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ANÁLISE SEMÂNTICA E HÍSTÓRICA DA CANÇÃO “O QUERERES” DE
CAETANO VELOSO SOB A VISÃO DE GREIMAS E POTTIER
Aline Suzana de Freitas VAZ (USC)
Introdução
Muitos filólogos e estudiosos da história da língua esquecem-se, durante o
transcurso de suas pesquisas, de que assim como as palavras mudam sua forma e sua
sintaxe através dos tempos, também seu significado vai se modificando com o passar dos
anos, em decorrência de uma série de fatores sociais e culturais.
Nesta pesquisa, intitulada “Análise semântica e histórica da canção “O
Quereres” de Caetano Veloso sob a visão de Greimas e Pottier”, tenho me dedicado ao
estudo das diferenças de significação das palavras da língua portuguesa tentando
descobrir as diferentes nuances de significação que estas palavras possuem em outros
estágios da língua, através da comparação de seus contextos sintático-semânticos e,
quando necessário, pragmáticos.
Na tentativa de determinar os motivos que levam a essas diferentes acepções de
uma mesma palavra através dos tempos, costumo encontrar fatores sociais, culturais,
antropológicos e históricos interessantíssimos, que muito engrandeceriam a pesquisa
filológica, se os ilustres pesquisadores normalmente não esquecessem do “detalhe
semântico” em suas pesquisas.
Este trabalho tem por finalidade rememorar, ou até apresentar, conforme for o
caso, as principais mudanças semânticas, suas características mais marcantes e seus
fatores determinantes, com profusão de exemplo a música “O Quereres” de Caetano
Veloso, chegando mesmo a discorrer sobre uma fase da história “Tropicalismo”, neste
jogo de palavras a música confunde-se com a própria história da humanidade, com o
objetivo precípuo de despertar a atenção dos senhores pesquisadores e filólogos para a
importância e dimensão que a semântica histórica tem no estudo dos diversos tipos de
gêneros literários da língua portuguesa.
O suporte teórico para este trabalho é quase que exclusivamente, o excelente livro
“Fundamentos da linguística contemporânea” de Edward Lopes e também o livro
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“Verdade tropical” de Caetano Veloso, duas grandes obras que tomarei como base para
meus estudos relacionados à semântica e a história.
1. Biografia de Caetano Veloso
Caetano Emanuel Viana Teles Veloso – cantor, compositor, escritor nasceu no dia
sete de Agosto de 1942 em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, filho de José Teles
Veloso, que trabalhava como funcionário público do Departamento de Correios e
Telégrafos, e de Claudionor Vianna Teles Veloso. Tem sete irmãos – Nicinha, Clara,
Mabel, Irene, Rodrigo, Roberto e a mais conhecida Maria Bethânia.
Desde sua infância demonstrou interesse pela música, pintura, e depois também
pelo cinema:
“Eu me aconchegava nesses rituais, mas a pouco, fui me rebelando
contra as formalidades. Eu tinha intuições filosóficas complicadas.
Senti com muita força a evidência solipsista da impossibilidade de
provar para mim mesmo a existência do mundo – mesmo a do meu
corpo.” (VELOSO, 1997, p. 24)
Em 1956 morou durante um curto período em Guadalupe, no Rio de Janeiro,
frequentou o auditório da Rádio Nacional – era palco de apresentações dos maiores ídolos
musicais brasileiros da época. Em 1959 conheceu o trabalho do músico João Gilberto
através do LP “Chega de Saudade”. Este músico que mais influenciou sua trajetória
artística:
“Eu tinha dezessete anos quando ouvi pela primeira vez João Gilberto.
