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AS COMUNIDADES
Agora passamos a apresentar, através das descrições históricas realizadas pela equipe, algumas
características e projetos que foram sendo desenvolvidos em sete das nove comunidades
quilombolas que fazem parte do projeto Etnodesenvolvimento e Economia Solidária:
BOM JARDIM
O Carimbó
A comunidade remanescente de quilombo Bom Jardim situada na área do planalto santareno
possui aproximadamente 80 famílias que são representadas pela Associação de
Remanescentes de Quilombo de Bom Jardim – ARQBOMJA, associação esta fundada em 27 de
Julho de 2003. Também possui uma diretoria do clube de futebol, um grupo de mulheres e
uma equipe catequética que conduzem as atividades religiosas da igreja do lugar.
O quilombo Bom Jardim está em processo de regularização fundiária, no atual momento o
relatório de identificação e delimitação já foi publicado do Diário Oficial da União, agora está
aguardando o título.
Bom Jardim possui: um barracão comunitário, um templo da igreja católica; uma escola de
ensino fundamental (1ª – 8ª); um campo de futebol, energia elétrica, porém não em todas as
casas; possui banheiros de alvenaria em construção em todas as residências; 01 micro sistema
de água; 01 banheiro público com chuveiros.
A comunidade é atendida pelo Programa Fome Zero através das cestas emergenciais e pelo
Bolsa Família. A luz elétrica foi conseguida através do programa Luz para Todos.
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Os banheiros e o micro sistema de água foram viabilizados através da FUNASA- Fundação
Nacional de Saúde. As ampliações desse projeto agora estão sendo executadas ainda pela
FUNASA e é intitulado Projeto VIGISUS II.
A comunidade foi contemplada com um Centro Comunitário de Informação – CCI e com um
Centro Comunitário de Produção – CCP, projeto viabilizado pela Eletronorte que está em fase
de licitação. O CCP consta da construção de uma casa de farinha para beneficiamento da
mandioca. O CCI consta com a implantação de uma rádio comunitária, de uma biblioteca Arca
das Letras, já implantada na comunidade, e de um telecentro (centro de informática).
O quilombo do Bom Jardim formou-se através de remanescentes de escravos da fazenda Bom
Jardim cujos proprietários José Francisco Ferreira Filho e Joaquina da Silva Ferreira doaram a
fazenda á seus escravos após suas mortes, pertencentes à família do Barão de Santarém cujo
nome era Manoel Pinto Guimarães, daí o sobrenome dos Guimarães de Bom Jardim.
Em 2005, por ocasião da semana de consciência negra o quilombo foi sede do II Encontro das
Comunidades Negras onde se fizeram presentes mais de 1200 quilombolas dos municípios de
Santarém, Alenquer e Monte Alegre.
Bom jardim possui uma fonte de água mineral já examinada por laboratórios e comprovada
como verídico. A fonte conhecida como “cuvão” é tida como lugar sagrado pela comunidade
onde existiria a presença de um encantado como Guardião do Lugar conhecido como “A Sapa”.
O quilombo também possui uma reminiscência indígena visto que em seu cemitério há indígenas
enterrados, provavelmente também escravos que trabalharam na fazenda Bom Jardim.
Possuem riquezas culturais características de sua formação, um exemplo delas é o pássaro Taxã
onde a cultura afro-indígena se faz presente. Entre outras estão a dança do Carimbo, Maculelê e
a capoeira. A comunidade ainda desenvolve atividades como o artesanato em palha.
O Maculelê
Contrapondo ao pensamento de “demonização” da cultura negra disseminada por muitas
religiões cristãs e não cristãs é de grande importância manter vivas as manifestações culturais
de Bom Jardim para se preservar e fortalecer a identidade e história do quilombo.
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MURUMURUTUBA
A comunidade remanescente de quilombo Murumurutuba situada na área do planalto
santareno às margens do rio Maicá a 43 kms da área urbana de Santarém. Possui 57 famílias;
238 quilombolas sendo 133 compostos por homens e 105 por mulheres, que são
representados pela Associação de Remanescentes de Quilombo de Murumurutuba – ARQMUS
criada em 2004 e está filiada a Federação das Organizações Quilombolas de Santarém – FOQS.
Murumurutuba também possui três clubes de futebol (Sacramenta, Corinthians e Caraúba
Esporte Clube), um Agente Comunitário de Saúde – ACS, um núcleo de base da Colônia de
Pescadores Z-20, um delegado sindical do STTRS (Sindicatos dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais de Santarém), uma associação de rádio comunitária constituída (Rádio
Açaituba) e uma equipe catequética que conduzem as atividades religiosas da igreja do lugar
cujo padroeiro é São Sebastião.
Dança do Açaí em Murumurutuba
O quilombo Murumurutuba está em processo de regularização fundiária, no atual momento o
relatório de identificação e delimitação está em processo de notificação e contestação não
havendo conflito até o presente.
Murumurutuba possui: 01 barracão comunitário, 01 templo da igreja católica; 01 escola de
ensino fundamental (1ª – 8ª) e uma turma de EJA (Educação de Jovens e Adultos); 01 campo
de futebol, energia elétrica, porém não em todas as casas; 01 telefone público.
A comunidade é atendida pelo Programa Fome Zero através das cestas emergências e pelo
Bolsa Família.
A luz elétrica foi conseguida através do programa Luz para Todos.
O Quilombo está dentro do projeto de construção de banheiros e microssistema viabilizados
através da FUNASA. A ampliação desse projeto agora está sendo executada ainda pela FUNASA
e é intitulado Projeto VIGISUS II.
A comunidade também foi contemplada com o CCP e CCI.
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O quilombo de Murumurutuba é uma extensão das terras do quilombo Bom Jardim onde os
negros juntaram-se para viver vindos de diversos quilombos como do Murumuru, Tiningú e Ituquí.
Em 21 e 22 de Novembro de 2003 por ocasião da semana de consciência negra o quilombo
sediou o I encontro de Lideranças Negras de Santarém, onde se fizeram presentes as seis
primeiras comunidades quilombolas (Arapemã, Saracura, Bom Jardim, Tiningú, Murumuru e
Murumurutuba) que formaram a “Comissão de Articulação das Comunidades Quilombolas de
Santarém”, primeira articulação quilombola criada no município.
Possui como tradição cultural o Festival do Açaí, onde são apresentadas a rainha do açaí e
todos os tipos de iguarias feitas com esse produto (pudim, mingau, docinho, chopinho etc.).
Descrição Histórica do Quilombo de Murumurutuba
Juliane Maria Rocha da Silva* * Pesquisadora voluntária do projeto e é jurista leiga do projeto Terra de Negro
Meu nome é Juliana Maria Rocha da Silva, tenho 18 anos, e estou cursando o 2º ano do Ensino
Médio no colégio de são Raimundo da Palestina. Sou quilombola de Murumurutuba, que está
localizada a oeste da cidade de Santarém pela margem direita do igarapé do Maicá1, no
planalto santareno, na microrregião do Jacamim2, a 36 kms da sede do município, tendo como
via de acesso a rodovia PA-370-Santarém/Curuá-Una, o ramal de São Raimundo da Palestina e
o ramal do Poço das Antas3.
Murumurutuba é, portanto, bem dotada de vias de acesso tanto para a área do planalto,
regiões de rios quanto para Santarém. Por via fluvial o acesso é através do igarapé do Maicá,
onde estão localizados alguns pontos turísticos da região e lugares que despertam a atenção
dos visitantes.
1 O que aqui é apresentado como “igarapé do Maicá”, é na verdade, uma constituição de pequenas ilhas que ficam submersas durante as cheias do rio Amazonas e que reaparecem durante o verão. É um braço do rio Amazonas que recebe o nome de Maicá e que constitui o que as comunidades quilombolas chamam de Lago do Maicá, por conta desse ciclo fluviométrico.
2 Comunidade localizada na rodovia PA – 370 / Santarém - Curuá–Una e que dá entrada aos quilombos de Bom Jardim e Murumurutuba
3 São Raimundo da Palestina e Poço das Antas são comunidades em torno de Murumurutuba.
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Aqui, antes de existir uma organização, cada proprietário de terra dava nome ao seu lote para
facilitar seu endereço, assim tinham alguns nomes que antecederam o atual da comunidade
como: Belém, Iticapuro, Caraubá e Maicá, porém na década de 1965 foi escolhido o nome para
comunidade e após várias discussões chegou-se a conclusão que seria Murumurutuba:
murumurú é a palmeira cujo nome científico é Astrocarujum existente em abundância na
comunidade formando verdadeiros murumuruzais e tuba é um instrumento de sopro e,
segundo a língua indígena, significa muito próximos uns aos outros e que tem movimento
forte, logo Murumurutuba é muitos murumuruzeiros. Lembra também os grandes açaizais
existentes na comunidade. Hoje, apesar da devastação, ainda podemos encontrar grandes
palmeiras de murumuruzeiros.
Os pioneiros deste quilombo foram negros fugitivos de quilombos que foram dizimados na
região ou de fazendas onde trabalhavam como escravos, entre eles, a Senhora Maria Palha avó
do artista plástico Laurimar Leal. Entre outros moradores que povoaram o local podemos
destacar os senhores Dionísio, “Joanico”, Alexandre, “Tote”, “Pedro farofa”, Marcipira,
Raimundo Rufino, Raimunda Pereira, Paulo Araujo, Pedro Mota, “Zé Baia”, “Varinda”,
Boaventura, Márcia, Marcelo, Antonio Ângelo, Rufino Neto, Manoel Guimarães, Isidoro,
Guardino, Pedro Ramos, Gita, Lustriano, Antonia Colares, Amaro, Leonir, Ricarda, “Antônio
lasca fogo” e outros. E é aqui neste quilombo, formado por negros fugitivos que moro com
minha filha de 2 anos, minha sobrinha de 4 anos, meus pais e minha Irmã.
Murumurutuba é um lugar tranquilo e bom para se viver, é um lugar construído por sonhos e
que tem a esperança como alicerce.
Hoje eu acordei bem cedo, e fiquei a observar minha mãe dando milho para suas galinhas e
cuidando dos pintinhos. Meu pai chegou da pescaria e minha mãe estava preparando um
cuscuz com castanhas do Pará, que estava de dar água na boca. O leite que o meu primo tinha
acabado de trazer do curral já estava fervido e a macaxeira que meu pai tirou do quintal já
estava cozida.
As crianças acordaram e, após escovarem os dentes, fomos todos para a mesa tomar café da
manhã. Geralmente as refeições na minha casa são bastante divertidas. Após terminarmos,
saímos de casa para irmos à igreja católica da comunidade participar da celebração que
acontece todos os domingos com inicio às 09 horas e com duração de uma hora.
As meninas queriam brincar na estrada, mas nós não deixamos, pois a estrada está praticamente
intrafegável, as condições são precárias, além do lixo que se espalha pela comunidade. Aqui as
pessoas queimam boa parte do lixo e o que sobra serve apenas para poluir nossos campos, matas e
rios, o que não deveria acontecer, pois em nosso quilombo existe um potencial hídrico muito
grande com igarapés e o lago Maicá com várias espécies de peixes (pacu, mapará, tambaqui,
tucunaré, piranha, surubim, traíra, curimatã, branquinha, sulamba, aracu, jaraqui, acari, pirapitinga,
pirarucu, cangóia, filhote, dourada, pirarara, mandií, cujuba, entre outros) e o lençol freático é bem
próximo à superfície terrestre. O potencial florestal é muito diversificado com mata de igapó e de
terra firme, com espécies de árvores típicas da Amazônia. Existe ainda grande área de mata que
serve como habitat de espécies de animais selvagens e caças como tatu, cupido4, paca, cutia, 4 O mesmo que capivara.
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veado etc. Temos também uma serra que cerca a comunidade de onde se tem uma visão
panorâmica de toda a área de várzea da comunidade.
Observando tudo isso, pensamos em melhorias para nossa comunidade. Ficamos imaginando
como seria se estivéssemos aqui no quilombo semanalmente coleta seletiva de todo o lixo, o
que só aumentaria e melhoraria o nosso potencial turístico que é muito rico, porém
inexplorado. Poderíamos abrir trilhas nas montanhas e ter pesca esportiva e tantos outros
atrativos, o turismo étnico é um excelente atrativo, mas precisa ser organizado.
Aos vermos algumas famílias beneficiadas com o abastecimento de água, lembramos da
AQMUS- Associação Quilombola de Murumurutuba, que foi fundada dia 27 de julho de 2003,
depois de começarmos a entender os nossos direitos e a importância da organização dos
quilombolas. Seu estatuto foi alterado para se adequar ao novo código civil em 2006 quando
teve o seu registro de pessoa jurídica. A diretoria da associação tem mandato de dois anos
com direito a uma reeleição. A mesma reúne-se a cada 15 dias ou sempre que necessário. A
assembléia geral é realizada a cada dois meses e a participação dos associados e membros é
boa, pois os membros que não participam podem até ser desligados da associação. Sua maior
luta é a regularização fundiária, ou seja, a titulação da terra. Vários projetos já foram
desenvolvidos como: a construção da casa de farinha que contou com uma parceria com a
Eletronorte5, a construção do sistema de abastecimento de água em parceria com a prefeitura
municipal de Santarém e FUSANA, construção de uma escola para atender a demanda de
estudantes quilombolas e a transformação do festival do açaí em uma manifestação mais
organizada e mais profissional.
Outros projetos em andamento são: a melhoria do ramal que dá acesso ao quilombo,
conclusão do sistema de abastecimento de água para atender todas as famílias, instalação do
escritório e sede da associação, manejo sustentável do açaí dentre outros.
Ao continuarmos nosso percurso, encontramos algumas pessoas indo para a igreja evangélica
da comunidade e as cumprimentamos, pois somos católicos, mas respeitamos todas as
religiões. Passamos pela casa de farinha, que é citada como um dos empreendimentos do
nosso quilombo, além da produção de artesanato em sementes, artesanato em palha, tala e
raiz, artesanato em crochê no fio de barbante, artesanato em sandálias e outros. Achamos que
os artesãos poderiam passar por algumas formações para melhorar os produtos e aprender
5 As casas de farinha fazem partem da implantação de um projeto denominado de Centro Comunitário de Produção – CCP onde o objetivo é o uso de tecnologias e uso de energia de forma correta para a melhoria do arranjo produtivo da mandioca. O projeto contou com a construção de 4 casas de farinha na região do planalto (terra firme) nos quilombos de Bom Jardim, Murumuru, Murumurutuba e Tiningú. A priori o projeto era também para atender dois quilombos da área de várzea: Arapemã e Saracura, mas com a justificativa de que nesses quilombos não há energia elétrica foi vetada a construção das casas de farinha o que causou grande decepção e revolta nesses dois quilombos e em toda a Federação dos Quilombos de Santarém – FOQS. O projeto realizou a construção dos edifícios sem corresponder nem um pouco à realidade e ao modo de fazer farinha das comunidades quilombolas e comprou os equipamentos antes de construir os edifícios e estes acabaram se estragando ao tempo.
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organização e gestão para aumentar a produção, melhorar a comercialização, garantir mais
renda e envolver mais pessoas.
Depois cumprimentamos a D. Silvina que estava puxando o pé de um garoto e comentando
sobre um dos principais conflitos na comunidade: o conflito em torno da criação de gado, a
ocupação de grandes áreas por fazendeiros que criam animais de grande porte e que não
respeitam o meio ambiente. Ela é quilombola e o Sr. José Augusto é criador de gado.
Aqui também ocorrem conflitos por conta da pesca, muitos pescadores de Santarém vêm fazer
pesca predatória nos lagos da comunidade causando discórdias entre pescadores da região e
os invasores, chegando a ter até violência física entre os mesmo. Este mês houve inclusive uma
morte no lago do quilombo Bom Jardim causado por esses conflitos.
Passamos pela casa do Azemar que é compositor e encontramos sua filha tocando e cantando,
uma de suas mais conhecidas composições que é O Artigo 68 e diz assim:
“Quatro anos se passaram, ate hoje a discriminação/ nas escolas, nas festas
nas ruas não é fácil não/ castigaram, feriram e marcaram nossos
antepassados/ em porões de navios transportaram os exilados/ no Brasil
fizeram tatos quilombos que a gente não viu/ nas pesquisas e estudos nos
mostram onde existiu/ foram mais de trezentos anos que este povo resistiu/
parece que para muitas autoridades esta gente sumiu.
