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Alvaro Leal SantosTRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE CINCIAS HUMANAS CAMPUS V PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA REGIONAL E LOCAL
O ASSOCIATIVISMO DOS FUNCIONRIOS PBLICOS
NA BAHIA DA PRIMEIRA REPBLICA
LVARO LEAL SANTOS
Santo Antnio de Jesus Bahia
Abril / 2012.
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LVARO LEAL SANTOS
O ASSOCIATIVISMO DOS FUNCIONRIOS PBLICOS
NA BAHIA DA PRIMEIRA REPBLICA
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa
de Ps-Graduao em Histria Regional e Local da
Universidade do Estado da Bahia - UNEB Campus V, como requisito parcial para a obteno do grau de
Mestre em Histria.
Orientador: Prof Dr. Aldrin A. S. Castellucci
Abril 2012.
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O ASSOCIATIVISMO DOS FUNCIONRIOS PBLICOS
NA BAHIA DA PRIMEIRA REPBLICA
LVARO LEAL SANTOS
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Histria Regional e Local da
Universidade do Estado da Bahia - UNEB Campus V, como requisito parcial para a obteno do grau de
Mestre em Histria Regional e Local.
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________
Prof. Dr. Aldrin A. S. Castellucci (Orientador)
Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
_______________________________________
Profa. Dra. Maria Elisa Lemos Nunes da Silva
Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
_______________________________________
Prof. Dr. Claudio Henrique de Moraes Batalha
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
_______________________________________
Prof. Dr. Paulo Santos Silva (UNEB suplente)
_______________________________________
Prof. Dr. Antonio Maurcio Freitas Brito (UFRB suplente)
Santo Antnio de Jesus, abril de 2012.
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AGRADECIMENTOS
O trabalho de pesquisa exige bastante empenho e dedicao daquele que se prope a
enfrentar o desafio de selecionar um objeto, construir um projeto e execut-lo at a sua
completa finalizao, aps os 24 meses regulamentares para a concluso do curso de
mestrado. Nessa trajetria, muitos colegas, de ofcio ou no, e algumas instituies,
contribuem significativamente para a realizao do objetivo. Agradeo Fundao de
Amparo Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) pela bolsa de pesquisa que me concedeu, e
ao Programa de Ps-Graduao em Histria Regional e Local, da Universidade do Estado da
Bahia. Nesta instituio, registro minha gratido ao Prof. Dr. Raimundo Nonato Pereira
Moreira (coordenador) e a competente Analista Universitria, Ane Nunes (secretria), cujo
apoio foi fundamental para tomar parte de dois seminrios de grande relevncia. Ao
Presidente da Associao dos Funcionrios Pblicos do Estado da Bahia, Sr. Armando
Campos, e s secretrias Gemma Galgane Assis, Regina Lcia Silva Nunes, Elisabete de
Jesus, Sandra Batista Luz e Rosngela de Andrade Lima, por terem disponibilizado parte das
fontes utilizadas nesta pesquisa. Aos trs dedicados funcionrios do Arquivo Pblico do
Estado da Bahia, Lus Pedro Bispo Rosrio, Llia Maria Joazeiro de Souza e Reinaldo de
Souza dos Anjos.
Esse trabalho tambm fruto do esforo incansvel de minha me, que apoiou todas
as decises e caminhos que segui. Certamente, hoje, ela est orgulhosa de mais um ponto
alcanado. Agradeo ao meu pai in memorian, por ter sempre apostado na educao como
uma ferramenta de transformao da realidade, do mundo. No posso deixar de retribuir, em
forma de agradecimento, a contribuio dada pelo meu irmo Patrcio Alves, que confiou no
meu desempenho e financiou grande parte da minha graduao, feita em uma Faculdade
particular de Salvador. Com essas trs pessoas tenho uma dvida eterna... Aos meus outros
quatro irmos, pela confiana. Ningum mais do que Milena dos Santos Vieira vivenciou
tantos momentos de incertezas, de desafios e prosperidade durante o tempo em que estive
confeccionando este trabalho. Grande parte dele foi escrito em sua companhia, na cidade de
Alagoinhas-BA, e sua colaborao tornou-se decisiva para o meu prosseguimento na longa
estrada que a realizao de estudos de ps-graduao.
No interior da Universidade, fiz algumas amizades, o que possibilitou um rico
aprendizado na rea de pesquisa, alm dos diversos momentos de alegrias e angstias que
compartilhamos. Mas antes, preciso fazer um triplo agradecimento especial aos colegas de
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ofcio: Kleberson da Silva Alves, cuja amizade se fortaleceu nos ltimos sete anos, desde que
o conheci, quando fazamos o curso de graduao; Alessandra Pellegrino Negro, antiga
colega de trabalho, que colaborou na confeco do projeto de pesquisa. Por causa da presteza
de Urano Andrade, com o apoio de seus artifcios tecnolgicos de pesquisa, a realizao do
Captulo II foi plenamente possvel. Sem essas trs figuras, essa histria no teria sido
contada...
No poderia deixar de agradecer imensamente ao competente orientador da pesquisa, o
Prof. Dr. Aldrin A. S. Castellucci, que acompanha meu desenvolvimento desde que eu fazia o
curso de Especializao em Histria Social e Econmica do Brasil, quando ele tambm me
orientou. Com sua dedicao pude apreender um rico conhecimento de pesquisa e escrita ao
longo desses ltimos anos. Sou enormemente grato ao seu primeiro trabalho de orientao
stricto sensu, que consistiu em um acompanhamento constante do desenvolvimento da
dissertao. Alm dele, agradeo as contribuies feitas pelas docentes integrantes da banca
do exame de qualificao, Profa. Dra. Maria Elisa Lemos Nunes da Silva e Profa. Dra. Maria
Ceclia Velasco e Cruz, que deram dicas importantes para a boa finalizao do texto. Sou
grato, ainda, ao Prof. Dr. Claudio Batalha, por ter aceitado o convite para tomar parte na
banca de defesa da dissertao de mestrado. A Profa. Dra. Maria Elisa Lemos Nunes da Silva
poder verificar se conseguimos implementar pelo menos parte de suas consideraes, feitas
no exame de qualificao.
Aos colegas da turma 2010.1, especialmente a Eliana Evangelista Batista, Jaqueline
Souza Brito Gomes, Napoliana Pereira Santana e Luiz Argolo de Melo, ao qual deixo um
agradecimento especial, pelas acolhidas em sua casa, na cidade de Santo Antnio de Jesus.
Agradeo tambm sua esposa, Carla Fernanda. Compartilho o trabalho com os colegas de
graduao, de maneira especial Jssica dos Santos Oliveira, Caroline Lima Santos, alm das
professoras Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti, Ana Rita Santiago e Iacy Maia Mata, com as
quais tive minhas primeiras experincias de pesquisa. Com as graduandas em Histria na
UNEB Campus II, em Alagoinhas, Anne Frank e Lucila Cerqueira, obtive muitos momentos
de troca de experincias em pesquisa e, em breve, elas devero apresentar novos estudos
sobre o mutualismo na Bahia. Ao Mestre em Histria pela UNEB, Moiss Leal, pela
simplicidade e gentileza, sempre que solicitado.
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RESUMO
A presente dissertao de mestrado faz uma reconstituio histrica da Associao dos
Funcionrios Pblicos do Estado da Bahia (AFPEB). A pesquisa cobre o perodo que vai de
1918, quando a entidade foi fundada, a 1930, quando a Primeira Repblica foi derrubada pelo
movimento liderado por Getlio Vargas. O trabalho est dividido em trs captulos. No
primeiro, examina-se a condio diferenciada dos servidores pblicos na sociedade da poca e
o desejo alimentado por muitos setores de garantir para si as vantagens conferidas ao
funcionalismo do Estado. O segundo captulo reconstri o perfil dos membros da AFPEB em
termos scio-ocupacionais, tnico-nacionais e de gnero. O terceiro captulo analisa as duas
frentes de atuao da organizao em favor dos servidores: a do mutualismo e a do trabalho.
Palavras-chaves: funcionrios pblicos; mutualismo; direitos do trabalho.
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ABSTRACT
This M.A. thesis presents a historical reconstruction of the Associao dos
Funcionrios Pblicos do Estado da Bahia AFPEB (Civil Servants of Bahia Association).
The research encompasses the period from 1918, when it was founded, to 1930, when the
First Republic was overthrown by the movement led by Getlio Vargas. The thesis is divided
in three chapters. The first chapter examines the different conditions of civil servants in the
society at that time and the desire to obtain the same benefits given to employees of the Estate
by many other sectors. The second chapter reconstructs the profile of the members of AFPEB
considering socio-occupation, ethnic group and gender. Finally, the third chapter analyses the
two fronts in which the organization acted in favour of the civil servants: the mutualism and
the labour.
Key-words: civil servants, mutualism, labour rights
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SUMRIO
Introduo..................................................................................................................................9
Os funcionrios pblicos baianos: entre os direitos e a distino
As vantagens de ser funcionrio pblico..............................................................................17
Reivindicando direitos..........................................................................................................26
A estratgia associativa........................................................................................................36
Ser scio da Associao dos Funcionrios Pblicos na Bahia Republicana
Perfis scio-ocupacionais.....................................................................................................42
A cor dos scios da AFPEB.................................................................................................53
As duas faces da ao coletiva da Associao dos Funcionrios Pblicos
Funcionamento e finalidades................................................................................................63
A esfera da securitizao......................................................................................................69
A esfera do trabalho.............................................................................................................89
Consideraes finais......................................................................................................... ......105
Fontes......................................................................................................................................107
Bibliografia.............................................................................................................................111
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INTRODUO
A historiografia do trabalho tem se ocupado, nos ltimos anos, com variados temas e
objetos de pesquisa que, influenciados pelas novas propostas terico-metodolgicas da
histria, procuram enfatizar as relaes sociais a partir dos sujeitos. Ao contrrio dos estudos
formulados por uma produo militante, que focou suas anlises nas lideranas e organizaes
operrias, sem levar em conta as bases e a classe em seu conjunto, essas novas pesquisas tm
se aprofundado nas dinmicas das relaes sociais que cercam os mundos do trabalho.
Nesse sentido, desde a dcada de 1960, o conceito de classe social tem sido alvo de intensas
crticas e reformulaes, perodo em que importantes contribuies foram feitas pela
historiografia britnica, que passou a entend-la atravs das aes e prticas dos sujeitos.1
Esse deslocamento do olhar, proposto por E. P. Thompson, que situou a classe como
um fenmeno histrico, resultado de experincias comuns herdadas ou partilhadas pelos
sujeitos, ofereceu subsdios aos novos estudos da histria do trabalho. Nos ltimos anos, essa
produo contrariou as teses que postularam um modelo de proletariado e de iderio social.
