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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação
XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019
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A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE
REVISTAS BRASILEIRAS: 12/07/2017 a 31/01/20181
JUSTICE, DEFENDANT AND CANDIDATE LULA IN
COVERS OF BRAZILIAN MAGAZINES:12/07/2017 to
31/01/2018
Camila Moreira Cesar2
Maria Helena Weber 3
Resumo: Esse artigo tem por objetivo contribuir com o debate sobre as interferências entre os discursos
jornalístico e jurídico sobre um acontecimento público definido pela corrupção política, ações da Operação
Lava Jato e o protagonismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos seus dois últimos julgamentos
(12/07/2017 e 24/01/208). O eixo teórico contempla questões relacionadas à inserção e o poder da imprensa
como protagonista do debate público; o domínio sobre a verdade própria dos discursos jurídicos e jornalísticos
e, por último, a visibilidade dada ao acontecimento público proposta pela síntese das capas de revistas. O
corpus é de 29 capas de Veja, IstoÉ e Época. A metodologia abrange a leitura das capas a partir da
perspectiva dos enquadramentos textuais e semióticos capazes de propor esquemas interpretativos. Os
resultados mostram a criminalização de Lula, alertam para o perigo de sua candidatura e, simultaneamente,
questionam o sistema judiciário.
Palavras-chave: Comunicação política. Jornalismo de revistas. Lula e a Lava Jato.
Abstract: This article aims to contribute to the debate about the interference between the journalistic discourse
and the legal discourse about a public event defined by political corruption, Lava Jato actions and the role of
former president Luiz Inácio Lula da Silva in his last two judgments (12/07/2017 and 01/24/208). The
theoretical axis contemplates questions related to the insertion and the power of the press as a protagonist of
the public debate; the influence over the truth of legal and journalistic discourses and, finally, the visibility
given to the public event proposed by the synthesis of magazine covers. The corpus is 29 covers of magazines
Veja, IstoÉ and Época during this period. The methodology covers the reading of the covers from the
perspective of the textual and semiotic frameworks, capable of proposing interpretive schemes. The results show
Lula's criminalization, warn of the danger of his candidacy and simultaneously question the judicial system. Key-words: Political communication. Magazine journalism. Lula and Car Wash Operation
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Política do XXVIII Encontro Anual da Compós,
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019. 2 Professora substituta na Université de Lorraine-Metz, doutoranda em Comunicação na Université Sorbonne
Nouvelle Paris 3 em cotutela com a UFRGS. Mestre em Comunicação pela Université Sorbonne Nouvelle Paris 3. Professora Titular no Departamento de Comunicação da UFRGS. Doutora em Comunicação (UFRJ). Mestre em Sociologia (UFRGS). Pesquisadora bolsista CNPq.
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O perigo das novas democracias é a dificuldade
crescente, para os homens de pensamento, de escapar à
obsessão da agitação sedutora.
(Gabriel Tarde – A opinião e as Massas, 1903)
1.Introdução
A recente história do Brasil está marcada por mudanças profundas em relação aos
poderes republicanos tocados pela corrupção. Instituições, políticos, governantes estão sob
suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto
da visibilidade midiática. A Operação Lava Jato (2014) é emblemática para demonstrar esses
movimentos. A corrupção é um problema para qualquer governo cujas punições são
previstas pela constituição dos países. A visibilidade dos atos de descoberta, julgamento e
punição é definida, numa primeira instância, pelos discursos e ritos jurídicos. Entretanto, é na
impresa que traduz e causa impacto com recortes de atores e crimes orientados por interesses
editoriais, políticos e mercadológicos. A corrupção é um dos fenômenos mais importantes
para avaliar as democracias, porquanto é estratégica na visibilidade dada aos fatos, acusados
e acusadores, instituições e atores políticos. As dinâmicas próprias da midiatização
concorrem, assim, com as dinâmicas da esfera jurídica.
Para este artigo, interessa o período entre os dois julgamentos e condenação do ex-
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Lula): de 12 julho de 2017 a 24 de janeiro de 2018. Em
julho, o juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato, condena Lula, em primeira instância, a
9 anos e seis meses pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, no caso do triplex do
Guarujá. No dia 24 de janeiro de 2018, o recurso de Lula é indeferido, em segunda instância
e é condenado pela 8ª Turma do Tribunal Regional da 4ª Região, em Porto Alegre, que
aumenta a pena para 12 anos e um mês, em meio a grandes manifestações nacionais. A prisão
foi decretada em 5/4/2018 pelo juiz Moro e Lula se entrega em 7/4/2018. Nestes dois dias,
milhares de pessoas fazem vigilia e resistência em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos no
ABC paulista, que reúne, também, expoentes da política e da esquerda nacional. Nesta data, a
Lula ainda está preso em Curitiba e esta situação foi transformada numa controvérsia
internacional no âmbito político, jurídico e dos direitos humanso.
Estudar este período permite refletir sobre os efeitos da conjugação dos campos
jornalístico e jurídico a partir de um acontecimento público que expõe os poderes da
República e da mídia, em diferentes níveis de submissão. A potência desse acontecimento
leva a imprensa a tomar lado e, assim, a influenciar a construção das percepções públicas da
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corrupção política, como se exige da democracia, mas, paradoxalmente, seu posicionamento
alimenta a desconfiança em relação à política e à democracia.
A instância jornalística é a instituição essencial na formação das representações da
realidade e no debate público da visibilidade pública (Gomes, 2008), esclarece ou impõe sua
visão incidindo na construção da percepção das questões de interesse público. Este artigo
pretende abordar esses aspectos relacionados à força de verdade do discurso jornalístico que
se apropria do discurso jurídico no que tange ao julgamento e à atribuição de sentenças,
especificamente, na condenação do ex-presidente (Lula), criando uma situação política tensa
para a democracia brasileira.
Este trabalho se inscreve na abordagem sociológica das mídias, na trilha dos estudos
jornalísticos sobre a midiatização da corrupção política. Parte, principalmente, dos trabalhos
sobre o jornalismo e as mídias (Charron e de Bonville, 2004 ; Cunha, 2017), visibilidade e
imagem publica (Weber, 2008), o papel das mídias na construção dos problemas públicos
(Macé, 2005) e a sociologia política (Benoît e Pujas, 2003) e do direito (ENGELMANN,
2002; 2006). A fundamentação teórica sustenta a análise do material empírico constituído
por capas de revista, entendidas como síntese de acontecimentos de um período e cuja
estética e linguagem próprias traduzem o viés editorial. Portanto, foram escolhidas revistas
que historicamente se posicionam de modo conservador e, neste sentido, realizam críticas
permanentes, especialmente, em relação a governos e ações do Partido dos Trabalhadores
(PT). A metodologia restringe-se à descrição das operações realizadas em 29 edições das
revistas IstoÉ, Veja e Época no período correspondente à condenação em primeira (12/07/17)
e segunda instância (24/01/18) do ex-presidente. As ferramentas da Frame analysis permitem
a classificação de temas, abordagens, atores em torno do julgamento e condenação, em
enquadramentos de textos e imagens das capas.
