aguilar operações enunciativas e valores referenciais estudo da marca apesar de
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
OPERAES ENUNCIATIVAS E
VALORES REFERENCIAIS
ESTUDO DA MARCAAPESAR DE
CRISTIANE BALESTRIEIRO DOS SANTOS AGUILAR
ARARAQUARA SP
2007
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CRISTIANE BALESTRIEIRO DOS SANTOS AGUILAR
OPERAES ENUNCIATIVAS E
VALORES REFERENCIAISESTUDO DA MARCAAPESAR DE
Tese apresentada Faculdade de Cincias e Letras da
Universidade Estadual Paulista, como requisito para a
obteno do grau de Doutor em Letras (rea de
concentrao em Lingstica e Lngua Portuguesa)
Orientadora:Profa. Dra. Letcia Marcondes Rezende
ARARAQUARA SP
2007
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CRISTIANE BALESTRIEIRO DOS SANTOS AGUILAR
OPERAES ENUNCIATIVAS E VALORES REFERENCIAIS
ESTUDO DA MARCAAPESAR DE
Tese de Doutorado, apresentada ao Programa de Ps-Graduaoda Faculdade de Cincias e Letras Unesp/Araraquara, comorequisitopara obteno do ttulo de Doutor em Lingstica eLngua Portuguesa.
Linha de pesquisa: Ensino/Aprendizagem de Lnguas: Anlisedos procedimentos lingsticos desenvolvidos pelos falantes noensino/aquisio da lngua materna.
Orientador: Profa. Dra. Letcia Marcondes Rezende
MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:
Profa. Dra. Letcia Marcondes Rezende
Profa. Dra. Marlia Blundi Onofre
Profa. Dra. Mrcia Cristina Romero Lopes
Profa. Dra. Maria Inez Mateus Dota
Profa. Dra. Vanice Maria Oliveira Sargentini
Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Cincias e Letras
UNESP Campus de Araraquara
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Ao meu amorRicardo,
pelo incentivo e pela compreenso
nos momentos mais difceis.
Aos meus queridospais,
que procuram sempre
fazer o melhor por mim.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, por se fazer presente em todos os momentos da minha vida;
Profa. Letcia, pelo carinho, pela pacincia, pelo incentivo e orientao ao
longo dos ltimos anos;
A toda a minha famlia pelo apoio, carinho e amor, especialmente, ao Ri, aos
meus pais, J, ao Tony, Laura, ao Ricardo e a minha adorvel sobrinha Isabelle;
Ana Cristina, com quem compartilhei, nos ltimos anos, minha trajetria
pessoal e profissional;
Aos meus amigos Alessandra, Antonio Carlos, Elisandra, Jlia, Karina,
Mrcia, Marlene, Neli, Ranieri. Agradeo a todos os amigos que, de uma forma ou de
outra, participaram do desenvolvimento deste trabalho;
Aos professores que participaram das bancas de qualificao e defesa da tese;
Aos professores do Programa de Ps-Graduao em Lingstica e LnguaPortuguesa da Faculdade de Cincias e Letras da UNESP - Araraquara;
Aos funcionrios da Ps-Graduao, principalmente, Diana, Fernanda e
Rita, pela amizade e pelo auxlio constante;
Aos funcionrios da biblioteca da Unesp de Araraquara, pela dedicao;
Ao departamento de Didtica, pelo apoio;
Aos colegas professores, coordenao e direo da Escola Estadual
Euryclides de Jesus Zerbini, pelo incentivo;
Diretoria de Ensino de Mogi das Cruzes;
Secretaria da Educao do Estado de So Paulo, pelo apoio financeiro.
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[...] o mundo no se deixa dizer to facilmente. O dizer um trabalho, que no sem
custo, nem sem perda, que no seno que ajustamento, e que no acontece sem
deformao e sem reconstruo. (Sarah de Vog, 1993, p.66)
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RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar o papel enunciativo da marca apesar
de. Distancia-se da abordagem tradicional que ora atribui a essa marca a identificao
de uma construo concessiva, ora a esvazia de significado. Fundamenta-se numa
abordagem operatria, que articula linguagem e lnguas naturais, lxico e gramtica, e
prope uma anlise do modo como cada unidade lingstica participa do processo de
construo de significao.Apoiamos nosso estudo na Teoria das Operaes Enunciativas proposta por
Antoine Culioli. Procuramos compreender quais as operaes realizadas durante o
processo de estabilizao da significao com apesar deque conduzem a sua escolha
e justificam a sua incidncia sobre outros marcadores concessivos em determinados
tipos de textos. Considerando o sujeito-enunciador como ponto de referncia para a
construo e reconstruo de valores referenciais, procuramos apontar caminhos que
auxiliem na compreenso das trocas entre enunciador e co-enunciador nas construes
envolvendo a marca apesar de. Ns fazemos tambm uma relao entre essas
reflexes e o ensino de lngua materna.
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RESUM
Ce travail a comme but analyser le rle nonciative du marqueur apesar de. Il
sloigne de lapproche traditionnel qui tantt atribue ce marqueur lidentification de
la construction concessive, tantt la vide de signification. Il se fonde dans une
approche opratoire, qui articule le langage et les langues naturelles, lexique et
grammaire, et propose une analyse du chemin par lequel chaque unit linguistique
participe du processus de construction de la signification.Nous soutenons notre tude dans la Thorie des Oprations nonciatives
propose par Antoine Culioli. Nous cherchons comprendre quelles sont les
oprations ralises pendant le processus de stabilisation de la signification avec
apesar de qui conduisent a le choisir et justifient son incidence sur les autres
marqueurs concessifs dans certains types de textes. En considrant le sujet nonciateur
comme point de rfrence pour la construction et la reconstruction de valeurs
rfrentiels, nous cherchons indiquer des chemins qui aident dans la comprhension
des changes entre lnonciateur et le co-enonciateur dans les constructions avec
apesar de. Nous faisons aussi un rapport entre ces questions et lenseignement de la
langue maternelle.
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SUMRIO
INTRODUO...................................................................................................... 11
CAPTULO I POR UMA GRAMTICA OPERATRIA ............................ 16Introduo................................................................................................................. 161.1 Sobre o conceito de gramtica............................................................................ 161.2 Gramtica tradicional versus Gramtica de usos................................................ 181.2.1 A Gramtica tradicional e o ensino de lnguas................................................ 191.2.2 A Gramtica de usos........................................................................................ 231.3 A Gramtica operatria...................................................................................... 31
CAPTULO II A TEORIA DAS OPERAES ENUNCIATIVAS.............. 40Introduo................................................................................................................. 40
2.1 Linguagem e lnguas........................................................................................... 402.2 Produo e reconhecimento................................................................................ 432.3 Operaes da linguagem..................................................................................... 452.3.1 Operao de representao.............................................................................. 462.3.2 Operao de referenciao............................................................................... 472.3.3 Operao de regulao.................................................................................... 492.3.4 Operao de determinao.............................................................................. 502.3.5 Operaes constitutivas de um enunciado....................................................... 522.3.5.1 Relao primitiva e o esquema de lexis....................................................... 522.3.5.2 Relao predicativa...................................................................................... 53
2.3.5.3 Relao enunciativa...................................................................................... 542.4 O enunciado........................................................................................................ 552.5 A noo e o domnio nocional............................................................................ 572.5.1 A ocorrncia.................................................................................................... 602.5.2 O centro organizador da noo........................................................................ 632.5.2.1 O tipo............................................................................................................ 642.5.2.2 O atrator........................................................................................................ 642.5.2.3 A fronteira.................................................................................................... 662.5.2.4 A noo de gradiente.................................................................................... 672.5.2.5 O complementar........................................................................................... 68
2.6 Quantificao e qualificao.............................................................................. 682.6.1 Sistemas de determinao................................................................................ 712.6.1.1 Operao de extrao................................................................................... 732.6.1.2 Operao de flechagem................................................................................ 742.6.1.3 Operao de varredura.................................................................................. 752.6.1.4 Discreto denso compacto........................................................................ 772.7 Operaes modais e operaes aspectuais......................................................... 812.8 Operao de negao.......................................................................................... 842.9 A parfrase na teoria enunciativa....................................................................... 91
CAPTULO III A CONSTRUO CONCESSIVA........................................ 96Introduo................................................................................................................. 963.1 A noo de concesso: do dilogo semntico ao silncio sinttico............ 97
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3.2 A construo concessiva na perspectiva das operaes da linguagem............... 1003.2.1 O funcionamento concessivo e a construo do objeto de referncia............. 1033.2.2 Um funcionamento concessivo geral e diferentes significaes locais........... 110
CAPTULO IV ESTUDO DA MARCAAPESAR DE..................................... 113Introduo................................................................................................................. 1134.1 A marca apesar de: alguns apontamentos sobre a sua origem........................... 1134.2 A abordagem tradicional da marca apesar de: locuo prepositiva ouconjuntiva?............................................................................................................... 1154.2.1 Preposio e locuo prepositiva: algumas definies.................................... 1154.2.2 A marca apesar decomo locuo conjuntiva.................................................. 1184.3Apesar de: a relao com o contexto de esquerda e de direita........................... 1194.3.1Apesar dee a ligao temtica........................................................................ 1194.3.1.1 A recentragem temtica e a relao entre noo verbal e noo nominalna teoria enunciativa.................................................................................................
