as donas da histビria 44d · para uma música mais emocionante, sem ser piegas. sérvia fica...
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AS DONAS DA
HISTÓRIA Capítulo 44.
Novela de Renan Fernandes.
Escrita por Renan Fernandes.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
CENA 1. FÓRUM. CORREDOR. INT. TARDE.
Continuação imediata da última cena do capítulo anterior.
Clima tenso. Cláudia, Sônia, Irineu e Jake ficam surpresos com a ameaça de
Antônio, o qual acabou de perder o processo de separação movido contra a
segunda.
SÔNIA — Isso não vai ficar assim, por quê? Você ainda
tem esperanças de recorrer, é? Veja só se o
destino não foi bastante camarada comigo! Eu não
só consegui arranjar provas de toda a sua armação,
como ainda tirei algumas pessoas dessa sua
influência deteriorante!
ANTÔNIO — (revoltado) Pois é! Você está de parabéns,
Sônia! Conseguiu também subornar esse fotógrafo
pilantra e traíra pra ele simplesmente fazer essa
sacanagem comigo! Mas agora o meu assunto é com
você, Jake? Eu vou querer todo o dinheiro que eu
te entreguei pra me ajudar, e com juros, entendeu
bem?
JAKE — Depois você passa lá no meu apart, e pega! O
dinheiro nem saiu do seu pacotezinho. Deixei
guardado numa gavetinha dos fundos da sala!
ANTÔNIO — E ainda me trata com esse deboche? Moleque
inconsequente! (aproxima-se dele) Você acha que
eu só vou me contentar em ser ressarcido? Nada
disso! Eu também vou fazer muita questão de
difamar a sua reputação,
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
e acabar com a sua carreirinha mequetrefe de
fotógrafo! E não pense que isso vai ficar só na
ameaça, não? Eu vou te denegrir diante dos seus
patrões atuais. O Gene e a Júlia vão entender o
meu lado!
IRINEU — (intervém) Mas eu vou fazer de tudo pra
impedir que isso aconteça! Não vou permitir que
você apele, Antônio, e coloque mais pessoas
inocentes no meio dessa sujeira toda!
ANTÔNIO — Você também, Irineu? Me traiu de uma maneira
desprezível...
IRINEU — Eu já tava desconfiado de você há muito tempo!
Desde quando eu descobri que você e a Sérvia
enganavam a Malu! Depois, foi só um passo
despretensioso pra eu ir descobrindo esse seu
lado transgressor que sempre ficou oculto nessa
sua figura de médico magnata! Desse modo, pode
ter certeza de que eu aprendi a lidar com gente
como você! E, principalmente, te deixar
desarmado! Deixe o Jake, a Sônia e a Cláudia em
paz! Porque muitas coisas ainda podem acontecer
caso você tome a iniciativa burra de tentar
prejudicá-los!
CLÁUDIA — É isso mesmo, Antônio! Muitas coisas!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
Começando com a mentira que você mantém pra
Malu não descobrir o seu passado tortuoso! Nós
podemos te desmascarar a qualquer momento!
SÔNIA — (complementa) Além disso, tem o fato de
grandes pormenores da sua armação contra mim
terem sido ocultos diante do juiz. Ou seja, a sua
desfaçatez de expor a minha imagem e a do
Eriberto na Internet, a sua mãe ter nos dopado
com um sonífero. Enfim, detalhes que facilmente
figurariam processos de invasão de domicílio,
assédio moral e difamação!
Antônio fica em silêncio por algum instante, encarando os quatro
personagens com um olhar resignado. Ele faz um gesto afirmativo com a
cabeça, aceitando a condição.
ANTÔNIO — Contanto que vocês deixem e a Malu em paz, eu
prometo que nunca mais me meto na vida de vocês!
Som de suspense. Irineu, Cláudia e Sônia se entreolham. Jake fica à parte
nesse momento.
IRINEU — É! Vamos dar essa chance a você! Te
proporcionar a oportunidade de recomeçar uma
vida marcada por infrações, mentiras descaradas...
(aproxima-se) A Malu não merece sofrer uma
decepção tão grande na vida dela!
Por fim, Antônio observa Benjamin, o seu advogado, chegando dos fundos de
uma salinha. Eles se entreolham e decidem ir embora com os rostos
abaixados, num gesto de constrangimento.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
Irineu, Cláudia, Sônia e Jake acompanham os passos deles com o olhar.
Depois, voltam a se encarar e sorriem aliviados.
SÔNIA — Eu nem acredito que finalmente eu venci o
Antônio! Pena que o processo ainda vai se estender
pro litigioso!
CLÁUDIA — Mas logo vocês estão separados no papel, Sônia!
Burocracia é assim mesmo, demorada! O
importante é agora você ter a convicção de que
está livre dele!
IRINEU — É! Livre entre aspas, meninas! Porque eu ainda
vou precisar da ajuda de vocês!
CLÁUDIA — Mas por qual motivo?
JAKE — Bom, eu to vendo que esse assunto é meio
particular! Eu vou embora! E obrigado por tudo,
viu? Vocês foram generosos e complacentes
demais comigo!
IRINEU — Pode ir em paz, garoto! E cuida bem da sua vida
e da sua carreira!
JAKE — Pode deixar! (vai embora)
IRINEU — Agora eu posso falar mais à vontade! Olha só,
garotas, eu sei que todo esse processo gerou muita
enxaqueca pra vocês, que o Antônio simplesmente
só simbolizou até agora muita confusão e
problema! No entanto, eu preciso que vocês me
ajudem a dar uma lição definitiva nele!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
SÔNIA — Claro! Mas especifique! Qual lição você quer dar
nele?
IRINEU — (direto) Eu quero desmascarar o Antônio diante
da Malu! Ela precisa descobrir quem é o noivo dela!
Som de suspense. CLOSES alternados. Sônia fica temerosa, Cláudia
demonstra ansiedade e Irineu mostra-se objetivo e focado.
CENA 2. MANSÃO DE SÉRVIA. SALA. INT. TARDE.
Sérvia fica intrigada com a última afirmação de Malu, após essa descobrir
que Irineu e Cláudia estavam juntos.
