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Departamento de Ciências Sociais
A ESCOLA E O MUNDO DO ALUNO
Aluna: Mariana Junqueira Camasmie
Orientador: Marcelo Burgos
Apresentação
O projeto Gestão Escolar e Territórios Populares, de cuja equipe faço parte,
tem sido realizado por 10 pesquisadores, estudantes de graduação e de pós graduação em
Ciências Sociais, além de contar com a participação do coordenador, professor do
Departamento de Ciências Sociais, e de três professores da rede pública de ensino. O projeto
abrange as escolas públicas de ensino fundamental do entorno da PUC-Rio, cujos estudantes
são, em sua grande maioria, moradores de favelas da região, especialmente da Rocinha. Em
seus objetivos mais gerais o projeto vem estudando a relação das escolas públicas com o
“mundo dos alunos”, e uma das formas de abordagem empírica dessa relação foi a observação
das reuniões de pais realizadas pelas escolas ao longo de 2012.
Durante o ano de 2012, até julho de 2013, o projeto propiciou à nossa equipe diversas
atividades rotineiras, como seminários semanais de leitura, dos quais resultaram resenhas
escritas pelos participantes, encontros quinzenais de um núcleo de estudos envolvendo
estudantes de graduação e pós- graduação, e reuniões semanais do grupo ampliado do projeto
para discussão do material empírico levantado pela pesquisa.
Nossa equipe também organizou e realizou, em parceria com a equipe de Educação
Física da PUC-Rio, o Festival das Escolas da Gávea/Rocinha, voltado para estudantes das
escolas públicas e particulares, localizadas nesses bairros.
Além dessas atividades, a equipe realizou durante esse período, um conjunto de
pesquisas empíricas complementares, a saber:
- observação dos usos das Praças Santos Dumont e Sibélius, visando subsidiar um
programa de reforma urbana das mesmas, de modo que elas possam servir melhor aos
estudantes das escolas de seu entorno;
- observação dos recreios de quatro escolas contempladas pelo projeto visando o
estudo da relação entre a escola e o mundo do aluno;
- observação das reuniões de pais/responsáveis em todas as escolas contempladas pelo
projeto, com o objetivo de estudar a relação da escola com as famílias de seus estudantes. E
análise da reação dos profissionais da escola aos resultados da observação das reuniões.
Este relatório tratará especificamente dessa última pesquisa, cuja sistematização e
análise dos dados ficaram sob minha responsabilidade. Pretendo, com isso, complementar a
análise dos dados apresentada no relatório de 2012, incluindo, agora, além do material
consolidado das observações das reuniões, a reação dos profissionais das escolas aos dados
por nós levantados, o que permitiu uma reflexão sobre o senso comum escolar a respeito das
famílias populares, no caso, quase todas moradoras de favelas.
Esse material empírico e sua análise serão consolidados em um capítulo de um livro a
ser publicado em 2014, e em minha monografia de conclusão de curso.
Ao final da exposição da pesquisa, apresento, em anexo, uma versão resumida das
resenhas dos textos que dialogam de forma mais clara com a pesquisa aqui apresentada.
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Introdução
Nosso projeto está fundado na hipótese de que o processo de massificação das escolas
públicas brasileiras, tal como estudado por Mônica Peregrino, tem sido acompanhado pela
“desinstitucionalização” e “desescolarização" da escola. Segundo Peregrino, a chegada
maciça dos pobres à escola trouxe junto novas responsabilidades que fizeram com que a
escola fosse obrigada a assumir aquilo que a autora define como a “gestão da pobreza”. Ao
lado disso, uma das características mais proeminentes dessa escola pública é o fato de que ela
mantém uma relação assimétrica com o que temos chamado de “mundo do aluno”, o que se
reflete de muito nítido no padrão de relação com as famílias. Além disso, Peregrino apresenta
como sendo fatores que levaram à perda da capacidade reguladora da escola, a
“desinstitucionalização” e a desestruturação do corpo escolar, caracterizadas pela
precarização do prédio e de seus equipamentos, e pelo empobrecimento de sua estrutura
administrativa com a supressão de diversos cargos e funções [1].
Uma das consequências mais importantes desse processo de precarização institucional
apontado por Peregrino diz respeito à baixa qualidade da relação da escola com as famílias
populares. Na observação das reuniões de pais que realizamos ficou claro que a relação das
escolas com as famílias dos estudantes é permeada por um padrão de interação que não
favorece o diálogo, reiterando, desse modo, aquilo que Alain Touraine define como uma
escola que se vê mais como instrumento de mensagem do que como espaço de comunicação.
A lembrança de Touraine vem ao caso, pois o sociólogo francês defende a organização
de um novo modelo de escola, que denomina como escola do sujeito, que tem como uma de
suas principais características a atribuição de importância à comunicação entre a escola, os
estudantes e suas famílias. Diversamente da educação clássica, a concepção de educação na
escola do sujeito deve estar voltada para a “liberdade do sujeito pessoal, para a comunicação
intercultural e para a gestão democrática da sociedade e das suas mudanças”. (Pag. 321)
Touraine ressalta o fato de que é importante que, principalmente as escolas frequentadas por
estudantes de nível social mais baixo, se tornem escolas da comunicação, até porque, segundo
o autor, um dos efeitos mais graves da falta de comunicação costuma ser a difusão de práticas
violentas. De modo que a escola se fortaleceria caso fosse envolvida por uma rede de
comunicação ligando-a a outros atores da própria administração pública e da sociabilidade
dos estudantes [2].
Como indica o sociólogo português, Pedro Silva, essa pobreza de diálogo com as
famílias não é um problema exclusivamente brasileiro, estando presente em maior ou menor
medida em outros contextos nacionais, na medida em que remete ao padrão de relação do
Estado com a sociedade. Silva cita o sociólogo britânico Philip Brown e sua teoria sobre a
relação escola-família. Para Brown, apesar da aparente ênfase na participação da família, que
produziu uma espécie de “ideologia da parentocracia”, o que efetivamente ocorre é uma
“Estadocracia”, que paradoxalmente acaba por reforçar as desigualdades sociais, na medida
em que mais do que propriamente reforçar o poder dos pais, estaria em jogo uma transferência
de responsabilidade para as famílias pelo sucesso ou insucesso escolar. Dessa maneira, as
famílias acabam levando a culpa pelas falhas existentes nas políticas estatais [3].
Isso explicaria, segundo Pedro Silva, o fato de ser comum, as escolas adotarem como
prática na sua interação com as famílias um “monólogo alternado”, no qual somente os
professores e diretores falam, e se os pais chegam falar não são ouvidos, pois os profissionais
voltam ao mesmo assunto como se nunca tivessem sido interrompidos ou questionados.
Ao analisarmos os dados de todas as observações feitas sobre as reuniões de pais, a
equipe concluiu que elas tem sido, na maioria dos casos, dominadas por informes a respeito
de serviços burocráticos, como por exemplo o Bolsa Família, Cartão Família Carioca ou Rio
Card. Esse tipo de situação remete a uma outra ordem problemas que, de um lado, tem a ver
com aquilo que Peregrino denomina “gestão da pobreza”, na medida em que a escola se vê
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apropriada por demandas oriundas de outros setores do governo, exatamente por ser a agência
que tem uma relação mais direta e mais abrangente com o mundo popular. E de outro, com
uma apropriação indevida do espaço escolar, que, como já sustentava Durkheim, leva à sua
fragilização.
Embora reconhecesse que o Estado deve atuar diretamente na gestão da educação,
Durkheim, como se sabe, condenava a transformação da escola em um braço estatal, e que
qualquer ação nessa direção colocaria em risco a autonomia que a escola deveria ter em
relação à política e seus partidos. A escola, afirma Durkheim, não deve se posicionar a favor
ou contra políticas estatais perante os alunos e suas famílias, “a escola não deve ser coisa de
um partido” (pag. 64) [4].
Mas nossa pesquisa também procurou explorar a reação dos profissionais das escolas
aos principais resultados encontrados pela observação das reuniões, o que nos permitiu
interpelar o senso comum escolar.
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, com a colaboração do professor Tim May,
apresenta diversas formas de como lidar com o senso comum. Para elucidar melhor a íntima
relação entre a sociologia e o senso comum, Bauman diz que, diferentemente dos sociólogos,
os físicos, químicos e astrônomos, não têm porque se preocupar com os problemas do senso
comum, que por sua vez tem a ver com as experiências cotidianas, como por exemplo, a vida
escolar com que temos trabalhado. Entretanto, os assuntos abordados por essas áreas acima
citadas são comuns a todos, pois está implícito na vida de cada um através das experiências e
das relações com as práticas do dia a dia, por isso Bauman e May afirmam que esses temas
oferecem matéria-prima para a investigação sociológica.