Essa proposta historiogrfica tem se ocupado de temas diversos, entendendo a classe no
como um dado a-histrico, mas como portadora de um sistema de crenas, valores e tradies,
sendo a conscincia resultado da experincia.2
Recentemente, outros estudos tm indicado a necessidade de pensar esse fenmeno em
uma perspectiva global, conectando as mais variadas relaes sociais entre os trabalhadores.
A transnacionalidade dos mundos do trabalho tem atrado pesquisadores das mais diversas
1 Para Eric Hobsbawm, essa produo de dentro do movimento produziu trs problemas: confundiu classe, com movimento operrio e suas ideologias, desprezando a ao dos sujeitos; produziu um olhar exacerbado dos
movimentos, assim como a certo isolamento de outros contextos no perodo em estudo; e formulou uma verso
oficial, o modelo de histria operria, que desprezou certos temas e objetos de pesquisas. Porm, para ele, o
fenmeno classe social no deve ser analisado separadamente, pois deve explicar os mundos multifacetados da
histria operria. Portanto, as classes sociais, o conflito de classes e a conscincia de classe existem e desempenham um papel na histria. HOBSBAWM, Eric. Mundos do Trabalho: novos estudos sobre histria operria. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 5 edio revista, 2008, p. 33. _____. Sobre Histria. So Paulo: Cia das
Letras, 2008, p. 216-232. 2 Para este autor, a classe no se encontra pr-determinada, plenamente realizada, quando seus elementos
culturais so historicizados. De igual modo, a conscincia de classe est relacionada experincia que os sujeitos partilham, diante das relaes de produo caractersticas de uma sociedade. Para Thompson, portanto, a conscincia de classe a forma como essas experincias so tratadas em termos culturais: encarnadas em
tradies, sistemas de valores, ideias e formas institucionais. Se a experincia aparece como determinada, o
mesmo no ocorre com a conscincia de classe. THOMPSON, E. P. A Formao da Classe Operria Inglesa: a rvore da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, v. I, 1987, p. 10. ______. Costumes em Comum: estudos sobre a
cultura popular tradicional. So Paulo: Cia. das Letras, 1998, p. 150-202. ______. As peculiaridades dos ingleses
e outros artigos. Antnio Luigi Negro & Srgio Silva, (orgs.). Campinas, EDUNICAMP, 2001. Cf. WOOD,
Ellen Meiksins. Democracia Contra Capitalismo: a renovao do materialismo histrico. So Paulo: Boitempo
Editorial, 2. reimpresso, 2010, p. 73-98.
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filiaes tericas para essa rea de interesse, com novos questionamentos que envolvem
questes tnico-raciais, de gnero e da rede de convvio dos indivduos pesquisados. Novas
interpretaes sobre classe social tm sido responsveis pelo rompimento com alguns
paradigmas e servido para iniciar outros debates, que procuram entender as complexidades
existentes no interior dos grupos subalternizados, em decorrncia das relaes de base
capitalistas em todo o mundo.3
Dentre as abordagens sugeridas pelos historiadores do trabalho no Brasil, encontra-se
a dedicada ateno s estratgias desenvolvidas pelos trabalhadores que desejavam superar
suas dificuldades. As associaes de auxlios mtuos vm tendo merecido destaque nas
abordagens contemporneas, uma vez que muitas delas foram criadas desde a primeira metade
do sculo XIX, sendo resultante, em grande medida, das iniciativas dos prprios indivduos.
Esse meio de superao das dificuldades, sobretudo nos momentos em que os indivduos se
viam estruturalmente ameaados pelas duras condies scio-econmicas da poca,
possibilitou o amparo a milhares de trabalhadores brasileiros que, por meio da solidariedade
mtua, buscavam a garantia de dias melhores, para eles e seus familiares.4 Tnia Regina de
Luca, ao estudar o mutualismo em So Paulo e Santos, conceituou essas associaes como
entidades que mediante contribuies mensais asseguravam aos scios servios
previdencirios como tratamento mdico, auxlio a doentes, invlidos, velhos e vivas.5
Criticando a concepo teleolgica de Jos Albertino Rodrigues, que considerou o
mutualismo como fase embrionria do movimento sindical, Luca foi uma das pioneiras a
atribuir um significado relevante a essas entidades que, dadas as suas especificidades, no
foram inferiores aos sindicatos. Com objetivos diferenciados, esses dois modelos de
3 LINDEN, Marcel Van der. Histria do trabalho: o velho, o novo e o global. Traduo de Renata Meirelles. Revista Mundos do Trabalho, vol. 1, n. 1, p. 11-26, 2009. Disponvel em:
http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho. Cf. ______. Rumo a uma nova conceituao
histrica da classe trabalhadora mundial. Traduo de Alexandre Fortes. So Paulo: Revista de Histria, v.24,
n.2, p.11-40, 2005. 4 Para Mike Savage, os momentos de instabilidades na vida cotidiano dos trabalhadores impostas por problemas
conjunturais e estruturais, os motivam na criao de alternativas necessrias para superao dessas adversidades.
Segundo ele, na sociedade capitalista, a retirada dos meios de subsistncia das mos dos trabalhadores significa constrang-los a acharem estratgias para lidar com a aguda incerteza da vida diria, que deriva de seu estado de
impossibilidade de reproduo autnoma e sem apelo a outras agncias. Essa formulao nos possibilita
reconhecer certas presses estruturais sobre a vida operria, embora tambm pontue a urgncia de examinarmos
a enorme variedade de tticas que os trabalhadores podem escolher para cuidar de seus problemas. SAVAGE, Mike Classe e Histria do Trabalho. In: BATALHA, Claudio H. M.; SILVA, Fernando Teixeira da; FORTES,
Alexandre Culturas de Classe: identidade e diversidade na formao do operariado. Campinas: EDUNICAMP,
2004, p. 33. 5 LUCA, Tnia Regina de. O sonho do futuro assegurado (o mutualismo em So Paulo). So Paulo/Braslia:
Contexto/CNPq, 1990, p. 7.
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organizao co-existiram e ambos desempenharam funes essenciais ao conjunto da classe
trabalhadora. Segundo Luca, o objetivo das associaes de auxlios mtuos era remediar a
situao dos trabalhadores inaptos para o processo produtivo, sem maiores preocupaes em
relao estrutura social vigente. Diante da escassez de uma legislao trabalhista que
regulasse as relaes entre o capital e o trabalho, essas entidades desempenharam funes
significativas, especialmente as de carter previdencirio. Fazendo uso de almanaques,
anurios estatsticos, dirios e boletins oficiais, alm de relatrios das associaes, jornais,
atas de reunies, dentre outros documentos, essa autora situou seu estudo no perodo entre o
desenvolvimento industrial de 1890 e as novas relaes do Estado, na dcada de 1930,
momentos de combinao entre a ascenso e declnio do mutualismo na regio por ela
estudada.6
A esfera da securitizao tambm foi priorizada no amplo estudo feito por Adhemar
Loureno da Silva Jnior sobre as mltiplas formas de associativismo mutualista no Rio
Grande do Sul.7 O conceito de mutualismo luz das evidncias empricas e a distino entre
sociedades de auxlio-mtuo e outros tipos de associao foram explorados por Cludia
Viscardi.8 J as relaes entre o surgimento das sociedades mutualistas e o processo de
formao da classe operria no Rio de Janeiro foram objeto das pesquisas de Claudio
Batalha.9
Muitas dessas associaes conciliavam interesses que iam alm de aes securitrias,
conforme demonstraram alguns estudos recentes. Para alm dessas prticas, outras questes e
reivindicaes de interesse coletivo surgiram nas pesquisas. Claudio Batalha observou que,
assim como muitos sindicatos incorporaram algumas prticas assistenciais, algumas
associaes mutualistas tambm assumiram feies de resistncia, ou seja, funes sindicais
ao longo da Primeira Repblica. Segundo ele, essas caractersticas operam no campo cultural,
havendo pontos de contato entre associaes de auxlios mtuos, sindicatos e prticas
derivadas das antigas corporaes de ofcio, que muito embora tivessem suas especificidades,
6 Idem, op. cit., p. 10. 7 Cf. SILVA JNIOR, Ademar Loureno. As sociedades de socorros mtuos: estratgias privadas e pblicas (estudo centrado no Rio Grande do Sul Brasil, 1854-1940). 2004. Tese (Doutorado em Histria) Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, 2004. 8 Cf. VISCARDI, Cludia Maria Ribeiro Estratgias populares de sobrevivncia: o mutualismo no Rio de Janeiro
republicano. Revista Brasileira de Histria. So Paulo, v. 29, n 58, p. 291-315, 2009. _____. Experincias da
prtica associativa no Brasil (1860-1880). Topoi, Juiz de Fora, v. 9, n. 16, p. 117-136, jan. jun. 2008. 9 BATALHA, Claudio H. M. Sociedades de Trabalhadores no Rio de Janeiro do Sculo XIX: algumas reflexes
em torno da formao da classe operria. Cadernos AEL, v. 06, n. 10/11, 1999, p. 53. Cf. ______. Cultura
Associativa no Rio de Janeiro da Primeira Repblica. In: BATALHA, Claudio H. M; SILVA, Fernando Teixeira
da; FORTES, Alexandre (Orgs.)., op. cit., p. 95-120.
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no estavam dispostas isoladamente. Portanto, a reflexo sobre o papel do associativismo
para a formao da classe no Brasil , sem dvida, uma contribuio importante, sobretudo
para se contrapor ideia de que a classe filha da industrializao e da abolio da
escravido.10
Outra dimenso pouco explicada na historiografia foi a relao entre sociedades de
auxlio mtuo, irmandades e religio, estudada por Jos de Souza Martins. Segundo o autor,
os trabalhadores atriburam um sentido coletivo morte, a partir da criao da Irmandade de
So Caetano, fundada em 1879, quando aquela no era mais uma questo individual, mas um
problema da comunidade, uma perda social, no sentido de uma perda de todos e no s de
alguns. Para ele, os italianos construram sentimentos de solidariedade aqui no Brasil, com o
fortalecimento dos laos de vizinhana, de proteo da terra, motivando a criao de outras
entidades, compostas predominantemente de italianos, ainda que estivessem abertas a
filiaes de outras nacionalidades. Deste modo, afastados de seus territrios de origem e
submetidos situaes diversas de explorao pelo capitalismo, esses trabalhadores
ressignificaram os sentidos atribudos a um corpo enfermo ou vitimado fatalmente. Para Jos
de Souza Martins, a morte tem sido uma referncia dissimulada na tradio de luta das
organizaes operrias at hoje. Ela expressa a alienao suprema de quem teve o corpo
transformado em pea de mquina e, por isso mesmo, pea descartvel. 11
Em recente estudo, Aldrin Castellucci realizou uma cartografia do fenmeno
mutualista na Bahia, sintetizando os mais variados tipos de associaes existentes, no perodo
entre 1832 e 1930. Sua pesquisa analisou as associaes que agrupavam os scios por ofcio,
por grupo tnico-nacional, alm daquelas de empregados no comrcio, de servidores pblicos
e de militares e ex-combatentes. O estudo de Castellucci chama a ateno para as dificuldades
que certos setores da classe trabalhadora tiveram em se organizar de modo independente, a
exemplo dos prprios comercirios, dos funcionrios pblicos e dos operrios das grandes
10 A expresso filhos do trabalho, muito comum nos jornais sindicais do sculo XX um indicativo dessas continuidades, pois se constitui em um trao cultural originrio no sculo anterior. Para Claudio Batalha, as sociedades de socorros mtuos eram a nica forma legalmente vivel de organizao para os trabalhadores
manuais livres aps 1824, mas que muitas dessas sociedades tinham por objetivo, algo mais do que o socorro aos seus associados que servia de justificativa para sua existncia; seu verdadeiro objetivo era a defesa profissional. BATALHA, Claudio H. M. Sociedades de Trabalhadores no Rio de Janeiro do Sculo XIX, 1999, p. 53. ______.