Ref.: Do Tiningú, Murumuru e Arapemã/negros sofridos, destemidos que
não abeiram pra carapanã. Murumurutuba, Saracura, Bom Jardim dos
nossos sonhos/ somos comunidade remanescentes de quilombo.
Os escravos fizeram refúgio em vários lugares/ sem escola, lazer, só
angustia e trabalho/ eram muitos os fugitivos das fazendas e canaviais/
apanharam sem dó dos patrões, parecendo animais/ somos nós, os
descendentes de escravos/ quilombolas/ a liberdade é mais que tudo, somos
gente a toda hora/ pensamentos voam alto de realizar nossos sonhos/
sonhos de remanescentes de quilombos.
Ref.: Do Tiningú, Murumuru e Arapemã/negros sofridos, destemidos que
não abeiram pra carapanã. Murumurutuba, Saracura, Bom Jardim dos
nossos sonhos/ somos comunidade remanescentes de quilombo.
Este povo também tem cultura e tradição/ sempre lutando por melhores
dias em associação/ os projetos pelos homens da Lei, já esta sendo visto/
assinando decretos, outros mais, muito mais que isto/ nossa terra tem
gente tocando um pedaço de chão/ tem ai o artigo 68 da constituição/ que
defende os direitos dos negros, e das terras por eles ocupadas/ ainda tem
gente por ai que diz que nós não vale nada”.
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Enfim, chegamos à igreja, onde participamos de toda a celebração e depois fomos avisados que na
quinta-feira haverá puxirum (mutirão) para a limpeza do terreno da igreja, e fomos avisados
também, que seriam iniciados os ensaios da dança do açaí. Hoje em nossa comunidade existe um
grupo de 24 pessoas que praticam a dança do açaí. Praticamos também a quadrilha junina e
carimbo. Antigamente existia a ladainha de São Sebastião, blocos de mascarados, ramadas, cordão
de pássaros, mas com o passar do tempo essas manifestações se acabaram.
Ao sairmos da Igreja a neta da dona Raimunda disse que estava indisposta, então ela respondeu:
— Eu vou te dar um banho pra espantar a preguiça.
E eu perguntei:
— Como é isto?
Ela respondeu:
— Tem que dar um banho com manjericão, arruda, pau-de-angola, vindica, mucuracaá e peão roxo.
Tem também o banho de açaí que leva: casca de caju roxo, barbatimão, pau-verônica, jucá,
casca de ichi amarelo que serve também para tomar. O melhor de tudo é que todas essas
coisas têm aqui na comunidade. Pedi licença à dona Raimunda e fui falar com a professora
Gecineide, que me mostrou uma redação de uma de suas alunas relatando uma lenda de
nossa comunidade. A redação era exatamente assim:
O Calça Molhada
Toda quinta-feira muitas pessoas como dona Alexandrina, Calisto, Aurilane e Francisco,
contam que o calça molhada fica atravessando algumas casas na vila Pinto, elas falam que ele
vem do rio no período da enchente. Dizem também que ele é um espírito de um antigo curador
da vila chamado Zé Pinto, que curava as pessoas há anos atrás. Ele faleceu e seu espírito ficou
vagando aqui na vila.
Ele se traja com um chapéu, camisa de mangas compridas, botas cheias d’água e calça
molhada. Não faz mal a ninguém, mas quer incorporar em alguém para viver de novo.
Após lermos a redação lembramo-nos de outras lendas da nossa comunidade como:
A Sapa Boiúna6 que é uma sapa enorme que mora no riacho, muitos chamam de encante, se
uma mulher estiver no seu período menstrual não pode nem pensar em ir ao local, a boiúna
castiga podendo até levá-la.
Ou até mesmo a lenda do boto. Dona Raimunda afirma ter dançado com ele.
6 As comunidades quilombolas de Santarém são ricas em “causos” e estórias de seres encantados que levam as pessoas para dentro do rio ou que simplesmente “mundiam” as pessoas (mundiar é maltratar através de fortes febres, dores de cabeça e incorporações desse ser encantado), por terem agredido um recurso natural de alguma forma. Geralmente a “sapa” ou outra figura mítica é o protetor desse recurso natural e a pessoa mundiada é curada com as rezas ou tratamento e uma benzedeira.
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Relato de dona Raimunda: “dancei bastante com um rapaz na festa, quando de repente ele
começou a me acochar e fazer várias perguntas. Ele era tão magro que seus ossos chegavam a
doer no meu corpo. Assim que eu parei de dançar com ele, quase fiquei louca com tanta dor
de cabeça, a dor era tão forte que, ali mesmo, naquele momento, minha mãe me levou na
benzedeira, o nome dela era Salu. Ela me benzeu e disse que eu tinha dançado com um boto.
Ela me banhou com alho e arruda e me pediu para observar se ele ainda estaria lá, e
realmente ele não estava mais”.
Ela me disse: “quando você for dançar com um homem todo de branco, olha primeiro para o pé
dele, pois o pé de boto é virado para trás”. Eu fiquei um pouco assustada, porém, logo passou.
Depois começamos a conversar sobre as festividades do nosso padroeiro “São Sebastião”, onde a
cada ano a coordenação e a equipe catequética procuram inovar, mas sempre mantendo os laços
tradicionais desde o ano de 1965, quando a imagem chegou à comunidade.
Passamos pelo campo e pela sede do Corinthians Esporte Clube, onde é realizado o festival do
cupuaçu. Continuamos nosso percurso desta vez de volta para casa, pois as crianças queriam
almoçar então tivemos que ser bem ágeis. No caminho de volta paramos para beber água na
casa de dona Nelma, ela é curandeira e pratica o Candomblé. Depois passamos pelo outro
campo e pela sede do Sacramenta Esporte Clube, onde acontece no mês de julho,
especialmente no terceiro sábado, o festival do açaí, sendo considerada a maior festa da
região, atraindo pessoas de vários lugares para prestigiar as diversas atrações que se
apresentam durante a realização do festival.
Chegamos em casa, almoçamos um peixe assado que estava simplesmente uma maravilha,
cuidamos da higiene das crianças e as fizemos dormir.
Bom, é domingo e está na hora de irmos ao cemitério onde minha mãe vai orar, acender
velas e levar flores para a sepultura de minha irmã. Ela faleceu há cinco anos no Caraúba,
que é um lindo igarapé, bem aqui pertinho, mas minha mãe não consegue se conformar e
chora todos os dias e sofre até hoje.
Mais tarde vou me reunir com o JUPAC – Juventude Unida para Amar a Cristo que é o grupo de
jovens da Igreja Católica. Além do clube de jovens também temos na comunidade um clube de
mulheres, um núcleo da Z-207 e núcleo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém.8
Não temos área para recreação infantil na comunidade nem posto de saúde, temos que nos
deslocar para outra comunidade para conseguir assistência medica. Em nosso quilombo não
há atuação de nenhuma organização não governamental. No tocante à educação, temos uma
escola do 1º grau muito boa, mas que precisa de adaptações, pois ela possui somente duas
salas de aulas, um banheiro, uma cozinha, um depósito e uma área não tão ampla assim para o
refeitório. Um dos pontos críticos é a cerca da escola que está em condições precárias e o fato
7 Colônia de Pescadores Z-20, onde são filiados os pescadores e pescadoras de Santarém.
8 Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém, onde são filiados os pequenos agricultores e agricultoras de Santarém.
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dos jovens quando terminam a 8ª série precisarem se deslocar para outras comunidades para
continuar estudando. O ideal seria uma escola de 2º grau dentro da comunidade.
É de fundamental importância ressaltar que a inclusão digital é fato consumado para a maioria
dos jovens do nosso quilombo, a instalação de um centro de informática seria uma ótima
opção para a escola. Porém, aulas de pinturas, bordados, crochê e outras expressões
artesanais poderiam acontecer diariamente em nossa comunidade para que os jovens possam
dar continuidade a nossa cultura.
Além da escola não temos nenhum outro centro ligado à educação.
A escola de Murumurutuba dialoga com a comunidade e no mês de agosto comemora a
Semana do Folclore; em outubro a escola comemora o Dia das Crianças e realiza a gincana
cultural; em novembro comemora-se a Semana da Consciência Negra dando ênfase às
tradições culturais do povo quilombola.
Em nosso quilombo podemos observar que existe muitas plantações constituindo assim uma
ótima segurança alimentar. É prática a maneira como se mantém o abastecimento dos
alimentos que vai desde o cultivo, o cuidado para não deixar faltar, como o cuidado para que
seja de ótima qualidade. Não há restrição ou proibição do que se pode plantar ou cultivar. Há
o plantio de arroz, feijão, mandioca, macaxeira, milho, cupuaçu, acerola, graviola entre outros.
Consumimos boa parte desses produtos e comercializamos o restante para formar renda
complementar em casa. Os adubos, pesticidas e fertilizantes são químicos industriais. Aqui não
há manejo florestal e produzimos açaí individualmente.
Bom! É isso minha vida e a vida da minha comunidade. Nos dias de semana para mim é um
pouco mais corrido porque eu estudo bem longe daqui, tenho que subir a serra e depois andar
bastante até chegar ao colégio. Mas o que eu espero é que um dia possamos superar todas
nossas expectativas e nosso quilombo tenha um tele centro de informática, praça para
recreação de nossas crianças e principalmente que tenhamos todos os equipamentos para
montarmos um grupo de teatro para mostrarmos ao mundo nossa cultura.
Quanto a mim, se Deus quiser, daqui a alguns anos, vou me formar em direito, ajudar minha
comunidade no que eu puder, pois pretendo continuar aqui e, assim como minha vó, minha
mãe e eu, nós fomos todas criadas neste quilombo, é aqui que pretendo criar e educar minha
filha para que um dia ela possa estar com a caneta e o papel nas mãos contando a história de
uma nova geração, mas com os mesmos costumes e tradições de muitos anos atrás e
escrevendo com a cabeça e também com o coração.
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MURUMURU
A comunidade remanescente de quilombo Murumuru também situada na área do planalto
santareno às margens do rio Maicá a 45 kms da área urbana de Santarém. Possui
aproximadamente 91 famílias; uma população de 395 quilombolas sendo composta por 207
homens e 188 mulheres, que são representados pela Associação de Remanescentes de
Quilombo de Murumuru – ARQMU associação esta fundada em 12 de Julho de 2003 e está
filiada a Federação das Organizações Quilombolas de Santarém – FOQS. Também possui uma
diretoria do clube de futebol (Vasco da Gama), um Agente Comunitário de Saúde - ACS, uma
associação de rádio comunitária constituída e uma equipe catequética que conduzem as
atividades religiosas da igreja do lugar cuja padroeira é Nossa Senhora da Guia.
O quilombo Murumuru também está em processo de regularização fundiária, no atual
momento o relatório de identificação e delimitação está em processo de notificação e
contestação não havendo conflito até o presente.
Murumuru possui: um barracão comunitário, uma igreja católica; um templo da Assembléia de
Deus; uma escola de ensino fundamental e médio (Escola Afro-Amazonida); um campo de
futebol; energia elétrica, porém não em todas as casas; um micro sistema de água; um posto
de saúde que funciona três vezes por semana; um telefone público.
A comunidade é atendida pelo Programa Fome Zero através das cestas emergências e pelo
Bolsa Família. A luz elétrica foi conseguida através do programa Luz para Todos.
Também faz parte do Projeto VIGISUS II e foi contemplada com um CCP e CCI.
Também possui como tradição cultural o Festival do Açaí. Onde são apresentadas a rainha do açaí
e todos os tipos de iguarias feitas com o açaí (pudim, mingau, docinho, chopinho etc.). A dança das
pretinhas, dança do açaí e o carimbó são as principais manifestações culturais existentes.
TININGÚ
A comunidade remanescente de quilombo Tiningú também está situada na área do planalto
santareno às margens do rio Maicá a 47 Km da área urbana de Santarém. Possui 84 famílias;
uma população de 351 quilombolas sendo composta por 185 homens e 166 mulheres, que são
representados pela Associação de Remanescentes de Quilombo de Tiningú – ARQTININGU
associação esta fundada em 12 de Julho de 2003 e está filiada a Federação das Organizações
Quilombolas de Santarém – FOQS. Também possui uma diretoria do clube de futebol (União
Esporte Clube), uma associação de rádio comunitária constituída, uma associação chamada
RITIMU que anteriormente representava quatro comunidades antes de ser criada a
ARQTININGÚ; tem um ACS e uma equipe catequética que conduzem as atividades religiosas da
igreja do lugar cujo padroeiro é São João Batista.
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Vista de Tiningú
O quilombo Tiningú também está em processo de regularização fundiária, no atual momento o
relatório de identificação e delimitação está em processo de notificação e contestação não
havendo conflito até o presente momento.
Também faz parte do Projeto VIGISUS II e foi contemplada com um CCP e um CCI.
Um lindo sorriso quilombola
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Descrição Histórica do Quilombo de Tiningú
Jaime Mota Santos* *Agente do projeto
Tiningu, História e Contrastes
Meu nome é Jaime, sou agente do Projeto Etnodesenvolvimento e Economia Solidária.
A Comunidade Quilombola de Tiningú foi fundada a aproximadamente 192 (cento e noventa e
dois) anos por Manoel Tomaz que era descendente de índio e negro e, aprendeu a arte da
pintura usando a casca de uma árvore chamada de Cumatê Cipó, palavra indígena que significa
“tinta que nunca saca”, de onde extraia a tinta utilizada para tingir o corpo e objetos dando-lhe
o nome de tinta Tiningú, originando-se assim o nome da comunidade.
Manoel Tomaz casou–se com a negra chamada Margarida com quem gerou dois filhos:
Manoel Mota dos Santos e Inácio Mota dos Santos. Manoel Mota dos Santos casou–se com
Raimunda Maria Joana gerando os filhos: Manoel Honorato Mota, Carmelina Mota, Margarida
Mota, Fortunato Mota, Maria da Consolação Mota e Francisco Mota, mais conhecido por
“Chico Preto”. Inácio Mota casou–se com Antonia Maria Cecília da Cruz e tiveram os filhos:
Neuza da Cruz e Fausto Antonio dos Santos.
Após algum tempo outras famílias foram chegando e formando novas famílias, tais como: Antonio
Luiz dos Santos, mais conhecido por “Birro”; Esmerindo; Quintiliano Mota com seus filhos: Marcos
Mota e Raimundo Mota; Lourenço Pereira; Alfredo Raimundo Mota e Benedita dos Santos.
Sou quilombola do Quilombo de Tiningu situado no planalto Santareno às margens do rio
Maicá a 47 kms da área urbana de Santarém. Meu nome é Jaime Mota Santos, tenho 22 anos.
Sai de casa hoje após ter tomado café da manhã junto com minha família. Minha Mãe acorda
bem cedo para preparar nosso café, pois tenho uma irmã e uma sobrinha que estudam pela
manhã além da minha outra irmã que é professora e trabalha também pela manhã. Tomamos
café com leite natural, tapioquinha e queijo feito em casa. Após ter tomado café fui assistir o
noticiário da manhã na TV, pois gosto de estar informado. É certo que não temos nenhum
luxo, temos uma casa bem simples, às vezes falta uma coisa ou outra, mais tenho certeza de
que dias melhores virão.
Ao lado direito da minha residência fica a casa dos meus avôs paternos: Fortunato Mota e
Raimunda da Silva e ao lado esquerdo a casa do meu tio Manoel Honorato. Segundo relato dos
comunitários ele é o “mais velho” com 107 anos. Em seguida, peguei meu caderno, caneta e
34
sai pelo quilombo a observar os acontecimentos. Pude ver as donas de casa arrumando seus
filhos para irem à escola e fazendo os afazeres da casa, o marido arrumando seus instrumentos
de trabalho: enxadas, terçados, foices, machados entre outros para trabalhar na agricultura.