A relação entre a sociologia e o senso comum é permeada por um tipo de tensão vivida
por nossa equipe durante as inserções e apresentações realizadas nas escolas, apesar de
sempre bem recepcionados. Pois como ambos explicam, “o poder do senso comum depende
da autoevidência de seu caráter, isto é, do não questionamento de seus preceitos e de sua
autoconfirmação na prática”. (Pag. 24) E essa foi uma das vertentes de nossa pesquisa nas
escolas; tendo o nosso trabalho se voltado para desfamiliarizar o familiar, levantando questões
e suscitando o debate sobre assuntos que não estavam sendo colocados sobre a mesa pelos
profissionais das escolas, pelo simples fato de que o senso comum faz parte de um cotidiano
em que as situações se repetem e, segundo Bauman, “quando repetimos com suficiente
frequência, os fatos tendem a tornar-se familiares, e o que é familiar costuma ser considerado
autoexplicativo: não apresenta problemas e pode não despertar curiosidade”. (Pag. 24) [5]
Ao confrontar a abordagem sociológica com o senso comum escolar foi possível
mapear os pontos mais arraigados da visão corrente entre os profissionais sobre as famílias de
seus alunos.
Esses são os pressupostos que nortearam a leitura do material produzido a partir da
observação das reuniões de pais.
Objetivos
O principal objetivo desse trabalho é o de analisar os dados produzidos pelas
observações das dezoito reuniões de pais em que membros da equipe da qual faço parte
estiveram presentes. O material produzido foi objeto de discussão coletiva com a equipe, e
sua leitura trouxe importantes achados de pesquisa para a análise dos padrões de relação da
escola com a família, contribuindo também para a reflexão de aspectos diretamente
relacionados com a gestão escolar.
Além disso, também pretendo analisar o material produzido pela reação dos
profissionais das escolas aos dados resultantes das observações das reuniões de pais.
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Metodologia
Ao longo de 2012 foram realizadas dezoito observações, duas em cada uma das nove
escolas contempladas pelo projeto “Gestão Escolar e Territórios Populares”. A observação
das reuniões obedeceu a um roteiro comum que teve como parâmetros a atenção a aspectos
relacionados à organização e dinâmica da reunião, ao conteúdo dos assuntos tratados, bem
como às formas de relação entre profissionais e responsáveis pedagógicos. É importante
ressaltar ainda que o material produzido em campo foi exaustivamente discutido por toda a
equipe, o que permitiu uma apreensão mais precisa dos aspectos comuns e dos aspectos
peculiares encontrados em cada caso.
A partir dessas discussões em equipe foi possível construir uma apresentação
padronizada para ser levada às escolas, com o intuito de observar a reação de seus
profissionais. Essa atividade teve dois objetivos: servir como atividade de extensão,
devolvendo às escolas o conhecimento produzido sobre elas; e como atividade de pesquisa,
voltada para a identificação e compreensão dos pontos mais arraigados do senso comum
escolar em sua percepção sobre a família de seus alunos.
Para tanto, contamos com o esforço e participação de toda a equipe, já que algumas
apresentações tiveram que ser feitas no mesmo dia e horário, aproveitando-se do espaço de
discussão oportunizado pelo “centro escolar” (nome dado à atividade realizada na mesma data
por todas as escolas da rede municipal, e que volta para a discussão coletiva de assuntos
relacionados à dinâmica escolar.) Ao todo foram feitas sete apresentações em seis escolas, já
que em uma delas expusemos os dados para professores de cada turno escolar. Cerca de 80
profissionais dessas escolas foram alcançados pela atividade.
Conclusões
Para apresentar as duas fontes de dados levantados pela pesquisa de forma articulada, a
exposição de suas conclusões obedecerá ao seguinte andamento: os resultados da observação
das reuniões de pais serão apresentados por meio dos slides organizados pela equipe para sua
exposição nas escolas. E para cada slide apresentarei os aspectos mais importantes da reação
que os slides provocaram nos profissionais das escolas. Ao final, farei uma reflexão mais
geral a respeito do senso comum escolar.
Levamos às escolas uma apresentação padrão organizada em 10 slides, os quais foram
objeto de discussão com os profissionais da escola. Vale ressaltar que a equipe teve todo o
cuidado de preparar uma apresentação que não afrontasse os profissionais com os dados
apresentados, mas que ao mesmo tempo suscitasse o debate.
De maneira geral os pesquisadores que realizaram as apresentações nas diversas escolas
foram bem recebidos, e, quanto à apresentação em si, em sua grande maioria os profissionais
das escolas reagiram bem às críticas e reflexões feitas através dos dados coletados pela
equipe. Com exceção de duas escolas, em que as críticas não foram bem aceitas, pelo fato de
não terem sido vistas como críticas construtivas e sim como uma afronta à escola e seus
profissionais.
Os primeiros slides, de apresentação dos objetivos e da metodologia da pesquisa,
suscitaram reação entre profissionais de apenas uma das escolas, conforme descrito
a seguir:
A professora indagou ao pesquisador se a pesquisa havia realizado um
levantamento do número de pais presentes nas reuniões, pois achava importante
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ter essa ordem de grandeza, já que para ela o número de pais presentes seria
sempre menor do que o necessário para a escola.
Esse tipo de reação chamou nossa atenção, pois embora não tivéssemos produzido
dados quantitativos foi possível observar que, em alguns casos, a quantidade de responsáveis
era tão grande que faltou até mesmo lugar para acomoda-los. De todo modo, esse tipo de
comentário é bastante recorrente no senso comum escolar, que tende a valorizar mais a
ausência do que a presença dos responsáveis. Ao invés de aproveitar a oportunidade de ter os
responsáveis presentes na escola, eles reclamam que são poucos, e não é raro que costumem
reclamar com os próprios pais que se prontificaram a estar ali.
Após a apresentação dos slides de introdução, o 4º slide, apresentado a seguir, tratava
de aspectos da estrutura e dinâmica da reunião de pais, chamando a atenção para a
pontualidade, recepção e sinalização:
Com relação ao tópico da pontualidade, somente o profissional de uma das
escolas se manifestou, e exatamente uma das que incorreu no maior atraso para
iniciar a reunião de pais. Ele afirmou o seguinte: “Ninguém é obrigado a
trabalhar sábado”, fazendo referência à imposição da SME (Secretaria Municipal
de Educação), que é quem estabelece o calendário de quatro reuniões anuais aos
sábados.
Com relação ao tópico da recepção, houve alguma reação defensiva por parte de
profissionais de escolas que não se preocuparam com esse tipo de recepção. Em
geral, procurando justificar a ausência desse tipo de providência, alegando que
não iriam tirar mantimentos da merenda dos alunos para esse fim. Em outros
casos, também foi lembrado que pelo fato de a reunião ser realizada aos sábados
e os profissionais não serem obrigados a participar, a escola não conta com o
número necessário de profissionais para ter uma melhor recepção. A propósito,
alguns profissionais chegaram a comentar que a SME oferece um pró-labore aos
profissionais da escola para que eles compareçam às reuniões de sábado, mas
que mesmo assim as escolas contam com pouca assiduidade.
A falta de sinalização ou de auxiliares para indicar as salas onde seriam
realizadas as reuniões também foi justificada pela maioria das escolas pelo fato
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de contarem com poucos profissionais dispostos a trabalhar aos sábados. E em
uma das escolas um dos profissionais chegou a afirmar que a falta de orientação
não chega a fazer muita diferença, pois, segundo ele, a maior parte dos pais “não
se importam. Eles vêm somente para assinar e vão embora”, fazendo referência à
assinatura de presença na reunião que seria importante para receber benefícios
como o Bolsa Família. O mesmo profissional afirmou que, em muitos casos,
“os responsáveis não sabem o nome do filho, não sabem o nome da professora.
Isso (não saber o nome do filho ou o nome da professora) é uma questão que
acontece o ano inteiro. A gente convoca para a reunião e eles não vêm. E tem
ainda “os que entram na escola errada...” Importante notar que essa intervenção
foi feita por um professor de uma escola que, na reunião por nós observada, teve
boa parte de seu tempo dominado por falas de uma agente comunitária de saúde
e de policiais da UPP, que trataram de assuntos ligados aos programas de saúde
e de segurança pública. Essa reunião, portanto, praticamente não contou com a
presença de professores da escola.