123
4.3.1.2 Ocorrncias de apesar de: retomada e projeo........................................... 125
CAPTULO V ESTUDO DA MARCAEMBORA........................................... 128Introduo................................................................................................................. 1285.1 A marca embora: da origem ao seu lugar na Gramtica tradicional.................. 1285.2 De em boa horaa embora: a construo da significao................................... 1315.2.1 Aproximao dos valores da marca embora: um princpio de abstrao........ 140
CAPTULO VI APESAR DE E EMBORA: UMA ANLISECOMPARATIVA...................................................................................................
144
Introduo................................................................................................................. 1446.1 Metodologia e anlise dos enunciados com apesar dee embora....................... 1446.2 O percurso concessivo geral e o processo de estabilizao especfico deapesar dee embora.................................................................................................. 1706.2.1 A operao de varredura nos enunciados com apesar deeembora................ 172
CAPTULO VII O FUNCIONAMENTO CONCESSIVO ENTREOUTROS: UMA SUGESTO DIDTICA......................................................... 177Introduo................................................................................................................. 1777.1 Proposta de auxlio produo de textos: organizadores textuais no Programade Ensino Mdio em Rede........................................................................................
178
7.2 Compatibilidade com o funcionamento concessivo: sugesto didtica naperspectiva enunciativa............................................................................................ 1817.2.1 A atividade epilingstica nos enunciados infantis: manipulao dos valoresreferenciais............................................................................................................... 183
CONSIDERAES FINAIS................................................................................. 195BIBLIOGRAFIA.................................................................................................... 198
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Introduo
Este trabalho resultado de uma inquietao gerada durante o desenvolvimentoda dissertao de mestrado.
A pesquisa realizada na dissertao de mestrado1teve como objetivo investigar
o processo de construo das oraes concessivas. De um modo geral, procuramos
analisar essas oraes como resultado de operaes realizadas pelo sujeito, baseando-
nos nos pressupostos tericos da Teoria das Operaes Enunciativas de Antoine
Culioli. Realizamos manipulaes que nos permitiram chegar a um modo de
funcionamento comum aos enunciados concessivos. No entanto, no decorrer do
desenvolvimento do estudo, outros questionamentos surgiram, principalmente a
respeito das propriedades especficas de cada marcador concessivo e de sua atuao
enunciativa em determinados contextos. Diante da impossibilidade de desenvolver
esse estudo naquele perodo, resolvemos dar continuidade pesquisa no curso de
doutorado, ainda em relao aos marcadores concessivos, porm com ateno voltada
marca apesar de.
Nosso interesse pelo estudo do marcador concessivo apesar de iniciou-se
quando, no mestrado, organizvamos o nosso corpus. Nesse momento percebemos a
grande incidncia do uso desse marcador em redaes escolares, revistas populares,
revistas eletrnicas e na lngua falada2. Notamos tambm que o uso de apesar de
estava, freqentemente, relacionado a verbos no infinitivo e a formas nominalizadas.
Nossa experincia como docente tambm contribuiu para a sustentao dessa
proposta de estudo. Encontramo-nos, constantemente, diante do tratamento tradicionalque nos conduz equivalncia entre os marcadores concessivos e diante dos
questionamentos levantados em sala de aula sobre a possibilidade de substituio de
um marcador por outro.
A teoria que fundamentou a nossa pesquisa de mestrado sustenta a ausncia de
seqncias lingsticas equivalentes num mesmo grau. Dentro dessa reflexo todo
enunciado um entre outros, escolhido pelo enunciador que se encontra diante de um
1SANTOS, C. B. A orao concessiva na perspectiva das operaes da linguagem, 2002.2Em oposio a textos mais formais.
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conjunto de enunciados parafrsticos3. Desse modo, esse quadro terico possibilitou
que continussemos o nosso estudo por meio da investigao do marcador apesar de e
de seu contexto de insero. Acreditvamos que, justamente esse contexto de insero,
forneceria pistas a ponto de podermos formular raciocnios que explicassem a
incidncia do uso desse marcador no meio textual considerado.
A escolha do marcador concessivo apesar de justifica-se tambm pela ausncia
de um trabalho que valorize o investimento do sujeito num espao enunciativo que se
ajuste ao seu uso. Num primeiro momento, por meio de uma observao superficial de
algumas gramticas, foi possvel perceber que, de um modo geral, o marcador apesar
de considerado uma locuo prepositiva. No entanto, quando acompanhado dapartcula que (apesar de que) e de verbos no infinitivo, desempenha o papel de uma
conjuno. Por um lado, como locuo prepositiva, definindo-se pela funo de
subordinar ou ligar termos da frase a outros. E, por outro lado, como conjuno,
subordinando oraes.
A insero da pesquisa na Teoria das Operaes Enunciativas deve-se,
fundamentalmente, ao fato desse modelo lingstico no trabalhar com divises. No
h separao entre preposio e conjuno, nem h separao entre essas categorias,
consideradas sintticas, e as consideradas lexicais. H um espao de construo
anterior existncia dessas categorias, no qual se investiga o funcionamento das
unidades lingsticas e sua contribuio para a significao do enunciado. No caso
especfico de apesar de, partimos da construo sintaticamente conhecida como
concessiva, ou seja, do produto na lngua, e privilegiamos o processo de construo da
representao concessiva na linguagem. Nessa perspectiva, situando-nos num
momento anterior ao produto e podemos simular o papel desempenhado pelos
enunciadores no processo de significao. O enunciador constri valores referenciais4
de tal modo que o co-enunciador possa reconstruir essa atividade de significao. Na
teoria culioliana, o processo de construo de significao faz-se pelo sujeito numa
3A parfrase aqui entendida como um mecanismo de linguagem. Na teoria culioliana, enunciados em relaoparafrstica remetem a um plo de regulao, a partir do qual ocorrem operaes lingsticas (predicativas e
enunciativas) responsveis pelas particularidades lingsticas (variveis) presentes em tais enunciados realizados.4Enquanto a referncia, geralmente, tida como correspondncia esttica do enunciado a entidades externas lngua, os valores referenciais so construdos no prprio enunciado por meio de operaes enunciativas dereferenciao (ajustamentos intersubjetivos, modalidade, tempo, espao, aspecto, quantificao, etc.).
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situao de enunciao, articulando a relao entre objetos lingsticos, que remetem a
objetos extralingsticos com propriedades fsico-culturais, e valores referenciais.
Essa reflexo distancia-se, de um lado, das abordagens tradicionais que
aprisionam as preposies e as conjunes em classificaes comuns e no oferecem
mecanismos para desmontar tais equivalncias. Por outro lado, distancia-se de
abordagens que privilegiam somente a natureza semntica ou pragmtica, ou que
procuram registrar uma multiplicidade de usos dos marcadores concessivos da lngua
enquanto produto, mas no investigam o trabalho do sujeito realizado a partir da
indeterminao da linguagem. Um estudo fundamentado nessa teoria, tomando como
base o exame dos termos colocados em relao nos diferentes domnios, procuradesvendar a natureza das marcas na atividade lingstica e trazer tona
funcionamentos generalizveis que, por sua vez, possibilitam uma multiplicidade de
valores. E justamente o modo como se organiza essa variao de sentido que nos
permite chegar ao princpio regulador de cada unidade lingstica. Cabe ressaltar que
no se trata de localizar uma invarincia da unidade sob a forma de um contedo, mas
de demonstrar como a variao de sentido regida por uma organizao regular.
Pensando na marca apesar de, temos para cada ocorrncia um modo singular de
colocar em jogo procedimentos comuns ao funcionamento concessivo. A partir de um
mesmo ncleo invariante, podemos ter ocorrncias intervindo, por exemplo, nas
categorias da quantificao, do aspecto, da modalidade, do tempo.
Para desenvolver essa pesquisa, organizamos um corpus com ocorrncias da
marca apesar de extradas de textos do meio eletrnico. Delimitamos o trabalho
selecionando apenas construes relacionadas a verbos no infinitivo e a formas
nominalizadas. No entanto, fizemos algumas observaes sobre a interao da marca
apesar de com outros contextos.
No decorrer da realizao do nosso estudo, deparamo-nos com um grande
desafio. A nossa proposta no envolvia apenas a anlise enunciativa do funcionamento
da marca apesar de, mas tnhamos que apresentar explicaes sobre a sua incidncia
em relao aos demais marcadores compatveis com o funcionamento concessivo.
Como entender quais as causas e as conseqncias do uso dessa marca no planoenunciativo sem compar-la com outra marca? Foi nesse momento, ento, que
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decidimos articular o estudo de apesar de com o estudo da marca embora. Optamos
por embora por ser considerado pelas gramticas tradicionais o maior representante da
significao concessiva.
Durante o processo de desmontagem montagem dos enunciados,
construmos interpretaes por meio de parfrases. Estas, por sua vez, possibilitaram a
anlise do modo de estabilizao da significao que facilita ou condiciona o uso de
apesar de.
Ressaltamos que procuramos articular os resultados obtidos na pesquisa de
mestrado com os obtidos no decorrer do desenvolvimento deste estudo. Essa
articulao aconteceu tanto na parte de estudos tericos quanto na elaborao daproposta didtica.
No tnhamos, no incio da pesquisa, a inteno de apresentar um trabalho
relacionado ao ensino de lnguas. No entanto, tanto a insatisfao com a abordagem
tradicional, quanto o contato com trabalhos que derivam dessa anlise esttica dos
fenmenos de lngua, acabaram nos direcionando para esse caminho.
O trabalho consta de sete captulos.
