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Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 7, número 26, junho de 2017. www.faceq.edu.br/regs
ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL: DO MÉTODO
TRADICIONAL À PROPOSTA SOCIOLINGUÍSTICA
Adenize da Silva Viana (FCP)1
Evelyn Olivia da Conceição (FCP)2
Gildete Fialho de Brito (FCP)3
Gleicy Nascimento Silva (FCP)4
Maria José Santos Figueiredo (FCP)5
Tatiane Rosa Matos Menezes (FCP)6
Ana Cristina Guedes de Oliveira (UNICSUL, FCP)7
Resumo
Este artigo traz uma reflexão sobre a compreensão dos métodos no processo de
alfabetização, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, apresentando as formas
tradicionais de alfabetizar, suas trajetórias e finalidades. Abordando a história da
alfabetização no Brasil, faz uma abordagem sobre as práticas tradicional e
sociolinguística, no contexto da Educação, com o objetivo de discutir os diferentes
métodos e abordagens referentes à alfabetização, verificando qual seria o melhor
método para alfabetizar, que trouxesse menos dificuldades e mais prazer à criança.
Palavras-chave: Alfabetização. Ensino Fundamental I. Métodos. Aprendizagem
significativa.
Abstract
This article presents a reflection on the understanding of the methods in the literacy
process, in the initial years of Elementary School, presenting the traditional forms of
literacy, its trajectories and purposes. Addressing the history of literacy in Brazil, it
approaches traditional and sociolinguistic practices in the context of education, with the
1 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Centro Paulistano (FCP). 2 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Centro Paulistano (FCP). 3 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Centro Paulistano (FCP). 4 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Centro Paulistano (FCP). 5 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Centro Paulistano (FCP). 6 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Centro Paulistano (FCP). 7 Mestre em Políticas Sociais pela Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL). Pós-graduada em Docência
do Ensino Superior pela Faculdade de Educação de Assis (IEDA). Licenciada em Letras pelo Centro
Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Licenciada em Pedagogia pela Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Botucatu (UNIFAC). É docente na Faculdade Centro Paulistano (FCP).
Contato: [email protected]
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aim of discussing the different methods and approaches related to literacy, checking
what would be the best method for literacy, which would bring less difficulties and
more pleasure to the child.
Keywords: Literacy. Elementary Education I. Methods. Meaningful learning.
Introdução
Este artigo tem por objetivo conhecer os métodos de alfabetização mais
utilizados em sala de aula, nos anos iniciais do Ensino Fundamental do ciclo I, fazendo
uma reflexão sobre esses métodos, visto que ainda é grande o número de crianças
consideradas copistas ou analfabetas funcionais nesse nível de ensino. Segundo Cagliari
(1998), as cartilhas surgiram muito antes de se ensinar às crianças a alfabetização nas
escolas. Antigamente, as cartilhas serviam de subsídio para as pessoas aprenderem a ler
e a escrever em casa, eram feitas em tabelas, com grupos de letras para que a escrita
representasse os diferentes padrões silábicos. O tipo de letra era sempre o de imprensa,
em uso na época. O referido autor, em sua obra “A cartilha e a leitura”, relata o
fracasso de se alfabetizar ambientes em que não havia representação alguma para os
alunos. O método era rápido, porém não oferecia significado aos educandos; era um
processo de conhecer o alfabeto e sílabas com grupos de letras, correspondentes à fala,
caracterizando esse método como um equívoco educacional.
No Brasil, a alfabetização começou a ser transformada a partir dos anos de
1980, como descreve Mendonça (2007). Nesse período, as práticas sociais de leitura e
escrita assumem a natureza de problema relevante no contexto da constatação de que a
população, embora alfabetizada, não dominava as habilidades de leitura e escrita
necessárias para a participação efetiva nas práticas sociais e profissionais que envolvem
essas competências.
Segundo Soares (2003, p. 31) “[...] por uma perspectiva mais limitada, a
alfabetização é a ação de alfabetizar, de tornar alfabético, sendo necessário alfabetizar
letrando, de forma que a criança possa ler e escrever e também apropriar-se de
habilidades, para usar socialmente a leitura e a escrita”. Para a autora, o letramento traz
consequências sociais, culturais, políticas e econômicas, tanto no âmbito coletivo,
quanto no individual.
