
segmentos da economia, segundo ele “a agricultura passava por maus momentos. Em
determinadas culturas, o braço era velho ou feminil...; em outras, a carência de pessoal
causava apreensões às empresas, por redundar em aumento de salários...”.
Esses aspectos devem ser melhor analisados para se abstrair possíveis consequências
referentes ao debate de não ter havido capacidade de estruturação de outros segmentos
produtivos na economia amazônica, que possibilitasse o desenvolvimento da
acumulação capitalista encerrado o referido ciclo gomífero. Como se processou a
dinâmica reprodutiva do capital envolvido na borracha, aliado a esse “efeito sucção” da
força de trabalho, absorvendo quase toda ela, nos parece causas centrais do desiderato
da sociedade amazônica nas décadas seguintes.
3.2 PERÍODO PÓS PRIMEIRO CICLO
Com o fim dos anos dourados da atividade gomífera, a demografia da região passou por
mudança nos anos de decadência da economia amazônica. Observa-se um refluxo dos
trabalhadores que foram à região em virtude da extração de borracha.
O fim do primeiro ciclo da borracha fez com que muitos seringueiros voltassem para
suas regiões de origem. No Acre e Pará, por exemplo, houve redução populacional. Em
1920, o Pará tinha cerca de 983 mil habitantes, e em 1940 diminuiu para 944 mil; já o
Acre saiu de 92 mil para 80 mil, no mesmo período. A Amazonas foi o único que
apresentou aumento populacional no período (ver Tabela 3 a seguir).
24
Tabela 3 - População dos Estados do Pará, Amazonas e Acre (e capitais): 1920,
1940 e 1950
UF e capital 1920 1940 1950
Pará
983.507 944.644
1.123.273
Belém
236.402 206.331
254.949
Amazonas
363.166 438.008
514.099
Manaus
75.704 106.399
139.620
Acre
92.379 79.768
114.755
Rio Branco
19.930 16.038
28.246
Fonte: Estatísticas do Século XX, IBGE (2003).
Sobre esse movimento migratório, Furtado (2007) compara com o ocorrido na atividade
cafeeira. Mais que isso, o autor crítica veementemente a forma como foi realizada
captação de mão de obra para a atividade de extração gomífera.
O imigrante europeu, exigente e ajudado pelo seu governo, chegava à
plantação de café com todos os seus gastos pagos, residência garantida,
gastos de manutenção assegurados até a colheita. (...) A situação do
nordestino na Amazônia era bem diversa: começava sempre trabalhar
endividado, pois via de regra obrigavam-no a reembolsar os gastos com a
totalidade ou parte da viagem, com instrumentos de trabalho e outras
despesas de instalação. (...) Excluídas as consequências políticas que possa
haver tido, e o enriquecimento fortuito de reduzido grupo, o grande
movimento de população nordestina para a Amazônia consistiu basicamente
em um enorme desgaste humano em uma etapa em que o problema
fundamental da economia brasileira era aumentar a oferta de mão-de-obra
(FURTADO, 2007, p.195-97).
As condições de trabalho na extração gomífera e a própria lógica estruturante em torno
do chamado aviamento era dos mais espoliativos, Santos (1980:114) observa que por
mais que o seringal fosse um estabelecimento mercantil, porém também era “uma prisão
física, custodiada por fiscais armados e resguardada pelas distâncias continentais e
ameaças da floresta que barravam a livre movimentação e informação do trabalhador”.
A diferenciação entre o aviamento e formas de uso compulsório da força de trabalho era
pequeno, o que, por outro lado, acabou, também, desestimulando o desenvolvimento da
produção local em setores vinculados a produção de bens de consumo de trabalhadores.
25
O aviamento pode ser caracterizado enquanto o formato institucional que as relações de
produção da borracha assumiram frente às características sociais e naturais da
Amazônia no período.