Ainda morava em Santo Amaro, e foi um colega do ginásio quem me
mostrou a novidade que lhe parecera estranha e que, por isso mesmo,
ele julgara que me interessaria: “Caetano, você que gosta de coisas
loucas, você precisa ouvir o disco desse sujeito que canta totalmente
desafinado, a orquestra vai pra um lado e ele vai para o outro”. Ele
exagerava a estranheza que a audição de João lhe causava,
possivelmente encorajado pelo título da canção “Desafinado” – uma
pista falsa para primeiros ouvintes de uma composição que, com seus
intervalos melódicos inusitados, exigia intérpretes afinadíssimos e
terminava, na delicada ironia de suas palavras, pedindo tolerância para
aqueles que não o eram.” (VELOSO, 1997, p. 32)
Em 1960, após concluir o curso ginasial, mudou-se com a família para Salvador,
onde concluiu o ensino médio. Entre 1960 e 1962 escreveu críticas de cinema para o
Diário de notícias. Nesta época também aprendeu a tocar violão e começou a cantar com
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sua irmã Maria Bethânia em bares de Salvador. Em 1963 ingressou na faculdade de
Filosofia da Universidade de Bahia. Neste ano conheceu o seu ídolo que já conhecia pela
TV, Gilberto Gil, e tornou-se amigo dele. Também conheceu Gal Costa e Tom Zé.
Casou-se com a baiana Dedé Gadelha em 21 de Novembro de 1967. No dia 22 de
Novembro de 1972 nasceu o primeiro filho deles Moreno Veloso. No dia 7 de Janeiro de
1979 Júlia, que morreu dias depois. Em 1986, já separado de Dedé Veloso, começou a
viver com a carioca Paula Lavigne. Com ela teve mais dois filhos – Zeca Lavigne Veloso,
nascido no dia 7 de Março de 1992, e Tom Lavigne Veloso, nascido em 25 de Janeiro de
1997 em Salvador.
2. Características do movimento tropicalista
Para entendermos melhor o movimento tropicalista, precisamos tratar melhor da
situação política do país daquela época. O movimento tropicalista cujo período incide na
seguinte datação: Setembro de 1967 a Dezembro de 1968 constituiu um desafio à crítica
cultural dessa década. Os tropicalistas influenciados pela produção de paradigmas da
mudança cultural, da transformação estética e política da época, indicam uma nova
situação, no contexto dos acontecimentos das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
(FAVARETTO, 1996, p.99)
A década dos anos 60, no Brasil, é apontada como um período muito rico
culturalmente e politicamente. O desenvolvimento progressista anunciado por Juscelino
Kubitschek, posteriormente colocado em xeque pela repressão pós-golpe de 1964, e
permeado pelos atos inconstitucionais, resultaram numa ampla contestação ideológica na
época, produzida pela intelectualidade brasileira. Somados à entrada da era eletrônica e a
conquista do homem à Lua formam o período mais efervescente e contraditório da
história cultural brasileira contemporânea:
“Para entendermos a pertinência de observações como as feitas acima, é
preciso ter em mente a atmosfera em que se davam esses embates de
canções no Brasil dos anos 60. O golpe militar, levado a cabo em nome
da guerra ao comunismo internacional, tinha posto um oficial da
chamada linha “americana” no poder: o marechal Castelo Branco. Isso
quer dizer que ele, diferentemente dos chamados “prussianos” (que
seriam nacionalistas estatizantes), queria limpar o Brasil do
esquerdismo e da corrupção para poder entrega-lo às modernidades do
livre mercado.” (VELOSO, 1997, p. 172)
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O Tropicalismo ocorre nos fins da década de 60, abrangendo a duração de
quatorze meses, não podendo ser estudado somente nessa fase, pois buscou fontes em
todas as épocas anteriores e dessa forma deixando suas marcas culturais.
O movimento tropicalista transformou os critérios de gosto não só quanto a
música e a política, mas também ao comportamento, ao sexo, ao corpo e ao vestuário. A
contracultura hippie foi assimilada, com a moda dos cabelos longos a das roupas
coloridas e berrantes. O movimento acabou reprimido pelo governo militar. Porém, a
cultura do país já estava marcada para sempre pela descoberta dos trópicos:
“Esse clima – que exercia estímulo igualmente forte sobre cineastas,
diretores de teatro, poetas e artistas plásticos – justificou um rótulo
jocoso que, provavelmente criado por mentes da direita com intuito
desabonador, não foi tomado sempre como pejorativo por parte
daqueles em quem ele era aplicado: “esquerda festiva”, uma expressão
de gênese e gosto aparentados com os de “radical chic” mas menos
mordaz e antipática do que esta (menos inteligente, porém anônima,
mais popular e, de todo modo, mais generosa, além de muito anterior),
é, de fato um epíteto que nos sentiríamos felizes em poder aplicar
literalmente, por exemplo, ao socialismo cubano.” (VELOSO, 1997, p.