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1 Método de alfabetização tradicional
Em meados dos anos de 1980, a alfabetização no Brasil foi questionada devido
ao fracasso escolar. Resultados de pesquisas nas escolas públicas apontavam que os
alunos chegavam ao 5º ano ainda analfabetos, sendo que eram alfabetizados pelo
método tradicional. O método tradicional de alfabetização é centrado no professor, que
tem a função de observar se o aluno está seguindo à risca o que lhe foi pedido.
Segundo Cagliari (1998, p. 108), na alfabetização “existem dois métodos, um
voltado para o ensino e outro voltado para a aprendizagem”. O primeiro tipo é
considerado, pelo autor, inadequado, porque nele a situação inicial do aluno é
considerada uma página em branco, onde serão acrescentadas informações, uma após a
outra, dando ênfase ao conhecimento já dominado e, para isso, decorar é fundamental.
O autor cita como exemplo mais trivial deste método, o uso das cartilhas, em que o
aluno precisa desmembrar palavras, decorar os pedaços e, com eles, construir outras
palavras.
O segundo tipo de método, que enfoca a aprendizagem, é centrado na reflexão
em que o aprendiz utiliza todo conhecimento adquirido a partir do momento que nasce
para refletir sobre todas as coisas. Esse método prega que o ensino é igual para todos,
enquanto a aprendizagem é diferenciada para cada indivíduo, isto é, cada um tem o
momento adequado para aprender.
Contudo, Cagliari (1998) considera que,
O melhor método para um professor deve vir de sua experiência e deve ser
baseado em conhecimentos sólidos e profundos da matéria que leciona. O
fato de não ter um método preestabelecido não significa que o ensino seguirá
navegando à deriva […] Quando um professor é bem conhecedor da matéria
que leciona, ele tem um jeito particular de ensinar […] e isso é fundamental
para o processo educativo. (CAGLIARI, 1998, p. 108)
Geralmente, o método de ensino que utilizava as cartilhas, era feito por etapas
exigindo que os alunos as seguissem, de acordo com sua ordem, usando palavras-chaves
e sílabas geradoras, ou seja, o famoso método do “bá-bé-bi-bó-bu”. Cada capítulo da
cartilha apresentava uma unidade silábica. As lições eram organizadas do mais fácil
para o mais difícil e finalizam com um texto que resumia tudo o que ela tentou ensinar.
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A Cartilha tem seu ensino baseado na ortografia perfeita, ensinada através de
regras gramaticais, confundindo ainda mais a aprendizagem do aluno e deixando, às
vezes, seus textos escritos de forma ortograficamente correta, porém sem sentido. A
cartilha de método tradicional cria seus próprios ideais, que o aluno tem por obrigação
seguir, aprendendo uma lição após a outra.
Essa metodologia tem a concepção de que a aula deve acontecer apenas dentro
da sala, em que o professor ensina a matéria, passa os exercícios e depois os corrige,
seguindo com a matéria em frente, fazendo sempre a mesma coisa, tornando a aula
mecanizada, dando a entender que o aluno só irá aprender através do conhecimento do
professor. Este tipo de aula faz com que o aluno aprenda por repetições de exercícios,
com exigência do uso da memória, levando o aluno a decorar e não a aprender e, como
consequência, a escola forma alunos desinteressados e desmotivados pelos estudos.
1.1 O método tradicional sob a ótica de Paulo Freire
Paulo Freire (2013), em seu livro “Pedagogia da Autonomia: saberes
necessários à prática educativa”, descreve o método tradicional como sendo uma
alfabetização bancária. Isso significa que a alfabetização na concepção bancária se
baseia na transmissão de conhecimentos do educador ao educando; dessa forma, o
educando é apenas o objeto da aprendizagem que se encontra “vazio” e passivo, e o
professor deve apenas “depositar” os conteúdos a fim de que eles os assimilem e os
reproduzam.