2. Operação Lava Jato
Os escândalos de corrupção político-financeiros tem sido transformados em
espetáculos dada a sua potencialidade em ativar questões políticas e morais e mobilizar os
meios de comunicação. Especificamente, Fernando Collor de Mello - PRN (1989-1992),
primeiro presidente eleito após o regime militar que renunciou; o sucessor Itamar Franco -
PMDB (1992-1993); Fernando Henrique Cardoso - PSDB (1993-2009) que sofreram
acusações de corrupção, mas sem condenações. Durante os governos Lula (2003-2010), a
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Polícia Federal adquire autonomia e coordenda inúmeras operações vinculadas à corrupção
com grande repercussão. De todas, o alvo principal, parece ser o governo e seu partido (PT).
Estes movimentos incluíram Dilma Rousseff (2010-2016), destituída do cargo em 2016, em
Golpe jurídico legislativo, com acusações sem comprovação.
A Operação Lava Jato, coordenada pelo juiz Sérgio Moro, de Curitiba, iniciou em
17/03/2014 e abrange as investigações Dolce Vita, Bidone, Casablanca e Lava Jat sobre
crimes financeiros e desvio de recursos públicos, associados a redes empresariais. Uma das
etapas da investigação chegou até Lula, acusado, especialmente, de comandar um esquema
milionário na Petrobrás; de ganhar um apartamento triplex em Guarujá (SP) e um sítio em
Atibaia (SP). Desde o início, as ações da Lava Jato são inauguram um novo modo de dar
visibilidade aos seus atos justificando quaisquer decisões em nome da luta contra a
corrupção. A imprensa passa a ter material riquíssimo sobre os crimes e os possíveis
“criminosos”. Consequentemente, a sociedade passa a se inteirar e opinar sobre o processo
que, aos poucos, se mostra seletivo, visto que a incriminação recai, principalmente, sobre os
empresários, os políticos do PT e, sobretudo, Lula, que passa a ser o centro de controvérsias
jurídicas, morais e políticas, compasso que é seguido pela imprensa.
A partir de 2016, a proximidade das eleições intervém nesse julgamento, já que Lula
também despontava como favorito para a presidência em 2018, de acordo com as pesquisas.
De um ponto de vista político-institucional, o poder da Lava Jato também pode ser
avaliado a partir da supervalorização da Justiça como uma conquista da democracia brasileira
na Constituição de 1988. O retorno dos juristas ao cenário político reforçou a função das
instituições jurídicas e consolidou a proteção aos direitos e à cidadania, a exemplo da criação
do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código de Defesa do Consumidor. A atuação
“em nome da sociedade” fortaleceu o Ministério Público Federal como instância
independente cuja missão é representar o interesse público judicialmente (ENGELMANN,
2002; 2006).
2. Sistema jurídico e sistema mediático
Os crimes de corrupção acionam a disputa de diferentes perspectivas de verdade
(acusação e defesa) e de realidades (visibilidade e apagamentos) adotadas pelos sistemas
jurídicos e midiáticos e, especificamente, pela imprensa. A compreensão sobre as decisões
jurídicas e os limites do poder político é possível pelo discurso jornalístico, pela tradução
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editorial de processos e da visibilidade dos atores. A corrupção é a degradação privada do
interesse público nas democracias, capaz de convulsionar as repúblicas, especialmente
porque a efervescência midiática acompanha a evolução dos mecanismos de imputação aos
atores políticos, nos quais “a regra assimila o questionamento jurídico da presunção de culpa”
(Benoît e Pujas, 2003, p. 91). Dessa forma, as mídias participam, com os juízes, na
designação dos culpados (Sfez, 1992), apesar da complexidade e imprevisibilidade das
situações em questão. A imprensa transforma, reduz e amplia informações, versões e
vereditos (mesmo que provisórios) fornecidos pelos porta-vozes jurídicos segundo seus
interesses editoriais e políticos.
Neste sentido, a influência do julgamento na vida pública contemporânea não pode
ser explicada apenas na profissionalização e autonomização do poder judiciário. Contudo, ela
pode ser vista como um processo mais amplo, produto das transformações do papel da
instituição judiciária e das interações “entre três ‘setores’ de atividades especializadas e seus
agentes, detentores, por um lado, de posições específicas no espaço social e, por outro, de
recursos ou (e) de um savoir-faire específicos: os homens políticos, os magistrados e os
jornalistas” como afirma Garraud (2002, p. 355).
Com efeito, os poderes da imprensa e da Justiça historicamente tem se mostrado
como essenciais à sustentação da democracia e dos direitos humanos. A verdade é o elo
epistemológico que une essas duas instâncias, mesmo que possam driblá-la em defesa de
interesses espúrios. No entanto, a variável política amplia a complexidade dessa
compreensão. Na linha dos paradoxos da visibilidade (WEBER, 2008), os campos jurídicos e
midiáticos oferecem uma perspectiva interessante. Ao mesmo tempo em que é imperioso
tornar visíveis suas as ações, dada à natureza do seu trabalho, os agentes jurídicos se
beneficiam desta visibilidade e passam a responder à pauta da política e da mídia. Para isso,
dramatizam seus atos para que seus discursos e vaidades ocupem espaço privilegiado em
outro espaço de verdade, a imprensa. Assim, a verdade jurídica fortalece a verdade
jornalística e amplia estes poderes sobre quaisquer outros, estabelecendo-se ai o paradoxo
que, ao mesmo tempo em que beneficia a sociedade, limita e confunde sua compreensão
sobre os atos jurídicos.
No Brasil, as instituições jurídicas parecem suspeitas devido a sua associação à
política e ao desejo de visibilidade. Contribuem, portanto, para a disseminação do medo, da
insegurança diante da possibilidade de perder a democracia, na medida em que contrariam
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seus princípios, seu ethos, baseados na verdade. No sistema judiciário, os julgamentos em
segredo são cada vez mais raros. Estes têm sido dramatizados e os argumentos expõem
códigos incompreensíveis e a certeza da casta de homens sábios, poderosos e vaidosos.