Identidade da classe operria no Brasil (1880-1920): atipicidade ou legitimidade. Revista Brasileira de Histria.
So Paulo: [s.e.], V. 12, ns. 23-24, p. 111-124, set./ago., 1992.
______. Cultura Associativa no Rio de Janeiro da Primeira Repblica. In: BATALHA, Claudio H. M; SILVA,
Fernando Teixeira da; FORTES, Alexandre. (Orgs.). op. cit, p. 95-120. 11 MARTINS, Jos de Souza. Subrbio: vida cotidiana e histria no subrbio da cidade de So Paulo: So
Caetano, do fim do Imprio ao fim da Repblica Velha. So Paulo: HUCITEC; So Caetano do Sul: Prefeitura
de So Caetano do Sul, 1992, p. 207.
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empresas industriais (principalmente das txteis e ferrovirias). A conscincia de classe
tambm encontrou dificuldades de se desenvolver nos grupos de imigrantes que se
estabeleceram em solo baiano, e suas associaes eram compostas por grande nmero de
filiados das mais variadas classes e grupos sociais, misturando trabalhadores e patres.12
O artigo de Castellucci , como dito pelo prprio autor, um chamamento elaborao
de monografias, dissertaes e teses sobre um fenmeno de alta importncia na historiografia,
infelizmente pouco explorado no caso baiano. Esta pesquisa procura, neste sentido, investigar
o associativismo entre os funcionrios pblicos baianos na Primeira Repblica, a partir da
fundao da Associao dos Funcionrios Pblicos do Estado da Bahia, no ano de 1918, at
1930. No mapeamento apontado pelo estudo anteriormente citado foram encontradas 22
associaes de trabalhadores do setor pblico na Bahia, sendo algumas delas existentes e em
pleno funcionamento nos dias atuais, a exemplo da entidade que se tornou objeto desta
pesquisa. Alm dela, funcionam hoje a Sociedade Beneficente do Regimento Policial,
fundada em 14 de fevereiro de 1905, cujo nome foi alterado para Sociedade Beneficente da
Polcia Militar; a Sociedade Beneficente dos Sargentos da Fora Policial do Estado da Bahia,
de 2 de fevereiro de 1927; a Sociedade Beneficente dos Funcionrios Pblicos e Procuradores
do Estado da Bahia, funcionando desde 29 de agosto de 1928; e a Associao Beneficente dos
Funcionrios Pblicos Municipais de Salvador, do ano de 1929.
Embora algumas informaes sejam encontradas nas fontes, muitas delas so de
carter meramente descritivo, resumindo-se, na maioria das vezes, a convocaes dos scios
para reunies de assembleias gerais, sesses comemorativas ou informando sobre o
falecimento de associados. De igual modo, com exceo da Associao dos Funcionrios
Pblicos do Estado da Bahia, que preserva cuidadosamente dois livros atas, com informaes
sobre reunies ocorridas entre 1918 e 1929, todas as outras existentes nos dias de hoje no
tiveram esse cuidado com a preservao da memria, seja mantendo sua documentao em
arquivos prprios ou doando-os para as instituies especializadas nessas funes. Ao
contrrio do que apontou alguns estudos recentes, o associativismo dos funcionrios pblicos
no compreendido nesta pesquisa como restrito unicamente prestao de auxlios mtuos,
destitudos de maior poder de mobilizao e ao em defesa de seus membros.13
Pelo
12 Cf. CASTELLUCCI, Aldrin A. S. A luta contra a adversidade: notas de pesquisa sobre o mutualismo na Bahia
(1832-1930). Revista Mundos do Trabalho, v. 2, n. 4, ago.-dez. de 2010, p. 40-77. 13 Rafaela Leuchtenberger notou, para Santa Catarina, que as associaes de funcionrios pblicos no criaram
espaos suficientes para a consolidao de laos identitrios, restringindo a atuao nos servios securitrios.
Para ela, As entidades de funcionrios pblicos alm de no terem relaes pblicas, tambm no
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contrrio, conforme se pretende demonstrar nesta dissertao, os funcionrios pblicos
lutaram por direitos especficos, ligados s situaes de trabalho, bem como por interesses
mais amplos, como a defesa de uma poltica de habitao popular, organizando, no mbito da
AFPEB, um conjunto de aes e reivindicaes comumente reconhecidas como tpicas de
organizaes sindicais, extrapolando os limites do mutualismo.14
* * * * *
A dissertao est dividida em trs captulos. No primeiro, aborda-se a legislao
existente na Primeira Repblica referente ao funcionalismo pblico. Partindo da problemtica
de que havia um corpo jurdico especfico, que tratava de questes e direitos dos servidores
pblicos, como frias, licenas, aposentadorias, dentre outros, lana-se o debate sobre a
preexistncia de dispositivos jurdicos que amparavam esses trabalhadores, antes mesmo de
qualquer regulamentao por meio do Estatuto dos Servidores Pblicos, em discusso desde a
Primeira Repblica e somente aprovado por meio do Decreto-Lei n. 1.713, de 28 de outubro
de 1939. A documentao utilizada composta de leis e decretos, regulamentos,
constituies, de mbito nacional e estadual, alm das disposies sobre o Montepio Estadual,
criado em 1895. Por meio dela, pode-se perceber como se processou a organizao do
funcionalismo pblico no Estado, quais as formas de ingresso e o perfil desejado desses
trabalhadores, bem como os principais direitos j assegurados na Primeira Repblica. Sabe-se,
entretanto, que esses trabalhadores eram bastante distintos daqueles que vendiam sua fora de
trabalho iniciativa privada, conforme ser demonstrado pelo mtodo comparativo da
reduzida legislao existente. A segunda seo deste captulo inicial explora a mobilizao
desenvolviam qualquer tipo de ao que as tornasse um espao de sociabilidade, para alm do papel de simples
prestadoras de servios, apresentando-se com uma estrutura bastante enxuta e com atuao bem focada pura e
simplesmente nos benefcios que prestavam. LEUCHTENBERGER, Rafaela O Lbaro protetor da classe operria: as associaes voluntrias de socorros-mtuos dos trabalhadores em Florianpolis Santa Catarina (1886-1932). 2009. Dissertao (Mestrado em Histria) Instituto de Filosofia e Cincias Humanas Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2009, p. 35. 14 Ao estudar o mutualismo em So Paulo, Tnia de Luca notou que o funcionalismo pblico j dispunha de
alguns direitos, como licenas, aposentadorias e penses garantidas pelos Montepios, que faziam as associaes
deste setor priorizarem a unio em defesa de interesses prprios, sendo a preocupao com doenas, nas
associaes por ela pesquisadas, a quarta pauta. Mesmo assim, havia uma ausncia de combatividade entre os
funcionrios pblicos devido forma de recrutamento no servio pblico, acessvel a privilegiados; e
concesso diferenciada de alguns direitos, intencionalmente ou no, pela poltica estatal, que dificultava a
articulao em torno de causas comuns. Contudo, segundo ela, Para uma categoria que, por fora de dispositivos legais, estava proibida de possuir organizaes sindicais, as sociedades de socorros mtuos
poderiam ter representado o trao de unio. Ver: Luca, op. cit., p. 118.
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empreendida pelos trabalhadores de vrias empresas pblicas ou sob concesso, alm dos
operrios do Estado, para adquirir os direitos conferidos aos servidores pblicos.
A segunda parte do trabalho se dedica ao entendimento do perfil geral dos associados
da AFPEB, feito a partir do cruzamento de dados sobre profisso, cor, sexo, idade, cargo
ocupado ou funo exercida na repartio, dentre outros elementos. Apesar de ser um quadro
incompleto, uma vez que no se dispe de informaes sobre todos os indivduos que fizeram
parte da Associao, foram utilizados os dados encontrados em testamentos e inventrios, nos
necrolgios e na documentao produzida pela AFPEB.
O terceiro captulo analisa a atuao da Associao dos Funcionrios Pblicos do
Estado da Bahia, criada em agosto de 1918. Investiga-se a eficcia da estratgia mutualista
para superao das adversidades, a partir do exame dos auxlios prestados aos associados e a
seus familiares. So analisados os socorros prestados nos momentos de doena e falecimento.
Em seguida, examina-se a ao da AFPEB em suas lutas por moradia e por melhores salrios
para seus filiados. Nesse caso, as fontes utilizadas so as atas, os estatutos, os relatrios
anuais, alm do histrico produzido pela Associao.
