as quatro estações: mimeses -...
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ePblioAthayde
UniversidadeFederaldeOuroPreto
InstitutodeFilosofia,ArteseCultura
2007
AsQuatroEstaes:Mimeses
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Pblio Athayde
As Quatro Estaes: Mimeses.
Monografia apresentada como trabalho de concluso do XV Curso de Ps-Graduao Lato Sensu em Cultura e Arte Barroca, Instituto de Filosofia, Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto; redigida sob orientao do Professor Doutor Joo Adolfo Hansen.
UFOP/IFAC Ouro Preto
2007
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
Capa:Primavera; POUSSIN, Nicolas. c1630.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
La Peinture nest point faitepour tre vu de prs, non plusquelaposie.RogerdePilesLhomme, tout menteur quilest, ne hait rien tant que lemensonge, et lemoyen le pluspuissant pour attirer saconfiance,cestlasincrit.RogerdePiles
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
Dedico esta monografia e oPrograma Iconogrfico AsQuatro Estaes minhame,dona Laura Vianna Athayde,como expresso mxima doamor filial e tributo pelocontnuo estmulo aocrescimentopessoal, intelectualeartstico.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
Meusmuitopenhoradosagradecimentosaossenhoresprofessores:Dr.JooAdolfoHansen,orientador,Dr.RomeroAlvesFreitaseJosArnaldoColhodeAguiarLima,pelosprstimoseemprstimosdeseussaberes.AgradecimentoespecialssimoaWillOliveirapelaparcerianapinturaenasquatroestaes.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
Sumrio ndices ........................................................................................................................................ 7
Resumo ....................................................................................................................................... 9
Abstract ..................................................................................................................................... 10
1 Descrio ......................................................................................................................... 11
2 Demonstrao .................................................................................................................. 152.1 Significao ............................................................................................................................... 28
2.2 Universalidade .......................................................................................................................... 30
3 Mimese ............................................................................................................................. 333.1 Imitao: Antnio Vivaldi ......................................................................................................... 38
3.1.1 Os sonetos de Vivaldi ..................................................................................................................... 413.1.2 Os Concertos As Quatro Estaes Opus 8 ................................................................................... 473.1.3 Exposio ........................................................................................................................................ 50
3.2 Emulao: poesia contempornea ............................................................................................. 56
4 Retrica ............................................................................................................................ 704.1 Inveno .................................................................................................................................... 75
4.1.1 Campos ureos ................................................................................................................................ 784.1.2 Temas locais ................................................................................................................................... 814.1.3 Roteiro adaptado ............................................................................................................................. 81
4.2 Disposio ................................................................................................................................. 834.2.1 Suportes .......................................................................................................................................... 834.2.2 Palheta ............................................................................................................................................ 864.2.3 Estratificao .................................................................................................................................. 91
4.3 Elocuo .................................................................................................................................... 934.3.1 Programao visual ......................................................................................................................... 934.3.2 Fundos das telas .............................................................................................................................. 98
4.4 Memria .................................................................................................................................. 1004.4.1 Produo ....................................................................................................................................... 1014.4.2 Produto.......................................................................................................................................... 106
4.5 Ao ........................................................................................................................................ 1074.5.1 Arte ............................................................................................................................................... 1084.5.2 Potica .......................................................................................................................................... 1104.5.3 Prolepse ........................................................................................................................................ 113
5 Cronogramas ................................................................................................................. 117
6 Bibliografia .................................................................................................................... 1186.1 Livros, teses, dissertaes e artigos ......................................................................................... 118
6.2 Stios e arquivos de Internet .................................................................................................... 122
6.3 Dicionrios .............................................................................................................................. 124
7 Anexos ........................................................................................................................... 1267.1 Poemas de Vivaldi em verses brasileiras .............................................................................. 126
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
7.2 As Quatro Estaes em verses portuguesas........................................................................... 1277.2.1 A Primavera .................................................................................................................................. 1277.2.2 O Vero ......................................................................................................................................... 1277.2.3 O Outono ...................................................................................................................................... 1277.2.4 O Inverno ...................................................................................................................................... 127
7.3 Ascoltando Vivaldi .................................................................................................................. 128
7.4 Primeiros estudos da composio ........................................................................................... 1297.4.1 Primavera ...................................................................................................................................... 1297.4.2 Vero ............................................................................................................................................ 1297.4.3 Outono .......................................................................................................................................... 1297.4.4 Inverno .......................................................................................................................................... 129
7.5 Os personagens ....................................................................................................................... 1307.5.1 Sinh Olmpia ............................................................................................................................... 1307.5.2 Ben da Flauta .............................................................................................................................. 1317.5.3 Tiradentes ..................................................................................................................................... 1327.5.4 Aleijadinho ................................................................................................................................... 133
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
ndices
