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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL
Danielle Urt Mansur Bumlai
AÇÕES INTERCULTURAIS NAS ESCOLAS DE FRONTEIRA:
INTEGRAÇÃO E PRESERVAÇÃO DA IDENTIDADE
CORUMBÁ – MS
2014
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Danielle Urt Mansur Bumlai
AÇÕES INTERCULTURAIS NAS ESCOLAS DE FRONTEIRA:
INTEGRAÇÃO E PRESERVAÇÃO DA IDENTIDADE
Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal, como requisito final para a obtenção do título de Mestre.
Linha de Pesquisa: Ocupação e Identidade Fronteiriças
Orientador: Prof. Dr. Antônio Firmino de
Oliveira Neto
Coorientadora: Profa. Dra. Elizabeth M. A.
Bilange
CORUMBÁ – MS 2014
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Este documento corresponde à versão final da dissertação de mestrado intitulada AÇÕES
INTERCULTURAIS NAS ESCOLAS DE FRONTEIRA: INTEGRAÇÃO E
PRESERVAÇÃO DA IDENTIDADE, apresentado à Banca Examinadora do Curso de
Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,
Campus do Pantanal.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________ Presidente da Banca Examinadora
Prof. Dr. Antônio Firmino de Oliveira Neto (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)
_________________________________________________ Membro da Banca
Profa.Dra. Elizabeth M. A. Bilange (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul)
__________________________________________________ Membro da Banca
Prof. Dr. Roberto Ortiz Paixão (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul)
__________________________________________________ Membro Suplente da Banca
Prof. Dr. Milton Augusto Pasquotto Mariani
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Agradecimentos
Agradeço primeiramente a Deus, por ter me dado saúde, força e coragem
nesta caminhada para superar todas as dificuldades e entraves no caminho, pois
sem Ele nada seria possível.
Aos meus pais Mansur e Suely que me incentivaram e sempre
acreditaram em mim.
Ao meu filho Luan pelo carinho e apoio sempre demonstrados.
A minha tia Sônia a quem tenho admiração e respeito e é uma das
incentivadoras para que este mestrado se tornasse realidade.
A toda Equipe da Escola “Eutrópia Gomes Pedroso” e da Unidade
Educativa “La Frontera”, diretoras, coordenadores, professores e alunos que
participaram e contribuíram para a realização desta pesquisa.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Antônio Firmino de Oliveira Neto, por ter me
aceito como sua orientanda e por suas interferências pontuais e certeiras no
decorrer do caminho.
A minha Coorientadora, Profa. Dra. Elizabeth Bilange, por todos os
momentos de apoio incondicional, amizade, dedicação, incentivo, ensinamentos e
candura ao longo desta trajetória.
A todos os envolvidos no Programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços:
professores e secretaria, pela paciência e contribuição no desenvolvimento desta
pesquisa.
E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte desta trajetória, e que
compreenderam os momentos de ausência durante minha formação, o meu muito
obrigado.
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Para llegar al punto que no conoces,
Debes tomar un camino que tampoco conoces.
San Juan de La Cruz
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URT, Danielle Mansur Bumlai. Ações interculturais nas Escolas de Fronteira:
Integração e Preservação da Identidade. Dissertação de Mestrado do Programa
de Pós-Graduação Strictu Senso. Estudos Fronteiriços, da Fundação Universidade
de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal. Corumbá/MS. 118f. 2014.
Resumo
O objetivo deste trabalho foi o de verificar o papel das escolas e da educação na
integração, diminuição das diferenças e preservação das identidades e como ações
interculturais podem aproximar integrar e preservar aspectos culturais de alunos
brasileiros que moram na Bolívia, mas estudam no Brasil e que diariamente realizam
esse trajeto Brasil – Bolívia. A pesquisa ocorreu em duas escolas, uma escola
localizada no lado brasileiro situada no Assentamento Tamarineiro I, a Escola
Municipal Rural “Eutrópia Gomes Pedroso” e a Unidade Educativa “La Fronteira”,
situada no lado boliviano em Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro. Procurou-se
neste trabalho compreender as trocas culturais existentes nas escolas de fronteira e
como se dá a integração desses alunos, em perspectiva de dentro dessas escolas.
Sabe-se que esses alunos que vem para essas escolas vivenciam diversos
referenciais de identidade e que a escola deve ser um lugar de aproximação e
diminuição de possíveis diferenças. Este trabalho apresentou resultados que
levaram a proposições de ações efetivas para as demandas encontradas.
Palavras-Chave: Fronteira – Escolas – Identidade - Interculturalidade
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URT, Danielle Mansur Bumlai. Acciones Interculturales en las Escuelas de
Frontera: Integración y Preservación de la Identidad. Dissertação de Mestrado do
Programa de Pós-Graduação Strictu Senso. Estudos Fronteiriços, da Fundação
Universidade de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal. Corumbá/MS. 118f.
2014.
RESUMEM
El objetivo de este estudio fue investigar el papel de las escuelas y de la educación
en la integración, disminución de las diferencias y preservación de las identidades y
como acciones interculturales pueden acercar, integrar y preservar aspectos
culturales de los estudiantes brasileños que viven en Bolivia, pero estudian en Brasil
y que a diario realizan ese trayecto Brasil - Bolivia. La investigación se llevó a cabo
en dos escuelas, una escuela localizada en el lado brasileño situada en el
Asentamiento Tamarinero I, la Escuela Municipal Rural “Eutrópia Gomes Pedroso” y
la Unidade Educativa “La Frontera”, localizada en el lado boliviano en Arroyo
Concepcion / Puerto Quijarro. Este estudio trata de comprender los intercambios
culturales existentes en las escuelas de frontera y cómo es la integración de esos
estudiantes en una perspectiva desde dentro de esas escuelas. Se sabe que esos
alumnos que vienen a estas escuelas experimentan diversos referenciales de
identidad y que la escuela debe ser un lugar de aproximación y disminución de
posibles diferencias. Este trabajo presentó los resultados que llevaron a las
proposiciones de acciones efectivas para las demandas encontradas.
Palabras clave: Frontera - Escuelas - Identidad - Interculturalidad
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Lista de Figuras
Figura 1 - Posto de Informações Turísticas e Polícia Federal. Corumbá, MS, Brasil. Foto de minha autoria, 2014.
Figura 2 - Posto Alfandegário da Receita Federal. Corumbá, MS, Brasil. Foto de minha autoria, 2014.
Figura 3 - Posto de Controle Fronteiriço Puerto Quijarro - Bolívia. Foto de minha autoria, 2014.
Figura 4 - Escola “Eutrópia” foi à Unidade Educativa “La Frontera” alunos e professores participantes do PEIF. Fonte. Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013
Figura 5 - Exposição das comidas, artesanato, trabalhos realizados pelos alunos em língua espanhola. Fonte. Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013
Figura 6 - Apresentação de dança das alunas da Escola “Eutrópia”. Quadra da
Unidade Educativa “La Frontera”. Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013
Figura 7 - Integração dos alunos por meio de brincadeiras e jogos. Quadra da Unidade Educativa “La Frontera”. Fonte. Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013.
Figura 4 - Apresentação do Professor da Unidade Educativa "La Frontera", em apresentação à Escola "Eutrópia". Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013.
Figura 5 - Professores da Unidade Educativa "La Frontera", em apresentação à Escola "Eutrópia". Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013.
Figura 6 - Apresentação de dança da Unidade Educativa "La Frontera". Quadra da Escola "Eutrópia". Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013.
Figura 7 - Frente da Escola "Eutrópia". Corumbá, MS, Brasil. Foto de minha autoria, 2014.
Figura 8 – Unidade Educativa "La Frontera". Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro, Bolívia. Foto de minha autoria, 2014.
Figura 9 - Aplicação dos questionários alunos da Escola "Eutrópia". Corumbá, MS, Brasil. Foto de minha autoria, 2014.
Figura 10 - Alunos da Escola "Eutrópia". Corumbá, MS, Brasil. Autor. Grupo Escola "Eutrópia". 2014.
Figura 11 - Aplicação dos questionários alunos da Unidade Educativa "La Frontera". Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro - Bolívia. Foto de minha autoria, 2014.
Figura 12 - Alunos da Unidade Educativa "La Frontera". Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro - Bolívia. Foto de minha autoria, 2014.
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Lista de Quadros
Quadro 1 - Número de alunos brasileiros que vivem no Brasil e brasileiros que vivem na Bolívia em cada turma do Ensino Fundamental II
Quadro 2 - Número de alunos participantes da pesquisa com relação aos números de brasileiros que vivem na Bolívia e no Brasil
Quadro 3 - Número de alunos com relação à cidade de nascimento de pai e mãe
Quadro 4 - Número de alunos com relação ao grau de entendimento da língua portuguesa - perspectiva do aluno
Quadro 5 - Línguas faladas pelos alunos da Escola “Eutrópia”.
Quadro 6 - Preferência segunda língua: inglês ou espanhol.
Quadro 7 - Língua falada pelos alunos da Escola “Eutrópia” em família.
Quadro 8 - Você se identifica como brasileiro ou boliviano?
Quadro 9 - Vocês se consideram fronteiriços?
Quadro 10 - Dificuldades encontradas na escola pelos alunos
Quadro 11 - Cidade da Bolívia onde nasceram
Quadro 12 - Número de alunos com relação à cidade de nascimento do pai e da mãe.
Quadro 13 - Número de alunos da Unidade Educativa “La Frontera” com relação ao grau de entendimento da língua portuguesa.
Quadro 14 - Línguas que os alunos falam – além da língua portuguesa e da língua espanhola.
Quadro 15 - Língua falada pelos alunos em família.
Quadro 16 - Vocês se consideram fronteiriços?
Quadro 17 - Número de professores Unidade Educativa “La Frontera” com relação ao grau de entendimento da língua portuguesa.
Quadro 18 – Línguas faladas pelos professores da Unidade Educativa “La Frontera”.
Quadro 19 - Cidade de nascimento dos professores Unidade Educativa “La Frontera”.
Quadro 20 - Número de alunos brasileiros e bolivianos – moradores do Brasil e Bolívia
Quadro 21 – Entendimento da língua portuguesa e espanhola dos alunos das duas
escolas em estudo
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Lista de Siglas
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA
INE – INSTITUTO NCIONAL DE ESTATÍSTICA
MEC – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
MIN – MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL
PDFF – PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DA FAIXA DE FRONTEIRA
PEIF – PROGRAMA ESCOLAS INTERCULTURAIS DE FRONTEIRA
SEM – SETOR EDUCACIONAL DO MERCOSUL
PDDE – PROGRAMA DINHEIRO DIRETO NA ESCOLA
PPP – PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO
LDB – LEI DE DIRETRIZES E BASES
IDEB – ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA
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Sumário
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 13
CAPITULO 1 ....................................................................................................................................... 18
O PARADOXAL ESPAÇO DE FRONTEIRA .................................................................................. 18
1.1. Esta fronteira mas allá ....................................................................................................... 20
1.2. Vizinhos, pero mui lejos......................................................................................................... 23
1.3. Corumbá e Puerto Quijarro: Cidades-gêmeas ................................................................... 24
1.4. Fronteira: diferentes conceitos, diferentes olhares ........................................................... 26
1.4.1. Força centrifuga x Força centrípeta: fronteira x limite .......................................... 27
1.4.2. Faixa de fronteira: Concepções e conceitos ........................................................ 30
1.4.3. As mil faces da fronteira ...................................................................................... 31
CAPÍTULO 2 ....................................................................................................................................... 34
INTERCULTURALIDADE E O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS
DE FRONTEIRA ................................................................................................................................. 34
2.1. A Cultura do “inter-lugar”: processo em ebulição .............................................................. 35
2.1.1. “Terceira Língua” no “terceiro lugar”................................................................................. 37
2.2. A Interculturalidade no Programa para Escolas de Fronteira - PEIF ............................. 39
2.3. A experiência de formadora: parâmetro de escolha do objeto e do campo de pesquisa
........................................................................................................................................................... 42
2.4. Primeiras experiências: projetos interculturais ................................................................. 50
CAPÍTULO 3 ....................................................................................................................................... 53
DO CAMPO E DO OBJETO DE PESQUISA ................................................................................. 53
3.1. Tabulação dos dados obtidos na Escola “Eutrópia” ............................................... 57
3.1.1. O que pensam e sentem os alunos da Escola “Eutrópia” .................................... 59
3.1.2. O olhar dos docentes da Escola “Eutrópia” ......................................................... 74
3.2. Unidade Educativa “La Frontera” - gêmeas pero no mucho ................................... 79
3.2.1. Tabulação dos dados obtidos na Unidade Educativa “La Frontera” .................... 82
12
3.2.2. Docentes da Unidade Educativa “La Frontera” ................................................... 90
3.3. “Eutrópia” e “La Fronteira”: diferenças e similaridades .......................................... 97
CAPÍTULO 4 ..................................................................................................................................... 101
DA APLICABILIDADE DAS AÇÕES ............................................................................................. 101
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................ 104
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 108
ANEXOS ............................................................................................................................................ 113
Anexo 01 ........................................................................................................................................ 114
Questionários ................................................................................................................................ 118
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INTRODUÇÃO
14
Em Corumbá, cerca de 700 alunos bolivianos atravessam a fronteira
diariamente para estudar na rede municipal de ensino e brasileiros atravessam a
fronteira para buscar educação na Bolívia. Tecnicamente, politicamente e
culturalmente as escolas estão preparadas para atender essa demanda? Qual o
papel das escolas e da educação na integração, diminuição das diferenças e
preservação das identidades? Como este espaço pode apontar ações que realmente
possam integrar e preservar aspectos culturais? A ação intercultural constante em
ações nas escolas de fronteira provoca aproximação e diminuição de possíveis
diferenças que existem nesse espaço? São questionamentos que conduziram esta
pesquisa e que se tentou responder no decorrer desta dissertação, cujos resultados
levaram a uma proposição de ações efetivas para as demandas encontradas. O foco
da pesquisa recaiu na observação das trocas culturais e a integração, em
perspectiva, cujo olhar foi lançado de dentro dessas próprias escolas, muito embora
a investigação primeira estar centrada na língua.
Sabe-se que os estudantes que vêm para as escolas brasileiras
vivenciam diversos referenciais de identidade: em família falam o idioma materno, no
caso o espanhol, e na escola falam português, que é a língua utilizada no ambiente
escolar. A cultura de fronteira e a língua são características de lugares e a educação
por meio das escolas deve ser um lugar de aproximação e de diminuição das
diferenças.
Para entender e sugerir ações que possam minimizar estas diferenças,
esta pesquisa lançou mão do Método Etnográfico, ou seja, a etnografia. Muito usado
na antropologia, este método consiste na observação do comportamento e atitude
das pessoas de etnias diferentes por um determinado tempo, o que pode ser
aplicado a um grupo, como no caso das Escolas de Fronteira, pois que este grupo
constitui-se de mescla de etnias diferentes. Observar o grupo para entender como é
feita a interação no espaço em que se convive. Todo o estudo foi complementado
com entrevistas e questionários, que foram aplicados nos grupos observados, das
duas escolas, nos quais se incluíam professores, alunos, coordenadores e diretores,
tal como concebe o método.
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Para embasamento teórico de aplicação prática desta pesquisa, foram
utilizadas teorias de Clifford Geertz que tratam do princípio da etnografia: desvendar
algo inusitado, ler nas entrelinhas de um texto e encontrar explicações. A etnografia
conduz o olhar através do visível para encontrar o que os olhos não conseguem
enxergar. Assim, este modo de olhar para o objeto da pesquisa, além de
fundamentá-la, facilitou a interpretação e análise do objeto. Segundo Geertz, a
cultura vai ao encontro do objetivo da antropologia que “é o alargamento do universo
do discurso humano”. Quanto mais compreendemos a cultura de um povo, mais
claro e sui generis elas pareceram. Para este teórico, para expor a normalidade de
um povo sem reduzir sua particularidade é preciso, antes de tudo, compreender a
cultura deste povo em toda sua extensão.
Para entender o espaço geográfico em que se encontram os alunos em
trânsito nesta fronteira, no capítulo 1, O paradoxal espaço de fronteira, tratou do
espaço em si, fronteira, limite, conceitos, dificuldades e o contato com o “outro” que
faz com que vejamos ou não além de qualquer linha.
Já no capítulo 2, para entender interculturalidade, iniciou-se o capítulo
discorrendo sobre cultura para compreender melhor as questões de como a
interculturalidade se processa no espaço de fronteira.
O capítulo 3 abordou a pesquisa em si, justificada por uma experiência
pessoal e efetiva a tabulação de dados, cujos questionários encontram-se anexos,
também aponta as dificuldades e os campos em que ações podem ser aplicadas.
No capítulo 4, Da Aplicabilidade das ações, buscou-se as experiências
bem sucedidas, em análises de observações existentes, em teorias possíveis, tudo o
que é factível para minimizar as demandas observadas nas escolas.