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CAPTULO I
A LUTA POR DIREITOS DOS
FUNCIONRIOS PBLICOS BAIANOS
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AS VANTAGENS DE SER FUNCIONRIO PBLICO
Durante a Primeira Repblica, diferentes termos foram utilizados para definir essa
categoria especfica do conjunto da classe trabalhadora brasileira. Havia, neste perodo, uma
indefinio no que se refere ao tratamento jurdico a ser adotado pelo Estado em relao aos
seus servidores e, por isso, eram chamados de empregados, agentes pblicos ou,
simplesmente, funcionrios pblicos. Esses indivduos contavam com diferentes
dispositivos jurdicos que, de modo diferenciado, garantiam-lhes direitos como licenas
mdicas, frias, aposentadorias e penses aos seus familiares, em caso de morte ou invalidez
permanente do servidor. Pertencer ao funcionalismo pblico podia ser sinnimo de
estabilidade e segurana, assegurados em lei, mesmo que esses direitos no fossem
concedidos de maneira regular e uniforme a todos aqueles que pertenciam administrao
pblica do perodo. No corpo das instituies pblicas existiram membros efetivos e
funcionrios que no gozavam de estabilidade, como os diaristas (inclusive os operrios do
Estado). Um jurista da poca afirmava, no ano de 1917, que a questo da estabilidade era
controversa e tal contradio existia no s entre os juristas, mas tambm no Congresso e at
mesmo no Supremo Tribunal Federal.15
O labor desse conjunto de trabalhadores foi regulamentado por leis, decretos e
regulamentos de reparties, que, dispersos, dispunham sobre alguns direitos bsicos, bem
como as formas de ingresso no servio pblico. Neste captulo, portanto, analisam-se os
direitos desses trabalhadores, tanto a partir da legislao existente que, apesar da sua
variedade, ofereceu diversos benefcios aos funcionrios pblicos, quanto da relao que o
funcionalismo manteve com ela. Para isso, faz-se uso de uma rica documentao sobre o
servio pblico, disponvel na Biblioteca do Arquivo Pblico da Bahia (APEB). So leis,
decretos, regulamentos, disposies oramentrias, organizaes administrativas, que versam
sobre frias, licenas, remuneraes, tabelas de vencimentos e gratificaes do funcionalismo.
Alm delas, recorre-se a dezenas de abaixo-assinados, encontrados na Seo Legislativa do
APEB, produzidos por esses trabalhadores, por meio dos quais buscavam o reconhecimento
de seus direitos pelas autoridades da poca. Neste sentido, procura-se compreender quais as
possveis vantagens de integrar o servio pblico no perodo abordado e como esses
15 CASTRO, Arajo. Estabilidade de Funcionrios Pblicos. Rio de Janeiro: Editora Leite Ribeiro & Maurillo,
1917, p. 9.
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trabalhadores vivenciaram seus direitos e desenvolveram estratgias para superar os desafios
daquele tempo.
A Constituio estadual, promulgada em 2 de julho de 1891, estabeleceu alguns
valores republicanos, como o de livre associao para fins conhecidos e lcitos, a diviso de
poderes entre o Executivo, o Judicirio e uma Assembleia Legislativa constituda por 63
membros, sendo 42 deputados e 21 senadores. A carta magna baiana, promulgada em nome
de Deus Onipotente, fez meno aos funcionrios pblicos como estritamente responsveis
pelos abusos e omisses ocorridos no exerccio de seus cargos. O empregado pblico
obrigava-se por juramento ou compromisso formal, no ato da posse, ao fiel desempenho dos
seus deveres. Poucas foram as definies feitas pelo texto constitucional ao funcionalismo
estadual, restringindo-se apenas a questes mais gerais sobre ele, posteriormente reguladas
por dispositivos complementares: os regulamentos de reparties, as leis sobre a organizao
administrativa do Estado e as leis de aposentadorias, gratificaes e licenas. Porm, a
Constituio estadual j institua um princpio fundamental que era o da estabilidade, pois o
funcionrio que contava com mais de dez anos de servio, com boa conduta, s poderia ser
demitido por sentena ou invalidez, mantendo-se a aposentadoria e os benefcios do montepio
estadual.16
Conforme se observou no debate jurdico da poca, que admitiu existir precedente
sobre essa matria desde o Imprio, na prtica, podia funcionar apenas como uma suposta
estabilidade. o que se observa, por exemplo, com os funcionrios federais, cuja primeira
medida que tratou provisoriamente da questo foi criada em 1893, atravs da Lei n. 191 B,
que fixava a receita do Estado brasileiro para o ano seguinte. O seu nono artigo fazia
referncia aos funcionrios concursados do Ministrio da Fazenda, dizendo que estes no
poderiam ser removidos para cargos de categoria inferior aos que ocuparem e as demisses
somente seriam feitas em virtude de sentena. O dispositivo, portanto, atingiu apenas os
funcionrios de um ministrio, mesmo assim, somente aqueles que integravam os quadros de
carreira, no contemplando os demais servidores pblicos, muito menos, os das esferas
estadual e municipal. No ano de 1895, por meio do Decreto n. 358, de 26 de dezembro
daquele ano, o Governo foi autorizado a fazer demisses desses mesmos funcionrios, desde
que em processo de natureza administrativa fosse justificada semelhante medida. No ano
16 BAHIA. Constituio (1891). Constituio do Estado da Bahia: promulgada em 2 de julho de 1891.
Constituio e leis do Estado da Bahia promulgadas em 1891 e 1892 sob ns. 1 a 10. Bahia: Typ. e Encadernao
do Dirio da Bahia, 1892.
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seguinte os funcionrios da Fazenda foram duramente golpeados, quando a Lei n. 428, de
10 de dezembro de 1896, permitiu que a administrao pblica fizesse as demisses e
remoes que entendesse convenientes arrecadao exata da renda aduaneira, revogando as
disposies anteriores sobre a matria.17
A ausncia de um regulamento especfico desse conjunto de trabalhadores do setor
pblico, somente efetivado durante a Era Vargas, tornou a estabilidade um problema de difcil
resoluo durante toda a Primeira Repblica. Destarte, as autoridades da poca hesitaram em
adotar maior formalidade para o ingresso de indivduos nos quadros permanentes do servio
pblico, negando-se a instituir normas e regulamentos prprios, baseados em princpios
republicanos e universais. Conforme ser discutido mais adiante, grande parte do corpo de
funcionrios pblicos baianos se constituiu de indivduos no estveis, sobretudo ocupantes
de cargos de diaristas (inclusive os operrios) livremente nomeados pelos integrantes da
poltica republicana. Muitos deles, conforme ser abordado, no entanto, ao completarem
relativo perodo no exerccio dessas funes, pleiteavam a estabilidade, encaminhando
dezenas de abaixo-assinados Assembleia Legislativa do Estado com esta reivindicao. .
A administrao pblica baiana concentrou seus servios em poucas reparties. Em
1896, ela era dividida em quatro secretarias: Interior, Justia e Instruo Pblica; Agricultura,
Viao, Indstria e Obras Pblicas; Tesouro e Fazenda do Estado; Polcia e Segurana
Pblica. Mais tarde, em 1916, mesmo aps terem sido feitas algumas reformas na estrutura
organizativa do Estado, essa mesma nomenclatura foi mantida, sendo os ocupantes dos cargos
de chefia livremente nomeados pelo Governador. J aqueles funcionrios que se situavam nos
setores mdios da Administrao eram, na maioria das vezes, promovidos por acesso,
dando-se preferncia aos empregados de categorias imediatamente inferiores mais hbeis e
zelosos. O pessoal contratado como diarista geralmente exercia funes que exigiam menor
qualificao tcnica, como os porteiros, ajudantes, carteiros, coveiros, dentre outros. Eles
ingressavam no servio pblico atravs de escolha feita pelos secretrios ou diretores da
repartio qual pertenceriam. O nico concurso previsto universalmente todas as
secretarias era para os cargos de amanuense e de quarto oficial, cujas funes eram de apoio
administrativo, mas, mesmo assim, todas as fases da seleo eram presididas pelo Secretrio
17 CASTRO, Arajo. Estabilidade de Funcionrios Pblicos. Rio de Janeiro: Editora Leite Ribeiro &
Maurillo, 1917, p. 33. BRASIL. Lei 191 B, de 30 set. 1893. Fixa a despesa geral da Repblica dos Estados
Unidos do Brasil para o exerccio de 1894, e d outras providncias. Disponvel em:
http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/legislacao/publicacoes/republica Acesso em: 11 de janeiro
de 2012.
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de Estado e, em muitos casos, previa-se uma etapa de provas orais. Ocorrendo empate,
caberia quela autoridade o voto de desempate entre os candidatos.18
Dentre os regulamentos consultados, que dispunham sobre o funcionamento de
secretarias, bem como das tabelas de vencimentos, gratificaes, do expediente e das normas
e sanes aplicveis aos funcionrios, foram observados alguns pontos comuns s condies
de ingresso no servio pblico estadual. Entre os princpios, estavam a interdio aos
candidatos que tivessem cometido crimes contra pessoas e atentados ao Estado, devidamente
atestado, por meio da folha corrida. Exigia-se ainda a vacinao prvia contra doenas
infecto-contagiosas, vlida por cinco anos; atestado mdico que comprovasse a inexistncia
de doenas incompatveis com o exerccio da funo; idade mnima, que variava entre dezoito
e 21 anos para homens ou mulheres respectivamente. Para os casos de exerccio do
magistrio, havia ainda a preocupao com a honra e a preservao dos bons costumes,
que ganhavam nfase quando se tratava do sexo feminino. As mulheres que desejavam
exercer a funo de professora deviam ser preferencialmente casadas e, caso estivessem
separadas judicialmente, que o motivo da separao no fosse desonroso, comprovado com
a devida apresentao das respectivas sentenas.19
Os poucos princpios universais no foram adotados em todas as reparties pblicas.
Os critrios para escolha dos funcionrios ficaram a cargo das secretarias, nos seus
respectivos rgos. No momento de realizao da seleo, publicava-se um regulamento
prprio para o preenchimento daquela vaga, dispondo sobre as normas especficas de
realizao de suas etapas. Foi possvel identificar um exemplo de edital, destinado a preencher
a vaga de amanuense da Secretaria do Interior, Justia e Instruo Pblica em 1898. Nele, o
candidato devia ter idade superior a dezoito anos, submeter-se avaliao de leitura, anlise e
redao sobre assunto oficial; leitura e traduo em lngua francesa; aritmtica e propores
matemticas; geografia e histria, especialmente da Bahia, conhecimentos sobre as
Constituies Federal e Estadual, alm das leis orgnicas do Estado. Em seguida haveria a
argio oral do candidato sobre as especificidades da repartio em que houvesse a vaga. Os
18 BAHIA. Decreto de 24 de abril de 1896. Regula em geral o servio das diversas Secretarias de Estado. ATOS
do Governo do Estado da Bahia do ano de 1896. 19 BAHIA. Ato de 18 de agosto de 1890. Regula a instruo primria e secundria do Estado da Bahia. ATOS do
Governo do Estado da Bahia do ano de 1890. BAHIA. Ato de 4 de outubro de 1895. Regula o ensino primrio
do Estado da Bahia. LEIS e Resolues da Assembleia do Estado da Bahia do ano de 1895. Bahia: Lito-
Tipografia de Joo Gonalves Tourinho, 1896. Decreto de 11 de outubro de 1898. Regulamenta o concurso para
amanuense da Secretaria do Interior, Justia e Instruo Pblica e das reparties a ela subordinadas. LEIS e
Resolues do Estado da Bahia do ano de 1898. Bahia: Tipografia do Correio de Notcias, 1899.