Essa situação acontece nas relações tradicionais de alfabetização, nas quais o
educador é o único conhecedor e o educando não traz nada de sua realidade; por essa
razão, nessa forma de ensino, é desconsiderada a realidade e os conhecimentos do
educando, considerando-o como recebedor passivo e decorador das sílabas que irá
aprender. Nesta concepção de educação, os educandos somente recebem os
conhecimentos como arquivos para serem utilizados quando necessário. Desta forma, a
alfabetização é narradora e dissertadora, porque se limita a relatar conhecimentos sem
reflexão. Segundo Freire,
[...] uma das características desta educação dissertadora é a “sonoridade” da
palavra e não sua força transformadora. No fundo, porém, os grandes
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arquivos são os homens, porque fora da busca, fora das práxis, os homens
não podem ser. Educadores e educandos se arquivam na medida em que,
nesta distorcida visão de educação não há criatividade, não há transformação,
não há saber. (FREIRE, 2005. p. 66-67)
A alfabetização, na concepção bancária, não possibilita o verdadeiro acesso ao
saber que, segundo Freire (2005, p. 67) “é crítica, de invenção e reinvenção, de busca
permanente feita no mundo, com o mundo e com os outros; [a concepção bancária, ao
contrário] assim, mantém-se, refletindo a sociedade opressora e sua visão, reforçando a
cultura do silêncio e de passividade dos oprimidos”. A massa, nesta concepção de
alfabetização, não tem voz, pensar próprio, leitura do mundo e nem a possibilidade de
uso dos seus conhecimentos para uma ação, o que faz dos “homens espectadores e não
recriadores do mundo” (FREIRE, 2005, p. 67).
Freire (2005) ainda reforça que a alfabetização é dada como se fosse
desvinculada da realidade; por isso, se percebe que há a utilização de frases prontas,
sem criticidade e, muitas vezes, sem sentido, e as cartilhas só reforçam o caráter
bancário. Os conteúdos para o aprendizado da escrita são acríticos e não refletem a
realidade, mas a prática alfabetizadora tradicional. Outro aspecto importante a se
destacar é o controle de leitura, que expressa a alfabetização que os “os opressores”
querem: que limite a leitura e o verdadeiro saber, que apassive para a resignação e não
para a emancipação, que limite a leitura e o pensar para uma escrita acrítica.
A alfabetização, em uma visão bancária, é aquela que serve para uma visão
elitista da norma culta, em que é repassada a língua padrão da classe dominante, sua
cultura e ideologia, e que determina quando e como se deve usar a escrita. De certa
forma, Paulo Freire, ao escrever, percebeu que a sociedade praticava uma cultura de
leitura e escrita, mas não de letramento. Sua crítica à alfabetização tradicional traz a
junção da alfabetização e do letramento em seu método; uma proposta não para repassar
conhecimentos, mas para avançar em um letramento que sirva para as massas populares
e que seja feito por elas.
A alfabetização, na perspectiva freireana, é perceptível claramente em seu
método e suas práticas. No decorrer da alfabetização, ao realizar este método, podemos
analisar a letra e sua perspectiva, como um conjunto que dificilmente dissocia
alfabetização de letramento. Para Freire (2005), quando a alfabetização é tomada como
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uma aprendizagem de leitura e escrita de “forma ingênua” e tradicional, ela não observa
princípios básicos da educação, como uma prática necessária, que sirva para o
aprendizado e não para a impossibilidade de prosseguimento no conhecimento, pelo uso
de leitura e escrita.
Nesta visão, pode-se observar o educando não como ser, mas depósito de
conhecimentos, algo que frequentemente ocorre com muitas pessoas que leem, mas não
interpretam o que têm lido, pois recebem o código linguístico sem realmente serem
letradas. Freire (2005) concebe a leitura com a finalidade de inserir o indivíduo em um
contexto de conhecimento e sabedoria para a formação de outros conhecimentos, algo
que uma educação bancária não objetiva. Para o autor, “[...] o ato de estudar, enquanto
ato curioso do sujeito diante do mundo é expressão da forma de estar sendo dos seres
humanos, como seres sociais, históricos, seres fazedores, transformadores, que não
apenas sabem, mas sabem que sabem” (FREIRE, 2009, p. 60).
Na visão de Paulo Freire (op. cit.), a alfabetização não deve reproduzir seres
passivos, mas compreendedores da realidade e da vida social. Estes fatos reforçam o
que a maioria dos estudiosos tem concluído sobre o letramento, que seria para as
necessidades de utilização de escrita e leitura exigidas pela sociedade e de importância
nas várias práticas sociais. Paulo Freire (op. cit.), além de expressar características do
letramento amplamente aceito, afirma que ele ultrapassa o aprendizado, visando o ser
não como passivo, mas como sujeito ativo em seu contexto social e histórico, voltado
para a ação transformadora.