173)
2. Análise da canção “O Quereres”
Essa canção revela uma espécie de jogo de xadrez em que as palavras são as peças
e o sentido delas depreendido causa o movimento de cada palavra, unindo-as através de
uma rede de significações. Portanto, o jogo de xadrez no texto só se faz perceptível ao
leitor/ouvinte porque as palavras mantêm uma relação de significados entre si, necessária
à compreensão do texto. Observe a música na integra:
O Quereres (Caetano Veloso)
Onde queres revólver sou coqueiro,
E onde queres dinheiro sou paixão
Onde queres descanso sou desejo,
E onde sou só desejo queres não
E onde não queres nada, nada falta,
E onde voas bem alto eu sou o chão
E onde pisas no chão minha alma salta,
E ganha liberdade na amplidão.
Onde queres família sou maluco,
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon sou Pernambuco,
E onde queres eunuco, garanhão
E onde queres o sim e o não,
Talvez onde vês eu não vislumbro razão
Onde queres o lobo eu sou irmão,
E onde queres cowboy eu sou chinês.
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Ah, bruta flor do querer,
Ah, bruta flor, bruta flor...
Onde queres o ato eu sou espírito,
E onde queres ternura eu sou tesão
Onde queres o livre decassílabo,
E onde buscas o anjo eu sou mulher
Onde queres prazer sou o que dói,
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres o lar, revolução,
E onde queres bandido eu sou o herói.
Eu queria querer-te e amar o amor,
Construir-nos dulcíssima prisão
E encontrar a mais justa adequação,
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés,
E vê só que cilada o amor me armou
E te quero e não me queres como sou,
Não te quero e não queres como és.
Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor...
Onde queres comício, flipper vídeo,
E onde queres romance, rock’nroll
Onde queres a lua eu sou o sol,
E onde a pura natura, o inseticídeo
Onde queres mistério eu sou a luz,
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro sou o obus.
O queres e o estares sempre afim,
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal,
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitamente pessoal,
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há e do que não há em
mim
VELOSO, Caetano. Velô. Polygram,
1984. Faixa 7.
2.1 Relação Antonímica
A música “O Quereres”, de Caetano Veloso, há vários exemplos de pares
antonímicos de valor semântico. Nesse tipo de relação, os valores antonímicos só serão
reconhecidos no contexto, ou seja, não há uma relação direta de oposição entre pares de
palavras, a relação de oposição é construída no texto. Considerando-se que antonímia não
tem de necessariamente ocorrer entre palavras isoladas como, por exemplo, nos pares
quente / frio ou noite / dia mas, muito além disso, pela elasticidade de valores semânticos
que compõem o léxico de uma língua, podemos dizer que a antonímia é um fenômeno do
uso (TEIXEIRA, 2005, p.21).
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Para observarmos mais facilmente as relações de oposição no poema musical “O
Quereres”, partimos de dois vocábulos, eu e tu, que apresentam visões contraditórias
acerca do mundo, como podemos acompanhar nos versos seguintes:
“vê só que cilada o amor me armou: eu te quero (e não queres) como sou
não te quero e não me queres como és.”