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examinadores normalmente eram professores do ensino secundrio ou profissional, com a
participao do diretor da repartio qual houvesse oferta de vaga na comisso julgadora.20
No que se refere carreira docente, o regulamento da instruo primria de 1890
previa, para ocupao de uma cadeira no magistrio pblico, a realizao de concurso, com
publicao prvia de edital no prazo de noventa dias, com a finalidade de possibilitar a
inscrio de candidatos. O exame era feito no prdio onde funcionava a escola pleiteada e
presidido pelo Diretor, caso o Governador no desejasse dirigir a sesso. Os candidatos
apresentavam suas teses com vinte dias de antecedncia, distribuindo-se 25 exemplares entre
os concorrentes e seus avaliadores, que eram professores titulares da escola. Alm de prova
escrita, os concorrentes vaga se submetiam prova oral, com durao de meia hora. Cinco
anos depois, com a publicao do novo regulamento, de 1895, o concurso passou a ser feito
em cinco etapas: a primeira era constituda de trs provas, sendo uma de lngua portuguesa,
uma cientfica e outra com contedos de magistrio; a segunda etapa era realizada oralmente,
sobre um ponto especfico referente a disciplina pleiteada; e a ltima parte com uma prova
prtica de regncia. Outro caso encontrado foi o da Guarda Civil, cujas normas do ano de
1929 explicitavam, no seu contedo, orientaes gerais sobre os concursos pblicos
realizados pelo corpo. Nessa organizao, os concursos se destinavam aos guardas de terceira
classe, os quais tinham de ser aprovados em avaliaes com noes de aritmtica, exerccio
de redao e correspondncia oficial, e elementos ou instruo moral e cvica perante uma
comisso de trs membros, nomeados pelo secretrio de polcia. 21 Apesar da existncia do
concurso pblico, previsto nos regulamentos das reparties estaduais, enquanto instrumento
de seleo acessvel aos candidatos uma vaga no servio pblico baiano, existiam outras
formas de ingresso. Elas podem ter sido responsveis pelo verdadeiro avalanche de ingresso
de pessoal nos quadros da administrao pblica da poca.
Ao ingressarem no quadro efetivo do servio pblico, esses trabalhadores se revestiam
de uma srie de direitos, especficos essa frao da classe trabalhadora. Nesse sentido,
podiam ser beneficiados com frias, licenas mdicas ou para tratar de assuntos particulares,
gratificaes de diversos tipos, alm de outras duas importantes vantagens: a da aposentadoria
20 BAHIA. Lei n. 891, de 10 de junho de 1896. D normas para organizao do Gabinete de Identificao. ATOS
do Governo do Estado da Bahia do ano de 1896. 21 BAHIA. Ato de 4 de outubro de 1895. Regula o ensino primrio do Estado da Bahia. LEIS e Resolues da
Assembleia do Estado da Bahia do ano de 1895. Bahia: Lito-Tipografia de Joo Gonalves Tourinho, 1896.
BAHIA. Ato de 18 de agosto de 1890. Regula a instruo primria e secundria do Estado da Bahia. ATOS do
Governo do Estado da Bahia do ano de 1890. BAHIA. Lei n. 2.155 de 21 de maio de 1929. Reforma a Guarda
Civil do Estado. LEIS do Estado da Bahia do ano de 1929. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1930.
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e o Montepio estadual. No que tange ao primeiro aspecto, as frias eram concedidas de
maneira diferenciada, dependendo da categoria ou repartio a que pertenciam os
funcionrios, a exemplo dos professores da Escola Normal, que gozavam um perodo superior
a trs meses, de 1 de novembro a 15 de fevereiro de cada ano, totalizando cento e cinco
dias de recesso. As licenas eram estendidas a todos os integrantes do quadro efetivo, desde
que comprovada a necessidade, podendo durar at 24 meses, com descontos progressivos nos
rendimentos do servidor. J as gratificaes podiam ser direcionadas a determinada repartio
ou grupo de funcionrios de mesma funo e medida que algumas categorias eram
contempladas, outras requeriam aumentos, conforme ser visto mais adiante. As gratificaes
podiam ser direcionadas a determinada repartio ou grupo de funcionrios de mesma
funo.22
A primeira publicao oficial que fazia referncia aposentadoria dos funcionrios
pblicos baianos foi realizada em 1892, por meio da Lei n. 25, de 12 de agosto daquele ano.
De acordo com esse dispositivo, tinham direito aposentao, aqueles que exerciam
lugares criados pelo poder legislativo, sujeitos a pagamentos de ttulo e que percebam
vencimentos pelos cofres do Estado e contemplava indivduos que fossem vtimas de
invalidez por acidente evidentemente ligado ao exerccio de qualquer funo temporria ou
de comisso. Em 1927, em funo da Lei n. 2.127, de 9 de agosto do mesmo ano, esse
direito passou a beneficiar os servidores que tivessem mais de dez anos de efetivo servio,
atendendo aos critrios de tempo trabalhado ou por inaptido laboral. Para ser contemplado
no primeiro aspecto, deviam ter mais de 25 anos de trabalho, com a finalidade de receber
mensalmente os seus ordenados, que podiam ser acrescidos de gratificao, caso o servidor
tivesse mais de trinta anos de efetivo servio. Nos casos de inaptido, devia ser devidamente
comprovado o estado de invalidez absoluta, fsica ou moral do funcionrio baiano.23
O clculo do tempo para requerer aposentadoria era feito levando-se em considerao
diversos aspectos como licenas, faltas, suspenses, dentre outros. Excluam-se, deste modo,
o tempo das faltas injustificveis, de licenas que no fossem por molstia, faltas que
22 BAHIA. Lei n. 1.286, de 24 de agosto de 1918. LEIS do Estado da Bahia do ano de 1917. Bahia: Imprensa
Oficial do Estado, 1918. BAHIA. Decreto n. 6, de 26 de maio de 1896. Regulamenta as Escolas Normais das
cidades da Barra e Caetit. LEIS e Resolues do Estado da Bahia do ano de 1896. Bahia: Tipografia do Correio
de Notcias, 1897. 23 BAHIA. Lei n. 25, de 12 de agosto de 1892. Regulamenta as aposentadorias e licenas dos funcionrios.
Constituio e leis do Estado da Bahia promulgadas em 1891 e 1892 sob ns. 1 a 10. Bahia: Typ. e Encadernao
do Dirio da Bahia, 1892. BAHIA. Lei n. 2.127, de 09 de agosto de 1928. Legisla sobre licenas e
aposentadorias dos funcionrios do Estado. LEIS do Estado da Bahia do ano de 1928. Bahia: Imprensa Oficial
do Estado, 1929.
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excedessem trs meses em quatro anos, interrupo de servios ou das suspenses
administrativas para responder a processo, sem ter ocorrido absolvio. Com a Lei n. 2.127,
de agosto de 1928, outro elemento foi adicionado: o perodo de exerccio em emprego
municipal ou federal. Neste ltimo caso, o tempo somente era contado se o funcionrio
tivesse mais que 25 anos de servio na instncia estadual. De igual modo, a manuteno do
benefcio estava sujeita a determinadas condies, como a no aceitao do aposentado para
assumir cargos federais ou municipais, presente nas duas leis analisadas.24
Outra vantagem adquirida pelos servidores estaduais foi o montepio estadual que,
apesar da sua obrigatoriedade, tinha a finalidade de prover a subsistncia e amparar o futuro
das famlias dos mesmos empregados, quando estes falecerem.25 O seu fundo social era
constitudo por penses extintas, loterias, legados, doaes e subscries, alm da importncia
das multas e apreenses fiscais de onde eram retirados 10% do total arrecadado. Os juros de
capital, bem como os emolumentos devidos por ttulos ou certides e as importncias que
fossem descontadas dos vencimentos dos empregados por motivo de faltas, licenas,
substituies, molstias e outras quaisquer, que no tivessem de reverter em favor de seus
substitutos, eram somados a receita da Instituio. Os descontos mensais em folha de
pagamento consideravam a totalidade dos vencimentos dos funcionrios, incluindo-se as
gratificaes, representando o valor de um dia trabalhado, calculado sobre dois teros do
salrio. Essas contribuies compulsrias abrangiam a todos os empregados do Estado,
inclusive aposentados, jubilados ou reformados, que percebessem ordenados ou soldo mensal,
excluindo-se, entretanto, apenas aqueles que possuam tempo de efetivo servio superior a 25
anos, se assim declarassem repartio competente, dentro de trs meses depois de publicada
a lei. A Tabela 1 detalha o outro tipo de receita do Montepio.26
24 BAHIA. Lei n. 860, de 28 de julho de 1911. Dispe sobre o tempo de servio dos funcionrios estaduais. LEIS
e Resolues do Estado da Bahia do ano de 1911 e Decretos do Poder Executivo do mesmo ano. Bahia: Seo de Obras da Revista do Brasil, 1915. Lei n. 2.127, de 09 de agosto de 1928. Legisla sobre licenas e
aposentadorias dos funcionrios do Estado. LEIS do Estado da Bahia do ano de 1928. Bahia: Imprensa Oficial
do Estado, 1929. 25 BAHIA. Lei n. 116, de 21 de agosto de 1895. Cria o Montepio obrigatrio dos empregados do Estado. LEIS e
Resolues da Assembleia do Estado da Bahia do ano de 1895. Bahia: Lito-Tipografia de Joo Gonalves
Tourinho, 1896. 26 BAHIA. Lei n. 116, de 21 de agosto de 1895. Cria o Montepio obrigatrio dos empregados do Estado. LEIS e
Resolues da Assembleia do Estado da Bahia do ano de 1895. Bahia: Lito-Tipografia de Joo Gonalves
Tourinho, 1896.
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TABELA 1
DESCONTOS DA JIA FEITOS PELO MONTEPIO DOS EMPREGADOS DO ESTADO Tempo de efetivo servio Valor da Contribuio
5 a 10 anos 1 diria por 24 meses
10 a 15 anos 1 diria por 36 meses
15 a 20 anos 1 diria por 48 meses
20 a 25 anos 1 diria por 60 meses
25 a 30 anos 2 dirias no 1 ano e 1 diria nos 48 meses seguintes
Superior a 30 anos 2 dirias durante 2 anos e 1 dia por 36 meses
Fonte: APEB, BAHIA. Lei n. 116, de 21 de agosto de 1895. Cria o Montepio obrigatrio dos empregados do Estado. LEIS e Resolues da Assembleia do Estado da Bahia do ano de 1895. Bahia: Lito-Tipografia de
Joo Gonalves Tourinho, 1896.