Foram objetivos desta pesquisa, verificar se tecnicamente, politicamente e
culturalmente as escolas de Corumbá estão preparadas para atender a demanda de
alunos bolivianos; compreender qual o papel das escolas e da educação na
integração; diminuição das diferenças e preservação das identidades; como este
espaço pode apontar ações que realmente possam integrar e preservar aspectos
culturais, verificou-se se a ação intercultural constante em ações nas escolas de
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fronteira provoca aproximação e diminuição de possíveis diferenças que existem
nesse espaço.
Esta pesquisa insere-se em contexto interdisciplinar, com foco nas
Ciências Humanas e Sociais, área de concentração nos Estudos Fronteiriços do
Programa de Pós-Graduação em Estudos Fronteiriços da UFMS/Campus do
Pantanal, e faz parte da linha de pesquisa “Ocupação e Identidade fronteiriça”.
Da área geográfica, fronteira Brasil-Bolívia, onde ocorreu a pesquisa,
foram escolhidas como local específico, uma escola situada no espaço considerado
limítrofe de Corumbá e uma escola de Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro. Mais
especificamente, a pesquisa teve como campo de atuação a Unidade Educativa
“Eutrópia Gomes Pedroso”, situada em Corumbá e a Unidade Educativa “La
Frontera”, situada em Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro.
Para a efetivação do projeto, nesta proposta de trabalho não coube
apenas uma única modalidade de pesquisa, pois, mesmo privilegiando a modalidade
descritiva, para que se encontrasse resultado efetivo e aplicação prática foi
necessário o imbricamento, tal como em qualquer pesquisa na área das Ciências
Humanas, dos aspectos documentais, bibliográficos e qualitativos. Para tanto, foi
elaborado um questionário para os alunos e outro especifico para os professores,
coordenadores e diretores, e partir das observações ocorridas nas escolas, foram
feitos ajustes necessários nos questionários (ANEXOS).
Neste trabalho, a pesquisa bibliográfica foi utilizada como ferramenta
metodológica para compreensão da fronteira enquanto objeto da pesquisa. Outros
instrumentos metodológicos utilizados foram questionários, entrevistas formais e não
formais e observação não participante. Quanto à natureza, é uma pesquisa básica.
Do ponto de vista dos objetivos, trata-se de pesquisa explicativa, pois procura
identificar resultados que levem a ações efetivas para as demandas encontradas.
A coleta de dados foi realizada por meio de questionários, entrevistas e
observação, com o intuito de entender como é o dia a dia destas escolas. Os
questionários foram aplicados, nas duas escolas, para os alunos, professores,
coordenadores e diretores. As entrevistas foram realizadas no ambiente escolar, e
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buscou-se entender como funcionam as escolas na fronteira, o relacionamento entre
culturas diferentes e quais ações são utilizadas para diminuir o impacto do encontro
com o “outro”, os projetos realizados pelas escolas, a evasão escolar, dentre outros
questionamentos apresentados na dissertação. O diário de campo, o gravador, a
máquina fotográfica e a de filmar auxiliaram na construção da pesquisa. Com a
observação não participativa, procura-se entender como os alunos bolivianos e
brasileiros convivem entre si.
A população alvo da pesquisa foram os alunos e professores que atuam
nas duas escolas estudadas, Escolas “Eutrópia” e “La Frontera”. A amostra foi
composta pelos alunos, professores, coordenadores e diretores que atuam nestas
instituições na região da fronteira entre Brasil e Bolívia.
Foram questionamentos que conduziram esta pesquisa e tentaram ser
respondidos no decorrer desta dissertação, apresentando-se resultados que levem a
uma proposição de ações efetivas para as demandas encontradas e, dentro do
possível, relacioná-las às trocas culturais e à integração, em uma perspectiva de
dentro dessas próprias escolas.
Sabe-se que, apesar do esforço, qualquer pesquisa é sempre um começo
de caminho, os primeiros passos que conduzem a outros que, um dia, poderão
desvendar o mundo. A certeza desta pesquisa é que se sabe apenas os primeiros
passos. Portanto, quanto melhor for interpretada a realidade observada, mais
profunda de significados esta se mostrará.
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CAPITULO 1
O PARADOXAL ESPAÇO DE FRONTEIRA
Que divide um país de outro? Uma bandeira? Uma língua, Uma constituição? Uma intenção demarcadora Um preceito ou um preconceito? Uma cerca, um muro circunstante? Ideologias? Etnias? Religiões Ou interesses tribais? Que mais? Sentimentos telúricos, ancestrais? Valores transnacionais Em que pátria residem? Antonio Miranda
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Para entender o elevado número de alunos bolivianos que frequentam as
escolas brasileiras e dos poucos brasileiros que frequentam as escolas da Bolívia,
as chamadas escolas de fronteira, objeto desta pesquisa, é preciso entender o
espaço em que se inserem estas escolas, a fronteira, Brasil - Corumbá / Bolívia –
Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro. Este espaço possibilita livre acesso, já que as
duas barreiras alfandegárias e a ponte permitem o ir e vir sem restrições para os
alunos dos dois países que atravessam a fronteira, impregnados com sua identidade
e sua cultura. É neste espaço, intercultural por sua natureza, que as relações
acontecem: casamentos, laços de amizade, trocas gastronômicas e musicais,
atividades de comércio, televisão, encontro das diferentes línguas, e, principalmente,
trocas culturais nas relações estabelecidas nas escolas.
Embora o foco desta dissertação esteja centrado nas Escolas de
Fronteira, é preciso entender que neste espaço existem múltiplas práticas sociais,
culturais, econômicas. Tanto que José Lindomar Coelho Albuquerque destaca que
as fronteiras são fluxos, misturas e separações, obstáculos, integrações e conflitos,
domínios e subordinações por que “representam espaços de poder, de conflitos
variados e de distintas formas de integração cultural.” (2006, p.5). É nesse lugar que
se estabelece integração ou não dos indivíduos dos dois países. Embora os
indivíduos, neste espaço, possam sofrer a inclusão ou exclusão, a cultura do outro
contamina sem pedir licença ou se preocupar com os aspectos legais.
É pela relação intercultural neste espaço de fronteira que o “outro” e o
“eu” se contaminam, e principalmente no lado boliviano, essa contaminação também
passa pela língua. Tanto é assim que o mesmo José Lindomar Albuquerque afirma
que os moradores que vivem na fronteira fazem uma troca diária, tanto na língua
falada quanto na escrita, criando um hibridismo linguístico, como nas músicas
escutadas, nas trocas sensoriais, nas comidas experimentadas, enfim, trata-se de
uma zona de complementaridades. O que se torna mais interessante no trabalho de
José Lindomar é a percepção dos estereótipos criados para a identificação de suas
respectivas línguas e afirma ainda, apontando para a criação inerente de um
território de ninguém “O alarme imediato é feito a partir da associação entre língua e
identidade nacional, ou seja, os espaços culturais em que as línguas nacionais
perdem espaços para línguas estrangeiras são logo vistos como lugares
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desnacionalizados” (2006, p.15). O alarme soa para o perigo do indivíduo fronteiriço
entrar em choque com sua própria identidade e o que é sua pátria. Afinal como disse
o escritor Fernando Pessoa, relendo Camões, musicado por Caetano Veloso: “Minha
pátria é minha língua”.
Será possível identificar esta desnacionalização pela língua no espaço de
fronteira? Como atribuir à língua esse papel de vilã, se a zona fronteiriça possui
necessidade constante de complementaridades? Qual o papel das escolas e da
educação na integração, na diminuição das diferenças e na preservação das
identidades? Como este espaço pode apontar ações que possam integrar e
preservar aspectos linguísticos e sociais por isso mesmo culturais?
Esta dissertação tenta apresentar respostas para essas perguntas. Como
se trata de campo muito amplo focalizou-se as trocas linguísticas e culturais dentro
do espaço privilegiado de grande importância em qualquer sociedade: as escolas
responsáveis pela educação nesta área de fronteira.
1.1. Esta fronteira mas allá
Nesta distante fronteira seca, Corumbá e Bolívia comunicam-se por uma
rodovia, a Ramón Gomez, por um canal de rio, o Canal Tamengo, por uma ferrovia,
a Noroeste do Brasil e Ferrocarril, e por uma aerovia. Isso mostra quanto os limites
físicos são tênues com barreiras frágeis passíveis de transposição rápida apesar dos
símbolos que demarcam e apontam essa soberania dos dois lados: do lado
brasileiro um Posto Alfandegário da Receita Federal, Polícia Federal e de
Informações turísticas (Figuras 1 e 2); e do lado boliviano um Posto de Controle
Fronteiriço (Figura 3).
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Figura 13 - Posto de Informações Turísticas e Polícia Federal. Corumbá, MS, Brasil. Foto de minha
autoria, 2014.
Figura 14 - Posto Alfandegário da Receita Federal. Corumbá, MS, Brasil. Foto de minha autoria,
2014.
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Figura 15 - Posto de Controle Fronteiriço Puerto Quijarro - Bolívia. Foto de minha autoria, 2014.
Mas, como já descrito na introdução, esta pesquisa não pretendeu pensar
esta fronteira Brasil – Corumbá e Bolívia – Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro
somente como um território marcado por seus limites e pela segurança que isto
implica. Pretendeu ir muito além deste limite. Até os anos 90, o assunto fronteira era
praticamente assunto militar, segundo afirma Tito Oliveira “Do ponto de vista
estratégico, as fronteiras possuíam a função de barrar, restringir, evitar, fechar e
impedir maiores aproximações e intercâmbio” (2011, p.193). Com a
internacionalização da economia abriu-se caminhos para transformar as formas de
controle nesses locais fronteiriços, e, em consequência, tem início todo tipo de troca:
cultural, sociológica, linguística. Essas trocas só acontecem porque a fronteira foi
ocupada do lado boliviano: somente após essa ocupação é que as relações
passaram a acontecer, considerando que a fronteira existe somente porque existem
pessoas dos dois lados. Como haver troca sem ocupação? Essas relações deveriam
conduzir à necessidade de percepção do “outro” como um ser impregnado com a
sua identidade e cultura. Será visto adiante a necessidade que paira sobre as
relações dentro das escolas observadas.
Com as transformações apontadas por Tito Oliveira, as fronteiras passam a
ser assunto civil além de militar e a serem tratadas de forma importante e
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significativa. Para Tito Oliveira “O fato é que essa postura (apenas militar) passou ou
está passando. O distanciamento foi cedendo lugar a novas e vibrantes formas de
integração, interação, aproximação e intercâmbio” (2011, p.193). Tito expõe assim
que a visão anterior à internacionalização, nos anos 90, era barrar, fechar, isolar,
restringir e agora, com a chegada do século XXI, a palavra de ordem é interagir e
encontrar melhor forma de se relacionar com o outro, de romper pré-conceitos. Será
que isso se manifesta nesta fronteira tão “más allá”?
1.2. Vizinhos, pero mui lejos...
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta Corumbá
com uma população de 103.703 habitantes e Ladário, com 19.617, e que,
geograficamente, Corumbá é um município com cerca de 65 mil km2. Localizada a
450 km de Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul, a 600 km de
Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, Corumbá situa-se na região Centro-Oeste do
Brasil, no Estado de Mato Grosso do Sul, à margem direita do Rio Paraguai, no
berço do Pantanal Sul-Mato-Grossense. É a última cidade brasileira desta região,
antes do território boliviano, do qual se separa por fronteira seca, como visto
anteriormente.
Trata-se de uma região conhecida pelas atividades de extração de minério,
com grandes extensões de terras cuja atividade econômica mais importante é a
pecuária e tem a pesca como atividade de sobrevivência, geradora de renda para as
famílias de pescadores que vivem na região portuária de Corumbá. As belezas
naturais, as construções remanescentes do século XIX e a pesca servem como
atração turística para os visitantes que também utilizam a cidade como porta de
passagem para outros países da América do Sul.
A cerca de 5 km de Corumbá, no território boliviano que pertence ao
Departamento de Santa Cruz de La Sierra, estão situados Puerto Quijarro, um
pequeno município da Província de Germán Bush, formado por dois distritos –
Puerto Quijarro e Arroyo Concepción que, de acordo com o Instituto Nacional de
Estatística da Bolívia (INE), possuem aproximadamente 16.000 habitantes. Mais à
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frente, a cidade de Puerto Suarez, com 15.885 habitantes, localiza-se a cerca de 15
km do centro de Corumbá. Somando, a população urbana da região de fronteira dos
municípios de Corumbá, Ladário, Arroyo Concepcion, Puerto Quijarro e Puerto
Suarez, é de, aproximadamente, 160 mil habitantes. Apesar das pequenas
distâncias, o tratamento, a influência e a aceitação de costumes pelos vizinhos
“están mui lejos” do que popularmente se chama “política da boa vizinhança”.
Diminuir as distâncias na aceitação do outro é papel da educação nas escolas de
fronteira.
1.3. Corumbá e Puerto Quijarro: Cidades-gêmeas
Segundo o Ministério da Educação, o elemento geográfico que melhor
diferencia a fronteira é aquele formado pelas cidades-gêmeas, pois oferecem
enorme potencial de integração na economia e na cultura.
Por esse aspecto, a cidade de Corumbá e Puerto Quijarro são
consideradas cidades gêmeas. De acordo com o Ministério da Integração Nacional
serão considerados cidades gêmeas os municípios cortados pela linha de fronteira, seja essa seca ou fluvial, integrada ou não por obra de infraestrutura, que apresentem grande potencial de integração econômica e cultural, podendo ou não apresentar a unificação da malha urbana com cidade do país vizinho. (Portaria nº123, 21/03/3014 – Ministério da Integração Nacional)
De acordo com o Ministério da Integração, a necessidade de definição de
cidades gêmeas surgiu das demandas de ações de políticas públicas especificas
como uma busca de melhor integração e desenvolvimento nessas e para essas
fronteiras.
Segundo a portaria nº 125, do Governo Federal, Corumbá foi incluída
neste ano de 2014 na lista de cidades gêmeas. Todas as 30 cidades que compõe a
lista de cidades gêmeas são ligadas administrativamente e passam a contar com
investimentos do Governo Federal e com uma maior integração na economia e na
cultura. O objetivo principal é identificar problemas característicos, elementos típicos
dessa região.
25
Em o Correio do Estado, o atual Prefeito Paulo Duarte, eleito em 2012,
declarou que a inserção de Corumbá na lista de cidades gêmeas foi uma imensa
conquista e no que tange a educação ele comentou: “(...) em Corumbá há mais de
700 alunos bolivianos, que atravessam a fronteira diariamente para estudar na
nossa rede municipal de ensino. Tecnicamente e politicamente estamos preparados
para atender a portaria” (Fonte: Correio do Estado. Publicado em: 22/04/2014). Será
mesmo que estamos preparados?
Sabe-se que é preciso mais do que uma política educacional para a
região de fronteira, é necessário que haja uma verdadeira integração regional, assim
como é tratado no documento do Plano de Ação do Setor Educacional do
MERCOSUL na pág. 4 quando desenvolve os Objetivos Estratégicos do Plano, e
cita:
1. Contribuir para a integração regional acordando e executando políticas educacionais que promovam uma cidadania regional, uma cultura de paz e o respeito à democracia, aos direitos humanos e ao meio ambiente;
2. Promover educação de qualidade a todos como fator de inclusão social, de desenvolvimento humano e produtivo;
3. Promover a cooperação solidária e o intercâmbio, para a melhoria dos sistemas educacionais;
4. Promover e fortalecer os programas de mobilidade de estudantes, estagiários, docentes, pesquisadores, gestores, diretores e profissionais;
5. Acordar políticas que articulem a educação como um processo de integração do MERCOSUL. (Plano de Ação do Setor Educacional do MERCOSUL 2011-2015, MERCOSUL/CMC/DEC N 20/11).
Além do que é tratado no documento do Plano de Ação do Setor
Educacional, adveio a adesão formal da Bolívia como sexto país membro do
MERCOSUL, conforme cita a Presidente do Brasil no encontro com os membros dos
países, como consta no site http://onial.wordpress.com/2014/06/12/o-processo-de-
adesao-da-entrada-da-bolivia-no-mercosul/ “e saudamos com grande entusiasmo a
decisão da Bolívia de dar início a um diálogo com o MERCOSUL. Saudamos sua
adesão ao MERCOSUL como estado-parte. A Bolívia torna o MERCOSUL muito
mais forte.” (DILMA ROUSSEFF, 2012).
26
1.4. Fronteira: diferentes conceitos, diferentes olhares
Esse imenso território no “coração” do Pantanal recebeu, ao longo do
tempo, imigrantes portugueses, paraguaios, árabes, dentre inúmeras outras
nacionalidades, cada qual com sua própria cultura e impregnados das culturas dos
povos que dominaram seus países. Segundo afirma Sturza (1994, p.2) “As fronteiras
geográficas são preenchidas de conteúdo social”, pois verifica ampla diversidade
linguística na fronteira Brasil – Bolívia.
Ao imbricamento inerente à convivência desses imigrantes na região
somam-se os costumes e a cultura autóctone dos dois países que formam esta
fronteira, obrigando a apuração do olhar sobre este local e a análise de conceitos
que tentam definir fronteira, pois nas fronteiras surgem formas singulares e especiais
de organização econômica, social e cultural, produto das diferenças, das trocas
existentes. É preciso entender que esse espaço único é gerador do sentimento de
alteridade, que acaba por reforçar a identidade do “eu” e do “nós” em relação ao
“diferente”, do outro. Isso motiva a segregação do “outro”, do “diferente”, dentro das
escolas. Sobre esse olhar discriminatório recaem as ações de projetos interculturais
nas Escolas de Fronteira.