Assim, a discrição se adapta à mise en scène dos rituais de togas, dos debates e do
vocabulário cifrado característico do campo (Bourdieu, 1986). O poder da visibilidade
permite formular a premissa de que o julgamento e o veredito sobre crimes políticos e
instituições ocorrem em duas instâncias: no sistema judicial e na imprensa. Enquanto no
sistema judicial o segredo e a argumentação são da essência do processo, na imprensa não
existem confidências mas sim julgamentos a partir dos argumentos ou da edição dos
comentários adequados a interesses dito editoriais. Tal posicionamento tem feito com que a
crítica e as perguntas sobre os fatos sejam relegados ou submetidos à espetacularidade destes.
A democracia exige a comunicação, debate público e transparência que fortalecem as
relações entre Estado e sociedade. Porém, o poder insidioso dos meios de comunicação
ocorre na tensão com outros poderes, ora na perspectiva empresarial, ora na perspectiva
simbólica, ora na jornalística. É neste processo que ocorrem os fenômenos culturais e os
processos de transformação das relações sociais e políticas sustentadas pela tecnologia, aos
quais o acontecimento jurídico não foge à regra. Os meios de comunicação massivos e as
redes sociais digitais consolidam um irreversível fenômeno traduzido por um conceito
funcional não normativo que é a midiatização, que abrange, simultaneamente, tecnologia,
processo, conteúdo, sistema, linguagem, instituição e produto. Fala-se, portanto, da
capacidade dos diferentes meios e espaços em disputar versões e nacos de realidade. E isto,
devido à institucionalidade que legitima sua existência e à ubiquidade que define a circulação
de seus conteúdos confundindo verdades e realidades.
Nos campos da política, da justiça e das mídias, visibilidade e credibilidade (WEBER,
2005) se confundem apesar dos limites inerentes a sua natureza. A credibilidade da política
pode ser aferida pelos votos e pela opinião pública. Quanto à justiça, esta se mede pelos pares
e resultados das sentenças. Já a credibilidade da mídia está no questionamento e na
demonstração de provas provenientes dos dois outros sistemas. Nesta visibilidade residem os
indicadores de construção da imagem pública necessária à busca de votos e opiniões.
Dimensão constituinte da arte de governar, a preocupação com a imagem pública obriga
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políticos e instituições a investir na sua reputação. A realidade vivenciada compete, assim,
com a realidade dramatizada.
4. Jornalismo, opinião pública e realidade
À intimidade entre os sistemas político, midiático e jurídico acrescentamos o
elemento balizador: a opinião pública que aguarda sentenças, acompanha as notícias e julga
os políticos. O entrelaçamento entre opinião pública, noção essencial à teoria democrática, e
o sistema midiático adquire cada vez mais força. Já em 1903, Gabriel Tarde afirmava que:
Não se saberá, não se imaginará jamais até que ponto o jornal
transformou, enriqueceu e nivelou ao mesmo tempo, unificou e
diversificou no tempo as conversações dos indivíduos, mesmo dos
que não leem jornais, mas que, conversando com leitores de jornais,
são forçados a seguir a trilha de seus pensamentos de empréstimo.
(TARDE, 1992, p.89).
Lippmann, em 1922, também alertava para as distorções no conteúdo de comunicação de
massa quanto à representação da realidade e ao tratamento da informação política. O
ambiente real seria muito amplo, complexo e efêmero, logo era preciso simplificar a
realidade, tornando-a passível de compreensão. A imprensa adquire cada vez mais poder já
que as práticas jornalísticas, segundo Charron e de Bonville (2004) designam o trabalho de
tipificação da realidade como sendo a propriedade mais importante do discurso jornalístico.
Para os autores, a particularidade do jornalismo repousa no imperativo de “representar o real
de uma maneira que dê a todos os atores sociais engajados na sua produção, jornalistas,
fontes de informação, anunciantes – e leitores – a convicção do real” (CHARRON e DE
BONVILLE, 2004, p. 144).
A corrupção como tema de interesse público aciona o debate público em torno de
verdades e princípios que se tornam visíveis pela imprensa (realidade), política (poder) e
justiça (verdade). É neste sentido que importa discutir os efeitos da “midiatização da
corrupção”, conforme Cunha (2017), que analisa os riscos que a influência da lógica
midiática para a democracia. Outra abordagem possível dos impactos da midiatização da
corrupção e da Operação Lava Jato é a das controvérsias em torno da construção dos
problemas públicos, de acordo com Cefaï (1996), perspectiva que permite contemplar as
dinâmicas que orientam a atenção pública para certas questões incluídas em matrizes
explicativas e da atribuição de poderes legítimos de decisão e penalização.
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Vê-se, assim, a importância da mediação jornalística e da visibilidade midiática na
distribuição dos focos de atenção a temas, atores e controvérsias, permitindo que uma
“questão” se torne uma “questão pública” e atribuindo a esta última suas causas e soluções
(Macé, 2005).
5. O júri condenatório de Veja, IstoÉ e Época
O referencial teórico permite abordar nosso objeto de estudo a partir de duas
premissas que entendem as mídias, especificamente a imprensa, como o locus privilegiado
para a construção de sentidos e esquemas interpretativos em torno do andamento da Lava
Jato e da condenação do ex-presidente Lula. A segunda premissa é de que as operações de
seleção, enquadramento, argumentação e dramatização do processo privilegiam o
apagamento das particularidades e dos detalhes concretos da situação, significando-a
independentemente das controvérsias que a acompanham. A carga simbólica de sua
condenação fornece em grande parte a matéria-prima necessária à “novelização” dos
conflitos, delimitando – ou transferindo – os papéis e as responsabilidades dos atores do
sistema político e do sistema judiciário implicados (Cunha, 2017).
Justificamos a escolha das revistas Veja, Isto É e Época pelos fatores tempo
(periodicidade) e segmentação de público. Diferente dos jornais, sua elaboração privilegia a
síntese dos acontecimento e atinge assinantes e leitores específicos. Menos vulneráveis ao
descarte são mantidas e circulam por mais tempo. Do ponto de vista visual, funcionam como
atratores cartazes em bancas. Ressaltamos, com base em Benetti (2013, p.45), as
características de “reiteração de grandes temáticas”; a contribuição “para formar a opinião e o
gosto”; “compreende a leitura como um processo de fruição estética” e “estabelece uma
relação direta e emocional com o leitor”. Em outro texto, Benetti; Hagen (2010) afirmam
que, “institucionalmente, as revistas buscam criar, para o outros, uma imagem de
independência, defesa da democracia, competência profissional e compromisso com o leitor.