A jia funcionou como outra forma de arrecadao feita a partir da contribuio do
funcionrio e tinha o objetivo de reconhecer o ingresso deles naquela instituio. Era paga em
parcelas mensais cuja durao da contribuio variava em funo do tempo em que o
trabalhador havia ingressado no servio pblico, no momento de vigncia da lei. Quanto mais
prximo da aposentadoria, maior era a soma da contribuio devida pelo funcionrio,
podendo ser de at cinco anos de descontos em seus salrios, calculados em forma de dirias.
Esse clculo, cuidadosamente pensado, um indicativo de que havia uma preocupao
lgica em assegurar a estabilidade financeira da instituio, tendo em vista a curta
permanncia daqueles que, no momento de criao do Montepio, estavam prestes a se
aposentarem. Caso contrrio, a angariao de recursos poderia ser insuficiente para custear
esse importante benefcio dos servidores pblicos da Bahia.
O benefcio deixado pelos funcionrios estaduais, aps seus falecimentos, podia ser
recebido por diferentes parentes consangneos, a comear pela sua famlia nuclear, ou seja,
a viva se no estava divorciada e vivia na famlia, os filhos menores de vinte e um anos se
j no estivessem emancipados e as filhas solteiras e vivas, alm dos filhos legtimos ou
legitimados e reconhecidos. Esse ncleo familiar no era o nico a ser beneficiado pelo
montepio, pois no ato de inscrio, o funcionrio tinha de enviar uma declarao,
testemunhada por outros dois servidores da mesma repartio, contendo a lista dos parentes
a serem beneficirios, incluindo-se netos rfos; pais com dificuldade de sustento; sobrinhos
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25
rfos; filhos, netos ou irms maiores de idade e impossibilitados de proverem a sua
subsistncia; e as filhas ou irms, as quais no perdiam a penso quando constituam
matrimnio, salvo se casassem com pessoas que dispusessem de abundncia de recursos. 27
O Montepio Obrigatrio dos Empregados do Estado previa benefcios ao funcionrio
que enlouquecesse ou fosse vtima de desastre, que lhe causasse a perda ou mutilao de
rgo ou molstia grave, que o faa perder o emprego e inabilite-o absolutamente para
qualquer ocupao que lhe d subsistncia, com recebimento de penso durante o seu estado
de invalidez. Mesmo nestes casos, o beneficiado tinha descontos mensais de contribuies
com a instituio e, alm disso, o valor anual da penso no poderia ser superior a um conto e
duzentos mil-ris, mas perderia esta penso, se o problema de sade apresentado fosse curado.
Ademais, tal concesso s era feita ao empregado que completava dez anos de servio e, caso
essa exigncia no fosse cumprida, haveria a possibilidade de continuar contribuindo com as
prestaes at completar o tempo mnimo ou pedir a restituio das cotas com que tiver
entrado. O auxlio funeral, no valor de cento e cinqenta mil-ris, ou de cem mil ris
quando o funcionrio no estava quite com a jia e mensalidade era outro tipo de benefcio
herdado pela famlia do servidor.
Contudo, era necessrio o preenchimento de alguns requisitos, com a finalidade de o
benefcio ser plenamente atendido. Os principais deles, alm das exigncias burocrticas,
eram de cunho moral, pois se os pensionistas, irms ou sobrinhas e parentes consangneos do
contribuinte vivessem com desonestidade notria devidamente comprovada, perderiam
definitivamente a penso. De todo modo, pode-se dizer que os servidores pblicos gozaram de
certos benefcios sociais bem antes que os trabalhadores da iniciativa privada fossem
alcanados pelas primeiras iniciativas do Estado, inclusive a Lei de Acidentes de Trabalho
(1919), as Caixas de Aposentadorias e Penses (1923) e a Lei de frias (1925). 28
O montepio
abrigou um verdadeiro conjunto de benefcios, tendo sido boa parte deles, seguramente,
incorporados na legislao da seguridade social brasileira, posterior a 1930. Nesse sentido,
dezenas de grupos de trabalhadores reivindicaram, durante toda a Primeira Repblica, o
27 BAHIA. Lei n. 116, de 21 de agosto de 1895. Cria o Montepio obrigatrio dos empregados do Estado. LEIS e
Resolues da Assembleia do Estado da Bahia do ano de 1895. Bahia: Lito-Tipografia de Joo Gonalves
Tourinho, 1896. 28 Para uma melhor compreenso sobre o assunto, cf. GOMES, ngela de Castro. Burguesia e Trabalho: poltica
e legislao social no Brasil, 1917-1937. Rio de Janeiro: Campus, 1979. ______. Cidadania e Direitos do
Trabalho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. Para um estudo especfico sobre os acidentes de trabalho na
capital baiana, cf. SILVA, Maria Elisa Lemos Nunes da. Entre trilhos, andaimes e cilindros: acidentes de
trabalho em Salvador (1924-1944). Dissertao (Mestrado em Histria) - Faculdade de Filosofia e Cincias
Humanas Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1998.
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reconhecimento de seu status de funcionrios do quadro efetivo, com a finalidade de gozar
desses benefcios.
REIVINDICANDO DIREITOS
Em 1911, os empregados efetivos da Estrada de Ferro de Nazar apelaram, em extenso
pedido enviado Assembleia Legislativa, datado de 4 de maio daquele ano, para que fossem
includos no Montepio Obrigatrio dos Empregados do Estado, logo aps o cancelamento do
contrato entre o poder pblico e a Companhia Trans-road, institudo pelo decreto n. 785, de
10 de dezembro de 1910. Alegavam que, a partir desta data, a linha frrea passou a ser
operada por conta do governo estadual. Portanto, ela no poderia deixar de ser considerada
uma repartio estadual.29 Para os 76 funcionrios que assinavam o documento, o Montepio
do Estado era em sua substncia, um perfeito contrato de seguros de vida feito em nome de
terceiros interessados, tanto assim que a entidade do empregado desaparece para figurar a do
beneficiado, isto , os seus sucessores. Todos os contribuintes do Montepio, segundo eles,
viviam tranqilos pelo futuro da famlia. Na petio, esses trabalhadores emitiram a sua
opinio sobre a importncia daquele organismo para os funcionrios pblicos, conforme se
pode notar no trecho em destaque:
A legislao que criou o Montepio Obrigatrio dos Empregados do Estado
teve em vista prover a subsistncia e amparar o futuro das famlias de todos
aqueles que houvessem consumido a existncia nos labores do servio
pblico. Nenhuma distino se fez; estendeu o seu manto de proteo e
amparo a todos indistintamente, sem haver cogitado de classes ou categorias, exigindo s e exclusivamente a qualidade efetiva do emprego acompanhada
de ordenado mensal.30
A obrigatoriedade no foi motivo de descontentamento entre os trabalhadores do setor
pblico baiano, haja vista que muitos outros pedidos foram feitos, alguns dos quais
conseguiram lograr efeitos positivos. Ademais, conforme foi notado, os servidores pblicos
contaram com um leque de vantagens, que os diferenciavam substancialmente da classe
operria durante a Primeira Repblica. Resta saber, todavia, como eles encaravam essas leis e
29 Algumas associaes de ferrovirios foram criadas no incio da Repblica e podiam contar com interferncias
patronais, conforme demonstrou estudo recentemente publicado em forma de livro. Cf. SOUZA, Robrio Santos.
Experincias de trabalhadores nos caminhos de ferro na Bahia: trabalho, solidariedade e conflitos (1892-1909).
2007. Dissertao (Mestrado em Histria) - Instituto de Filosofia e Cincias Humanas Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007, p. 72-82. 30Abaixo-assinado. APEB, Seo Legislativa, livro 989 (1903-1937).
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decretos que os beneficiavam, objeto que ser analisado a seguir, a partir da interpretao e
anlise dos abaixo-assinados encontrados na Seo Legislativa do Arquivo Pblico do Estado.
Durante a Primeira Repblica, os diferentes setores da classe trabalhadora baiana
enviaram um grande nmero de abaixo-assinados Assembleia Legislativa da Bahia. Parte
dessa documentao est contida nos livros 989 e 992, disponvel para consulta no Arquivo
Pblico do Estado da Bahia, onde foi possvel encontrar 63 documentos relacionados s
demandas dos funcionrios pblicos da poca. Dois motivos formaram a maioria das
reivindicaes do funcionalismo: a valorizao salarial e o reconhecimento da condio de
servidor pblico para aqueles que tinham uma situao no-estvel na administrao pblica.
No primeiro caso, os funcionrios baianos reclamavam da falta de reviso da tabela de
vencimentos, congelada desde 1895, quando foi promulgada. Alm disso, denunciavam a
precariedade das condies de trabalho a que estavam submetidos e a necessidade de
equiparao salarial a outros funcionrios que exerciam funes semelhantes. J os pedidos de
reconhecimento como membros do quadro efetivo da administrao pblica tinham como
objetivo o pleno gozo dos benefcios garantidos em lei, especialmente a estabilidade, o
Montepio dos Empregados do Estado e a aposentadoria.
Os servidores baianos experimentaram outras formas de reivindicao dos direitos,
caracterizadas por aes institucionalizadas. Por causa disso, entre 1914 e 1918, inmeros
abaixo-assinados feitos por funcionrios de diferentes reparties e funes foram
endereados Assembleia Legislativa. Vale ressaltar que esse perodo ficou conhecido pela
grande escassez de produtos de primeira necessidade, em virtude do cenrio de crise gerada
pela Primeira Guerra Mundial, que ocasionou a queda do padro de consumo, devido alta
geral nos preos dos alimentos, e o sbito crescimento da especulao imobiliria, com a
elevao dos preos dos aluguis.31
A maior parte dos pleitos foi demandada por funcionrios
no efetivos, especialmente os que exerciam funes pouco valorizadas, a exemplo dos
coveiros e auxiliares. Mas tambm houve peties feitas por tcnicos e operrios da Imprensa
Oficial, diaristas de outros rgos e martimos.
Dentre os diferentes quadros scio-ocupacionais do servio pblico, os funcionrios
que atuavam no setor martimo e porturio de Salvador se destacaram pela insistente atuao
junto ao legislativo baiano. A principal reclamao desse grupo de trabalhadores era a
precariedade do ambiente de trabalho, combinada com a falta de vencimentos condignos,
31 Para uma discusso sobre a carestia ocorrida na Bahia na conjuntura da Primeira Guerra Mundial, cf.
SANTOS, Mario Augusto dos. A Repblica do Povo. Sobrevivncia e tenso (1890-1930). Salvador: Edufba, 2001.
