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Page 1: Alba Carvalho

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VI SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE EDUCAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL DE

PESSOAS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS – UFRN –

NATAL, 19 DE SETEMBRO DE 2014

MESA REDONDA: ESTIGMA E PRECONCEITO

“ESTIGMA E PRECONCEITO NA CIVILIZAÇÃO DO CAPITAL COMO

PRODUÇÃO DE AUSÊNCIAS: A DIALÉTICA IGUALDADE/DIFERENÇA NO

DESAFIO DA INCLUSÃO”.

Alba Maria Pinho de Carvalho

19 de Setembro 2014

O debate sobre ESTIGMA e PRECONCEITO como construtos sócio-

históricos culturais que se atualizam e, mesmo, se ampliam e se agravam no

TEMPO PRESENTE, exige um OLHAR CRÍTICO SOBRE O MUNDO QUE

VIVEMOS, buscando circunscrever sua estruturação, seu modo de

funcionamento, sua dinâmica. É o desafio inadiável de pensar o MUNDO SOCIAL

CONTEMPORÂNEO, nos marcos do que se denomina CIVILIZAÇÃO DO CAPITAL.

De fato, impõem-se a exigência de pensar e compreender os circuitos desta

civilização no século XXI, em seu modo de funcionamento, em sua dinâmica, a

produzir ENQUADRAMENTOS SOCIAIS, ENCARNADOS EM MODOS DE VIDA

que geram EXCLUSÕES E DISCRIMINAÇÕES, criam e\ou atualizam ESTIGMAS,

em meio à ATMOSFERA CONTEMPORÂNEA da “TOLERÂNCIA”, do RESPEITO

ÀS DIFERENÇAS!

Assim, intitulei minha fala nesta mesa “ESTIGMA E PRECONCEITO NA

CIVILIZAÇÃO DO CAPITAL COMO PRODUÇÃO DE AUSÊNCIAS: A DIALÉTICA

IGUALDADE/DIFERENÇA NO DESAFIO DA INCLUSÃO”.

Falo do meu lugar, no contexto da SOCIOLOGIA POLÍTICA, no esforço

de contribuir para um debate histórico, sempre em processo, no âmbito da

EDUCAÇÃO, a constituir o instigante campo de pesquisa da EDUCAÇÃO

ESPECIAL. E, confesso ser e estar profundamente interpelada por este debate do

lidar com o estigma numa perspectiva de inclusão, considerando dois elementos das

minhas trajetórias indentitárias, ao longo de décadas: “ser professora-educadora”

é, hoje, a dimensão mais forte de minha identidade; a utopia de vida toda de

contribuir para a construção de uma sociedade igualitária, para além da lógica

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do capital e de todas as formas de exclusões, foi me fazendo ver, fui

compreendendo no processo, e sempre mais, ser impossível construir a

igualdade sem considerar a diferença, numa dialética que não pode ser

rompida.

Na construção desta fala, tenho, como base fundante, a clássica análise

de Erving Goffman sobre estigma e inspiro-me em interlocuções que venho

construindo ao longo dos anos 2000, de modo especial, com Boaventura de Sousa

Santos e Zigmunt Bauman, direcionando-as para a temática em pauta. Também

busquei referência no debate de pesquisadores em Educação Especial que me

interpelaram com questões, a exigir reflexões, no interior do pensamento crítico.

E aqui, apresento, antes de tudo, uma PROVOCAÇÃO PARA O

DEBATE!...

A fala está estruturada em dois grandes eixos: primeiramente,

estabeleço a configuração do mundo contemporâneo e seus enquadramentos

sociais, na perspectiva de problematizar os padrões de normalidade e a

identidade homogeneizadora dos indivíduos contemporâneos à interpelar

nossa reflexão, em nosso oficio cotidiano de ser professor-educador; em um

segundo momento, enfatizo o processo social de produção da não existência

pela via do estigma, pensando criticamente processos de estigmatização no

Brasil contemporâneo.

1. O MUNDO CONTEMPORÂNEO E SEUS ENQUADRAMENTOS SOCIAIS – é o

nosso ponto de partida, buscando circunscrever, em traços largos, um

desenho do cenário contemporâneo que realce a sua lógica, na

constituição de uma ordem social, encarnada em modo de vida... Senão

vejamos!