Outros profissionais, em outras escolas, também lembraram que muitas vezes os
responsáveis não sabem o ano escolar do aluno, o que também dificulta a sua
localização quando a reunião ocorre de forma descentralizada.
O 5º slide tratava do tipo de organização das reuniões, as quais caracterizamos como
centralizadas e descentralizadas, conforme a seguir:
Tipos de organização das reuniões:
Centralizada
Conduzida apenas pelo(a) Diretor(a), em alguns casos na companhia do(a) Diretor(a) Adjunto(a) ou do(a) Coordenador(a) Pedagógico(a).
Descentralizada
Em um primeiro momento é conduzida pelo(a) Diretor(a) – ou por alguém da administração da escola. Em geral, é feita uma saudação aos responsáveis e uma rápida fala de abertura. Em seguida, os responsáveis se dividem em salas onde são realizadas reuniões conduzidas por professores. Em alguns casos a reunião foi organizada por turma mas na maioria das situações observadas prevaleceu o critério do ano escolar.
Obs 1: A maioria das reuniões observadas foi realizada de modo descentralizado;
Obs 2: As reuniões centralizadas apresentaram menos conforto aos responsáveis que as descentralizadas, devido a falta de espaço apropriado (muitos responsáveis tendo que ficar em pé), e por vezes sérios problemas de acústica que prejudicaram muito a comunicação.
Neste caso os profissionais da escola não se pronunciaram.
O 6º slide falava dos aspectos da comunicação durante as reuniões, onde levantamos
tópicos como a falta de pauta para as reuniões e a falta de abertura para o diálogo
com os pais. Também apresentamos alguns fatores que estariam contribuindo para a
baixa abertura ao diálogo com os pais.
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II – ASPECTOS DA COMUNICAÇÃO
Apenas em poucos casos as reuniões foram precedidas pela apresentação da pauta de
assuntos que seriam tratados.
Em sua esmagadora maioria as reuniões não propiciaram um diálogo com os
responsáveis.
Diversos fatores contribuem para isso: problemas de espaço/acústica; falta de pauta;
falta de previsão de um tempo específico para o debate.
Também se notou uma certa tendência de reprodução na relação com os pais do tipo
de relação pedagógica existente com os alunos, o que pode trazer o risco de
infantilização dos responsáveis por parte dos profissionais da escola.
Outro aspecto que contribuiu para dificultar a comunicação é o fato de que os
profissionais da escola são obrigados a tratar de programas institucionais como Bolsa
Família, sobre os quais nem sempre detinham as informações necessárias para passar
aos responsáveis.
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Com relação à falta de pauta estruturando as reuniões, algumas das escolas que
não a apresentaram aos responsáveis, reagiram de forma defensiva, inclusive
criticando a equipe de pesquisadores de não estarem no dia a dia da escola, não
tendo participado da preparação para a reunião para dizer se foi feita ou não uma
pauta. Já as escolas em que foi apresentada uma pauta aos responsáveis não se
pronunciaram sobre o assunto.
Com relação à baixa abertura ao diálogo ou a falta dele e a infantilização dos
pais, houve muitas manifestações na maioria das escolas. Uma professora
afirmou: “Muitas vezes a gente tem que descer mesmo, os pais não sabem a
turma, nada”. Outro docente: “O pai tem pouca escolaridade”. “E o boletim da
SME é difícil, tentamos esclarecer”. Em outra escola uma profissional comentou
que os pais se sentem inibidos com a presença dos professores nas salas e por
isso não tem diálogo, além do pouco interesse que os responsáveis, segundo ela,
têm pela reunião. Houve um caso em que se afirmou que pelo fato de os pais não
“terem mais saco de ouvir as mesmas reclamações sobre os filhos”, a escola
muitas vezes opta substituir o diálogo pela apresentação de “tópicos” que
permitiriam expor os problemas de forma mais sintética, reduzindo assim a
conversa a uma exposição esquemática e fechada. Em uma escola uma
professora nos interpela: “Não tratar os pais como adultos?” E ela mesma
responde: “Os pais não têm uma base para falar com os professores. Temos que
explicar coisas que não deveríamos. Os pais não têm vocabulário”.
Essas reações, portanto, tendem a definir um ponto importante do senso comum
escolar, justificando a forma assimétrica com que tratam os responsáveis, que
admite até mesmo a necessidade de infantiliza-los.
Importante registrar, no entanto, que muitos profissionais recusaram esse tipo de
consideração, demonstrando assim uma postura crítica em face de seus colegas
por esse tipo de postura.
Os slides 7 e 8 contemplavam os tipos de uso das reuniões de pais, os quais
caracterizamos como pedagógicos e não- pedagógicos. Os não-pedagógicos se
desdobram em assuntos institucionais e burocráticos:
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III - TIPOS DE USO DA REUNIÃO
Identificamos dois tipos de uso das reuniões:
pedagógicos e não-pedagógicos (que se desdobra em assuntos institucionais e burocráticos)
Tipo 1 – pedagógico
Entre os Assuntos Pedagógicos os mais frequentes foram:
boletim, desempenho, disciplina, assiduidade .
Obs: Foi observado com muita frequência que os profissionais da escola tentam persuadir os responsáveis a colaborar com a educação necessária para atender às exigências da rotina escolar. Nem sempre deixando claro a responsabilidade da própria escola.
III - TIPOS DE USO DA REUNIÃO
(CONT.)
Tipo 2 – não pedagógicos
2.1 – Usos Institucionais: Informes de programas sociais:
os mais frequentes foram programas tais como o Cartão Família Carioca, o
Bolsa Família e o Rio Card.
Obs: Em alguns casos esses informes tomaram muito tempo, fazendo com que
muitos responsáveis ficassem dispersos, pois com exceção do Rio Card a
maioria dos responsáveis não é contemplada pelos programas sociais.
Obs 2: Os problemas observados na comunicação de programas institucionais
sugerem que esse tipo de atribuição é experimentado como invasivo por parte
dos profissionais da escola.
Obs 3: Também foram observados outros usos de tipo institucional das
reuniões, como palestras sobre aspectos de higiene e saúde e de segurança
pública (questão das UPPs).
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III - TIPO DE USO DA REUNIÃO (CONT.)
2.2 – Usos Burocráticos
Uma parte – em alguns casos significativa – das reuniões costuma ser
ocupada por demandas burocráticas, tais como assinatura de
boletins, de lista de presença, ou ainda preenchimento de cadastros
para fins dos programas institucionais.
Obs: em alguns casos notou-se que esse tipo de uso da reunião gerava
ansiedade não apenas entre os profissionais da escola mas também
entre os responsáveis. Por exemplo quando os responsáveis optavam
por ir para uma fila assinar algum documento antes mesmo do
encerramento da reunião.
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Na reação a esses slides todas as escolas reagiram de modo a concordar com a
caracterização feita por nossa equipe, de que as reuniões acabam quase sempre
sendo tomadas por assuntos não pedagógicos. Em quase todos os casos alegaram
que isso ocorre por imposição da SME, que obriga que se trate dos assuntos
burocráticos e institucionais. Apesar disso, notamos diferenças entre as escolas
e, embora muitas aleguem estar engessadas pelas imposições superiores não
tendo como fazer diferente, verificamos que em alguns casos as escolas
conseguiram organizar o tempo da reunião, abordando com isso diferentes
assunto, tais como como o problema do uso não controlado da internet por parte
do aluno, a questão da sexualidade, e também assuntos mais escolares como
assiduidade, atrasos e boletim.
Em relação à observação que fizemos de que os profissionais da escola tendem
muitas vezes a repassar problemas educacionais para os responsáveis, um
profissional de uma das escolas reagiu da seguinte forma: “Essa é uma visão (da
pesquisa) pontual que não corresponde à realidade... Esta é uma escola que faz
muito mais que deveria e os pais que participam são minoria. Os pais não têm
responsabilidade. Vocês deveriam saber quantos pais vêm à reunião para que
vocês tenham resultados mais fidedignos. A criança tem que vir educada para a
escola. Os pais não fazem o básico. A escola lida com alunos que não foram
feitos pela escola. Os pais vão para a reunião por obrigação. A sociedade repassa
a responsabilidade para a escola. Culpabilização da escola”. E questionando o
termo por nós utilizado, o mesmo professor concluiu: “Isso não é persuadir é
conscientizar.”. Uma professora comenta: “Isso não é uma responsabilidade da
escola e sim da sociedade. Há uma perda de valores na sociedade. Isso está em
toda a sociedade, a família está muito ausente”.