Segundo Pinto (1989, p. 61), o letramento tradicional pode ter como foco o
acesso a várias fontes escritas e valoriza apenas aquele que lê e escreve e, aos que não
têm acesso a esses processos, “desconsidera-os, como iletrados, incultos, pessoas
ignorantes absolutas”. Paulo Freire (2005) ultrapassa essa noção de letramento e
demonstra que mesmo pessoas com pouco acesso à leitura possuem conhecimento da
linguagem e letramento de vida em uma perspectiva construtivista.
Numa concepção política, o letramento se torna a leitura de mundo; por ela,
qualquer homem tem um letramento e sabe alguma coisa. De acordo com Tfouni (1995)
deve-se valorizar o saber de acordo com os aspectos sócio-históricos do homem:
“Enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo ou grupo
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de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de uma
sociedade” (TFOUNI, 1995, p. 20). Assim, observa-se um método não como simples
técnica de aprendizagem de leitura e escrita, mas como a totalidade que ultrapassa estes
e muitos outros aspectos do que vem a ser letramento.
“As técnicas do método de alfabetização de Paulo Freire, embora em si
valiosas tomadas isoladamente não dizem nada do método” (FIORI, 2005, p. 9),
portanto, não pode ser tratada como simplesmente uma técnica, mas com uma visão em
que alfabetizar é humanizar. Reforçando esse aspecto “sensível” e humano, a autora
Magda Soares (2003, p. 39) afirma que "Letramento é, sobretudo, um mapa do coração
do homem, um mapa de quem você é e de tudo que pode ser".
Paulo Freire observa esse mapa da condição de oprimido do ser, que passa pela
leitura de mundo e reflexão das causas sociais, que leva a uma conscientização, uma
real leitura de mundo e das condições de vida. De grande valor é a contribuição de
Freire em relação à leitura de mundo em que o ato de ler tem como ponto de partida a
experiência de vida, leitura do contexto, depois da palavra. Paulo Freire (2005) busca
aprofundar este letramento para que forme a leitura da palavra-mundo:
Na verdade, o domínio sobre os signos linguísticos escritos, mesmo pela
criança que se alfabetiza, pressupõe uma experiência social que o precede – a
da leitura do mundo. Esta percepção desmistifica a visão ingênua e
ideológica de que os alunos de famílias com pouco acesso a leitura tendem a
ser ignorantes em absoluto e que por sua falta de conhecimento dificilmente
serão letrados e que não poderão transformar a situação. [...] Aprender a ler e
a escrever é aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto numa
relação dinâmica, vinculando linguagem e realidade e ser alfabetizado é
tornar-se capaz de usar a leitura e a escrita como meio de tomar consciência
da realidade e de transformá-la. (FREIRE, 2005, p. 60)
Paulo Freire defende aqueles que ele intitula como oprimidos e demonstra que
possuem letramento – o da leitura do mundo e o da leitura da sua realidade – e que
ambos representam um reforço para um letramento escrito. Assim, percebe-se que o
letramento defendido por Freire é diferente do tradicional. Segundo Street (apud
KLEIMAN, 1995, p. 38),
O letramento ideológico não se trata simplesmente de aspectos da cultura
letrada, mas estruturas de poder da sociedade, e Paulo Freire foca nas lutas
sociais, educação como prática de liberdade, alfabetização e letramento que
ultrapassem as práticas sociais e as relações de poder. (STREET apud
KLEIMAN, 1995, p. 38)
A partir de todo o exposto, vê-se a importância em valorizar um método que
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vai muito além de ensinar a ler e a escrever, mas sim “letrar”, levando o aluno a
interpretar e refletir, para que se torne um ser crítico e autônomo, dono de seu próprio
saber e assim possa contribuir para uma sociedade mais justa.
2 O método Sociolinguístico
O Método Sociolinguístico veio para propor uma nova forma de alfabetização.