Vivemos em um mundo de PROFUNDAS MUDANÇAS,

DESLOCAMENTOS E REVIRAVOLTAS, alavancado na EXTREMA

TECNOLOGIZAÇÃO DA VIDA SOCIAL. Máquinas de diferentes espécies e

gerações povoam o mundo do trabalho, a vida doméstica, o universo do lazer

e, sobretudo, a vida pessoal, fazendo a mediação, a conexão das pessoas com

o mundo, em seus circuitos, em movimento incessante... São máquinas sempre

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mais absorventes, com múltiplas funções e, cada vez mais, artificialmente

inteligentes, trazendo a “tecnologia de ponta”, rapidamente superada... São

máquinas verdadeiramente pessoais que passam a constituir extensões do nosso

próprio corpo, produzindo a necessidade, tipicamente contemporânea, de

CONEXÕES PERMANENTES...

Estamos envoltos em NOVAS CONFIGURAÇÕES DE TEMPO/ESPAÇO

que permeiam a vida cotidiana: tempo em ritmo acelerado e a dominância,

sempre maior, do espaço virtual, rompendo velhas demarcações da existência

social: perto/longe; próximo/distante; permanente/transitório. Tem-se, em curso, a

DIFUSÃO SEM LIMITES, DE VOLUMES, CADA VEZ MAIORES, DE

INFORMAÇÃO E DE IMAGEM, a serem vorazmente consumidos e substituídos,

sem reflexão... A CRÍTICA SE FAZ UM BEM RARO!.

Neste jovem século XXI, este é um MUNDO SOCIAL REGIDO PELA

LÓGICA DE EXPANSÃO ILIMITADA DO CAPITAL, EM DETRIMENTO DAS

NECESSIDADES HUMANAS, DESCONSIDERANDO A PERSPECTIVA DO BEM

VIVER... É o MUNDO DA MERCANTILIZAÇÃO onde tudo se transforma em

mercadoria: objetos, pessoas, bens naturais, relações!... É o MUNDO DO

CONSUMISMO COMO FORMA DE EXISTÊNCIA SOCIAL!... É o MUNDO DA

LIQUIDEZ, a reproduzir, em múltiplas encarnações, a exacerbação da liquidez

do próprio sistema do capital!.. Difunde-se a CULTURA DO DESCARTÁVEL,

onde tudo se banaliza, inclusive a VIDA!...

Esta expansão ilimitada do capital, em diferentes formas de

valorização, gesta a PRECARIEDADE ESTRUTURAL DO TRABALHO QUE

ATINGE AS DIFERENTES CATEGORIAS E SEGMENTOS DE

TRABALHADORES, mesmo os QUALIFICADOS PARA O MERCADO,

PRODUZINDO UM CRESCENTE CONTINGENTE DE SOBRANTES, A VIVER NO

“FIO DA NAVALHA” DAS EXCLUSÕES E INCLUSÕES PRECÁRIAS... Um

enigma do nosso tempo é o PRECARIADO, constituído por jovens-adultos, com

nível elevado de formação profissional que vivenciam uma inserção

precarizada no mundo do trabalho, submetido a uma PRECARIZAÇÃO

LABORAL e uma PRECARIZAÇÃO EXISTENCIAL!...

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Em verdade, é esta a CIVILIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA DO CAPITAL,

a encarnar um MODO DE ORGANIZAÇÃO ECONÔMICA, POLÍTICA, CULTURAL

E EXISTENCIAL que sustenta a PRODUÇÃO DE EXCLUSÕES e, ao mesmo

tempo, alimenta CONDIÇÕES QUE IMPEDEM E/OU OBSTACULARIZAM A

VIABILIZAÇÃO DE PROCESSOS INCLUSIVOS!... É A SOCIEDADE LÍQUIDA -

criticada por ZIGMUNT BAUMAN – a efetivar a ruptura, o desligamento dos elos,

entre a vida individual e a dimensão do coletivo, em um modo privado e

privatizante de viver!...

É preciso perceber, com clareza, que, em meio à liquidez, às

inseguranças e instabilidades desta civilização do século XXI, constitui-se e

afirma-se a ORDEM CONTEMPORÂNEA DO CAPITAL, a impor PADRÕES E

MODOS DE VIDA, NOVAS FORMAS DE EXISTÊNCIA SOCIAL, neste mundo

cibernético-virtual, mundo imerso no fetichismo da mercadoria e inebriado

pelas cores, formas, cheiros da exacerbação do consumo.