Quadro Sintico 1-1 Descrio ............................................................................................................... 14Quadro Sintico 2-1- Interdisciplinaridade ............................................................................................... 20Quadro Sintico 2-2 Mimese & Metfora .............................................................................................. 22Quadro Sintico 2-3 Transdisciplinaridade ............................................................................................ 26Quadro Sintico 3-1- Relao em Plato................................................................................................... 33Quadro Sintico 3-2 Perodo das estaes. ............................................................................................. 41Quadro Sintico 3-3 Quatro Estaes: movimentos e mtrica. .............................................................. 56 Quadro 1 Roteiros literrios e musical ................................................................................................... 74Quadro 2 Alegorias Primavera e Vero ............................................................................................... 76Quadro 3 Alegorias Outono e Inverno ................................................................................................. 77Quadro 4 Temas Locais .......................................................................................................................... 81Quadro 5 Roteiro adaptado ..................................................................................................................... 82Quadro 6 In coloris ................................................................................................................................. 90Quadro 7 Suporte, estratificao e palheta. ............................................................................................ 92 Foto 1- Detalhe de tela em algodo cru. .................................................................................................... 84Foto 2- Detalhe de tela em linhagem. ........................................................................................................ 84Foto 3- Detalhe de tela em juta. ................................................................................................................. 84Foto 4- Detalhe de tela em TNT. ............................................................................................................... 84Foto 5 Sinh Olmpia............................................................................................................................ 130Foto 6 Olmpia Cota ............................................................................................................................. 131Foto 7 Ben da Flauta ........................................................................................................................... 131 Ilustrao 1 As Quatro Estaes coroando Cronos. ALTOMONTE, Bartolomeo. ..................................... 30Ilustrao 2 Capa da publicao de Vivaldi. .......................................................................................... 38Ilustrao 3 Primavera: VAN DE VELDE, Jan. 1617. ................................................................................ 40Ilustrao 4 Vero: VAN DE VELDE, 1617. ............................................................................................. 40Ilustrao 5 Outono: VAN DE VELDE, 1617. ........................................................................................... 40Ilustrao 6 Inverno: VAN DE VELDE, 1617. ........................................................................................... 40Ilustrao 7 Alegoria das Quatro Estaes. MANFREDI, Bartolomeo c.1610 leo sobre tela, 134 x 91,5
cm. Dayton Art Institute, Dayton ..................................................................................................... 42Ilustrao 8 Primavera, ou O Encontro: van de Venne, Adriaen Pietersz. ................................................ 43Ilustrao 9 Vero, ou A Saudao: van de Venne, Adriaen Pietersz. ................................................... 44Ilustrao 10 Outono, ou A Conversa: van de Venne, Adriaen Pietersz. ............................................... 45Ilustrao 11 Inverno: VAN DE VENNE, Adriaen Pietersz. ...................................................................... 46Ilustrao 12 Primavera: MUCHA, Alphonse. 1890. ............................................................................... 47Ilustrao 13 Outono: MUCHA, Alphonse. 1890. .................................................................................... 48Ilustrao 14 Vero: MUCHA, Alphonse. 1890. ...................................................................................... 48Ilustrao 15 Inverno: MUCHA, Alphonse. 1890. ................................................................................... 49Ilustrao 16 Chafariz da Barra. ATHAYDE, P. Primavera, 1, Allegro. Detalhe da produo. ................ 57Ilustrao 17 Chafariz do Raimundo Nonato Athayde. ATHAYDE, P. Primavera, 1, Allegro. Detalhe da
produo. ......................................................................................................................................... 57Ilustrao 18 Chafariz da Coluna. ATHAYDE, P. Primavera, 2, Largo. Detalhe da produo. ................ 58Ilustrao 19 Chafariz do Bom Jesus. ATHAYDE, P. Primavera, 2, Largo. Detalhe da produo. .......... 58Ilustrao 20 Chafariz do Pilar. ATHAYDE, P. Primavera, 3, Allegro. Detalhe da produo. ................. 59Ilustrao 21 Chafariz da Glria. ATHAYDE, P. Primavera, 3, Allegro. Detalhe da produo. .............. 59Ilustrao 22 Ponte de Antnio Dias. ATHAYDE, P. Vero, 2, Adagio. Detalhe da produo. ............... 61
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
Ilustrao 23 Helio e Feton e as Quatro Estaes Poussin, Nicolas. leo sobre tela, c1629-1630. Gemaldegalerie, Berlin. ................................................................................................................... 88
Ilustrao 24 Palheta de Will Oliveira ao pintar O Vero (2007). .......................................................... 89Ilustrao 25 Emblema CVIII In coloris. ALCIATO, A. ...................................................................... 90Ilustrao 26 AscoltandoVivaldi. FURN, 2005. ................................................................................... 128Ilustrao 27 Tiradentes. TURIN, Joo. ................................................................................................. 132Ilustrao 28 Aleijadinho. VENTURA, Euclsio Pena. ........................................................................... 133
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
Resumo Este trabalho apresenta as mimeses transversais entre duas leituras
contemporneas de duas obras do sculo XVIII e discute a inveno baseada em
emulaes sobre As Quatro Estaes, de Antonio Vivaldi. O engenho focado um
conjunto pictrico capaz de representar simultaneamente as Quatro Estaes como
ciclo temporal e metfora das fases da vida. A composio pictrica integra elementos
formais da iconografia antiga a elementos da linguagem plstica contempornea tendo
como referenciais: a iconografia de Cesare Ripa e o trabalho de Amlcar de Castro.
A proposta inclui aspectos transdisciplinares entre poesia, a msica e a pintura.
Uma das leituras, a literria, feita nos ltimos anos do sculo passado, e outra o
Programa Iconogrfico, mais recente ainda, dos primeiros anos do XXI. Essa
sobreposio de mimeses, alm da emulao entre artes distintas, compreende a
transversalidade da leitura interpretativa.
O objetivo do Programa Iconogrfico em questo no foi fazer doutrina da
percepo sensorial, esttica ou intersemiolgica. A pretenso foi a da produo
artstica. Ao cabo do processo, essa monografia discute a investigao que resultou na
pintura e os resultados dela.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
Abstract
This work presents the transversal mimeses between two contemporaries
readings of two works of the XVIII century and argues the invention based on
emulations on the Antonio Vivaldis Four Seasons. The focus is on the pictorial set that
represents simultaneously the Four Seasons as both secular cycle and metaphor of the
phases of the life. The pictorial composition integrates formal elements of the antiques
iconography to the plastic contemporary language; references: Cesare Ripas
iconographies and the work of Amlcar de Castro. The proposal includes
transdisciplinary aspects among poetry, music and painting. One of the readings is the
literary ones, which was presented in the last years of the XX century. Another one was
the Iconographic Program, which one is presented in the first years of the XXI century.
This mimeses overlapping, besides this emulation among distinct arts, understands the
transversality of the reading. The objective of the Iconographic Program was not to
make doctrine of the sensorial perception, aesthetic or semiotic, it was the artistic
production. To the handle of the process, this monograph argues the inquiry that
resulted in the painting and its results.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
1 Descrio1
Esta monografia versa mimeses transversais 2 entre diferentes manifestaes
artsticas do sculo XVIII e atuais, discute a inveno baseada em emulaes sobre um
tema restrito: As Quatro Estaes.
O engenho focado, analisado e discutido o de um conjunto pictrico cuja arte,
retrica e potica, teria sido capaz de representar simultaneamente um Programa
Iconogrfico das Quatro Estaes como ciclo temporal e metfora das fases da vida
alm de juntar aos elementos universais do mote a viso contempornea sob o ponto de
vista do autor.
Essa pintura , a um s tempo, produto da mimese 3 de obras literrias e
musicais e expresso de anlise visual das metforas naquelas obras. Procurou-se, na
composio, a integrao dos elementos formais da iconografia a elementos da
1 Os ttulos dos captulos deste trabalho se inspiram na antiga retrica, mas foram tomados em sentido
lato. Descrio, aqui emulado apenas o sentido de descriptio, sem a amplitude de -, cujo sentido completo se expressa pelo termo exposio. Demonstrao ser empregado adiante no sentido de demonstrato, sem necessria referncia a ou . Mimese ser empregado como referncia s fontes que emularei. Retrica, elocuo e disposio sero termos empregados no sentido retrico prprio.
2 Vide transversalidade p. 35. 3 Mimese em retrica: figura em que o orador, usando discurso direto, imita outrem, na voz, no estilo ou
nos gestos; literatura: recriao, na obra literria, da realidade, a partir dos preceitos platnicos, segundo os quais o artista, ao dar forma matria, imita o mundo das Idias [ em ARISTTELES, na Potica (XXI-128), que se encontra a primeira teorizao acerca desse procedimento da arte; no entanto, para este filsofo, a mimese seria a imitao da vida interior dos homens, suas paixes, seu carter, seu comportamento (idem, II e III)]; literatura: a partir do Classicismo (s. XV), princpio que orientou os artistas quinhentistas e seiscentistas que acreditavam ter a arte greco-latina qualidades superiores, devendo por isso ser imitada. HOUAISS.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
linguagem plstica contempornea, tendo-se como referenciais bsicos daqueles a obra
de Cesare RIPA4 e destes o trabalho de Amlcar de Castro.
A amplitude da proposta reside em ela incluir, na construo do Programa
Iconogrfico, aspectos transdisciplinares5 entre poesia, msica e pintura. A retrica do
Programa pautada pelos concertos grossos As Quatro Estaes, de Antnio
VIVALDI6, como eixo, subsidiado pelos quatro sonetos atribudos a esse mesmo autor e
que teriam precedido e inspirado a composio musical, cada um como referncia para
uma das Estaes.
Subsidiariamente ainda, mas vistos como roteiro do subtexto, foram focados os
12 sonetos da mesma autoria que o Programa Iconogrfico em pauta, tambm
intitulados As Quatro Estaes, compostos h pouco mais de uma dcada7, inspirados
nos concertos de Vivaldi, porm sem conhecimento prvio de seus poemas. No caso
desta poesia, cada soneto se remete a um dos movimentos daqueles concertos.
No puderam deixar de ser consideradas, tangencialmente ou ilustrativamente,
inmeras outras obras de arte sobre o tema das quatro estaes, dada a extrema
recorrncia do mote e constante intercomunicao entre os diferentes produtos.
Portanto, este trabalho constar da apresentao e discusso focadas em duas
leituras contemporneas de duas obras do sculo XVIII. Uma das leituras, a literria,
4 RIPA, 1593. 5 Vide Transdisciplinaridade p. 19. 6 VIVALDI, 1725. 7 In ATHAYDE, 2001.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
feita nos ltimos anos do sculo passado, e outra o Programa Iconogrfico, mais
recente ainda, dos primeiro anos do XXI.