Os homens têm que subir uma serra para chegar aos roçados. Outros se arrumando para
pescar, ou seja, fazendo as rotinas do dia.
Minha parada foi na Escola São João, pois estava acontecendo a "Contação de estórias”, ou
seja, “Roda de Conversa”, onde as professoras Joanice e Juanei convidam os “mais velhos”
para contar “estórias” aos alunos e, tive a oportunidade de participar. O interessante é ver a
atenção dos alunos voltados para as contadoras de “estórias”, Joana Mota, Margarida Mota e
Zulaide e a curiosidade dos mesmos em querer saber mais e mais, participando e também
contando estórias que ouviram alguém da família contar. Após houve um intervalo de 15
minutos para a merenda, que foi um mingau de arroz, em seguida os alunos voltaram para sala
de aula para continuar a atividade.
A Escola Municipal de Ensino Fundamental São João, antes chamada “Nova Aliança”, foi
fundada em 1960, no quilombo de Tiningu sob a responsabilidade da professora Maria Emília
que lecionava para uma turma Multisseriada de 1ª a 4ª série. Com o aumento no número de
alunos assume também os trabalhos na escola a professora Graziela Mota, passando então a
auxiliar a professora Maria Emília. Em 1972, a escola passa para a responsabilidade da
professora Carolina de Sousa Pantoja que assume por determinado período, passando em
seguida a direção para a professora Gorethe de Sousa Pantoja. Em seguida, passou a assumir a
direção o professor José Silva, que dedicou a maior parte de sua vida à escola. Depois de
alguns anos de trabalho a escola passa para a responsabilidade do professor Solivado Cristo
Lopes. Depois para a professora Maria Caetana Bentes e, atualmente está sob a
responsabilidade da professora Joanice Mota de Oliveira. A escola é anexa a Escola Municipal
de Ensino Fundamental Afro Amazonida, localizada no quilombo de Murumuru, sob a direção
do professor Mário Fernando Bentes. O atual prédio da escola foi inaugurado em 23 de
setembro de 1998 todo em alvenaria com duas salas de aulas, uma secretaria, dois banheiros,
uma cozinha e uma área de merenda. Hoje conta com 82 alunos, sendo que no período
matutino atende a duas turmas de 1º ano, no período vespertino 3º ano, 4ª serie e 3ª ETAPA,
Educação de Jovens e Adultos, e no período noturno com 4ª ETAPA. O corpo docente do
estabelecimento de ensino é composto por 10 funcionários. O acesso, hoje, até a escola não é
difícil, pois há ônibus escolar que atende seu alunado. A escola não recebe somente alunos do
quilombo, mas também de comunidades adjacentes havendo uma integração entre as
mesmas. A comunidade se orgulha da escola que tem, pois o Ensino é de qualidade. A escola
dialoga com a comunidade e com o próprio alunado sobre a cultura da comunidade e da
região observando o contexto em que se encontra.
Para que os jovens possam terminar seus estudos eles são transferidos para a Escola Afro
Amazonida que tem de 5ª a 8ª série e cede espaço para que funcione do 1º ao 3º ano do
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Ensino Médio que é dado por Módulos, porém a escola é anexa a Escola Estadual Álvaro
Adolfo da Silveira, localizada em Santarém.
Tiningú
No quilombo Tiningú há uma Associação que luta pelos interesses dos quilombolas da
comunidade. A Associação foi fundada no dia 12 de julho de 2003 com o nome de Associação
de Remanescentes de Quilombo de Tiningú, doravante chamada de ARTININGU. A mesma
surgiu quando o Sr. Raimundo Benedito da Silva Mota foi convidado pelo CEDENPA (Centro de
Estudos e Defesa do Negro no Pará), em 1996, a participar do I Encontro de Raízes Negras
ocorrido em Belém onde o Governo estadual, no mandato do Governador Almir Gabriel, e o
próprio CEDENPA apresentaram um Histórico baseado em estudo Antropológico feito pelo
Antropólogo Eurípedes Funes, relatando que a comunidade de Tiningu era um quilombo. Após
ter conhecimento de tais informações o Sr. Raimundo Benedito voltou para a comunidade,
reuniu com os comunitários e falou a respeito do referido histórico, porém logo no inicio a
comunidade não quis aceitar a condição de ser quilombola. Então, desde 1996 até 2000 a
comunidade ficou sem reunir, sem entrar nos movimentos, principalmente na questão
quilombola, reunia-se para outras atividades. Em 2001, a Sra. Dra. Ana Felisa, da FIOCRUZ,
chegou a Santarém e foi na comunidade dar mais informações. Trouxe outras novidades, disse
que a comunidade era quilombola e perguntou se a comunidade queria se declarar como tal.
Na época, quando foram outorgados os primeiros decretos eles diziam em seu texto que se a
comunidade tivesse duas ou três famílias que quisessem se declarar como remanescentes de
quilombos elas podiam. A partir daí, a comunidade entendeu, pois era um direito seu que
estava sendo reivindicado, ou seja, viu que essa seria uma oportunidade que o Governo estava
dando para que fosse reparado erro que a sociedade cometeu em oprimir e escravizar os
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negros. No entanto, reuniram-se comparecendo aproximadamente dezoito famílias que
decidiram declararem-se como quilombolas. Depois foi marcada outra reunião para eleger
diretoria e formar a Associação. Assim sendo, a primeira diretoria constitui-se pelo Sr.
Raimundo Benedito da Silva Mota eleito como Presidente; o Sr. José Nivaldo, Vice Presidente;
a Sra. Maria Rosete Pereira Mota, Secretaria e o Sr. Valdinelson Bentes Gomes, Tesoureiro.
Assim constituíram a ARQTININGU ficando por dois anos no mandato obedecendo ao Estatuto.
A participação dos associados nas reuniões da ARQTININGU é muito vantajosa, pois nas
reuniões comparecem mais de cinquenta sócios, haja vista que há aproximadamente 130
associados, praticamente toda a comunidade se declarou como quilombola e são mais de
setenta famílias declaradas.
Hoje, Tiningu é uma comunidade reconhecida pela Fundação Cultural Palmares como
Comunidade de Remanescentes de Quilombo filiada a Federação das Organizações
Quilombolas de Santarém - FOQS. A comunidade está em Processo de Titulação no INCRA
Santarém (SR30) e aguarda a conclusão dos Trabalhos Antropológicos, ou seja, o Relatório
Técnico de Identificação e Delimitação – RTID onde foi feita parceria com a Fundação Ford que
contratou a Universidade Federal Fluminense - UFF do Rio de Janeiro, para agilizar os
procedimentos de titulação, na qual a demora que o INCRA alegava ser era pela falta de
Antropólogo dentro do Órgão. A luta pelo Território é grande, pois há muitos entraves tal
como de Setores Conservadores da Sociedade Brasileira e por parte do próprio Governo que
tentam impedir a efetivação do direito constitucional a terra acabando com o marco legal,
Decreto 4887, de 20 de novembro de 2003, que diz ao estado como fazer a titulação. A
comunidade de Tiningu é uma área, no planalto Santareno, que se mostra com 4269 ha de
terras, limitando-se ao Norte com o Igarapé do Maicá e Quilombo de São José do Ituqui, ao Sul
com a Comunidade Indígena de Açaizal, ao Leste com a Comunidade Indígena de Ipaupixuna e
a Oeste com o Quilombo de Murumuru, localizando-se no centro das mesmas. Os maiores
problemas encontrados é com fazendeiros que alegam serem donos das terras ocupadas pelos
remanescentes de quilombo.
A organização no quilombo é feita através de mutirões que são definidos nas reuniões da
Associação, realizada no segundo sábado de cada mês, e através dos conselhos comunitários.
A comunidade possui Clube de Futebol (União Esporte Clube); uma Igreja Católica com Equipe
Catequética que conduz as atividades religiosas da Igreja cujo padroeiro é São João Batista e
seu dia é festejado pelos católicos no dia 24 de junho com danças folclóricas, barraquinhas
onde são vendidas muitas iguarias da época: mugunzá, vatapá, pipoca, bolo etc. e são feita
comidas regionais como o famoso pato no tucupi, galinha caipira. Nos dias que antecedem o
festejo são feitas as novenas na igreja e em algumas casas onde são rezadas ladainhas
A comunidade tem também uma Igreja Evangélica da Assembléia de Deus, com Grupo de
Jovens que fazem parte do Coral da Igreja onde a Festa dos Jovens é realizada no dia 24 de
outubro com muitos louvores, adoração e também a Festa do Circulo de Oração que é
realizada no segundo sábado do mês de julho além da Escola Bíblica de Férias.
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A relação entre as duas igrejas é boa, não há intrigas entre ambas, tratam-se como verdadeiros
irmãos, pois fazem parte de uma mesma comunidade. Tiningu possui também, um Barracão
Comunitário; um Campo de Futebol; Energia Elétrica do Programa Luz para Todos, porém não
em todas as casas; Micro Sistema de Água feito pelos próprios moradores, toda a comunidade
é beneficiada com água encanada; um Telefone Público; um Núcleo da Pastoral do Menor;
uma Delegacia do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém –
STTR/STM; um Ginásio Esportivo construído através de Projeto junto a Fundação Ford; uma
sede da ARITIMU - Associações das Regiões de Ipaupixuna, Tiningu, Murumuru e Açaizal.
A comunidade é atendida pelo Programa Fome Zero através das Cestas Emergenciais; Bolsa
Família; Educação, Saúde e Saneamento Básico através do Projeto VIGISUS II, projeto este que
não foi nem iniciado, entre outros. Em termos de cultura existia na comunidade As
Pastorinhas, ou seja, as famosas “Cantigas de Roda”; Dança dos Mascarados entre outras.
Atualmente as “Cantigas de Roda” estão sendo resgatadas numa iniciativa da escola em
parceria com os comunitários.
Na comunidade tem o Festival do Tucunaré, peixe que dá em abundancia na região, com a
dança denominada “Dança do Tucunaré” com 60 brincantes. A ideia surgiu em 1994 através de
reunião onde se discutia sobre acordos de pesca e a sugestão foi dada pelo Sr. José Lira em se
fazer o Festival do Tucunaré. Tiningú é uma terra de encantos paisagísticos com cachoeiras,
igarapés, paisagens deslumbrantes. Portanto tem potencial turístico.
A Segurança Alimentar é uma forma de se alimentar bem, no quilombo ainda se planta a
mandioca, o feijão, arroz, milho sem nenhum uso de agrotóxico nas plantações, utilizando assim
somente produtos orgânicos o que lhes trará uma alimentação saudável. Não há nenhuma
restrição para o plantio, se planta caju, muruci, cupuaçu, hortaliças, melancia, milho, mandioca,
feijão, arroz dentre outras plantações. Os produtos cultivados servem tanto para o consumo
quanto para a comercialização. Os moradores vivem da pesca, criação de galinhas, bovinos entre
outros animais. Muitas famílias ainda vivem da plantação. A comunidade trabalha praticamente
dentro da agricultura familiar utilizando esses produtos para o seu próprio consumo, para venda,
doa quando há pessoas enfermas na comunidade sendo esta muito solidária ajudando as
famílias necessitadas, havendo assim na comunidade a economia solidária.
Na culinária: da mandioca se faz a farinha d’água, o Beiju (seco e mole); do leite: a coalhada, o
queijo, doce; do milho: mingau, pamonha; da manga: doce, mingau, suco. No artesanato se faz
paneiros, peneiras, abanos, cestos, leques. Existe na comunidade a cooperação entre um
grupo e outro que trabalham juntos, um ajudando o outro no roçado fazendo entre si
revezamento de trabalho e o que é produzido é individual. Sendo que, no momento, não há
nenhum apoio, mas futuramente se terá com o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA
junto a EMATER onde seus técnicos apoiarão os agricultores dando suporte técnico para
produção e melhoramento da Agricultura Familiar.
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Em novembro de 2007, Tiningu foi sede do VI Encontro das Comunidades Negras de Santarém,
Monte Alegre, Alenguer, Almerim e Lago Grande por conta da semana de Consciência Negra
(na minha tradução: “Semana de Consciência do Negro”) que reuniu 680 pessoas.
Já no ano seguinte sediou o I Encontro Regional da Coordenação das Associações de
Remanescentes de Quilombos do Pará – MALUNGU (palavra de origem Africana que significa
Companheiro) – Baixo Amazonas onde essa foi criada.
Os projetos futuros para a comunidade são muitos como na agricultura, no reflorestamento,
na educação, na saúde, no extrativismo, plantar mais, reflorestar mais até mesmo com plantas
medicinais que antes havia muito na comunidade e hoje está se perdendo.
Portanto, meu sonho em relação à comunidade é que nosso território seja titulado e que as
políticas públicas sejam aplicadas de forma correta, tendo na comunidade uma infraestrutura
adequada com todos os instrumentos tanto públicos quanto privados, não só para atender os
moradores do quilombo como também de comunidades vizinhas, havendo assim
desenvolvimento sem agredir o meio ambiente e que as culturas possam ser respeitadas.
Meu sonho é cursar a Faculdade de Direito e me formar em um bom advogado, não só dotado
de inteligência e conhecimento, mas com sabedoria para saber fazer um trabalho eficiente e
eficaz e poder fazer parte de um território titulado e dentro desses padrões com melhorias
para todos, desfrutando dos mecanismos a que temos direito.
Nossos ancestrais não fugiram da escravidão e sim resistiram à opressão.
Cântico Tradicional:
Sempre encontrando o meu irmão
Sempre encontrando
Sempre encontrando
Sempre encontrando o meu irmão,
(3x) Viva nossa bela união
Paneiro
Paneiro é coisa comum
Que todo barraco tem
Não custa muito dinheiro
Nem custa fazer também
As talas viviam a ufa
No mato sem serventia
(2x) A lição que o paneiro ensina
Como é bela a união
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Mas quero levar comigo
Pra sempre no coração
(2x) A lição que o paneiro ensina
Como é bela a união
Provérbios:
“Olha! te ajeita, te ajeita, formiga quando quer se perder cria asas!” “Água molhe em pedra
dura bate, bate até que fura!” “O(a) fulano(a) pegou a perna da cutia e, olha, fugiu!”
ARAPEMÃ
A comunidade de remanescentes de quilombo de Arapemã está localizada na
margem esquerda do rio Amazonas a 45 minutos do centro urbano de Santarém. Possui
86 famílias com aproximadamente 306 pessoas, possui uma associação que os
representa juridicamente, a Associação de Remanescentes de Quilombo de Arapemã –
ACREQARA, que por sua vez é filiada à FOQS.
Dança das Pretinhas de Arapemã
A comunidade é atendida pelo Programa Fome Zero através das cestas emergências e
pelo Bolsa Família. Não possui energia elétrica. Possui apenas uma igreja católica e uma
escola de 1ª a 4ª séries.
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Chegando em Arapemã
Também faz parte do Projeto VIGISUS II e foi contemplada com um CCP e CCI, mas que nunca
foram implantados.
Culturalmente possui a dança das pretinhas e trabalha com artesanato de argila. No
quilombo há uma liderança que compõe, canta e toca músicas que retratam a temática da
realidade do quilombo.
Possui um potencial pesqueiro muito acentuado. Arapemã é regida por dois períodos
sazonais: a seca e a cheia do rio Amazonas que conduzem a vida da comunidade.
Em Arapemã, na casa da Cleide presidente da Federação, que também é compositora e cantora e nos recebeu de braços abertos.
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Vista da pia da cozinha da casa em Arapemã
O fogão a lenha da casa em Arapemã A cozinha
SÃO RAIMUNDO DO ITUQUI
A comunidade de remanescentes de quilombo de São Raimundo do Ituqui possui
aproximadamente 25 famílias que são representadas pela Associação de Remanescentes de
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quilombo de São Raimundo do Ituqui – ARQSRI. A mesma fica situada às margens do rio Amazonas
num afluente denominado de rio Ituqui. A comunidade possui a seguinte infraestrutura: um
barracão comunitário; uma escola de 1º a 5º série; uma igreja católica; um time de futebol
masculino e um time feminino. A energia elétrica é produzida por placas solares ou motor a diesel
ou gasolina. A água utilizada para o consumo é a própria água captada diretamente do rio que
passa apenas pelo processo de decantação. Quanto às manifestações culturais, têm-se a
festividade religiosa e festa dançante denominada “Baile do Boi Gordo”.