SÉRVIA — Mas minha neta, o que você está querendo
insinuar agora? Que, além da Cláudia, eu também
sou uma pessoa falsa?
MALU — Eu apenas tava divagando sobre a minha atual
realidade! (senta-se no sofá) O que foi hein,
dona Sérvia? Ficou preocupada com o meu
desabafo sobre a tendência das pessoas em serem
mentirosas? Caso você se sinta cada vez mais
ameaçada por um motivo que eu desconheço,
aproveita esse momento de revelações, e se
exponha!
Música de suspense. CLOSE em Sérvia, que olha Malu com um olhar perdido
e confuso. A outra, por sua vez, demonstra segurança e firmeza no
semblante, colocando a mão direita sobre o canto do rosto e observando
Sérvia com uma aparente desconfiança.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
SÉRVIA — (aproxima-se aos poucos) Malu! Não é de hoje
que você me faz perguntas tão tendenciosas,
sempre demonstrando estar desconfiada de mim!
(senta na cabeceira do sofá) Eu sinceramente
não me sinto à vontade com tantos interrogatórios.
Ainda mais eu, que vivi numa época de repressão
armada, ditadura, enfim... Se você analisar o
contexto da minha vida, vai perceber que eu tenho
motivos de ser uma mulher mais reservada, mais
contida.
MALU — Bastante incoerente da sua parte se rotular
como uma pessoa pouco expansiva! Os seus amigos,
que eu me lembro, aqueles que já se mudaram há
tempos pra França, geralmente te definiam como
uma pessoa extrovertida, alegre, carismática!
Depois que você descobriu o meu envolvimento com
o Antônio é que você começou a agir diferente!
Afinal de contas, você e ele...
SÉRVIA — Nem termine essa sua frase! Não vamos voltar a
ter um diálogo vicioso! Eu já te disse que nunca o
conheci! Minha querida, deixa eu terminar de
relatar o meu passado. Mais precisamente 1968!
Um ano em que eu tinha pouco mais de 18 anos,
liberal, adepta do movimento dos jovens franceses
que reivindicavam direitos paradoxais, como, por
exemplo:
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
“É proibido proibir”, “Seja realista, exija o
impossível”! Naquela época, eu passei um tempo na
França, justamente na manifestação de maio de
68, que foi a maior manifestação revolucionária
desde a Revolução Russa de 1917. Nós, jovens, que
já tínhamos uma condição de vida superior a dos
nossos pais, não nos contentávamos em ser
manipulados, ou melhor, influenciados por um
sistema capitalista tão segregacionista, no qual
muitas pessoas se viam exploradas por uma minoria
detentora de grande parte das riquezas, e,
sobretudo, excluídas e menosprezadas por essa
minoria. Assim, eu me prontifiquei a lutar por
essas causas, mesmo que nós fossemos
considerados utópicos e hipócritas pela maioria
reacionária! Então, foi aí que eu cheguei à
conclusão de que eu, no fundo, era uma pessoa
reacionária também, ou seja, acomodada na
tradição de uma vida João e Maria, dona de casa
exemplar e mãe de família! Eu só falei tudo isso
pra você entender o meu posicionamento diante da
vida, e o porquê de, às vezes, parecer tão relapsa
e fugaz! É porque eu tenho vergonha de muitas
atitudes do meu passado. Atitudes essas que me
condenariam e fariam você me odiar pra sempre!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
MALU — Mesmo que você tenha dito uma parte, até
convincente, do seu passado de uma jovem
idealista e alienada, eu ainda tenho a impressão de
que você esconde muitos segredos, minha avó!
Porque você, Sérvia, é uma figura única,
impressionante! São várias personalidades
femininas numa única mulher! É quase uma
esquizofrenia! Você, antes uma revolucionária,
hoje é uma careta! Mas também já passou por uma
fase extrovertida, e agora, contida! Enfim, você é
uma pessoa muito complexa! E eu sinceramente
ainda vou querer te conhecer por completo! Porque
eu preciso ter a certeza de que pelo menos a
minha avó é transparente comigo! Eu simplesmente
arranjei muitos inimigos em pouco espaço de
tempo. Por isso, não se torne também uma inimiga
minha! Eu ia sofrer demais se descobrisse que
você também me fez de idiota!
Som de suspense. Nesse instante, a música de suspense acaba e dá entrada
para uma música mais emocionante, sem ser piegas. Sérvia fica tocada com
as palavras de Malu, senta pertinho dela e coloca o seu rosto no peito dela.
Confusa, Malu decide a abraçar.
SÉRVIA — Não repita mais uma coisa dessas! Você é a
pessoa mais importante da minha vida! Eu te amo,
Malu! Não to querendo ser piegas, tampouco
apelativa!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
Eu só to querendo que você não desconte o seu
ódio por seus desafetos nessa sua avó tão
problemática e solitária! Eu preciso muito de você,
minha querida, do meu lado! Sem, claro, eu virar
um estorvo na sua vida!
MALU — (ri por dentro/abraça-a forte) Fica calma,
Sérvia! Você anda muito sentimental ultimamente!
Tudo bem, eu vou parar com esses interrogatórios!
Nisso, Sérvia desvencilha-se dela e a encara por alguns segundos. Lágrimas
escorrem dos seus olhos, ao mesmo em que sorri aliviada.
SÉRVIA — Então vamos focar no presente, que tal?
MALU — Eu acho ótimo!
Nisso, Malu seca as lágrimas do olho direito de sua avó, que beija o dedo
indicador dela e volta a sorrir suspirando.
CENA 3. SHOPPING METRÓPOLE. CORREDORES. INT. TARDE.
Nesse instante, Irineu caminha com Cláudia e Sônia em direção à sua sala
presidencial. No caminho, eles conversam sobre a proposta daquele em
desmascarar Antônio.
CLÁUDIA — Não sei, Irineu! To um pouco receosa com essa
história toda! Como eu acabei de te dizer, eu e a
Malu nos tornamos inimigas declaradas. Aquela
história de ela ter me acusado de armar uma
cilada pra tirá-la da agência Vital e da campanha
do Guilherme me deixou muito magoada.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
IRINEU — Quanto a isso, eu vou dar uma analisada depois!