Como a prpria proposta de VIVALDI8, a do Programa Iconogrfico teve o
propsito de fazer Il Cimento dellArmonia e dellInvenzione, mas desta vez com
diferente carga interpretativa e expressiva, o que no descartou o fato de que, de resto,
em qualquer desempenho contemporneo da msica ou de qualquer outra manifestao
esttica ocorre o mesmo apenas que a interpretao se deu pela expresso plstica
estendida em todo um Programa Iconogrfico to complexo ou to simples quanto
os programas musical e literrios precedentes. Programa dotado de discurso prprio,
mas completamente conectado s obras emuladas.
O interesse pelo tema surgiu quando, em Vitria (ES), meados da dcada de 90
recm passada, uma audio de As Quatro Estaes (Vivaldi) interpretada pela
sinfnica local de recursos muito modestos sob a batuta do maestro Sergio Magnani,
apresentou tanto brilho, tanto vigor, tanto frescor, dinamismo e eloqncia que causou
muito vvida impresso.
O fato que se tratava de uma pea absolutamente conhecida, um popular do
erudito, e de uma orquestra com srias limitaes, em todos os aspectos. Mas o maestro
Magnani teve o condo (mais que a batuta) de dirigir os msicos em interpretao
singularmente boa.
8 VIVALDI, 1725.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
2 Demonstrao
A proposta deste trabalho inclui discutir diversos graus de mimese9 sobrepostos,
como de resto caracterstico se estabelecer uma cadeia contnua de referncias entre
signos nas artes discretas, estabelecendo o vnculo de auctoritas, virtualmente
imprescindvel ao decoro setecentista e assimilado no engenho esttico moderno aqui
analisado. Essa sobreposio de mimeses, alm da emulao entre artes distintas,
compreende a transversalidade10 da leitura interpretativa.
A emulao entre as artes, preconizada desde a antiguidade, era composta por
procedimentos mimticos que, inclusive, ordenavam os efeitos de uma arte em outra,
visando o amplo alcance das funes retricas: ensinar, agradar e convencer.
Dentre as emulaes da proposta, a mais importante foi a que, partindo dos
quatro concertos de Vivaldi, As Quatro Estaes, resultaram no programa iconogrfico
As Quatro Estaes, analisado mais frente. Partiu-se da msica por ser a arte imaterial
e mais representativa da abstrao de temas.
9 Vide Mimese p. 33. 10 Vide transversalidade p. 35.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
O objetivo da representao visual de obras musicais e poesia o de recriar-lhes
interpretaes, ampliar-lhes a acessibilidade por um cdigo mais universal que a lngua
escrita e que interaja complementarmente ou subsidiariamente msica. Amplifica-se a
acessibilidade pela extenso sensorial, difundindo
aquelas obras de arte pela pluralidade de mdias,
permitindo aperfeioar a fruio alm do
hedonismo.
A pintura permite, assim como qualquer
texto, diversos graus de acessibilidade, de acordo
com a ilustrao e cultura do receptor. A
universalidade do cdigo no significar unicidade
interpretativa nem uniformidade afetiva.
O objetivo do Programa Iconogrfico em
questo no foi fazer doutrina da percepo
sensorial, esttica ou intersemiolgica. O propsito
foi o de esquecer a classificao e ir prtica.
Abandonar os modelos e aderir a eles. Abandonar
como simplificao e aderir como referncia. Por
isso mesmo, uma srie de painis a leo, no uma tese.
A msica sempre procurou
mimetizar (no sentido
aristotlico) aspectos da natureza
compatveis com sua prpria
natureza. Uma vez que o som
imaterial, sua perspectiva de
mimese mais proeminente
sempre foi a representao de
sentimentos, estados de esprito,
climas e sensaes, que
compartilham deste estado de
imaterialidade. Assim foi toda a
msica aristocrtica da
renascena e barroco, assim a
msica religiosa, a msica para
fins festivos, militares, para
dana, sem falar no romantismo,
a prpria cano popular, etc.
Toda a msica assim constituda,
cuja mimese era imaterial e se
voltava para a prpria msica, foi
chamada msica absoluta.
(SALLES, 2002.)
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
A pretenso foi a da produo artstica. No era fazer cincia, no seria esta a
proposta, ainda que houvesse uma investigao metdica da qual resultou a base
cognitiva para a produo material, conhecimento como meio e no fim.
Ao cabo do processo, essa monografia discute a investigao e os resultados
dela, apresentados materialmente como Programa Iconogrfico das Quatro Estaes,
uma inveno polissmica, subsuno a meta-referncias retricas sublimando-as na
autofagia do modelo alheio categorizao aristotlica, mas fiel a sua estrutura. Aceita-
lhe os fundamentos, mas nega-lhe as conseqncias.11
A compreenso ampla da textualidade, a ser alcanada pelo recurso das
multimdias, no , absolutamente, novidade. Assim como as emulaes na produo
artstica no o so. A homologia parte necessria da retrica e o que se esteve
buscando. O exerccio consistiu em aplicar essas tcnicas com eficcia. Algum tipo de
sinestesia, no no sentido prprio fenmeno perceptivo bastante estudado, que
consiste na confuso de sentidos mas como a percepo simultnea de dois ou mais
sentidos, com resultante nica, uma impresso final convergente,12 foi propiciada pela
abordagem aqui proposta. Trata-se de um fusionismo.
A semitica ferramenta que permite a compreenso de sons, palavras, imagens
em todas as dimenses. Ela fundamenta as linguagens todas, baseadas em esquemas
perceptivos. Os processos de percepo so objetos dos estudos semiticos. Sendo a
11 MONGELLI: 2006. 12 SALLES, 2002.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
semitica, tambm, o estudo dos processos de comunicao no h mensagem sem
signos nem comunicao sem mensagem 13 aplicao desses conceitos, que so
emocionais, sensoriais e racionais na elaborao metafrica e simblica, nos processos
de criao do texto visual e da informao inexorvel para o sucesso na obteno de
um signo qualquer: um logotipo, uma marca, a identidade visual de uma instituio, o
conceito para uma campanha publicitria, ou produo de um Programa Iconogrfico
baseado na retrica e emulando msica e poesia.
As imagens feitas para significar uma coisa diversa daquela que se v com o
olho no tm outra regra mais certa, nem mais universal que a imitao (...).14 A
produo da arte deve ento ser feita em perspectiva semntica, interrogando as formas
de significao e os tipos de significado presentes em determinada obra de arte
precedente. Nesse sentido, a tarefa primordial da emulao foi investigar as obras
antecedentes, isol-las analiticamente, estudar as relaes existentes entre as partes e as
relaes entre o todo e as partes.
A interrelao entre diversas formas de arte e o estudo dessa
transdisciplinaridade no so novidades; a comparao de Horcio entre a poesia e a
pintura se apresenta quase atemporal. Desde a antiguidade at as poticas mais recentes,
13 SANTAELLA, 2004. 14 RIPA, 1593 Promio.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
passando pelo ataque platnico15, a formulao horaciana reiterada inclusive pela
utilizao que dele fez o Renascimento16.
Transdisciplinaridade, do latim trans, que indica o movimento entre partes.
aquilo que est ao mesmo tempo entre as disciplinas, atravs das diferentes disciplinas
e alm de qualquer disciplina. Seu objetivo a compreenso do mundo presente, para o
qual um dos imperativos a unidade do conhecimento.17 A transdisciplinaridade
engloba e transcende o que passa por todas as disciplinas, reconhecendo o
desconhecido e o inesgotvel que esto presentes em todas elas, buscando encontrar
seus pontos de interseo18. Piaget, Jantsch, Michaud estabelecem uma taxonomia da
interdisciplinaridade, situando a transdisciplinaridade como patamar superior dessa
escala. A transdisciplinaridade concepo de pesquisa baseada em novo marco de
compreenso.19 O marco de compreenso compartilhado por vrias disciplinas e vem
acompanhado por interpretaes epistemolgicas recprocas. 20 Assim, cria-se a
transdisciplinaridade pela construo de novo modelo de aproximao entre realidade e
objeto significativo.