A comunidade é atendida pelo Programa Fome Zero através das cestas emergências e
pelo Bolsa Família. Possui muitos recursos naturais com grande potencial pesqueiro.
Descrição Histórica do Quilombo de São Raimundo do Ituqui
A escolinha de ontem, as escolas de hoje
Fátima Corrêa da Silva* *Pesquisadora voluntária do projeto
Sou quilombola de São Raimundo do Ituqui município de Santarém. Meu nome é Fátima
Corrêa da Silva, tenho 45 anos.
Sai de casa hoje pela manhã, tomei café com meu esposo e minhas duas filhas uma de 25 anos
outra de 18 anos e meus dois netinhos um de dois anos outro de 4 anos, depois sai para meu
trabalho. Quando chequei, encontrei com varias pessoas para tratar de assuntos da
comunidade, foi ai que sentamos para conversar o que tinha acontecido antigamente. Foi ai
que surgiu em nossa conversa a história da comunidade que antes só tinha sete famílias.
Contaram que antes não era uma comunidade. As crianças tinham que se deslocar para outra
localidade para estudar, mas achavam uma enorme dificuldade devido a distancia, uma vez
que levava 2 horas para chegar à escola.
Devido a essas dificuldades, as sete famílias tomaram uma decisão e procuraram o senhor
Alduino para fazer funcionar a escola na casa dele. Ele aceitou e as crianças começaram a
estudar com a professora sendo paga pelos pais. Com o passar do tempo, as famílias foram
aumentando e também se organizando. Com a luta dos comunitários eles construíram um
barracão para ter um ambiente melhor para essas crianças. Com o passar dos anos as famílias
queriam coisas melhores para seus filhos e com muita luta e dialogo eles conseguiram a
primeira escola pelo município em 1971 que tinha apenas uma sala de aula que dava para
suprir a necessidade dessas crianças de 1ª a 4ª série com a professora já sendo paga pela
Prefeitura. Em 1981 foi construída outra escola, somente com uma sala de aula, mas bem
maior devido ao número de alunos ter aumentado, com isso foi melhorando, pois os alunos
passaram a ter merenda escolar.
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Mas as famílias não estavam satisfeitas, queriam uma escola melhor. Formaram uma comissão
de oito pessoas e começaram a lutar. Lutaram por mais de 15 anos e foi com muita luta que
conseguiram uma nova escola bem estruturada, agora com uma sala de aula, uma secretaria,
uma cozinha com alguns utensílios e banheiro, isso aconteceu em 15 de março de 1999 e foi
uma alegria para os comunitários.
Com o passar do tempo, devido à enchente, a escola foi se deformando e com isso as crianças e
os funcionários corriam riscos na escola. Houve então a necessidade de a comunidade se reunir e
conversar com o secretário da prefeitura e foi com muitas saídas para correr atrás desse pessoal
que conseguiram a escola com duas salas de aulas, uma secretaria, uma cozinha, uma despensa,
banheiro e três funcionários. A escola foi entregue aos comunitários no dia 5 de agosto de 2010.
A primeira escola foi construída no terreno da senhora “Mulata”, depois a segunda escola foi no
terreno do senhor Petronilo, mas devido às “terras caídas” houve necessidade de mudar a escola
outra vez. Foi ai que a senhora Muiací doou um pedaço de uma área para fazer a nova escola.
Hoje os conflitos são sobre o meio ambiente, sobre a pesca, que muitas pessoas não respeitam
a portaria do defeso e com isso as outras pessoas que respeitam a lei se revoltam. Já
aconteceram tiroteios por causa da pesca predatória. Numa das fiscalizações um jovem da
comunidade de São Raimundo foi baleado por esses infratores que não foram presos até hoje
e continuam a fazer a pesca predatória.
Quanto às nossas tradições, nós temos duas pessoas, uma rezadeira e outra consertadeira.
Antes não pensamos em associação e nem sabíamos que a nossa comunidade era
remanescente de quilombo, nós tínhamos todas as características, mas depois de uma
assembléia no quilombo de Nova Vista, tendo sido essa a primeira comunidade quilombola na
região a se organizar, com a presença do frei Alex Assunção e da Doutora Ana Felissa que
explicaram que existe um estudo por antropólogo que diz que na região do Ituqui há terra de
negros e índios sendo que os negros fugiam das senzalas e se refugiavam no Ituqui sendo essa
pesquisa feita de Nova Vista até Cabeceira do Marajá já no planalto. Depois dessa reunião
tornou-se necessário se organizar uma associação de remanescentes de quilombo, ai
começamos a lutar pela legalização.
Na nossa comunidade temos vários artesãos, nós temos 23 profissionais que são pescadores
artesanais que fabricam seus próprios instrumentos de pesca e um que tece tipiti feito da tala
da jacitara, as malhadeiras são feitas com agulha de pau, palheta de pau e linha de algodão ou
de mica ou de plástico.
A história do campo de futebol foi assim: na comunidade as crianças não tinham onde brincar
e os homens se organizaram e fizeram um campo de futebol. Com o passar dos tempos eles
tomaram conta e tiveram a ideia de organizar um campeonato rural e aí eles se juntaram com
a escola e formaram um time.
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Consideramos que o acesso à escola é bom. Na infraestrutura a escola é reformada, tem uma
boa qualidade, funciona do primeiro ao quinto ano e tem duas professoras: uma é efetiva, a
outra temporária. Temos aula de catecismo e crisma, é tudo que temos sobre educação.
Antigamente as celebrações eram feitas nas casas até que tiveram a ideia de construir uma
igreja, mas surgiu um problema: não tinham aonde. Então o senhor Aldomiro se prontificou a
doar uma área para fazer, mas com o passar do tempo começou a cair as terras que por muito
pouco não levaram a igreja. Ai os comunitários se preocuparam e a dona Muiaci doou mais um
pedaço de terra para construir a nova igreja.
Aqui nós mantemos a manifestação da nossa cultura com a festa do Boi Gordo que é realizado
no ultimo sábado do mês de setembro. O meu sonho é que funcione o ensino médio na
comunidade, a secção eleitoral, o núcleo de base da Z-20, termos um posto de saúde na
comunidade. Outro sonho é ver a minha comunidade bem organizada.
NOVA VISTA DO ITUQUI
A comunidade remanescente de quilombo de Nova Vista do Ituqui possui, aproximadamente,
34 famílias, totalizando 101 quilombolas, representadas pela Associação de Remanescente de
Quilombo de Nova Vista do Ituqui – ARQNOVI , fundada em 04 de setembro de 2004, tendo
como segmentos: Equipe catequética, clube de Futebol, Núcleo de Base da Z-20. A ARQNOVI é
afiliada a Federação das Organizações Quilombolas de Santarém – FOQS.
O quilombo de Nova Vista do Ituqui encontra-se em fase de conclusão do Relatório Técnico de
Identificação e Delimitação – RTID. Nova Vista do Ituqui possui um barracão comunitário, uma
Igreja Católica, um Templo Evangélico, uma escola de ensino fundamental de 1º ao 5º ano, um
campo de futebol. A energia elétrica é proveniente do uso de placa solar ou motor à diesel ou
gasolina. A água é proveniente do rio e é tratada por decantação.
A comunidade também é atendida pelo Programa Fome Zero e Bolsa Família através de cestas
de alimentos emergenciais. Nova Vista possui recursos naturais com potenciais pesqueiros.
Culturalmente desenvolve o artesanato em tala de jacitara. Tem como festas religiosas a
padroeira Nossa Senhora das Graças que ocorre todo outubro e tem como festa dançante
denominada de baile do Beijo que ocorre no mês de setembro.
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Descrição histórica do Quilombo de Nova Vista do Ituqui
Meu Quilombo Lindo
Iriclei Costa Coelho*
*Agente do projeto
Sou Iriclei Costa Coelho, tenho 29 anos, nascida no quilombo de Nova Vista do Ituqui,
município de Santarém do Pará. Sou agente do projeto Etnodesenvolvimento e Economia
Solidária. Nasci aqui e pretendo por muitos e muitos anos viver aqui.
Nova Vista tem esse nome porque é a primeira coisa que a gente vê quando entra na boca do
Ituqui.9 Foi fundada em 1938 pelo senhor Aventino Viana Figueira e sua esposa a professora
Maria de Lourdes Chaves.
História do quilombo de Nova Vista do Ituqui
Em 1952 os moradores não falavam em comunidade quando se reuniam para rezar a ladainha
nas casas dos vizinhos e para festejar os santos padroeiros: Santo Antônio na casa da senhora
Claudia Bethecel, São João na casa da senhora Brasília Pereira. Também tinha a festa dos
pretos onde os brancos não eram aceitos e eram pegos e jogados no rio. O mesmo acontecia
com os pretos na festa dos brancos.
Festejavam com oração, fogueira, danças de pássaros, boi bumbá e faziam todas as iguarias
das festas juninas como tarubá10, tacacá e outras. Celebravam também a festa do São Felipe
na casa da senhora Francisca Pereira. Após a cerimônia religiosa era realizado o baile em
ramada11 local onde a festa era animada por violão, flauta, banjo, cavaquinho, violino,
bandurra12, pandeiro e zabumba e onde os convidados comiam e bebiam de graça. Na época
havia também a folia de Santo Esmola, os componentes chamavam-se de foliões.
As famílias viviam da agricultura familiar com a plantação de cacau, mandioca, banana, milho, cana-
de- açúcar e criavam gado, aves, suínos e outros animais domésticos. Seus trabalhos eram feitos na
9 “Boca do Ituqui” é como se chama a entrada de um braço do rio Amazonas que foi denominado de rio Ituqui onde estão localizados os quilombos de São José, São Raimundo e Nova Vista.
10 Bebida de origem indígena que é fabricada através da fermentação da mandioca. 11 Durante o período de cheia os quilombolas procuravam um local onde ainda não estivesse coberto pelas águas e por conta da grande umidade forravam o solo com capim, daí o nome ramada. 12 Instrumento feito de madeira e lata.
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base do puxirum (mutirão). Entre as famílias que moravam no Ituqui e Ponta do Tatu13 que fica na
beira do rio Amazonas, destacamos alguns nomes como de Antonio Colares de Miranda, Francisca de
Oliveira, Inocêncio Pereira, Basília de Assunção Pereira, Almiro dos Santos, Beatriz dos Santos, Salvino
Rodrigues Vasconcelos e outros.
Em 1956 a professora Paulina Campos chegou à comunidade para lecionar para
aproximadamente 40 alunos na Escola Auxiliar Mista do Ituqui, na Fazenda Inveja do senhor
Raimundo Macambira.
No decorrer dos anos os moradores realizadores das festas vieram a falecer e sentiu-se a
necessidade de ser fundada uma comunidade. Em 1958, o senhor Aventino Viana Figueira e
sua esposa a professora Maria de Lurdes Chaves fizeram uma promessa de construir uma
igreja. Juntaram os amigos Raimundo Guimarães, Roberto Francelino, Gilberto Dias, Pedro
Fernandes, Antonio Deodato José Lucas, Sebastião Coelho, Edigar Almeida e outros, com o
apoio do senhor Vicente Miléo, construíram a igreja e colocaram como padroeira Nossa
Senhora das Graças, e no dia 11 de fevereiro de 1960, foi inaugurada e celebrada a primeira
Missa por Frei Graciano14.
Em junho de 1960, foi contratada a primeira professora Rosinalda Chaves e depois dela já
trabalharam 22 professores.
13 Ponta do Tatu é uma faixa de terra que territorialmente faz parte do quilombo Nova Vista. 14 Frei da Ordem dos Frades Menores, Custódia São Benedito da Amazônia, que era composta por frades oriundos da Alemanha e dos Estados Unidos da América.
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No dia 28 de Agosto de 1967 foi fundado o Nova Vista Esporte Clube, tendo como presidente
Manuel de Jesus Miranda Coelho e vice-presidente Renildo Dias da Costa.
No ano de 1987 os pescadores resolveram se organizar e no dia 05 de Maio foi fundado o
Núcleo de Base da Colônia de Pescadores Z-20, tendo como Coordenador: Edmilton Miranda
Coelho; Secretário: Elisson Costa Coelho; Tesoureiro: Salustiano, e os sócios fundadores
Jurandir, Roberto, Manuel Pereira, Raimundo Idenilzo, Miriam, Manoel de Jesus Miranda,
Maria Elízia, Sandra, Edila, Cleonice, Maria Clara Mota, Tadeu Santos.
Em 20 de maio de 1995 foi criado o acordo de pesca da comunidade com a presença e o apoio
dos pescadores, moradores, proprietários de terra. A área de atuação deste acordo é: a
margem esquerda do Maicá do lago Tucumã ao lago do Poção, margem esquerda do Ituqui do
lago do João Antonio ao lago do Porto. O objetivo desse acordo é conscientizar os moradores
no manejo da pesca e do meio ambiente. Este acordo contou com o apoio do IBAMA e da
Colônia de Pescadores Z-20 de Santarém.
Hoje só resta o clube de futebol e o núcleo de base.
Em 16 de março de 1996 foi criado um grupo de trabalho com apoio da Z-20 e o projeto
Várzea15 com a finalidade de analisar, propor, planejar, organizar e coordenar ações
relacionadas ao desenvolvimento da educação da saúde de trabalho e da economia que
atenda as necessidades de melhoria da qualidade de vida da comunidade.
Saí cedo de casa para ver e ouvir o canto dos pássaros, ver meu pai tirar leite das vacas, ver
minha mãe alimentar as galinhas, patos, perus, picotes (galinha d´Angola), ver os cavalos,
carneiros e os outros animais sair para pastar. Voltei para casa para tomar café com leite
tirado das vacas, pão torrado, manteiga, junto com minha família: meu pai, filho de pais
negros, minha mãe, filha de mãe branca e pai negro. A história dos dois foi complicada no
namoro porque a mãe da minha mãe não queria que ela casasse com meu pai por ele ser
negro, isso aconteceu porque ela era neta de um alemão que passou pelo Ituqui e engravidou
várias mulheres entre elas a minha bisavó, mas eles venceram o preconceito dela e casaram e
vivem juntos há 37 anos, têm 6 filhos e 8 netos. Em casa somos 06 pessoas: meu pai, minha mãe,
meu irmão que é professor, duas sobrinhas uma de 10 anos a outra de 14 anos e Eu. Sempre
conversamos sobre vários assuntos cada um dá a sua opinião, apesar de às vezes não
concordarmos, mas respeitamos a ideia dos outros.
Após o café saí para fazer minha caminhada pela comunidade, minha casa tem vários vizinhos
do lado direito pra onde eu fui. A primeira casa foi a da dona Elza que tem 10 filhos, mas só
moram sete filhos com ela que tem um companheiro e seu pai, um senhor de 88 anos, um dos
mais velhos da comunidade. A família dele era plantadora de cacau na comunidade. As
crianças a essa hora da manhã já estão entrando na escola, depois que chegam da escola,
almoçam e vão brincar sempre com um adulto por perto pra não deixar irem pra beira do rio.
15 Era um projeto implantado pelo IBAMA denominado Pró-Várzea cujo objetivo era realizar o plano de manejo das áreas de várzea.
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Depois de passar pela casa da dona Elza, chego à casa da dona Mercedes que é irmã do pai da
dona Elza. Ela é uma senhora muito calada, quase não conversa, com ela moram dois filhos
natural e um de criação que é irmão da dona Elza que quando a mãe da dona Elza morreu ele
era bebê e a dona Mercedes pediu pra criar. Seguindo mais um pouco passo pela casa de uma
família recém-chegada na comunidade, eles são oriundos de uma comunidade não
quilombola. Seguindo mais um pouco chego na minha comadre Sônia que é filha aqui de Nova
Vista, casada com o compadre Adilson que também é natural daqui. Eles têm dois filhos que
moram com eles e uma filha que mora com a avó. Daqui tive que voltar porque temos casas só
depois de um cavado e só passamos de canoa, como fui a pé não pude passar. Voltei e segui
para a direita da minha casa, onde fica a Igreja, depois dela fica a sede velha e atrás está sendo
construída outra nova com uma cozinha comunitária onde tem um quarto onde mora a
professora da comunidade.