Esta imagem é uma representação, não a realidade, de seu fazer jornalístico”.
Entndemos que a produção da informação é limitada por três razões principais que
influenciam na mediação da realidade pelo jornalismo, segundo Macé (2005): o formato
(linha editorial, suporte, grande público ou público-alvo), o programa (proximidade com a
agenda política do momento) e o enquadramento (forma como um assunto é tratado, a partir
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de um viés interpretativo e não de outro). Esse enquadramento gera inúmeras possibilidades
para a construção de uma verdadeira “encenação” dos assuntos abordados.
Concernente ao objeto deste trabalho, a leitura e análise das revistas é orientada pela
perspectiva teórico-metodológica dos enquadramentos com origem no conceito de frames, os
“quadros da experiência social” de Goffman (2012 [1974]), acionados na análise dos
fenômenos sociais e dos atores implicados. Os enquadramentos funcionam como esquemas
interpretativos em torno de uma ideia que organiza e dá sentido aos acontecimentos
(Traquina, 2013). Sobre os efeitos de sentido Scheufele (2000) ressalta as diferenças entre os
conceitos de agenda-setting, priming e de framing nas mídias, que repousam sobre a
“acessibilidade”, apelando à memória da audiência e apoiando-se sobre os recursos
informacionais disponíveis sobre dado assunto. Essa dimensão indica como as mídias afetam
padrões de avaliação e julgamento do público sobre os governantes e os atores políticos,
como indicam Iyengar e Kinder (1987).
Os efeitos do enquadramento estão assim relacionados a procedimentos de
simplificação dos acontecimentos, a fim de torná-los inteligíveis para o público e responder a
interesses da empresa. Sob essa ótica, as mídias têm a capacidade de organizar a experiência
da vida cotidiana, transformando “[...] em atos aquilo que poderia ter sido apenas palavras ao
vento, elas dão ao discurso, à declaração e à comitiva de imprensa a solene eficácia do gesto
irreversível” (Nora, 1972, p. 163).
Nesse artigo, usa-se o conceito de framing para pensar os esquemas interpretativos
propostos pelas capas de revistas relativas à responsabilidade política no enquadramento do
julgamento e da condenação do ex-presidente Lula e a sua candidatura às eleições de 2018.
Trata-se, sobretudo, de compreender como as revistas participam e traduzem esse
acontecimento para o debate público. A analise textual e visual visa identificar os elementos
estruturantes da ideia organizadora que orienta o tratamento da corrupção e dos atores
implicados (palavras, metáforas, referências, imagens) nas capas e que constroem, assim,
enquadramentos interpretativos que visam significar o acontecimento junto ao público.
Quatro revistas dominam o mercado editorial brasileiro: Veja, IstoÉ, Época e Carta
Capital. Destas, as 3 primeiras têm em comum o viés mais conservador e suas tiragens
totalizam 1.845.420 mil exemplares, seguida por CartaCapital, com cerca de 30 mil. O
debate público em torno da corrupção, do governo brasileiro, do PT e de Lula teria sido, em
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grande parte, alimentado pelos quadros de referência veiculados pela imprensa dita
conservadora. Diante dos temas corrosivos, Lula é aquele que mobiliza a imprensa e a
opinião pública. Assim, escolhemos as 3 revistas com base na hipótese de que são as que
melhor respondem à produção de sentidos dirigidos à desqualificação dos atores principais
(PT e Lula), tendo suas capas como vitrines que orientam o debate, assim como em relação
ao sistema jurídico.
O corpus é formado pelas capas editadas no período da condenação do ex-presidente
em primeira e segunda instância, isto é, entre 12 de julho de 2017 e 29 de janeiro de 2018.
Neste intervalo, foram editadas 87 capas de revistas de Veja, IstoÉ e Época, onde 37
apresentavam temáticas ligadas ao escândalo político-financeiro, ao PT, ao ex-presidente
Lula e ao sistema judicial. Utilizaremos 29 capas que expõem Lula e o sistema judiciário ou a
Lava Jato, conforme o Quadro 1. Entendemos que nesse período convergem decisões
judiciais, debates, manifestações públicas e o posicionamento da imprensa se torna mais
explícito. É o momento em que a complexidade do processo e das decisões acionam a função
de mediação e de posicionamento da mídia.
Revistas Semanais
Fundação Empresa Tiragem Capas Lula na
Capa
Justiça na
capa TOTAL
VEJA 1968 Editora Abril 1.206.173 13 7 3 10
ÉPOCA 1998 Editora Globo 385.354 12 6 3 9
ISTOÉ 1976 Editora Três 253.893 12 6 4 10
TOTAL 1.845.420 37 19 10 29
QUADRO 1 : Corpus de Pesquisa de 12/7/2017 a 29/01/2018 FONTE : Autoras e site das publicações (maio de 2018)
O objetivo dessa análise é identificar os quadros interpretativos orientados à
qualificação e à desqualificação de temas, atores, instituições relacionados a Lula e ao
sistema judicial. Essas duas categorias de análise respondem à combinação de diferentes
elementos textuais e visuais. A análise textual é decorrente da compreensão sobre temas,
metáforas, fontes, autores, títulos e manchetes e a análise visual realiza a combinação entre as
imagens utilizadas e os elementos de apoio.
Os temas na análise textual abrangem assuntos e problemáticas principais presentes
nas capas relacionadas (a) ao julgamento e condenação de Lula na Operação Lava Jato e (b)
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a sua candidatura. Verifica-se o uso de metáforas, figuras de linguagem e recursos de
retórica como a ironia, analogias e outras estratégias discursivas capazes de capturar e
acionar a memória afetiva do leitor. A identificação de instituições e atores citados é
elemento importante para a valoração dos temas em questão. Por último, a descrição de
manchetes e títulos, próprios das capas de revista, oferecem a síntese de posicionamento
editorial.
Os elementos de análise visual estão relacionados ao design da capa ancorado na
combinação atratora de imagens (fotografia, gráficos, montagens, bricolagens, desenho, etc.)
e de suportes como cores, iluminação, linhas, objetos, símbolos e outros.
Considerando que o material analisado atribui protagonismo a Lula, adotamos 2 tipos
de classificação em relação ao ex-presidente: réu e réu candidato. Eles são resultantes da
decodificação das capas e da interpretação dos enquadramentos.
5.1 Lula réu
As 11 capas analisadas indicam as diferentes perspectivas do julgamento, condenação
e culpabilidade do ex-presidente. Assim, entende-se que a capa das revistas funcionam como
cartazes e disseminaram esta imagem como propomos no Quadro 2.