Para Ernest Guhl (1991) a fronteira recebe diferentes olhares, formas e
maneiras, de acordo com a atitude e instância em que se lança o olhar e por quem é
lançado. Cada ator vive e sente de modo diferente, a depender de suas
experiências, sempre únicas. Assim, para entender uma fronteira é preciso entendê-
la não só como um lugar, mas quanto espaço de vivência.
es obvio que la frontera es vista de modo diferente por el colono, el
capitalista extranjero, el geógrafo o el político; y el experto militar lo
evalúa diferente que el contrabandista o el patriota de buena fé; pero
todos estos puntos de vista son fuerzas activas - de diferente
intensidad - que influyen sobre el espacio y sus fronteras políticas de
acuerdo con el tiempo (1991, p.153)1
1 é óbvio que a frontera é vista de modo diferente pelo colono, pelo capitalista estrangeiro, geógrafo ou
político ; e os militares a avaliam diferente dos contrabandistas ou patriotas de boa-fé; porém todos esses
pontos de vista são forças ativas – de diferentes intensidades – que influenciam sobre o espaço e limites
políticos de acordo com o tempo. (1991,p.153)
27
Guhl alerta que é preciso entender que o olhar varia de acordo com quem o
desenvolve, o utiliza e necessita dos conceitos sobre fronteira. Exemplo: para um
militar das forças armadas, o limite traçado no mapa é a fronteira, onde acaba o
nacional e começa o estrangeiro; para os policiais, de modo geral, a fronteira pode
ser entendida como o lugar do ilícito, das possibilidades criminosas, das mil
passagens desconhecidas; para um comerciante, pode ser uma barreira ou um
concorrente arriscado; para os curiosos, é o lugar onde acaba o conhecido e
começa o novo, o estranho, o perigoso, que oferece risco e instabilidade. Para os
pesquisadores, no entanto, trata-se de um manancial de casos, formações e
estruturas a serem investigadas para que sejam desvendadas. Assim, pela
complexidade de relações que se estabelecem na região é impossível lançar um
único olhar, ou poucos conceitos, sobre os eventos que crescem como musgo pela
região fronteiriça.
1.4.1. Força centrifuga x Força centrípeta: fronteira x limite
Originalmente a palavra limite referia-se à ligação interna de um Estado.
O fim (ou o começo) do limite é precipuamente a separação, a distinção. Os limites
foram inicialmente demarcados em função de paisagens naturais e, mais tarde,
passaram a ser estipulados em critérios políticos e bélicos (LIA OSÓRIO
MACHADO, 1998).
Para compreender melhor a distinção entre fronteira e limite, devemos
observar a diferença entre ambos:
A fronteira está orientada “para fora” (forças centrifugas), enquanto
os limites estão orientados “para dentro” (forcas centrípetas).
Enquanto a fronteira é considerada uma fonte de perigo ou ameaça
porque pode desenvolver interesses distintos aos do governo central,
o limite jurídico do estado é criado e mantido pelo governo central,
não tendo vida própria e nem mesmo existência material, é um
polígono. O chamado “marco de fronteira” é na verdade um símbolo
visível do limite. Visto dessa forma, o limite não está ligado à
presença de gente, sendo uma abstração, generalizada na lei
28
nacional, sujeita às leis internacionais, mas distante, frequentemente,
dos desejos e aspirações dos habitantes de fronteira. Por isso
mesmo, a fronteira é objeto permanente da preocupação dos estados
no sentido de controle e vinculação. Por outro lado, enquanto a
fronteira pode ser um fator de integração, na medida em que for uma
zona de interpenetração mútua e de constante manipulação de
estruturas sociais, políticas e culturais distintas, o limite é um fator de
separação, pois separa unidades políticas soberanas e permanece
como um obstáculo fixo, não importando fatores comuns, físico-
geográficos ou culturais. (MACHADO, 1998, p.42)
Assim como outros autores o autor citado evidencia fronteira como fator
de integração, por se constituir zona de interpenetração mútua e de constante
manipulação de estruturas sociais, isso significa por si só vivencias interculturais.
Assim, as trocas não acontecem naquilo que Lia Osório Machado chama de limite,
porque limite está desassociado da presença de atores, por se tratar de traço
imaginário por onde circulam pessoas de diversas origens, de diversos locais. Essas
pessoas podem tornar a fronteira local hibrido, com diferentes sistemas políticos,
econômicos e culturais. E como microcosmo da sociedade, a escola fronteiriça
reflete este hibridismo.
É importante observar que a fronteira nunca é feita de um só território.
São sempre duas ou mais áreas que se configuraram segundo uma lógica de
mobilidade espacial, sejam de agentes sociais, econômicos ou políticos. O que se
materializa no território fronteiriço é a condensação dessa relação, e suas
características expressam ao mesmo tempo a densidade e o contexto histórico
dessas ações desenvolvidas no território fronteiriço.
Tão importante quanto trabalhar o conceito de limite, de fronteira, é
conceituar o território. Inicialmente trabalhado segundo a concepção de Ratzel de
“espaço vital” que, uma vez apropriado por um povo, seria determinante para sua
sobrevivência e sua importância no mundo.
De caráter sempre transitório, os territórios são permanentemente
modificados, alterados em sua aparência e remodelados. Esse processo obedece à
lógica do poder e da representatividade dos atores locais que comandam o território.
É preciso ver o território como um referencial, uma delimitação, uma apropriação de
29
parte do espaço geográfico, onde se materializam intenções, ideias e ideais, sempre
considerando a relação de poder delimitada espacialmente.
O território produz territorialidades. Simultaneamente também é produzido
por elas. A territorialidade tem a ver com as identidades territoriais configuradas em
novos espaços. Também pode ser definida segundo um conjunto de mecanismos ou
estratégias desenvolvidas com o objetivo de controlar o processo de produção do
território. De acordo com Robert David Sack (1986) a territorialidade pode ser
definida como experiência realizada por um sujeito ou grupo, de alcançar, persuadir
ou dominar pessoas, acontecimentos e relacionamentos por meio da demarcação e
afirmação do controle sobre um limite geográfico.
É a territorialidade fronteiriça que garante a esse espaço único a sua
configuração espacial que é ao mesmo tempo singular e heterogênea, que se dá
pelo encontro de povos, pelo contexto espacial típico da fronteira. A territorialidade
acaba por expressar as características, o resultado prático das relações de poder
que foram desenvolvidas no território que a abriga. É, portanto produto e produtora
dos territórios.
Nessa concepção Edgar Costa (2009, p. 62) afirma:
O território é entendido nessa reflexão como um espaço delimitado
por e a partir de relações de poder, cujas materialidades são reflexos
das imaterialidades e das ações territoriais dos agentes e atores do
espaço. [...] O território é resultado das relações humanas - sociais,
culturais, mas fundamentalmente políticas – sobre um receptáculo
físico que se modifica e é modificado pela sociedade. [...] O uso do
território é uma forma que se pode denominar territorialidade.
Portanto, o território fronteiriço atual, moderno, é permeado pela
diversidade e seus elementos fundamentais, a flexibilidade, a simultaneidade, se
desdobram em territorialidades múltiplas que acabam por agir nos dois lados da
linha de fronteira, transformando o espaço fronteiriço dos dois lados. Essas
características de mobilidade fronteiriça, de maleabilidade, de múltiplas
territorialidades produzem ações e reações no campo cultural do ser fronteiriço, são
essas ações e reações que conduzem as adaptações próprias da interculturalidade.
30
Segundo Antônio Firmino Oliveira Neto, vários grupos se misturam
constantemente em uma fronteira. Vivendo no e o mesmo espaço, em “troca” diária
de bens e cultura, cada qual faz uso do território de forma única, “transformam a
natureza do território usado e geram, assim, novos territórios interculturais.” (2009, p.
52).
Isso não poderia ser diferente em Corumbá e Puerto Quijarro, pois estão
localizados na faixa de fronteira, assim o Ministério da Integração Nacional, no
Programa de Promoção da Faixa de Fronteira (PDFF) conceitua faixa de fronteira2
com até 150 km largura.
1.4.2. Faixa de fronteira: Concepções e conceitos
A abrangência da faixa de fronteira foi sendo alterada com o passar do
tempo, iniciando com 66 km, passando para os 100 km e chegando hoje aos 150 km
de extensão. Regulada na lei nº 6.634 de 2 de maio de 1979 disposta no Decreto nº
85.064/80, Art. 1º, “É considerada área indispensável à Segurança Nacional a faixa
interna de 150 km (cento e cinquenta quilômetros) de largura, paralela à linha
divisória terrestre do território nacional, que será designada como Faixa de
Fronteira.” A observação histórica permite vislumbrar presença constante de
militares nesse espaço apenas voltado para a segurança e defesa da nação.
Essa abrangência foi sendo alterada com o passar do tempo: iniciou com
66 km, passou para os 100 km e chegou aos 150 km de extensão. Em todo o
período convém destacar a presença constante de militares nesse espaço de
fronteira, antes apenas voltado para a segurança e defesa da nação. Existem
símbolos que demarcam e apontam essa soberania, como visto anteriormente.
2 A região da Faixa de Fronteira caracteriza-se geograficamente por ser uma faixa de até 150 km de
largura¹ ao longo de 15.719 km da fronteira terrestre brasileira, que abrange 588 municípios de 11 Unidades da Federação: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Santa Catarina. Essa área corresponde a 27% do território brasileiro e reúne uma população estimada em dez milhões de habitantes. O Brasil faz fronteira com dez países da América do Sul e busca a ocupação e a utilização da Faixa de Fronteira de forma compatível com sua importância territorial estratégica. (Publicado em: fev./2009, pag.11)
31
É preciso ressaltar que o Brasil faz fronteira com outros dez países da
América do Sul. Nessa faixa de fronteira extensa e expressiva, é necessário se ter
um olhar para todos os setores que fazem parte desse espaço, principalmente no
educacional, berço de qualquer princípio civilizatório. Para falar de fronteira,
portanto, é preciso pensar em ações educacionais especificas para a área de
fronteira.
De antemão, já sabemos que são fundamentais os acordos bilaterais
entre Brasil e Bolívia para concretizar ações na educação e através dessas ações
educativas estreitarem-se a relação de amizade, valorizar o encontro de saberes e
reconhecer que cada indivíduo neste contexto pertence a um lugar especial
independentemente se está do lado de lá ou de cá da fronteira.
1.4.3. As mil faces da fronteira
Pode-se versar de diversas maneiras sobre identidade. Ser de algum
lugar significa pertencer a ou se identificar com esse lugar. Quando esse lugar é
uma fronteira considerada cidades gêmeas, convém refletir, porém, sobre em que e
como as relações nas escolas de fronteira de Corumbá e Arroyo Concepcion /
Puerto Quijarro podem atuar na construção de novas faces para a identidade própria
do indivíduo que vive em cada uma dessas cidades gêmeas. De acordo com o
Programa de Promoção do Desenvolvimento da Faixa de Fronteira - PDFF, o
Ministério da Integração resolve que ocorreu uma necessidade de definição de
cidades gêmeas, pois teve aumento nas demandas de ações de políticas públicas
especificas como uma busca de melhor integração e desenvolvimento nessas e para
essas fronteiras. De acordo com o Ministério da Integração Nacional, cidades
gêmeas são os municípios cortados pela linha de fronteira, seca ou fluvial, integrada
ou não por obra de infraestrutura, com grande potencial de integração econômica e
cultural, podendo ou não apresentar a unificação da malha urbana com cidade do
país vizinho.
32
Segundo o Ministério da Educação, o elemento geográfico que melhor
diferencia a fronteira é aquele formado pelas cidades-gêmeas, pois oferecem
enorme potencial de integração na economia e na cultura. Assim, relações
estabelecidas nesses encontros, trocas, intercâmbio de línguas, de diversas
culturas, pensamentos, contribuem para a formação de uma identidade diferenciada.
Tudo isso é necessário para que, segundo Rogério Haesbaert (1999), a identidade
provoque uma procura de reconhecimento que se faz frente à alteridade, frente à
relação de interação com o outro para se entender que o “eu” existe pelo fato do
“outro” existir por assimilação e trocas de traços da “face” do outro. Isso pode ser
confirmado em Marcos Aurelio Saquet & Michele Briskievicz (2009, p.3), “há um
processo de relações de alteridade e exterioridade, que diferenciam e identificam as
pessoas e os lugares” nas regiões de fronteira.
De acordo com Tomaz Silva (2000) a identidade passa por processos de
transformação, de edificação, não é fixa, mas mutável, e assim se transforma em
dificuldade social, pois o encontro com o “outro” é imprescindível nesse mundo de
diversidades em que se vive hoje. Silva afirma que de todos esses pontos
relacionados à identidade emerge um problema social que está relacionado à
construção do currículo escolar e, consequentemente, nas ações pedagógicas
desenvolvidas no ambiente escolar. Para que esse encontro com o “outro” não
constitua um problema, uma subversão que pode chegar até mesmo à violência e
agressão são necessárias ações direcionadas nessas e para essas escolas que se
situam nesse espaço fronteiriço.
Segundo Torres Santomé (2011, p. 213), os estabelecimentos de ensino “são
um elemento a mais na produção e reprodução de discursos discriminatórios”, por
isso, é cada vez mais pertinente lançar olhar diferenciado e atento sobre esse
ambiente, para entendamos a direção do ensino-aprendizado dessas escolas, e de
como precisam ser pensadas as disciplinas da base comum - português, espanhol,
ciências, artes. Entre outras, e também sobre as que fazem parte da base
diversificada dessas escolas, quase sempre fragmentadas e soltas no âmbito da
formação do aluno, o que as torna sem significação, portanto, descartadas quase
imediatamente do conhecimento do aluno.
33
É preciso ressaltar que as identidades culturais são mais amplas que as
ações das escolas, elas fazem parte da identidade de um povo, de uma sociedade já
que a formação da identidade inclui cultura, economia, território, entre outras fontes.
Assim, devem ser desenvolvidas e direcionadas ações para melhor entendimento
entre os indivíduos que fazem parte desse ambiente escolar de fronteira, partindo-se
do princípio que cada povo se educa com base em uma cultura construída, que se
transforma e acrescenta conhecimento e saberes a partir de conhecimentos
universais. O docente tem papel importante nesse processo de troca intercultural. É
nas Escolas de Fronteira que se encontra espaço primordial para uma proposta de
currículo diferenciada e consequentemente um processo de aprendizagem
diferenciado e único.
34
CAPÍTULO 2
INTERCULTURALIDADE E O PROCESSO DE ENSINO-
APRENDIZAGEM NAS ESCOLAS DE FRONTEIRA
La interculturalidad, además de ser una forma de vida en permanente conflito, debe ser un proceso que ayude a descolonizar y deconstruir esquemas, conceptos, creencias, prácticas de vida, concepciones y prácticas pedagógicas.
Valentín Arispe
35
Para entender interculturalidade, iniciamos esse capítulo discorrendo
sobre cultura. De acordo com Ruth Benedict (2008, p.45) “a cultura é como uma
lente através da qual o homem vê o mundo.” Ver o mundo pela lente é perceber o
que se passa ao redor, os diversos tipos de comportamentos sociais, as diferentes
maneiras de se viver em sociedade, os variados modos de falar e das línguas
faladas, ou seja, cada indivíduo irá enxergar o mundo a sua maneira, a seu modo,
dependendo de como essas lentes são usadas e de como se lança o olhar sobre o
mundo e passa a compreendê-lo melhor. No ser humano, a cultura é impressa a
partir do nascimento e acompanha o indivíduo por toda a vida, passando por vários
processos de transformação que variam de acordo com o lugar que cada um vive e
vivencia. A esse procedimento de aprendizagem permanece se dá o nome
endoculturação, porém a transformação cultural pode ser tanto interna, como
externa.
De acordo com Irene Machado existem construções culturais que vão
além da sociedade, a cultura por meio da linguagem, dos signos:
“A cultura pressupõe sistemas de signos cuja organização
reproduz comportamentos distintos daqueles considerados
naturais que são assim, culturalizados por algum tipo de
codificação.” Os códigos como sistemas modelizantes e
modeladores, têm a função de culturalizar o mundo, isto é, de
conferir-lhe uma estrutura da cultura. O resultado final é a
transformação de um não texto em texto. Esse é o
mecanismo elementar da cultura que não se limita à
sociedade” (2003, p.38-39).
2.1. A Cultura do “inter-lugar”: processo em ebulição
Os diferentes modos culturais são predominantes no ambiente escolar, por
isso, é necessário que os alunos encontrem outro modo de entender e compreender
o mundo no qual fazem parte. Para isso, é fundamental ampliar a visão de mundo
por meio da integração intercultural que deve estar presente na construção curricular
das Escolas de Fronteira. Isso fará com que os alunos reflitam sobre os valores de
36
sua cultura, pois no momento em que se conhece ou reconhece a cultura do “outro”,
reconhece-se mais a si próprio, fortalecendo a própria identidade, mas respeitando,
assimilando e conhecendo a do “outro”. Todo princípio cultural está em um
sucessivo processo de transformação.