Em verdade, esta ordem contemporânea do capital CONSTITUI E

ALICERÇA ENQUADRAMENTOS SOCIAIS, FORMAS DE ENCAIXE E

INTEGRAÇÃO DOS INDIVÍDUOS, garantindo-lhes a condição de INDIVÍDUOS

CONTEMPORÂNEOS, INDIVÍDUOS EM SINTONIA COM O SEU TEMPO,

INDIVÍDUOS NATIVOS DESTA ORGANIZAÇÃO SOCIAL!...

2. E QUEM SÃO OS INDIVÍDUOS CONTEMPORÂNEOS, ENQUADRADOS COMO

NATIVOS DESTA CIVILIZAÇÃO DO CAPITAL NO SÉCULO XXI? – eis uma

questão forte a nos interpelar...

SÃO INDIVÍDUOS CONECTADOS, PLUGADOS, EM PERMANENTES

CONEXÕES VIRTUAIS E IMERSOS NA SUA VIDA PRIVADA, COM PROJETOS

VIÁVEIS DE CURTO PRAZO... SÃO INDIVÍDUOS REGIDOS PELA LÓGICA DO

PRODUTIVISMO, DA CONCORRÊNCIA E DA DISPUTA, QUERENDO, A TODO

CUSTO, INSERIR-SE NESTE MUNDO DO CAPITAL, “COMPRANDO” A

FELICIDADE INSACIÁVEL DO CONSUMO, DOTANDO-SE DAS INSÍGNIAS DO

MERCADO QUE LHES GARANTAM FORÇA, BELEZA E PODER, conforme as

promessas do mundo encantado do marketing que cria e sustenta desejos!. A

“pedra de toque” DO SER CONTEMPORÂNEO é estar na concorrência, na

disputa, no universo insaciável do consumo, afastando-se do fantasma de

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encontrar-se na condição insuportável de sobrante, “fora do jogo” e, assim,

não fazer parte da “Festa de Babete”, organizada pelo sistema do capital para

os que se enquadram no seu modo de vida, se encaixam!...

É ESTE O PADRÃO DE NORMALIDADE DA CIVILIZAÇÃO DO

CAPITAL, A PRODUZIR, SOCIALMENTE, A ANORMALIDADE, O DESVIO, A

DIFERENÇA, O “REFUGO HUMANO”, na formulação de Bauman!

Podemos nos valer da História e constatar que é inerente, à civilização do

capital impor APARTAÇÕES que se MATERIALIZAM EM EXCLUSÕES E/OU

INCLUSÕES PRECÁRIAS, SUBALTERNAS. ASSIM, HISTORICAMENTE, O

CAPITALISMO HIBRIDIZOU-SE, ARTICULOU-SE ORGANIZAMENTE COM O

COLONIALISMO, A GESTAR RELAÇÕES DE DOMÍNIO, DE HIERARQUIA E

SUBORDINAÇÃO.

Hoje, na civilização contemporânea do capital ATUALIZAM-SE FORMAS

HISTÓRICAS DE COLONIALISMO NO CAMPO DA CULTURA, ARTICULANDO-

SE COM AS NOVAS FORMAS DE DOMÍNIO DO CAPITAL VIA PRECARIZAÇÃO

DO TRABALHO E PRECARIZAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE HOMENS E

MULHERES, DE BANALIZAÇÃO DA VIDA, DE VIOLÊNCIAS DE TODA ORDEM.

A rigor, a civilização do capital é perpassada pelo que se denomina de

NEOCOLONIALISMOS, ou seja, novas formas de colonialismo que reeditam,

com cara do nosso tempo, discriminações, hierarquias, preconceitos e

estigmas que marcam a vida brasileira.

Este hibridismo, esta articulação das apartações atuais do sistema

do capital com formas históricas de exclusões colonialistas ressignificadas se

faz inconteste, com encarnações atualizadas, no interior do mundo que vivemos...

Lancemos, então, o olhar na cena contemporânea, incidindo o foco em situações

peculiares que encarnam apartações, separações estigmatizantes... Vejamos três

situações emblemáticas...