5.1.1 Revista Veja
A capa VJ1 (13/09/17) mostra 3 alvos (desenhados) importantes para a Operação
Lava Jato. Mesmo que as delações da JBS e Funaro (que cita o presidente Temer) tenham
sido maiores em montantes de dinheiro e rol de acusados, é Lula que aparece em destaque. A
manchete principal ENFIM, O SILÊNCIO PETISTA CAI cita Palocci como o “primeiro
membro do PT abrir a boca” ao realizar um “depoimento devastador para Lula”. A manchete
é associada visualmente a outras duas que indicam mais delações: OS SEGREDOS DA JBS e a
DELAÇÃO DE FUNARO. A capa nos diz que há muita corrupção, mas enfatiza as delações
que atiram no alvo, graficamente identificado.
Novamente, a capa VJ2 (13/12/17) é sobre outra delação de Palloci, agora sobre as
vinculações internacionais de Lula ao ditador Muamar Kadafi, que teria feito doação para a
campanha de 2002. Veja opina e intervém visualmente na sua própria manchete, com um
bloco de apoio: “Ponto Crítico: partido que ganha dinheiro de procedência estrangeira está
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sujeito à cassação”. A foto de Palloci é indicativa de seu poder pois sustenta a imagem de
Lula e Kadafi, em momento de proximidade.
REVISTA VJ1 - 13/09/2017 VJ2 - 13/12/2017 VJ3 - 31/01/2018
VEJA
(VJ)
ÉPOCA
(EP)
EP1 – 15/07/2017 EP2 – 29/07/2017 EP3 – 09/09/2017 EP4 – 22/01/2018
ISTOÉ
(IE)
IE1- 25/08/2017 IE2- 15/09/2017 IE3 - 19/01/2018 IE4 - 31/01/2018
QUADRO 2 : Indicação de Lula réu (criminalizado) FONTE : Autoras e site das publicações (maio de 2018)
De todas as capas do período, é na VJ3 (31/01/18) que Veja explícita seu
posicionamento e oferece ao leitor elementos que mostram o ex-presidente como criminoso
reincidente na imagem principal, uma montagem de 2 fotos de Lula com décadas de
diferença. Na foto atual, ele expressa brabeza e carrega uma inverossímil placa de
“condenado”. Na mesma proporção, ao lado, está a foto de Lula como líder sindicalista preso
pelo regime militar (DOPS). A manchete O QUE FALTA PARA LULA SER PRESO tem como
texto de apoio a síntese do ocorrido e a previsão de que em “40 dias” Lula deverá ser preso.
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A falta de um ponto de interrogação não elimina ambiguidade da manchete que pode ser
também a pergunta “por que a Justiça não o prende de uma vez?”. Toda a aparente
objetividade nas capas VJ1 e VJ2 é excluída na edição da capa VJ3.
5.1.2. Capas da Revista Época
As capas de Época valorizam o lettering na sua configuração visual que se sobrepõe
às imagens, ao contrário de Veja. A capa EP1 (15/07/17) faz uma afirmação definitiva: O
PRIMEIRO EX-PRESIDENTE CONDENADO POR CORRUPÇÃO. O rosto assustado e
preocupado de Lula está adequado à ironia do bloco de texto, na continuidade do título “e
ainda faltam, no mínimo, mais cinco processos. O enredo jurídico envolvendo Lula está
apenas no começo”. Nesta capa é possível identificar o uso da objetividade jornalística
incluindo manchete e o rosto preocupado de Lula, olhando à frente (o futuro?), mas a
conjunção ‘e’ indica a ironia editorial.
Semelhante a um folheto de publicidade comercial, a capa EP2 (29/07/17) traz um
lettering esfuziante para chamar atenção do leitor. Embora a manchete seja AS PROVAS DA
JBS, Lula é citado em duas manchetes menores mas de grave acusação: “Os extratos nos
EUA da propina de Lula e Dilma no BNDES”, além da suposta relação existente com os
títulos referentes a depósitos secretos indicados por Palocci. A autoridade da revista aparece
quando afirma que teve acesso a “documentos que expõem a corrupção de centenas de
políticos brasileiros”. A aparente objetividade se apoia na afirmação de que as acusações têm
comprovação.
De um vermelho agressivo, a capa EP3 (09/09/17) anuncia que o tema tem a ver com o
PT. O vermelho é historicamente símbolo das revoluções socialistas, da esquerda e, no Brasil,
do PC e PT. O pano de fundo funciona como registro sarcástico da amizade entre Lula e
Palocci e da traição deste. Com a manchete A PALAVRA DO COMPANHEIRO, a revista
propõe a autoridade, a cumplicidade no conceito de “palavra” como juramento ou promessa
associado à denominação “companheiro” disseminada pelo PT e por Lula para designar
especialmente filiados e simpatizantes. O bloco de texto anuncia que o Palocci “desvenda as
entranhas da corrupção na era petista e pode ferir de morte a candidatura de Lula”.
Há, porém, uma capa que desequilibra visualmente a proposta incriminatória da
revista contra Lula : a EP4 (22/01/18). A manchete “EM NOME DO PAI” mostra uma foto
familiar dos anos 80 de Lula com a esposa Marisa e os filhos. Diante da foto, anuncia a
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reportagem assinada com a pergunta “O que a Lava Jato tem – e vai usar em breve — contra
os Lula da Silva”. O desequilíbrio visual ocorre porque a singela cena familiar é oposta à
apresentação de uma família criminosa sugerida no texto. Pode-se inferir que existe algo
grande quando uma família simples chega a ter tanto poder e que as aparências enganam. O
toque de perversidade está dado.
5.1.3. Capas da Revista IstoÉ
A capa IE1 (25/08/17) se apresenta um duplo design para ressaltar uma espécie de
edição especial sob o título “Exclusivo: a delação de Jorge Luz”, que seria o “maior operador
de propinas da Petrobrás”. A criminalização de Lula é explicitada pela síntese da referida
entrevista, na manchete AS NOVAS DIGITAIS DE LULA E DE SEUS COMPARSAS NO
PETROLÃO. Lula é o chefe e todos que com ele trabalhavam e “comparsas” é o termo
empregado como desqualificador de companheiros. Lula olha, do canto da página com ar de
que duvida da afirmação da revista, mas também demonstra preocupação. Feições ambíguas
para um ex-presidente apresentado de modo elegante, próprio de quem “acompanhou de
perto e deu aval a contratos superfaturados de U$ 8 bilhões da ‘Brasil Trade’”.