Vejamos no quadro 1 exemplos de palavras ou ainda, de estruturas frasais que
pontuam a relação de contradição mantida pelo par de vocábulos tu e eu no poema:
Tu Eu
Revólver Coqueiro
Dinheiro Desejo
Família Maluco
Romântico Burguês
Leblon Pernambuco
Eunuco Garanhão
sim e não Talvez
Lobo Irmão
Cowboy Chinês
Ato Espírito
Ternura Tesão
Anjo Mulher
Prazer o que dói
Tortura Mansidão
Lar Revolução
Bandido Herói
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Comício flipper-vídeo
Romance rock’n’roll
Lua Sol
pura natura Inseticídio
Mistério Luz
um canto o mundo inteiro
Quaresma Fevereiro
Coqueiro Obus
voas bem alto eu sou o chão
pisas o chão minha alma salta
Vês não vislumbro razão
não queres como sou eu te quero como sou
não queres como és eu não te quero como és
o quereres o estares sempre a fim do que em mim é de mim tão desigual
Quadro 1
A partir destes pares antonímicos, que as relações são estabelecidas entre
elementos que se completam como partes de um todo, não entre elementos que têm de a
priori ser contraditórios.
Acompanhemos, agora, no quadro 2 (REI, 2002) as relações dos pares de palavras
exemplificados:
Pares antonímicos no texto Relação de oposição
Revólver / coqueiro Revólver: associado a atos violentos.
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Revólver / coqueiro Coqueiro: que dá frutos, portanto, vida.
Dinheiro / Paixão
Dinheiro: algo concreto; material.
Paixão: sentimento; abstrato; espiritual.
Descanso / Desejo
Descanso: corpo em repouso. Desejo: corpo
em atividade.
Família / Maluco
Família: apego ao lar. Maluco:
comportamento inconsequente; que gosta de
experimentar liberdade.
Romântico / Burguês
Romântico: culto aos sentimentos. / Bur-
guês: apego material sobretudo ao dinheiro.
Leblon / Pernambuco
Leblon: metrópole; badalação.
Pernambuco: provincianismo, sossego.
Eunuco / Garanhão
Eunuco: associado ao que ou àquele que é
estéril.
Garanhão: com facilidade de reprodução.
O sim e o não / Talvez Sim e não: certeza.
Talvez: dúvida.
Lobo / Irmão Lobo: voracidade.
Irmão: pacato.
Cowboy / Chinês
Cowboy: está associado à imagem do
mocinho americano.
Chinês: prefere se proteger mais, se
posicionar contra os atos de heroísmo.
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Ato / Espírito
Ato: concreto.
Espírito: abstrato.
Ternura / Tesão
Ternura: sentimento dócil; afeto; espiritual.
Tesão: desejo carnal; inconsequente;
sentimento num plano inferior.
Livre / Decassílabo Livre: não se prende as regras.
Decassílabo: preso às regras.
Anjo / Mulher Anjo: pureza / Mulher: ser ambíguo
Prazer / Dói
Prazer: alegria.
Dói: tristeza
Tortura / Mansidão
Tortura: faz sofrer.
Mansidão: acalma.
Lar / Revolução
Lar: tranquilidade; estabilidade.
Revolução: turbulência; desestabilidade.
Bandido / Herói
Bandido: transgride as leis.
Herói: respeita as leis.
Comício / Flipper vídeo
Comício: reunião de pessoas que interagem
entre si em um mesmo ambiente, em busca
de um interesse comum.
Flipper vídeo: várias pessoas em um mesmo
ambiente, mas a relação de interação dá-se
entre sujeito e a máquina.
Romance / Rock’nroll Romance: calmaria; sossego.
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Romance / Rock’nroll Rock’nroll: protesto; barulho.
Lua / Sol
Lua: noite, escuridão.
Sol: dia, claridade.
Pura natural / Inseticídeo
Pura natural: aquilo que é próprio da
natureza, é natural. / Inseticídeo: produto
industrializado, artificial.
Mistério / Luz
Mistério / Luz
Mistério: que não é revelado; obscuro.
Luz: clareza.
Um canto / O mundo inteiro
Um canto: atitude de egoísmo.
O mundo inteiro: atitude de altruísmo.
Quaresma / Fevereiro
Quaresma: corresponde aos quarenta dias
que se seguem após o carnaval. Fevereiro: o
mês que marca, tradicionalmente, a festa de
carnaval; festa pagã, profana.