Esse conhecimento do “outro” é de extrema importância para o aprendizado
do aluno fronteiriço. A partir do momento em que o aluno passa a vivenciar a cultura
do “outro”, ou seja, a nova cultura apresentada de maneira diferenciada, além do
que se aprende pela leitura de livros, haverá mais aprendizado na escola. O
processo de interculturalidade também é fundamental para a vivência e para alargar
o conhecimento da língua e para desenvolver um ambiente com mais tolerância,
compreensão, colaborando para a diminuição das questões relacionadas ao
preconceito.
Conceituar cultura significa estabelecer as diferenças entre multiculturalismo
e interculturalismo, pois apesar do consenso, não são sinônimas. Margarita
Bartolomé Pina (2007) expõe que o multiculturalismo busca identificar as múltiplas
culturas existentes, passando a ideia da formação de grupos culturais em um
mesmo contexto social, favorecendo a independência e preservação de todas as
culturas, cada qual com sua idiossincrasia, com sua originalidade. Já no
interculturalismo, o que acontece são ações de intervenções sociais, que focam nas
trocas culturais existentes nos locais, edificando identidades de diferentes povos,
focando na comunicação, por meio dos diálogos e estruturação das múltiplas
culturas.
Nesta pesquisa, essa comunicação foi observada nas Escolas de Fronteira
da região de Corumbá, para engendrar as ações, com base no que Miriam Martins
(2010, p. 75) afirma sobre a interculturalidade, que “implica em gerar diálogos,
trocas, modos de perceber diferenciados, ampliação de repertórios pessoais e
culturais, ciente de que há múltiplos aspectos a serem levados em conta”, deste
modo a interculturalidade tenta transformar em ponte o que antes era barreira,
formando uma junção entre língua e cultura. Já para Edleise Mendes (2004), o
trabalho de integração estabelece o diálogo entre as diversas culturas para que seja
difundido o respeito mútuo e se obter melhor desenvolvimento na aprendizagem,
37
portanto, por esse motivo, todos os indivíduos na construção de ensino-
aprendizagem são mediadores culturais entre a própria maneira de ser e de atuar.
Mendes (2004) aponta a construção da "terceira cultura", conceituado em
Kramschi, que trata o “papel da cultura” (sic) e das trocas culturais existentes como
“processos de ensino/aprendizagem” de um novo idioma. Kramsch nomeia, de
acordo com Mendes, o único modo de se construir uma aproximação: entrosamento
com o “outro” em circunstância de relação de interculturalidade, criar um “terceiro
lugar” ou um “entre-lugar”, uma maneira de ver o “outro” a partir de si mesmo e a
partir da visão que se tem da cultura do “outro”. Criar esse “entre-lugar” significa
respeitar a própria cultura e a cultura do “outro”, não se esquecendo de quem somos
e reforçando, construindo uma nova identidade, somada aquelas já existentes, um
espaço onde o “ser diferente” não significa esquecer o que se é, mas sim somar
experiências “eu deixo o meu espaço privilegiado e construo esse outro lugar, esse
espaço de interlocução formado por parte do que eu sou e por parte do que eu
quero conhecer” (MENDES, 2004, p.169).
No que diz respeito às Escolas de Fronteira, Jacinto Ordóñez Peñalonzo
(2003) afirma que nesse momento os contextos culturais fazem parte das
expressões atreladas à globalização e que alguns indivíduos têm chamado de
“culturas de fronteira” e declara que a presença de diferentes culturas na fronteira
aponta para diferentes caminhos com características culturais que estão a demandar
não somente uma revisão curricular dos espaços educativos, mas também,
caminhos de lutas e de ações culturais.
2.1.1. “Terceira Língua” no “terceiro lugar”
Eliana Sturza (2005) comenta sobre a presença da “terceira língua”, o
encontro da língua portuguesa com a língua espanhola, na fronteira com o Uruguai,
recebe duas denominações: o “fronteirizo” “portunhol”, designações que absorvem e
sentido geográfico. Esse fenômeno de “terceira língua” nesta realidade fronteiriça
Corumbá/Puerto Quijarro é denominado “portunhol”, única denominação constatada
nesta pesquisa. A pesquisa revelou o adjetivo “fronteriço”, quase sempre escrito com
ausência da semivogal “i” para qualificar o estado e o sentimento de “ser fronteiriço”.
38
Cláudia Reis (2009) afirma que o “portunhol” acontece do contato da
escrita com a fala, pois é na escrita, segundo ela, que se aplica a mistura que
observa na fala “não se trata simplesmente de uma sobreposição do sistema
linguístico das línguas portuguesa e espanhola, mas de uma escrita que imita a
mistura que se dá na oralidade”. Independe qual grupo fala mais, o que acontece na
realidade é que a mistura existe dos dois lados, tanto no Brasil, como na Bolívia.
E de acordo com Eliana Sturza (2005) as línguas não se limitam apenas a
duas – língua portuguesa e língua espanhola, mas sim a uma imensidão delas que
se encontra em um lugar peculiar com é uma fronteira, onde existe uma diversidade
linguística imensa. Aplicando nesta fronteira Brasil/Bolívia constatou-se que o
português e o espanhol são as línguas mais faladas, e a partir desse encontro com o
“outro” surge o “portunhol”, e as mais variadas línguas como: Quéchua, Aymara,
Chiquitano ou Bésiro (introduzida esse ano na Bolívia como segunda língua no
currículo), inglês e assim segue, pois somente na Bolívia existem 36 línguas
registradas3.
Se Sturza comenta que o “portunhol” no Uruguai é uma “interlíngua”, a
nossa pesquisa, aqui na fronteira segue o mesmo caminho, pois os brasileiros
misturam mais os dois idiomas por não ter conhecimento nem do seu próprio idioma
e tão pouco do idioma do outro. A observação constatou que os bolivianos utilizam
menos a “interlíngua”, pois falam mais o português, e muitos são bilíngues em nível
mais elevado de entendimento e de fala. Isso se constatou nos questionários.
Convém, portanto, entrar nesse mundo de outros mundos, com a mente
aberta para poder assim perceber que a língua de um povo, vai além de falar a
língua desse povo, que a língua pela língua, isoladamente, não tem sentido, que é
preciso contextualiza-la para poder sentir a cultura presente nos diferentes modos
3 Línguas originárias da Bolívia – Ministério da Educação de Bolívia, artigo 5 inciso 1 da Norma
Constitucional Boliviana estabelece que são idiomas oficiais do Estado o castellano e todos os
idiomas das nações e povos indígenas originários campesinos, que são o aymara, araona, baure,
bésiro, canichana, cavineño, cayubaba, chácobo, chimán, ese ejja, guaraní, guarasu’we, guarayu,
itonama, leco, machajuyai-kallawaya, machineri, maropa, mojeño-trinitario, mojeño-ignaciano, moré,
mosetén, movima, pacawara, puquina, quechua, sirionó, tacana, tapiete, toromona, uru-chipaya,
weenhayek, yaminawa, yuki, yuracaré y zamuco”.
39
de interagir e se comunicar de um povo, o fator cultural e intercultural cria novas
identidades, integrando a todos que fazem parte desse espaço escolar na fronteira.
2.2. A Interculturalidade no Programa para Escolas de Fronteira - PEIF
Interculturalidade e o processo de ensino-aprendizagem nas Escolas de
Fronteira passam a ser uma preocupação do Ministério da Educação (MEC) que em
2004 começa a pensar uma nova abordagem para essas escolas do “entre lugar”
em um projeto denominado – Programa de Escolas Bilíngues de Fronteira (PEBF),
que se inicia formalmente entre Brasil e Argentina, por meio de um termo de
cooperação assinado entre os dois países, a partir da experiência de três cidades e
foi se alastrando pela região Sul. Na época, pela proximidade com autoridades
políticas de países vizinhos, como Uruguai e Argentina, o programa foi se
consolidando formalmente por essa região. Em 2010, o Programa, por encontrar
dificuldade em fronteiras em que se falavam mais de uma língua, transmuta para
PEIF- Programa Escolas Interculturais de Fronteira4.
O Programa nasceu da necessidade de estreitar laços de interculturalidade,
apenas pelo viés da língua, entre cidades vizinhas de países que fazem fronteira
com o Brasil, mas não incorporava a fronteira com a Bolívia como local de atuação.
A incorporação da Bolívia somente ocorre em 2012, quando o Programa se insere
neste local e passa a existir a possibilidade da Bolívia se inserir no grupo do
MERCOSUL5.
Ao Ministério da Educação, agregam-se as seguintes instituições no
programa para melhoria das relações das escolas de fronteira: Secretaria de
Educação Básica e da Assessoria Internacional do Gabinete do Ministro da
Educação; Representantes dos Ministérios da Educação dos Estados parte e
4 O Ministério da Educação institui o Programa Escolas Interculturais de Fronteira, que visa promover
a integração regional por meio da educação intercultural e bilíngue (documento Anexo 1)
5 Como é considerado no documento do Plano de Ação do Setor Educacional do MERCOSUL 2011-
2015.
40
associados do MERCOSUL que possuem áreas fronteiriças com o Brasil;
Secretarias Estaduais e Municipais de Educação envolvidas das regiões de fronteira;
Conselho Nacional de Educação e os Conselhos Estaduais e Municipais de
Educação das áreas de fronteira; Instituições de Ensino Superior participantes da
Rede Nacional de Formação Continuada dos Profissionais do Magistério da
Educação Básica Pública; Escolas gêmeas.
No Plano de Ações do Setor Educacional do MERCOSUL (2011-2015) no
que diz respeito aos objetivos e metas relacionadas ao PEIF, uma vez por semestre
todos os países do MERCOSUL e seus grupos de trabalho, comitês e
coordenações, se reúnem para fazer um balanço para avaliar as ações e fazer um
plano posterior. Cada país leva suas peculiaridades, suas condições para manter
essas ações vivas. É necessário salientar que a inclusão de Corumbá e Puerto
Quijarro na lista de cidades gêmeas vem ao encontro do Programa de Escolas
Interculturais de Fronteira (PEIF) que busca observar além de um limite de fronteira,
que pretende olhar e integrar atores que vivenciam essa região tão peculiar, assim
como observar e capacitar professores, comunidade, família e perceber a escola
como espaço de integração, não somente como transmissora de conhecimentos
básicos.
O PEIF é um programa permanente, continuo e complexo, porque tudo
deve ser decidido e planejado com o país irmão para que as decisões não sejam
tomadas unilateralmente. Há uma preocupação em discutir as ações com o país
vizinho, um compromisso com a qualidade social. Mas, essa ação ainda não
aconteceu efetivamente nesta fronteira, já que até agora, nesses 3 anos de projeto,
as ações são pensadas apenas pelo lado brasileiro. Já que o processo da
interculturalidade passa primeiramente pelos professores, com quem o contato
intercultural acontece para que se possam atingir os alunos e todo ambiente escolar,
são esses professores que devem participar do planejamento das ações,
principalmente em momentos integradores, com professores dos dois países.
O programa passou nove anos com 17 escolas brasileiras e 15 escolas
de países vizinhos. E a partir de 2014, 167 escolas aderiram oficialmente ao PEIF. O
41
PEIF passou a participar do Programa Mais Educação6 e essas escolas aderiram ao
programa através do PDDE interativo, havendo, portanto a expansão do programa.
Essas escolas que aderiram ao programa recebem verba do Governo Federal direto
na escola para que apliquem a metodologia do programa, recebendo assim até 25
mil reais, de acordo com o número de alunos de cada escola participante, assim de
11 cidades participantes passaram para 32 cidades integrantes do programa.
É por meio do conceito de cidades gêmeas que o PEIF busca a prioridade
para expansão do programa, que em 2014 totalizam 30 cidades gêmeas (conforme
conceito citado anteriormente), Corumbá e Puerto Quijarro foram incluídas neste ano
de 2014. As Línguas oficiais do PEIF são: português, espanhol, guarani, além das
línguas maternas de cada comunidade fronteiriça, e incluíram-se a partir de 2014 as
línguas inglesa e francesa.
O PEIF é desenvolvido do lado brasileiro com uma política de educação
integral em tempo integral, por entender que trata de um mesmo elemento: o ser
humano em sua formação plena, integral e integrada. Trata-se olhar para um todo,
direcionado para todos os indivíduos que vivenciam no mesmo espaço, ou seja,
alunos, professores, família. Um modo de descobrir a escola interculturalmente e
não apenas uma escola como transmissora de conhecimento.
Para dar cabo dessa demanda, o programa tem como base a
metodologia de Projetos e Aprendizagem, oportunizando aos envolvidos
conhecimentos de novas metodologias de aprendizagem. Para que isso ocorra,
todos os que fazem parte desse processo experimentem a cultura do “outro”, indo
além de atividades e momentos.
O PEIF através da ação direta com o Programa Mais Educação, como
programas integrados, atua nas escolas beneficiadas, conforme documento que
Institui o Programa Escolas Interculturais de Fronteira, visando promover a
integração regional por meio da educação intercultural e bilíngue. O documento foi
expedido pelo Ministério da Educação, na portaria nº 798, de 19 de junho de 2012
6 Programa Mais Educação - Manual Operacional de Educação Integral – Brasília/DF 2013nas págs.
42-43. Ministério da Educação / Secretaria da Educação Básica/ Diretoria de Currículos e Educação
Integral.
42
(documento anexo um). De acordo com a portaria, as escolas interculturais de
fronteira devem promover os princípios da interculturalidade, reconhecendo as
fronteiras como local de diversidade cultural e promoção da cultura da paz, o
conhecimento recíproco e a convivência dos cidadãos dos países fronteiriços.
Verifica-se, portanto que deve ser um programa de gestão compartilhada,
com decisões tomadas pelos dois países envolvidos. Uma escola que faz adesão ao
PEIF tem o espaço aberto para que outras pessoas possam contribuir. Dessa
parceria com as escolas, é realizado um diagnóstico sociolinguístico,
acompanhamento pedagógico, formação continuada, intercâmbio docente e discente
– várias modalidades de intercâmbio, não somente o cruze7 que é a forma de
intercâmbio original do programa.
Como toda escola, as Escolas de Fronteira carregam inúmeras tarefas
sociais entre essas a mais importante, a preocupação com a preservação da
identidade cultural, com a língua dos estudantes sempre em confronto pela
proximidade com o outro país. Para resolver as semelhanças e diferenças
identitárias do estudante e minimizar as dificuldades de aprendizado, o professor
deverá contemplar a pluralidade e integração. São as lacunas pedagógicas
peculiares nesta região de fronteira, como em qualquer outra, que o PEIF atua
pretendendo modificar sempre para melhor.
2.3. A experiência de formadora: parâmetro de escolha do objeto e do campo
de pesquisa
Antes de analisar os questionários, foi preciso mencionar o motivador
desta pesquisa. Em 2013, participei como professora formadora do Programa de
Escolas Interculturais de Fronteira, cujo objetivo principal era formação de
7 Cruze – será utilizado na dissertação o termo cruze que é o termo citado no documento que institui
o Programa de Escolas Interculturais de Fronteira, como referência ao intercâmbio que acontece entre professores e todo grupo escolar pertencente ao programa, expandindo com isso o ambiente cultural.
43
professores, coordenadores e diretores das escolas de formação básica, da rede
pública, na fronteira Brasil – Bolívia, tendo como escolas participantes a escola
“Eutrópia” de Corumbá e “La Frontera” em Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro,
entre outras escolas escolhidas. Foram realizados encontros semanais com a
participação dos educadores de ambos os países, iniciando a partir daí o
entrosamento intercultural, por meio da sensibilização dos participantes quanto à
importância da utilização de processos interculturais na educação de fronteira. As
sequências do programa foram organizadas para que culminasse nos cruzes,
experiência efetiva realizada nas escolas dos dois países.
O contato linguístico, muitas vezes, causou entraves, pois professores
bolivianos tiveram dificuldade com a língua falada no curso, já que somente a língua
portuguesa foi utilizada nas aulas, mesmo com grupos formados por brasileiros e
bolivianos, para que se ajudassem elaborar as propostas para realização da
integração cultural entre as duas escolas, ou seja, o cruze. Nestes encontros, os
alunos tiveram oportunidades de descobrirem a origem comum da língua portuguesa
e espanhola, as variedades de comidas típicas dos dois países, as danças regionais,
as brincadeiras em comum, ou seja, aproximaram-se pelo contato cultural, por meio
da cultura do “outro”. Esses encontros foram fotografados, conforme figuras
dispostas no texto.
44
Figura 16 - Escola “Eutrópia” foi à Unidade Educativa “La Frontera” alunos e professores
participantes do PEIF. Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013
No momento da integração, não houve separações e nem olhares de
estranheza entre os alunos de ambas as escolas. Todos interagiram, falando cada
qual em seu idioma e, às vezes, no que já foi definido anteriormente, como
“portunhol”. Os alunos bolivianos e brasileiros foram educados e receptivos com
relação às atividades propostas no que tange o desenvolvimento do grupo. Foi
observado que a troca cultural que se deu a partir desse encontro de dois povos fez
com que cada aluno, independente do lado que mora, se integrasse e respeitasse à
cultura do “outro”, como hermanos, mas também suscitou muitas dúvidas nas quais
se embasou os problemas apontados.