Realmente, da maneira como tudo se procedeu, é
provável que a Malu tenha sido vítima de uma
armação. Agora, nesse momento, vamos focar no
Antônio! Vocês viram que eu me moldei à falsidade
dele e prometi que iria deixá-lo em paz com a
Malu, não é mesmo? Assim, é evidente que ele está
novamente seguro de si, achando que nada do que
ele aprontou vai resbalar nessa relação doentia
com a minha afilhiada. Isso é ótimo pra nós
ganharmos tempo!
Eles chegam até a entrada da sala presidencial.
SÔNIA — Mas afinal de contas, você parece estar muito
convicto, Irineu! Não sei explicar! Por acaso você
tem alguma novidade pra nos contar, relacionada
ao Antônio?
IRINEU — Olha só, eu quero muito que vocês mantenham
sigilo! Mas agora eu vou mostrar uma nova história
pra vocês, que eu descobri dele e que tem relação
com uma grande falcatrua!
CLÁUDIA — Grande falcatrua? Meu Deus, mas o que
aconteceu?
IRINEU — Vamos entrar! Lá na minha sala tem uma pessoa
que vai explicar tudo pra vocês!
Som de suspense. Todos entram na sala presidencial.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
CENA 4. TRANSIÇÃO DE TEMPO. TARDE/ANOITECER.
CURITIBA. VISTA GERAL DA CIDADE. EXT. NOITE.
Ao som de uma música de ação, apresentam-se pontos distintos da cidade.
Dentre eles: o viaduto em obras da Marechal Floriano, próximo a São José,
a Avenida Visconde de Guarapuava, a Praça Tiradentes, até cortar na
fachada do apart de Antônio, o qual é próximo da praça mencionada
anteriormente.
CENA 5. APART DE ANTÔNIO. SALA. INT. NOITE.
Constantinopla fica surpresa com a notícia de Antônio sobre o processo de
separação.
CONSTANTINOPLA — Então quer dizer que a Sônia descobriu todos os
passos daquela armação? Eu não acredito! E tudo
graças ao Irineu!
ANTÔNIO — (senta-se no sofá) Graças ao Irineu, que
flagrou o momento em que eu entreguei a câmera
pro Jake. Mas principalmente graças a esse
fotógrafo x-9, que não perdeu a oportunidade de
ser subornado e não teve a menor vergonha de
assumir a falta de escrúpulos diante do juiz!
CONSTANTINOPLA — (senta-se ao lado) Ah, meu querido, essa
reviravolta eu realmente não esperava. Sem contar
que agora, você teve que se submeter às condições
daqueles sacanas do Irineu, da Cláudia e da Sônia!
ANTÔNIO — Mas eles não vão mais poder fazer nada contra
mim!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
Muito menos impedir a minha felicidade com a
Malu! Tudo o que ta me acontecendo não ta sendo
fácil de suportar. Mas agora que a Malu também ta
numa situação vulnerável, o melhor que eu faço é
viver com ela, e em paz!
CONSTANTINOPLA — E o que você pretende fazer? Vai manter a
obrigação de se casar? Porque, infelizmente, agora
você ainda é casado dentro das formalidades com
a Sônia! Como você vai se virar?
ANTÔNIO — Quanto a isso, o que me resta é viajar! Sair aqui
do Brasil e me infiltrar no Uruguai. Não se esqueça
que eu tenho dupla cidadania!
CONSTANTINOPLA — Se casar com a Malu, lá?
ANTÔNIO — Sim! Chegou a hora de eu começar uma nova
fase! E você, minha mãe, é melhor também arrumar
a sua vida! Porque a garantia de uma vida
desregrada de rainha Maria Antonieta na mansão
você não tem mais!
CONSTANTINOPLA — E você vai me descartar dessa forma?
ANTÔNIO — Mãe! Entenda a situação de uma forma menos
piegas e sentimental! Você é uma pessoa que ta
tendo uma sobrevida praticamente. Não no sentido
de estar acima da idade, nada disso. Mas sim com
relação aos seus crimes do passado. Você está
numa corda-bamba, admita!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
Há qualquer momento a justiça pode descobrir que
a tal Leda foi incriminada no seu lugar como sócia
do Nader naquele esquema de tráfico de mulheres
nos EUA. Portanto, vamos começar a focar na
realidade. Você precisa se cuidar, sair desse
território e se isolar num lugarzinho pacato, ao
estilo de uma refugiada! E como eu sei que todo o
seu sentimento escasso por mim nunca foi mais
importante do que a sua ambição desmedida em
tirar vantagem da minha condição de médico
importante, eu te garanto uma mesadinha! Eu
pretendo vender a clínica Arcádia e, realmente,
ser um novo homem! Me desvencilhando
completamente dessa cidade, desse ar carregado,
dessa vida reprovável!
Música de suspense. CLOSE na expressão raivosa de Constantinopla, que
esconde a mescla de tristeza com ódio e sorri cinicamente.
CONSTANTINOPLA — Você, Antônio, além de deturpado, don-juan
maligno e prepotente, ta se mostrando bastante
desumano e impassível! (levanta-se) Veja a
maneira como você ta me tratando! Será que você
esqueceu dos laços que nos une? Tudo bem, vou
mudar o sentido da pergunta! Vou pra um lado mais
prático e menos romanceado. Será que você se
esqueceu de todos os favores que eu já te fiz?
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
Porque eu, apesar de ter fracassado nessa última
ideia de prejudicar a Sônia, ainda fui bastante
sucedida ao impedir, de formas inusitadas, a
descoberta da Malu em relação à sua índole! Sem
contar que acabei de destruir a amizade dela com
a Cláudia! Portanto, meu querido, faça uma nova
análise matemática, calculando o valor que eu
mereço ter! Porque, depois de ser menosprezada
por você, o montante da minha recompensa tem
que ser muito mais rentável do que essa sua
mesadinha destinada a asilos de categoria
duvidosa!
Antônio fica admirado com a argumentação de sua mãe, levanta-se do sofá e
fica frente a frente. CLOSE neles de perfil.