Preconceitos e discriminações de classe, de etnia, de raça, de

gênero, de geração, de orientação sexual, de território, de moradia, de lugar

social se casam, se articulam perfeitamente, com as formas atuais de

precarização do trabalho e da vida, com as múltiplas formas contemporâneas

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de espoliação e apropriação de populações originárias e de determinados

grupos sociais!...

Na ótica da concorrência e do produtivismo - marcantes nesta nova

temporalidade do capital - fica mais visível qualquer diferença, classificada

como deficiência física, mental e emocional... Indivíduos reduzidos à condição

de deficientes são vistos como incapazes, inaptos para a disputa do capital,

como indivíduos improdutivos, transmutados e transformados em criaturas a

precisarem sempre de auxílios, de benefícios, ou, na lógica da mercantilização,

em indivíduos consumidores, a alimentar segmentos específicos do mercado...

Nas formas de existência social da mercantilização e do

consumismo, a ditar padrões de beleza, de juventude, de glamour, de poder,

os que desviam, os que estão fora destes padrões, os que se mostram

diferentes de alguma maneira, com traços socialmente negativados, aparecem

como indivíduos inferiores, desqualificados... Um caso bem típico são os

padrões mercantis da moda que produz roupa para homens e mulheres

contemporâneos: jovens malhados, com as “medidas certas”... E, assim,

deparamo-nos com o IMPÉRIO DO TAMANHO ÚNICO, impondo corpos

homogeneizados.

De fato, em tempos contemporâneos, amplia-se o contingente dos

indivíduos que não conseguem se encaixar nos parâmetros desta civilização do

capital: são os diferentes, os desviantes, os “anormais” de toda ordem, os

sobrantes, os que não estão enquadrados, os que se ressentem de encaixes, a

constituírem um verdadeiro “refugo humano”!... Vejamos alguns desses

personagens que habitam de modo desconfortável a vida brasileira: os

desempregados estruturais; os terceirizados precários; os ditos informais,

transmutados em empreendedores; os moradores de rua; os sem teto; os sem

terra; os imigrantes; os jovens imersos no crack; as pessoas com deficiências

a se depararem com barreiras reais em suas buscas de inclusão; a população

presidiária, destituída de sua humanidade; os pobres que habitam os

chamados territórios de risco; os travestis, transexuais e demais sujeitos a

compor a população LGBTT. Estamos diante de uma lista que parece não ter fim...

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Bauman circunscreve estes indivíduos como “estranhos”, indivíduos

expulsos do reino ordinário das pessoas comuns; são indivíduos que provocam

surpresa, inquietação, incômodo no universo homogeneizador dos ditos

normais, dos nativos, exatamente, por serem diferentes no modo de viver e de

estar no mundo! E, estigmatizá-los parece constituir uma arma conveniente na

defesa contra a inoportuna ambiguidade, a incômoda diferença do

“estranho”...

Boaventura de Sousa Santos, na crítica aos padrões de racionalidade

ocidental, na busca de uma nova maneira de pensar o desvendamento e

apropriação crítica do mundo contemporâneo, DENUNCIA A PRODUÇÃO SOCIAL

DA INEXISTÊNCIA, DAS AUSÊNCIAS, DAS INVISIBILIDADES, afirmando, de

forma categórica: “[...] o que não existe é, na verdade, ativamente produzido

como não existente”...

E explicita:

“Há produção de não-existência sempre que um individuo, grupo ou

segmento é desqualificado e tornado invisível, ininteligível ou descartável, no

sentido da hierarquização subordinada”.

E, analisa esta produção social das ausências como encarnação de uma

razão indolente, que não consegue dar conta da riqueza da experiência social.

Trata-se de uma RAZÃO METONÍMICA que, como uma figura de linguagem, “toma

a parte pelo todo”, restringindo, reduzindo, encolhendo a totalidade,

desconsiderando partes e dimensões constitutivas do todo, efetivando, assim, a

produção de inexistências de ausências... E, Boaventura de Sousa Santos

considera que são muitos os processos através dos quais esta razão metonímica

produz a não existência, destacando, como um deles, a CLASSIFICAÇÃO SOCIAL

que reduz a pessoa a um atributo socialmente negativo, desconsiderando

quaisquer outras dimensões da vida, quaisquer outras vivências e

experiências. É o caso, por exemplo, de pessoas com deficiências visuais,

auditivas, motoras, com distúrbio emocionais e mentais que passam a ser

vistos pelos outros – a maioria considerada normal, enquadrada – como “o

cego”, “o surdo”, “o aleijado”, “o louco”, “o autista”, “o esquizofrenico”, “o

paranoico”, “o bipolar”, “o deficiente”, “o incapaz”, “o aluno ou aluna-

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problema”, desconsiderando, deixando de ver quaisquer outras dimensões de