Esse tipo de fala não é exclusiva do senso comum escolar. Como já demonstrou o
sociólogo argentino, Nestor López, é comum as escolas latino-americanas por ele estudadas
esperarem “alunos já educados”. Contra essa expectativa, López destaca que a escola não
deve pressupor um aluno já educado. Para chamar a atenção para esse tipo de problema, o
sociólogo argentino formula a noção de educabilidade, que pretende dá conta da distancia
entre o aluno “real” e o aluno “ideal” comumente esperado pelas escolas. Quanto maior essa
distancia menor seria a educabilidade, e vice e versa.
Segundo López, os professores se veem limitados a exercer sua função didática por
não estarem preparados para lidar com o aluno “real”, por estarem sempre esperando o aluno
“ideal”. Isso acaba criando um afastamento do aluno e da sua família em face da escola.
Porém, os sistemas educativos não podem agir sozinhos, mas devem treinar seus professores
para que estejam preparados para situações diversas de ensino. Deve haver também um
conjunto de ações externas à escola relacionadas a políticas econômicas, sociais e culturais,
com uma sociedade criando condições para que crianças e adolescentes tenham os recursos
necessários para aumentar a educabilidade e com isso tornar o aluno “real” mais próximo do
“ideal”[6].
No último slide apresentamos as reações dos responsáveis às reuniões por nós
observadas.
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IV - AS REAÇÕES DOS
RESPONSÁVEIS
● De uma maneira geral os pais pareciam chegar com uma boa expectativa em relação à
reunião, sobretudo nas reuniões precedidas por uma recepção acompanhada de um lanche.
● Na maior parte dos casos observou-se entre os responsáveis interesse inicial pelo que estava
sendo tratado na reunião.
● Mas essa primeira reação foi em muitos casos dando lugar a manifestações típicas de
apatia/desinteresse, de pressa ou mesmo de frustração. Ainda que minoritárias, foram
observadas em algumas reuniões manifestações de indignação por parte dos responsáveis em
relação ao aproveitamento da reunião
● Muitos fatores parecem concorrer para isso, entre os quais podemos destacar: uso excessivo
da reunião para informes institucionais, e baixa abertura para o diálogo.
● Por outro lado, também se observou que uma parte significativa dos responsáveis apresentou
um desejo por informações mais detalhadas sobre o funcionamento da escola e também sobre
aspectos mais diretamente ligados ao seu filho. Mas a baixa abertura para o diálogo coletivo
frequentemente fez com que os responsáveis tivessem que abordar de maneira
individualizada o profissional da escola. Em relação a este último slide, apenas uma das escolas concordou com nossas
pontuações, de modo que ficou evidente que o grupo de professores havia
concordado com o tom geral da exposição, entendendo – a diretora a frente –
que a baixa abertura para o diálogo é sim um problema e que a escola precisa
melhorar na sua capacidade de conversar com os pais. Essa reação até nos
surpreendeu, na medida em que demonstrou abertura para a crítica ao senso
comum escolar. Nas demais escolas, diversamente, esse slide provocou reações
de desconforto em face de nossas conclusões. Um dos profissionais de uma das
escolas afirmou que os responsáveis “na prática podem ter até vontade, mas a
realidade demonstra outra coisa, o percentual de presença fica muito aquém da
solicitação que a escola faz”. Uma outra profissional enfatizou que "os pais não
assumem o papel de família para não se enrolar aqui na escola, aí só vêm mesmo
mediante de ameaça, se não, não vêm!"
De maneira geral as demais escolas não concordaram com o fato de que os pais
chegam às reuniões abertos ao diálogo, o que indica ser essa leitura do eventual
desinteresse dos responsáveis pela reunião escolar um ponto forte do senso
comum escolar.
Em pesquisa anterior realizada pela equipe, junto a um público de responsáveis por
estudantes das escolas cujas reuniões foram observadas, encontramos evidências que parecem
corroborar a observação quanto ao interesse dos responsáveis pela participação nas reuniões
escolares. Com base em um conjunto de perguntas produzimos um indicador de “presença do
responsável na escola”, e mesmo tendo sido rigoroso com a delimitação dos graus de
presença, constatamos que 60,4% teriam presença média e 6,5% alta. Na outra ponta, apenas
7,1% dos responsáveis por nós entrevistados poderiam ser considerados “ausentes” ou
“omissos” [7]. E ao que tudo indica tal predisposição se manifesta na forma pela qual os
responsáveis chegam às reuniões. Contudo, nossa pesquisa constatou que, de uma maneira
geral, essa predisposição tende a se converter em sentimento de frustração já que a reunião é
dominada por uma razão instrumental que ocupa a maior parte do tempo com informes
burocráticos relacionados a programas sociais como o Bolsa Família e outros. Até porque o
número de pais/responsáveis presentes nas reuniões observadas não corresponde e na verdade
é bem maior do que o número de pais que fazem parte do programa Bolsa Família, e de outros
Departamento de Ciências Sociais
programas como o Cartão Família Carioca (segundo nossa pesquisa apenas 12,5% dos
entrevistados estão inscritos no Bolsa Família). Portanto, mesmo se admitindo que os
responsáveis beneficiários desse programas somente acorressem às reuniões por interesses
relacionados aos programas, o que não nos pareceu ser o caso, ainda assim o fato é que para
boa parte dos responsáveis esses assuntos não lhes dizem respeito, o que torna ainda mais
grave a opção por ocupar boa parte da reunião com assuntos afetos a essas questões e não a
aspectos propriamente escolares que provavelmente são de maior interesse da grande maioria.
Além disso, as reuniões costumam ser conduzidas de modo a não permitir a interação entre
responsáveis e profissionais da escola, esvaziando assim as possibilidades de servir à
comunicação.
Com os achados de nossa pesquisa, referentes tanto ao que pudemos observar em
relação à interação entre profissionais da escola e os responsáveis que estiveram presentes nas
reuniões de pais, quanto ao que observamos em relação aos profissionais e ao senso comum
escolar, foi possível fazer uma leitura ampliada da bibliografia com que temos trabalhado ao
longo de nossas inserções nas escolas. De modo que saímos de um pressuposto e entramos em
uma esfera real, onde abrimos diversas possibilidades de estudos e de transmissão de
conhecimento através dessa interação prática-teórica.
Os aspectos observados durante as reuniões de pais, assim como os das demais
observações realizadas por nossa equipe, nos municia com mais experiência e conceitos para
que tratemos de temas ainda pouco mencionados no universo da educação brasileira. Por isso,
a reação dos profissionais das escolas em relação às nossas apresentações foi de extrema
importância para a pesquisa; fazendo-nos pensar em soluções inovadoras e transformadoras
para a realidade em que vivem não só os alunos dessas escolas e suas famílias, como também
esses profissionais que se veem muitas vezes sobrecarregados pelo fato de que além de ter que
fazer as suas atividades propriamente escolares, têm que realizar tarefas impostas pelo
governo que faz uso das escolas para apresentar serviços burocráticos de demandas
assistenciais.
Referências
1 - PEREGRINO, Monica - Trajetórias Desiguais: Um estudo sobre os processos de
escolarização pública de jovens pobres. Ed Garamond. 2009.
2 – TOURAINE, Alain – Poderemos Viver Juntos? Iguais e Diferentes. Ed Vozes.
Petrópolis 2003.
3 - SILVA, Pedro – Escola-Família, uma Relação Armadilhada. Interculturalidade e
Relações de Poder. Edições Afrontamento, Porto. 2003.
4 – DURKHEIM, Emile - Educação e Sociologia. 12 ed. Trad. Lourenço Filho. São Paulo:
Melhoramentos, 1978. 91 p.
5- BAUMAN, Zygmunt e MAY, Tim – Aprendendo a Pensar com a Sociologia. Ed Zahar,
Rio de Janeiro. 2001.
6- LOPEZ, Néstor – Equidad Educativa Y Desigualdad Social. Desafíos a la educación en
el nuevo escenario latinoamericano. IIPE – UNESCO, Buenos Aires, 2005.
7 – BURGOS, Marcelo Baumann - Escola pública e segmentos populares em um contexto
de construção institucional da democracia. Dados, Dez 2012, vol.55, no.4, p.1015-1054.