A base de exploração da força de trabalho se dava numa espécie de escada reprodutiva,
aonde cada degrau era um pouco mais explorado pelo degrau superior. Como notou
Santos (1980:155) parece que esse modelo exploratório se repete aonde vicejam as
seguintes condições: “a) base de recursos naturais espacialmente ampla e de difícil
acesso; b) atraso das técnicas de produção; c) índice de participação do dinheiro nas
trocas nulo ou muito baixo; d) presença de lideranças mercantis locais...; e) ligação
dessas lideranças com um mercado monetizado em pleno funcionamento e que, de fora,
subministra crédito; f) demanda externa ativa...”. Vale denotar dois elementos dos
referidos por Santos: a disponibilidade em abundância de recursos naturais,
especialmente a terra e a ausência, ou quase, das relações monetárias no processo de
exploração e produção. Para o entendimento do que ocorreu após esse ciclo, esses dois
aspectos são bastante elucidativos da crise e estagnação porque passou a economia e
sociedades amazônicas posteriormente.
Findado o ciclo parcela da população retornou a sua origem, como antes mencionado,
porém parcela considerável passou a viver de formas de subsistência no hinterlad
amazônico, outra parte permaneceu no entorno dos núcleos urbanos principais, porém
também envolvidas com atividades econômicas de baixa produtividade ou diretamente
relacionadas a formas extrativas, como, por exemplo, o catamento de castanha-do-pará.
3.3 OS SOLDADOS DA BORRACHA NO SEGUNDO CICLO
Com a retomada da extração gomífera em 1942, fruto da negociação entre Brasil e
Estados Unidos que resultou dos Acordos de Washington, houve por parte do governo
federal uma política revelada de incentivo à migração para suprir a necessidade de mão
de obra da atividade extrativa da borracha.
Neste curto período, houve um grande aumento populacional na região, uma vez da
migração compulsória de pessoas de vários lugares do Brasil. Durante a década de
1940, o Pará, por exemplo, teve sua população tão aumentada que ultrapassou o número
26
de um milhão de pessoas, chegando em 1950 com mais de 1,1 milhão de habitantes (ver
Tabela 3 anterior). Os outros estados também apresentaram significativos incrementos
populacionais, com destaque para as capitais.
Destaca-se que boa parte dos trabalhadores que se deslocaram para a região amazônica
para servir de mão de obra no segundo ciclo de extração da borracha era de origem
nordestina (Quadro 1); foi a chamada “batalha da borracha".
Quadro 1 - Número de migrantes nordestinos durante o 2º ciclo da borracha
Ano Homens Mulheres Total
1941 13.910 8.267 22.177
1942 17.928 9.023 26.951
1943 24.399 9.419 33.818
1944 27.139 10.287 37.426
1945 21.807 9.959 31.766
Total 105.183 46.955 152.138 Fonte: Benchimol (1977).
Vale observar, comparando a Tabela 3 com o Quadro 1 que a importância do fluxo
migratório nordestino para evolução populacional da região foi novamente central. A
soma das populações dos três principais estados amazônicos (Pará, Amazonas e Acre)
totalizava em 1940 aproximadamente 1.462.420 habitantes, sendo que em 1950 a
população total desses três estados passa a ser de 1.752.127. A taxa de crescimento em
1950 para a região norte foi de 3,34%, superior à brasileira que foi de 2,99% (IBGE,
2003), porém ao observarmos o fluxo migratório com deslocamento de mais de 150 mil
nordestinos para a Amazônia e compararmos as populações nas duas décadas observa-
se que a diferença entre a população total, nos três principais estados, entre 1950 e 1940
é de 289.707, o volume migratório representa mais de 52% dessa evolução total.
Portanto, a população amazônica do século XX foi extremamente influenciada pelo
movimento migratório induzido pelos ciclos gomíferos.
27
4 A SOCIEDADE DA BORRACHA: CONFLITOS DE INTERESSES E
LIMITES DA ACUMULAÇÃO CAPITALISTA NA AMAZÔNIA
Nesta seção são apresentadas de forma sucinta as características da sociedade
amazônica em três momentos: i) durante o período áureo do primeiro ciclo da borracha,
ii) nos anos de decadência do momento anterior e, finalmente, iii) durante o segundo
ciclo da borracha. Busca-se com isso mostrar o sentimento que pairava na sociedade e
as alterações de comportamento durante os períodos listados.