Na comunidade há 34 famílias, a maioria remanescente de quilombo.
O maior conflito é entorno da pesca predatória, é o conhecidíssimo arrastão com malhadeira
(rede de pesca) com malhas menores. Eles caem dentro do lago, fazem o circulo e puxam
trazendo todo tipo de peixe de todos os tamanhos isso acontece tanto de noite quanto
também de dia. Eles são abusados, sabem que é proibido, mas mesmo assim cometem esse
crime. E a maioria desses pescadores recebe o Seguro Desemprego do pescador. Eles não têm
precisão de fazer isso! Tem morador na comunidade que tem mais precisão que eles, mas
todos respeitam. Alguns são da própria comunidade e os demais de outras comunidades e
também de Santarém. As comunidades fazem a fiscalização, mas assim mesmo eles veem. São
sete comunidades prejudicadas, mas isso graças a Deus está mudando porque essas
comunidades se juntaram e fiscalizam. Quando pegam as malhadeiras elas são queimadas,
porque não adianta entregar no IBAMA, eles vão lá e recebem de volta, continuam a fazer a
pesca de novo e quando eles não pegam peixe eles roubam o que eles acham pela frente: é
canoa, é barco, é gado, é motor de luz, é tudo que der de vender. O IBAMA não fiscaliza aí as
comunidades são obrigadas a fiscalizar se arriscando porque eles estão armados. O risco de
conflito é grande, mas temos que fazer isso porque daqui a pouco nós não teremos mais
peixes no nosso Maicá e em todos os lagos.
Outro problema é o lixo, tanto o produzido na comunidade como o que vem no rio. Aqui a
coleta é feita através de barco, isso surgiu depois de um projeto feito pelo IPAM (Instituto de
Pesquisa Ambiental da Amazônia), sua sede é em Santarém, através dele o barco vem buscar,
mas só vem de dois em dois meses. No começo foi ótimo, depois acabou o dinheiro do projeto
e então foi feito um convenio com a Prefeitura de Santarém, mas que só veio a piorar o
problema. Há a coleta, mas passa muitos meses sem vir e muitas vezes, quando vem ele passa
e não leva nenhum lixo porque não avisaram que vinham e a comunidade então não levou o
lixo para a margem do rio. Na comunidade não temos telefone público, a comunicação é só
através de aviso pelo rádio, mesmo assim eles não fazem.
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Aqui não temos posto de saúde, então a maioria das pessoas não procuram ir ao médico, só
vão num caso grave. Na comunidade é através dos remédios caseiros como: plantas
medicinais, porções, xaropes caseiros, mel de abelha que são curadas várias doenças entre
elas: diarreia, febre, dor de cabeça, gripe, tosse e várias outras doenças fácies de ser curadas.
Os instrumentos agrícolas mais usados são terçados, machados, enxadas, boca de lobo, ferro
de cova, picareta, roçadeira e vários outros instrumentos usados para fazer os roçados e
puxiruns (mutirões).
A culinária típica da região do Ituqui é: queijos de manteiga, queijo de coalhada, beiju de
mandioca, beiju de tapioca, canjica de milho, mingau de banana, mingau de jerimum, mojica
de peixe, peixe no tucupi, tacacá, doce de leite, sarapatel de tracajá, bolo de milho, galinha
caipira, pamonha, peixe assado, caldeirada de peixe, peixe frito, baião de dois.
Os peixes mais conhecidos e mais consumidos são: pirarucu, tucunaré, pescada, apapá,
tambaqui, surubim, pacu, aracu, mapeará e vários outros. Aqui vai uma receita de caldeirada
de surubim:
Ingredientes: 1 surubim, cheiro verde, tomate, cebola, alho, pimenta, pimenta do reino e sal a
gosto. Modo de fazer: Corte em pedaços o surubim, não descartar a cabeça. Depois disso, lave
com limão o peixe e, em uma panela, coloque para dourar os temperos e em seguida coloque
o surubim, não pare de mexer suavemente até que crie água dele mesmo, deixe levantar
fervura, mexa de vez em quando, coloque sal a gosto, deixe amolecer o peixe depois é só
saborear. Bom apetite!
Provérbios mais conhecidos:
“Quem tem olho fundo chora cedo”, “Quem não tem cão nem gato põe o pai no mato”, “Mais
vale um pássaro na mão do que dois voando”, “Quem não tem cão caça com gato”, “Quem
planta vento colhe tempestade”.
Potencial hídrico, florestal e turístico:
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Na comunidade passa o rio Amazonas só algumas vezes que o rio Tapajós passa, mas a maioria
das vezes é o rio Amazonas, a cor dele é amarelo devido à extração do ouro na sua nascente.
Conforme estudos ele tem vários componentes entre eles o mercúrio que causa câncer e
várias outras doenças. Como não temos de onde tirar água, as famílias fazem o tratamento da
água com hipoclorito. No rio existem muitos peixes como dourado, surubim, sardinha, cuiuba,
acari, pacu, aracu, curimatá e vários outros. Existem várias árvores nas suas margens, a maioria
é canarana, um mato nativo que ajuda a segurar a terra para não cair, mas também temos
várias árvores na beira do rio como castanheiras, imbaúbas, jenipapeiros, açaicuzeiros e outras
variedades de plantas. Há um potencial turístico sendo que o lago do Maicá já é um potencial
em turismo com suas diferentes espécies de peixes e quelônios e onde tem uma área
particular que é chamada de Taperinha16 que é uma fazenda com uma senzala onde os negros
eram colocados no regime de escravidão e eram acorrentados para não fugir, mas mesmo
assim alguns fugiram e formaram algumas dessas comunidades e dificilmente eram capturados
por ser uma área de várzea. Eles fugiam de canoa ou a pé e como tem o lago não tinha como
os capitães do mato ir a cavalo atrás deles. Vale ressaltar que só entra na fazenda com a
permissão dos proprietários. Esse é um ponto onde poderia ser um museu e uma pousada
para os turistas visitarem e se hospedarem enquanto fazem várias atividades como canoagem,
pesca esportiva e várias outras e saboreiam nossas comidas e sucos típicos da região.
A Associação de Remanescentes de Quilombo de Nova Vista do Ituqui (ARQNOVI), foi fundada
no dia 04 de setembro de 2004, ela esta organizada de acordo com a legislação e seu estatuto
registrado em cartório, tem por princípio não fazer distinção de cor, sexo, religião e opção
partidária e por objetivo planejar, instrumentar, executar, controlar e avaliar programas
16 Os quilombos da área de planalto e da região do Ituqui se originaram dessa Fazenda com exceção de Bom Jardim que é oriunda da Fazenda Bom Jardim.
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voltados aos direitos da comunidade como promover a organização dos remanescentes de
quilombo e administrar as terras. Quem vai receber o titulo pelo território é a Maria
Valentina17 que abrange três comunidades: São Raimundo, São José e Nova Vista na região do
Ituqui e também promover ações que busque programas de assistência técnica, preservar,
conservar de forma sustentável os recursos naturais existentes nos ecossistemas da
comunidade, estabelecer convênios com entidades publicas e privadas, viabilizar meios para a
inclusão da produção familiar no mercado consumidor local e regional, gerar ocupação e renda
através da unidade produtiva familiar. A associação é organizada e administrada por presidente,
vice-presidente, primeiro secretário, segundo secretário, primeiro tesoureiro, segundo
tesoureiro e conselho fiscal, eleitos por dois anos podendo ser reeleitos por mais dois anos. Toda
diretoria tem por obrigação prestar contas do referido mandato. Caso a diretoria e o conselho
fiscal sejam destituídos dos seus referidos cargos pela assembléia geral, esta elegerá uma junta
governativa composta com os mesmos números de integrantes dos órgãos destituídos que
administrará a entidade até o fim do mandato e a nova eleição para a diretoria.
O principal projeto da associação é a titulação das terras. A associação tem aproximadamente
cinquenta sócios. A reunião acontece todo primeiro domingo do mês na comunidade.
Na comunidade participamos do projeto Jurista Leigo que a Federação das Organizações
Quilombolas de Santarém e Terra de Direitos com o apoio financeiro do Fundo Brasil dos
Direitos Humanos FBDH que forma jovens e lideranças para trabalharem em prol de suas
comunidades aprendendo a resgatar as suas historias e seus direitos como quilombolas,
estudando o passado, o presente e pensando o futuro. O curso trabalha os conhecimentos e
afirmações dos direitos quilombolas e os alunos depois repassam em suas comunidades tudo
que aprenderam durante o curso.
Os maiores empreendimentos que temos são: criações de bovinos, bubalinos, equinos,
caprinos, suínos, aves como galinhas, patos, perus, picotes que é a mesma galinha d´Angola e
plantações de milho, feijão, mandioca, macaxeira, jerimum, abóbora, maxixe, melancia,
tomate, cheiro verde e outras hortaliças.
Os maiores proprietários de terra e criadores de gado da comunidade são: José Maria da
Costa; Doutor Rui Siqueira; José Maria Pantoja; Doutor Pedro Novoa e Antônio Pequeno. Na
costa do rio Amazonas (Palmares), Vicente Mileo, já falecido, e outros pequenos criadores têm
como renda o leite, o queijo e a manteiga. Quanto à pesca, é somente no verão na
comunidade tem vários pescadores que são associados da colônia de pescadores Z-20 de
Santarém, mas eles não vivem somente do pescado e sim de várias outras coisas como
pequenas criações. Acho que os pequenos criadores deveriam se juntar e fundar uma
cooperativa ou associação.
17 A Associação de Remanescentes de Quilombo Maria Valentina – ARQVALENTINA foi criada para receber o título que corresponde ao território da ARQNOVI, a Associação de Remanescentes do Quilombo de Nova Vista do Ituqui - ARQSI, a Associação de Remanescentes de Quilombo de São José do Ituqui e ARQSJI e a Associação de Remanescentes de Quilombo de São Raimundo do Ituqui - ARQSRI.
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A geração de renda não é boa. Apesar de termos esses grandes criadores, é muito difícil
trabalho porque a maioria da demanda é para trabalhar com gado e com plantação e com um
pagamento em diárias que variam de preço, sempre uma mixaria. E aqui as pessoas são
pescadores artesanais profissionais, elas têm que pescar para poder ter o direito de receber o
seguro desemprego do pescador artesanal, esse é o beneficio que o governo paga por quatro
meses no tempo do chamado defeso em que os peixes estão no período de desova.
Economia Solidaria do nosso jeito. Aqui ainda se vê as pessoas partilharem o pouco que têm
com os vizinhos como faziam os nossos antepassados. O que mais se partilha é peixe, farinha,
açúcar, café. Ainda existe pessoas que ajudam o próximo e trabalham em roças, hortas no
sistema de mutirão. Na comunidade temos muitas famílias que recebem o Programa Bolsa
Família. Não temos ajuda técnica, ainda se planta conforme aprendemos com nossos
antepassados. O trabalho formal na comunidade é mais usado com os professores que são
empregados da Secretaria de Educação do Município, tendo que obedecer a horários e
trabalhar de acordo com o que a secretaria determina. Já no trabalho informal o trabalhador
produz, colhe os melhores produtos e vende, pode negociar com o consumidor.
O Sistema Capitalista mudou a cultura do povo, pondo a cultura da compra e venda. Antigamente o
povo fazia a troca e não se falava em dinheiro, nem preço. Isso mudou a cultura e transformou alguns
em gananciosos, trapaceiros que só visam dinheiro. Hoje só o dinheiro que vale. Ai nossa cultura vai
morrendo aos poucos.
Desenvolvimento - Alguns dizem que é melhorar de vida, ter dinheiro. Para mim é o povo ter
o que comer, beber, vestir, ter terra para plantar dentro da agroecologia, isso que é
desenvolvimento para mim.
Modo de trabalho - Na comunidade é comum todos terem suas criações, plantações, ou seja,
cada um vive conforme suas possibilidades.
Segurança Alimentar – para mim é ter alimento de qualidade e que todos tenham em suas mesas.
Aqui graças a Deus, ainda é de qualidade e tem em quantidade. Aqui se planta melancia, jerimum,
abóbora, cheiro verde, tomate, repolho, pimentão, couve e vários outros entre frutas e verduras.
Os adubos usados são naturais, os pesticidas é que ainda são industrializados. Aqui se faz a
preservação ambiental: rios, lagos e matas.
Artesanato - O artesanato trabalhado é só o de tipiti feito da tala da jacitara encontrada nas
matas aqui da comunidade, ele é usado para tirar o tucupi e a tapioca da massa da mandioca.
Música e suas diferentes manifestações - Na comunidade a ladainha era cantada como
antigamente, outras manifestações foram esquecidas. Estamos tentando resgatar a dança do
Lundum que era dançada pelos antepassados. Tínhamos também o baile dos mascarados que
acontecia no mês de fevereiro, as festas eram de três dias, tudo era doado comidas e bebidas.
Hoje temos como manifestação cultural o aniversário da comunidade que acontece todo dia 11 de
fevereiro que é a data em que a igreja foi construída e trazida como padroeira N. S. das Graças para
o local que já existe há mais de dois séculos. No mês de Setembro temos um baile que é chamado
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de Baile do Beijo acontece há mais de 10 anos, e no mês de outubro a festa de Nossa Senhora das
Graças que é desde 1960, portanto há 53 anos. Algumas das tradições que são mantidas até hoje: o
leilão de oferendas, as missas, o catecismo, as novenas, os bingos e serestas dançantes com os
comunitários, ex-moradores vindos de Santarém, comunidades vizinhas e até de outras cidades de
fora do estado como de Manaus e várias cidades de perto.
Na comunidade tem um campo de futebol, o nome do time é Nova Vista Esporte Clube. Tem
um núcleo de base da colônia de pescadores Z-20. Eles se reúnem todos os meses para discutir
seus direitos e deveres.
Projetos que já passaram por aqui: Projeto Várzea que pesquisava algumas espécies de peixes
e algumas plantas que servem de alimento para os peixes nas comunidades de várzea; o outro
foi pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - IPAM que pesquisava a preservação
dos lagos, o reflorestamento e as espécies de peixes das comunidades e que mapeou toda a
área da ilha do Ituqui.
Educação - Antes na comunidade não existia escola. As crianças estudavam na casa de algum
comunitário, iam de canoa para a “escola” e os pais pagavam a professora para que seus filhos
estudassem até o quinto ano, o antigo Mobral, isso no período de 1940 a 1950. A partir 1958 a
1960, próximo à igreja foi construído um barracão comunitário que passou a servir como
escola e sede dançante. No período de festa eram tiradas todas as cadeiras da sede e
guardadas na igreja e na segunda feira, antes das aulas, os alunos carregavam as cadeiras de
volta para a sede para poder estudar. Passaram mais de quarenta anos, as lideranças lutavam
por um prédio escolar para a comunidade aí no ano de 2003 numa parceria com um vereador
a comunidade foi contemplada. Hoje os alunos vão para a escola de barco, hoje a escola tem
uma professora que não é efetiva é temporária, tem aproximadamente de 10 a 12 alunos que
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estudam do primeiro ao quinto ano, tem uma sala com um quadro negro que ainda é utilizado
e um quadro branco que não é usado porque a prefeitura não dá o material necessário. Se a
professora quiser escrever no quadro ela tem que comprar os mateias o que a prefeitura da é
só o giz, carteiras e mesas, um armário, uma cozinha com um fogão, uma pia, duas despensas,
dois banheiros, uma caixa d’água. O que mais intriga os pais e outros comunitários é que
mesmo as comunidades sendo reconhecidas como remanescentes de quilombo ainda chega
muitos livros falando no racismo, na discriminação com os negros, com indígenas e até mesmo
com os brancos também e contam histórias e realidades diferentes das nossas. Apesar de a
Prefeitura fazer cursos de formação para os professores, não é suficiente, pois mandam
poucos livros que falam da nossa historia, não que as crianças não devam aprender sobre
outras regiões, mas é que se estuda mais sobre os outros do que sobre nós mesmos. Quem
terminou o quinto ano tem que ir para a escola na comunidade vizinha que tem do primeiro ao
nono ano, são 45 minutos a 1 hora de barco, quando os alunos terminam o nono ano escolar,
se quiserem terminar os estudos, têm que ir para Santarém.