15 Vide p. 33. 16 MORA, 2004. 17 NICOLESCU, 1999:46. 18 CETRANS, 1998-2001 apud FERREIRA, 2001. 19 FERREIRA, 2001. 20 HERNNDEZ, 1998:46.
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21
ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
em que so escritas as palavras do poeta latino e, antes de perguntar por suas
implicaes, especular sobre o que no implicam.
No Renascimento, a pintura tinha forte componente da retrica e era mesmo
equiparada a ela. Admitindo que a doutrina pictrica renascentista estivesse imbuda
claramente de retrica; isso no significa que o vnculo entre pintura e arte oratria
tivesse sido estabelecido margem da potica23. Como acontece com as artes em geral
e pela potica em particular, a doutrina pictrica fica impregnada da estruturao e da
terminologia retricas, mas nesse fato no se deve ver aproximao entre duas
atividades que se afastam nos objetivos e nas metodologias. Assim, segundo esse
pensamento, o tpico horaciano ut pictura poesis no pode ser estendido em sentido
completamente lato.
Ao valorizar a viso em detrimento da audio e propor que a poesia, arte da
imitao como a pintura, imagem, assim como o pincel imita os topoi narrativos das
cfrases (-) de autoridades24, Horcio implica que tambm a pena deve imitar
o pincel, produzindo metforas visualizantes de efeitos maravilhosos, adequados
simultaneamente utilidade e ao prazer. O que justificar a pretenso de reflexividade
no lugar-comum horaciano.
Mas resta mais um ponto segundo o qual perfeitamente possvel a
aproximao entre pintura e poesia, alm da msica como foi de interesse especifico
23 MORA, 2004. 24 HANSEN, 1995.
-
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23
ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
msica situa-se sobre o tempo25; j a poesia escrita atemporal e virtualmente no
depende tambm do espao; tratando de poesia declamada, algumas das caractersticas
de temporalidade apontadas msica so semelhantes mas a emulao nesse caso se
ateve poesia impressa.
Assim, pintar referncias msica e poesia prende-se mais maneira de
interpretar a obra musical, em oposio msica que conta uma histria, que
propriamente a um confronto de suportes26, ou de dimenses fsicas (tempo e espao).
A pintura no possui necessariamente eixo narrativo linear, e, assim, possvel adotar a
narratividade envolvendo msica e poesia em sentido muito mais aberto a livres
interpretaes. No caso do Programa Iconogrfico das Quatro Estaes, a linearidade
dos textos musical e potico substituda pela circularidade, pois qualquer ponto de
partida faz sentido na alegoria de fenmenos cclicos.
O gramtico John WALLIS27, na busca da iconicidade na linguagem e, portanto,
nos sons, resumiu assim a frmula: Soni rerum indices.28 Para ele, a ordem das
palavras reflete a ordem do mundo, doutrina que, j no passado da semitica, parece
simptica para a abordagem desta monografia.
25 SALLES, 2002. 26 SALLES, 2002. 27 WALLIS, John. Grammatica Lingu Anglic, 1653. 28 Apud LIMA, 2004: os sons so os ndices das coisas.
-
24
ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
No Ocidente, o som sempre teve um qu de misterioso. Onipresente e, ao
mesmo tempo, evanescente, o som no se rende ou se submete facilmente ao raciocnio
acostumado a coisas, locais e configuraes estveis. Som mutao.29
Som mutao e msica som no tempo. Quando esse tempo histrico,
quando falamos de msica do passado, a relativizao exponencial, pois estamos
lidando com um objeto artstico produzido e
consumido naquele tempo, algo que se esgotou
em sua fruio. Os registros que permanecem do
objeto, as partituras, so imperfeitos em mais de
um sentido, longe de serem capazes de propiciar a
reproduo dos sons daquela poca. As
performances atuais de msicas do sculo XVIII
sero sempre reinterpretativas.
E se os sons so representaes das coisas,
observemos que so representaes sincrnicas,
representam as coisas que lhes so contemporneas
em sua evanescncia. Os sons e as coisas do passado se contaminam reciprocamente
pela natureza v de sua essencialidade, por pertencerem concomitantemente ao tempo
do perfectum. Um tempo de outra mentalidade, de outras pessoas, diferentes
motivaes e tudo o mais que costumamos costurar sob o rtulo de ideologia.
29 PINTO, 2001.
Na terminologia da teoria da
recepo, o leitor concretiza a
obra [musical, literria ou
pictrica], que em si mesma no
passa de uma cadeia de marcas
negras organizadas numa pgina.
() A obra cheia de
indeterminaes, elementos
que, para terem efeito, dependem
da interpretao (...), e que
podem ser interpretados de vrias
maneiras, provavelmente
conflitantes entre si.
(EAGLETON, 1983:82.)
-
25
ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
Sobretudo, trata-se do tempo kairolgico muito mais que cronolgico ainda que esta
discusso aqui apontada seja excedente, ela merece ser apontada.30
A obra musical teria se concretizado em sua audincia, aquele momento para o
qual foi concebida, dela restando a possibilidade reinterpretativa.
Os conceitos estticos e ontolgicos se
abrem ideologicamente, desdobrando-se sobre as
determinaes estruturais das possibilidades dos
sentidos dos signos 31 , remetendo-se
desconstruo crtica das oposies hierrquicas
que estruturam o pensamento ocidental:
dentro/fora, corpo/mente, literal/metafrico,
fala/escrita, espao/tempo, presena/ausncia,
natureza/cultura, forma/sentido, letra/msica,
arte/cincia. O sujeito e o objeto constituem
sistema complexo com contradies, oposies,
contrastes, que vivem e se auto-influenciam e, com
isso, ampliam o jogo lingstico.
A relatividade exposta acima, em Histria ou em Esttica elemento absoluto,
qualquer deslize nos leva diacronia, ao mais terrvel equvoco no ramo. Quando se
30 Vide FAZENDA, 2001. 31 EAGLETON, 1983.
A linguagem muito menos
estvel do que os estruturalistas
clssicos achavam. Em lugar de
ser uma estrutura bem definida,
claramente demarcada,
encerrando unidades simtricas
de significantes e significados,
ela passa a assemelhar-se muito
mais a uma teia que se estende
sem limites, onde h um
intercmbio e circulao
constante de elementos, onde
nenhum dos elementos
definvel de maneira absoluta e
onde tudo est relacionando com
tudo.
EAGLETON, 1983:144.
-
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27
ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
compreenso figurativa tanto do ponto de vista visual direto quanto simblico
discreto.
Urdir esta complexa trama de conexes mltiplas implicar o enfrentamento
com a diversidade discursiva pretensamente intimidativa, legitimada pelos saberes
cristalizados. modo de devorar o objeto a ponto de desfigur-lo, realizar a
carnavalizao da retrica nesse ritual canibalstico e fazer do banquete dionisaco
fonte produtiva de texturas hbridas, polifnicas, bablicas32, eis alguns dos propsitos
da obra em anlise.
O discurso transdisciplinar, a retrica iconogrfica na linguagem contempornea,
tem por um lado amplificada sua eficcia, mas se torna mais neutra medida que sua
linguagem mais complexa, metafrica, metonmica, universalista. Prosseguindo na
linha desta aparitmese33, o discurso deixa de ser dominante, para ser dialgico; deixa de
ser didtico para ser didasclico, deixa de ser literal para ser literrio; o discurso desta
retrica no jornalstico, mas cotidiano e atual; no discurso persuasivo, mas no
deixa de ser sugestivo34. discurso apofntico35, ldico, polmico, aberto.
32 TREFZGER, 2007, adaptado. 33 Aparitmese: na retrica, ato ou efeito de enumerar, especificao, designao de coisas uma por uma.