ANTÔNIO — Constantinopla Meirelles Porto, uma figura
admirável, sendo vista, claro, de uma maneira
superficial. Porque quem te conhece sabe muito
bem do que você é capaz. Da sua falta de empatia,
da sua distorção da realidade a fim de tirar
vantagem em cima dos outros! Você simplesmente
se acomodou, nesse pequeno convívio entre a
gente, como uma mãe dedicada, não por compaixão,
mas sim por ser conveniente a você no momento!
Afinal, quando você estava indo muito bem no
exterior, investindo num esquema de tráfico com o
dinheiro da minha mesada de outrora,
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
você pouco se importava com os meus problemas,
os meus complexos, os meus traumas. Depois de
fracassar, perder a dignidade e quase a liberdade
é que você decidiu se aproximar de mim. Aí,
ironicamente, nós acabamos nos tornando
cúmplices. Cúmplices por falta de opção, pra
chorar as pitangas de grandes frustrações. Cada
um sofrendo à sua maneira, não é? Com as suas
adversidades, suas dúvidas. Só que agora nós
precisamos nos libertar disso. Ou melhor, nos
afastarmos um do outro. Porque a nossa relação de
mãe e filho nunca foi baseada em princípios éticos,
morais, ou seja lá como for. Faltou amor, respeito,
generosidade. Sobrou desconfiança, usura e
falsidade.
Som de suspense. Constantinopla fica com os olhos marejados, mas mantém
a frieza.
CONSTANTINOPLA — A gente termina essa conversa depois! Agora eu
vou pro meu quarto e pensar nessa sua proposta.
Da mesadinha!
Nisso, ela sai de cena e a música Stairway to Heaven-Led Zeppelin, começa
a tocar. Antônio sente-se emocionado com o diálogo, volta a se sentar no
sofá e procura controlar o choro. Depois, ele se levanta no impulso, pega a
chave do carro situada na mesinha central e sai de cena.
CENA 6. BARZINHO CAFÉ. INT. NOITE.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
Atenção sonoplastia: a música da cena anterior continua aqui.
Nesse instante, CAM abre mostrando uma visão aérea do recinto, com uma
iluminação fraca, de cor laranja, que ressalta o clima sofisticado e
aconchegante deste local. Logo, Antônio é focalizado surgindo no canto
esquerdo da tela. CAM se aproxima à medida que ele anda pelo corredor
central e se direciona a um balcão a fim de selecionar uma bebida da adega.
Nisso, ele acena para um barman, que o atende, em OFF. Corte descontínuo.
Agora, Antônio segura um copo de absinto, bebe lentamente, ao mesmo
tempo em que observa a movimentação do local. Com um olhar
compenetrado, ele distorce a imagem dos jovens presentes no
estabelecimento e recorda-se de Letícia, há mais de 20 anos. A lembrança
dele se mescla com o momento presente, mostrando-o ao lado de Letícia,
jovem. Ambos riem, abraçados, dançam uma canção lenta, de sarau, e se
envolvem, beijando-se em seguida. Logo, Antônio volta à realidade e percebe
que extrapolou na bebida, e, sobretudo, na imaginação. Assim, ele dá um
suspiro nostálgico, sorri para esconder tristeza e decide ir embora do local.
CENA 7. CASA DE JAQUELINE. SALA. INT. NOITE.
Ao som instrumental de Time After Time-Cindy Lauper, Jaqueline abre a
porta e fica feliz ao ver Cláudia junto com Sônia e Afonso. Pela expressão
alegre deles, ela imagina o que aconteceu.
JAQUELINE — E então, gente? O Antônio perdeu o processo?
SÔNIA — Não só perdeu isso, como também teve que
engolir a nossa revanche!
JAQUELINE — (vibra) Mas que maravilha! Vocês não imaginam
a minha felicidade!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
Nisso, Jaqueline fica eufórica e corre para abraçar os três personagens.
SÔNIA — A sua mãe é sempre animada assim, né, Cláudia?
CLÁUDIA — O Afonso que tem que se acostumar! Minha mãe
transborda vivacidade e carisma por onde passa!
AFONSO — Isso é ótimo pra encher a vida de pessoas tão
escassas e infelizes, não é mesmo?
JAQUELINE — Com certeza! (fecha a porta) Garoto esperto!
Já subiu no meu conceito!
Todos descontraem da situação e se entreolham, felizes.
CENA 8. BRECHÓ LE FREAK. ENTRADA. EXT. NOITE.
Segundos depois, os personagens da cena anterior se direcionam até o topo
da escadaria da entrada do recinto. Eles conversam sobre algo sério.
JAQUELINE — Mas então, apesar da vitória, da notícia
maravilhosa que vocês me contaram, eu to sentindo
que vocês estão ainda preocupados!
SÔNIA — Não dá pra negar, Jaqueline! Você é bastante
intuitiva! A verdade é que aconteceu algo, sim,
depois do processo e também com relação ao
Antônio!
JAQUELINE — Sim, e o que foi? É muito sério?
CLÁUDIA — Com toda a certeza, mãe! A gente vai explicar!
Cláudia olha de relance para Afonso, que retribui o olhar preocupado.
Depois, ela se aproxima de sua mãe.
CLÁUDIA — É que o Irineu, sabe, veio chamar a mim e a
Sônia pra pedir uma ajuda! ...
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
... Pra justamente dar uma lição definitiva no
Antônio e desmascará-lo diante da Malu! Só que a
nossa ajuda não tem como objetivo apenas abrir os
olhos da Malu. A nossa ajuda é essencial pra fazer
o Antônio ser pego num crime que aconteceu há
algum tempo, e que se associa com o Humberto, o
seu namorado!
Música de suspense. CAM se aproxima lentamente do rosto de Jaqueline,
que esboça uma reação de espanto, não controlando a emoção.
JAQUELINE — O Humberto... Meu Deus... Mas o que o Irineu
pode saber? Minha filha, aquilo tudo que
aconteceu, aquele acidente de carro... Aquela
acusação do Humberto ter sequestrado a
Constantinopla... Enfim, naquela época, o Antônio
acabou dando essa versão que convenceu todo
mundo, principalmente a justiça! E aí, aconteceu
toda aquela palhaçada de ele ter assumido a
presidência da clínica Arcádia, enquanto a memória
do Humberto se tornou vexatória!