No primeiro captulo Por uma gramtica operatria tratamos,
primeiramente, da concepo de gramtica. Apresentamos, em seguida, uma reflexo
sobre a Gramtica tradicional, sobre a Gramtica de usos e a repercusso de cada
abordagem no ensino de lngua materna. Procuramos, principalmente, confrontar
posicionamentos do tratamento tradicional com a abordagem operatria fundamentada
nos pressupostos da Teoria das Operaes Enunciativas de Antoine Culioli a
Gramtica operatria.
No segundo captulo, apresentamos a teoria culioliana sobre a qual nossas
reflexes se sustentam. Tratamos de apresentar pontos que consideramos importantes
para a compreenso do processo de construo de significao, tais como: a noo, as
relaes primitiva, predicativa e enunciativa, o domnio nocional, a referenciao, as
operaes modais e aspectuais, entre outros.
No terceiro captulo, retomamos pontos centrais do nosso trabalho de
mestrado sobre a construo concessiva, tendo em vista a articulao com esta
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pesquisa. Recorremos, principalmente, questo da alteridade presente nos enunciados
concessivos.
O quarto e o quinto captulos destinam-se anlise das marcas apesar de e
embora. Procuramos, num primeiro momento, investigar a origem de cada marca e o
papel desempenhado por elas segundo o tratamento tradicional. Posteriormente,
baseando-nos na teoria enunciativa, procuramos recuperar o processo de construo da
referncia por meio apesar de e embora.
No sexto captulo Apesar de e embora: uma anlise comparativa
analisamos ocorrncias de apesar de e embora por meio da relao parafrstica.
Procuramos compreender quais as operaes realizadas durante o processo deestabilizao da significao de apesar de conduzem a sua escolha dentre os outros
marcadores concessivos, inclusive em relao ao marcador embora.
O stimo captulo tem por objetivo articular a proposta de uma gramtica
operatria com algumas atividades relacionadas ao ensino de lngua materna.
Procuramos no nos deter apenas na construo da significao concessiva, mas
propor atividades nas quais o aprendiz possa compreender melhor o seu papel na
atividade de produo/reconhecimento de textos.
A ltima parte do trabalho traz as consideraes finais, na qual apresentamos
uma reflexo sobre os resultados aos quais chegamos com a nossa pesquisa.
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CAPTULO I
POR UMA GRAMTICA OPERATRIA
Introduo
Neste captulo no temos a pretenso de falar detalhadamente a respeito dos
vrios enfoques da gramtica. Nosso objetivo principal confrontar posicionamentos
da gramtica tradicional com a abordagem operatria fundamentada nos pressupostos
da Teoria das Operaes Enunciativas de Antoine Culioli e tratar, ainda, da
repercusso de cada tratamento no ensino de lngua e, conseqentemente, na formao
do indivduo.
1.1 Sobre o conceito de gramtica
Para gramtica encontramos muitas acepes. Basicamente pode ser vista
como a descrio completa da lngua, ou seja, dos princpios de organizao da lngua;
como o conjunto de regras que o falante aprendeu e usa segundo a necessidade exigida
pela interao verbal e como disciplina.
O estudo da gramtica comporta diferentes partes: fonologia, sintaxe,
lexicologia, morfologia. O modo como se realiza essa descrio depende da
fundamentao terica: gramtica tradicional, gramtica estrutural, gramtica
funcional, distribucional, gerativa.
Na gramtica tradicional, encontramos uma parte normativa e uma descritiva.
Na parte normativa, a preocupao maior encontra-se na exposio de um conjunto de
regras que o usurio deve aprender para falar e escrever corretamente a lngua. A
classificao e a sistematizao dessas regras e a instruo sobre seu uso sustentam-se
tambm como disciplina gramatical. O conjunto sistemtico de normas, geralmente,
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estabelecido pelos especialistas com base no uso da lngua consagrado pelos bons
escritores. Segundo Travaglia, nesse sentido de gramtica:
[...] afirma-se que a lngua s a variedade dita padro ou culta e que todas
as outras formas de uso da lngua so desvios, erros, deformaes,
degeneraes da lngua e que, por isso, a variedade dita padro deve ser
seguida por todos os cidados falantes dessa lngua para no contribuir com
a degenerao da lngua de seu pas. [...] Tudo que foge a esse padro
errado (agramatical, ou melhor dizendo, no-gramatical) e o que atende a
esses padres certo(gramatical) (2006, p.24-25).
O autor complementa dizendo que nessa concepo de gramtica so
embutidos vrios modos de perceber e definir a chamada norma culta que mobilizam
argumentos de natureza esttica, estilista, poltica, comunicacional, histrica, entre
outras, para incluir ou excluir dessa norma formas e usos.
A gramtica descritiva, por sua vez, privilegia a exposio de fatos de uma
determinada lngua; realiza-se uma descrio da estrutura e funcionamento da lngua,
de sua forma e funo. Segundo Travaglia (2006), nessa concepo, gramatical ser
tudo o que atende s regras de funcionamento da lngua de acordo com determinada
variedade lingstica.
So representantes dessa concepo as gramticas fundamentadas no modelo
estruturalista que privilegia a descrio das formas e estruturas da lngua oral e as
gramticas elaboradas de acordo com a teoria gerativista-transformacional que
trabalha com o modelo da competncia ideal, ou seja, enunciados ideais produzidos
por falante ideal. Nessa concepo, o falante intuitivamente aciona um sistema de
regras ao falar ou entender sua lngua.
Cabe acrescentar que a parte descritiva da abordagem tradicional da gramtica
privilegia a variedade escrita e culta. Incluem-se nesse estudo, por exemplo, a
classificao de unidades da lngua, anlise das construes sintticas, estudo das
figuras de linguagem.
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Outro conceito de gramtica envolve o saber lingstico que o falante
desenvolve independente de escolarizao e do acesso s regras da norma culta,
tambm conhecida como gramtica internalizada. Segundo Travaglia:
Nessa concepo no h o erro lingstico, mas a inadequao da variedade
lingstica utilizada em uma determinada situao de interao
comunicativa, por no atendimento das normas sociais de uso da lngua, ou
a inadequao do uso de um determinado recurso lingstico para a
consecuo de uma determinada inteno comunicativa que seria melhor
alcanada usando-se outro(s) recurso(s) (2006, p.29)
No que diz respeito gramtica como disciplina, sua determinao e sua
prtica no ensino de lngua vo depender dos diferentes enfoques sobre os vrios tipos
de gramtica (gramtica normativa, gramtica descritiva, gramtica histrica, entre
outras) e dos objetivos a ser alcanados.
Trataremos, a seguir, de dois tipos de gramtica que constituem material de
referncia para a anlise da lngua e para o desenvolvimento de atividades no ensino
de lnguas. Enquanto a primeira a Gramtica tradicional privilegia a norma culta e
discrimina o desvio, ou seja, parte de um nmero restrito de textos para oferecer
uma descrio parcial da lngua; a segunda a Gramtica de usos apresenta uma
reflexo sobre a linguagem e sobre o uso lingstico, a partir de uma perspectiva
funcional. Apresentaremos, ainda, e, principalmente, uma proposta de gramtica
operatria fundamentada na teoria culioliana, cujos questionamentos e reflexes
portam sobre a atividade significante da linguagem.
1.2 Gramtica tradicional versus Gramtica de usos
Nos prximos itens, procuraremos demonstrar algumas diferenas entre os
critrios de observao da lngua a partir de uma perspectiva que limita as ocorrncias
lingsticas a serem descritas e prope um padro e de outra que enfatiza a valorizao
dos diferentes usos lingsticos, ou seja, o heterogneo na lngua.
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1.2.1 A Gramtica tradicional e o ensino de lnguas
Como dissemos anteriormente, na Gramtica tradicional, encontramos uma
parte descritiva e outra normativa. Na parte descritiva encontramos a descrio da
variedade culta e formal e a transformao dos fatos nela observados em leis de uso da
lngua, ou seja, diz-se a lngua assim e o que foge disso um desvio da lngua
ideal. As unidades da lngua so descritas a partir de categorizaes fixas (lxico) e de
restritas possibilidades de organizaes (sintaxe).
Na parte normativa, encontramos recomendaes, regras, de como usar as
unidades da lngua num formato padronizado. Segundo Travaglia:
O ensino prescritivo objetiva levar o aluno a substituir seus prprios
padres de atividade lingstica considerados errados/inaceitveis por
outros considerados corretos/aceitveis. , portanto, um ensino que interfere
com as habilidades lingsticas existentes. ao mesmo tempo proscritivo,
pois a cada faa isso corresponde um no faa aquilo. Esse tipo de
ensino [...] privilegia a variedade culta, tendo como um de seus objetivos
bsicos a correo formal da linguagem (2006, p.38)
Prope-se, ento, nessa perspectiva, um ensino/aprendizado das coisas prontas
e socialmente consideradas ideais. Segundo Rezende (1988), exigir um produto
homogneo ou uma lngua natural sem variao no permitir que haja universos
extralingsticos diferentes e modos diversos de percepes desses universos. E
justamente o que a Gramtica tradicional faz, ou seja, discrimina e at mesmo
condena, o diferente do padro, o desvio da lngua culta, o que est fortemente ligado
ao papel conferido ao valor social da linguagem culta. Segundo Travaglia (2006), a
variedade que considerada culta normalmente a das classes sociais de prestgio
econmico, poltico, cultural, entre outros, no considerando a capacidade de qualquer
variedade de lngua cumprir uma funo comunicacional. Se esse aspecto j no
bastasse, a abordagem tradicional, em nenhum momento, preocupa-se com o processo
que d origem s categorias ou boa formao das possveis organizaes da lngua.Ela parte de um sentido determinado a priori(categorias fixas) e ignora o processo de
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significao, a adequao situao de interao e os ajustamentos necessrios entre
interlocutores. Segundo Neves:
Pouco a pouco uma sistematizao mecnica e alheia ao prprio
funcionamento lingstico oferecida como o universo a que se resume a
gramtica da lngua, de tal modo que a gramtica vai passando a ser vista
como um corpo estranho, divorciado do uso da linguagem, e as aulas de
lngua materna s passam a fazer sentido se a gramtica for eliminada
(2004, p.18).