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correspondentes peculiaridade e responsabilidade de suas funes. Em 8 de julho de 1914, o
pessoal que trabalhava na lancha Arajo Pinho, submetida ao servio de Polcia do Porto,
endereou um abaixo-assinado aos membros da Cmara e do Senado da Bahia, pleiteando
aumento salarial. Declaravam os quatorze requerentes que, tendo em vista a situao
apertada e crtica em que se acham todas as classes sociais, mormente as menos favorecidas
da fortuna, no era possvel suportar a situao econmica desfavorvel que os afligiam
cotidianamente. Alegavam que tinham uma vida trabalhosa, sobre as ondas do mar,
afrontando chuvas e tempestades e comparavam-na com a dos tripulantes do Iate Dois de
Julho que, segundo eles, tinham menor serventia pblica, pois aquela embarcao se
destinava a viagens de recreio e, mesmo assim, seus colegas tinham remuneraes
superiores s suas. Pouco mais de duas semanas aps o pedido, o mestre, o maquinista, o
foguista e os marinheiros da Arajo Pinho encaminharam novo documento. Desta vez,
relatavam serem muitas as atividades desenvolvidas por eles, dentre as quais estavam diversas
visitas feitas aos vapores que chegavam ao porto de Salvador, bem como aos demais portos
do litoral baiano. Expuseram uma tabela comparando os seus ganhos minguados aos dos
trabalhadores do Iate Dois de Julho que chegavam a ser duas vezes superiores aos seus, no
caso do mestre, alm da sobrecarga de trabalho.32
Trs anos aps essa reivindicao, dezesseis remadores da Guarda Moria, repartio
submetida Diretoria de Rendas da Secretaria da Fazenda e Tesouro, encaminharam novo
pedido de valorizao das suas remuneraes, em virtude da carestia e dos servios prestados
diretamente por eles. Tambm em 1917, os patres das embarcaes da Inspetoria da Polcia
do Porto, Paulo Ismael dos Santos e Vicente Gonalves de Lima denunciaram a
diminutssima remunerao mensal de 100$000 e diria de 3$000, pagas aos remadores. Os
peticionrios consideraram como injustos os seus proventos, diante dos esforos que
envidavam, dedicando-se durante 12 horas de servio e colocando suas vidas em risco
contra a fria dos temporais e dos criminosos na manuteno da ordem e na garantia da vida
e da propriedade.33 Mesmo reconhecendo a falta de uma remunerao condigna dos
remadores, esses patres aproveitaram o ensejo para pleitearem o aumento de seus
vencimentos. Eles alegaram que no ano anterior ao pedido, por fora da Lei n. 1.151, de 15 de
julho de 1916, que fixava a despesa do Estado, os remadores tiveram seus salrios
reajustados, mas eles foram prejudicados com o congelamento de seus vencimentos, ficando
32 Abaixo-assinado. APEB, Seo Legislativa, livro 989 (1903-1937). 33 Idem.
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inferiores aos dos seus subordinados. Apelando para a hierarquia das funes, eles
argumentaram em favor do mrito do aumento, uma vez que os remadores lhes eram
subordinados e no tinham responsabilidade pela regularidade do servio das embarcaes,
pela disciplina e pelo asseio e conservao do material flutuante da Inspetoria.34
A situao instvel e adversa do cotidiano de trabalho no porto e no mar foi, sem
dvida, o principal ingrediente dos abaixo-assinados encaminhados Assembleia Legislativa
do Estado da Bahia. Em maio de 1918, foi a vez dos agentes da Inspetoria da Polcia do Porto.
Os vinte impetrantes queriam a equidade de seus salrios aos dos agentes do Gabinete de
Investigao e Capturas e, dentre outras questes elencadas no abaixo-assinado, justificaram
que o servio por eles desempenhado no lhes permitia descanso aos dias santificados e
feriados. Em 10 de junho do mesmo ano, os maquinistas, foguistas e remadores da lancha da
Inspetoria da Polcia do Porto novamente se dirigiram Cmara dos Deputados, no intuito de
convencer o ilustre parlamento a aprovar a equiparao de seus salrios ao do pessoal da
Companhia de Navegao Baiana. Os funcionrios ligados aos servios de fiscalizao e
segurana nos portos e no mar, segundo a documentao consultada, constituram-se como
grupo que, por mais vezes, recorreu aos membros da Cmara para reivindicarem seus direitos.
No entanto, outros funcionrios, de diferentes rgos ou secretarias tambm recorreram a
aes reivindicatrias, de cunho institucional.
Os trabalhadores da Imprensa Oficial, rgo submetido Secretaria da Fazenda e
Tesouro do Estado da Bahia tambm se mostraram insatisfeitos com as condies de trabalho
a que estavam submetidos. Em julho de 1918, os tcnicos e outros diaristas das oficinas do
rgo enderearam uma petio Assembleia Legislativa, na qual pleiteavam a valorizao
de seus rendimentos. Afirmaram, no documento, que esperariam a valiosa e salvadora
proteo das duas augustas cmaras da Assembleia Legislativa do Estado no atendimento da
demanda. No ano seguinte, os grficos dessa mesma repartio reivindicaram que fossem
includos no projeto de lei em curso na Assembleia, que pretendia reconhecer os empregados
da Companhia de Navegao Baiana, inclusive os operrios de Itapagipe, como
funcionrios pblicos. J os postilhes, funcionrios que realizavam a distribuio dos
exemplares do Dirio Oficial do Estado, demandavam a manuteno da gratificao de
10$000, aprovada no oramento do ano de 1916, quando no havia descontos dos dias de
domingo e feriados. Afirmavam que, por conta prpria, contratavam um ajudante para
34 Abaixo-assinado. APEB, Seo Legislativa, livro 989 (1903-1937).
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carregar os diversos volumes do Dirio Oficial, que podiam chegar a oitenta pginas, em
algumas edies, ocasionando acmulo de peso que entrava e dificulta a distribuio. A
permanncia da gratificao, alm das dirias de 1$667, era justificada pela necessidade de
manuteno da compostura, pois apesar de se trajarem pobremente, o faziam com
decncia visando no dificultar o servio de entrega do veculo de informao oficial mais
importante do estado.35
Em 1923, um novo documento, assinado por 142 trabalhadores da
Imprensa Oficial do Estado reivindicou a devida incorporao deles ao servio pblico, com a
efetivao das funes, conforme j havia ocorrido com os seus colegas da Imprensa Nacional
para efeitos de Montepio e aposentadoria.36
Outro componente que funcionou como justificativa aos pleitos realizados pelos
funcionrios pblicos baianos foi a luta pela isonomia salarial, inclusive entre funcionrios
dos diferentes poderes da Repblica. No ano de 1917, os escreventes do Servio Mdico
Legal queriam que seus vencimentos fossem equiparados ao dos colegas lotados no Senado
Estadual. Diziam os reclamantes que os funcionrios daquela casa legislativa ganhavam os
mesmos vencimentos e vantagens desde os serventes aos diretores. Havia segundo essa
fonte, uma desigualdade entre as remuneraes dos funcionrios dos poderes Executivo e
Legislativo, ou seja, ainda que fossem considerados como hierarquicamente superiores, os
peticionrios recebiam remuneraes inferiores a dos serventes que trabalhavam na
Assembleia Legislativa. Ademais, eles chamavam a ateno para o grau de responsabilidade
de suas funes, pois muitas atribuies eram confiadas sua competncia, o que, segundo
eles, exigia que trabalhassem em hora adiantada da noite. Neste mesmo ano, os militares da
Brigada Policial encaminharam uma solicitao Cmara dos Deputados pedindo que lhes
fossem concedidas as mesmas regalias de que gozam perante a lei outros funcionrios.
Questionavam, por meio do documento, a legitimidade da Lei n. 1.047, de 13 de agosto de
1914, que contava o tempo, para fins de aposentadoria, apenas de militares egressos das
Foras Armadas ou das Guardas Municipais. Apelando para o princpio da hierarquia e tempo
no servio pblico, eles repudiaram a falta de isonomia, sobretudo para aqueles que, h algum
tempo, vinham se dedicando aos quadros da administrao pblica da Bahia.37
As longas jornadas de trabalho e o acmulo de funes tambm foram motivos de
queixas entre os aspirantes a funcionrios pblicos baianos. Em maio de 1918, os escrives
35 Abaixo-assinado. APEB, Seo Legislativa, livro 989 (1903-1937). 36 Idem. 37 Abaixo-assinado. APEB, Seo Legislativa, livro 992 (1901-1935).
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criminais da Comarca de Salvador reclamavam do pouco tempo de que dispunham para
repouso e descanso para as fadigas que o servio exaustivo e prolongado ocasionava. Por
causa disso, demandavam uma gratificao de 500$000 mensais e o direito de ingressarem no
Montepio estadual, tal como ocorria com os escrives da sade pblica. No dia 5 do mesmo
ms, o escrivo-chefe da Polcia do Porto e seus companheiros demandaram a equiparao
de seus salrios aos de seus colegas da justia criminal, que recebiam 250$000, ao invs de
166$666 recebidos pelos reclamantes. Segundo esses servidores, pela natureza da funo,
eles eram obrigados a prestar um servio quase ininterrupto ou, pelo menos, sem a cmoda
prefixao de tempo, pois, deviam acudir em qualquer hora, do dia ou da noite, s injunes
do dever. Por isso, aguardavam ansiosamente a palpitante e inadivel necessidade de
reparao.38
Os mdicos da Assistncia Pblica tambm se queixaram das condies de trabalho a
que estavam submetidos, denunciando os excessivos trabalhos que os consumiam quase
todo o dia e, no raro, algumas noites. No se sentiam satisfeitos com os vencimentos
congelados h, pelo menos, duas dcadas e pediam aumento proporcional ao tempo em que
no houve reviso da tabela de vencimentos, ou seja, desde 1895, equivalente a 25% de
reajuste, suficiente para cobrir os 23 anos de defasagem salarial. Em maio do mesmo ano,
criticaram a distribuio da carga horria de trabalho semanal, pois eram obrigados a
permanecer quatro horas por dia nos postos, podendo ser, inclusive, aos finais de semana ou
feriados. Ademais, davam plantes de doze horas em um dia da semana e, muitas vezes, no
cotidiano de trabalho, realizavam procedimentos cirrgicos de alta complexidade, alm de
prestarem socorros em locais distantes, colocando-os em riscos de acidentes ou morte.