CLÁUDIA — Até aí, mãe, infelizmente, nós ainda não
conseguimos refutar a argumentação do Antônio!
O que o Irineu conseguiu foi descobrir outra
história dele relacionado ao Humberto! Uma
história que infelizmente também compromete o
seu amor!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
JAQUELINE — Mas que história é essa? Vamos filha! Não faça
mais rodeios!
CLÁUDIA — Eu vou te contar! (aproxima-se) Mãe, o Irineu
descobriu que o Antônio e o Humberto estavam
envolvidos num esquema criminoso de desvio de
medicamentos. E que, com os lucros dessa
transação, eles mantinham aquela clínica nos
trilhos!
Som de suspense. CLOSE na expressão chocada de Jaqueline. Depois, CAM
alterna olhares de preocupação entre Cláudia, Afonso e Sônia.
CENA 9. APART DE ANTÔNIO. SALA. INT. NOITE.
Antônio volta ao local, cabisbaixo. Ele abre sutilmente a porta e, do seu
ponto de vista, observa que apenas as luzes do abajur estão ligadas,
deixando o ambiente soturno. À medida que fecha a porta, sem trancar, e,
além disso, caminha até o centro do cenário, Antônio nota Constantinopla
surgir dos fundos do corredor. Ambos se encaram de longe por alguns
segundos, até o instante no qual ela levanta a sua mãe direita, que contém
uma de suas malas.
CONSTANTINOPLA — (aproxima-se) Você percebe como eu sou uma
pessoa conformada? Mal fui preterida pelo meu
próprio filho, e já estou cumprindo a minha
obrigação fatal de sair dessa casa. Agora, eu estou
completamente à mercê de um mundo repleto de
vicissitudes e de degradações.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
Depois não reclama se eu me perder no primeiro
caminho fácil e me tornar um perigo eminente!
Som de suspense. CLOSE na expressão temerosa de Antônio, e no olhar
compenetrado e raivoso de Constantinopla.
CENA 10. BRECHÓ LE FREAK. ATELIÊ. INT. NOITE.
Do canto do corredor esquerdo, Jaqueline abre porta abruptamente é
acompanhada por Cláudia. Afonso e Sônia ficam parados e afastados.
CLÁUDIA — Olha pra mim, mãe! Eu sei que essa notícia te
chocou. Mas que nem você sempre diz, a gente
precisa ser realista!
JAQUELINE — (levanta a cabeça/encara-a) Realismo... É algo
evidentemente mutável e avassalador! (controla o
choro) Depois de tudo o que eu escutei, não sei
nem se vale a pena aumentar a minha repulsa pelo
Antônio, e, por outro lado, justificar a falha de
caráter do Humberto. Porque, aumentando o meu
ódio por um, eu atenuo e moldo o outro,
transformando-o numa vítima das circunstâncias.
(levanta-se) É por isso que eu sinto pena do
Humberto estar morto. Porque senão, pode ter
certeza, Cláudia, eu obrigaria ele a pagar, sim, por
cada ato desonesto. Mas a vida é assim: nem
sempre nós podemos ter, por completo, saciadas
as nossas vontades.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
E uma vez tendo a única possibilidade de fazer o
Antônio pagar pelos seus crimes, é essa atitude,
certeira e definitiva, que eu vou ajudar você, a
Sônia e o Irineu a cumprir.
PRIMEIRO BREAK.
Tema de abertura: UNDER PRESSURE-QUEEN.
CENA 11. TRANSIÇÃO DE TEMPO/UMA SEMANA DEPOIS.
CURITIBA. VISTA GERAL DA CIDADE. EXT. DIA.
Ao embalo da música Build-The Housemartins, mostra-se, inicialmente, o sol
amanhecendo, numa vista plana, e irradiando a sua luz em meio ao reflexo de
prédios, às calçadas quadriculadas da Rua XV, bem como em alguns
pedestres. Depois, CAM foca em Antônio tomando um cafezinho numa
cafeteria próxima. Ele avista, através de uma enorme janela, Constantinopla,
a qual nota o seu filho tomando um gole de café na xícara, reluta ao entrar,
mas decide se aproximar.
ANTÔNIO — Não vou te oferecer um banquete, porque esse
é um tratamento muito informal. Nós estamos num
ambiente público, portanto, seja clara, incisiva, e
nos poupe de um dramalhão mal-encenado de um
reencontro forçado.
CONSTANTINOPLA — Não seja por isso. Eu só te procurei novamente
com a intenção de deixar evidente que eu ainda to
muito magoada com você/
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
ANTÔNIO — Pelo amor de Deus, dona Constantinopla, o que
eu acabei de dizer/
CONSTANTINOPLA — Pode ficar calmo! É justamente por te conhecer,
por saber que você detesta demonstrar os seus
sentimentos, que eu decidi, embora com muita
relutância, em relevar a sua negligência comigo. E,
além disso, pra ter a certeza de que você ainda
terá o bom-senso de ao menos me convidar pro seu
casamento. Não pense que eu me esqueci. Acho que
essa é a sua grande oportunidade de se
desvencilhar do passado. Ainda mais por confiar
inteiramente no caráter alienado, fútil e
superficial da Malu. Sem ironias, ela é a pessoa
certa pra você. O seu grande amuleto. A sua base
que vai te estruturar, certamente, pra sair das
crises existenciais, e dos ressentimentos.
ANTÔNIO — É! Essa sua estadia num pensionato de comadres
ortodoxas realmente te transformou numa beata
quase santificada. Tudo bem, minha mãe! Eu não
sou uma pessoa tão rancorosa como você ta
pensando, vou continuar subsidiando a sua vida
ociosa, e agora de cristã, e faço questão da sua
presença no meu casamento. Eu vou te detalhar o
local da cerimônia. Tenho certeza de que é o lugar
ideal, e o mais pacífico possível, pra ter um dia
irrepreensível e perfeito com a minha Malu.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
CENA 12. BAR 14 BIS. INT. DIA.
Eriberto trabalha normalmente no balcão, dá uma olhada em alguns clientes
estudantes e observa, de chofre, a chegada de Sônia. Ele fica um pouco
incomodado e desvia o olhar. Decepcionada, Sônia deixa de sorrir
paulatinamente, contudo, se direciona a ele, o qual, nesse momento, está de
costas para a CAM.