Meu sonho - Meu maior sonho é ver as terras tituladas, as famílias com seu pedaço de terra
para morar criando e plantando, mantendo as tradições dos nossos antepassados, ensinando
para seus filhos e netos aquilo que aprenderam com eles e que nossa identidade seja mantida
e que tenhamos luz elétrica que ainda não temos, saúde, escola com ensino médio, biblioteca
com livros que conte a nossa historia, não aquela no tempo da escravidão e sim as coisas boas
que eles trouxeram como a cultura, a luta pela liberdade, os temperos, a culinária e outras
coisas boas.
O outro sonho é terminar meus estudos, ir para a faculdade e me formar em advogada ou em
veterinária ou até mesmo em professora, casar, ter filhos de preferência gêmeos, depois de
me formar, claro. Não vai demorar muito se Deus quiser. Continuar morando no meu
quilombo com minha família. Se tudo isso não acontecer, pretendo me tornar uma criadora de
gado e outros animais, mas respeitando o meio ambiente, continuar trabalhando em prol do
meu povo e, claro, procurando ser muito feliz.
Aqui termino a minha descrição histórica. Não foi possível relatar tudo porque alguns dos mais
velhos que sabiam da historia já não estão mais entre nós, eles sim sabiam muita coisa que
não vai aqui escrito.
Muito obrigada por me dar a oportunidade de contar a história do meu povo e a minha.
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Descrição Histórica do Quilombo de Nova Vista do Ituqui
Tamara Teresa Coelho dos Santos*
*Pesquisadora voluntária do projeto
Sou quilombola do quilombo de Nova Vista do Ituqui, que fica em Santarém, no Pará. Meu
nome é Tamara, tenho 19 anos. O quilombo de Nova Vista do Ituqui foi fundada pelo Sr.
Aventino Viana Figueira e sua esposa a professora Maria de Lourdes Chaves e amigos.
Antes de tudo isso acontecer tinha a festa dos pretos onde os brancos não eram aceitos, eles
eram jogados no rio Ituqui e o mesmo acontecia com os pretos na festa dos brancos.
Em 1952, os moradores não falavam em comunidade, quando se reuniam era para rezar a
ladainha nas casas dos vizinhos e para festejar os santos padroeiros: Santo Antônio na casa da
Sra. Claudia Bethecel, São João na casa da Sra. Brasília Pereira.
Festejos - Festejam com oração, fogueira, Dança de Pássaro, Boi Bumba e faziam todas as
iguarias das festas juninas: tarubá, tacacá e outras. Celebravam também a festa de São Felipe
na casa da Sra. Francisca Teixeira, após a cerimônia religiosa era realizado o Baile Ramada
animado por violão, flauta, banjo, cavaquinho, violino, bandura, pandeiro e zabumba, os
convidados comiam e bebiam de graça.
Menina com o Pássaro Azul
Na época tinha também a folia com o santo Esmo, seus componentes chamavam-se foliões.
As famílias viviam da agricultura do cacau, mandioca, banana, milho, cana de açúcar, criavam
gado, aves, suínos e outros animais domésticos, e seus trabalhos eram feito a base de
puxirum. Entre as famílias que moravam no Ituqui e Ponta do Tatu que fica na beira do rio
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Amazonas destacamos alguns nomes como o de: Antônio Colares de Miranda, Francisco de
Oliveira, Inocêncio Pereira, Brasília de Assunção Pereira, Almiro dos Santos, Beatriz dos Santos,
Salvino Rodrigues Vasconcelos e outros.
Em 1956 a professora Paulina Campos chegou à comunidade para lecionar para
aproximadamente 40 alunos na Escola Auxiliar Mista do Ituqui, na fazenda Inveja, do Sr.
Raimundo Mancabira.
Com o decorrer dos anos os moradores realizadores das festas vieram a fortalecer e sentiu-se
a necessidade de ser fundada uma comunidade.
Em 1958 o Sr. Aventino Viana Fiqueira e sua esposa Maria de Lordes Chaves, fizeram uma
promessa de construir uma igreja, juntaram os amigos Raimundo Guimarães, Roberto
Francelino, Gilberto Dias, Pedro Fernandes, Antônio Deodato, José Lucas, Sebastião Coelho,
Edigar Almeida e outros com o apoio do Sr. Vicente Miléo, construíram a igreja e colocaram
como padroeiro Nossa Senhora das Graças e no dia 11 de fevereiro de 1960 foi inaugurada e
celebrada a primeira missa por Frei Graciano.
Em junho de 1960 foi contratada a primeira professora Rosinalda Chaves. Em seguida
destacamos as outras professoras e professores que lecionaram na Escola municipal de Ensino
Fundamental Nossa Senhora das Graças: Diva Pinto, Raimundo Souza, Ivone Almeida, Nilce
Muniz, Magnólia Costa, Deuza Miranda, Raimunda Costa, Cleunice Ribelo, Raimundo Maia,
Merita Costa, Cleunice Pereira, Silene Mota, Wilma Coelho, Suely S. F. Pereira, Nauva, Ana
Mara, Julio Cesar Guimarães, Gorete Andrade Cruz, Edina Chavier, Jucinaldo Galucio,
Carmelino Cursino e Edinizia Matos.
No dia 28 de agosto de 1967, foi fundado o Nova Vista Esporte Clube tendo como presidente
Manuel de Jesus Miranda Coelho e vice-presidente Renildo Dias da Costa.
No ano de 1987 os pescadores resolveram se organizar. No dia 05 de maio de 1987, fundaram
o Núcleo de Base da Colônia de Pescadores Z-20, tendo como Coordenador Edmiltom Miranda
Coelho, Secretário Elisson Costa Coelho, Tesoureiro Sebastião Mota e os sócios Jurandir,
Roberto, Manuel Pereira, Raimundo Idenilzo, Miriam, Manuel de Jesus Miranda, Maria Elizia,
Sandra, Edila, Cleonice, Maria Clara Mota, Tadeu Santos.
Em 20 de maio de 1995, foi criado o acordo de pesca da comunidade com a presença e o apoio
dos pescadores, moradores, proprietários de terra. Área de atuação deste acordo são as
margens esquerdas do Maicá do lago Tarumã ao poção, margens esquerdas do Ituqui do lago
do João Antônio ao lago do Porto. O objetivo desse acordo é conscientizar os moradores no
manejo da pesca e do meio ambiente e teve o apoio do IBAMA e da Colônia de Pescadores Z-
20 de Santarém.
Em 16 de março de 1996, foi criado um grupo de trabalho com apoio da Z-20 e o Projeto
Várzea com finalidade de analisar, propor, planejar e coordenar as ações relacionadas com
desenvolvimento da educação, da saúde, do trabalho e da economia que atenda as
necessidades de melhoria da qualidade de vida da comunidade.
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Um pouco sobre a vida na comunidade
Pela manhã, na cozinha da casa da minha avó junto com minhas primas, tia e avó, comemos
queijo com café e leite forte, depois me arrumei, peguei o meu material de pesquisa e saí
andando pelo caminho. Vi que o quilombo de Nova Vista é um lugar bom de morar, a natureza
é bela, o vento bate forte no rosto e as árvores começam a balançar. Agradeço a Deus por ter
feito coisas tão belas assim. O chão é de terra marrom e macia. Passei pela casa da min há
primeira vizinha, dona Elza, que estava cuidando dos seus filhos. Ela tem na sua casa um
morador antigo da comunidade. Parei e pedi a sua benção e comecei a fazer minha pesquisa,
foi quase uma hora de pesquisa, mas dona Elza me respondeu com tudo que sabia e me
recebeu muito bem. Terminei e me despedi, pois ainda tinha muitas casas para ir, pedi benção
novamente e sai.
Cheguei à casa do seu Hilário, mas ele não estava, tinha saído para soltar o gado e ver sua
malhadeira que estava no lago, mas logo a sua frente encontrei o seu Cidico saindo para o
campo, mas sua esposa estava em casa e me respondeu tudo que perguntei. Logo adiante fui à
casa da dona Sonia, que tinha acabado de chegar da escola de seu filho, onde fizera a
merenda. Como a escola não tem servente, os pais têm que ir fazer a merenda se não os
alunos não têm como merendar. Ela estava cansada, mas pediu para que eu entrasse e me
sentasse enquanto saia para voltar em seguida com um pouco de café e um pedaço de bolo.
Começamos a pesquisa, foi tudo bem, logo que terminei voltei para casa, pois precisava
almoçar. No dia seguinte sai para saber mais sobre a comunidade.
Na comunidade temos um problema sério com a pesca predatória, pois os pescadores mesmo
sabendo que alguns peixes não podem ser consumidos por um determinado tempo eles saem
para pescar e vendem os peixes proibidos, pois isso é muito sério, o governo já da um salário
para que nos meses de defeso o pescador não fique sem se alimentar, mas mesmo assim
alguns teimam em pescar os peixes proibidos.
Na comunidade temos vários saberes tradicionais: quando estamos com uma dor de barriga
tomamos uma colher de vinagre num copo d’água, escolhemos algumas folhas de parreira,
verificando se não tem veneno para pragas, e levamos para ferver com água até que ela fique
esverdeada, depois tomamos morno, aos poucos. Para dor de cabeça, amassamos bem 5
folhas de camomila e pomos em ½ copo de água com 1 pitada de bicarbonato de sódio.
Esperamos 3 minutos e bebemos em seguida.
Temos alguns instrumentos agrícolas como: enxada, martelo, boca de lobo e etc.
Na nossa culinária temos: bolo de milho, fabricação de queijos, beiju de mandioca, canjica de
milho, mingau de tapioca, mojica de peixe, doce de leite, sarapatel, pamonha.
Como fazer a pamonha: escolha os milhos e tire os cabelinhos do milho, em seguida rale os
milhos e misture açúcar, sal, coco ralado, leite de coco e castanha do Pará. Logo depois faz as
bonequinhas para colocar a pamonha. Coloca uma panela grande com água para ferver com
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um pouco de sal, quando começar a ferver coloca as bonequinhas, deixa ferver de 20 a 30
minutos e pode tirar da água para esfriar e depois deliciar junto com um cafezinho gostoso.
Temos também alguns provérbios: “Cavalo dado não se olha o rabo”; “para trás e para o lado
só quem anda é caranguejo”; “filho de peixe peixinho é”.
Na comunidade existe um rio com muitos peixes (pacu, tambaqui, acari, surubim, tucunaré
etc.), botos e outras pequenas “coisitas” que os turistas podem sim vir fazer um passeio na
nossa comunidade. Acho que temos um excelente potencial para o turismo, precisamos nos
organizar e ver como os turistas iriam se sentir bem na nossa comunidade para que eles
voltassem outras vezes para conhecer outras coisas.
A Associação na Comunidade é a de Remanescentes de Quilombos de Nova Vista do
Ituqui -ARQNOVI.
Na sua ata de fundação pudemos ler que:
“Aos quatro dias do mês de setembro do ano de dois mil e quatro, realizou-
se na comunidade de Nova Vista, município de Santarém, Estado do Pará
uma assembléia com o objetivo de fundar uma associação de
remanescentes de quilombos. O senhor Edmiltom Miranda Coelho, foi eleito
pelos presentes, presidente da assembléia e deu abertura aos trabalhos
desejando boas vindas a todos e passou a palavra para o senhor Dileudo, da
comunidade de Bom Jardim - ARQBOMJA, que teceu um breve comentário
sobre a importância da criação desta associação. Terminada a leitura e sem
que restassem dúvidas, o estatuto foi aprovado por unanimidade pelos
presentes, ficando assim nesta data, fundada a Associação de
Remanescentes de Quilombo de Nova Vista - ARQNOVI. Logo após, foi
realizada a eleição da diretoria e do conselho fiscal, que aconteceu por
aclamação por se tratar de chapa única. Não havendo nenhuma abstenção,
o presidente da assembléia declarou as seguintes pessoas e empossadas
com os seguintes cargos:
Presidente: Manoel de Jesus Miranda, brasileiro, casado, pescador; Vice-
presidente: Charles Araujo Vasconcelos, brasileiro, casado; Primeira
Secretária: Iriclei Costa Coelho, brasileira, solteira, pescadora; Segundo
Secretário: Eliandre Costa Coelho, brasileiro, solteiro, estudante; Primeiro
Tesoureiro: Jackson Castor Viegas, brasileiro, casado, pescador; Segundo
Tesoureiro: Roberto Miranda Coelho, brasileiro, casado, pescador. E para o
Conselho Fiscal as seguintes pessoas: Charles Araujo Vasconcelos Junior,
Francisco dos Santos Guimarães, eruema Vasconcelos com seus respectivos
suplentes: Maria Edila Alves da Costa, Elza Coelho de Melo, Juraci oliveira.
Prosseguindo, o presidente da assembléia empossou a primeira diretoria da
ARQNOVI, seguindo-se com pronunciamento dos recém-eleitos que
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agradeceram a confiança e comprometeram-se diante de todos a trabalhar
para o crescimento e desenvolvimento da associação.
A Associação Comunitária dos Remanescentes de Quilombos de Nova Vista
do Ituqui - ARQNOVI, fundada em quatro de setembro de 2004 rege-se por
este Estatuto e possui como Fórum a cidade de Santarém-Pará. Esta sediada
na comunidade de Nova Vista do Ituqui, região do Ituqui, áreas das
comunidades de remanescentes de quilombos de Santarém-Pará.
A Associação se organiza da seguinte maneira:
1 - Assembléia Geral, 2 - Diretoria, 3 - Conselho Fiscal
A Assembléia Geral, com atribuições consultivas, normativas e deliberativas,
é o órgão soberano da Associação Comunitária de Remanescentes de
Quilombo de Nova Vista do Ituqui, responsável pelo equilíbrio e harmonia
dos demais, constituído por todos os sócios.
A associação será administrada por uma diretoria que será composta dos
seguintes cargos:
a) Presidente, b) Vice-Presidente, c) 1º e 2º Secretário(a), d) 1º e 2º
Tesoureiro(a), e) Conselho Fiscal.
A Diretoria será por um mandato de 2 (dois) anos em Assembléia Geral,
podendo ser conduzido por mais um mandato e é obrigada a prestar contas
anualmente de sua administração. O conselho Fiscal compor-se-á de três
membros efetivos, cada um dos quais com um suplente, associado e eleito
por 2 (dois) anos, pela Assembléia Geral, podendo ser reeleitos.
Compete ao Conselho Fiscal: a) Analisar trimestralmente as contas da
Diretoria; b) Manifestar-se sobre a prestação de contas trimestralmente; c)
Fiscalizar a aquisição ou alienação de bens móveis e imóveis; d) Atividades
outras delegadas pela Assembléia Geral”.
Trabalho e renda. Temos muitas criações de galinhas, que as famílias criam para comer e
vender. Os ovos também são comercializados e consumidos internamente. Utilizamos o
dinheiro da venda dos ovos para comprar alimentação para as galinhas. Em minha opinião
temos bastante trabalho, mas pouca geração de renda, pois nem tudo que plantamos é
colhido e nem todos os dias tem o peixe para vender. Penso que através da economia solidaria
e do fortalecimento da organização nacional e das organizações locais dos quilombolas e por
meio de um processo de formação de redes e de cadeias produtivas teremos a saída para
resolver este problema grave. Mas precisamos ter um trabalho que comprove que pagamos o
INSS, pois, caso contrário, quando envelhecermos não teremos aposentadoria e aí teremos na
comunidade os mais velhos em uma situação muito difícil e sem possibilidade de autonomia.
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Os trabalhos dentro da comunidade são de pescar, plantar e criar bovinos, equinos e caprinos.
As pessoas não tem possibilidade de trabalhar fora da comunidade. Temos um artesão que faz
colher de pau, o senhor Manoel de Jesus, e também algumas pessoas fabricam o tipiti que é
feito da tala da jacitara.