45
Figura 17 – Exposição das comidas, artesanato, trabalhos realizados pelos alunos em língua
espanhola. Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013
Figura 18 - Apresentação de dança das alunas da Escola “Eutrópia”. Quadra da Unidade Educativa
“La Frontera”. Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013
46
Figura 19 - Integração dos alunos por meio de brincadeiras e jogos. Quadra da Unidade Educativa
“La Frontera”. Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013.
Figura 20 - Apresentação do Professor da Unidade Educativa "La Frontera", em apresentação à
Escola "Eutrópia". Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013.
47
Figura 21 - Professores da Unidade Educativa "La Frontera", em apresentação à Escola "Eutrópia".
Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013.
Figura 22 - Apresentação de dança da Unidade Educativa "La Frontera". Quadra da Escola
"Eutrópia". Fonte: Grupo Escola “Eutrópia” nov./2013.
Convém dizer que os alunos estabeleciam boa comunicação do mesmo
modo. Nessa troca foram se identificando e aprendendo sobre as culturas de cada
país, as religiões, a visão de cada um relacionado à educação, ao país do “outro”, as
muitas formas de viver de cada grupo, construindo um elo por meio do respeito e
48
valorização da cultura de cada indivíduo, isso foi somando a identidade de cada um
e transformando-os, pois agregou valores antes jamais proporcionados.
Verificou-se por meio do intercâmbio que, nesses projetos, o contato com
o “outro” ocorre de maneira natural e que é nesse encontro de múltiplas culturas,
cada qual com sua história, costumes, crenças, religiões, faz com que a identidade
de cada aluno se transforme, agregando valor cultural a sua formação, fazendo com
que se valorizem e se respeitem mutuamente, criando uma nova identidade. De
acordo com a Professora Beatriz Xavier, no curso que faz parte do programa do
PEIF palestrado por ela sobre “Cultura e formação de Identidade” que aconteceu dia
27 de agosto de 2014 no Campus III da UFMS, a Identidade é influenciada pela
cultura e pelas pessoas com as quais se convive constituindo na relação com o
“outro”, assim o indivíduo se constrói socialmente, à medida que vai crescendo vai
moldando sua identidade e a cultura vai moldar o modo de ser do indivíduo.
A escola é sim o lugar de se olhar essas múltiplas identidades por meio
dos valores que orientam a vida. É necessário que o indivíduo conheça primeiro a si
mesmo para que assim respeite a alteridade, como diferenças que se enriquecem
quando juntas. É preciso ensinar os alunos valores como respeito e aceitação do
que é ser diferente, para que assim se integrem com o país vizinho.
Alguns professores bolivianos e brasileiros, antes das ações implantadas
pelo PEIF, nunca tiveram oportunidade de discutir questões relacionadas à fronteira,
às práticas pedagógicas interculturais por meio de interação e diálogo, as atividades
teórico- práticas desenvolvidas nos cursos oferecidos e implementadas nas escolas.
Percebe-se, portanto o quanto é importante que essas experiências sejam
ampliadas, consolidadas e tratadas com um olhar diferenciado nessas questões que
tangem a educação intercultural nas fronteiras. Assim, é importante lembrar que se
faz necessário pensar em um mecanismo para o professor que ao ir para o
momento do intercâmbio, o outro professor esteja na sala de aula, para que haja um
vínculo de comunicação e melhor interação professor- aluno.
O que deve ser sempre colocado em questão é a interculturalidade, mesmo
a que passa pelo uso da língua, não apenas a língua pela língua, mas sim a vivência
49
da língua em sua plenitude cultural. Perguntamos, então: porque toda a vida escolar
desta fronteira tem a disciplina de língua inglesa no fundamental I e II? Algumas
escolas já possuem o espanhol no ensino fundamental I, como é o caso da Escola
“Eutrópia”, e mesmo com excessiva carga horária da disciplina Língua Inglesa, os
alunos não se comunicam em inglês. Para que o estudo da língua pela língua? As
aulas de inglês têm relação com interculturalidade? Têm relação com o cotidiano do
aluno? Se Brasil possui dimensão intercultural com países da língua espanhola, é
preciso que o currículo seja adaptado, que se pense o ensino da língua de maneira
diferenciada, por meio das culturas presentes nas escolas. Isso também deve se
refletir no ensino Médio e nas próprias universidades situadas nessas regiões.
Porque as licenciaturas em regiões de fronteira não ensinam o Espanhol? Porque o
Brasil é oficialmente um dos poucos países monolíngues do mundo? Toda essa
reflexão não descarta a importância da língua inglesa, mas que esta seja também
ensinada interculturalmente.
São pelas razões descritas anteriormente que o foco do programa PEIF
vai além do aprendizado da língua pela língua e recai sobre a troca cultural existente
nos ambientes das escolas de fronteira, com cursos de capacitação cuja proposta é
a sensibilização da comunidade escolar com relação à atuação social de cada um.
Notou-se que, com o seguir do projeto, os professores das escolas da
Bolívia estão mais participativos e atuantes nas aulas. Segundo observações e
conversas informais, mesmo com a dificuldade que alguns sentem no momento da
comunicação eles não possuem mais “medo” na hora de participarem das aulas dos
cursos de capacitação, Outra observação feita por eles foi que os professores
ministrantes do curso estão palestrando nas duas línguas – portuguesa e espanhola
- fazendo com que eles se sintam valorizados e estimulados a falarem de si e a
quererem aprender mais sobre a cultura do “outro”. Também as aulas acrescentam o
desenvolvendo em cada cursista, com um novo olhar para metodologia de
aprendizado intercultural e interdisciplinar a ser trabalhado e multiplicado por cada
um no ambiente vivenciado. Foi observado inclusive, pelos professores das escolas
envolvidas, que desde a implantação do PEIF em nossa fronteira em 2012, houve
50
uma ampliação dos laços culturais relacionados da permanente tentativa do
programa na edificação da educação relacionada às escolas de fronteira.
2.4. Primeiras experiências: projetos interculturais
Segundo entrevista com o coordenador pedagógico, quase factótum na
Escola “Eutrópia”, antes havia preconceito muito mais forte, apesar da influência
cultural que a língua espanhola falada pelos bolivianos tem sobre Corumbá. Essa
influência aparece em palavras usadas em Corumbá e que não se ouve em outras
partes do Brasil como: canastra, para engradado de cerveja e comidas como a
saltenha8. Mas, apesar dessa influência, percebe-se um preconceito muito forte
ainda em frase como: “Você é colla”,9 “Boliviano é sujo”, entre outras situações que
ocorriam na escola. Segundo o entrevistado, quando se deu a integração de
bolivianos e brasileiros na escola, o preconceito era notado principalmente pela
formação de grupos - o boliviano falando palavrão em espanhol, os brasileiros
devolvendo em português - quando jogavam bola. Raramente se misturavam
efetivamente. Assim, percebeu-se a necessidade de trabalhar essa questão do
8 Saltenha, segundo história encontrada nas obras de Antônio Paredes Candia (historiador e escritor),
é possível ler que, no início do século XX, a senhora Juana Manuela Gorriti, que mais tarde se
tornaria esposa do presidente Manuel Isidoro Belzu, nascida na cidade argentina de Salta, teve de
fugir para o exílio com a sua família, durante a ditadura de Juan Manuel de Rosas. Deixou todos os
seus bens para trás e instalou-se em Tarija, na Bolívia. Durante muitos anos, a família Gorriti foi
marcada por uma pobreza extrema. O desespero levou a família a começar a preparar uns pastéis
que designava como "empanadas caldosas", que eram típicas de algumas cidades europeias, na
época. A venda destes pastéis tornou-os muito popular, ao mesmo tempo em que Manuela foi
apelidada de "a saltenha", devido à sua cidade de origem. Os pastéis foram lentamente ganhando
popularidade em Tarija, tendo acabado por se converter numa tradição. Paredes Candia menciona
que era comum dizerem às crianças: "vai buscar uma empanada da saltenha". Com o passar do
tempo, o nome de Manuela Gorriti foi esquecido, mas não a alcunha, razão pela qual a iguaria
continua a ter o nome de saltenha. Hoje em dia, é possível encontrar este produto num grande
número de locais de venda em toda a Bolívia. A sua aceitação tem sido tão boa que chegou mesmo
ao mercado internacional. É um tipo de pastel assado originário da Bolívia, onde se consome
principalmente pela manhã, sendo vendida e consumida em praças e ruas.
9 A palavra colla designa os que são ou vêm do altiplano, isto é, os aymaras e quéchuas Por
contraste e na origem, os cambas são os membros das comunidades nativas das regiões baixas,
principalmente guaranis e chiquitanos (BLANCHARD, 2005).
51
preconceito dentro da escola. Deu-se, portanto o início ao Projeto de Fanfarra10,
quebrando um pouco a questão relacionada ao distanciamento do “outro”. O projeto
envolvia tanto os brasileiros como os bolivianos, “(...) Parecia que não existiam dois
países, duas línguas, porque tanto os bolivianos como os brasileiros entraram na
fanfarra.” (Fala na íntegra do entrevistado). Assim a escola passou a fazer
apresentações na Bolívia e no Brasil, participando de concursos de fanfarra,
ganhando troféus e principalmente integrando os alunos. Segundo o entrevistado,
esse projeto integrou tanto que foi criado o Dia da Integração, para realmente
integrar os dois países e interagir com os dois lados, afinal, trata-se uma escola na
fronteira que trabalha com alunos dos dois países – bolivianos e brasileiros. No dia
da integração, são hasteadas as duas bandeiras - Brasil e da Bolívia – toca-se o
Hino Nacional da Bolívia e do Brasil e autoridades políticas e culturais se fazem
presentes, são realizadas apresentações de danças, músicas, comidas típicas de
ambos os países, tendo como parceiros: Exército, Marinha, Policia Ambiental, Policia
Civil. Ocorrem palestras sobre os perigos de armamento, tráfico, drogas, embora
estes temas não sejam bem aceitos pelas crianças que moram na Bolívia, pois
carregam o estigma imposto pela mídia e pelo preconceito das atitudes ilegais.
Outro Projeto de Integração entre os dois lados, de grande valia para a
escola, foi o Projeto de Correspondência do 5º ano. Teve início por meio da escrita
de cartas em português para os alunos da escola boliviana “La Frontera” – e esses
alunos respondiam a carta em espanhol para os alunos da “Eutrópia” e somente os
alunos podiam abrir e ler as cartas. Na Unidade Educativa “La Frontera” a
professora trabalhava a tradução do português para o espanhol e na “Eutrópia” a
tradução do espanhol para o português. Na culminância do Projeto, os alunos que
moravam na Bolívia vinham até a ponte da fronteira e pegavam o ônibus escolar
para a escola (ônibus é transporte oficial que não entra em outro país) e aqui esses
alunos conheciam pessoalmente para quem escreveram a carta, com quem se
corresponderam, o mesmo foi feito pelos alunos da “Eutrópia”, que foram para a
Unidade Educativa “La Frontera” para fazer essa troca, esse intercâmbio cultural.
10
Projeto Fanfarra – Alunos brasileiros e bolivianos participam juntos do projeto que foi elaborado por
uma professora da Escola “Eutrópia”. Eram realizadas apresentações da fanfarra tanto na Bolívia
como no Brasil, levando a uma integração e diminuição do possível distanciamento que existia entre
bolivianos e brasileiros.
52
Essas experiências mostram que Projetos como esses possuem um peso muito
grande, pois realmente aproximam os dois lados de uma fronteira. Verifica-se que,
apesar de não ter um currículo direcionado para as atividades de Escola de
Fronteira, nessas escolas, os professores, coordenadores e direção, sentem a
necessidade de implantar projetos que atentem para essa realidade fronteiriça.
Através de projetos interculturais, com um olhar aberto e amplo
direcionado a cultura dos dois países, a Escola “Eutrópia” deu um salto grande rumo
à integração da nossa fronteira e diminuição de grandes dificuldades enfrentadas
pelos alunos, Observou-se o quanto esse encontro de povos é transformador e fator
de construção de novas identidades que se produzem por meio dessa integração
nas Escolas de Fronteira.
53
CAPÍTULO 3
DO CAMPO E DO OBJETO DE PESQUISA
54
3. Contextualizando o objeto
Das duas escolas do campo da pesquisa, a Escola Municipal Rural
Integral “Eutrópia Gomes Pedroso” (Figura 11), que se torna escola de tempo
integral a partir deste ano de 2014, está localizada no Assentamento Tamarineiro I, a
5 km da linha de fronteira e recebe alunos para as turmas de Pré ao Ensino
Fundamental II oriundos de Corumbá, tanto da zona rural, dos assentamentos do
Brasil quanto procedente da Bolívia. A Unidade Educativa “La Fronteira” (Figura 12),
escola municipal, localizada em Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro
aproximadamente a 500 m da linha de fronteira, atende em dois períodos, matutino
e vespertino, da Educação Primária a Secundária. Essas duas escolas foram
escolhidas por se situarem muito próximas do que denomina limite geográfico ou
linha de fronteira, microrregião da grande área de fronteira mais suscetível às trocas
culturais e também por fazerem parte do PEIF, programa que desde 2012 tenta
minimizar diferenças culturais geradoras de segregação e preconceito aqui nesta
região fronteiriça.
Figura 23 - Frente da Escola "Eutrópia". Corumbá,MS, Brasil. Foto de minha autoria, 2014.
55
Figura 24 – Unidade Educativa "La Frontera". Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro, Bolívia. Autor.
Foto de minha autoria, 2014.
Para entender os resultados provocados pelo encontro das múltiplas
culturas que fazem parte do ambiente em uma Escola de Fronteira, foram aplicados
questionários nas duas escolas (“Eutrópia” e “La Frontera”) que conduziram para
algumas respostas as perguntas. A tabulação dos questionários e a transcrição de
entrevistas gravadas formalmente e informalmente com alunos, professores,
coordenadores, diretores, secretários, são apresentados neste capítulo para tentar
iluminar o entendimento do processo de integração cultural ou linguística que
acontece nas Escolas de Fronteira. Como será visto a seguir, as repostas tornam
possível uma melhor visualização das possibilidades de novos caminhos que
possam minimizar as questões que afetam negativamente a educação na fronteira.
Aos questionários apresentados na primeira pesquisa realizada durante o
ano de 2013 na Escola “Eutrópia” foram acrescidas ou suprimidas algumas
questões. Isso se fez necessário para que os questionários ficassem compatíveis
com a realidade observada na escola já que esta passou por transformações,
tornando-se escola de ensino integral, reduzindo quase pela metade o número
alunos. A primeira visita à Escola, setembro de 2013, teve como intuito familiarizar e
observar as características peculiares de uma escola efetivamente de fronteira para
56
entender o funcionamento, as línguas em contato, a história, a inserção social, o
contexto, a integração entre os alunos, que, entre os 184 matriculados,
aproximadamente 120 alunos moram na Bolívia, embora possuam registro legal no
Brasil, como será visto a seguir.
Segundo dados obtidos na Secretaria da Escola, o corpo docente é
formado por dezenove professores, entre os quais tem um professor com mestrado
obtido na UFMS em Estudos Fronteiriços, outros seis com mestrado no Paraguai,
portanto pelo menos 90% são pós-graduados. Todos os professores nasceram no
Brasil. Observou-se, neste período, que os professores, em sua maioria, entendem a
língua espanhola, e expressam-se em uma mescla das duas línguas, o que resulta
uma terceira língua, o que já caracteriza um importante imbricamento cultural. Só
esse fato já produz efeito de minimização de diferença linguística e influencia o falar
dos alunos por colocar as línguas em contato. No entanto, já nesse primeiro
momento da observação, apontou-se que só isso não é suficiente para efetivar a
integração, e como foi constatado pelos questionários, para minimizar diferenças e
reafirmar identidade entre os discentes da escola.
Esses dados revelaram que permeia nessas escolas alto grau de
mobilidade provocado pela troca constante do encontro de dois povos em um só
espaço: o ambiente educacional. É preciso lembrar que a Bolívia é um país
pluricultural, que possui 36 línguas oficiais. Isso potencializa a troca cultural na
escola. Há alunos, como revela o questionário, que falam quéchua ou guarani em
casa.
Os sujeitos da pesquisa são todos alunos do Ensino Fundamental II –
sexto ao nono ano, professores, coordenadores, secretários e toda equipe presente
que participam dessa troca diária, pois, como será verificado adiante, a pesquisa
revelou que a língua do “outro”, falada nesse ambiente não é fator de isolamento,
mas sim de aproximação. Se o objetivo primeiro de uma língua é a comunicação,
esta comunicação existe de qualquer maneira e cria laços entre alunos oriundos dos
diversos meios e jeitos de viver.