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Anexos:
Resenha do Cap. - “No Corredor” do Livro “Trajetórias Desiguais” de M. Peregrino
Este capítulo trata especificamente da fragilidade institucional e dos mecanismos de controle
da escola observada por Mônica Peregrino em uma pesquisa realizada no ano letivo de 2005,
onde estavam matriculados nesta escola 1.400 alunos para um universo de 73 professores,
porém a necessidade de professores era de 20% acima dos que já possuía. Dentro da escola
Peregrino escolheu o corredor onde ficavam localizadas diversas salas de aulas, bebedouro e
banheiros, para objeto de sua observação na tentativa de perceber os embates que envolvem
os mecanismos de regulação escolar e seus conflitos.
Diante da dificuldade inicial apresentada, Peregrino cita a dificuldade sentida pela escola em
fazer uso de suas próprias “leis e normas”, não só pelo fato de ser uma escola que está
próxima ao tráfico de drogas e geralmente é obrigada a atender ordens vindas de traficantes,
mas também por um fator visto como positivo dentro da escola que é a “ajuda da polícia” nos
difíceis mecanismos escolares, mas também em casos simples como o uso de boné, que foi
proibido pelo delegado da DP local, assim como os cabelos dos meninos descoloridos, pois
estes eram “sinais de marginalidade”. Dessa forma, a escola “não só admite como também
evoca a autoridade policial como forma de fornecer “autoridade” às suas “leis”. (P.256)
Em seu texto Peregrino apresenta como sendo fatores que levaram à perda da capacidade
reguladora da escola a “desinstitucionalização” e a desestruturação do corpo escolar, e que
mesmo com a elaboração de uma “tecnologia institucional” de controle de espaços e de
alunos, como portões com grades automáticas, câmeras, fechamento do bebedor e do único
banheiro do andar onde funciona o ginásio, existem muitas falhas, como fugas da escola e
brincadeiras no corredor nos horários de aula. Sendo assim, esse texto buscar descrever o fato
de que a escola pública no Brasil vem de muitos anos se descrevendo como uma escola de
podres e palco da “gestão da pobreza”.
A observação na escola é dividida em dois turnos que são os turnos da manhã e da tarde, e
segundo Peregrino a precariedade e a fragilidade institucionais, assim como a evidência do
maior número de falta por parte tanto de alunos como de professores, é uma marca do turno
da tarde, onde estão concentrados os professores mais novos da escola. Vale ressaltar que a
autora cita que a falta de professores do turno da tarde nessa escola é observada também nas
reuniões pedagógicas e conselhos de classe. Sendo assim, Peregrino define ser impossível
realizar a gestão do espaço e do tempo nessa escola, pois os alunos estão sempre por toda
parte e durante todo o tempo colocando em xeque as “tecnologias de contenção” da escola,
quando não, usam o corredor para namoros, paqueras e brincadeiras com o inspetor. E,
segundo Peregrino a tentativa de controle dentro de uma instituição precária acaba
envolvendo paradoxos, pois no corredor a ordem é a de restringir a circulação dos alunos e no
pátio a proposta é de “circular” os alunos.
O uniforme é outro fator observado por Peregrino, que cita o fato de o uso incompleto do
uniforme dentro das escolas que incorporavam as classes populares foi visto por muito tempo
como um sinal de “carência” material, entretanto, hoje o uniforme “é a “base” a partir de qual
se constrói sua reinvenção”. (P. 269) Uma das subversões e objeto de conflito e de intensa
negociação no corredor é o uso do boné, que está inserido no âmbito da transgressão da
escola, e típico dos meninos, assim como o uso de blusas de time de futebol por baixo da
blusa da escola. E, em relação as meninas a subversão é diferente, pois elas se diferenciam
através do grau de intensidade de exposição do corpo possibilitadas pela modificação do
uniforme.
Para conter esses alunos, além das medidas tecnológicas frustradas existe uma figura segundo
Peregrino essencial para a escola que é o inspetor, pois “Ele trabalha para que professores e
alunos possam trabalhar nas salas”- palavras do próprio inspetor (P. 273), que faz um trabalho
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de convencer o aluno a não repetir os erros ao invés de brigar quando os comete, e essa
autoridade conquistada através de uma técnica desenvolvida pelo inspetor, raramente é divida
com os professores, pois segundo Peregrino, a forma com que o inspetor se relaciona com os
alunos é singular, já que se comunica com eles em sua própria “língua” e tem como táticas de
contensão uma “pegada”, a qual só é usada com os meninos que a levam na brincadeira.
Contudo, Peregrino explica que essa autoridade muda quando muda o turno, pois a tarde o
inspetor era mais companheiro do que autoridade, sua atuação era a de mediador do corredor.
Para explicar a relação do inspetor com os alunos, vice e versa, e, a relação dos alunos com a
instituição escolar Peregrino faz a separação dos turnos manhã e tarde, e com relação ao turno
da manhã diz ser um turno mais agitado, mais brincalhão, em que é realizada a prática de
“zoação” com o inspetor, de maneira que o corredor é utilizado como espaço de socialização e
lazer com manifestações de batuques, rap e funk por parte dos alunos fora dos horários
permitidos. Segundo a autora... “há algo de performático na leveza com que se movimentam e
se comunicam dentro e fora das salas, a despeito dos esforços institucionais para a sua
contenção. Soa quase como uma brincadeira a maneira como esses alunos desafiam a
instituição, suas “autoridades”, suas “leis” e suas delimitações”. (P. 281) Dessa maneira,
Peregrino percebe que há uma descrença e uma recusa por parte dos alunos em participar de
outro jogo que é o jogo institucional, essa percepção se dá através do alto “valor” de
transgressão implícito nas atitudes dos alunos. Dessa maneira, Peregrino diz ter a impressão
de que os alunos da manhã são “os piores entre os piores”.
Peregrino reconhece como dimensão única do processo de escolarização da escola a sua
formalidade, já que na maior parte do tempo escolar a instituição está ocupada atendendo
demandas de políticas públicas como a sua utilização para repasse de bolsas de contemplação
e renda (Bolsa Família). Nessa parte do texto a autora faz uma comparação aos anos de 1970,
já mencionado em capítulos anteriores a este em que se faz referência ao atestado de pobreza,
que consistia basicamente em pagar para estar na escola pública e que agora o atestado de
frequência à escola é o meio a partir do qual se tem acesso ao “direito” ao auxílio de bolsas.
Com relação ao turno da tarde, Peregrino diz existir um enraizamento institucional três vezes
inferior ao turno da manhã, com muitas ausências de qualidade da escola, junto a práticas de
“matar aulas” e “fugas em massa” da parte dos alunos e também dos professores. Entretanto, é
um turno aparentemente mais calmo, mas para a autora essa calmaria pode ser definida como
tensão junto ao tédio da parte do alunos, pois as brincadeiras não são realizadas coletivamente
como no turno da manhã, mas por pequenos grupos que tem marcas fortes inspiradas pela
cultura “marginal” das favelas que os fazem se comunicar através da simbologia do tráfico de
drogas. Este é p tipo de jogo performático dos alunos do turno da tarde nessa escola, o que
causa nos professores reações como medo e distanciamento, e, segundo Peregrino, o único
que participa e leva esse “jogo” como uma brincadeira é o inspetor.
Porém, a autora se assusta em determinado momento em que um aluno diz: “Se eu não passar
de ano vou ser bandido”... e diz que nessa hora até mesmo o inspetor ficou desconcertado,
pois a frase veio carregada de outros desejos do menino. A partir dessa observação Peregrino
explica quando o “jogo” deixa de ser jogo pelo fato de um aluno que não é o primeiro a
“transformar” a performance do jogo em realidade. E se questiona, “Que tipo de sociedade
produz um sonho desses num menino tão jovem? Que tipo de escola produz esse tipo de
testemunho?”
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Resenha do capítulo “A educação, sua natureza e seu papel” do livro
“Educação e Sociologia” de Émile Durkheim
Neste primeiro capítulo Durkheim fala das definições existentes para a palavra educação, que
segundo o autor, tem sentidos diversos dentro das sociedades. Para tanto, o autor apresenta
uma historicidade, segundo ele, ”indispensável”, e explica que a educação deve ser fornecida
de acordo com as necessidades das gerações de cada sociedade e exemplifica ao falando das
Polis gregas e latinas onde anteriormente o individuo era educado para se subordinar à
coletividade, e posteriormente passaram a ser educados para ter uma personalidade autônoma.