Na viso tradicional, a gramtica impe um padro, um modelo, tanto nacategorizao das unidades lingsticas quanto nos exemplos que as ilustram. Esses
exemplos encaixam-se perfeitamente nas definies a que lhes foram atribudas e
aqueles que fogem a esse padro no so considerados ou permanecem marginalizados
em forma de excees.
Como conseqncia desse posicionamento, encontramos em alguns livros
didticos, exerccios de anlise gramatical e atividades de interpretao de textos que
no exigem o mnimo de subjetividade. Muitas das atividades so aquelas de simples
rotulao, reconhecimento e subclassificao de unidades antecipadamente
determinadas (classes e funes). No se analisa o funcionamento da lngua em
diferentes situaes de interao verbal, dos significados que se obtm na organizao
lxico-gramatical. Trata-se, ento, de uma gramtica da lngua e no de uma gramtica
da atividade significante da linguagem. Tal fato parece ser ignorado quando
analisamos o discurso dos PCNS de Lngua portuguesa:
Uma atitude corretiva e preconceituosa em relao s formas no cannicas
de expresso lingstica, as propostas de transformao do ensino de Lngua
Portuguesa consolidaram-se em prticas de ensino que tanto do ponto de
partida quanto o ponto de chegada o uso da linguagem. Pode-se dizer que
hoje praticamente consensual que as prticas devem partir do uso possvel
aos alunos para permitir a conquista de novas habilidades lingsticas,
particularmente daquelas associadas aos padres da escrita (1988, p.18).
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A abordagem tradicional em ensino de lnguas pode at propor o estudo do
lxico no texto, mas no trata da organizao desse lxico e da ocorrncia de outros
lxicos que esto ajudando o trabalho interpretativo. Ora encontramos unidades
lingsticas dotadas de uma significao intrnseca unidades lexicais, ora de uma
total indeterminao unidades gramaticais.
No caso do trabalho com a gramtica no texto, praticamente no existe; no
h uma anlise funcional das categorias gramaticais. Segundo Rezende (1988), uma
anlise funcional, operatria, dinmica, s aborda as categorias gramaticais quando
elas tiverem uma funo no processo de produo/interpretao de um texto
determinado. Para a lingista, o ensino/aprendizado das coisas prontas deixa por contade fatores extra-escolares, o ensino/aprendizado da apropriao da lngua pelos
sujeitos e, conseqentemente, o desenvolvimento de recursos expressivos.
A ligao da Gramtica tradicional com a descrio e a normatizao de uma
lngua pronta e esttica acaba tornando-a um estudo isolado. Saber os nomes das
categorias e funes, e a subclassificao delas, vai fortalecendo a posio de que
aprender tais noes estudar gramtica. Desse modo, o sujeito acaba tendo
dificuldade em compreender o papel dos fenmenos da lngua na sua relao com o
outro e com o mundo.
Sendo assim, no momento em que se vai trabalhar com a produo e
reconhecimento de textos na sala de aula, ou seja, com atividades que exigem do
indivduo todo um processo de reconstruo do processo significativo, a aplicao
dessa lngua esttica no se sustenta. Isso acontece porque o indivduo no consegue se
relacionar com a organizao da lngua de acordo com o que ele quer (ou o enunciador
do texto quis) significar e com quem quer (ou com o que o enunciador quis) falar.
Segundo Rezende (1988), h sempre, durante a atividade de produo, um trabalho
ativo de leitura, feito pelo sujeito que produz, tornando-o um leitor potencial, e,
durante a leitura, um trabalho ativo de produo de texto, feito pelo sujeito que l,
tornando-o produtor potencial. E nesse processo que se encontra a subjetividade,
pois, o leitor-produtor se desdobra em um dilogo consigo mesmo e com o outro.
Reconhecendo-se que no h possibilidade de se encontrar uma configuraode lngua neutra, objetiva e que o significado de um texto no simplesmente a soma
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dos significados de suas partes estticas, estudar as prescries contidas numa
gramtica no garantia para se expressar melhor. No colaborar para o
desenvolvimento dos recursos expressivos torna-se um resultado contraditrio quando
pensamos no objetivo do ensino de lngua que justamente o desenvolvimento do
aprendiz. Um ensino baseado na gramtica tradicional deixa de lado a assimilao de
regras por meio da atividade cognitiva, que capacita o indivduo a manipular seus
recursos expressivos, modific-los e a apropriar-se dessas alteraes. A insero
gradativa do aprendiz em todo o processo de construo de significao est ligada
intimamente com a questo da formao de sua identidade e, conseqentemente, do
reconhecimento do que o outro. Se a proposta a de existncia de unidades estticase determinadas, supe-se que no haja espao para o trabalho do indivduo na
construo dos significados. Se a cada organizao das unidades lingsticas, elas
sarem inalteradas, no se reconhece que essa atividade significante e muito menos
que a significao foi obtida por meio da articulao dessas unidades (lexicais e
gramaticais) com a sua prpria organizao.
Com essas reflexes no se prope aqui o abandono do estudo da gramtica
normativa, mesmo porque o aprendiz precisa ter contato com a variedade culta da
lngua e tornar-se capaz de utiliz-la adequadamente quando tiver que atender a
normas sociais de uso em situaes formais. Prope-se realmente considerar o que se
faz e o resultado que se obtm a partir de uma viso simplista de ensino de lngua, ou
seja, a gramtica pela gramtica. No se pode confundir ensino de lngua com ensino
de gramtica tradicional ou com o bom uso da lngua. A partir do momento em que se
considera apenas algo pronto na lngua o qual deve servir de modelo, anulam-se os
interlocutores, a situao de enunciao e, conseqentemente, o trabalho do sujeito na
construo de significao. Faz-se necessrio, ento, optar por abordagens que
instiguem o aluno a um constante pensar a respeito da lngua mais do que um entender
a lngua, pois no estamos tratando de algo acabado. Desse modo, o prprio professor
e o aprendiz podero refinar o seu saber metalingstico indispensvel atividade de
construo de referncia, de significados, e entender que nos desvios, nos
apagamentos, na ambigidade, enfim, naqueles resultados considerados inadequados
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tambm houve um caminho em busca da significao e, muitas vezes, a finalizao
reflete justamente o ponto ao qual se pretendia chegar.
No difcil perceber que a abordagem tradicional da gramtica fundamenta-
se no tratamento da lngua como produto esttico e deixa de lado toda a maleabilidade
oferecida pela linguagem. preciso entender a gramtica como o estudo e o trabalho
com a variedade dos recursos lingsticos da significao. Para tanto, necessita-se
trabalhar com a des(construo), com a transformao de textos, para que se possa
perceber essa variedade e cada significado obtido como uma opo feita sobre um
feixe de possibilidades de expresso e que, portanto, contm o trao do trabalho do
sujeito.Pensando no objeto de estudo da nossa pesquisa, quando nos propomos a
estudar a especificidades da marca apesar de, distanciamo-nos da abordagem
tradicional5 que aprisiona as preposies e as conjunes em classificaes que as
qualificam como equivalentes. O tratamento oferecido marca apesar de ora encontra-
se na parte morfolgica, incluindo-a numa lista de locues prepositivas, ora encontra-
se na parte sinttica, na qual est inserida na lista de locues conjuntivas e
relacionada concesso. Diferentemente desse tratamento, inserimo-nos numa
perspectiva na qual no h separao entre preposio e conjuno e que considera o
uso dessa marca uma escolha do enunciador diante do que quer representar numa
determinada situao de enunciao.
1.2.2 A Gramtica de usos
Neves (2000), em sua Gramtica de usos do portugus, analisa os processos
gramaticais envolvidos na produo de sentido e orienta o usurio da lngua sobre o
uso eficiente de seus recursos expressivos. Diferentemente da abordagem tradicional,
parte da observao dos usos realmente ocorrentes, para, refletindo sobre eles, oferecer
uma organizao que sistematize esses usos. A autora organiza na gramtica da lngua
portuguesa as possibilidades de construo que esto sendo aproveitadas pelos
5A abordagem tradicional da marca apesar de ser tratada no captulo IV deste trabalho.
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usurios para a obteno de determinados efeitos de sentido. O ponto de partida a
tradicional diviso em classes de palavras, acompanhada por princpios tericos que
dirigem o tratamento das questes, o que se revela no agrupamento dessas classes,
organizadas segundo os processos que dirigem a construo dos enunciados: a
predicao, a referenciao, a quantificao e a indefinio, a juno.
Assume-se, nesse tratamento, a heterogeneidade como caracterstica da
lngua; uma lngua em constante construo e transformao pelos falantes. A autora
analisa os itens lexicais e gramaticais da lngua e, especificando o seu uso em textos
reais, vai mostrando as regras que regem o seu funcionamento em todos os nveis,
desde o sintagma at o texto. Observa-se, ento, o produto da lngua sintagmas,frases e texto para depreender da (da lngua) sua gramtica. Segundo a autora:
[...] a meta final, no exame, buscar os resultados de sentido, partindo do
princpio de que no uso que os diferentes itens assumem seu significado e
definem sua funo, e de que as entidades da lngua tem de ser avaliadas em
conformidade com o nvel em que ocorrem, definindo-se, afinal, na sua
relao com o texto (2000, p. 13).