57
3.1. Tabulação dos dados obtidos na Escola “Eutrópia”
Se, a princípio, o projeto objetivava averiguar apenas questões
identitárias que permeiam o uso da língua, o resultado final tabulado no questionário
apontou a visão dos alunos sobre a fronteira e o “ser fronteiriço” e como se
relacionam com o outro no âmbito escolar da Escola “Eutrópia”. Ou seja, as
respostas subjetivas conduziram ao enfoque intercultural da pesquisa. O
questionário foi aplicado de forma simples, em língua portuguesa, não foi
apresentada nenhuma contribuição para o preenchimento do mesmo, para assim
poder captar o que os alunos realmente pensam e sentem e o que poderia ser
transformado a partir daí.
O questionário foi aplicado em 30 alunos, que estavam presentes na
escola, na sala de aula e fazem parte do Fundamental II. Mais da metade desses
alunos vivem na Bolívia, uma parte no assentamento nos arredores da escola e uma
pequena parte em Corumbá. Também os professores e coordenadores
responderam aos questionários. O nome dos participantes não será mencionado
para não comprometer os participantes. Agrupados em dois blocos, alunos serão
identificados pela letra A e os outros colaboradores pela letra C.
Os questionários foram apresentados aos alunos com idade entre 11 a 17
anos, o que contribui para um maior entendimento das relações que ocorrem na
escola.
O quadro 1 que segue aponta o número de alunos brasileiros que vivem na
Bolívia e brasileiros que vivem no Brasil e frequentam o Ensino Fundamental II da
Escola Municipal Rural Integral “Eutrópia Gomes Pedroso”.
58
Quadro 1 - Número de alunos brasileiros que vivem no Brasil e brasileiros que vivem na Bolívia em
cada turma do Ensino Fundamental II
Ensino Fundamental II
Total de alunos
Brasileiros
(que vivem no Brasil)
Brasileiros
(que vivem na Bolívia)
6º ano
35
16
19
7º ano
26 13 13
8º ano
13
6
7
9º ano
11 7 4
Fonte: Secretaria da Escola Municipal Rural Integral “Eutrópia Gomes Pedroso”, Agosto/ 2014.
Pelo simples olhar para os números, verifica-se pelo quadro anterior que
o número de alunos que vivem na Bolívia e estudam no Brasil é muito grande. Isso
aponta para a necessidade da importância de um Projeto Político Pedagógico (PPP)
direcionado para as Escolas de Fronteira, diferenciado do resto do país. Até a data
final da coleta de dados, agosto/2014, o Projeto Político Pedagógico, era o mesmo
oferecido ainda em disquete pela Secretaria Municipal de Educação para todas as
escolas da região brasileira de fronteira, não havia sido reformulado para incorporar
as especificidades da escola integral, rural e que recebe grande número de
bolivianos. Isso já evidencia a necessidade para a construção de um novo PPP, que
deve ser feito de forma a se olhar para os outros campos dos saberes que precisam
ser colocados e apontados para a realidade intercultural das Escolas na Fronteira.
As dez salas do “Eutrópia” comportam dez turmas concomitantes em
períodos consecutivos de oito horas. Isso transforma todo o ambiente, inclusive a
relação professor e aluno. A primeira e importante observação é relacionada ao
trabalho em conjunto para a construção de um novo PPP, com reunião por
segmentos internos e externos, administrativos, pedagógicos – professores, alunos,
pais e a comunidade em geral para que se insira, por meio do Projeto Político
Pedagógico, a escola no contexto de fronteira. Gadotti (2006, p. 139) afirma que “O
59
nosso aluno real, o aluno concreto, é único. Cada um deles é diferente e precisa ser
tratado em sua individualidade, em sua subjetividade”. Assim, como o aluno, cada
escola também é única e merece um olhar diferente para que as ações sejam
direcionadas para a realidade de cada uma.
A Lei 9.394, de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) aponta
que, para o caso do “Eutrópia”, por ser rural, existe a possibilidade de mudar o
calendário e de mudar inclusive a grade se for necessário, pois não existe um
direcionamento para essa região fronteiriça. Esse calendário rural alternativo
possibilita maior flexibilidade à escola, pois podem aproximar-se um pouco mais do
calendário boliviano. O ideal é a constituição de uma Lei específica para Escolas de
Fronteira, tanto no Brasil quanto na Bolívia. Esta é a nossa segunda observação
importante.
3.1.1. O que pensam e sentem os alunos da Escola “Eutrópia”
Todos os alunos do 8º e 9º ano responderam ao questionário, o que não
aconteceu com os alunos do 6º e 7º (Figura 13). Dos 30 alunos que participaram da
pesquisa, 18 alunos moram na Bolívia e 12 alunos moram em Corumbá e arredores-
assentamento, como pode ser confirmado no quadro 2 a seguir das fotos abaixo.
Figura 25 - Aplicação dos questionários alunos da Escola "Eutrópia". Corumbá,MS, Brasil. Foto de
minha autoria, 2014.
60
Figura 26 - Alunos da Escola "Eutrópia". Corumbá,MS, Brasil. Autor. Grupo Escola "Eutrópia".
2014.
Quadro 2 - Número de alunos participantes da pesquisa com relação aos números de brasileiros que
vivem na Bolívia e no Brasil
Número de alunos participantes na
pesquisa
Alunos brasileiros que vivem na
Bolívia
Alunos brasileiros que vivem no Brasil
Alunos que possuem registro no Brasil
30
17
13
30
Fonte: pesquisa de campo, agosto/ 2014.
Todos os 17 alunos brasileiros que moram na Bolívia responderam que
possuem registro no Brasil, o que mostra “certa” facilidade em adquirir documentos,
na zona de fronteira, que caracterizem nacionalidade brasileira. Este fato se dá pela
proximidade entre as cidades, por familiares morarem em Corumbá, e também pela
maioria ter nascido na maternidade de Corumbá, mesmo de pais bolivianos. As
respostas dos alunos vão ao encontro de uma passagem da entrevista feita com o
coordenador pedagógico da Escola, que afirma que não existem alunos bolivianos
61
que estudam na escola. Oficialmente não há nenhum aluno boliviano estudando na
Escola “Eutrópia”, pois se houvesse teria que ter uma autorização especial, um
documento de identidade que é baseado na Lei nº 6815/80 sendo expedido pela
Policia Federal, por meio de uma legislação especifica de fronteira, conforme
determina a Constituição Federal Brasileira em 19 de agosto de 1980 (BRASIL,
1998) que no artigo 21 determina:
Art. 21. Ao natural de país limítrofe, domiciliado em cidade contígua ao território nacional, respeitados os interesses da segurança nacional, poder-se-á permitir a entrada nos municípios fronteiriços a seu respectivo país, desde que apresente prova de identidade.
§ 1º Ao estrangeiro, referido neste artigo, que pretenda exercer atividade remunerada ou frequentar estabelecimento de ensino naqueles municípios, será fornecido documento especial que o identifique e caracterize a sua condição, e, ainda, Carteira de Trabalho e Previdência Social, quando for o caso.
§ 2º Os documentos referidos no parágrafo anterior não conferem o direito de residência no Brasil, nem autorizam o afastamento dos limites territoriais daqueles municípios.
No entanto, existe para complementar a Lei acima citada, o Decreto nº
6.737, de 12 de janeiro de 2009, que estabelece o Acordo entre o Governo do Brasil
e da Bolívia, que reconhece as fronteiras como elementos de integração e permite
pelo seu artigo I a “frequência a estabelecimentos de ensino públicos ou privados”.
Neste acordo, Corumbá e Puerto Suarez aparecem no anexo de localidades
vinculadas, permitindo a residência desses indivíduos nas cidades que abrangem o
Decreto. A diferença do Decreto nº 6.737 para a Lei nº 6815/80 é a permissão de
residência para esses indivíduos que residem nessa região de fronteira para
trabalhar e ou estudar. O processo, no entanto, para efetivação deste acordo é muito
caro e difícil de conseguir, pois o custo é alto e os trâmites no Brasil e Bolívia são
dificultosos.
Na escola ao ser questionada quantos alunos são brasileiros e quantos são
bolivianos, verificou-se a resposta veio por meio do conhecimento que a Escola tem
em relação a cada aluno além do nome e sobrenome. Primeiro, verificou-se o diário
com os nomes e assim foi sendo feito o diagnóstico relacionado a quantidades de
alunos oriundos do Brasil e Bolívia, porém todos com os devidos documentos.
62
Para a pergunta sobre qual a cidade de nascimento do pai e da mãe, dos
30 alunos, 24 responderam que a mãe é brasileira e 06 alunos que a mãe é
boliviana, 26 que possuem pai brasileiro e 4 alunos com pai boliviano
Quadro 3 - Número de alunos com relação à cidade de nascimento de pai e mãe
Local de nascimento dos pais Número de alunos
Mãe brasileira 24
Mãe boliviana 06
Pai brasileiro 26
Pai boliviano 4
Fonte: Pesquisa de campo, agosto/ 2014.
Na questão que se refere ao grau de entendimento da língua portuguesa
na Escola, 2 alunos responderam que possuem pouco grau de entendimento, ou
seja, entendem, falam, porém misturam o português e o espanhol ao falar e
escrevem com muita dificuldade; 9 alunos possuem o grau de entendimento médio –
entendem, falam, entretanto possuem “certa” dificuldade ao escrever e 19 alunos
possuem ótimo grau de entendimento, fala e escrita.
Quadro 4 - Número de alunos com relação ao grau de entendimento da língua portuguesa –
perspectiva do aluno
Grau de entendimento da língua portuguesa Número de alunos
Pouco – entende, fala (misturam o idioma) e escreve com
muita dificuldade. 02
Médio – entende, fala, escreve com pouca dificuldade 09
Fluente – entende, fala, escreve 19
Fonte: pesquisa de campo, agosto/ 2014.
63
Assim percebeu-se o multilinguismo presente na Escola, com cada aluno
em seu próprio determinado grau, o que não impede a comunicação durante a fala,
como foi constatado na observação. O fato, entretanto, de escreverem mal, dificulta
o aprendizado, pois reflete na escrita das avaliações entre outros resultados. Este é
o terceiro ponto que deve ser apontado: o que fazer para minimizar essas
dificuldades?
Percebido o encontro de dois ou mais idiomas, questionou-se qual outro
idioma era falado pelos alunos e qual era o mais usado. Dos 30 alunos que
responderam ao questionário os 30 falam português, desses 30 alunos 14 falam o
espanhol e 03 alunos colocaram que falam “boliviano”. Percebe-se, portanto que a
língua portuguesa é utilizada por todos, sendo que mais da metade dos alunos falam
espanhol e uma parte deles que também fala o espanhol, denominou o idioma como
boliviano, o que já atribui características de uma língua marcada por uma cultura
específica, já que espanhol e castelhano são denominações genéricas para a língua
não para a fala. Isso pode ser constatado pelas respostas dos alunos, também
marcado pelo preconceito linguístico. Esses alunos ao serem questionados de onde
aprenderam que o idioma falado na Bolívia é o boliviano, eles responderam que é
porque quem vive na Bolívia fala boliviano e que não gostam de falar muito, porque
algumas pessoas ficam dizendo que é “feio” falar esse idioma, assim sentem
vergonha e tentam falar somente o português. Quarto ponto apontado: a
necessidade de trabalhos interculturais para aumentar a autoestima, principalmente
dos alunos bolivianos, com possível acompanhamento psicológico, o que poderia
ser oferecido em conjunto com o curso de psicologia da Universidade – UFMS –
CPAN.
Quadro 5 - Línguas faladas pelos alunos da Escola “Eutrópia”.
Línguas faladas pelos alunos (citadas pelos mesmos) Número de alunos
Português 30
Espanhol 14
Boliviano 03
Fonte: pesquisa de campo, agosto/ 2014.
64
Outro preconceito cultural e linguístico é sobre qual idioma preferem
aprender na escola, 21 alunos responderam que preferem aprender a língua inglesa
e apenas 9 optaram pela a língua espanhola. Desses alunos que disseram que
preferem o espanhol, todos responderam que é por ser mais fácil e por ser a língua
mais falada na escola. Dos vinte e um alunos que escolhem o inglês como língua a
ser aprendida no Fundamental II, dizem que o espanhol não é “legal”, que o “povo
que fala é pobre e vive na fronteira em uma situação de miséria, já os que falam a
língua inglesa são mais bonitos e prestigiados”.
Quadro 6 - Preferência segunda língua: inglês ou espanhol.
Preferência segunda língua no Ensino Fundamental II Número de alunos
Espanhol 09
Inglês 21
Fonte: pesquisa de campo, agosto/ 2014.
De acordo com Rivas (2011, p.58) ocorre nas escolas que se situam na
parte central de Corumbá um interesse maior por aprender inglês ao espanhol. Essa
assertiva foi contatada também Escola “Eutrópia”, apesar da localização na região
de fronteira, os alunos preferem aprender inglês a espanhol.
É evidente o preconceito contra língua Espanhola. Isso demonstra a falta
do entendimento da cultura presente em nossa região e da aceitação intercultural.
Quinto ponto observado: a falta de conhecimento e aceitação da língua do “outro”
pode ser melhorado por meio de um currículo diferenciado, que por meio da
observação, pode-se comprovar o quanto é importante e de grande relevância
projetos que envolvam os dois lados – Brasil e Bolívia.
Quanto à questão de que idiomas são utilizados por esses alunos em
família, 17 disseram que falam português com os pais, 12 falam somente o espanhol
e 1apenas fala guarani. A maioria dos alunos foi alfabetizada na escola, ou seja,
todos falam a língua portuguesa, pois cresceram e se desenvolveram no convívio
65
com a língua. No quadro 5, que relaciona a língua falada pelos alunos em família,
não foi apontado o Guarani, porém no quadro 7, destaca-se o Guarani como língua
falada em família, ou seja, em casa com os pais, irmãos e outros que fazem parte do
convívio familiar. Isso prova que não se trata de uma região bilíngue, é amplo o
espectro das línguas faladas nesta região de fronteira, que passa pelo quéchua,
aymara, entre outras dez línguas diagnosticadas. Só isso daria um estudo pleno.
Quadro 7 - Língua falada pelos alunos da Escola “Eutrópia” em família.
Línguas faladas pelos alunos em família Número de alunos
Português 17
Espanhol 12
Guarani 01
Fonte: pesquisa de campo, agosto/ 2014.
Uma questão que salta pela leitura das questões dissertativas é que os
alunos possuem grande dificuldade na escrita. O questionário foi aplicado em língua
portuguesa, pois é a primeira língua falada na escola. Ao falar eles não apresentam
tanta dificuldade como apresentam na escrita. Foi perceptível a troca de palavras e a
mistura de idiomas nas respostas que exigiam a construção de uma frase. Exemplo:
quando questionados sobre a língua que preferiam, uma parte dos que responderam
espanhol, escreveram “espanhou” ou “spanhou” e (nesta escrita talvez subjaza o
guarani). Os que responderam que preferiam aprender o inglês colocaram a
resposta como “ingrês” ou “engles”. É perceptível que a dificuldade não se aplica
somente a língua espanhola ou à língua portuguesa. As respostas vão ao encontro
do pensamento de Sturza (2005, p.50) que diz que “a Língua Portuguesa além das
fronteiras brasileiras é outra língua.” Digo mais, a Língua Portuguesa nas fronteiras
brasileiras é outra língua.
Por essas razões, este contexto desafiador presente nas escolas de
fronteira, não são encontrados apenas nas aulas de língua portuguesa, mas sim por
todo o corpo docente, aponta para a questão do quanto é importante o planejamento
66
diferenciado dos professores que acompanham todos os dias essa realidade
fronteiriça. Esse apontamento, nossa sexta observação, também fará parte das
propostas de ações efetivas.
Quanto ao fato de possuírem registro no Brasil, a resposta foi afirmativa
por todos os alunos, conforme quadro 2. Desses totais 17 colocaram que moram na
Bolívia e 13 no Brasil. Esses alunos entram em contradição quanto à questão se são
bolivianos ou brasileiros, já que a resposta foi que 25 alunos se consideram
brasileiros e 5 apenas se identificam como bolivianos. Entende-se, portanto, que o
conflito sobre sua identidade entra em questão todo tempo dentro e fora do contexto
escolar. Essa identidade é construída, desconstruída e reconstruída por esses
alunos todos os dias que vivenciam esse ambiente. Segundo Stuart Hall (1997, p.8)
“Nossas identidades, são em resumo, formadas culturalmente”, ou seja, são
construídas por meio da cultura, e é desse encontro cultural que nascem novas
identidades, que se reconhece no “outro”. Isso mostra o quanto é preciso à mudança
no contexto intercultural desta região fronteiriça, e aponta para a sétima observação:
é preciso elaborar, planejar e aplicar ações que integrem a múltiplas identidades
nessas escolas de fronteira, que mostrem que num mesmo lugar cabem os dois
lados ao mesmo tempo. Essas atividades devem apontar para brincadeiras,
conversas, trocas constantes e diárias.
Quadro 8 - Você se identifica como brasileiro ou boliviano?
Identificação dos alunos: brasileiro ou boliviano Número de alunos
Brasileiro 25
Boliviano 05
Fonte: pesquisa de campo, agosto/ 2014.