Na nossa comunidade temos algumas pessoas que no domingo cantam para animar as missas.
No mês de outubro fazemos uma festa em homenagem a Nossa Senhora das Graças, com uma
festa que tem celebração por uma semana, há venda de bingo, doces e salgados.
Temos um campo de futebol que nos eventos que fazemos utilizamos para fazer torneio e
jogos das escolas.
Na comunidade tivemos o projeto dos Juristas Leigos. Era um curso para jovens e lideranças
das Comunidades Quilombolas de Santarém, envolveu quatro pessoas por comunidade.
A questão dos quilombos saiu das páginas da história do Brasil, deixou de ser apenas o registro
de uma enorme injustiça praticada no espaço para ser encarado como um fato da realidade
brasileira do século XXI. Até poucos anos atrás, tinha-se conhecimento da formação dos
quilombos somente através dos compêndios históricos, ressaltando-se como sendo o mais
importante deles o Quilombo dos Palmares chefiado pela figura mítica de Zumbi. Hoje
sabemos que existem quase quatro mil quilombos espalhados por todo o Brasil. Os que
participaram deste projeto acharam muito bom.
Na nossa comunidade a escola não é muito ruim, só tem esse problema da falta de uma
merendeira. A escola possui uma cozinha com agua encanada, dois banheiros e uma varanda.
A sala de aula é bem ampla, cabe bastante alunos, mas só temos dez de 1ª a 4ª série, pois não
temos estrutura suficiente e nem professores qualificados para as outras séries. No entanto,
temos uma escola polo que tem da 5ª a 8ª série. O acesso não é difícil porque o barco leva à
escola e traz para a casa os alunos todos os dias, os comunitários só acham ruim depois que os
filhos terminam a 8ª série, pois têm que deixar seus filhos irem estudar na cidade, ficarem
morando com parentes para que eles possam fazer o ensino médio.
Na comunidade a Igreja está em boas condições, faz um ano que construímos uma nova, pois a
outra já estava em péssimas condições. Com isso realizamos um dos nossos sonhos.
Eu tenho um sonho para a comunidade: eu gostaria que todos os comunitários vivessem bem
uns com os outros para conseguimos tudo que a nossa comunidade precisa como o barracão
comunitário e de lazer. Para isso precisamos nos unir e juntos realizarmos mais este sonho.
O sonho para mim é de fazer uma faculdade e arrumar um bom trabalho para que eu possa
ajudar a minha família que me apoia em tudo que faço, mas como na cidade em que vivo é
difícil arrumar um emprego mesmo depois de terminar uma faculdade, pois pagam salários
muito baixos, temos que sair para outras cidades para poder viver bem.
Um pouco sobre a segurança alimentar
Na comunidade temos uma alimentação de qualidade, sem restrição nem proibição para
plantarmos. Nós plantamos feijão, macaxeira ou aipim, melancia, milho, jerimum, abóbora,
cana de açúcar para nos alimentarmos e, às vezes, para gerar renda para a família. Cada
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família faz suas plantações, elas procuram uma terra boa para o plantio, o adubo é orgânico e
natural, mas os pesticidas e herbicidas são industriais. Há manejo florestal, da mata se tira uma
palha que se chama jacitara para fazer o tipiti. Cada um produz o seu tipiti que é usado mais
para espremer a tapioca para tirar o tucupi.
SÃO JOSÉ DO ITUQUI
A comunidade quilombola de São José do Ituqui, situada na área de várzea da cidade
de Santarém, no Oeste do Pará, às margens do Rio Amazonas possui 40 famílias totalizando
148 pessoas representadas pela Associação de Remanescentes de Quilombo de são José do
Ituqui – ARQSJI, fundada em 04 de Setembro de 2004, afiliada a Federação das Organizações
Quilombolas de Santarém – FOQS. A comunidade possui duas igrejas: uma Católica e outra
Evangélica. Temos duas escolas funcionando somente com o ensino fundamental do 1º ao 9º
ano, uma sede social, um campo de futebol, uma equipe catequética, dois times de futebol:
um masculino e outro feminino.
Como manifestações culturais têm-se as festividades do padroeiro São José e festas
dançantes.
A comunidade é atendida pelo Programa Fome Zero através das cestas emergenciais e
pelo Bolsa Família.
A comunidade de São José do Ituqui está em seu procedimento de titulação, com o
Relatório Técnico de Identificação e Delimitação - RTID em fase de conclusão.
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Descrição Histórica do Quilombo de São José do Ituqui
Risoelcy Mota Pinto* *Pesquisadora voluntária do projeto
Sou do quilombo São José do Ituqui, meu nome é Rosoelcy Mota Pinto, tenho 37 anos. Pela
manhã após o café junto ao meu marido Ivanildo Furtado e meus quatros filhos: o mais velho
Ivanilson tem 20 anos, a segunda tem 18 anos o nome dela é Jéssica Keliane, o terceiro Izaqui
tem 17 anos e o quarto é o Ivanildo Filho, eles são a minha vida. Os dois mais velhos moram
em Santarém, por conta dos estudos já que no quilombo não tem o Ensino Médio, e agora em
março os outros dois menores também vão estudar em Santarém, porque estão concluindo a
8ª série, então minha vida vai mudar, porque quando estão juntos são muito alegres e
divertidos, gostam de jogar bola, pular no rio, subir nas árvores, pegam frutas, cantam, deitam
juntos só numa rede, dançam um com o outro, lutam, apelidam um ou outro e quando vão
dormir, rezam e tomam benção um do outro. Quando estamos todos juntos somos felizes. Só
fico triste porque são poucos os que vão estudar na cidade e voltam para o quilombo, essa
dificuldade não é só minha, é da maioria das famílias do quilombo.
Consegui reunir no quilombo os comunitários para falar do projeto do Etnodesenvolvimento e
a Economia Solidária e explicar que iriamos fazer uma pesquisa de casa em casa e falei que
teriam que fazer a descrição do nosso quilombo. Foi muito bom ter conhecimento dos nossos
antepassados que viveram no quilombo e ir a cada casa conversar com as pessoas.
O principal conflito do quilombo São Jose é com o fazendeiro João David que mora em
Santarém. Ele diz que essa área era dos pais dele, ele nunca morou aqui, depois que os pais
morreram, eram os comunitários que plantavam na área. João David arrendou a área para
outras pessoas que colocaram grande quantidade de animais bovinos que prejudicam os
quilombolas porque os animais destroem as plantações e os arrendatários colocam vaqueiros
que não respeitam nada das organizações do nosso quilombo, como, por exemplo, os nossos
lagos. Eles fazem pesca predatória. Atrás dos terrenos ficam as canoas dos nossos pescadores
e como nós viemos procurar nossos direitos nos órgãos públicos, o senhor João David proibiu
que passássemos dentro da área quilombola que ele diz que é dele, porque os nossos
pescadores na época do defeso passam a noite no lago cuidando e preservando.
Outro fazendeiro, o Darlan, tem uma fazenda que faz fundo com o lago Maicá. Ele tem uns dez
vaqueiros que também não respeitam os nossos lagos, na época dos quelônios eles capturam
para vender. O Darlan traz vários empresários para a fazenda e eles fazem tiroteios em meio
aos pássaros, fazem o que eles querem, e ele diz ser o dono da área.
O primeiro conflito da comunidade se deu no dia 10 de maio de 1995 quando foi realizada uma
reunião de prestação de contas e os comunitários descobriram que estavam sendo lesados e
63
usados, daí surgiu a ideia de se fazer uma nova eleição para tirar os novos coordenadores e os
eleitos foram: José Mota, Durval Garcia, José Joaquim, Raimundo Almeida (Papita) e Raimundo
Almeida (Dicola). Isso aconteceu no dia 31 de maio de 1995 e contou com um grande número de
pessoas que compareceram para votar. Somente no dia 09 de março de 1996, foi feito primeiro
trabalho de desmontagem do patrimônio. No dia 23 de abril foi o ultimo trabalho de
desmontagem. Ainda em março de 1996, foram iniciados os trabalhos de reconstrução dos
patrimônios da comunidade já na área da comunidade comprada da Sra. Mercedes Garcia com os
recursos da comunidade, medindo 45 metros de frente com 15 de fundo (45x15).
O Segundo conflito ocorreu com o Sr. Raimundo Pereira Almeida, que se encontra, há mais de
treze anos, na posse de um terreno na comunidade. O terreno, de aproximadamente 300 x
3000 metros, se encontra dentro da área declarada dos remanescentes de quilombos. A Sra.
Filomena Ferreira Ribeiro que era a antiga proprietária do terreno comentou com o Sr. Darlan
Riker Teles de Menezes que precisava de alguém para ajudar a tomar conta e cuidar do
terreno e então o Sr. Darlan convidou o associado Sr. Raimundo Pereira Almeida para ir morar
lá e cuidar da propriedade uma vez que ela era cega e precisava de ajuda. Na verdade a Sra.
Filomena e Sr. Dalan Riker possuíam uma sociedade de animais e o Sr. Raimundo Almeida
deveria cuidar também dos animais. O Sr. Raimundo Almeida mudou-se junta com a família,
no dia 15 de janeiro de 1991 A proprietária do terreno, que já tinha bastante idade, veio a
falecer e não deixou herdeiros. Sr. Raimundo permaneceu no terreno sem nenhuma
perturbação. Mas o Sr. Darlan Riker levou tudo o que estava no terreno, ou seja, barco,
animais, deixando a propriedade completamente “nua”, ficando somente o Sr. Raimundo e sua
família na casa, sendo que esta era a única edificação existente no terreno, e que lhes servia
de abrigo e moradia. Então o Sr. Raimundo Almeida passou a plantar em pequena quantidade
para sua própria subsistência sem nunca ser molestado pelo uso pacífico das terras. Mas, por
outro lado, havia uma área no terreno, que é cheia de rios e lagos, na qual de quando em vez o
Sr. Raimundo cuidava dos cavalos do senhor Darlan Riker no período do inverno.
O Sr. Raimundo durante todo esse período (13 anos da morte da proprietária) exerceu a posse
sem qualquer interrupção nem oposição de quem quer que seja. Mas acontece que depois
disso o Sr. Darlan Riker, sob a alegação que havia vendido o terreno para o Sr. Tertuliano
Almeida e para o Sr. João Batista pela quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), disse que o
Sr. Raimundo tinha que sair da área e que se o mesmo quisesse deveria negociar com os novos
proprietários a sua permanência no referido terreno.
Em agosto o Sr. Raimundo Almeida foi informado pelos supostos compradores que deveria
desocupar o terreno. E, em seguida, o Sr. Raimundo começou a sofrer varias ameaças do Sr.
Darlam Riker que é o fazendeiro. O Sr. Raimundo entrou com uma queixa contra o Sr. Darlan.
Histórico da comunidade de São Jose do Ituquí
O Ituquí já existia antes do ano 1945, as famílias dos senhores Manuel Luiz, Firmino, Erpédio e
outros, vendiam lenha para os navios, pois era um ramo de vida dessas famílias, vendiam
também cacau. Isso já existia no Ituquí e eles eram quilombolas sem saberem.
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Em 1945 esse Ituqui não existia como comunidade era chamado interra que era uma (ilha)
localizada ao lado direito, a senhora Márcia e o senhor Louriberto foram os primeiros
moradores desse local. Ao lado esquerdo já existia famílias que faziam vendas de cacau e
lenhas para os navios. Nessa época as matas eram mais fechadas, o rio era bem estreito, as
pessoas se comunicavam com as outras do outro lado do rio. Nessa época também entraram
no igarapé chamado (igarapézinho) coletando. Esse igarapé passava por dentro da ilha e o
navio entrava na boca de cima coletando lenha e cacau. Todas essas pessoas, essas famílias
trabalhavam nesse ramo e eram todos negros e não tinham conhecimentos dos seus direitos.
Então nesses mesmos anos tinha pessoas que trabalhavam nessa região com seringas, o cacau,
a lenha e existia a comercialização desses produtos. Nos anos de 1946 e 1947, surgiu como
meio de vida para esse povo as jutas. Eles trabalhavam e vendiam para os senhores japoneses
Tugi e Chagai e para Irapuam, João batista e Zé Pinto que era português.
Também aconteceu a mesma coisa não teve mais comercio para esses produtos em nossa
comunidade e a partir de 1960 até hoje, apareceu como meio de vida para as famílias a pesca,
a caça e a agricultura. Esse era o ramo das famílias que o povo trabalhava como comunidade,
mas a terra não era regularizada como comunidade.
Existiam as festividades desse povo como a dança do tangará e do canarinho. Os que
promoviam essa festividade eram os senhores Louriberte e o Benedito Tauatá. Eles levavam as
danças para outras comunidades, pois o povo sentia muita dificuldade em transporte, pois não
havia barcos e rabetas nessa época.
Para enterrar os mortos eles iam ate Santarém em canoa com velas e remos, levavam os entes
queridos ate o cemitério, faziam na hora os seus caixões de madeira nessa época quando era
farto de peixe, caças e agricultura.
Existiam nessa época algumas famílias que realizavam a ladainha, sendo o primeiro rezador o
Sr. Geraldo de Souza conhecido como Capão. Com algum tempo a Sra. Aurora Costa deu
continuidade à ladainha que era tirada no mês de maio de ano em ano. Mas também já tinha a
festividade do padroeiro São Sebastião onde havia festa dançante na propriedade do Sr. José
Baute não só na casa dele, mas em outras casas também se comemoravam dias de santo.
Nessa época os foliões passavam no Ituqui coletando mantimentos em beneficio do santo.
Também existia curandeiras, parteiras como Maria Beatriz e Flavia Ferreira, benzedeiras que
benziam e curavam quem fosse picado de cobra. Daí pra frente foi fundada a comunidade de
São José, no ano de 1968 que se chamou assim devido haver na época uma quantidade muito
grande de pais com o nome José.
A escola começou sendo uma escola particular, paga pelos pais, de 1968 a 1970. Funcionou
também de 1971 a 1972 uma escola radiofônica infantil coordenada pelo MEB. Em 1973
começou a ser paga pelo município, funcionando em casa de morada. Em 1976 foi construído
um barracão comunitário onde funcionava a escola e outras atividades, pois na frente da casa
do Sr. Baute existia um campinho de futebol onde criança, jovens e adultos se divertiam
65
jogando bola. Depois da fundação do barracão, frei Raimundo, em 1977, implantou a
catequese. Os catequistas eram: Aurelice Costa Teixeira e Rosinaldo Santo. Neste mesmo ano
foi fundado o clube de futebol São José, sob a presidência de Silvestre Beticel dos Santos,
contando no inicio com 22 associados, e, no ano de 1979, foi construída a sua sede social. Em
1986, foi construída pelo povo e para o povo da comunidade a capela de São José.
De 1963 a 1976 presidiu a comunidade o Sr. Antônio Almeida, em seguida vieram, Raimundo
Pereira de Almeida, que não chegou a exercer o cargo de presidente, Silvério da Costa, que
respondeu pela presidência ate 1995, daí a comunidade elegeu uma coordenação de seis
companheiros, foi quando houve uma revolução. Durante este tempo o patrimônio e as
atividades da comunidade funcionavam em propriedade privada, essa coordenação gerou
insatisfação e com isso mudanças. No dia 12 de maio de 1995, foi feita uma reunião de
prestação de contas, onde os comunitários descobriram que estavam sendo lesados e usados,
daí surgiu a ideia de se fazer uma eleição para tirar coordenadores para administrar os
trabalhos, os eleitos foram: Jose Mota, Durval Garcia, Jose Vaqueiro, Fernando Castro,
Raimundo de Almeida (papita) e Raimundo Almeida (Nicola), isso aconteceu no dia 31 de maio
de 1995 compareceu um grande numero de pessoas e votaram somente no dia 09 de março
de1996, foi feito o primeiro trabalho de desmontagem do patrimônio comunitário. Ainda em
12 de março de 1996, foram iniciados os trabalhos das construções patrimoniais da
comunidade, começando pela capela, onde foi comprada uma área de terra medindo quarenta
e oito por sessenta (48x60) metros, da Senhora Mercedes Santos para a comunidade.