4.1 A COMPOSIÇÃO DA SOCIEDADE AMAZÔNICA NA VIRADA PARA O
SÉCULO XX
O crescente e promissor mercado internacional da borracha soava como música aos
ouvidos da elite gomífera da Amazônia. Por ser praticamente o único fornecer mundial,
o aumento da demanda pela borracha, observado principalmente no começo do século
XX, fazia elevar o preço do produto e assim aumentar os rendimentos da classe
abastada. Dessa forma, as duas metrópoles da Amazônia passaram por transformações
significantes neste período como resultado do aumento da riqueza da região. Conforme
consta em documento da Sudam:
Belém y Manáos, las dos grandes metrópolis regionales fueron adquiriendo
una nueva fisionomía urbana. Se construyeron palacios y el teatro de mayor
lujo en el mundo, en los cuales se exhibían compañías de óperas que luego
regresaban a sus países de origen, pues el resto del Brasil no disponía de
recursos para poder patrocinar espectáculos de aquella naturaleza. Todas las
comodidades de la vida europea, comenzando por el teléfono, la luz
eléctrica, el cable submarino, la música clásica eran, en aquella época,
privilegio de la Amazonia que nadaba en dinero (SUDAM, 1973, não
paginado).
A expressão da riqueza era vista de forma evidente nas duas metrópoles. Construções
como a do Teatro da Paz em Belém e do Teatro Amazonas em Manaus são bons
exemplos. Várias edificações da época geralmente influenciadas pela arquitetura
européia demonstravam o poderio econômico dos barões da borracha.
28
Como já referido anteriormente, a economia gomífera tinha características muito
especificas, com forte presença de setores rentistas e grande interlocução com os centros
financeiros forâneos. Essas características acabaram por definir marcas muito fortes nas
elites locais, tal como a forte dependência de relações econômicas baseadas na
transferência de renda e pequena, ou baixa, tendência a estruturação de uma base
produtiva diferenciada, vis-à-vis a maior propensão ao comércio. Por outro, coube desde
sempre enorme influência a ação estatal nas capitais e menor, ou quase ausência, de sua
atuação no hinterland.
A sociedade amazônica pós-ciclo da borracha herdou uma série de problemas
originados das características da forma econômica estabelecida, um deles, talvez o mais
grave, foi a baixa organização institucional desenvolvida, seja sob o ponto de vista de
organização da sociedade, seja do ponto de vista do mercado. Outro se referiu a como
tratar os contingentes populacionais resultantes do período de “boom”. A ausência de
saída estruturante da economia e o colapso ruidoso do próprio ciclo determinou uma
longa fase de letargia econômica e de involução da sociedade capitalista amazônica pós
década de 20, o que impôs condições de subsistência para parcela considerável da
população amazônica.
4.2 A SOCIEDADE A DERIVA APÓS A BELLE ÉPOQUE
Com o fim do ciclo da borracha, a sociedade amazônica entra em processo de
reestruturação de seu perfil. Conforme destaca Leal (2010), havia a camada da „sub-
burguesia‟, formada por comerciantes, industriais regionais de pequena expressão,
profissionais liberais, fazendeiros, empresários extrativistas e proprietários em geral;
uma camada intermediária, comporta de funcionários públicos; e a camada menos
privilegia da sociedade da região. Sobre essa última, o autor enfatiza:
Na base desta massa estavam os verdadeiramente deserdados: um
contingente de seringueiros, de origem nordestina, transplantados para a
Amazônia dos altos rios, que lá ficaram, amarrados à miséria que os
reproduziu como massa pauperizada da floresta vivendo ao nível da pobreza
absoluta; e os de etnia e cultura de origem nativa, agora já representados não
mais pelo índio, que já estava, na prática, exterminado como raça aos fins
do século XIX, mas pelo cabôco, seu filho mestiço, que passa a ser o
29
elemento social nativo característico a partir dêsse período (LEAL, 2010, p.
106).