Podemos depreender do modo pelo qual se coloca o objetivo das anlises, o
carter indeterminado que as unidades lingsticas assumem e que se resolve no
processo de construo do significado.
Quando aborda as bases de anlise, a autora destaca dois pontos: que a
unidade maior de funcionamento o texto e que os itens so multifuncionais. Para
Neves:
Nessa considerao de que a real unidade em funo o texto, o que est
colocado em exame a construo de seu sentido, numa teia que mais que
mera soma de partes. Nessa perspectiva, percebe-se que os limites da orao
bloqueiam a considerao do funcionamento das unidades da lngua. Isso
significa que a interpretao das categorias lingsticas no pode prescindir
da investigao de seu comportamento na unidade maior o texto , que a
real unidade de funo (2000, p.15).
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A autora complementa dizendo que ao admitir que as unidades da lngua
precisem ser avaliadas com relao ao texto em que ocorrem no significa
desconsiderar as diversas unidades organizadas dentro de um enunciado. Neves
explica que:
[...] as chamadas classes lexicais tm seu estatuto semntico definido pelo
sistema de transitividades, sempre interior orao, colocando-se num
segundo nvel as relaes semnticas textuais, ou no-estruturais, obtidas
por expedientes como a reiterao por sinonmia, antonmia, hiponmia, etc.
As palavras gramaticais, por seu lado, a par de constiturem peas da
organizao semntica frasal (ex: preposies), podem serprivilegiadamente depreendidas e definidas na viso da organizao
semntica textual, ou coeso (ex.: artigo definido, pronome de terceira
pessoa, coordenadores), conjugada com a viso do texto visto como
organizao interacional (ex.: pronomes de primeira e de segunda pessoa)
(2000, p.16).
Neves (2000, p.18) comenta, por exemplo, sobre as acepes contidas nos
dicionrios destinadas a palavras gramaticais como as preposies. Observa que os
dicionrios tratam as preposies tal como fossem nomes e chama a ateno para o
fato de que a preposio pertence esfera das relaes e processos e que, como pea
do sistema de transitividade, a preposio tira seu valor das relaes contradas entre
elementos cuja juno ela efetua.
Ainda em relao s diferentes classes de palavras, a autora coloca que no se
podem fornecer descries que tentem resolues, em todos os casos, no mesmo nvele com vistas mesma funo. Refora, enfim, a necessidade de uma investigao
gramatical que descreva o comportamento das diferentes classes gramaticais segundo a
funcionalidade de seu emprego nos diferentes nveis em que atuam e segundo as
funes (semntica, interacional, textual, interpessoal, etc.) que exeram, nos
diferentes nveis.
Podemos perceber que a elaborao de uma gramtica que focaliza a lngua da
forma como foi feita pela autora, privilegiando os usos, a sua funcionalidade,
distancia-se da tradio gramatical. Como dissemos anteriormente, notamos esse
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distanciamento na prpria organizao da gramtica. Numa primeira parte, intitulada
A formao bsica das predicaes: o predicado, os argumentos e os satlites, Neves
analisa o verbo, o substantivo, o adjetivo, o advrbio, o processo de negao, as
conjunes integrantes e os pronomes relativos. A propsito da predicao, a autora
afirma:
Todas as palavras que constituem o lxico da lngua podem ser analisadas
dentro da predicao. Os predicados so semanticamente interpretados
como designadores de propriedades ou relaes, e suas categorias so
distinguidas segundo suas propriedades formais e funcionais. [...] O
predicado [...] se aplica a um certo nmero de termos que se referem a
entidades, produzindo uma predicao que designa um estado de coisas, ou
seja, uma codificao lingstica que o falante faz da situao. Esto
implicados a os papis semnticos e a perspectivao que resolve as
funes sintticas (2000, p.23).
Na parte que trata da referenciao situacional e textual, Neves analisa o
artigo definido e os pronomes pessoais, possessivos, demonstrativos e os coloca comopalavras fricas, ou seja, palavras que remetem a algum outro lugar, envolvendo a
interlocuo e a remisso textual.
A terceira parte A quantificao e a indefinio traz anlises sobre os
numerais, sobre o artigo indefinido e o pronome indefinido. Caracterizados como no-
fricos e no-descritivos, operam sobre um conjunto de objetos previamente
delimitados em razo de suas propriedades, para exprimir quantidade definida ou
quantidade indefinida.
Ajuno a quarta e ltima parte da gramtica. Nessa parte, encontramos
anlises sobre diversas preposies e conjunes, ou seja, palavras que ocorrem num
determinado ponto do texto indicando o modo pelo qual se conectam as pores que se
sucedem. Segundo Neves:
O uso dos coordenadores, que so seqenciadores, por sua vez, constitui
uma evidncia da dimenso textual do funcionamento dos itens gramaticais.
Possuindo efeito de progresso textual, um elemento como mas, por
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exemplo, distingue de elementos de significado semelhante, como todaviae
no entanto, que constituem, em si mesmos, satlites adverbiais, e que, alm
disso, tm carter frico, fazendo retomada de alguma poro anterior do
texto (= apesar disso) (2000, p.602, grifos do autor).
Percebemos nessa colocao de Neves, que a autora exemplifica elementos de
significados semelhantes e comenta sobre a existncia de especificidades no
funcionamento de cada um. A autora tambm caracteriza, mesmo que indiretamente, a
marca apesar de (na forma apesar disso) como um elemento de carter frico, ou seja,
que faz retomada de alguma poro anterior do texto. Ainda em relao marca apesar
de, encontramo-la, na parte sobre a juno, comparada a no obstante e relacionada
concesso e, na parte destinada anlise das conjunes, acrescida da partcula que
(apesar de que), apresentada como um dos modos de construo concessiva.
Recorreremos, nesse momento, ao tratamento oferecido pela Gramtica de
usos do portugus s construes concessivas.
Verificamos que a anlise das construes concessivas se subdivide em: o
modo de construo, as relaes expressas, a ordem nas construes concessivas, os
subtipos das construes concessivas.
No que diz respeito ao modo de construo, encontramos a construo
concessiva constituda pelo conjunto de uma orao nuclear e uma concessiva.
Quanto s relaes expressas, Neves inclui as construes concessivas entre
as conexes contrastivas, ou seja, entre aquelas cujo significado bsico contrrio
expectativa o que acontece tambm com as adversativas. Segundo a autora, esse
significado se origina no apenas do contedo do que est sendo dito, mas, ainda, doprocesso comunicativo e da relao falante-ouvinte. Em se tratando de relacionar
diferentes construes, apresenta-se tambm uma aproximao entre as concessivas e
as construes causais e condicionais, justificada pelo fato de que, de certo modo,
todas expressam uma conexo causal entendida num sentido amplo.
Neves comenta sobre a relao entre o fato (ou noo) expresso na orao
principal e o da proposio contida na orao concessiva:
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Numa construo concessiva, vista a partir do esquema lgico, pode-se
chamar p orao concessiva e q principal. Trata-se de uma construo
concessiva quando p no constitui razo suficiente para no-q. [...] Em
outras palavras, pode-se dizer que, apesar de o fato (ou o evento) expressoempconstituir uma condio suficiente para a no-rezalizao do fato (ou
evento) expresso em q, q se realiza; e, nesse sentido, se pode dizer que a
afirmao de q independe do que quer que esteja afirmado em p (2000,
p. 865, grifos do autor).
A autora esquematiza a construo concessiva:
Orao 1: condio (suficiente) para no-realizao Orao 2: realizao
Ou:
Orao 1: condio (suficiente) para realizao Orao 2: no-realizao
Ou:
Orao 1: condio (com potencial) pra realizao Orao 2: eventual realizao
A partir desse esquema, as construes so divididas em grupos: factuais,
contrafactuais e eventuais. Segundo a autora, nos trs grupos se instaura uma relao
de contraste entre o tipo de evento representado pela proposio concessiva e o
representado pela proposio nuclear e, de algum modo, uma ligao de causa e
condicionalidade. A respeito dessa ltima ligao, Neves acrescenta:
[...] o que ocorre numa construo concessiva que uma pretensa causa(ou
uma condio) expressa na orao concessiva, mas aquilo que ela se pode
esperar negado na orao principal. [...] O que fica bem evidente que a
concesso se liga com a no-satisfao de condies e com a frustrao de
causalidades possveis. Uma construo concessiva, ao mesmo tempo que
subentende uma condicional, pode ser negada por ela. Assim, para cada
construo concessiva se pode apresentar uma condicional contraditria
respectiva (2000, p. 868-869, grifos do autor).
A autora chama a ateno para os pontos diferenciadores entre condicionais econcessivas: enquanto que na condicional a escolha de um dos elementos disjuntos
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contidos implicitadamente na prtase influi no resultado expresso na apdose (sep, q/
se no p, no q), na construo concessiva a escolha de qualquer um dos elementos
disjuntos no influi no contedo da orao principal, pois incapaz de alter-lo.
A Gramtica de usos do portugus tambm caracteriza as construes
concessivas como essencialmente argumentativas. Segundo Neves:
[...] de um ponto de vista pragmtico, as construes concessivasindicam
que o falante pressupe uma objeo sua assero, mas que a objeo
por ele refutada, prevalecendo a sua assero. O que est implicado, a,
que, nas construes concessivas como nas condicionais existe uma
hiptese, que, no caso das concessivas, a hiptese de objeo por parte do
interlocutor (2000, p.874, grifos do autor).