Isto porque desenvolve efetivamente o diálogo no contexto social de sala de aula. É
linguístico porque trabalha o que é específico da língua, a codificação e decodificação
de letras, sílabas, palavras, texto, contexto e o desenvolvimento as habilidades para ler e
escrever. Esta proposta está fundamentada no método Paulo Freire e nas atividades
didáticas desenvolvidas pela teoria de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, na qual a
criança passa pelos diferentes níveis de estrutura escrita, descritos na “Psicogênese da
língua escrita” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999).
2.1 Níveis Conceituais
Por acreditarem que a criança busca a aprendizagem na medida em que
constrói o raciocínio lógico e que o processo evolutivo de aprender a ler e escrever
passa por níveis de conceitualização que revelam as hipóteses a que chegou a criança,
Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1999) definiram cinco níveis: Hipótese Pré-silábica,
Nível intermediário I, Hipótese silábica; Hipótese silábico-alfabética ou Nível
Intermediário II e Hipótese alfabética.
A caracterização de cada nível não é determinante, podendo a criança estar em
um nível ainda com características do nível anterior. Essas situações são mais
frequentes nos níveis Intermediários I e II, onde frequentemente podemos nos deparar
com contradições na conduta da criança, quando se percebe a perda de estabilidade do
nível anterior e a não estabilidade do nível seguinte, evidenciando o conflito cognitivo.
Na Hipótese Pré-silábica, a criança não estabelece vínculo entre fala e escrita;
demonstra intenção de escrever através de traçado linear com formas diferentes; usa
letras do próprio nome ou letras e números da mesma palavra; caracteriza uma palavra
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como letra inicial; tem leitura global, individual e instável do que escreve (só ela sabe o
que quis escrever).
No Nível Intermediário I (ou silábico sem valor sonoro), a criança começa a ter
consciência de que existe alguma relação entre pronúncia e escrita; começa a
desvincular a escrita das imagens e os números das letras; conserva as hipóteses da
quantidade mínima e da variedade de caracteres.
Na Hipótese Silábica (ou silábico com valor sonoro), a criança já supõe que a
escrita representa a fala; tenta fonetizar a escrita e dar valor sonoro às letras; já supõe
que a menor unidade da língua seja a sílaba; em frases, pode escrever uma letra para
cada palavra.
Na Hipótese Silábico-alfabética (ou Nível Intermediário II), a criança inicia a
superação da hipótese silábica; compreende que a escrita representa o som da fala; passa
a fazer uma leitura termo a termo (não global); consegue combinar vogais e consoantes
numa mesma palavra, numa tentativa de combinar sons, sem tornar, ainda, sua escrita
socializável, por exemplo, CAL para cavalo.
Na Hipótese Alfabética, a criança compreende que a escrita tem função social;
entende o modo de construção do código da escrita; omite letras quando mistura as
hipóteses alfabética e silábica; não tem problemas de escrita no que se refere a
conceitos; não é ortográfica e nem léxica.
Nessa perspectiva, a alfabetização não é mais vista como sendo o ensino de um
sistema gráfico que equivale a sons. Um aspecto que tem que ser considerado é que a
relação da escrita com a oralidade não é uma relação de dependência da primeira com a
segunda, mas uma relação de interdependência, isto é, ambos os sistemas de
representação se influenciam igualmente.
O método sociolinguístico, em razão de sua eficácia, comprovada por diversas
experiências, mostra ser possível não só a alfabetização dos alunos em um ano, mas
ainda levá-los através do diálogo, a avançar no domínio dos usos sociais da leitura e da
escrita e no desenvolvimento de sua consciência crítica e social.
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2.2 O Método Sociolinguístico e seus quatro passos
Entende-se que o Método Sociolinguístico é composto por quatro passos que
levam o aluno ao processo de alfabetização, segundo a ótica de Paulo Freire (2009):
a) Codificação: consiste na representação de um aspecto da realidade, expresso
pela palavra geradora (proveniente do universo vocabular dos alunos), por meio da
oralidade, de desenhos dramatização, mímica, música e outros códigos que o
alfabetizando já dominar;
b) Descodificação: implica a releitura da realidade expressa na palavra
geradora, no intuito de superar as formas ingênuas de compreender o mundo, mediante
a discussão crítica e os subsídios do conhecimento universal acumulado (ciência, arte,
cultura);
c) Análise e síntese: por meio da divisão da palavra geradora em sílabas e
apresentação de suas famílias silábicas na ficha descoberta e, a seguir, junção das
sílabas para formar novas palavras, que visam levar o aprendiz à descoberta de que a
palavra escrita representa a palavra falada, a entender o processo de composição e os
significados das palavras, através da leitura e da escrita;
d) Fixação da leitura e escrita: faz a revisão da análise das sílabas da palavra e
a apresentação de suas famílias silábicas para, através da ficha de descoberta, formar
novas palavras com significado e compor frases e textos, com leitura e escrita
significativa.