HOUAISS. 34 Para taxonomias de discurso, vide CITELLI, 1986. 35 Apofntico: enunciado verbal passvel de ser considerado verdadeiro ou falso, em funo de descrever
corretamente ou no o mundo real Aristteles considerou-o o nico objeto a ser estudado pela lgica, em contraste com as manifestaes lingsticas afetivas, desejantes, interrogativas etc., que pertenceriam antes retrica ou potica. HOUAISS.
-
28
ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
2.1 Significao
Para representar as metforas emuladas foram levantados os signos mais
representativos. As estaes, por exemplo. Uma cena ou paisagem situadas em estao
do ano bem determinada geralmente correspondem ao estado de alma do sonhador. As
cenas alegres acontecem quase sempre na primavera ou vero, os sonhos de
renascimento na primavera. No obstante, com maior freqncia se tem conscincia do
elemento caracterstico da estao (por exemplo: sol muito forte, brotos nas rvores ou
neve que cai) antes da estao em conjunto. Na interpretao, h que se ter em conta
tanto o elemento subjetivo dominante quanto a estao em si mesma. Tanto os signos
quanto os significados se codificaram em representaes metafricas e repletas de
emulaes transversais.
Sendo o texto montagem de signos codificados, ele construdo (e interpretado)
em referncia s convenes associadas ao gnero polmnico, utilizando meio
especfico de comunicao. Embora existam discrepncias em relao possibilidade
de se dizer a mesma coisa em dois ou mais sistemas semiticos que utilizem unidades
semnticas diferentes, e sendo consciente das limitaes que tal diferena estabelece
em relao aos possveis cdigos utilizados36, a proposta foi aproveitar favoravelmente
tal fato. Se os diversos sistemas semiticos fossem sinnimos, ento a proposta
iconogrfica no faria sentido nenhum.
36 BLANCO, 2007.
-
29
ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
As teorias que lidam com a construo dos sentidos na relao entre leitores
incluem opes entre: Objetivistas, para quais o significado est inteiramente
incorporado ao texto (sendo ento o significado simplesmente transmitido ao leitor);
Construtivistas, para quais o significado construdo na interao entre texto e leitor;
terminando nos Subjetivistas, para quais o significado recriado segundo interpretao
do leitor. Isso pode ser resumido em duas tendncias gerais: as formais e as dialogais.
No processo de estabelecer o texto iconogrfico, definiram-se os elementos pictricos
(e entre eles os no-verbais) e semnticos a ser aproveitados em funo das suas
possibilidades narrativas (com as suas potencialidades conotativas, designativas,
simblicas, indicativas ou icnicas), com o objetivo de entabular comunicao direta
com o leitor. Estabeleceram-se os cdigos e subcdigos que organizam o sistema de
signos textuais, procurando conscientemente refletir valores, atitudes, crenas,
paradigmas e prticas, a fim de que as relaes entre eles gerassem o sentido desejado
nos leitores, mesmos os de diversas culturas e diferentes graus de erudio. Nesse
sentido, observou-se a necessidade de ultrapassar os elementos comumente aceitos e
gerais no percurso inventivo. Procurou-se incorporar algum elemento conectado s
vises autorais de mundo. O desafio foi grande. da a idia de lidar com algumas das
questes humanas mais culturalmente inquietantes, entre que se contam sexo, morte,
origem da vida, existncia de Deus (ou de algum tipo de ser superior), o Alm (da
morte, da terra, a vida extraterrestre). Em termos mais gerais e usando terminologia
-
30
ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
mtica e psicanaltica: a resultante da relao entre Eros e Tanatos, entre a inveno e a
destruio.37
2.2 Universalidade
A universalidade do tema das Quatro Estaes outro aspecto que sempre
impressionou. Nesse sentido, as metforas e metonmias inerentes ao tema alcanam
uma gama enorme de culturas, sendo os tpicos emulados com freqncia enorme e
reinterpretados sob as mais diferentes verses e em diferentes linguagens e
manifestaes estticas.
O tema das Estaes do Ano excelente ainda para demonstrar como a Cincia
e a Arte sempre tiveram
presena transversal na
cultura humana, assim como
se interpenetram de modo
incruento.38 Nele, a Fsica se
junta Astronomia para
explicar o fenmeno,
enquanto a Msica, a Pintura
e a Poesia possibilitam viagens
imaginao, permitindo ver
37 BLANCO, 2007, adaptado. 38 PEDROSA, 2006.
Ilustrao 1 As Quatro Estaes coroando Cronos. ALTOMONTE, Bartolomeo.
leo sobre tela, 74,5 x 94,5 cm.
-
31
ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
como esse mote tem estado presente h alguns sculos em vrias culturas.39
Partindo de diferentes objetos e eventos de arte, tais que se harmonizem com a
vivncia cultural ocidental em especial, podem-se recuperar fragmentos das ontologias
climtica e astronmica, por um lado e esttica, por outro, tanto presentes nas obras
de Vivaldi, quanto no Programa Iconogrfico das Quatro Estaes, e assim motivar a
construo de modelo mental que tenha suas bases na Fsica, na Matemtica e na
Msica, Poesia e Pintura como representaes estticas daquele modelo.
A construo desse modelo feita a partir de parmetros multidimensionais e da
rememorao de fatos do cotidiano, como observao de sombras ao longo de um dia
ou do ano, relacionando-as altura em que o Sol visto no cu e s diferentes posies
da Terra em seu movimento de translao. Tal construo se d no entrelaamento
entre a observao climtica (astronmica) e a sensibilidade esttica, possibilitando a
expresso retrica dos diferentes climas e afetos pelo fato de o planeta estar em
diferentes posies ao longo de seu caminho em torno do Sol. Essa situao ftica se
traduz, por exemplo, em cromatismos distintos a cada Estao, variaes de
temperatura e a uma srie enorme de eventos de grande influncia no cotidiano e com
correspondncias nas diversas regies do Planeta.
Ao gerar representaes mais amplas para explicar qualquer fenmeno
cotidiano, nosso conhecimento intuitivo assume, de forma implcita, princpios sobre a
natureza da realidade e atua conforme eles. No caso das estaes do ano, o que se 39 QUEIROZ, LIMA, e VASCONCELLOS, 2004.
-
32
ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
mostra sensorialmente perceptvel para todos o aquecimento maior ou menor de
acordo com a distncia entre o Sol e a Terra o que ocorre em todas as reas habitadas
do planeta, ainda que em intensidades variadas. O modelo fsico da distribuio da
radiao pela superfcie de acordo com o ngulo de incidncia foi elaborado pela
cincia para dar sentido a uma realidade que no facilmente percebida pelo senso
comum imerso em figuraes estticas culturais. 40 Mas o modelo esttico do
Programa Iconogrfico se props representar simultaneamente a realidade fsica do
clima e a universalidade dos afetos que lhes correspondem bem como as
correspondentes metforas. uma proposta universalizante.
O tema das quatro estaes um lugar-comum. Mas to comum e to sem lugar
que universal. A idia original seria fazer um levantamento panormico das
emulaes de quatro estaes em manifestaes estticas ou retricas, mas a amplitude
das ocorrncias faz a tarefa ficar muito alm da possibilidade momentnea e da
necessidade nesta discusso. Depois foi constatado que, na idia inicial, no havia nada
de original nenhuma novidade, ento a nica abordagem para o universal passou a ser
a proposta aristotlica41 de contrap-lo ao particular deixando esta para o exerccio do
historiador e aquele para o poeta. O Programa Iconogrfico proposta de poesia visual.
Abordagem universalizante de tema universal.
40 QUEIROZ, LIMA, e VASCONCELLOS, 2004:51. 41 ARISTTELES. Potica, IX-50.
-
3 M
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o
-
34
ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
emulao mimtica e, conseqentemente, produzir efeitos psicolgicos mais
abrangentes.