Coqueiro / Obus
Coqueiro: que dá frutos, portanto, vida.
Obus: uma espécie de morteiro ou granada;
tira a vida
Quadro 2
Nessa canção, portanto o autor se vale também do recurso da antonímia a priori, a
característica de pares de signos com valores opostos claros, em que um a alternativa
nega a outra.
Veja os exemplos: sim / não; bandido / herói; lua / sol; bem / mal.
Nesse tipo de relação, os pares antonímicos podem ser mais facilmente
identificados se deslocados do texto, ou seja, se vistos isoladamente.
A metáfora é um recurso amplamente rico de que os falantes de uma língua se
valem quando querem dizer que “uma coisa (A) é outra coisa (B) em virtude de qualquer
semelhança percebida pelo espírito característico de A e o atributo predominante, atributo
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por excelência, de B, feita a exclusão de outros, secundários por não convenientes à
caracterização do próprio termo A (GARCIA, 1981, p. 85)
2.2 Linguagem metafórica
Dentre os recursos de que Caetano Veloso se vale em “O Quereres”, a metáfora
pode ser identificada com bastante frequência marcando a força da expressão desde de
um ciclo de comparações diretas, seguindo a estrutura onde “queres x, quero y”, como
nos exemplos:
“onde queres descanso, sou desejo” / “onde queres romântico, burguês”
“onde queres comício, flipper-vídeo”.
2.3 Frases em oposição
A oposição construída no poema se divide em dois grupos: oposição entre
palavras – formando pares antonímicos e antíteses – e oposições entre frases – formando
contrariedades:
“E onde buscas o anjo, sou mulher / Onde queres o prazer sou o que dói”
Há uma clara divergência de vontades (SALGUEIRO, 2003). O autor explora o
recurso da ambiguidade de maneira sublime, como que fechando o ponto de tensão em
toda a letra, arrolando entre as figuras eu e tu, como podemos constatar nesses dois
versos:
Onde queres revólver sou coqueiro
E onde queres coqueiro, eu sou o obus.
Veja o segundo verso destacado, que é escrito no final do poema (último verso da
penúltima estrofe), repete o primeiro, que se refere também ao primeiro verso do poema.
No entanto, a repetição sinaliza uma oposição entre os sujeitos, pois a atitude do sujeito
eu muda completamente em relação ao tu.
Para demonstrar a oposição entre eu e tu, o autor utiliza palavras repetidas ou de
um mesmo campo semântico, produzindo um cruzamento na diagramação que
materializa a oposição das ideias mantida ao longo da letra.
Onde queres revólver sou coqueiro
E onde queres coqueiro, eu sou o obus
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Revolver e obus = armas morte
Coqueiro e coqueiro = natureza vida
2.4 Neologismo literário
O neologismo é um processo de formação de palavras que se ocupa de recobrir
lacunas semânticas da língua. São várias as maneiras de produzir neologismo literário,
percebe-se uma criação que visa a inovar a língua sem que haja necessidade objetiva de
criação vocabular.
Em “Quereres”, o neologismo se dá de uma forma inusitada, pois nasce de um uso
especial de formas já existentes na língua.
Na dissertação de REI (2002), cujo corpus foram letras-de-música de Caetano
Veloso, incluindo “Quereres”, o autor conclui que a forma quereres constitui um uso
especial nessa letra, pois o emprego da forma flexionada como substantivo, sem, contudo,
flexionar o artigo que a determina, gera um substantivo novo e inesperado.
Infinitivo não-flexionado querer Substantiva-se então o
desejo incontrolável e
infinito do interlocutor do
eu lírico. Emprego do substantivo verbal o querer
Flexão na letra com ruptura da concordância o quereres
2.5 Emprego do verbo “querer”
Além de parecer no texto como forma verbal de infinitivo flexionado, o verbo
central do poema varia, aparecendo também no:
Gerúndio – “E eu querendo querer-te sem ter fim”
Infinitivo não-flexionado – “Ah, Bruta flor do querer”.