Em 1982, foi fundada a capatazia, tendo como o primeiro capataz Miguel Costa Teixeira, ao
todo eram 52 associados nesta capatazia. Pois não teve mudança de equipe e continuou os
trabalhos normais nas organizações, o que foi mudado foram os patrimônios. Os catequistas
continuaram a ser Sr. Miguel Costa, Moises Garcia, Durval, Francisca Zulair, depois ingressou
Jose Maria e Vera Lucia. As famílias participavam sem nenhum problema, hoje os
coordenadores atuais são Jose Maria, Durval, Vera Lucia, Moises e Marcicleia.
A escola começou a ser no barracão comunitário, funcionava de 1ª a 4ª séries, tinha como
professora Aurora Costa, depois foi ampliado para o Multiseriado. Ronam Liberal era o
prefeito e ampliou o quadro de professores, incluindo Fátima Correia, tudo isso ocorreu antes
dos conflitos. Pois o Sr. Miguel Costa cedeu uma parte do seu patrimônio para a construção do
colégio, que foi construído pelo prefeito atual. Em 1996, já funcionava de 1ª a 8ª série, após a
reivindicação dos coordenadores da comunidade, como Escola Municipal São Jose do Ituqui,
com quatro salas de aula, uma cozinha e uma secretaria, a mesma foi retirada do patrimônio
do Sr. Miguel Costa no ano de 2003. Hoje a escola funciona no patrimônio da comunidade, que
foi comprado. Funciona com diretores e professores.
Tivemos alguns pequenos avanços, mas gostaríamos de conquistar mais, pois estamos
precisando do Ensino Médio no nosso quilombo, isso daria mais oportunidade de conclusão
para nossos jovens, pois as pessoas que querem concluir o ensino médio precisam se deslocar
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ate Santarém para estudar, alguns vão para casas de familiares e outros vão para casas de
estranhos por não terem familiares em Santarém.
Historia da Associação dos Mini e Pequenos Agricultores e Pescadores de São
Jose do Ituqui
Foi através do projeto do IPAM, na pessoa da Dra. Alcilene que veio na comunidade e fez
esclarecimentos aos comunitários e todos concordaram que se fundasse a associação para a
melhoria de todos. A AMPAPSJI é uma entidade civil constituída em 17 de outubro de 1999. A
associação tem por finalidade congregar todos os mini e pequenos agricultores e pescadores
de São Jose do Ituqui com o objetivo de promover o desenvolvimento social e econômico de
seus associados, bem como adotar medidas de preservação ou conservação do Meio
Ambiente, impedindo sua degradação. Após essa associação foi fundada a Associação de
Remanescentes de Quilombo de São José do Ituqui.
Historia da Associação Quilombola
Foi pedido uma assembléia de esclarecimento sobre o que era o Movimento Negro pelo Sr.
Nonato de Óbidos, Dileudo Guimarães de Bom Jardim e Aldo Santo de Saracura, que já tinham
conhecimento do movimento e queriam vir nos esclarecer. Após esse esclarecimento foi feito
um trabalho de organização e conscientização na comunidade, depois disso foram realizadas
varias assembleias de esclarecimento sobre o que era o movimento negro, para o povo de
nossa comunidade. Depois foi feita uma assembléia de decisão na comunidade para saber se ia
ou não se declarar como comunidade remanescente de quilombo. Então em 2003 a
comunidade decidiu que sim e a comunidade passou a se chamar Comunidade de
Remanescentes do Quilombo São José do Ituqui. Em 4 de setembro de 2004 houve a fundação
da Associação que passou a ser chamada ARQSJI. Os diretores eleitos foram os seguintes: Jose
Joaquim Garcia dos Santos, presidente; Ivanildo Furtado Pinto, vice-presidente; Munira Ramos,
secretária; Nélio dos Santos, vice-secretário; Jose Mota, tesoureiro; Jose Maria Ramos dos
Santos, vice-tesoureiro. Juntamente com a diretoria foram eleitos para o conselho fiscal:
Iglacineide Ramos Castro, Roserio Silva dos Santos, Jairo Ramos. Essa foi a primeira diretoria
com mandato por dois anos com direito à reeleição.
História da ARQValentina
Posteriormente foi criada uma associação entre as três comunidades: São Jose, São Raimundo
e Nova Vista, que foi chamada Maria Valentina porque deram o nome de uma das matriarcas
da comunidade São Raimundo. Essa Associação, que chama Maria Valentina, luta pelos
direitos dos sócios dos três quilombos e foi fundada em 2006 com a finalidade de titulação das
terras. Os limites das terras da ARQValentina são: a margem esquerda e direita do Rio Ituqui,
pertencente a associação quilombo de São Raimundo; limite extrema com o Sr. Jorge a beira do
Rio Amazonas ate o local denominado Pacoval, delimitação do quilombo São Jose limite do taxi
entre a fazendo do Darlan e a fazenda do Delano, margem direita do Rio Ituqui e Maicá,
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delimitação do quilombo de Nova Vista, margem direita do Rio Ponta do Feijão a margem do Rio
Ituqui, Igarapé do Sagrado, margem do Maicá e margem esquerda da boca do Rio Ituqui.
Em nossos saberes tradicionais temos remédios caseiros usando: folha grossa, mastruz, pau - de
- Angola, mangarataia, andiroba, cumaru, mucuracaá, arruda, capim santo, cidreira, copaíba e
outros. Nossos instrumentos de trabalhos são: enxadas, terçado, machado, foice, enxadeco etc.
Da nossa culinária local fazem parte: mojica de peixe assado, paxicar, peixe no tucupi etc.
Quanto ao turismo no nosso quilombo, precisamos nos organizar e ver como desenvolver o
potencial dos empreendimentos que temos em nosso quilombo e das belezas naturais. Temos
varias pessoas que trabalham em diferentes ramos, mas não temos saída para o mercado
comercial devido não termos recursos. Temos sete costureiras na comunidade que são: Maria
Rosa, Inaide, Tenilza, Vânia, Márcia, Risoelcy e Eunice, que fazem todos os tipos de produtos
tais como: redes, cama e mesa, roupas e outras coisas. Também temos um grupo de dez
pessoas que produzem peças artesanais de crochê, como: roupas, varandas de redes, jogo de
toalhas, meias, beira de guardanapos, tapetes e outros. No quilombo têm vários pescadores e
várias pescadoras, que produzem outras formas de artesanato como as redes de pesca
(malhadeiras e tarrafas), e temos ainda outras mulheres que são: Kacimara, Maria Jose, Ane
Carla, Cleuci, Maria Docarmo, Rosimary, que trabalhavam no artesanato, mas que estão com
dificuldade para comprar material para produção.
Em 2002 foi fundado o campo de futebol nos fundos do terreno do Sr. Ivanildo, porque a área
da comunidade é pequena e não tem espaço livre. Foi ai que os comunitários se reuniram e
decidiram construir um campinho de futebol para que pudesse ter um lazer, eles trabalharam
muito, pois tiveram que cavar o terreno, que era cheio de mato e tinha umas torres de terra, e
foi assim que homens e mulheres com muito esforço conseguiram.
Meu sonho para minha comunidade é que titule nossa terra, para que as famílias possam trabalhar, e
que conseguíssemos nosso direito como quilombola pois nossa luta tem sido grande para termos
nossos direitos realizados e que também tivesse o ensino médio no nosso quilombo, que nossos
jovens não saíssem do quilombo para estudar em Santarém, pois devido a esse fator os jovens estão
perdendo suas tradições, sua identidade.
Meu sonho para mim é que eu termine meus estudos para que eu possa ajudar minha
comunidade. Quero ter mais conhecimento e também quero fazer enfermagem, porque a
comunidade tem grande dificuldade com relação à saúde. Sempre acompanho pessoas
doentes para Santarém e vejo como é sofrido e também tive que fazer três partos na
comunidade porque as pessoas não tinham condições para chegar ate Santarém.
SARACURA
A comunidade quilombola de Saracura está situada na cidade de Santarém na área de várzea,
às margens do rio Amazonas. Possui aproximadamente 140 famílias e 630 habitantes
residentes no quilombo, sendo estes representados pela Associação Comunitária de
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Remanescentes de Quilombo de Saracura – ACREQSARA, afiliada à FOQS. Possui dois clubes de
futebol (masculino e feminino), uma equipe catequética. Em sua infraestrutura possui: uma
igreja católica (Nossa Senhora do Livramento), uma escola na qual funciona da educação
infantil ao ensino médio, uma sede social e um campo de futebol.
A comunidade é atendida pelo Programa Fome Zero e pelo Bolsa Família. Saracura foi
ainda contemplada com o CCI e CCP, viabilizados pela Eletronorte, projetos estes que
nunca foram concretizados.
Em seu processo de regularização fundiária aguarda a publicação da titulação do território.
Como atrações culturais têm-se as festividades da padroeira.
Carimbó em Saracura
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Descrição Histórica do Quilombo de Saracura
Franciney Oliveira de Jesus*
*Agente do projeto
Historia da origem do quilombo de Saracura
Eu sou Franciney Oliveira de Jesus, moro no Quilombo de Saracura, no município de Santarém,
estado do Pará, tenho 28 anos. O surgimento da minha comunidade se deu com a chegada de
uma mulher, conhecida pelo nome de Sara que foi a primeira habitante e era uma mulher
curandeira que veio de uma comunidade chamada Pinheu que fica no rio Tapajós. Ela veio
fugindo da polícia porque na época não poderia exercer sua profissão de curandeira, porque
era considerado bruxaria. Então, ela foi para essa ilha e começou a curar, daí foi chegando
mais pessoas de um lugar chamado Cacoal Grande que era uma fazenda de escravos e foram
formando um povoado. Com o passar dos tempos chegou Antônio Gabriel que também curava
e começaram a trabalhar juntos e a notícia se espalhou na região. As pessoas quando
adoeciam diziam “olha, leva na dona Sara que ela cura” e as pessoas iam. Depois de muito
tempo ela adoeceu muito e morreu. Na época já havia muitos moradores refugiados morando
na ilha e para homenagear Dona Sara, juntaram o nome “Sara e cura”, então surgiu o nome da
comunidade de “Saracura”.
Sandro da executiva nacional do projeto junto com a griô benzedeira que luta pelo resgate cultural da comunidade.
Saracura é uma ilha no meio do rio Amazonas, que possui como principais atividades de
subsistência a pesca artesanal e a produção de melancia, feijão, jerimum (abóbora) e milho,
que servem para complementar a alimentação durante os seis meses em que as águas do rio
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Amazonas baixam e é possível plantar. Durante os demais seis meses do ano nós sobrevivemos
exclusivamente da venda da pesca.
A maioria das casas em Saracura é feita de madeira. São as denominadas palafitas, construídas
a, pelo menos, dois metros do chão por conta do período da cheia do rio Amazonas.
Saracura é um quilombo que tem uma escola que vai desde o ensino infantil até o médio,
construída pela Prefeitura Municipal de Santarém. Possui uma igreja Católica suja padroeira é
Nossa Senhora do Livramento; uma sede social do Esporte Clube Saracura com um campo de
futebol onde se joga durante os seis meses de seca do rio. Não existe energia elétrica nem
água tratada nem saneamento básico, os banheiros têm fossa rudimentar.
História de luta do quilombo de Saracura
Em 1996 algumas lideranças foram convidadas a participar de uma reunião em Belém para
falar das comunidades quilombolas onde na época o Estado já sabia da existência das mesmas
no município de Santarém. Em 1999, aconteceu o encontro do projeto Raízes Negras no
quilombo de Saracura. A partir daí as comunidades iniciaram uma luta em busca do titulo de
propriedade de suas terras, tivemos alguns avanços mas ainda não conquistamos o grande
objetivo que é o titulo definitivo. Hoje duas dessas comunidades já estão com o processo bem
adiantado. Esta é a principal luta das dez comunidades quilombolas de Santarém.
Os conflitos do quilombo
O primeiro é com os maiores fazendeiros que se dizem donos das terras, onde na verdade só
são criadores de animais, desrespeitando os acordos feitos na comunidade e que não querem
que a terra seja titulada para os quilombolas, pois terão que deixar a área. Já houve vários
confrontos entre a comunidade e os fazendeiros, inclusive já houve tentativa de destruir as
casas dos quilombolas. Os fazendeiros continuam ameaçando os quilombolas no intuito de
impedir a luta pelo titulo.
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O segundo conflito é pela preservação do nosso meio ambiente, especificamente os nossos
lagos que lutamos tanto para conservar e que possuem um potencial pesqueiro muito grande,
mas ainda há pessoas que só vêm para destruir, praticando a pesca predatória, usando
grandes redes pesqueiras irregulares como (arrastão) para a captura do pescado e esses fatos
criminosos ocorrem durante o período do defeso o qual é o tempo da desova das maiorias das
espécies acabando com o pouco que preservamos.
Quando essas ações criminosas ocorrem, a comunidade se reúne para tentar dar uma solução
ao caso e entrar no consenso de educação e preservação de nossa cultura e do meio ambiente,
pois é onde são elaborados os acordos em assembléia com ata com as assinaturas e aprovação
dos comunitários. Bom, é aí que surgem os conflitos, pois os fazendeiros não aceitam ser
desapropriados porque há uma área grande onde eles pensam poder fazer suas criações livres
sem se preocupar sequer em cercar o terreno para não prejudicar ou destruir a plantação dos
pequenos agricultores que lá cultivam como forma de auto sustento e geração de renda a
agricultura familiar. Com referência aos lagos, a questão é a falta de consciência de algumas
pessoas que moram na comunidade, mas não participam das ações comunitárias e não
respeitam os acordos feitos. Também tem algumas pessoas de outras comunidades que vêm
praticar a pesca predatória nos nossos lagos e paranãs.
Manifestações culturais do quilombo
Em nossa comunidade existem várias manifestações como a ciranda de nossa mestra griô, a
Dona Mocinha, que é realizada e mostrada por mim, que sou griô aprendiz, e pelos jovens da
comunidade. Dona Mocinha hoje assume o papel de Sara, ela é uma benzedeira. O principal
mês das manifestações culturais é o de junho, tempo das festas juninas. Temos também o
carimbó que é uma manifestação cultural paraense que muitas pessoas gostam. As principais
festas são: da padroeira do quilombo chamada Nossa Senhora do Livramento entre 22 a 30 de
outubro, também se festeja o santo dos pescadores, São Pedro, em junho, com procissão
fluvial percorrendo toda a comunidade, outra é a festa do clube de futebol que acontece no
mês de setembro sendo um dia e uma noite de festas.
No quilombo sempre se ouve contar muitos “causos” como a do boto que teve um filho com
uma mulher da comunidade, hoje o filho dele mora com a gente. Há também “causos” de
muita gente que foi “encantada”, isto é, foram levadas para o fundo do rio por seres
encantados e nunca mais voltaram.
Associação de Remanescentes de Quilombo do Saracura
A Associação Comunitária de Remanescentes de Quilombo de Saracura – ACREQSARA foi
fundada em julho de 2001 com o objetivo de fortalecer a luta para a conquista do titulo
territorial e também por melhores dias para os associados. A diretoria é composta por:
1. Um Presidente e um vice; 1. Um Secretário e um vice; 1. Um tesoureiro e um vice; 3. Três
membros do Conselho Fiscal;
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Cada diretoria tem um mandato com a duração de dois (02) anos, podendo ser reeleito por
uma assembléia por mais dois anos. A diretoria participa todas as segundas-feiras da reunião
da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém – FOQS, que é uma instituição
maior, constituída pelas dez comunidades quilombolas de Santarém. Já se passaram 12 anos e
a luta pela titulação das terras quilombolas continua.
O meu sonho para minha comunidade é que um dia ela esteja titulada e que todas as famílias vivam
de seus próprios produtos e não precisem comprar tudo e que todas as pessoas que permanecerem
morando no quilombo tenham moradias dignas e vivam em paz em seus lares com suas famílias.
Saindo de Saracura
No caminho
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Ainda no caminho
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Chegando
Meninos brincando no rio sob o olhar da mulher que esta lavando roupa
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A casa onde fomos almoçar A dona da casa que nos recebeu calorosamente
Vista da janela da pia da cozinha Indo embora
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