A partir dessa observação linear Durkheim explica que seria possível ter o entendimento das
diversas definições de educação.
Uma das formas de educação apresentada por Durkheim refere-se às influências que a
natureza ou os próprios homens podem exercer sobre a inteligência ou a vontade de outros
homens, fato que é ainda mais notório quando existe uma diferença de faixa etária entre quem
educa e quem recebe a educação. De modo que esta definição se assemelha à ideia de
autoridade também apresentada por Durkheim como definição para a educação.
Perspectivas de outros autores sobre a educação são apresentadas por Durkheim como não
sendo muito satisfatórias, como por exemplo, a ideia de Kant que diz: “o objetivo da educação
é desenvolver em cada indivíduo toda a perfeição da qual ele é capaz”. (Pag. 44) Essa
afirmação leva Durkheim a questionar a ideia de perfeição, que segundo o autor é um objetivo
contraditório, pois obriga os indivíduos a se dedicarem a uma só tarefa. E, usando o exemplo
da tarefa de refletir, de pensar, Durkheim afirma que nem todos os indivíduos foram feitos
para tal função, “ao contrário, são precisos outros cujo trabalho seja pensar”. (Pag. 44)
Para Durkheim as diversas definições sobre educação estão presas ao conceito de que existe
uma educação ideal a ser seguida e que todos os homens devem seguir em direção a esta
perfeição. Diante deste conceito o autor afirma que ao observar historicamente as formas de
se educar é possível ver mudanças que não correspondem ao ideal apresentado, por isso diz:
“se a educação mudou, é porque os homens se enganaram sobre o que ela deveria ser”. (Pag.
46) Dessa maneira o autor apresenta a ideia de um paradoxo, pois se existe o questionamento
de qual deve ser a educação ideal é porque se tem implícito o pensamento de que o sistema
educativo não é real.
Com isso Durkheim diz que a importância da história está em olhar para o passado e perceber
a contribuição fornecida, mas apenas para não repetir os mesmos erros no presente ou no
futuro, já que cada sociedade, cada época e cada geração têm costumes diferentes que devem
ou deveriam ser seguidos, por isso Durkheim explica que “Não é possível crer que podemos
educar os nossos filhos como quisermos. Há costumes aos quais somos obrigados a nos
conformar; se os transgredirmos demais, eles acabam se vingando nos nossos filhos”. (Pag.
48)
Entretanto, essa reconstrução da definição de o que é a educação não pode ser feita a partir de
uma reflexão pessoal, pois Durkheim explica que a mesma não advém do pensamento
individual. Sendo assim é preciso comparar os sistemas educativos de épocas diferentes e
identificar os aspectos em comum para então obter alguma contribuição para tal definição,
que segundo o autor independente da sociedade em que seja dada, a educação vai sempre ter
um caráter duplo de singularidade e multiplicidade.
Um dos exemplos dados no texto de uma sociedade em que havia uma múltipla educação foi
o de uma sociedade formada por castas, em que a educação variava de uma casta para outra,
como por exemplo, a educação dos aristocratas era diferente da educação dos plebeus. Fato
que, segundo Durkheim, ainda hoje se repete. Mesmo assim, “todas elas repousam sobre uma
base comum", que segundo o autor, resulta na elaboração de um ideal de educação, de homem
e daquilo que ele deve ser definindo assim um polo único e diverso que é o polo da educação.
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Dessa maneira se forma o ser social, preenchendo então as expectativas da educação que tem
por objetivo formar esse ser em cada indivíduo, o que para Durkheim pode ser reconhecida
como a grandeza da educação, pois ao invés de desenvolver potencialidades adormecidas no
organismo individual, a educação cria um novo ser no homem.
A partir de tais perspectivas Durkheim mostra que ao invés da tirania antes imaginada, de
modo a olhar para os indivíduos e enxerga-los submissos à educação, a realidade é que “eles
próprios tem interesse nesta submissão, pois o novo ser que a ação coletiva edifica em cada
um de nós através da educação representa o que há de melhor em nós”... “De fato, o homem
só é home porque vive em sociedade”. (Pag. 58)
De modo que, se a educação é essencial para a formação do homem em sociedade, Durkheim
explica que o Estado não pode se desinteressar dela, mas ao mesmo tempo não deve
monopolizá-la, por exemplo, fazendo da escola um intermédio para propagandas políticas,
pois a escola não deve apresentar preferências partidárias, “e o professor faltará ao seu dever
se usar a autoridade da qual dispõe para embarcar os seus alunos a bordo de suas parciais
visões pessoais, por mais bem fundadas que elas lhe possam parecer”. (Pag. 64) Pois segundo
Durkheim, nenhuma ação, por mais insignificante que possa parecer, passa sem deixar
vestígios numa criança.
A partir de então entende-se que a criança tem como principal referência seus pais e
professores, com quem aprende seu dever através da linguagem e comportamentos destes
mesmos, portanto Durkheim explica que a autoridade moral é a principal qualidade do
educador, pois é através dela que a criança vai absorver o dever em sua formação. Para tanto,
o professor deve acreditar na força e na grandeza de sua tarefa, de modo a emanar uma
autoridade natural que advém do respeito que o próprio demonstra ter por sua profissão,
fazendo com que a criança respeite a autoridade do educador, bem como sua superioridade,
pois para Durkheim esses são sinônimos de liberdade e autocontrole para a própria criança.
Resenha do capítulo 2 “Natureza e Método da Pedagogia” do livro
“Educação e Sociologia” de Émile Durkheim
O capítulo dois do livro em discussão é apresentado por Durkheim de forma reflexiva sobre
os efeitos da Pedagogia na Educação, decorrendo por comparações, antíteses, semelhanças e
complementaridades entre os termos que, segundo o autor, muitas vezes se confundem.
Inicialmente Durkheim faz uma sucinta diferenciação entre Educação e Pedagogia ao dizer
que a Educação consiste em uma ação constante e geral, uma prática que é exercida por pais e
professores durante a formação das crianças, enquanto que a Pedagogia consiste em teorias ao
invés de ações.
Ao falar das Pedagogias de Rabelais, Rousseau e Pestalozzi, o autor explica que nesta época
essas teorias encontravam-se em oposição à Educação, e, o único uso feito da pedagogia era
através de suas modalidades práticas referidas às reflexões feitas sobre a Educação. Para tanto
Durkheim explica quais são os efeitos e as características dessa reflexão. E, ao cogitar chamar
a Pedagogia de “ciência da educação”, o autor apresenta características diversas, as quais
“devem abordar fatos concluídos, realizados e prontos para a observação” (Pag. 77), pois
explica que uma ciência é definida por seu objeto de estudo, que por sua vez deve estar
localizado dentro do conjunto da realidade. Para Durkheim, é preciso haver uma
homogeneidade dos fatos abordados de modo a proporcionar a classificação em uma mesma
categoria, talvez para facilitar a apropriação do conhecimento, já que “a ciência estuda estes
fatos para conhecê-los, e somente para isto, de maneira absolutamente desinteressada”. (Pag.
77)
A explicação que Durkheim dá para a ciência é a de que ela só tem início quando o saber é
buscado por si só, fazendo com que se exprima de seu objeto de estudo a realidade ela mesma,
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porém sem julgá-la. Portanto, a educação dada para as crianças deve estar de acordo com a
realidade em que estão inseridas, de maneira a seguir as regras que regem o meio social em
que vivem, e, segundo o autor a educação não pode ser uma coisa individual, pois as práticas
educativas se baseiam em ideias e sentimentos coletivos. De modo que não se pode modifica-
los à própria vontade, bem como não se pode educar os filhos como bem entendem.