Sobre os passos apresentados, um aspecto importante a ressaltar refere-se à
centralidade que a “codificação” e a “descodificação” assumem no Método
Sociolinguístico. Ao contrário da “codificação”, em que o professor questiona apenas
para descobrir o que os alunos sabem/pensam sobre o tema, na “descodificação” o
docente questionará para fazer com que reflitam sobre ele e assim cresçam criticamente.
Se o professor entender o processo de seu aluno, respeitando a ludicidade
peculiar à faixa etária, pode desenvolver palavras geradoras que agucem o olhar crítico
do aluno no tocante a diferentes aspectos da realidade, como, por exemplo, necessidade
e medidas para alimentação correta, preservação da natureza, higiene pessoal,
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brincadeiras de risco, escola, respeito e cuidados com animais e tornar a aprendizagem
prazerosa e eficiente. Sendo assim, cabe ao professor entender e se aprofundar nessa
forma de alfabetização para que seu aluno tenha uma aprendizagem significativa, que
venha a ler e a escrever com criticidade e autonomia, que saiba o que se está fazendo e
que a passividade seja realmente eliminada da vida escolar.
Considerações Finais
Após o estudo apresentado, foi possível constatar que o Método
Sociolinguístico e sua prática socioconstrutivista oferecem uma alternativa eficiente
para alfabetizar, própria dos educadores comprometidos com a formação de cidadãos
críticos e competentes para a construção de uma sociedade mais justa. É possível
alfabetizar os alunos em menos de um ano e ainda levá-los, através do diálogo, a
avançar para o uso social da leitura e da escrita e ao desenvolvimento de sua
consciência crítica e social.
Para que o aluno progrida no seu processo de aprendizagem, é preciso partir do
nível de conhecimento que ele possui para conduzi-lo a um nível de conhecimento mais
amplo. Isso ocorre diagnosticando-se, individualmente, o nível em que cada aluno se
encontra, para propor atividades mais adequadas a cada grupo de alunos, a fim de que
todos avancem no processo de construção da linguagem escrita.
O processo de alfabetização ocorre através da mediação entre a criança e a
linguagem escrita, sendo fundamental a mediação do professor, pois é ele quem pode
auxiliar seus alunos, seja parando ou acelerando uma explicação; ajustando o
planejamento inicial quando houver necessidade; ampliando ou não determinados
aspectos trabalhados; propondo atividades adequadas ao nível de aprendizagem dos
alunos; aproveitando um conteúdo bem compreendido como ponto de partida para
aulas seguintes; fornecendo às crianças pistas para solucionar algo que elas não
conseguem; iniciando uma atividade e deixando os alunos finalizá-la, ou até mesmo
possibilitando que as crianças se ajudem durante a execução da tarefa; tudo isso
favorece o processo de aprendizagem e, consequentemente, o desenvolvimento dos
alunos.
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O professor precisa conhecer a realidade em que o aluno está inserido e
preparar um ambiente alfabetizador que incorpore essa realidade; o método mais
importante e mais adequado é conhecer o aluno. Essa é uma prática que prioriza o aluno
enquanto construtor de seu conhecimento e o professor enquanto um mediador da
aprendizagem. Portanto, não existe um método que seja totalmente eficaz, mas sim
educadores realmente engajados no ato de ensino e aprendizagem, fazendo com que o
aluno aprenda e que seja autônomo e crítico, pronto para atuar socialmente.
Referências
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Scipione, 1998.
FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre:
Artmed, 1999.
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Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2005.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São
Paulo: Cortez, 2009
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Janeiro: Paz e terra, 2013.
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TFOUNI, L. V. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez, 1995.
Recebido em 22/12/2016
Aceito em 10/04/2017