Podemos perceber com essa pequena investigao sobre a Gramtica de usos
do portugus e, particularmente, sobre as construes concessivas, que as anlises
privilegiam a interao verbal eficiente. E, a partir desse resultado, desse uso da
lngua, procura sistematizar o modo pelo qual e o porqu os enunciados (os textos)
foram construdos de tal forma. No h, nessa perspectiva, um preconceito em relao
a certas variedades lingsticas, como encontramos no tratamento tradicional;
analisam-se enunciados, textos, que conseguiram chegar aos seus propsitos
comunicativos. Defende-se que as unidades lingsticas determinam-se durante o
processo de construo da significao, o que atribui ao sujeito o trabalho de investir
nesse processo, segundo suas intenes em relao ao seu interlocutor.
Em relao s construes concessivas, percebemos o dilogo com outrasconstrues adversativas e condicionais , o que deixa claro que as conjunes no
so responsveis pela classificao das construes, como coloca a gramtica
tradicional. Percebemos tambm a busca de relaes subjacentes como o caso da
relao causal, da suficincia ou insuficincia de condies, entre outras.
Um ensino de gramtica baseado nessa abordagem prope uma observao
direta do uso da lngua variantes lingsticas, incluindo a norma considerada padro
, permitindo que se explique como e porque o texto diz o que diz, uma vez que levaem conta como as unidades lingsticas de um texto se relacionam com o contexto,
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incluindo as intenes de quem est envolvido na produo do texto. Nessa
perspectiva, o aluno pode refletir sobre as escolhas que tem sua disposio ao
formular os seus enunciados, e no apenas memorizar a nomenclatura gramatical ou se
deter em anlises de unidades lingsticas fora de seu contexto de uso.
No entanto, ao se preocupar com o modo como os usurios da lngua se
comunicam eficientemente, ou seja, com a formulao da inteno por parte do
enunciador diante da necessidade de antecipar a interpretao que o enunciatrio
atribuir a sua expresso lingstica, esse estudo procura dar conta da variao do
resultado da interao das unidades lingsticas e no do caminho percorrido pelas
unidades em busca desse resultado. Ao distinguir a determinao de unidades lexicaise gramaticais, ao agrupar classes gramaticais e no apresentar mecanismos
responsveis por essa aproximao, essa abordagem parte da lngua-resultado e no da
lngua em construo.
Na abordagem operatria, todas as unidades da lngua apontam para uma
imprecisa direo de sentido, e so, fundamentalmente, indeterminadas. No h
distino entre categorias lexicais e gramaticais; no h unidades da lngua que sejam
mais determinadas e outras que sejam menos determinadas. Trabalha-se num nvel
anterior construo do lxico ou da gramtica.
Apesar de partir do nvel lingstico, a anlise operatria busca as operaes
que antecedem materializao dos enunciados, num nvel linguagstico. Os
enunciados so considerados como arranjos de formas a partir dos quais os
mecanismos enunciativos que o constituem possam ser analisados como um
encadeamento de operaes. Preocupa-se, ento, menos com os resultados e mais com
o caminho linguagstico pelo qual o enunciador passou, gerando significados eficientes
ou no. Segundo Culioli, a atividade linguagstica significante: porque h, na
comunicao, operaes nas duas extremidades que os enunciados tomam um sentido
(operaes complexas, pois todo emissor ao mesmo tempo, receptor, e
reciprocamente). Para Culioli (1967), o que teve sentido na linguagem interior do
locutor, vir a ter sentido na linguagem interior do ouvinte, mas como no h
correspondncia termo a termo entre o que construdo e emitido e o que
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reconstrudo e recebido, o ouvinte construir a significao que o seu sistema de
referncia permitir.
Essa reflexo quer dar conta do modo como o enunciado se enuncia, do
processo de construo cujo enunciado seria o resultado, enfim, da prpria atividade
do sujeito na enunciao. Para Culioli (1990), o sujeito encontra-se diante de uma
ordem que est na linguagem e apropriando-se dela, coloca-a em atividade para atingir
determinado efeito significante. Coloca o sujeito como origem de um sistema de
referncia e de uma localizao colocada em jogo pelo processo enunciativo e no
como origem do processo enunciativo, pois este tem a sua origem na linguagem. por
meio de algo invariante, geral que est na linguagem que os sujeitos podem organizaro seu propsito intencionado na lngua. Enfim, para a teoria culioliana, o que
interessa o ajustamento dos sistemas de localizao, de referncia, entre
enunciadores e no o resultado final em si, pois o resultado pode ser o de um e no ser
o de outro, pode no ser o ponto final.
1.3 A Gramtica operatria
Tratamos anteriormente, das caractersticas de dois tipos de gramtica.
Falamos da abordagem tradicional que se restringe a tratar as unidades da lngua como
estticas, preocupando-se com as terminologias e deixando de lado a variedade
lingstica e o desenrolar do processo significativo na interao verbal. Apresentamos
tambm a Gramtica de usos do portugus de Maria Helena de Moura Neves. Nessagramtica, a realizao das anlises no abstrai nenhuma variedade lingstica,
considera o contexto do discurso e busca correlacionar forma e sentido.
Apresentaremos, agora, uma proposta de gramtica operatria fundamentada
na Teoria das Operaes Enunciativas de Antoine Culioli e nos trabalhos da professora
Letcia Marcondes Rezende. Pretendemos, ainda, tratar de alguns pressupostos da
teoria culioliana que tm repercusso em ensino de lnguas como, por exemplo, a
articulao lnguas/linguagem, a indeterminao da linguagem, o processo de
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categorizao gramatical, a atividade epilingstica, a atividade metalingstica, a
parfrase.
A Teoria das Operaes Enunciativas coloca no centro de todo processo
significante a indeterminao da linguagem. Distancia-se, ento, do enfoque esttico,
ou da linguagem pr-determinada, que separa o lxico de suas possibilidades de
organizao (gramtica). Nessa perspectiva a linguagem tida como a capacidade
humana de elaborar smbolos. Segundo Rezende:
A linguagem, enquanto mecanismo formal de elaborao de smbolos, fica
prensada, por um lado, pelo material do extralingstico, que, embora
mutvel (em conseqncia da atividade humana em geral), tem razovel
estabilidade (propriedades fsicas dos objetos, herana cultural, crenas,
histria das coisas, etc.) e, por outro lado, pelos sistemas de representao,
que, como um filtro, recebem objetos, propriedades e relaes, do
extralingstico, e os representam em uma relao de semelhana
(1988, p.11)
A gramtica que pretendemos explicitar, segundo a autora:
[...] seria o modo pelo qual o exerccio da linguagem/forma, enquanto
capacidade humana para elaborar smbolos, organiza um contedo/material
extralingstico (mundo fsico e mental) em um sistema de representao
especfico, que uma lngua natural (1989, p.145).
Os sistemas de representao no precisam necessariamente ser verbais oulingsticos. A lngua um entre esses sistemas de representao e, assim, apresenta-se
como o resultado da atividade significante da linguagem. Dessa forma, por meio das
marcas deixadas na lngua durante o trabalho de significao, podemos investigar os
processos que determinam a produo e o reconhecimento dos significados. Esses
processos organizam-se num nvel anterior lngua como produto, mas somente por
meio de marcas perceptveis nos arranjos da lngua que chegamos a eles. Trata-se,
ento, de buscar as invariantes que ficam na passagem do extralingstico para os
sistemas de representao das lnguas.
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A configurao de uma lngua, de um produto, no algo estvel, finalizado.
Ela foi construda e adquiriu relativa estabilidade. E justamente essa estabilidade que
permite que haja novas (des)construes. Nas palavras de Rezende, a configurao de
uma lngua natural resultado da incidncia ou reiterao do processo de elaborao
de smbolos nos mesmos lugares. Essa caracterizao leva existncia de um processo
que gera produtos.
Uma abordagem esttica da lngua parte da existncia de um mundo
etiquetado que possui uma relao imediata entre a referenciao e o material
extralingstico, sem levar em conta a necessidade o esforo em busca de construes
compreensveis. No caso da abordagem dinmica da lngua, as unidades s adquiremsignificados quando em funcionamento. Teramos, ento, unidades interpretveis
segundo a estabilizao de um entre os possveis contextos, sendo esses contextos
gerados a partir do prprio contedo semntico das prprias unidades. Segundo
Romero-Lopes:
Se a unidade lingstica comporta uma maleabilidade, uma deformabilidade
inerente, porque fora dos enunciados no existem relaes estveis ao queela permite configurar. Por outro lado, [...] isso no significa que no
existam regularidades por trs dessas relaes, visto ser a prpria
configurao, em si, regular. As estabilizaes so produtos dos enunciados,
e no uma relao a priorifixada (2000, p.68).
Dessa forma, a abordagem operatria repercute nas questes educacionais,
pois est associada a uma imagem ativa do sujeito; se h indeterminao, h todo umesforo do sujeito em busca da determinao do que deseja significar. Assim sendo,
no h interesse por um objeto fixo de anlise, nem por suas formas eficientes de
variao, mas pelos processos que os gera. Investiga-se, ento, o processo responsvel
pela variao de sentido por meio da prpria construo da significao.