SÔNIA — (sem jeito/senta-se num banco) Eriberto...
Sinceramente, eu, eu estou um pouco envergonha,
eu admito, por ter sido bastante leviana com você.
Eu sei que acabei deixando um pouco de lado a
nossa relação. Ainda mais com essa minha neurose
de me livrar do Antônio. Mas agora falta pouco: eu
já venci um processo, consegui garantir os direitos
sobre a mansão, e logo mais eu vou finalmente/
ERIBERTO — (vira em direção a ela) Você vai finalmente
constatar que transformou o seu senso de defesa
e de justiça numa vingança trivial. Vai se
arrepender de ter ficado uma semana afastada de
mim, e, de uma forma quase impulsiva, vai se
ajoelhar aos meus pés, implorar perdão. E eu, um
trouxa, um apaixonado, vou aceitar naturalmente
as suas falhas. Mas sabe o que eu me pergunto,
Sônia? Não me pergunto até que ponto chega a
minha paciência, a minha resignação.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
Eu me pergunto até quando eu vou aguentar ter
você pela metade, aceitando a sua limitação em
amar, em se entregar a um novo homem.
Por fim, ao som instrumental de Fast Car-Tracy Chapman, Eriberto sai da
bancada, direciona-se a alguns clientes situados no outro canto do bar, e
deixa Sônia pensativa, cabisbaixa, olhando para o chão. Ela, após isso,
levanta o rosto, encara-o de longe. Nesse instante, Eriberto entrega uma
bebida, mas retribui o olhar. Num tom sutil, Sônia acena um adeus com a
mão direita e vai embora. Eriberto faz o mesmo gesto, mecanicamente,
reflete um pouco, mas volta à sua rotina agitada de trabalho.
CENA 13. SHOPPING METRÓPOLE. CORREDORES. INT. DIA.
Música de suspense. De longe, CAM foca em dois homens saindo da sala
presidencial de Irineu. Este se despede com um cumprimento habitual, e, à
medida que aqueles vão embora, Irineu fica parado diante da porta. De
chofre, CAM muda o enquadramento e mostra Sérvia surgindo do outro lado
do corredor. Vendo-a, Irineu, imediatamente, muda o semblante reflexivo e
fica indignado. Porém, não sai do local. Sérvia se aproxima sutilmente.
SÉRVIA — (sem jeito) Mesmo que, diante das divergências
atuais, você esteja indignado comigo, eu só vim pra
te informar que o Antônio acabou de me ligar. Ele
encontrou um local discreto pra cerimônia com a
Malu. E, obviamente, faz questão da nossa
presença. Vamos como padrinhos da noiva.
IRINEU — (irônico) Claro! De certa forma, Sérvia, vai ser
bom festejar a hipocrisia,
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
e premiar os mais dissimulados com mais uma
vitória esmagadora sobre pessoas inocentes.
SÉRVIA — Desculpa, Irineu, mas... Eu não to
compreendendo/
IRINEU — Tem certeza de que não? Ou será que, nesse
momento tão impactante, você esteja mantendo
um certo cinismo mesclado com retardamento
mental? Sim, porque, sem sombra de dúvidas, é
essa a pose que você terá que manter pra impedir
que a Malu desconfie da palhaçada na qual ela está
envolvida! Você, por um lado, bancando a
retardada. O Antônio, por outro, o animador de
circo. E nós, convidados, e, veja só, a própria noiva,
avulsos nesse contexto como os bobos da corte.
(ambíguo) Certamente, esse evento entrará pra
história! Nem o golpe militar e a sua trupe da
marcha da família com Deus pela liberdade foram
tão eloquentes, incisivos e decisivos pra uma
grande reviravolta!
Clima tenso. Sérvia, evidentemente, fica confusa, e, ao mesmo tempo,
intrigada com a sucessão de frases de duplo sentido proferidas por Irineu.
Este, por sua vez, sorri cinicamente e observa o papel de convite nas mãos
da outra.
IRINEU — Enquanto você assimila tudo o que eu disse, seja
prática e me entregue esse convite de uma vez.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
Hoje, antes de me jogar nas bebidas e nos bem-
casados, eu ainda tenho muita preocupação com o
meu shopping, bem como muito ofício pra designar
aos meus encarregados.
Sem palavras, e, agora, com um olhar raivoso e penetrante, Sérvia o encara,
simultaneamente ao gesto de lhe entregar o convite. Som de suspense no
momento em que ele pega o papel, entra na sua sala presidencial e fecha a
porta na fuça da outra. CLOSE em Sérvia, a qual vira para o lado e pensa
longe.
CENA 14. SHOPPING METRÓPOLE. SALA DE IRINEU. INT. DIA.
Nesse instante, Irineu fica alguns segundos debruçados sobre a porta.
Depois, ele dá uma leve olhada para o papel, lê o endereço da cerimônia e,
num átimo, começa a amassá-lo.
Música de suspense. Agora, Irineu, rapidamente, senta na sua cadeira
giratória, pega o seu celular e liga para Sônia.
IRINEU — (T) Sônia! E então, minha querida, tudo bem? O
assunto é muito sério. Diz respeito a uma
novidade, sim! Aproveita e retorne tudo o que eu
vou lhe falar pra Cláudia, também! É muito
importante que todos nós estejamos a par da
situação, e, desse modo, agir na hora certa, numa
sincronia militarista!
Corta imediatamente para...
CENA 15. BRECHÓ LE FREAK. ATELIÊ. INT. DIA.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
Atenção sonoplastia: a música de suspense da cena anterior acaba aos
poucos.
Minutos após a ligação de Irineu, Jaqueline e Cláudia aguardam Sônia,
apreensivas. Todas já estão a par do que Irineu relatou. Assim, Cláudia,
numa agilidade irrepreensível, corre em direção a Sônia, a qual acabou de
chegar, enquanto Jaqueline as recepciona até uma discreta sala anexa.
Já lá, as três conversam, enquanto, da porta escancarada, nota-se a
movimentação de clientes no brechó.
CLÁUDIA — Essa jogada do Irineu, realmente, é muito
precisa. Mas, ao mesmo tempo, arriscada.