No territrio do design grfico modernamente e na arte discreta43 desde
sempre que se encontra o maior potencial para
a criao de imagens ligadas palavra escrita,
quando elegemos diferentes corpos e famlias
tipogrficas (fontes em editorao eletrnica),
cores e disposies, formando novos universos de
relaes e significados com os objetos do mundo.44
Ao se fazerem abordagens poticas
comparativas, inclusive literrias, musicais e
certamente pictricas, fazem-se com a aceitao
implcita de se transcenderem estudos
comparativos estrito senso. Arte comparativa
campo expandido que continua se abrindo para
outras reas, outras disciplinas e para temas mais
amplos que a esttica, que cruzam as fronteiras
presumidas entre as cincias e as artes. Esse
43 O uso da expresso arte discreta tem o sentido retrico de oposio nescidade; mutatis mutandis a
oposio entre hight art and low ou grand art et lart trivial arte erudita ou popular. 44 LIMA, 2004.
A transversalidade, a
interdisciplinaridade e a
transdisciplinaridade situam-se
na lgica terico-metodolgica
do novo paradigma de
conhecimento, que entende o
conhecimento dialogando com o
prprio conhecimento em busca
de compreenso da realidade
enquanto objeto mltiplo. Numa
viso pragmtica, as concepes
TIT so instrumentos intelectuais
para iluminar a passagem da ao
elaborativa do pensamento
simplificador para o
pensamento complexo. No
estamos falando do conhecimento
do objeto, somente reduzido
pura abstrao, mas
conhecimento do objeto em sua
multirreferncia.
FERREIRA, 2001:48.
-
35
ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
dilogo interdisciplinar compreendido como conjunto de mimeses transversais, nas
quais os topoi so na verdade transdisciplinares.
A proposta de abordagem comparativa, transversal e interdisciplinar de mimese
parte da atitude hermenutica e heurstica para com os diversos saberes visando
instaurar dilogo entre eles,45 construindo conhecimentos vlidos para a estrutura e
mtodos da prtica pictrica no contexto atual. Trata-se de atitude de reinterpretao
dos conhecimentos tericos, sistematizados para a descoberta de conceitos e referncias
iconogrficos.
A transversalidade proposta refere-se ao colateral, ao que passa ou atravessa os
objetos significativos. Transversalidade aqui remete idia de fenda, abertura,
alinhamento em outra direo. A transversalidade abertura, possibilidade
metodolgica para expresso esttica, ao alinhar os contedos tpicos em outra direo,
estabelecendo novas relaes entre os pontos de vista: os que so teoricamente
sistematizados e emulados das artes eruditas e os que esto na vivncia, no cotidiano
autoral. A transversalidade estratgia de resgate da percepo ampla da realidade
mediante emprego de determinados elementos de grande potencial significativo,
denominados, nesse caso, de eixos/temas transversais (musical, literrio, pictrico)46.
O limite da transversalidade seria o que os sofistas definiram como programa de
(paidia cclica ou enciclopdia, conjunto de todas as cincias).
45 FERREIRA, 2001. 46 FERREIRA, 2001, adaptado.
-
36
ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
Preocupando-se com a compreenso generalista no limite possvel da completude. O
programa da foi retomado e elaborado pelos retricos romanos, que
transmitiram o esquema das orbis doctrin (doctrinarum orbem) aos mestres do ensino
medieval.47 A idia foi retomada por Diderot e DAlembert.
Essa viso globalizante se ope disciplinaridade disjuntiva48, segmentao de
significaes e de referenciais estticos. O conhecimento disjuntivo, estanque,
propugna a objetividade assptica e tem a subjetividade eliminada, o sujeito excludo
do processo. NICOLESCU49 diz que a objetividade instalada como critrio supremo de
verdade teve uma conseqncia inevitvel: a transformao do sujeito em objeto.
O fracionamento do saber e do ver implica a especializao das cincias
tambm e resulta na fragmentao das conscincias, na interpretao isolada dos
eventos e dos signos. A realidade vista apenas em fragmentos seccionados, forjando-se
a iluso e incorrendo em erro de paralaxe. Essa viso destorcida do mundo o que vem
ocasionando a poluio, a destruio do equilbrio na natureza, na medida em que as
vises separatistas desvinculam a cincia da conscincia, a sensibilidade da
racionalidade, a materialidade da espiritualidade, o sonoro do cromtico, o potico do
cientfico.50
47 FERREIRA, 2001:54. 48 ARAJO, 2000. 49 NICOLESCU 1999:18. 50 ARAJO, 2000, adaptado.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
Esse modelo disciplinar ou esttico separatista desvincula o conhecimento da
sinuosidade, complexidade e multiplicidade do cotidiano, constituindo-se de teorias
abstratas, lineares e cinzentas em termos pictricos, montonas ou monortmicas
em termos musicais. O pensamento separado da carnalidade do vivido. 51 Os
contedos fracionados e reduzidos a frmulas analticas quantitativas desfiguram o
dinamismo qualitativo do ser, das coisas, das interligaes existentes entre parte e todo.
A segmentao analtico-funcional e esttica
denegou o ontolgico, a compreenso expressiva
do ser em sua unitas multiplex, a inteireza e
complexidade das coisas, dos seres, dos signos.
A carnalidade do vivido, quer posta em
termos estticos ou cientficos, h que ser
devidamente torcida, para que dela se extraia o
sumo que o verbo, o compasso ou o arco-ris da
palheta representam.
Mesmo a dicotomia arte-cincia empobrecedora, veda o universo sensorial,
obsta a imaginao (principalmente dos leigos). a cincia positiva, matematizada, fria
e tecnicizada (obsoleta!), isolando filosoficamente o homem social. 52 Descartar a
cincia no processo inventivo abandonar o elemento gnosiolgico do contato entre a
51 ARAJO, 2000. 52 PEDROSA, 2006.
ANTES, O VERBO Torcer o verbo, Antes que ele se torne carne. Rasgar a carne, Antes que ela se torne pecado. Gozar o pecado, Antes que ele se torne proibido. Esquecer o proibido, Antes que ele se torne verbo. Torcido e rasgado, Gozado e esquecido, O verbo e a carne, O pecado e o proibido.
Que tudo se torne. Antes. Araguana, 2 de dezembro de 1994
ATHAYDE. P. 2001:72.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
poesia e a pintura no discurso platnico. Descartar a arte no conhecimento cientfico
relegar ou negar o papel do sujeito na construo do saber.
3.1 Imitao: Antnio Vivaldi
As Quatro Estaes foram publicadas em Amsterd, em 1725, com mais oito
concertos em volume denominado Opera Ottava (Opus 8). As datas exatas da
composio dos concertos no so conhecidas. Esse conjunto concertstico foi
denominado Il Cimento dellArmonia e dellInvenzione;
um testamento artstico, tal o teor de tcnica intelectual e
fantasia inventiva de Vivaldi. As Quatro Estaes so,
acima de tudo, a celebrao da rica impresso individual
das mudanas de estaes, inspirando a evocao do
universo inteiro de emoes associadas a elas. Vivaldi
esforou-se para completar a experincia de seu pblico
exibindo pinturas e sonetos para os msicos e para a platia.53
Na Idade Mdia, e mesmo muito depois dela, at o sculo XVIII inclusive,
comumente msicos eram empregados de nobres, governantes ou eclesisticos, sendo
sua funo compor para grande nmero de acontecimentos. Nascido um prncipe,
componha-se uma Missa em Ao de Graas pelo fato. Para uma grande recepo, o
compositor particular crie novas peas e ensaie-as com a orquestra disposio at a
53 Portal Itlia Brasil.
Ilustrao 2 Capa da publicao de Vivaldi.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
data aprazada. Se morrer uma rainha, um rquiem j dever estar preparado para a
ocasio.