sua identidade: ser homem/ ser mulher/ ser jovem/ ser pai/ ser mãe/ ser atleta/

ser estudante/ ser profissional/ ser apreciador de arte/ ter talentos para

música, para a poesia, para a pintura/ exercer a arte da politica/ gostar de

matemática, de biologia, ou de literatura... Coagula-se a deficiência, o traço

negativado e anula-se o sujeito!... E, assim, a pessoa é rotulada, classificada,

mergulhando em duros processos de ausências, de inexistência social! E, de

acordo com esta lógica classificatória, a não existência é produzida sob a

forma de inferioridade que aparece como insuperável porque é considerada

natural... é a naturalização das diferenças como via de inferiorização, de

descrédito social!

É consenso nos estudos e pesquisas, a partir do crivo de análise de

Golffman, que o PROCESSO DE ESTIGMATIZAÇÃO É EMINENTEMENTE

SELETIVO E EXCLUDENTE, ou seja: uma característica observável de certa

categoria de pessoas é, primeiramente, salientada à atenção publica e, então,

interpretada como o sinal visível de uma “falha oculta”, de uma condição

natural de inferioridade, de um desvio, de uma inequidade ou torpeza moral. O

estigma é uma leitura social, a exigir uma “linguagem de relação”, ou seja, o

olhar e a visão dos outros. A rigor, o que define, se uma condição é

estigmatizante ou não, é a representação que possui no contexto das relações e dos

diferente grupos nos quais o individuo estigmatizado circula e mantém relações...

E, a pessoa que apresenta esta característica estigmatizante no contexto

social é facilmente identificável como menos desejável, inferior, inoportuna,

abominável, ou mesmo, perigosa! É descreditada no meio social, deslocada para o

não lugar!... Sustenta Bauman que “[...] a essência do estigma é enfatizar a

diferença que, em principio, está para além do conserto e que justifica,

portanto, uma permanente exclusão”. A questão é compreender, de forma lúcida,

como esta exclusão é vivenciada, é formatada em diferentes contextos e em

distintas épocas, podendo manifestar-se, inclusive, numa “inclusão precária”, que

termina por reforçar processos estigmatizadores!...

Assim, uma determinada sociedade, com seus padrões

homogeneizadores de normalidade, com seus parâmetros de integração a

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determinados contextos sócio-históricos, cria estigmas que se movimentam, se

reproduzem no tecido social, assumindo formas, nuances peculiares, em cada

época, nos diferentes tempos...

É importante atentar para O PROCESSO HISTÓRICO DE

ESTIGMATIZAÇÃO NA CIVILIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA DO CAPITAL,

ESPECIFICAMENTE NO BRASIL DO SÉCULO XXI. Como vimos, no esboço do

mundo contemporâneo – delineado no início de nossa fala - nos percursos de

expansão limitada do capital, AMPLIAM-SE E REDEFINEM-SE PROCESSOS DE

EXCLUSÃO E DE PRECÁRIAS INCLUSÕES, sustentados, por vezes, em

POLÍTICAS e PROGRAMAS específicos para determinados públicos. Tais

processos direcionam-se, de modo particular, para segmentos que, historicamente,

sofreram violências de diferentes ordens, nos processos excludentes e de

subalternidade dos colonialismos brasileiros: populações empobrecidas, negros,

comunidades indígenas e quilombolas, trabalhadores rurais, migrantes, população

LGBTT, pessoas com deficiências, a constituírem o HETEROGÊNEO UNIVERSO

DE PESSOAS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS.

Contraditoriamente, essa expansão de exclusões no século XXI se

efetiva nos marcos da cultura de direitos, urdida nos processos de

democratização. a partir dos anos 80 do século XX. Assim sendo, no âmbito de

uma sociedade democrática de direitos, amplos segmentos da população brasileira

não usufruem de condições necessárias de sobrevivência física, mental, emocional,

intelectual, privados das condições de vida, no pleno exercício da humanidade. E,

difunde-se, em nível mundial, no Ocidente e, particularmente. no Brasil, uma

ATMOSFERA DE RESPEITO À DIFERENÇA, NOS MARCOS DA INCLUSÃO.