Para entender melhor o que os alunos da Escola “Eutrópia” entendem
sobre o que é fronteira, destacou-se todas as respostas dadas por eles. Esses
alunos serão identificados pela letra A (alunos) conforme descrito anteriormente.
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O que você entende por fronteira?
A1 – “Um lugar onde ligam dois países por fronteira, como Brasil e Bolívia,
ou seja, é o limite do outro”.
A2 – “Eu entendo que fronteira são a maioria boliviano e mestiço.”
A3 – “(porque) eu entro e saio da Bolívia a hora que eu quero.”
A4 – “Várias coisas, muito legal falar com outras línguas.”
A5 – “Troca de idiomas”.
A6 – “Divisão de dois países”.
A7 – “Não entendo nada”.
A8 – “É diferente como convive na fronteira e no Brasil”.
A9 – “Não sei o que dize uma mistura”.
A10 – “Viver em países diferentes com tradições totalmente diferentes.”
A11 –“Fronteira pra mim é importante, pois liga uma cidade a outra.”
A12 – “Um muro divisório entre dois países”.
A13 – “um país vizinho”.
A14 –“Um país que é vizinho do nosso”.
A15 – “Não gosto de falar frontera”.
A16 – “Morar em região de fronteira é legal”.
A17 – “Divisa do Brasil e Bolívia”.
A18 – “O país bom de fronteira Quijarro e porto”.
A19 – “Divisão de dos países”.
68
A20 –“Um lugar bom de viver, tem muitas coisa pra comprar e vende um
lugar calmo”.
A21 – “São dos países”.
A22 – “Na fronteira tem muitas regra e muitas pergunta. Não gosto.”
A23 – “Uma linha que separa o Brasil e a frontera”.
A24 – “Uma linha que separa os dos países”.
A25 – “não sei nada de frontera”.
A26 – “é crusar de um país para o outro”.
A27 – “Uma fronteira é a união de dos países de duas tradições e muita
cultura juntamente”.
A28 – “E que um pais faz fronteira com o outro pais como a Bolívia e o
Brasil que fazem fronteiras.”
A29 – “frontera eu não entendo nada porque na verdade eu não moro
nela eu moro em outro lugar mais na Bolívia”.
A30 – “é um limite de um país para o otro”.
Os grifos apontam as dificuldades com a língua e a alternância entre
espanhol e português e evidenciam o desconhecimento da condição de fronteira.
Isso induz várias observações: o que realmente é feito pelo o no ensino das línguas?
Como minimizar este “desastre” ortográfico que reflete o pensamento.
Outra questão relacionada à esta pesquisa foi: Você se considera
fronteiriço? Dos 30 alunos, 20 alunos disseram que não são fronteiriços, 8 alunos se
identificaram como sendo fronteiriços, 1 aluno como sendo da Bolívia e 1 como
sendo do Brasil. Foi feita a descrição da resposta desses 8 alunos que se
identificaram como sendo da região de fronteira e 1 identificado como boliviano, e 1
identificado como brasileiro, enquanto o restante escreveu somente a palavra “NÃO”
bem grande. Primeiro descreveu-se os que se consideram fronteiriços.
69
Quadro 9 - Vocês se consideram fronteiriços?
Vocês se consideram fronteiriços? Número de alunos
Não 20
Sim 08
Sou da Bolívia 01
Sou do Brasil 01
Fonte: pesquisa de campo, agosto/ 2014.
A2 – “Eu me considero fronteirisa. Ser fronterizo é poder ter identificação
das duas línguas”.
A3 – “Sim me considero fronteiriço é tudo que está relacionado a
fronteira.”
A5 – “Sim é entender dos idioma”.
A6 – “Sim ter acesso a dos países”.
A9 – “Eu sou FRONTEIRIÇO”.
A10 – “Sim sou de frontera sou fronteiriço”.
A18 – “Sim sou da frontera”.
A28 – “Sim, pois sei a cultura de outros pais e suas comida típicas”.
Além desses 8 alunos, apresenta-se, a seguir, a resposta do que se
considera boliviano e outro que se considera brasileiro.
A22 – “Me considero de Bolívia”.
A12 - “Ser vizinhos de outros povos. Sou um pouco fronteiriça, mas na
verdade sou mesmo BRASILERA”.
70
Na realidade, nota-se que poucos conseguem se entender fronteiriços.
Talvez porque não saibam o que é ser fronteiriço. Verifica-se nessa questão o
quanto é importante direcionar o conteúdo para escolas que estão nesse ambiente
de fronteira, para que fiquem explícitas questões que abrangem o termo fronteira e
ser de fronteira. E se isso acontecer, o direcionamento de conteúdo possibilitará
maior integração dos dois povos.
É preciso também, minimizar a lacuna no que diz respeito às questões
linguísticas nas escolas. Os alunos não possuem conhecimento necessário para
entender o próprio idioma não desenvolvem a escrita corretamente na língua na qual
foram alfabetizados
É importante falar aqui da questão relacionada ao preconceito: Em algum
momento você já sentiu dificuldade ou algum preconceito por ser da Bolívia e morar
na fronteira com o Brasil? Se existe como é sentido por esses alunos e qual a
melhor forma para que esses alunos se interajam com respeito e solidariedade, e
assim integrá-los por meio da educação, utilizando o fator da interculturalidade que é
presença constante em Escolas de Fronteira.
Nessa questão, foram separados somente os questionários dos alunos
que moram na Bolívia, que são 17 alunos (conforme o quadro 2), no entanto quando
questionados sobre se eram bolivianos ou brasileiros, 25 alunos responderam que
moram no Brasil e apenas 5 que moram na Bolívia (conforme quadro 8), contudo
serão computados os questionários dos alunos que moram na Bolívia, por sofrerem
possível preconceito.
A1- “Não nunca senti”.
A2- “Um dia um brasileiro me disse “bolivianinha”, mas eu não achei nada
errado”.
A3 – “Não nunca me fizeram nada”.
A4 – Mora em Puerto Quijarro – “Não nunca aconteceu de alguém me
xingar”.
A5 – “Não nunca tive dificuldade com nada desse tipo, nunca”.
71
A6 – “Eu nunca sofri nada assim”.
A7 – “Eu nunca passei por isso, só quando eu era pequena, mas às vezes
vejo meus colega sendo xingado de colla”.
A20 - “Uma vez só, depois nunca mais, aqui somo unido”.
A21 - “As vezes quando estou com outros bolivianos”.
A22 - “Não lembro porque uma vez um menino do Brasil me chamou de
sujo e feio”.
A23 - “Eu me sinto brasileira também. Eu não ligo porque não sou só
boliviana”.
A24 -“Quando falo diferente e sabem que sou boliviana, mas nunca, é
tudo igual, tenho amigos no Brasil”.
A25 – “Não, nunca”.
A27 – “Não sei, mas acho que nunca”.
A28 – “Não nunca senti”.
A29 – “Não nunca sempre tive amigos no Brasil”.
A30 – “Não mesmo porque eu acho bom morar na Bolívia”.
Para ir ao encontro com as respostas dos questionários, relatou-se uma
entrevista com uma aluna de 14 anos da Escola Municipal Integral “L. F. R.” - que
não faz parte das escolas pesquisadas, porém na época – junho 2014 – eu
lecionava na escola a disciplina de língua portuguesa e pedi uma entrevista com a
aluna cujo nome não será citado e será chamada de “J”. Filha de bolivianos e estuda
no Brasil desde a alfabetização na referida escola acima. Essa escola recebe outros
alunos bolivianos, uns que moram em Corumbá, outros que como vão e vêm todos
os dias, uns dias de ônibus, outros de bicicleta. Observados nas salas, alunos
bolivianos que estudam desde a alfabetização até o nono ano. Lembrando que
Corumbá é cidade gêmea com Puerto Quijarro, consequentemente todas as escolas
72
localizadas na cidade e arredores fazem parte dessa fronteira e, portanto recebem
alunos bolivianos de várias idades.
A aluna “J” foi questionada sobre fronteira, língua, preconceito. J. chegou
à escola não falava a língua portuguesa, após 4 meses começou a entender mais ou
menos e após 1 ano, já estava falando bem melhor, mas ainda empregava a língua
espanhola nas conversas e como ela mesma utilizou “eu falava portunhol, Os
professores, a maioria entendia o que eu falava, mas tinha uma que não entendia
nada que eu falava daí eu tinha que escrever para ela no papel ou fazer gestos.”
Quando J. iniciou os estudos em Corumbá, não se sentia bem e sempre estava
sozinha, ninguém queria brincar com ela e diziam que era boliviana piolhenta e suja,
mas sua mãe sempre dizia que tinha que estudar desse lado da fronteira, pois é o
lugar das oportunidades e que aqui ela seria alguém. Todos os dias ela chorava até
que se acostumou com o ambiente escolar e passou a falar melhor o português. Foi
perguntado a ela se hoje como ela é fluente na língua portuguesa, se ainda sente o
preconceito? E se ela se sentia brasileira ou boliviana? A resposta foi rápida “Sinto-
me os dois porque eu realmente tenho sangue boliviano, mas me considero
brasileira também, pois eu convivo muito com os brasileiros, passo o dia na escola
com os brasileiros, tenho professores brasileiros, falo português, tenho mais amigos
brasileiros que bolivianos. O meu avô casou com uma brasileira, então meu pai tem
os dois sangues. Quase toda minha família é colla, mas eu não sou colla, eu sou
camba nascida em Quijarro.” Ao manifestar-se com relação à fronteira disse em
suas palavras “Eu não vejo a fronteira como um lado e outro, eu vejo como tudo uma
coisa só. A fronteira é só uma linha que separa os países, porque é tudo junto,
porque você pega um ônibus e em dez, vinte minutos está aqui ou lá, é muito fácil
né. Corumbá é como se fosse um bairro de onde eu moro”.
Com relação à língua, “J” revela que os bolivianos aprendem a língua
portuguesa porque eles ou vem estudar aqui em Corumbá ou porque eles convivem
na feirinha com os brasileiros. Ela se refere à língua espanhola como língua
boliviana – se atentando para a referência que fazem a língua espanhola - e diz que
ia à feirinha com a mãe dela e não entendia nada que os brasileiros falavam, mas
com o tempo, começou a aprender algumas palavras, mas que aprendeu a falar
mesmo quando entrou na escola aqui no Brasil. E ainda sugere que ensinem o
73
português nas escolas da Bolívia e que aqui no Brasil ensinasse história da Bolívia e
todas as culturas que existem lá e finaliza dizendo que acredita que melhoraria muito
e aproximaria mais os brasileiros dos bolivianos. A entrevistada “J”, como os outros
alunos que participaram da pesquisa relatou que não sente preconceito por ser
boliviana. A maioria dos alunos respondeu que não sentem também, que convivem e
que não tem dificuldade nenhuma, as afirmações não estão de acordo com as
respostas dadas. O que impressiona, também, é a negação do preconceito.
Quando ao serem questionados sobre a dificuldade que eles têm com
relação a disciplina de língua portuguesa - todas as respostas foram consideradas,
pois observou-se dificuldade não só dos brasileiros que vivem na Bolívia, mas dos
que vivem no Brasil também – apenas 4 alunos disseram que tem dificuldade e 26
alunos disseram que não tem dificuldade. Esses 4 alunos que sentem dificuldade
responderam que é com pronomes, substantivos e que os conteúdos tinham que
mudar. O que se percebeu foi uma dificuldade de todos que participaram da
pesquisa, pois ao responderem tiveram erros gravíssimos de ortografia,
concordância, coesão, coerência. Constata-se, portanto uma dificuldade geral com
relação à gramática. Nenhum aluno respondeu da dificuldade com a língua do
“outro”, em conversas informais disseram que se comunicam muito bem e que
somente no começo sentem dificuldade, mas que na escola em que eles estudam
tem tantas atividades o dia todo que eles estão sempre “misturados” e que muitas
vezes nem sabem quem é brasileiro e quem é boliviano e por isso acabam se
entendendo e aprendendo a língua do “outro”.
Quando questionados sobre as dificuldades encontradas na escola, 14
alunos responderam que falta integração na sala de aula – que gostariam de saber
mais da cultura do “outro” para quem sabe assim diminuir as dificuldades
encontradas em sala, 7 alunos disseram que falta integração na hora do intervalo e
que apesar de se “misturarem” tem alguns alunos que fazem bullyng com os alunos
bolivianos, 02 alunos expuseram que falta integração com os professores, e que
seria melhor se tivesse espanhol o tempo todo na escola, e 7 alunos colocaram
outros e responderam que sentem dificuldade com a escola integral, por ficarem o
dia todo e não estarem acostumados com o ritmo.
74
Quadro 10- Dificuldades encontradas na escola
Dificuldades encontradas na escola Número de alunos
Integração na sala de aula 14
Integração no intervalo 07
Integração com os professores 02
Outros 07
Fonte: pesquisa de campo, agosto/ 2014.
Vamos agora, para o ponto de vista dos professores.
3.1.2. O olhar dos docentes da Escola “Eutrópia”
Os questionários, com 8 questões, analisados a seguir foram aplicados
para os professores, coordenação e direção da Escola “Eutrópia”. No total dos
questionários aplicados apenas 9 foram devolvidos, estes serão analisados a seguir.
Os nomes não serão mencionados, sendo identificados somente pela letra C
(colaborador).
Para a primeira pergunta: Qual o grau de entendimento da língua
espanhola? Todos responderam que falam “portunhol” para se comunicarem e se
expressarem no dia a dia, e salientaram que o “portunhol” é o que encontro das
línguas portuguesa e espanhola, e com isso acabaram por desenvolver uma terceira
língua, o que é comum em nossa região.
Segunda pergunta: O que você entende por Fronteira?
C1 – “É a divisão entre os países da Bolívia e do Brasil.”
C2 – “Limite físico e geográfico dos países”.
C3 – “Limite físico geográfico entre países”.
75
C4 – “Local de interação entre dois países”.
C5 – “Lugar de encontro entre duas nações, culturas, línguas e
possibilidades de desenvolvimento integrado”.
C6 – “Um povo separado geograficamente, mas unido pela cultura,
particularidades e sentimento de pertencer ao lugar”.
C7 – “Sinônimo de limite, mas em nenhum momento com caráter de
divisão e sim de interação”.
C8 – “É a linha que divide dois países, suas culturas, sua politica,
costumes, etc.”
C9 – “Demarcação de divisa”.
Como pode ser conferido nas respostas, 5 docentes relacionaram a
fronteira com uma linha que divide geograficamente dois países, não mencionaram a
palavra integração em nenhuma fala descrita. Apesar de o maior número pensar a
fronteira apenas com esse olhar geográfico, 4 docentes a descreveram e utilizaram
palavras como: interação, lugar de encontro e de possibilidades, união cultural,
integração.
Percebe-se, portanto, a necessidade de encontros com o grupo escolar
para discutir temas relacionados à fronteira, não no sentido geográfico somente,
mas no amplo sentido da palavra, como um lugar de forte troca cultural e integração.
A mudança inicia a partir do grupo docente, para que assim diminua esse choque
cultural. O docente precisa ter um olhar diferenciado para poder transmitir ao aluno,
para que este também “veja” além de qualquer linha que divide dois lados e com
isso conseguir diminuir as dificuldades e diferenças enfrentadas nesse ambiente.
As dificuldades encontradas por estes professores em relação aos seus
alunos são muitas, porém verificamos que cem por cento das respostas estão
atreladas a dificuldade de leitura e escrita pelo discente. Sabe-se que para ser um
bom escritor precisa ser também um bom leitor. Para tanto, é preciso desenvolver
projetos que conduzam e estejam relacionadas à leitura, a contação de histórias, a
76
aproximação com o mundo mágico da literatura pode ser uma solução para uma
melhora significativa. Essa é nossa oitava observação.
Porém, na Escola “Eutrópia” não há um espaço especifico para tais
atividades, pois não possui biblioteca, possui um pequeno laboratório de ciências,
um espaço de artes, quadra esportiva e laboratório de informática que segundo
informações obtidas na Escola, não tem acesso à internet, ficando assim limitados
aos livros que cada aluno possui. Para isso deve ser pensado em como implementar
ações que melhorem o espaço das escolas, principalmente no que diz respeito à
criação de bibliotecas.
Assim os professores responderam à pergunta sobre as suas maiores
dificuldades.
C1 – “Integração na sala de aula e dificuldade de leitura e escrita”.
C2 – “Dificuldade de realização de tarefa no lar e de leitura e escrita”.
C3 – “Dificuldade de leitura e escrita”.
C4 – “Dificuldade de leitura e escrita”.
C5 – “Dificuldade de leitura e escrita”.
C6 - “Dificuldade de leitura e escrita e de entendimento de conteúdo”.
C7 – “Dificuldade de leitura e escrita e de entendimento de conteúdo”.
C8 - “Dificuldade de leitura e escrita e de entendimento de conteúdo”.
C9- “Dificuldade de leitura e escrita, de entendimento de conteúdo e em
realizar algum tipo de manifestação oral”.
Partindo das dificuldades descritas acima, todos apontaram um entrave
relacionado ao encontro de línguas, tanto dos alunos brasileiros que moram no
Brasil quanto dos alunos brasileiros que moram na Bolívia. No contato com a língua
do “outro” misturam o idioma e a partir daí começam as dificuldades no momento da
escrita, confundindo e misturando letras e palavras.