Apoiavam-se no discurso proferido pelo Governador, na abertura dos trabalhos daquele ano,
no qual se destacou a relevncia do ofcio e se reconheceu a baixa remunerao dada queles
profissionais (450$000 mensais). O fato foi denunciado, tambm, pela Imprensa.39
Em 1922,
os mdicos voltaram a reivindicar melhorias em seus proventos. Diziam que no havia
organismo humano, por melhor constitudo e alimentado, que no sofra as conseqncias de
uma exposio (...) ao mau tempo s noites frias e s madrugadas invernosas, fazendo-se
referncia aos plantes semanais. Alm das adversidades cotidianas, das necessidades bsicas
38 Idem. 39 Abaixo-assinado. APEB, Seo Legislativa, livro 989 (1903-1937).
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e familiares, declaravam necessitar comprar livros importados do estrangeiro, alm dos
atrativos ofertados pelas clnicas.40
A luta por igualdade no se restringiu pauta por melhorias salariais dos funcionrios
envolvidos. A preocupao com o futuro dos trabalhadores e de seus familiares permitiu um
engajamento por medidas de cunho securitrio, que implicavam no reconhecimento da funo
pblica desenvolvida pelos servidores. Deste modo, em 1918, os enfermeiros se uniram aos
chauffeurs e seus ajudantes, no intuito de reivindicarem a estabilidade no servio pblico e o
gozo dos direitos de aposentadoria e montepio. Eles recorreram aos deputados e senadores
baianos e citaram um recente caso de acidente de trabalho, que vitimou mortalmente o mdico
Jeronymo Sodr Filho, aps um abalroamento de automveis em servio. Afirmaram no
ser justo, nem edificante que aos pequenos se negue estes benefcios em lei, quando se os d
aos altos funcionrios. No ano seguinte, no ms de junho, eles enviaram um novo abaixo-
assinado Comisso de Sade Pblica, Constituio e Fazenda, da Cmara dos Deputados.
Desta vez, os reclamantes diziam contar com um longo tempo de servios relevantes,
dedicados com solicitude e mximo esforo e prestados aos mdicos, como seus auxiliares,
sendo providencial a efetivao deles no servio pblico, em reconhecimento ao desempenho
das funes exercidas.41
Esse desejo de equiparao de direitos, especialmente dos que se referiam
aposentadoria ou s vantagens salariais, marcou as lutas dos funcionrios e aspirantes a
servidores pblicos no decorrer dos anos 1920. O volume de pleitos dos funcionrios baianos
deveu-se ainda s reformas administrativas ocorridas nesse decnio, que alterou parte da
estrutura organizativa, alm de reconhecer a estabilidade de muitas categorias profissionais
que integravam o conjunto de empresas e reparties pblicas daquele perodo. Destarte,
medida que alguns grupos ocupacionais conquistavam alguns benefcios, outras categorias
pleiteavam a equiparao dos seus direitos, tendo como base o princpio republicano da
isonomia. O ano de 1928 registrou um volume significativo de processos enviados pelos
funcionrios baianos, muitos dos quais requisitavam o reconhecimento da condio de
servidor do Estado. Nesse ano algumas mudanas ocorreram no regime de aposentadorias e
no montepio do Estado, resultado da presso realizada pelos diferentes setores que integravam
o servio pblico baiano da Primeira Repblica. O coroamento do processo foi a publicao
40 Abaixo-assinado. APEB, Seo Legislativa, livro 989 (1903-1937). Abaixo-assinado. APEB, Seo
Legislativa, livro 992 (1901-1935). 41 Abaixo-assinado. APEB, Seo Legislativa, livro 989 (1903-1937). Abaixo-assinado. APEB, Seo
Legislativa, livro 992 (1901-1935).
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da Lei n. 2.127, de agosto de 1928, que regulamentou a aposentadoria por tempo de
contribuio.
A falta de uma legislao mais abrangente, que contemplasse amplamente os direitos
de todos os funcionrios da administrao pblica baiana foi motivadora do envio de
reclamaes diversas, por funcionrios que exerciam funes semelhantes, mas com
benefcios diferenciados, de acordo com a repartio de lotao. Os abaixo-assinados que
tinham como finalidade a equidade de direitos eram normalmente acompanhados de uma
descrio das atividades exercidas pelos reclamantes, que costumavam consider-las de igual
ou maior responsabilidade, em relao queles aos quais pretendiam igualar seus
vencimentos. O primeiro pedido encontrado na documentao consultada para o ano de 1928
foi o dos trs guardas da Biblioteca Pblica do Estado, que requereram a aprovao de um
projeto de Lei que os colocassem em situao igual, de referncia pecuniria dos
funcionrios da Secretaria da Cmara, tal como j havia ocorrido com seus colegas do
Tribunal Superior de Justia. Com essa atitude, pretendiam elevar seus rendimentos em quase
o dobro, de 2:400$000 para 4:020$000 anuais. Como justificativa, alegavam possuir uma
jornada de trabalho mais extensa e cansativa, at as 9 horas da noite, e funes de maior
relevncia social, pois lidavam com centenas de pessoas que procuravam a Biblioteca
diariamente. No mesmo ano, outros 22 guardas do Hospital Joo de Deus pleitearam os
mesmos direitos dos guardas sanitrios, todos submetidos ao Departamento de Sade Pblica.
O trabalho dia e noite, s tendo folga trs vezes ao ms, diziam eles, era muito diferente dos
seus semelhantes, cujos servios so muito mais suaves e ganhavam pouco mais de cem
contos de ris em relao aos proventos dos reclamantes. Entre os guardas chefes da
Secretaria de Sade e Assistncia Pblica e os da Penitenciria do Estado, essa diferena era
muito maior, pois enquanto os primeiros recebiam dois contos e oitocentos mil-ris, os
ltimos tinham remuneraes de quatro contos e quinhentos mil-ris anuais. 42
O desejo de equiparao podia ainda ser motivado por questes de cunho geogrfico,
ou melhor, pela disparidade entre os rendimentos do funcionalismo da capital e do interior da
Bahia. Em 1930, o porteiro contnuo e o oficial escriturrio da Delegacia de Terras e Minas da
cidade de Lenis, na Chapada Diamantina, pleiteavam a equiparao de suas vantagens s de
seus colegas de Salvador. O Oficial ganhava pouco mais de trs contos e novecentos mil-ris
e, segundo previsto em lei, tinha direito a 3% do total da renda diamantina produzida pela
42 Abaixo-assinado. APEB, Seo Legislativa, livro 992 (1901-1935).
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Delegacia. No ano anterior, essa gratificao foi estipulada em mais de quatro contos e cem
mil-ris, porm, de acordo com a Lei n. 2.126, de 9 de agosto de 1928, por meio da qual a
Secretaria da Fazenda e Tesouro, regulamentou as quotas, porcentagens e emolumentos
pagos pelo Estado no poderiam exceder os vencimentos anuais do funcionrio, alm de no
serem vlidas para efeitos de aposentadoria. Diante desse impedimento, o oficial alegou que
no percebia nenhuma desvantagem para o Estado, caso seus vencimentos fossem fixados
em sete contos e duzentos mil-ris anuais. J o porteiro queria ser remunerado tal como um
simples contnuo das reparties da Capital. Sugeria o possvel aproveitamento de
recursos oriundos da economia obtida pelo Estado, em virtude do afastamento do Procurador
Fiscal da regio, funo antes exercida pelo Promotor Pblico, quando necessrio. O Decreto
n. 6.519, de 4 de outubro de 1919, revogou essa funo, que recebia vantagens de 4% sobre a
renda das lavras diamantinas. No ano anterior ao abaixo-assinado, esse percentual chegou a
pouco mais de cinco contos e quinhentos mil-ris, verba de onde, segundo o requerente,
poderia ser retirada a quantia de um conto e setecentos e dezesseis mil-ris para completar os
seus vencimentos de 1:584$000 e se igualar aos colegas da capital, que ganhavam 3:300$000
por ano.43
O ano de 1928 foi marcado ainda pela intensificao das reivindicaes de
equiparao de direitos fundamentais dos funcionrios baianos: valorizao dos vencimentos,
vantagens, gratificaes e a estabilidade no setor pblico. A reforma administrativa ocorrida
em 1928 reorganizou as secretarias estaduais e contemplou algumas demandas, como o direito
aposentadoria, entretanto no estendeu esses benefcios a todos os trabalhadores da
administrao pblica do perodo. Um exemplo dessa distribuio desigual pode ser
demonstrado atravs das restries salariais impostas pelos governantes da poca s mulheres
integrantes do servio pblico. Em maro de 1928, quatro datilgrafas da Diretoria da
Fazenda e Tesouro do Estado dirigiram ofcio Cmara, manifestando interesse em igualarem
suas remuneraes aos colegas de ofcio, do sexo masculino, lotados na Diretoria de Terras e
Minas que, por sua vez, haviam sido equiparados aos terceiros oficiais da mesma repartio
desde 1923. As peticionrias ganhavam 2:400$000 anuais, o que representava menos da
metade dos 6:000$000 recebidos pelos colegas anualmente. As funcionrias exigiram a
melhoria dos seus exguos salrios, tendo em vista o servio mais complexo e trabalhoso
que desempenhavam. Alm disso, no aceitavam ganhar proventos inferiores aos 3:000$000
43 BAHIA. Lei n. 2.126 de 9 agosto de 1928. Regulamenta a Secretaria da Fazenda e Tesouro do Estado da
Bahia. LEIS do Estado da Bahia do ano de 1928. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1929.
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recebidos pelos contnuos, considerados tecnicamente inferiores por elas, as quais defendiam
que onde h hierarquia h melhoria de vencimentos.44
No ms seguinte, em abril de 1928, foi a vez dos funcionrios do Tesouro do Estado
encaminharem ofcio Cmara dos Deputados, no qual informavam que no ocupariam a
preciosa ateno dos membros daquela Instituio, se no fosse a convico em que se
acham da justia da causa que pleiteavam e do acerto de ponderadas razes. Criticavam a
concesso injusta de gratificaes de 1,85% sobre os vencimentos do Diretor, Contador
Central e Inspetor Fiscal daquela Secretaria desde 1926. Deste modo, pleiteavam a
integralizao desses benefcios aos demais funcionrios do rgo e fizeram diversas
comparaes com outros colegas: do setor, do Tesouro Municipal, do Tesouro de Pernambuco
e do Tesouro Nacional. Eles aproveitaram a oportunidade e anexaram uma cpia do parecer
da comisso que aprovou o recebimento de vantagens idnticas aos funcionrios da
Recebedoria de Rendas e da Alfndega Nacional, na tentativa de oferecer um modelo a ser
seguido e sensibilizar os legisladores baianos a aprovarem um pedido to flagrante que
podia dispensar comentrios. J em maio foi a vez dos delegados de sade, diretores e
chefes de servio dos vrios departamentos da Secretaria de Sade, desejarem a equiparao
de seus vencimentos aos dos demais diretores das outras secretarias de Estado. Os
requerentes alegavam que a diferena entre seus rendimentos e o de seus colegas, era
2:400$000, que recebiam 14:400$000. Seus salrios estavam igualados aos dos inspetores
sanitrios, assistentes e verificadores de