Pesquisadores de Educação Inclusiva – que vêm se dedicando, de

forma ampla e sistemática, à investigação das politicas e programas de inclusão dos

diferentes, “estranhados” da sociedade – circunscrevem o que consideram um

MOMENTO SINGULAR, NESTA CONTRADITOÓRIA AMBIÊNCIA

CONTEMPORÂNEA: de um lado, busca-se apagar, diluir as marcas que

distinguem, de forma pejorativa, os indivíduos diferentes. A todo instante,

presenciamos, nas diferentes mídias, nos discursos acadêmicos ou em

iniciativas do Estado via Políticas Públicas, a tentativa de naturalizar ou

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mesmo neutralizar tais diferenças. Neste sentido, é emblemática a proclamação

“somos todos humanos”. Em verdade, a nossa humanidade se expressa em

igualdade e diferenças! De outro lado, paradoxalmente, observamos um

momento em que se exige dos indivíduos a tomada de postura, enfim, a

definição do lugar que ocupam na sociedade: “de onde você fala?”, “qual a

sua tribo?”, “qual o seu estilo?”, “de que lado você está?”.

Pesquisadores questionam, então, estes processos e mecanismos

inclusivos que podem reforçar apartações estigmatizantes. Incluir sem

condições efetivas... integrar para observar de um lugar estratégico... Incluir

para controlar!... Incluir na perspectiva de acesso a mínimos sociais?

É indiscutível o avanço que os discursos e práticas de inclusão

representam no campo da educação inclusiva, em meio às suas contradições,

ambiguidades e limites... As próprias definições de “normal”, de “anormal”, de

“deficiência”, de “deficiente” e de “inclusão” sofreram números deslocamentos,

ao longo das ultimas décadas....

No entanto, é decisivo o EXERCÍCIO DA CRÍTICA SOCIAL, no sentido

de discutir o horizonte da inclusão dos diferentes, dos grupos e pessoas que

sofrem o peso das ausências, da não existência social pela via do estigma!!

Nesta perspectiva, saúdo este seminário, já na sua sexta edição, constituindo, antes

de tudo, um espaço público de exercício da crítica da inclusão de pessoas com

necessidades educacionais especiais.

Em suas ponderações, Zigmunt Bauman circunscreve elementos

interpeladores, a abrir de fecundo debate sobre a magnitude do desafio do

enfrentamento do estigma na luta pela inclusão social. Diz ele: “O Estigma é um

espinho na carne da Modernidade, na medida em que restaura a dignidade do

destino e lança uma sombra sobre a promessa do aperfeiçoamento ilimitado

[...]”: o Estigma confronta com a crença da modernidade sobre a onipotência da

Cultura e da Educação... E prossegue: uma categoria só pode deixar de ser

estigmatizada se o significante do estigma for reinterpretado como inócuo ou

neutro ou se lhe for completamente negada significação semântica e se tornar,

assim, socialmente invisível...

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Eis o desafio:

DESCONSTRUIR SOCIALMENTE PRECONCEITOS E ESTIGMAS,

SOCIALMENTE CONSTRUÍDOS. E, para tanto, impõe-se, como necessidade

histórica do presente, a construção da DIALÉTICA IGUALDADE-DIFERENÇA...

É o que bem enuncia Boaventura de Souza Santos, em princípio fundante

do seu pensamento emancipatório: TEMOS O DIREITO A SERMOS IGUAIS,

QUANDO A DIFERENÇA NOS INFERIORIZA. TEMOS O DIREITO DE SERMOS

DIFERENTES, QUANDO A IGUALDADE NOS DESCARACTERIZA...

Movimentos e formas de resistência e de enfrentamento a estigmas e

preconceitos vêm encarnando essa dialética, na luta cotidiana pela IGUALDADE NA

DIFERENÇA...

Sair das sombras, do lugar estigmatizado do diferente, sem diluir-se

na onda homogeneizadora, na perspectiva do processo da Emancipação

Humana...

Nós, professores-educadores, temos, como tarefa histórica

inadiável, somar esforços a este coletivo de movimentos, no pleno exercício

do pensar crítico e na vivência da ética emancipatória, em meio às

ambivalências e contradições desta civilização do capital, no século XXI.