Essa seria, grosso modo, a característica da sociedade amazônica nessa fase, que foi
marcada por um quadro degenerativo da economia amazônica em muitos aspectos. As
exportações de borracha caíram abruptamente, principalmente na segunda metade da
década de 1920 e começo da década seguinte, chegando a níveis observados no último
quartel do século XIX (ver Gráfico 1); a crise mundial que assolava o mundo naquele
momento afetou decisivamente as exportações brasileiras. Mesmo com a modesta
recuperação da exportação da borracha na segunda metade dos anos 30 a situação não é
era animadora, uma vez que o preço do produto estava em seu pior momento quando se
trata de uma série de pelo menos 40 anos (ver Gráfico 3); a década de 1930 foi muito
ruim em termos de preço do produto, principalmente quando se compara com o valor
pago pela borracha no período áureo do começo do século.
Ainda sobre o quadro social da região amazônica no período após o fim do ciclo,
Mendes (1958) faz a seguinte observação:
As rendas de sua Alfândega não mais foram das mais altas do país, seus
deputados federais esqueceram o orgulho que um dia quiseram de querer ser
pagos pelos próprios Estados, seus “seringueiros” lamentaram ter acendido
charutos com células de conto de reis, seus Teatros não continuaram a
receber companhias de ópera européias, Pavlova deixou de dançar nos seus
palcos, os navios enferrujaram nos barrancos, as “estradas” foram
abandonadas e os filhos da gleba não mais se educaram na Europa. Era a
depressão. (MENDES, 1958, p. 34).
Mendes (1958) argumenta que o sentido da valorização é mais do que simplesmente
enriquecer a região, e sim também dignificá-la. O autor apresenta de forma ímpar a
caracterização dos problemas da região inserindo a própria (in)consciência do homem
amazônico como parte deles. Nas palavras do referido autor:
Os empecilhos que a Amazônia tem encontrado não são todos exteriores a
ele, alguns procedem do seu próprio eu – e nem sempre ele o sabe. A
tomada mesmo de consciência da miséria do homem do barranco é-lhe
vedada, porque não possui o escalão de comparação: não conhece mais do
que o horizonte curto de seu igarapé ou rio, e da floresta em que vive
emparedado. Não encontra oportunidade de identificar sequer o que pode e
o que deve reclamar, porque não conhece o que é reclamável. Não
ambiciona, porque sua ambição não teria objeto. Não desespera, porque não
chegou a esperar. Está conformado, porque não pôde ser informado. Este, o
homem a margem dos rios. Não o das cidades, e a Amazônia tem-nas do
30
tamanho de Belém e Manaus – cerca de 300 mil, mais de 100 mil
habitantes, respectivamente (MENDES, 1958, p. 37).
A passagem deixa bem evidente a incapacidade intrínseca no comportamento do
habitante da região, mas esclarece que as características mencionadas são comuns aos
homens “a margem do rio”. Os homens das grandes cidades e de outras com população
igualmente considerável tinham mais consciência e sabiam o que deveriam reclamar. E
foram estes homens da área urbana que reivindicaram e construíram a base para o
discurso de valorização da região, conforme apresentando em outra passagem singular
do autor:
Ao habitante urbano da região acompanham parcialmente estes efeitos do
isolamento, mas agravados pelo conhecimento do que poderia ter e não tem.
E pela lembrança do que já teve. A ele deve-se o início do movimento de
recuperação. Por estar desiludido de obter do governo da República, através
dos processos normais, o que legitimamente se julgava com direito de
esperar, criou a fórmula nova e imperiosa da valorização com prazo certo e
despesa irredutível. Vinte anos, gastando 3% da receita tributária da União,
Estados e Municípios interessados (MENDES, 1958, p. 37).
4.3 OS INTERESSES SURGIDOS A PARTIR DO SEGUNDO CICLO E SUAS
CONSEQUÊNCIAS
Com o início do segundo ciclo da borracha, em 1942 (discutido na seção 2.3), reacende
na elite amazônica a expectativa de reviver o momento áureo do início do século.