Como no existe uma relao direta entre o que se vai representar e a
realidade de fato, a anlise lingstica situa-se no nvel dos valores referenciais. Na
teoria culioliana, as unidades lingsticas remetem a noes, a representaes.Segundo Culioli (1990), as noes so sistemas complexos de representao de
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O conceito de sistema de comunicao, ora atribudo linguagem ora
atribudo s lnguas, contribui para uma concepo idealizada das interaes
verbais, na qual os desencontros so vistos como acidentes, rudos,desvios. O conceito de linguagem, enquanto trabalho, ao contrrio,
coloca o desencontro, a ambigidade como fundamentos, e o encontro, a
transparncia, como conquistas (2000, p.19, grifos do autor).
O processo de produo e reconhecimento de textos acontece por meio de
operaes de indeterminao e determinao. No movimento de abertura, provocado
pela indeterminao, o sujeito encontra-se diante de um leque de possibilidades deconstruo e, no movimento de fechamento (determinao), escolhe o significado que
melhor se ajuste ao que quer representar. Com esta atividade, o sujeito encontra-se
diante de toda a liberdade de representao oferecida pela linguagem e toda a
necessidade de ajustamentos colocados em jogo pelas relaes de alteridade entre
enunciadores no momento da enunciao.
Uma metodologia de ensino fundamentada em atividades que busquem aflorar
esse dilogo interno, esse processo gerador de significao, pode possibilitar aos
alunos um melhor desenvolvimento lingstico/cognitivo e, como conseqncia, um
melhor desenvolvimento de seus recursos expressivos. Para Rezende:
Propor a indeterminao da linguagem e, conseqentemente, a
indeterminao do lxico e da gramtica no ensino de lnguas no s a
melhor maneira de se ensinar aos alunos como determin-los em situaes
prticas de produo e reconhecimento de textos orais e escritos comotambm, e sobretudo, um modo singular de se reservar um espao ao
trabalho de construo de texto feito pelos sujeitos. Desse modo ainda, o
significado do texto no se fecha jamais, permanece aberto e disponvel.
(2000, p.21).
Prope-se, ento, que se parta da lngua do que est construdo e, por meio
de um distanciamento, permitir que o aluno visualize o processo de construo a
linguagem e que, na reorganizao, consiga enxergar o seu prprio esforo em busca
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da significao desejada. Conscientizar o aluno de que as significaes no esto
prontas, tirar dele a tarefa de memorizao de formas cristalizadas, inclu-lo num
processo de reconstruo de relaes subjacentes a essas significaes um processo
que se funda nas diferentes formas de determinao e que resultar tambm em
diferentes formas de determinao. Diferentemente da abordagem tradicional, no se
quer com essa proposta, resultados homogneos, mas sim espaos para a subjetividade,
para as diferenas. Segundo Rezende:
[...] como se houvesse um nvel mais profundo, de ordem cognitiva, que
nos forasse a trabalhar o indivduo, a partir de seus referenciais fsico-
culturais, para que pudssemos, pouco a pouco, ajud-lo na construo de
sua experincia e no modo de expresso dessa experincia (1988, p.21).
Percebemos que h uma tendncia muito grande de o ensino de lngua no se
basear mais na abordagem tradicional. Cada vez mais as diretrizes dos vestibulares e
dos concursos distanciam-se do estudo tradicional da gramtica e esto mais
preocupados com a criatividade dos alunos, ou seja, com uma gramtica de produo e
reconhecimento de textos. Mas isso no significa apenas que os profissionais da rea
de ensino de lnguas sintam-se desobrigados a trabalhar com as questes de gramtica
e, de certo modo, tenham que se ocupar com atividades de produo e reconhecimento
de textos visando a um resultado homogneo, sem nenhum embasamento terico-
prtico. Temos na gramtica operatria, em sua proposta terica, material para a
compreenso de como funciona a nossa atividade de representao do extralingstico,
a nossa capacidade de representar o mundo, ou seja, uma escolha (uma recriao doextralingstico) entre muitas possibilidades de representao (comparando, avaliando,
aproximando, distanciando formas). Essa proposta condiz com a proposta contida nos
Parmetros Curriculares:
[...] constroem-se, por meio da linguagem, quadros de referncia culturais
representaes, teorias populares, mitos, conhecimento cientfico, arte,
concepes e orientaes ideolgicas, inclusive preconceitos pelos quaisse interpretam a realidade e as expresses lingsticas. Por outro lado, como
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atividade sobre smbolos e representaes, a linguagem torna possvel o
pensamento abstrato, a construo de sistemas descritivos e explicativos e a
capacidade de alter-los, reorganiz-los, substituir uns por outros. Nesse
sentido, a linguagem contm em si a fonte dialtica da tradio e damudana. [...] Nessa perspectiva, lngua um sistema de signos especfico,
histrico e social, que possibilita a homens e mulheres significar o mundo e
a sociedade. Aprend-la aprender no somente palavras e saber combin-
las em expresses complexas, mas aprender pragmaticamente seus
significados culturais e, com eles os modos pelos quais as pessoas entendem
e interpretam a realidade e a si mesmas (1998, p.20).
A gramtica operatria, fundamentada na linguagem definida como atividadede construo de representao, insere o sujeito na origem do processo de atribuio
de significados e na investigao das particularidades de cada significao
(invarincia) por meio da atividade epilingstica, ou seja, por meio da simulao de
um dilogo interno no controlado, uma atividade metalingstica que passa na mente
dos sujeitos, sejam eles produtores ou reconhecedores de textos, sem que eles tenham
conscincia dela. O enunciador, por meio dessa atividade, remete a representao em
causa ao seu centro organizador; trata-se de uma tentativa de explicar para o seu co-
enunciador o sentido de um enunciado precedente. Teramos, por exemplo: o que eu
queria dizer com o que eu disse .... Nos Parmetros Curriculares encontramos uma
valorizao da linguagem e da atividade epilingstica:
A atividade mais importante [...] a de criar situaes em que os alunos
possam operar a prpria linguagem, construindo pouco a pouco, no curso
dos vrios anos de escolaridade, paradigmas prprios da fala de sua
comunidade, colocando ateno sobre as condies e diferenas de formas e
de usos lingsticos, levando hipteses sobre as condies contextuais e
estruturais em que se do. a partir do que os alunos conseguem intuir
nesse trabalho epilingstico, tanto sobre os textos que produzem como
sobre os textos que escutam e lem, que podero falar sobre a linguagem,
registrando e organizando essas intuies (1998, p.28)
Os sujeitos se apropriam dos contedos, transformando-os emconhecimento prprio, por meio da ao sobre eles, mediada pela interao
com o outro. No diferente do processo de aquisio e desenvolvimento
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da linguagem. [...] na prtica de reflexo sobre a lngua e a linguagem que
pode se dar a construo de instrumentos que permitiro ao sujeito o
desenvolvimento da competncia discursiva para falar, escutar, ler nas
diversas situaes de interao (1998, p.34)
A abordagem operatria nos faz repensar at mesmo a questo do rascunho
na atividade de produo de textos. Na maioria das vezes, o professor pede ao aluno
que passe a limpo o seu texto com o objetivo de eliminar possveis hesitaes,
autocorrees, reelaboraes, ambigidades, rasuras, repeties, considerados erros,
lapsos que atrapalham no momento da correo e desvalorizam o trabalho do
aluno. Essas ocorrncias que fogem do homogneo pretendido pelo professor e pela
escola, refletem o esforo do aluno no processo de representao. Sendo assim, elas
poderiam ser usadas em atividades para a conscientizao do papel regulador da
linguagem no processo de construo de significados na interao verbal. Vejamos,
como exemplo, a seguinte ocorrncia da lngua falada: eu estou morando em
Botafogo que o bairro onde eu sempre morei... quer dizer morei desde criana, desde
dez anos.... O enunciador vai construindo sua representao, pensando a todo tempo
como ela recuperada pelo co-enunciador e por essa razo, quando acredita
necessrio, vai reconstruindo-a, ou seja, limitando o possvel alcance da representao
antecedente: eu estou morando em Botafogo (atualmente?... No.) que o bairro
onde eu sempre morei (desde que nasceu?... No.)... quer dizer morei desde criana
(com que idade, ento? Um ano? Dois anos? Trs anos?... No.), desde dez anos....
Nesse fragmento podemos flagrar a prpria atividade de regulao, de ajustamento
intersubjetivo, o custo enunciativo implicado numa escolha entre muitas outraspossveis. Quando estamos diante do resultado considerado ideal, fica mais difcil
enxergarmos esse dilogo, essa alteridade entre enunciador e co-enunciador, baseada
na identificao e na diferenciao.
Voltando discusso sobre o nosso objeto de pesquisa o estudo da marca
apesar de , partimos, ento, de uma abordagem tradicional, esttica, a qual trata essa
marca ora como uma locuo prepositiva, sem relacion-la concesso, ora como
locuo conjuntiva concessiva, quando acompanhada da partcula que ou de verbos no
infinitivo. Observamos tambm um estudo o qual analisa os diferentes usos dos
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marcadores concessivos a Gramtica de usos do portugus de Maria Helena Moura
Neves. Esta ltima abordagem, por sua vez, distancia-se da tradicional e analisa as
unidades lingsticas inseridas no processo de interao verbal. No caso das
construes concessivas, investiga-se como a ordem e os diferentes modos dessas
construes, refletem as intenes desse sujeito em relao ao seu interlocutor.