SÔNIA — E eu concordo! (encara Jaqueline) Bom! Nesse
momento, nós já temos a garantia do local do
casamento do Antônio. E, além disso, descobrimos
que ele vai oficializar no civil lá no Uruguai. Não é
à toa que a festa, ou melhor, a cerimônia de praxe,
vai ser em Uruguaiana. Porque assim ele aproveita
o momento e viaja, sem muita dificuldade, pro
destino final.
JAQUELINE — E como ele é um expert em convencer até o
papa de que os ateus são devotos de Nossa
Senhora Aparecida, a Malu, numa ingenuidade de
mulher ludibriada, já deve estar até achando
natural sair de Curitiba, se infiltrar numa
cidadezinha no Rio Grande do Sul e se casar ao
estilo fugitiva. Ou seja, Bonnie e Clyde!
Corta imediatamente para...
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
CENA 16. MANSÃO DE SÉRVIA. ADEGA. INT. DIA.
Sérvia chega ao local, preocupada. Depois, CAM se afasta dela e foca em
Antônio e Malu, afastados na adega, dialogando entre si e, ademais
sorridentes. Sérvia, inicialmente, se irrita com isso, mas, aos poucos, deixa
de lado o seu semblante carrancudo e se direciona a eles.
MALU — (animada/olhando-a) Vó! Senta aqui com a
gente!
Antônio vira o rosto e encara Sérvia sorridente. Esta, por sua vez,
sutilmente senta ao lado deles e começa a esboçar um sorriso amarelo.
SÉRVIA — A animação patente nesse recinto é apenas por
conta da cerimônia inusitada numa cidade
pacatinha e tediosa? Ou é pelo fato de vocês
terem encontrado uma alternativa pra apimentar a
festa localizada em terreno nômade?
MALU — Mesmo com todo esse seu deboche, eu tenho
certeza de que você também está muito animada.
SÉRVIA — É claro que estou! (encara Antônio) Sabe,
Antônio... (pega a mão dele com a sua) A minha
Maluzinha anda passando por um momento de
adversidades e provações. E o simples fato de
estar vendo que, diante de tanto sofrimento, ela
está tendo uma fuga de escape, um motivo pra
sorrir, já me alegra até a alma. Posso parecer
piegas agora, mas obrigada por estar fazendo a
minha neta feliz, Antônio!
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
O bem que você está proporcionando a ela anula
qualquer resquício de antipatia que eu possa, no
passado, ter nutrido por você!
Assim, ao som de uma música emocionante, Antônio encara Sérvia pela
primeira vez sem ironias ou repulsão.
ANTÔNIO — À medida que a gente vai convivendo, Sérvia,
muitas ideias preconcebidas e equivocadas vão
sendo deixadas de lado. É o simples fato de
encarar a realidade, de conhecer melhor as
pessoas, que tornam a relação humana mais
aceitável, mais aprazível. (encara Malu) Talvez
ainda falte muito pra gente poder encontrar a
melhor forma de aceitar as diferenças. E,
principalmente, falte vontade e coragem pra
assumir os próprios erros, ser transparente e
sincero nessa sociedade tão complexa e
estratificada. Mas, com certeza, na nossa
situação, muitas diferenças, preconceitos e
mentiras já foram deixados pra trás. E eu espero
que um dia, tudo esteja perfeitamente
esclarecido. Que nós possamos olhar um pro outro
sem o receio de ser descoberto por alguma falha,
ou então, de ser julgado e condenado.
Malu fica bastante tocada com as palavras sutis de Antônio. Sérvia também
se emociona. Assim, num gesto humilde, Malu coloca as suas mãos sobre as
de Antônio e Sérvia, e todos se entreolham, felizes e despreocupados.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
CENA 17. BRECHÓ LE FREAK. ENTRADA. EXT. FIM DE TARDE.
Atenção sonoplastia: a música emocionante continua aqui.
Horas depois, Sônia fica parada no topo da escadaria externa do brechó e
observa a paisagem panorâmica do quarteirão, bem como o sol se pondo e
ainda iluminando prédios. De chofre, Cláudia aparece e fica ao seu lado.
Notando-a, Sônia vira na sua direção e ambas ficam de lado para a CAM.
Atrás delas, nota-se o sol se pondo aos poucos, justamente para pincelar o
momento dramático e catártico em que ambas estão envolvidas.
SÔNIA — Dois dias, Cláudia! Nesse momento, não dá mais
pra desistir...
CLÁUDIA — Você tem razão! É óbvio que, depois desse dia
fatídico, as nossas vidas não serão as mesmas. E
essa minha sensação de ansiedade e expectativa
me remete muito àquele momento em que eu
desmascarei o Antônio na sua frente.
SÔNIA — É! Foi uma época decisiva também! Só que não
envolvia tantas pessoas, e muito menos problemas
mais graves. Agora, nós estamos num outro
contexto, Cláudia! Nem sei se é digno comparar
àquele dia em que eu descobri o homem com quem
eu compartilhei 10 anos. Ou melhor, por quem eu
desperdicei 10 anos.
CLÁUDIA — Talvez não seja digno! Mas, com certeza, vai ser
mais difícil e com uma responsabilidade maior.
Sem impulso, sem acusações levianas/
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
SÔNIA — Tudo muito bem premeditado pelo Irineu!
Coitado! Ele só quer fazer isso pelo bem da Malu!
E, nós, por um senso de justiça que se transformou
numa banalidade, como o Eriberto mesmo disse!
CLÁUDIA — Não fique triste com o Eriberto! Ele te ama
tanto! Isso sim é um amor que causa inveja, e, ao
mesmo tempo, muita admiração! Com certeza,
depois de tudo ter sido resolvido, você e ele vão
ter dias de muita paz, com tempo suficiente pra
construir a vida de vocês. Mas pra isso acontecer,
você, antes, precisa exorcizar tudo o que envolve a
negatividade ambulante do Antônio. E é isso o que
o Eriberto vai ter que entender!
Desse modo, ambas, emocionadas, viram-se na direção do sol se pondo,
controlam o choro e sorriem reflexivas. Atrás delas, CAM foca em
Jaqueline fechando o brechó. Esta as nota, de longe, fica feliz pelo que você
e se aproxima com calma. Assim, as três se entreolham, cúmplices.