Aprisionados pelo design da revista, oito políticos são classificados pela capa IE2
(15/09/17) como facínoras e delinquentes. Os crimes de corrupção e desvio de verbas são
transformados em crimes perversos e hediondos, como os termos definem. As fotografias
escolhidas e sua sequência colocam Lula em primeiro lugar (como chefe da quadrilha?) e
chamam atenção pelo sorriso irônico de Dilma Rousseff (nunca condenada por corrupção). A
manchete A ERA DOS FACÍNORAS e o subtítulo “Como o Brasil foi parar nas mãos dessa
turma de delinquentes“ associado à grade dos criminosos escolhidos extrapolam o limite de
opinião editorial
A capa IE3 (19/01/18) é construída a partir de montagem de Lula atrás das grades,
aprisionado pela revista. A foto sugere que o Lula está em desequilíbrio, embriagado, louco,
desnorteado ou como o leitor desejar. A pretensão da capa está no questionamento sobre o
sistema jurídico: POR QUE NINGUÉM CONSEGUE PRENDÊ-LO? A revista pede sua prisão e
entende que todos os crimes que lhe foram imputados já foram devidamente comprovados.
Assim, sobrepõe-se ao Poder Judiciário e o desqualifica, sugerindo sua ineficiência.
Totalmente vermelha com a imagem de Lula diluída é a proposta da capa IE4
(31/01/18). A cor é o pano de fundo às referencias à esquerda, ao socialismo, comunismo, ao
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PT. Cenário para a manchete agressiva O “CARA” ACABOU, sob a pequena linha de apoio
“Lula Condenado”. O “cara” é a denominação que desqualifica o ex-presidente Lula e toda a
sua história política colocando-o, mesmo entre aspas, junto a qualquer bandido. O “acabou”
pode também sugerir o fim do PT se associado ao box onde a revista pergunta “O que será do
PT daqui para frente”. Os demais blocos de texto são objetivos, conforme a gramática
profissional, e se referem a prazos de prisão e condenação.
As capas ratificam a condenação de Lula e oferecem argumentos visuais e
simplificados para a defesa desta opinião. Nenhuma das capas questiona ou oferece espaço
para a defesa. O protagonismo é da acusação.
5.2 Lula réu, criminoso e candidato
O segundo bloco de análise inclui a vinculação entre o Lula criminoso e o Lula
candidato, no período dos dois julgamentos, conforme apontam as capas no Quadro 3.
5.2 Lula réu, criminoso e candidato
O segundo bloco de análise inclui a vinculação entre o Lula criminoso e o Lula
candidato, no período dos dois julgamentos, conforme apontam as capas no Quadro 3.
5.2.1 Revista Veja
A capa VJ4 (19/7/17) valoriza a condenação de Lula como acontecimento, como
sugere a “edição especial” com a linha de apoio “12 de julho de 2017 ”. A manchete
CULPADO é sustentada pela afirmação de que “Lula torna-se o primeiro presidente da
história do Brasil condenado por corrupção e lavagem de dinheiro”. Por trás da afirmação
objetiva, mas que exclui as possibilidades de recurso, a capa salienta em cor e negrito a
relação com as eleições e afirma que responderá “a todas as dúvidas sobre o petista”: “Mais:
Ele vai para a prisão ? Ele pode ser candidato a presidente ?”. A imagem que sustenta a
capa é escura e mostra um Lula inconformado, cansado, envelhecido, mas com um esboçado
sorriso irônico, como se ainda duvidasse das condenações. Em primeiro plano, a mão
disforme completando o cenário escuro e macabro.
A capa VJ5 (02/08/17) mostra os 3 potenciais candidatos (Lula, Doria e Bolsonaro)
como bonecos recortados e espetados por ícones das redes sociais. A manchete GANGUES
DIGITAIS anuncia o tom das eleições, em que “candidatos de direita e esquerda se
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organizam para hostilizar e intimidar seus críticos nas redes sociais – e o impacto que eles
podem ter em 2018”. A imagem propõe Doria como candidato de centro que sorri de modo
agressivo enquanto Lula é apresentado em uma posição confortável, contrariamente a
Bolsonaro, cuja expressão é de preocupação.
REVISTA VJ4 – 19/07/2017 VJ5 – 02/08/2017 VJ6 – 08/11/2017 VJ7 – 24/01/2018
VEJA
(VJ)
ÉPOCA
(EP)
EP5 - 23/12/2017 EP6 – 27/01/2018
ISTOÉ
(IE)
IE5- 14/07/2017 IE6 – 04/08/2017
QUADRO 3 - Indicação de “Lula criminoso e candidato” nas capas
FONTE : Autoras e site das publicações (maio de 2018)
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Na capa VJ6 (08/11/17) a revista demonstra apreensão com as duas candidaturas que
poderiam disputar a presidencial de 2018 : Lula e Bolsonaro. Cuidadosamente colocados à
esquerda e à direita da capa, são apresentados como as opções da “POLÍTICA QUE
ASSUSTA”. O design propõe uma silhueta pontilhada em meio aos dois e afirma que “ganha
fôlego a busca por nomes de centro como Luciano Huck e Fernando Meirelles”. A receita de
sucesso está na sugestão da revista com um “mais” vermelho e em negrito sobre a entrevista
com o estrategista do presidente francês Macron “que venceu os extremos na França”. Ao
mesmo tempo, a capa lembra outro momento em que alertou sobre os perigos da esquerda e
de polarização. Às vésperas da eleição de 2014 (29/10/14) que reelegeu Dilma Rousseff
contra Aécio Neves, Veja veiculou a histórica capa transformada em cartazes de rua e
material publicitário, e que afirmava que Lula e Dilma estavam implicados no “Petrolão”,
com a tenebrosa manchete da delação do doleiro Alberto Youssef : ELES SABIAM DE TUDO.
A capa VJ7 (24/01/18) propõe um Lula irritado, mas com o irônico sorriso esboçado e
vestuário sugerindo poder, sustentado pelos 3 juízes que o julgarão. Embora pequenos, estes
são mais fortes do que ele, como antecipa Veja com o veredicto LULA A UM PASSO DO
ABISMO. A capa indica que o leitor poderá saber o perfil dos juízes que o levarão ao
“abismo”, metáfora que associa a decisão destes sobre o futuro do ex-presidente, já que “que
poderá perder o direito de ser candidato ao Palácio do Planalto”. O julgamento, o perfil e o
abismo de Lula parece residir nesta impossibilidade.