Porém, a euforia da atividade gomífera não durou muito tempo. Com o fim da guerra
em 1945, a demanda norte-americana e as medidas oriundas dos Acordos de
Washington são praticamente estancadas, mas agora a classe dominante local se mostra
mais ativa em busca da defesa de seus interesses.
Aproveitando o embalo nacional onde a discussão desenvolvimentista ganhava espaço,
parlamentares amazônicos começam a pressionar o governo central exigindo que a
região amazônica fosse mais bem assistida e inserida na agenda de desenvolvimento do
país. Assim, os constituintes de 1946 quebraram um pouco da lógica que se vinha
observando até então, a de centralizar os investimentos no centro-sul, e inseriram no
Constituição de 1946 a exigência de criação de um plano de valorização regional.
Acredita-se que parte dessa posição se deve a discussão nacionalista em formação, onde
31
todas as regiões deveriam estar conectadas em prol da causa nacional (de crescimento
econômico pautado na industrialização), mas também devido o cenário nada promissor
que se encontravam a Amazônia e o Nordeste. No caso da região amazônica, o que se
tinha na Amazônia era um cenário de estagnação oriundo deste o fim dos anos dourados
do primeiro ciclo da borracha, o qual não foi alterado com o segundo ciclo gomífero.
Isso mostra o tamanho da dependência da atividade exportadora de borracha e a
incapacidade de superação via instrumentos internos.
A Amazônia inicia, então, a partir da segunda metade da década de 1940, sua fase de
discussão sobre desenvolvimento. Conforme assinala Fernandes (2010, p. 257), é nesse
momento “que podemos afirmar que começam a se forjar, em torno da Amazônia, certa
unidade discursiva e uma nova institucionalidade com uma orientação ideológica de
viés tipicamente desenvolvimentista com um forte teor regionalista”. Assim, percebe-se
na região a construção de uma estratégia visando sanar alguns gargalos amazônicos
históricos tidos como entraves ao desenvolvimento regional.
Fernandes (2010) resume bem os anseios amazônicos na segunda metade da década de
1940: i) procurava-se, via planejamento, superar o período crítico da socioeconomia
amazônica iniciado com a crise da economia gomífera a partir da segunda metade da
década de 1910; ii) buscava-se diversificar a base produtiva da região; iii) melhorar a
oferta de serviços básicos como educação, saúde e infraestrutura; iv) necessidade de
conhecer as potencialidades (dos recursos naturais) da região, para tanto se demandava
a criação de instituições de pesquisa e, finalmente, v) a necessidade de integração da
Amazônia à economia do país.
Diante de tais demandas naquele período, o que se viu a partir daí foram
movimentações e discussões sobre como conseguir atender aos anseios acima
resumidos. Significa dizer que foi a partir deste momento que se tem na região uma
discussão desenvolvimentista regionalista, como enfatiza Fernandes (2010). O autor (p.
259) ainda argumenta que “o discurso que se apresenta, ao mesmo tempo, em sintonia
com algumas das principais estratégias desenvolvimentistas em nível nacional, mas que
se mantém, de certa forma, atrelado ao movimento regionalista amazônico em seu pleno
desenvolvimento na primeira metade do século XX”. O movimento regionalista, como
citou o autor, faz menção à elite local que parte para a defesa de seus interesses.
32
O cenário para a elite de aviadores e comerciantes da região não se apresentava dos
melhores em termos de perspectivas econômicas. Ao final da Guerra, a demanda norte-
americana pela borracha foi praticamente estancada, ficando, novamente, o setor
extrativista exportador em situação eminente de crise. Internamente, o mercado da
indústria nacional da borracha aumentava sua demanda pelo produto, impulsionada,
principalmente, pela nascente indústria automotiva. Ora, seria essa uma forma de agora
o setor exportador de borracha amazônica endereçar o produto para o mercado nacional.