3 Análise sob a visão de Greimas e Pottier
De acordo com LOPES (1979) significantes, para Greimas são elementos que
tornam possível o surgimento da significação, ao nível da percepção e que são
reconhecíveis como exteriores ao homem; correspondente, pertencem ao plano do
conteúdo. Entre significante e significado há pressuposição recíproca: a existência de um
deles pressupõem, necessariamente, a existência do outro. O signo é um conjunto
significante (= significante + significado).
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O autor ainda complementa a ideia dizendo que “O objetivo da semântica é o
descrever as línguas naturais na sua qualidade de conjuntos significantes”.(LOPES, 1979,
p.311).
De acordo com o autor o estudo da semântica possibilita analisar os diferentes
aspectos de determinadas palavras ou frases. Como objetivo de estudo foi escolhida à
letra da música “O Quereres” de Caetano Veloso, e dessa forma, por meio da análise dos
termos da música e do estabelecimento de uma relação entre seus termos componentes,
pode ser realizado um estudo mais aprofundado nessa questão semântica, com a
utilização das teorias de Greimas e Pottier, dois importantes nomes dentro dessa área,
como método. Greimas define significados como elementos que tornam possível o
surgimento do significado, pertencentes ao plano de conteúdo. A partir de então, surge
uma pressuposição recíproca, pois a existência de um deles indica a existência de outro.
Porém, a significação é independente da natureza do significado, ou seja, uma pintura não
comporta, necessariamente, uma significação pictórica ou a música não comporta uma
significação musical. Dessa forma, há de se abandonar a definição de significação como a
relação entre os signos e as coisas.
Bernard Pottier (1973) desenvolveu sua descrição semântica baseada tanto na
análise da semântica lexical quanto gramatical. Desenvolveu um maior estudo da noção
de sema, que são os traços pertinentes na noção de uma determinada palavra, a partir das
noções de denotação e conotação. Dessa forma, cada traço do conteúdo (sema) é reunido
em um conjunto (semema), e assim, formando grupos, os campos associativos. Os semas
podem se apresentar em três tipos diferentes: o sema específico (semantema), que
distingui os morfemas de um mesmo campo; o sema genérico (classema), que inclui o
morfema em uma determinada classe; e o sema virtual (virtuema), que representa a
associação presente no discurso.
A partir, então, de todo o embasamento teórico, no qual foram expostas as ideias
principais e as linhas de pensamento de dois dos diversos teóricos dentro da semântica,
pode-se lançar do exemplo prático. Para isso, escolhi alguns trechos da música “O
Quereres” de Caetano Veloso.
Uma relação possível de se estabelecer é através do quadro semiótico de Greimas
(relações de contradição, hiperonímia e eixo semântico):
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“Onde queres dinheiro sou paixão (...)”
Considerações finais
O objetivo desse artigo é enriquecer o estudo de interpretação com base semíotica
observadas as riquezas icônicas dos vocábulos, ou seja, as palavras não precisam
representar o que significam a priori, mais que isso, elas podem ser carregadas de
significados que extrapolam a escrita para alcançar o nível da imagem.
Referências
FARAVETO, C. Tropicália, alegria, alegria. São Paulo: Ateliê Editorial, 1996.
VELOSO, C. Verdade Tropical. 1. ed. . Campinas: Editora Schwarcz Ltda, 1997.
TEIXEIRA, J. Relações linguísticas de antonímia: O insucesso da Lógica e o valor da
cognição humana. In: MARQUES, M. A. e KOLLER E. (Orgs.). , Ciência da
Linguagem: 30 anos de investigação e ensino, Universidade o Minho, Braga 2005.
GARCIA, O. M. Comunicação em Prosa Moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1981.
REI, C. A. O. A palavra caetana: estudos estilísticos. Rio de Janeiro: UERJ, 2002
(Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa) – Universidade Estadual do Rio de
Janeiro, 2002.
SALGUEIRO, W. C. F. Conceito e concerto em “O Quereres” de Caetano Veloso.
LOPES, E. Fundamentos da Linguística Contemporânea. São Paulo: Cultrix, 1979.
RELACIONAMENTO
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