Dessa maneira são pontuadas diferenças entre as teorias consideradas como pedagógicas e as
práticas educativas aplicadas nas instituições, pois consistem em reflexões muito diversas, já
que nem sempre a busca pelo objetivo é exatamente igual e nem mesmo os métodos
empregados são semelhantes. O objetivo da Pedagogia é, segundo Durkheim, o de
“determinar o que deve existir, como deve ser...não se orienta nem para o presente e nem para
o passado, mas sim para o futuro, não se propõe a exprimir fielmente realidades já dadas, mas
sim de decretar preceitos de conduta”. (Pag. 83)
Com isso o autor afirma que a Pedagogia é algo distinto da Ciência da Educação, e, ao se
questionar no que consiste compara-a a arte, todavia logo diz que não é possível que seja
associada a tal, pois está ligada à teoria e se algo fosse associado à arte deveria ser a Educação
que está ligada à experiência prática adquirida pelo professor ao dar aulas. Entretanto, o fato
de as ideias combinadas da Pedagogia não terem como objetivo “expressar a natureza das
coisas já dadas, mas sim de dirigir a ação”, (Pag. 86) não significa que não possam estar de
acordo com os mesmos programas de ação das práticas educativas, e por isso, se aproximam
da arte. Durkheim chama este tipo de reflexão de teorias práticas, em que a Pedagogia pode
ser definida como parte deste gênero, “Ela não estuda cientificamente os sistemas de
educação, mas reflete sobre eles no intuito de fornecer à atividade do educador ideias que o
dirigem”. (Pag. 86)
Dessa maneira Durkheim afirma que nos dias a que faz referência a Pedagogia não é mais útil
somente para os períodos críticos onde se tem a urgência de estabelecer a harmonia entre um
sistema escolar e suas necessidades, mas funciona também como uma auxiliar indispensável e
por isso constante da Educação, que por sua vez faz parte de um sistema que é um produto
histórico, e por isso a história pode explica-lo. Mesmo assim, cada educação exprime e traduz
o espírito da sociedade em que está inserida, portanto é preciso entender diversos elementos
que a compõe para então entender a essência e o objetivo que buscam as instituições sociais
de educação.
O fato de não haver a possibilidade de aplicar os mesmos métodos da mesma maneira em
diferentes crianças remete o autor a pensar que, “a Psicologia deve nos ajudar a nos situar em
meio à diversidade das inteligências e caráteres”, (Pag. 96) de modo a desempenhar um papel
relevante na constituição de tais métodos. E, para a Pedagogia que trata de fenômenos de
contágio, como por exemplo os que produzem-se em uma turma escolar, o tipo a ser utilizado
é o da Psicologia Coletiva, que segundo Durkheim, é um ramo específico da Psicologia, o
qual “tem uma importância capital para o pedagogo”. (Pag. 96)
Essas foram algumas maneiras apresentadas por Durkheim para entender a formação do
pedagogo e sua função dentro da educação.
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ESCOLA E FAMÍLIA, UMA RELAÇÃO ARMADILHADA
INTERCULTURALIDADE E RELAÇÕES DE PODER CAP. 1- EMERGÊNCIA, DESENVOLVIMENTO E PARADOXOS DE UMA RELAÇÃO
Pedro Silva inicia este capítulo falando sobre a relação existente desde sempre entre a escola e
a família. Relação esta que nem sempre foi tão harmoniosa, ora mais direta, ora mais indireta.
O autor apresenta a relação escola-família em duas vertentes. De um lado está a casa onde os
pais interagem com seus filhos, e de outro está a escola, onde talvez os pais e com certeza os
filhos interagem com o todo.
Segundo Silva, “ambas as vertentes tendem, contudo, a ser objeto de atenção estatal, quando
não mesmo de regulamentação explícita.” (P.29)
Silva questiona o fato de haver um consenso legislativo entre países com histórias tão
distintas, em torno da relação escola-família, e cita diversos autores preocupados com o
mesmo tema: a distância entre escolas e famílias parece ser universal.
Silva então conclui que o problema que se refere a esta relação existe na maioria dos países
ocidentais e não exclusivamente em Portugal, e este fato o ajuda a encontrar pistas para o caso
português.
O autor explica que a participação formal das famílias nos estabelecimentos de ensino se deu
a partir dos anos de 1960, e neste período havia uma emergência para a participação parental
na educação e para uma educação permanente. Estas mudanças tornaram notórias as
limitações das instituições escolares da época.
Silva pontua este fato como uma crise de legitimação política que deveria ser encarada como
uma “ampla reestruturação estratégica da engrenagem do Estado.”(P.32)
O autor fala do estudo de um sociólogo britânico (Beattie), que diz respeito à evolução dos
sistemas de parent participation em quatro países ocidentais com diferentes características e
tradições distintas. São estes, França, Itália, Alemanha, Inglaterra e País de Gales. Silva diz
que, segundo Beattie, este repentino surto de participação parental só poderia ser de total
compreensão se estivesse inserido não só nestes quatro países, mas também em um
movimento que englobasse boa parte do mundo ocidental com a tentativa de democratização
dos postos de trabalho. Entretanto, Silva julga ser necessária a realização de medidas políticas
para tentar uma regulação estatal e assim gerar democracia.
Porém, Silva fala da existência do paradigma da Crise Geral de Habermas, em que dentro do
sentido de participação parental estabelecem tentativas de restaurar o apoio público sem gerar
uma real democratização. E a ideia que antes Beattie tinha sobre a democratização em torno
da parent participation passa a ser vista agora por Silva como um subproduto do controle
público.
O autor cita o sociólogo britânico Philip Brown e sua teoria sobre a relação escola-família, em
que consiste a história da educação escolar que atualmente pode ser caracterizada pelo
predomínio da “ideologia da parentocracia”. Ideologia já que a parentocracia existe somente
no papel, e na realidade o que vale é a Estadocracia, que acaba reforçando as desigualdades
sociais, pois “é o poder central do Estado que sai reforçado e não o dos pais”.(P.35)
A explicação que Silva dá sobre as conclusões de Brown, confirma um problema existente em
diversos países onde o Estado controla os sistemas educativos e reproduz desigualdades
sociais ao mesmo tempo em que joga a responsabilidade do sucesso ou insucesso escolar para
as famílias.
O autor explica que, a participação parental raramente é imposta por movimento sociais, pois
quem realmente a impõe é o Estado.
Silva cita Philip Woods, que defende a participação dos pais no processo educativo escolar de
seus filhos enquanto parceiros da escola, associando este fato à ideia dos pais como
consumidores-cidadãos.
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A perspectiva dos pais enquanto educadores, não é ainda apoiada por professores e gestores,
pois acreditam na falta de competência educacional dos pais.
Segundo Silva, essa articulação entre pais e professores, tem uma perspectiva progressista,
onde ambos devem apender uns com os outros e entender que suas funções educacionais são
distintas e deveriam ser divididas em benefícios de seus filhos e alunos.
Segundo Silva, para obter ênfase no aprofundamento da relação escola e família, é preciso
que se altere as relações entre a escola e a sociedade, e, entre a educação e o Estado, pois estas
ainda são contraditórias.
Silva diz que, a questão da democracia pedagógica engloba diversos aspectos da relação
escola-família e que constitui um problema político que ultrapassa o interior da escola.
“Como lembra Beattie; a participação parental está muito longe de constituir um assunto
puramente educacional.” (P. 63)
Com isso Silva cita diversos autores que apontam para o fato de que as reuniões de pais
convocadas pela administração das escolas contribuem para aumentar as distâncias sociais e
culturais ao invés de diminuí-las, mesmo com a escola olhando para as famílias como um
apoio externo, tornando essa relação mais assimétrica.
Silva tenta nos mostrar a lógica da escola enquanto instituição social, a forma como trabalham
e o controle de seu poder que tende a imperar, e chega à conclusão de que abrir espaço para os
pais terem na escola uma relação mais informal, ou e88star presente no quotidiano familiar,
não significa o achado de uma solução milagrosa, mas se for assim realizado junto a uma
política de aproximação e respeito pelas culturas locais, “podem constituir esquemas com
potencialidade democrática.” (P. 70)
Silva mostra no texto que os pais são cidadãos de classes sociais diversas, com profissões e
relações sociais das mais variadas com o poder e as instituições. Estes fatos levam o autor a
citar uma ideia de Mary Henry, que é semelhante a sua, em que consiste o fato de os
professores estipularem outros tipos de relação com o aluno de acordo com as características
dos pais. Isso acaba colocando as crianças de classe baixa em uma enorme desvantagem.
Silva coloca em comparação duas escolas, uma de classe média superior e uma de
comunidade operária, constatando que, “ambos os grupos de pais valorizam bastante a
educação escolar dos filhos.” (P. 71)
Para fortalecer esta comparação Silva cita Lareau, que explica a relação escola-família dentro
da classe operária como uma ideia de separação, e na classe média superior de ligação. E esta
situação acaba gerando uma discriminação na forma de lidar com os pais, pois os requisitos
da escola muitas vezes não estão de acordo com o capital cultural dos pais e a colaboração
que eles têm a oferecer.
Silva conclui este capítulo mostrando que a relação escola-família constitui uma reprodução
social e cultural, e, o fato de a comunidade escolar tratar os pais como iguais gera uma
discriminação, que Silva chama de relação armadilhada.