Era uma opção que iria a calhar não fosse à contestação no que tange ao preço da
borracha (a borracha do Oriente chegava a custar à metade do preço da borracha
nacional). Houve forte pressão da indústria nacional para o rebaixamento dos preços do
produto, algo que a elite gomífera amazônica não era de acordo. O próprio presidente
Gaspar Dutra comentou sobre o assunto, em discurso proferido ao Congresso Nacional
em 1947, quando da abertura da sessão legislativa daquele ano:
Os interesses dos produtores e dos industriais brasileiros, manifestados ao
Governo por intermédio de recomendações aprovadas em Reunião para
Estudo dos Problemas da Borracha, realizada em meados no ano findo, no
Rio de Janeiro, são pela manutenção do preço atual, até 1950, procurando-se
ajustá-lo gradativamente aos preços internacionais. Enquanto, porém, não
pudermos concorrer no mercado mundial é necessário estabelecer o
equilíbrio entre a produção e o consumo industrial do País, para evitar a
superprodução.
Assim, toda a segunda metade da década de 1940 foi marcada por inúmeros debates em
torno de um projeto voltado para a valorização da região amazônica. Como resultado,
foi criada a Comissão Especial do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, que
recebeu diversas propostas dos parlamentares em prol da elaboração do projeto.
Destacaram-se no período as contribuições do deputado Gomes Ferreira e
principalmente do deputado Eduardo Duvivier. O substitutivo apresentado por Duvivier
trazia relevantes contribuições, onde se pode destacar a proposta de criação de uma
Superintendência da Valorização da Amazônia, que seria o órgão executor do plano.
Em 1953, finalmente, cria-se a Superintendência do Plano de Valorização Econômica
da Amazônia (SPVEA) como sendo a primeira tentativa de planejamento do
desenvolvimento regional da região, nascendo de iniciativas do governo central a partir
33
de relutantes pressões da sociedade amazônica, mais especificamente, de sua classe
dominante que buscava defender interesses próprios e impedir que o espírito
industrializante do cenário nacional alteração seu status quo no cenário regional.
34
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo buscou fazer um “brief” de dois momentos centrais para as atuais sociedades
brasileiras amazônicas, momentos em que Belém e Manaus faziam parte de fato de um
único corpo regional, marcadas pelas veleidades e dificuldades de um processo
produtivo fundado no extrativismo e em relações de exploração da força de trabalho
extremamente degradantes, o aviamento.
Ao reconstruir-se a trajetória de desenvolvimento do assim denominado Ciclo
Gomífero, diversos elementos são evidenciados como estruturantes e conformadores
das sociedades atuais dos trópicos amazônicos. Vale ressaltar três aspectos que foram
desenvolvidos no texto:
i) As alterações, não somente econômicas, mas também institucionais e
demográficas nos dois períodos em tela, mas especialmente no primeiro ciclo
gomífero, marcaram em definitivo a sociedade amazônica, especialmente Belém
e Manaus. Deste modo, compreender o desenrolar dos acontecimentos no
período em questão é de fundamental relevância para auxiliar no entendimento
do cenário amazônico no período do pós II Guerra Mundial.
ii) As características econômicas da produção gomífera no período de auge da
borracha foram responsáveis, em grande medida, pela incapacidade de
estruturação de bases de acumulação capitalista mais avançada na região, algo
que assim permaneceu até a imposição do planejamento autoritário e da
integração das sociedades amazônicas ao eixo econômico do Sudeste e Sul do
Brasil a partir da década de 60 (leia-se Belém-Brasília, Incentivos fiscais e Zona
Franca de Manaus).
iii) Por último, porém com destaque, o artigo mostrou evidenciar o peso dos fluxos
migratórios nordestinos para conformação da população amazônica presente.
Seja no Ciclo Gomífero efetivo na virada do século XIX, quando o fluxo
migratório proveniente principalmente do estado do Ceará possibilitou o
equacionamento parcial da crise de escassez de mão-de-obra; seja na década de
40 do século XX, quando o “remake” condicionado pela Segunda Guerra, impôs
o sacrifício e o esforço de nova onda migratória.
O retorno analítico para as fases econômicas evidenciadas neste texto deve ser
considerado parte de um programa de pesquisa que retome a história-econômica não
enquanto tratado de termos de um passado inerte, morto e enterrado, e sim enquanto um
passado vivo, que continua atuante e marcando o desenvolvimento futuro dessa região.
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