JAQUELINE — A justiça vai acontecer! Por você, Sônia, pela
gente, e por todos que um dia se viram
prejudicados por aquele médico amoral e
egocêntrico.
Por fim, as três ficam com um semblante de preocupação e decidem se
abraçar, num gesto de confraternização.
CENA 18. SEQUÊNCIA DE ACONTECIMENTOS.
TRANSIÇÃO DE TEMPO DE DOIS DIAS.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
Preparativos para o casamento, euforia de convidados, e revisão de minúcias
essenciais para o plano contra Antônio marcam essas últimas 48 horas:
1. Em Curitiba, no brechó Lê Freak, Jaqueline mostra a Cláudia o vestido
de Malu, a qual, com certeza, não o pegará.
2. Malu, por sua vez, providencia o seu vestido em outro local, e, ao
chegar no seu quarto da mansão, experimenta-o. Sérvia, ao seu lado,
observa-a, vislumbrada.
3. Antônio conversa com um falso padre que conduzirá o casamento de
fachada e simbólico. Ambos se encontram numa galeria situada no
bairro centro, e, num gesto precavido, Antônio entrega o dinheiro
devido ao pilantra. Essa ação, contudo, é observada por Irineu, o qual
fica escondido numa lojinha situada do outro lado da galeria, e
presencia a cena através do reflexo de um espelho.
4. Na saída da galeria, Antônio segue o seu rumo, e pega o seu carro no
estacionamento da rua Marechal Deodoro. Entrementes, o falso
padre fica por lá e é interceptado por Irineu. Estes conversam com
intimidade, e, logo, CAM foca no sujeito, que, por sinal, é um dos dois
personagens misteriosos que saíram da sala presidencial do shopping
Metrópole, na cena 13.
5. Antônio pega a sua mãe, Constantinopla, num pensionato, justamente
para levá-la até Uruguaiana, o local da cerimônia.
6. Na sua mansão, Sônia se olha rapidamente no espelho, pega um
envelope com uma mão, e sai carregando a bolsa com a outra mão.
7. Por fim, Sônia chega de carro até a fachada do brechó Le Freak, e
aguarda a vinda de Jaqueline e Cláudia.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
Estas descem as escadarias do recinto azafamadamente, e entram no
veículo da outra, a qual acelera. Assim, CAM foca em André e Fabiano,
que estão na frente da casa daquele e notam a ação suspeita, intrigados.
CENA 19. RODOVIA DA BR-277. EXT. DIA.
Primeiramente, CAM foca o painel do veículo de Malu, a qual dirige com
Sérvia no banco de acompanhante.
SÉRVIA — É bom você controlar essa azáfama, minha neta!
Senão, daqui a pouco, você vai ser protagonista de
uma cerimônia póstuma. A noiva cadáver!
MALU — Nem se preocupe, dona Sérvia! É que a sua
geração é mais recatada, e acostumada a lidar com
o tempo de uma forma mais branda e resignada. Já
a minha geração, é mais afobada mesmo. Faz
questão de sempre chegar primeiro a qualquer tipo
de objetivo. E, além disso, a não se submeter aos
caprichos das imposições da lei da natureza. Nós
temos um certo prazer em se rebelar, e a nos
impor!
A partir disso, começa a tocar uma música de suspense. Sérvia inclina o seu
rosto, num gesto irônico, encarando-a. Depois, volta a prestar atenção nos
trechos da rodovia, bem como nos inúmeros carros que estão na sua frente.
CENA 20. OUTRO TRECHO DA MESMA RODOVIA. EXT. DIA.
Alguns quilômetros atrás, estão Sônia, Cláudia e Jaqueline. Aquela acabou
de conversar com Irineu pelo celular.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
SÔNIA — Então, gente! O Irineu está há
aproximadamente 2 quilômetros atrás de nós.
Além disso, ele disse que um dos seus informantes,
o qual, por sinal, vai ser o falso padre da festa,
relatou que o Antônio pegaria justamente essa
estrada. E a Malu, também.
JAQUELINE — E eles têm uma noção precisa se o Antônio e a
Malu já estão viajando?
SÔNIA — Tem sim! O Irineu contratou dois informantes
pra vigiar os passos tanto do Antônio, quanto da
Malu. O casalzinho de noivos está viajando cada um
no seu carro. Enquanto um saiu há 3 horas, e pegou
a Constantinopla pra carona, a outra saiu há 2
horas e 15, levando a Sérvia junto.
CLÁUDIA — Então o Antônio ta na frente de todos nós.
SÔNIA — Sim! Levando a Constantinopla e, ainda por cima,
o bandido que ele contratou pra conduzir a
cerimônia!
CLÁUDIA — Que absurdo!
JAQUELINE — Nem me fale!
Assim, numa sequência gradativa, CAM se afasta do veículo de Sônia e foca
no local em que Irineu se encontra. CLOSE no olhar obstinado desse. Depois,
CAM se afasta de Irineu, anda alguns quilômetros para a frente, retorna
para o carro de Sônia, até andar mais e chegar ao veículo de Malu, a qual
conversa, animada, com Sérvia. Por fim, CAM se afasta das duas, percorre
mais alguns trechos da BR e foca no carro no qual Antônio dirige.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 44
Todos os passageiros estão silenciosos e reflexivos. Antônio olha para a
frente, Constantinopla, no banco de acompanhante, observa-o sutilmente, e
o falso padre alterna o seu olhar curioso para os dois.
CONSTANTINOPLA — O que você tem Antônio? Ta tão reflexivo, numa
sisudez quase platônica! Cuidado pra não filosofar
demais. Faça igual Aristóteles, foque no senso
prático da vida!
ANTÔNIO — Senso prático? É! Eu sou bastante ágil em todas
as minhas ações! Não há a menor necessidade de
você achar que eu to com alguma espécie de medo!
Eu tenho certeza de que tudo vai dar certo!
CONSTANTINOPLA — Fico muito feliz por isso!
CLOSES alternados entre os três personagens envolvidos.
FIM DO CAPÍTULO 44.
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