5.2.2 Revista Época
A capa EP5 (23/12/17) é de uma edição Especial “Retrospectiva” onde expõe a
imagem do QUINTETO QUE SACUDIU O ANO. Com tratamento gráfico em desenho, coloca nas
mesmas dimensões a Joesley Batista (empresário JBS) que “quase derrubou o governo”; Tite
(treinador da seleção brasileira) “que devolveu o Brasil ao topo do futebol mundial”; Donald
Trum (presidente dos EUA) “que bagunçou o equilíbrio global”; Jair Bolsonaro (deputado
federal) “que comandou o lado mais barulhento da guerra cultural que mobilizou o Brasil”, e
Lula (ex-presidente) “que resistiu até agora à Lava Jato para se tornar o principal cabo
eleitoral da próxima campanha”. Mesmo com o grafismo que o torna o mais abatido dos
cinco, Lula recebe a indicação e suscita o medo quanto a sua candidatura.
O impacto da capa EP6 (27/01/18) é a tradução literal de um homem sem rosto, sem
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identidade, portanto incapaz. A imagem mostra apenas uma parte do corpo de Lula com a
manchete LULA NÃO ACABOU e o texto de apoio “o papel nas eleições do ex-presidente
condenado”. O fundo preto da capa permite estabelecer uma relação de luto que se estende às
manchetes “Os companheiros” que anuncia a crônica assinada sobre o “acampamento pró-
PT”, e ao “Fugitivo”, “o homem que conseguiu escapar de Moro. Se as manchetes respondem
à objetividade jornalística, o rosto interrompido, cortado, mutilado desequilibra e mostra que
Lula está pela metade nas eleições.
5.2.3 Revista IstoÉ
A imagem da capa IE5 (14/07/17) é lúgubre onde, mesmo sem rosto, Lula pode ser
identificado por suas orelhas, mas sua pele lembra a cor de um cadáver. As mãos no rosto
mostram tristeza e vergonha. Este é o posicionamento explícito da revista que o condena e
incita o leitor a decidir pela manchete VOTARIA EM UM CONDENADO PARA PRESIDENTE?
A linha de apoio “Lula quase lá” faz uma referência direta à campanha de 2002 que o elegeu
com slogan “Lula Lá”, mas perversamente associado ao selo “9 anos de prisão”. Lula, enfim,
chegou lá, à prisão.
A capa IE6 (04/08/17) é alusiva às eleições 2018 e traz João Doria como um líder,
com aparência de alguém de sucesso, confiante e bem vestido, em oposição a Lula. Apesar da
tentativa de expurgar o ex-presidente da disputa, a manchete reitera sua força: NASCE O
ANTI-LULA. Em box, a revista diz que Doria é “a maior novidade da política brasileira e se
consagra como adversário direto do líder petista Lula”. É a primeira vez que a revista se
refere a Lula sem desqualificá-lo, mas aproveita para associá-lo às “velhas práticas do poder,
corrupção e os desvios condenáveis que dominam Brasília”.
5.3 O Judiciário em pauta, nas capas
A indicação da imprensa — representada nas capas das revistas Veja, Época e IstoÉ
— sugere o modo de pensar sobre o criminoso Lula e o perigo de sua candidatura. Ao mesmo
tempo, as revistas também julgam e expõem o Judiciário. Uma passagem rápida pelos títulos
permite apreender estratégias que ora colocam em dúvida a capacidade da Justiça de julgar ,
ora a valorizam, conforme mostra o Quadro 4.
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As capas que são difamatórias atacam pessoas fundamentais ao funcionamento do
sistema judiciário, como Gilmar Mendes (VJ8 e IE10) e Rodrigo Janot (IE8). Veja critica
decisões de Gilmar sob o título “O juiz que discorda do Brasil”, ou seja, o país inteiro
concordaria com as decisões da Lava Jato. Istoé aborda outro aspecto da idoneidade de
Gilmar que seriam duvidosas transações econômicas associadas a uma universidade. Já
Rodrigo Janot (capa IE8, sacrificado como São Sebastião) é acusado de envolvimento com a
empresa JBS delatora na Lava Jato.
Revistas VJ8 - 30/08/2017 VJ9 - 25/10/2017 VJ10 - 29/11/2017
Capas de
VEJA
CAPAS
DE
ÉPOCA
EP7 - 05/08/2017 EP8 - 30/09/2017 EP 9 - 21/10/2017
Capas de
ISTOÉ IE7-18/08/2017 IE8-07/09/2017 IE9 -01/09/ 2017 IE10 -15/12/2017
QUADRO 4 – Sistema Judiciário na capa FONTE : Autoras e site das publicações (maio de 2018)
O poder das instituições da justiça é colocado em dúvida. A seriedade dos julgamentos
do STF é questionado por Época pelas manchetes “Supremo Fraturado” (EP9) e “A Justiça
Piscou” (EP8), alusivas às tentativas de controlar, de cercear as ações da Lava Jato. Na Istoé
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(IE7), a instituição Ministério Público é colocada sob suspeita, com a denuncia de “O
esquema do PT no Ministério Público”.
A valorização da duvida proposta nas capas quanto às decisões da Justiça em
desacordo com a Lava Jato é fortalecida pelas imagens do senador Aécio Neves na Veja
(VJ9). O tucano é apresentado com gesto de deboche, já que conseguiu ser absolvido de
inúmeras acusações no Legislativo e Judiciário, e assim “Avança o acordão da vergonha”.
Em sintonia, a capa (EP7) do ex-deputado federal Eduardo Cunha, preso pela Lava Jato,
atribui ao juiz Moro um poder desmesurado: “Moro queria destruir a elite política.
Conseguiu”.
Sobre as mudanças que a Lava Jato provocou no Brasil, duas capas são indicativas. A
primeira é a Veja (VJ10), cuja capa apresenta o estereótipo do homem de sucesso para se
referir aos “Novos ricos da Lava Jato”, profissionais e advogados dos acusados pela
Operação.
Por último, a capa da Istoé (IE9) que promove um filme sobre a Lava Jato, mas
recupera sua importância histórica ao afirmar “Lava Jato, o filme — A realidade supera a
ficção” e uma linha de apoio “ A investigação que mudou o país”.
Embora outras personalidades políticas estejam ainda mais implicadas e sejam
potencialmente culpadas, as práticas ilícitas denunciadas estão vinculadas a Lula por todas as
revistas, que antecipam a condenação sem questionamentos. A análise específica de cada
capa expôs diferentes universos semânticos mobilizados pelas publicações, a fim de oferecer
aos leitores horizontes de interpretação quanto ao Lula (réu e candidato, mas criminoso) e à
Operação Lava Jato em sua jornada moralizadora.