Resenha Nestor López- “Equidade Educativa e Desigualdade Social”
Após a leitura dos capítulos 2, 3 e 6, do livro a que me refiro, pude observar que, segundo
López , desenvolver estratégias adequadas de institucionalização é essencial para alcançar
resultados positivos dentro das escolas pesquisadas. Mas antes que sejam desenvolvidas essas
estratégias, é preciso conhecer o ambiente escolar, suas necessidades e a realidade das pessoas
que o habitam, para assim haver interação entre educação e equidade social.
Segundo López, para alcançar equidade educacional, é necessário que todos tenham as
mesmas oportunidades de acesso à educação, os mesmos recursos e condições para ir à escola
e participar das práticas educativas, independentemente de sua origem ou classe social.
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Contudo, essa noção de equidade só será possível, segundo López, se houver o
reconhecimento da diversidade cultural, podendo assim definir um horizonte de política
educacional e garantir igualdade dentro de uma realidade desigual.
Segundo López, a noção de educabilidade deve estar relacionada com o ensino que os
professores têm a oferecer e o desenvolvimento e aprendizagem dos alunos a partir desse
ensino. Mas para haver essa relação, a educação de todas as crianças e adolescentes deve ser o
ponto de partida das práticas educativas, em uma ação conjunta de políticas sociais e
educativas.
Essa ausência de recursos e apoio de um corpo institucional deixa clara a falta de solidez e
legitimidade que a escola sofre. Mesmo assim os professores e diretores exercem sua função
de maneira a improvisar a forma de ensino, deixando a impessoalidade de lado e agindo da
forma como acham que devem agir.
A fraqueza institucional afeta não só a comunidade escolar, como também a família dos
alunos, que às vezes mudam até de cidade para achar um lugar que forneça uma melhor
estrutura de ensino a seus filhos.
Em um Estado onde a equidade não é prioridade, como mostra o texto, onde uma educação de
qualidade está longe de ser disponibilizada para os setores mais pobres, López questiona
como é possível gerar uma dinâmica de acordo com o novo cenário social das escolas, diante
de um sistema com uma enorme fragilidade institucional como este.
Todos esses problemas e essa desvalorização da escola causam uma frustração não só nos
professores e diretores pelas condições em que tem de trabalhar, mas também nos pais em
relação à educação que seus filhos recebem.
Segundo López, é necessário utilizar de políticas sociais para que se reverta este quadro, o
qual é denominado no texto como deterioração das escolas, junto a uma articulação com
políticas educativas, para assim alcançar uma equidade no acesso ao conhecimento. Porém, a
institucionalização de cada escola deve estar de acordo com o cenário social em que se
encontra, para que não se produza mais desigualdade.
Resenha Alan Touraine- Cap 8 – A escola do sujeito
Em seu livro, Touraine fala da escola da comunicação onde apresenta o exemplo da televisão
para explicar melhor aos seus leitores a definição que se tem sobre a escola. Um deles é a
“páleo-televisão”, em que estaria concentrada em transmitir mensagens e informações, e, a
“neotelevisão”, em que essa mensagem é transformada em uma forma de comunicação. A
escola, por sua vez, quando faz uso somente para passar suas mensagens tem o seu foco na
sociedade, de modo que a ideia era a de fazer a criança um ser social. A escola do sujeito, a
qual Touraine defende, ressalta a importância da comunicação. Esta teoria é alvo de crítica de
pais e professores, com a justificativa de que se perderia o objetivo principal da escola que é o
de preparar trabalhadores. O que era justificado pela separação que a escola republicana fazia
entre os filhos do povo com um ensino concreto e os filhos da burguesia que recebiam
conhecimentos mais abstratos, tido como superior.
A escola do sujeito se define muito mais como um grupo que se comunica: os discentes e os
docentes e estes e os responsáveis administrativos do que a partir dos profissionais que dali
saem para o mercado. Com isso, Touraine faz uma comparação da escola com os métodos
tayloristas, em que o professor ensina da maneira que acha a mais certa enquanto aproveita as
“brechas” de outros aspectos da vida dos alunos que surgem através de brincadeiras em sala
de aula, devido ao próprio fracasso escolar, e pelo enfrentamento do mestre, que ali “encarna
a autoridade e representa a sociedade” (p. 330). No início, tudo isso é tolerado, mas deve ir
desaparecendo e, assim se chega à vida adulta. A crítica do autor faz referência a não
invenção de outro modo de comunicação que não este, do modelo familiar.
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Touraine enfatiza a importância de principalmente as escolas frequentadas por crianças de
nível social mais baixo se tornarem escolas da comunicação. Um dos fatores mais graves da
não comunicação é a violência, diz ele. Sendo a escola uma instituição forte, com uma rede de
comunicações por trás ela pode lidar melhor com atos de violência interna ou externa.
Muitos professores, entretanto, alegam não terem sido formados para atuarem como
educadores e nem pretender isso ao escolher tal profissão. Em muitos países ainda, a
administração da escola depende de uma co-gestão da própria administração e dos professores
ou representantes deles, que acabam, na maioria dos casos, defendendo a sua profissão, seus
direitos do que reivindicando o debate sobre educação propriamente dita. Assim, as escolas
em áreas mais degradadas acabam por se manter na defensiva, descartando seus casos difíceis,
continuando na mesma situação de homogeneidade. A escola pública, contudo, deve ser o
espaço privilegiado de comunicações interculturais e da integração social. Tendo como
condição, segundo o posicionamento de Touraine, de se deixar de lado a compreensão
sociocêntrica da educação e individualizando as relações com os alunos.
Para isso, deve-se enfatizar na escola da comunicação a importância da capacidade de se
exprimir de forma oral ou escrita como também a capacidade de compreensão das mensagens
escritas ou orais, ou seja, pelo diálogo. E daí a importância do ensino da língua para que tal
diálogo seja possível, para a argumentação, interpretação, análise etc.. A aquisição de
conhecimentos também não pode ser deixada de lado. A importância do conhecimento
científico é percebida quando permite que o próprio aluno verifique seu trabalho e também ele
é a melhor forma contra o arbítrio do poder ou da tradição comunitária. Isto é, o
conhecimento científico gera autonomia. Dessa maneira, é imprescindível que se ofereça uma
pluralidade de possibilidades de carreiras por meio do ensino de diferentes áreas, em que
devidamente se reconhece seu igual valor. Podendo então o jovem escolher a sua,
independente de fatores tais como sua origem social, mas a partir de seu gosto. A escola deve
possibilitar que isso aconteça.
Além disso, a escola deve também ensinar seus estudantes a “ler” os meios de comunicação
de massa. Mas, principalmente, estar atenta à comunicação intercultural. Dentre os “pilares”
da educação definidos pela comissão de educação da UNESCO, o primeiro: “aprender a viver
juntos”, é tido como o mais importante. Dessa forma, Touraine destaca a importância de se
compreender o outro na sua cultura, sendo essa a busca incessante da escola do sujeito.
Propõe-se ainda que deva ser acrescentado aos programas de ensino o “conhecimento das
motivações, da situação social, dos projetos, da origem cultural daqueles que não são apenas
alunos ou aprendizes, mas antes de tudo indivíduos” (p. 336). Não basta ainda que os
professores sejam formados a partir do que se concebeu como ciências da educação, é preciso
fazer da escola a escola da comunicação.
Basicamente, o resumo de seu argumento pode ser percebido no seguinte trecho: “(...) a
educação não deve ser uma socialização, mas em primeiro lugar a formação de uma
capacidade para agir e pensar em nome de uma liberdade criadora pessoal que não pode
desenvolver-se sem contato direto com as construções intelectuais, técnicas e morais do
presente e do passado” (p. 337).
Deve-se, por isso, ajudar os professores a não permanecerem apenas no domínio das suas
disciplinas quando seus alunos são o “outro” para ele. Mais ainda, deve-se enfatizar a
importância da qualidade das relações professor-aluno para que o processo de ensino-
aprendizado se realize, a melhora na relação não acontece quando se diminui o nível do
conhecimento que deve ser transmitido. Logo, Touraine defende a autonomia da escola, não a
sua submissão a um serviço administrativo ou ao mercado de trabalho, por exemplo. Quando
o centro da escola se torna o sujeito individual fica claro que o seu funcionamento seja
definido por quem ensina e a quem tal ensinamento será dirigido, como também pelos pais
destes.
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