Cito os sonetos que acompanham esta obra como exemplo do que havia de
emulao dos topoi na proposta de Vivaldi: transversalidade. Em relao
popularidade dos concertos, poucas pessoas os conhecem, apesar de sua enorme funo
operstica quando considerados em conjunto. Parece que Vivaldi, ao contrrio do que
seria de se esperar, a seu tempo e segundo os cnones da Histria da Msica, j
compunha para auto-satisfao ou com vistas remunerao pela audincia, j que no
teria havido encomenda ou funo ritualstico-representativa para a obra.
O tema das Quatro Estaes simples, popular, dado que se refere nossa Terra
e a todos os habitantes, mas ao mesmo tempo, amplia-se simbolicamente de maneira
rica e complexa, pois que est ligado a tudo que se refere ao nmero 4, s quimeras, s
vises bblicas, aos elementos, aos evangelhos, s fases da lua, ao Tar.54 O significado
elementar desse smbolo : refere-se s quatro fases de qualquer ciclo. E o ciclo das
estaes exemplo cheio de sentidos.A popularidade destes concertos grossos de
Vivaldi fizeram deles uma das obras de msica erudita mais gravadas: 475 registros,
contra 275 da Quinta Sinfonia de Beethoven55, por exemplo.56
54 Toda simbologia que se segue traduo e adaptao de KULTURICA, 2007. 55 LEBRECHT, 2007. 56 Desde a inveno do gramofone, 95 violinistas j gravaram As Quatro Estaes, de Vivaldi. A pea
tornou-se assim campe absoluta na lista de obras mais gravadas para violino e orquestra, cabendo a medalha de prata ao concerto de Tchaikovsky, com 72 interpretaes diferentes. Em terceiro e quarto lugar, aparecem os concertos de Beethoven e Mendelssohn, com 69 e 64 verses, respectivamente. COHEN, 1998.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
A primavera a chegada, o incio, a infncia, o
nascer do sol, o princpio de uma atividade, a virgindade,
otimismo, dinmica, sentimentos voluntariosos. o basto
do Tar e o entusiasmo de Mercrio.
O vero representa a juventude, o sol que chega a
seu znite: as foras so reunidas, preparadas, o momento
de agir. tambm plenitude em conexo com a realidade.
por sua vez o corte generoso do Tar e a combatividade de
Marte.
O outono o tempo das colheitas, mas tambm o das
lamentaes. O sol comea a inclinar-se sobre o horizonte.
O tempo de colher os frutos e de gozar, o tempo de lamentar
a beleza passada. a poca da opulncia. o dinheiro do
Tar, a potncia de Zeus.
Por ltimo, o inverno o descanso que segue o
perodo de atividade, aquilo pode ser a morte, mas a morte
realmente um fim? a velhice de Cronos, a terra que se
prepara para uma nova primavera, ento, o que seria o fim
o que precede o recomeo.
Ilustrao 3 Primavera: VAN DE VELDE, Jan. 1617.
Ilustrao 4 Vero: VAN DE VELDE, 1617.
Ilustrao 5 Outono: VAN DE VELDE, 1617.
Ilustrao 6 Inverno: VAN DE VELDE, 1617.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
s mesmas nos sonetos, apontando assim para o instrumentista que frases musicais se
referem a que linhas na respectiva descrio nos poemas.
A autoria destes sonetos no confirmada 57 , embora se acredite que eles
descrevem a msica to bem que Vivaldi seja perfeito candidato a t-los escrito. Mas
para o efeito do Programa Iconogrfico, de fato, essa atribuio no de todo
importante, j que o prprio Vivaldi reconhece e admite a conexo dos sonetos sua
msica.
Adite-se que no foi encontrada nenhuma contestao de autoria, portanto a
subsuno dos sonetos no universo
vivaldiano parece perfeitamente
legtima.
Vejam-se os sonetos de Vivaldi
em verso portuguesa nos anexos.58
57 SONETOS.COM.BR. 58 Vide p. 127.
Ilustrao 7 Alegoria das Quatro Estaes.MANFREDI, Bartolomeo c.1610leo sobre tela, 134 x 91,5 cm.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
Giunt la Primavera e festosetti La Salutan glAugei con lieto canto, E i fonti allo Spirar deZeffiretti Con dolce mormorio Scorrono intanto: Vengon coprendo laer di nero amanto E Lampi, e tuoni ad annuntiarla eletti; Indi tacendo questi, glAugelletti Tornan di nuovo al lor canoro incanto: E quindi Sul fiorito ameno prato Al caro mormorio di fronde e piante Dormel Caprar col fido can lato. Di pastoral Zampogna al Suon festante Danzan Ninfe e Pastor nel tetto amato Di primavera allapparir brillante.
3.1.1.1 La Primavera
Ilustrao 8 Primavera, ou O Encontro: van de Venne, Adriaen Pietersz. leo sobre XXX, 37,5 x 15 cm, 1625.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
Sotto dura Staggion dal Sole accesa Langue Lhuom, langue l gregge, ed arde il Pino; Scioglie il Cucco la Voce, e tosto intesa Canta la Tortorella el gardelino. Zeffiro dolce Spira, m contesa Muove Borea improviso al Suo vicino; E piange il Pastorel, perche Sospesa Teme fiera borasca, el Suo destino; Toglie alle membra lasse il Suo riposo Il timore deLampi, e tuoni fieri E de mosche, e mossoni il Stuol furioso! Ah che pur troppo I Suoi timor Son veri Tuona e fulmina il ciel e grandinoso Tronca il capo alle Spiche e agrani alteri.
3.1.1.2 LEstate
Ilustrao 9 Vero, ou A Saudao: van de Venne, Adriaen Pietersz. leo sobre XXX, 37,5 x 15 cm, 1625.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
Celebra il Vilanel con balli e Canti Del felice raccolto il bel piacere E del liquor di Bacco accesi tanti Finiscono col Sonno il lor godere. F chognuno tralasci e balli canti Laria che temperata d piacere, E la Staggion chinvita tanti e tanti D un dolcissimo Sonno al bel godere. I cacciator alla novalba caccia Con corni, Schioppi, e canni escono fuore Fugge la belua, e Seguono la traccia; Gi Sbigottita, e lassa al gran rumore DeSchioppi e canni, ferita minaccia Languida di fuggir, m oppressa muore.
3.1.1.3 LAutunno
Ilustrao 10 Outono, ou A Conversa: van de Venne, Adriaen Pietersz. leo sobre XXX, 37,5 x 15 cm, 1625.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
Aggiacciato tremar tr nevi algenti Al Severo Spirar dorrido Vento, Correr battendo i piedi ogni momento; E pel Soverchio gel batter i denti; Passar al foco i di quieti e contenti Mentre la pioggio fuor bagna ben cento; Caminar Sopral giaccio, e passo lento Per timor di cader gersene intenti; Gir forte Sdruzziolar, cader terra, Di nuovo ir Sopra l giaccio e correr forte Sin chil giaccio Si rompe, e Si disserra; Sentir uscir dalle ferrate porte Sirocco, Borea, e tutti i Venti in guerra Quest l verno, m tal, che gioja apporte.
3.1.1.4 Inverno
Ilustrao 11 Inverno: VAN DE VENNE, Adriaen Pietersz. leo sobre XXX, 37,5 x 15 cm, 1625.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
3.1.2 Os Concertos As Quatro Estaes Opus 8
O objetivo aqui ser apenas o de apontar algumas relaes entre os poemas
acima e a conhecidssima obra musical.59
3.1.2.1 A Primavera Concerto N 1 em Mi Maior
O primeiro movimento relaciona-se primeira e
segunda estrofes; o segundo terceira e o terceiro quarta.
Vivaldi descreve a chegada da primavera com toda sua
singularidade, representada por uma melodia doce, remetendo
aos cantos dos pssaros. Mas tambm h a tempestade, raios e
troves cobrem o ar em manto negro. Apesar disso, sem se
importar, ficam os passarinhos, retornando a seu encanto canoro.