A abordagem operatria, a qual fundamenta o nosso estudo, no trabalha com
divises como a abordagem tradicional; trabalha-se com unidades lexicais e
gramaticais num espao de construo anterior existncia dessas categorias, no qual
se investiga o funcionamento das unidades lingsticas e sua contribuio para a
significao do enunciado. Como dissemos anteriormente, essa perspectiva tambm sedifere do tratamento funcional, pois se preocupa, menos com os resultados e mais com
o caminho linguagstico pelo qual o enunciador passou, gerando significados eficientes
ou no. O enunciador procura construir valores referenciais de tal modo que o co-
enunciador possa reconstruir essa atividade de significao, mas a significao visada
apenas uma entre as significaes possveis. Um estudo fundamentado nessa teoria,
tomando como base o exame dos termos colocados em relao nos diferentes
domnios, procura desvendar a natureza das marcas na atividade lingstica e trazer
tona mecanismos generalizveis que, por sua vez, possibilitam uma multiplicidade de
valores. E justamente o modo como se organiza essa variao de sentido que nos
permite chegar ao princpio regulador de cada unidade lingstica. Cabe ressaltar que
no se trata de localizar uma invarincia da unidade sob a forma de um contedo, mas
de demonstrar como a variao de sentido regida por uma organizao regular.
Pensando na marca apesar de, teremos para cada ocorrncia um modo singular de
colocar em jogo procedimentos comuns ao funcionamento concessivo. A partir de um
mesmo ncleo invariante, podemos ter ocorrncias intervindo, por exemplo, nas
categorias da quantificao, do aspecto, da modalidade, do tempo. Desse modo, por
meio das mltiplas variaes de significao e dos modos de construo envolvendo a
marca apesar de, pretendemos dar conta das causas e conseqncias desse uso no
plano enunciativo.
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Culioli, reduzir a linguagem transmisso de informaes pr-regradas traz tona a
idia de um universo que no necessita de adaptabilidade nenhuma. Para o terico:
[...] o fato de que ela possa ter uma atividade de comunicao supe ao
contrrio que haja ajustamento, que haja esse trajeto vertiginoso, a saber, a
produo por um sujeito de um arranjo textual tal que este ltimo seja
reconhecido por um outro sujeito como produzido a fim de ser percebido
como interpretvel e, no final do percurso, interpretado de uma maneira ou
de uma outra7(1999a, p. 11).
Seria muito simples se tivssemos um modelo simplificado de linguagem, um
universo todo etiquetado que implicasse numa harmonia prvia entre emissor e
receptor. No entanto, a linguagem no nos reserva tal transparncia e, segundo Culioli:
[...] um mal-entendido pode nos revelar a ambigidade constitutiva das
lnguas naturais; as palavras, mediadoras por excelncia, nos fazem
experimentar sua opacidade e nos revelam que no h uma relao imediataentre os termos e as coisas. Ns temos ento o sentimento que as palavras
nos traem, interpondo-se entre ns e o indizvel, este indizvel que ns
no chegamos a exprimir na cadeia sonora (1967, p. 65).
O prprio momento de comunicao necessita de ajustamentos tanto do
emissor quanto do receptor na teoria culioliana chamados, respectivamente, de
enunciador e co-enunciador. O enunciador seu prprio co-enunciador e o co-
enunciador um enunciador virtual que no tem ainda exteriorizado sua resposta. Os
sujeitos envolvidos procuram manter uma relativa estabilidade para que haja
compreenso. H sempre uma circularidade parcial, ou seja, perdas na comunicao,
mesmo no caso de um monlogo.
A atividade da linguagem no se resume em um processo programado de
transmisso e recepo. Para Culioli, a linguagem um modo de pensamento, um
7Optamos por traduzir todas as citaes e referncias que no estavam em portugus.
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sistema de representao entre outros sistemas de representao. a capacidade
humana de construo de representao, referenciao e regulao, observvel por
meio das lnguas. Pode funcionar para propsitos comunicativos porque regulada e
relativamente estvel interindividualmente.
Para a teoria culioliana, a linguagem deve ser vista como um processo que
envolve um conjunto de operaes heterogneas, isto , um conjunto de construes
realizadas pelos sujeitos envolvidos em cada situao. Desse modo, toda manifestao
da linguagem insere-se numa situao, na qual se encontram os sujeitos falantes, e que
possui certamente traos particulares do momento, traos situacionais. Existem traos,
porm, que no variam, mas realizam-se em cada lngua de modo varivel: aquelesque caracterizam os sujeitos falantes na situao (estilo indireto, modalidade eventual,
o irreal, etc.).
Sabemos que a linguagem no um decalque da realidade e nem poderia, pois
cada comunidade apreende a realidade extralingstica de maneira diferente segundo
suas necessidades, sua cultura, construindo a linguagem por meio de uma
combinatria que admite solues mltiplas. No entanto, precisamos ancorar as
lnguas naturais em situaes. Segundo Culioli (1967, p. 67), escrever, falar utilizar
uma tcnica especfica que permite adaptar-se a situaes sempre novas, aplicar um
sistema de signos gerais a problemas individuais e particulares. por meio da lngua,
sob a forma de textos orais ou escritos produzidos e reconhecidos pelos sujeitos, que
podemos investigar os processos que determinam essa produo/reconhecimento e
buscar regularidades. a autonomia da linguagem rumo coerncia, sua caracterstica
adaptvel que sustenta a possibilidade de ser estruturada sem ser rgida, estvel, sem
ser imutvel.
Essa procura de regularidades, de invariantes que garantam a variao uma
preocupao muito presente na Teoria das Operaes Enunciativas. Articulando
linguagem e diversidade das lnguas naturais, Culioli visa a construir uma teoria que
possa reconduzir a um formato comum de tal maneira que os dados sejam
contrastveis, possibilitando a passagem de uma lngua outra. um tipo de
organizao dos fenmenos que so especficos para uma lngua particular no interiorde uma estrutura geral.
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Para alcanar seu objetivo, Culioli recorre anlise da estrutura e
funcionamento das lnguas naturais, observando a atividade da linguagem, incluindo
nessa anlise as deformabilidades que geralmente so descartadas, ou consideradas
excees, desvios, falhas de comunicao, etc. Todos os tipos de textos, orais ou
escritos, interessam Teoria das Operaes Enunciativas, pois seu objetivo analisar
as marcas lingsticas de operaes da linguagem e, muitas vezes, aqueles que so
desprezados por outras anlises lingsticas, contm o que h de mais essencial para a
visualizao dos ajustes entre um enunciador e outro.
Por meio da relao que existe entre a atividade da linguagem e as
configuraes das lnguas naturais sob a forma de textos, Antoine Culioli (1999a, p.31), prope construir um modelo que no reduza a linguagem e nem a lingstica a
uma coleta de fenmenos individuais. Enfim, Culioli toma por objeto a atividade
linguagstica tal como ela se manifesta na lngua e por meio dela procura determinar a
ordem das manifestaes. A teoria culioliana investiga a produo/reconhecimento
com o intuito de chegar aos mecanismos que foram colocados em jogo pelos sujeitos.
2.2 Produo e reconhecimento
Vimos anteriormente que as unidades lingsticas no tm um estatuto
estvel. Nateoria culioliana, as unidades lingsticas no so distribuidoras de sentido
por elas mesmas, mas contribuem de modo especfico para construir sentido num meiotextual dado. Portanto, estuda-se o movimento da unidade significativa, o caminho
pelo qual ela chegou a construir a inteno de significao durante a interao verbal.
Nessa reflexo, a no correspondncia termo a termo leva ao reconhecimento
de uma regulao na atividade de significao que permite que seqncias textuais (ou
mesmo uma unidade lingstica) sejam produzidas e interpretadas numa determinada
situao. Por exemplo, quando dizemos: eu quero a minha Caloi, a substituio de
bicicleta por Caloi (nome identificador da empresa fornecedora de bicicletas) no
arbitrria. A ocorrncia sempre prxima de bicicleta e de Caloi nega a
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arbitrariedade: a linguagem est no mecanismo que permite o movimento que vai da
primeira para a segunda e da segunda primeira ocorrncia. A identidade entre as duas
unidades caracteriza-se no por um valor, mas por um funcionamento. A linguagem
envolve a capacidade de recuo, de abstrao maior ou menor sobre a analogia e
reorganizao de modo diferente.
No momento da interao entre sujeitos, a utilizao de unidades
significativas passa por um dilogo interno, definido por Culioli por epilingstico 8.
um processo interno no controlado, uma atividade metalingstica que se passa na
mente dos sujeitos, sejam eles produtores ou reconhecedores de textos, sem que eles
tenham conscincia dela. O sujeito contorna o que vai representar ou investe no queest representado, construindo e reconhecendo formas mediante o lxico e a sintaxe de
acordo com sua experincia. O sujeito no se encontra numa posio exterior a essas
operaes, ele o prprio produto delas: distante da concepo fixa de objeto, o estudo
da linguagem est associado a uma imagem ativa do sujeito. As significaes no so
dadas como prontas, acabadas: tanto no reconhecimento quanto na produo preciso
reconstru-las. Somente o sujeito capaz de estruturar e organizar por si prprio os
dados da lngua de tal modo que o resultado acaba por conter traos de sua prpria
atividade. E essa proximidade implicar na possibilidade de se estabelecer um sistema
gerativo de novas associaes.
Para Culioli (1990, p.26), a significao no veiculada, mas (re)-
construda. A relao entre produo e reconhecimento supe a capacidade de
ajustamento entre os sujeitos. E essa capacidade raramente resulta em um
ajustamento estrito. Para a teoria culioliana, a atividade da linguagem no consiste em
veicular sentido. Ela um inc