5.4 O júri das capas
Veja - De maneira geral, o agenciamento dos elementos textuais e visuais nas capas
de Veja sugere a existência de uma classe política criminosa, sendo Lula o maior exemplo. A
desconfiança e o cinismo em relação ao conjunto do aparato institucional político e
democrático são reforçados pelas palavras escolhidas para designar os representantes
políticos. “Quadrilha”, “ladrão” e “vergonha” são alguns dos termos usados para falar dos
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desvios de comportamento dos políticos, indicando uma imagem negativa da classe política
em geral, que se torna alvo potencial dos porta-vozes da justiça
Nesta direção, salientamos as controvérsias em torno das decisões e posicionamentos
dos diferentes atores implicados nas investigações. Duas questões chamam particularmente a
atenção: as críticas em relação ao juiz e ministro do STF, Gilmar Mendes, por um lado, e, por
outro, a espetacularização das “delações” das personalidades condenadas no quadro das
investigações, em vistas de uma diminuição da pena. Do mesmo modo, a utilização da
palavra “bomba” para designar o testemunho de Antônio Palocci, sobre o suposto
financiamento estrangeiro de Muamar Kadafi na campanha em 2002, tornam visíveis os
esforços em apagar a natureza contestável das delações premiadas. Em meio às acusações, os
enquadramentos apontam para um cenário no qual Lula é protagonista da disputa presidencial
em 2018, em oposição a Jair Bolsonaro e ambos (radicais) teriam Dória como opção
equilibrada.
IstoÉ - A condenação do ex-presidente e o desgaste da sua imagem pública são
sistematicamente utilizados pela revista nos meses subsequentes à sentença em primeira
instância, apostando na carga simbólica do termo "condenado". A publicação contrapõe a
credibilidade do juiz (portador da verdade) à legitimidade democrática, interpelando o leitor
quando pergunta “Você votaria em um condenado à prisão para presidente?”. Com um tom
inquisidor, IstoÉ tenta responsabilizar, o leitor-cidadão em relação a essa perigosa e possível
candidatura.
A força mobilizadora da Lava Jato traduz-se também por seu caráter espetacular e
pelo tratamento sensacionalista das ações reveladas, cada denúncia, investigação ou decisão
parecendo um novo episódio de uma série policial. Através da metáfora do cinema e a
distribuição de papéis entre mocinhos e vilões, fornece a matriz necessária à compreensão da
intriga. A imagem de um homem vestindo um terno que segura notas de cem reais com as
mãos algemadas representa a Lava Jato como “a investigação que mudou o país” e representa
a esperança de um final feliz para os brasileiros.
Época - O anúncio da condenação de Lula é compreendido como o inicio de algo
novo, visto que é o “primeiro ex-presidente condenado por corrupção” é apresentado em sua
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fragilidade e periculosidade para a classe política e isso contriobui para a deterioração da vida
pública.
A condenação do líder político (reconhecido internacionalmente) é mobilizada como
símbolo de uma primeira grande vitória da cruzada moral. Sob esse prisma, a midiatização
das delações premiadas, apesar da efemeridade e controvérsias movimentam as mídias e
redes sociais, interpelando e oferecendo argumentos ao leitor-cidadão.
A isso, acrescenta-se o não-consenso entre os magistrados do STF encarregados de
julgar em última instância os acusados com foro privilegiado como ressalta Época onde
“decisões individuais” e “interesses privados” pioram o caos político. São colocadas em
questão, as relações de força entre agentes em diferentes posições no campo jurídico.
A exemplo das demais revistas, os impactos da condenação de Lula nas eleições
presidenciais de 2018 são destacados e problematizados. Época insiste na ideia de uma
possível “morte política” do ex-chefe de Estado após a decisão de 12 de julho de 2017 e após
outras contravenções que poderão ser a ele atribuídas por seus antigos “comparsas” amigos.
Considerações Finais
Este artigo ousou apresnetar uma análise dos enquadramentos midiáticos propostos
por três revistas brasileiras da operação Lava Jato,dando-lhes à luz das discussões sobre o
fenômeno da judicialização da política nas democracias contemporâneas e do papel do
jornalismo e das mídias na formação de esquemas interpretativos da realidade. A análise
dessas capas contribui para a reflexão sobre a construção de um imaginário político de
desqulaificação da política, de partidos que constrói um terreno fértil ao discurso moralista .
Analisamos um período limitado, mas o acompanhamento sobre o oferecimento de
interpretações ao leitor das prinicpais referências jornalísticas pode ser entendido
hipoteticamente como como pedagógico para os resultados das eleições de 2018.
Ressaltamos, também, a questão do paradoxo da visibilidade quando os benefícios do
sistema jurídico esatão também dependentes da vibilidade desejada no âmbito privado por
seus atores. A influência da lógica midiática e seus efeitos sobre as instituições jurídicas é
inegável. A queda da legitimidade da política contrapõe-se, assim, à valorização do juiz, cada
vez mais “investido de um papel social sem precedentes, que ameaça sua imparcialidade e
capacidade de produzir regulação social” (BENOÎT E PUJAS : 2003, p.98).
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Sob este prisma, o fenômeno da judicialização da política encontraria no tratamento
jornalístico da justiça uma das suas explicações, visto que as decisões judiciárias se tornam
vereditos gerais sobre instituições e atores do espaço público. Essa conclusão deve-se a duas
questões principais, ambas ligadas aos pontos de contato entre esses dois campos de atuação
na construção dos discursos e percepções públicas sobre a política. O tratamento da
condenação de Lula e o desenrolar dos processos jurídicos sob o prisma do escândalo se
inscreve na dimensão na qual argumentos políticos, jurídicos e jornalísticos disputam as
definições de sentido dado à Lava Jato e à condenação de Lula. Tendo o jornalismo como
álibi, esta ultima acaba por impor suas próprias definições de justiça.
O estudo de caso proposto nesse artigo faz parte do programa de pesquisa sobre a
autonomia das mídias como espaço de construção de representações da realidade social a
partir da proposição de esquemas interpretativos quanto a temas, instituições, atores e
acontecimentos públicos. A crescente potência do poder judiciário nas últimas décadas no
espaço público brasileiro e suas relações com os jornalistas de grandes mídias nacionais
fornecem elementos interessantes para pensar a renovação do corpo jurídico e às estratégias
de legitimação de seus atores. Em disputa, a verdade.
ta
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