Uma festiva reunio onde danam as ninfas e os pastores ao som
alegre das gaitas camponesas e sob o ansiado e brilhante cu de
primavera. O solo de violino representa o pastor atormentado e os
demais violinos representam o ambiente revolto.
59 Os textos descrevendo os Concertos que foram aproveitados nesse tpico so to difundidos que se
torna impossvel lhes determinar autoria ou fonte original.
Ilustrao 12 Primavera: MUCHA,
Alphonse. 1890.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
3.1.2.2 O Vero Concerto N 2 em Sol Menor
Pode ser considerado o concerto com mais eficcia
descritiva. De novo o primeiro movimento relaciona-se s duas
primeiras estrofes; o segundo terceira e o terceiro quarta. O
grande protagonista a tempestade. As coisas aqui comeam
serenas, mas no doces. O sol a pino derruba tanto homem como
a natureza. E aps o anncio do rouxinol, chega a tempestade. O
pastor teme a tempestade. quase uma destruio.
3.1.2.3 O Outono Concerto N 3 em F Maior
O primeiro movimento refere-se primeira estrofe, o
segundo segunda e o terceiro s duas
ltimas. O protagonista agora Baco.
Pode-se sentir novamente um ambiente alegre, onde o campons
celebra com festas e cantos a feliz colheita, com intenso prazer.
O campnio est to aceso pelos vinhos de Baco que sua alegria
se transforma em sono. A msica representa a embriaguez, A
Bacanal prossegue at que a orgia adormece todos os
participantes, no segundo movimento. No dia seguinte, terceiro
movimento, o caador sai caa com trompas, espingardas e
ces ferozes. Podemos sentir a fuga da presa com os caadores
seguindo suas pegadas. J esgotada e temerosa com o grande
Ilustrao 14 Vero: MUCHA,
Alphonse. 1890.
Ilustrao 13 Outono: MUCHA, Alphonse. 1890.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
alvoroo de rifles e ces, a presa ferida, tenta fugir, mas atingida e morre.
3.1.2.4 O Inverno Concerto N 4 em F Menor
O primeiro movimento corresponde primeira estrofe. O
segundo, bem curto, prende-se apenas aos dois primeiros versos
da segunda quadra. Os demais versos esto vinculados ao terceiro,
desenvolvendo-se em crescendo cuja interpretao aceita algum
otimismo. Esse concerto foi concebido para ser interpretado na
igreja, portanto toda a orquestra toca em surdina a maior parte do
tempo, como a no querer perturbar os fiis.60 Em O Inverno,
podemos sentir a imagem de algum tremendo sem parar sobre a
neve, castigado pelo severo soprar do vento cortante, a sensao
de correr batendo os ps a todo o instante e o bater dos dentes em
um frio intenso. Em seguida, o aconchego de ficar ao fogo, quieto
e satisfeito, enquanto a chuva do lado de fora a tudo banha, pode ser perfeitamente
sentido pelo doce e expressivo solo de violino do segundo movimento, e tambm pelo
pizziccatto da orquestra imitando a chuva. O terceiro movimento sugere o caminhar
sobre o gelo, a passos lentos, com medo de cair, o caminhar com mais deciso e cair
sobre a terra, novamente, ir sobre o gelo e correr forte, sem que o gelo se rompa. Ao
final podemos sentir, apesar do frio, dos ventos e da neve, uma alegria talvez fatal.
60 KULTURICA, 2007.
Ilustrao 15 Inverno: MUCHA, Alphonse. 1890.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
3.1.3 Exposio61
Os quadros que foram expostos na primeira audio pblica dos concertos As
Quatro Estaes eram de autoria de Jean von Blasenberghe62. Deles restam apenas trs
e j puderam ser vistos: os quadros correspondentes Primavera e ao Vero pertencem
atualmente ao Muse Marmottan, em Paris, tendo sido adquiridos pela famlia
Marmottan bem antes de legarem a casa e a coleo que deram incio ao museu, fins do
sculo XIX. Os dois quadros esto em sala especial, no quarto andar do museu, em
ambiente sempre sonorizado com os dois concertos respectivos. O quadro
correspondente ao Outono pertence ao acervo do MASP, tendo sido adquirido por
Chateaubriand com doaes de fundos de penses. Foi visto tambm, mas se encontra
hoje recolhido reserva, por ter sido danificado em ato de vandalismo na dcada de
1960, at ento no houve interesse ou recursos para restaurar to importante obra. Por
ltimo, o Inverno, consta ter desaparecido em Milo nos anos de 1930, em incndio
mal explicado, no qual no se tem certeza se o quadro queimou completamente ou se
foi roubado em circunstncias ligadas a uma herana conflituosa.
Infelizmente no foi possvel obter imagens fotogrficas daqueles quadros, o
Marmottan no as fornece e o MASP as esconde.
Recorrendo memria para os descrever, ressaltam-se os aspectos de
intertextualidade e as emulaes de Vivaldi, principalmente as tratadsticas que muito
chamaram ateno. 61 No sentido retrico de cfrase (-), sem ecgonina (). 62 MATTOS, 2003.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
Baseado na descrio feita e em reprodues de qualidade bem inferior 63 ,
impossveis mesmo de serem impressas aqui, as telas de von Blasenberghe foram
recriadas por Will Oliveira, a pedido e em estreita colaborao, especialmente para
ilustrarem este trabalho e acompanharem as emulaes deste estudo como referncia
iconogrfica suplementar.
Resultou desse pedido que o Programa Iconogrfico das Quatro Estaes,
preconizado para emular uma srie de referncias anteriores, foi construdo em dilogo
com ainda mais uma obra de arte, produzida em paralelo, simultaneamente e no mesmo
ambiente. Quero apontar esse fato e a conscincia das benficas e amplas contribuies
recprocas na produo para deixar essa questo de lado, abandonar a discusso dessa
recproca contaminao em todos seus aspectos por opo metodolgica.
3.1.3.1 Primavera
Von Blasenberghe representou uma primavera ldica e canora, uma ciranda
entre dois casais de adolescentes voltados para o exterior do crculo, de costas uns para
os outros, leve e coloridamente trajados. Personagens angelicais ilustram a
musicalidade da cena. A remisso puerilidade do relacionamento, mas j em
presena de certo idlio, platnico ainda, juvenil, mas em processamento.
63 As ilustraes foram obtidas de um negociante de postais e fotos, margem do Sena. So duas laudas
amarelecidas, sem notas tipogrficas, reproduzindo as gravuras de duas Estaes em cada. Papel e impresso sugerem que o material date do primeiro quartel do sXX, mas as gravuras originais teriam sido bem anteriores. No h referncia a autoria ou quaisquer textos impressos, exceto o nome de cada estao. Apenas pela memria das imagens de Von Blasenberghe as ilustraes puderam ser identificadas e fornecer pistas para a recriao do Inverno.
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ATHAYDE, Pblio. As Quatro Estaes: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/IFAC, 2007.
A cena campestre, h diversas floradas vista e os jovens esto cobertos de
ornamentos florais: guirlandas, colares e coroas.
O horizonte, em fundo infinito, luminoso e percorre todo o fundo da tela,
permitindo ser relacionado a amplas opes de vida e futuro promissor.
esquerda, as faces de Jano sobre pedestal remetem ao inverno recm
terminado e ao ano que est em seus primrdios.
A presena constante de quatro personagens centrais nas Estaes de
Blasenberghe permite supor metarreferncia quaternidade das estaes, como ciclos e
como fazes. Alm do qu, na iconografia renascentista (Ripa e sucedneos), metade dos
elementos representativos das estaes homem (inverno e vero) metade mulher
(inverno e primavera).
Existe outra Primavera em cuja representao a ciranda se faz presente, a de
Nic
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