77
Os docentes acreditam que é porque na escola o idioma mais utilizado é
o português, porém vivenciam em uma sociedade cujo idioma é o espanhol,
causando assim conflitos no vocabulário desses alunos. Os professores não
entendem e não conhecem o sistema linguístico que impera neste “entre lugar” que
gera uma terceira língua.
No fundamental I os alunos têm no currículo, como segunda língua, o
espanhol, assim são alfabetizados na língua portuguesa e com conhecimentos na
língua espanhola – lembrando que mais da metade dos discentes são brasileiros
que vivem na Bolívia. Porém quando entram para o fundamental II sai de cena o
espanhol e entra a língua inglesa, apesar da escola estar localizada na região de
fronteira, pois o ensino médio tem como segunda língua o inglês, somente algumas
escolas possuem na sua grade o espanhol como opção.
De acordo com a escola, a grade foi modificada por um tempo, todavia
não obtiveram sucesso, pois o aluno encerrava o fundamental II iniciava os estudos
em uma escola estadual, seja da cidade de Corumbá ou qualquer região do Brasil e
apresentava muita dificuldade no aprendizado, pois encontravam com a língua
inglesa com a qual nunca tiveram contato antes. Nas palavras do coordenador
pedagógico “Essas são algumas barreiras que existem, queremos fazer, mas não é
bem assim não, tem que ser um conjunto. Não é a escola que vai mudar a
sociedade, é todo o contexto que tem que mudar junto. Eu acho que nossa principal
vantagem é Corumbá ser mais Bolívia do que Brasil”. Será mesmo?
Os docentes apontaram a disciplina de língua portuguesa como a de
maior dificuldade enfrentada pelos alunos, porém na entrevista realizada na
secretaria da escola a disciplina de ciências foi a mais assinalada como a de maior
dificuldade. Verifica-se de tal modo que não é a questão da língua portuguesa
somente, que ela sozinha não é uma barreira nesse processo comunicativo. É
necessário que haja interdisciplinaridade, um encontro de todos os conteúdos, onde
a língua portuguesa é utilizada e desenvolvida em seu processo natural. Tudo
precisa ser contextualizado para ser melhor compreendido.
Nas possíveis soluções para as dificuldades encontradas no ambiente
escolar, os docentes destacaram que precisam ser capacitados no idioma dos
78
alunos, mas que essa capacitação seja feita na própria escola e não fora dela, para
que possam “trocar” experiências com os alunos na língua “deles” no momento da
capacitação e mais projetos específicos de integração cultural – que segundo eles é
o caminho para o desenvolvimento total do grupo escolar.
Na questão relacionada ao índice de evasão pelo aluno que mora do
outro lado da fronteira um dos motivos principais é a falta de documentação, pois
apesar da facilidade aparente de tirar os documentos, a família encontra grande
dificuldade para que isso ocorra. Mas esse não é o único motivo da evasão ocorrida
na Escola “Eutrópia”, ocorre também quando esses alunos chegam a certa idade
eles precisam trabalhar e assim “abandonam” mesmo, começam a faltar às aulas até
não frequentarem mais a escola.
Quando algum aluno brasileiro que mora no Brasil, falta mais de um dia,
ou quando se nota que está agressivo ou passando por alguma situação de risco o
procedimento da coordenação pedagógica da escola primeiramente é ir à casa do
aluno para verificar o que está acontecendo. Após verificação e conversa com a
família se esse aluno continuar faltando às aulas o procedimento seguinte é acionar
o Conselho Tutelar, pois a lei obriga esse aluno a frequentar a escola, e esse
argumento funciona no caso do Brasil, mas, no caso dos alunos da Bolívia não
funciona.
Segundo entrevista com a escola essa situação passa a ser um problema,
pois quando se trata de alunos brasileiros que vivem na Bolívia, a primeira solução é
ir a casa desse aluno – lembrando que aproximadamente 65% dos alunos da escola
vivem na Bolívia em condições extremamente precárias – e tentar conversar e
solucionar essa questão para resgatar esse aluno, pois o Conselho Tutelar só pode
realizar seu trabalho na fronteira no lado que pertence ao Brasil, pois não possui
nenhuma autonomia fora do território brasileiro. Então para que a escola não tenha
problemas com esses alunos, o que se tem feito é tentar trazer a comunidade para a
escola, integrando a família nesse contexto escolar.
Como a Escola “Eutrópia” é integrante do PEIF, um dos objetivos dessa
pesquisa foi diagnosticar se todos na escola tiveram contato com o Programa, de
que maneira e o que poderia ser melhorado. Dos 9 questionários, 8 colaboradores
79
responderam que participam do programa desde 2012, e 1 somente, conhece o
PEIF por meio de leituras relacionadas à implantação do Programa. Como o ano de
2014 é o último ano experimental do PEIF, todos unanimamente disseram que seria
ótima a implantação de maneira efetiva na escola, pois o fator cultural trabalhado na
escola é um dos objetivos do programa. Contudo, responderam que poderia ser
melhorado se abrangesse todos que fazem parte do dia a dia da escola, desde o
porteiro até o diretor, não dando oportunidades somente aos professores,
coordenadores e direção. Em exatas palavras retiradas dos questionários “mesmo
porque é por meio desses encontros realizados pelo programa, que se pode
realmente trabalhar com questões interculturais e encontrar soluções para um
aprendizado mais efetivo”.
A visão do PEIF relacionada à questão da interculturalidade vai além de
um aspecto social, pois a dimensão humana, parte do conceito que a
interculturalidade se dá pelo simples fato de sermos humanos, pois convivemos com
diferentes formas de pensamentos a vida inteira, em uma troca constante de
experiências vividas por cada um, portanto a escola que participa desse programa
passa a ter uma educação diferenciada – ponto a ser atingido por estarmos na
fronteira e educarmos na fronteira.
3.2. Unidade Educativa “La Frontera” - gêmeas pero no mucho
A Escola “La Fronteira”, na Bolívia, é parte do processo investigativo
desta pesquisa, por ser também uma escola limítrofe na linha de fronteira e
integrante do PEIF.
Conforme informações obtidas na secretaria da Unidade Educativa “La
Frontera”, o corpo docente é formado por vinte e nove professores, sendo todos
bolivianos. Foi observado neste período de contato com a escola, que os
professores, em sua maioria, entendem a língua portuguesa, e falam uma mescla
das duas línguas – como é o caso da Escola “Eutrópia” – resultando em uma
terceira língua, o que já caracteriza também um imbricamento cultural. Porém nesta
escola apesar dos seus 650 alunos, somente 1 aluno é brasileiro.
80
A pesquisa englobou o total de 30 alunos, que estavam presentes na
escola e na sala de aula, e frequentam o equivalente no Brasil, ao ensino
fundamental II. Os professores participantes da pesquisa somam o total de 11
questionários preenchidos. O nome dos participantes não será colocado para que
não haja um comprometimento por parte dos mesmos. A identificação dos alunos
será feita pela letra A e dos professores pela letra M, de maestro. Além dos
questionários aplicados, foi realizada uma entrevista com a diretora da escola para
entender um pouco mais da escola e do ambiente educacional.
De acordo com a diretora da escola, desses 649 alunos bolivianos, alguns
vivem em Corumbá e estudam na Bolívia. Três estão prestes a serem transferidos
das escolas de Corumbá para a unidade educativa “La fronteira”, são alunos
bolivianos que estavam estudando no Brasil e agora estão retornando para a escola,
devido ao problema econômico relacionado ao fechamento da feira boliviana em
Corumbá.
A Escola possui até o momento apenas um aluno considerado brasileiro
matriculado, apesar de filho de pais bolivianos. No ano passado havia dois alunos
brasileiros, mas somente vieram no início das aulas e depois abandonaram os
estudos, e não se sabe por qual motivo. Sabe-se apenas que eram alunos com
problemas de aprendizagem no Brasil.
Conforme a diretora todos os alunos entendem a língua:
“aproximadamente 40% de alunos falam o português, porque seus pais são
comerciantes e estão todo o tempo em Corumbá.” Conforme observado, há uma
grande diversidade cultural no ambiente escolar, pois alguns alunos além do
espanhol e do português, tem contato com outras línguas como o Quechua e
Aymara - que são algumas das 36 línguas originárias da Bolívia. E esse ano estão
implementando o Chiquitano nas escolas como idioma oficial do distrito de Puerto
Quijarro. A nova Lei implementa (conforme descrita na p.37) essas línguas no novo
currículo da educação boliviana, para que não fiquem esquecidas pelo tempo. Ao
mesmo tempo professores e alunos aprendem, pois todos participam desse
processo de resgate das línguas originárias do lugar, como parte da preservação
das culturas antigas.
81
Quando questionada sobre o porquê da língua Portuguesa não ser
estudada nas escolas, respondeu por que é uma língua que não corre o risco de se
perder, pois os alunos na maior parte do tempo assistem a canais brasileiros e que
na escola são feitos trabalhos práticos com textos em português e os alunos
conseguem interpretar sem muita dificuldade. Ela refere-se à língua como “língua de
lugar”, pois quando alguém não entende o que é falado utiliza-se o “portunhol”. Nas
conversas informais com os alunos, constatou-se que realmente assistem aos
canais de televisão do Brasil, que é natural para eles estarem em contato com a
língua portuguesa cotidianamente, inclusive quando estão na feira na Bolívia, pois ali
é o lugar que os brasileiros frequentem constantemente.
Os professores da escola possuem um interesse pela língua portuguesa e
estudam a gramática brasileira para assim desenvolverem o idioma do “outro” e
melhorarem na questão relacionada ao envolvimento com programas interculturais,
como é o caso do PEIF.
Quando na entrevista conversou-se sobre a questão das dificuldades
relacionadas ao contato com os brasileiros, a língua não foi constatada como
entrave, já que é comum falar em língua portuguesa, ou mesmo mesclar as duas
línguas, para que o “outro” entenda, sendo uma comunicação sem alteração, pois
para ela a fronteira não existe como separação, mas sim como continuação, como
se fosse um país somente.
Segundo a escola nem todos os alunos possuem dupla cidadania, porque
dentro da Constituição Política do Estado isso é crime, não se pode ter duas
nacionalidades. Porém, como a escola se refere, os filhos de “brasibolivianos” tem
dupla nacionalidade, quando estão no Brasil ocupam documento brasileiro e quando
chegam à Bolívia guardam esses documentos e entram no país normalmente.
Com relação aos alunos observados, possuem pequena dificuldade na
língua portuguesa na fala, e foi apresentado nível médio de dificuldade na escrita,
por isso os questionários foram aplicados na língua espanhola, para que assim
pudessem desenvolver respostas claras e coesas.
82
3.2.1. Tabulação dos dados obtidos na Unidade Educativa “La Frontera”
O questionário aplicado (Figura 15) foi reorganizado de acordo com a
observação feita no local, e mesclou-se de questões objetivas e dissertativas, as
quais serão descritas abaixo.
Figura 27 - Aplicação dos questionários alunos da Unidade Educativa "La Frontera". Arroyo
Concepcion / Puerto Quijarro - Bolívia. Foto de minha autoria, 2014.
Dos 30 alunos que participaram da pesquisa, quase todos nasceram e
estudaram na Bolívia. Percebe-se desse modo que o encontro de culturas que
acontece na escola, é exclusivamente da cultura boliviana, por isso a grande
necessidade, até mesmo nas cidades de fronteira, de resgatar as culturas internas
do país.
Quadro 11 - Cidade da Bolívia onde nasceram
Puerto Quijarro / Puerto Suarez
10
Santa Cruz
16
Cochabamba
2
La Paz
1
Chile
1
Fonte: pesquisa de campo, Jun./ Julho 2014.
83
Com relação à cidade de nascimento do pai e da mãe, 29 alunos são
filhos de pai e mãe nascidos na Bolívia e apenas 1 aluno de pai brasileiro e mãe
boliviana.
Quadro 12 - Número de alunos com relação à cidade de nascimento do pai e da mãe.
Mãe brasileira 0
Mãe boliviana 30
Pai brasileiro 01
Pai boliviano 29
Fonte: pesquisa de campo, Jun./ Julho 2014.
Quando questionados com relação a possuírem documentação brasileira
todos responderam que não possuem, pois é muito difícil conseguir e também por
desconhecerem as leis brasileiras, ao mesmo tempo entraram em contradição e
disserem que não podiam conversar sobre esse assunto, pois era muito perigoso e
tinham medo da polícia do lado brasileiro. Isso comprova mais uma vez, a
necessidade de leis específicas para as escolas de fronteiras.
Na questão ao que se refere ao grau de entendimento da língua
portuguesa na escola, 3 alunos possuem pequeno grau de entendimento, ou seja,
entendem, falam, porém misturam o português e o espanhol ao falar e escrevem
com muita dificuldade; 21 alunos possuem o grau de entendimento médio –
entendem, falam, entretanto possuem “certa” dificuldade ao escrever e 06 alunos
possuem ótimo grau de entendimento, fala e escrita.
84
Quadro 13 - Número de alunos da Unidade Educativa “La Frontera” com relação ao grau de
entendimento da língua portuguesa.
Grau de entendimento da língua portuguesa Número de alunos
Pouco – entende, fala (misturam o idioma) e escreve com
muita dificuldade. 3
Médio – entende, fala, escreve com pouca dificuldade 21
Fluente – entende, fala, escreve 6
Fonte: pesquisa de campo, Jun./ Julho 2014.
Os alunos que participaram da pesquisa na Unidade Educativa “La
Frontera” nunca tiveram aula de língua portuguesa e o contato que tiveram, segundo
eles, com esta língua, foi por meio da televisão, através do comércio, pois muitos
deles trabalham com seus pais na feira da Bolívia, onde ali entram em contato com
os brasileiros, por terem amigos que moram no Brasil ou algum parente que casou
com brasileiro.
Em uma escola de fronteira, onde é comum o encontro com a língua do
“outro” que mora no país vizinho, constatou-se que os alunos da Unidade Educativa
“La Frontera” não utilizam a língua portuguesa para se comunicar na escola, pois há
somente um aluno brasileiro que estuda na escola, o restante são todos bolivianos,
assim falam o idioma deles que é o espanhol e outros idiomas como quéchua,
aymara e inglês. A língua portuguesa é um idioma comum presente na comunicação
diária desses alunos, pois apesar de não se comunicarem em português no
ambiente escolar, utilizam a língua em outros momentos, portanto a língua
portuguesa faz parte do dia a dia desses alunos.
Quadro 14 - Línguas que os alunos falam – além da língua portuguesa e da língua espanhola.
Inglês 03
Quéchua 01
Aymara 02
Fonte: pesquisa de campo, Jun./ Julho 2014.
85
Dos idiomas falados pelos alunos com a família, todos disseram que
falam o espanhol como primeira língua, e além do espanhol outras línguas são
utilizadas quando estão com os pais, sendo assim 3 alunos falam a língua
portuguesa, 2 falam o aymara e 01 aluno quéchua.
Quadro 15 - Língua falada pelos alunos em família.
Línguas faladas pelos alunos em família Número de alunos
Espanhol 30
Português 03
Aymara 02
Quéchua 01
Fonte: pesquisa de campo, Jun./ Julho 2014.
Observou-se, que a troca cultural presente na escola é bem mais forte de
dentro para fora, do que de fora para dentro, ou seja, as línguas faladas na escola
pelos alunos são originárias da Bolívia e não oriundas de outros lugares.
Para compreender o que os alunos (Figura 16) da Unidade Educativa “La
Frontera” entendem sobre o que é fronteira, 24 alunos responderam que a fronteira
é uma linha que divide dois países, 2 alunos disseram que a fronteira é o lugar do
contrabando e apenas 4 alunos referiam-se à fronteira com as palavras: integração,
união de dois lados e crescimento integrado.
86
Figura 16- Alunos da Unidade Educativa "La Frontera". Arroyo Concepcion / Puerto Quijarro - Bolívia.
Foto de minha autoria, 2014.
Em conversas informais esses alunos manifestam a visão da fronteira
relacionada ao tráfico de drogas, contrabando e violência, muitos têm medo de
ultrapassar a linha que divide os dois países, pois disseram que Corumbá é uma
cidade com muitos perigos, apesar de ter uma gente hospitaleira. O interessante é
que esta mesma visão é criada no imaginário dos Corumbaenses em relação à
Bolívia.
Os alunos foram questionados se eles se consideravam fronteiriços. Dos
30 alunos, apenas 7 não se consideram fronteiriços, conforme mostra tabela 16.
Abaixo foi transcrito todas as respostas dos alunos que se consideram fronteiriços
ou não.
Quadro 16 - Vocês se consideram fronteiriços?
Vocês se consideram fronteiriços? Número de alunos
Sim 23
Não 7
Fonte: pesquisa de campo, Jun./ Julho 2014.
87
A1 – “Me considero fronteiriço porque vivo há mais de 10 anos aqui na
fronteira”.
A2 – “Me considero, pois vivo na fronteira”.
A3 – “Me considero porque sou filha de bolivianos.”
A4 – “Sim, porque me comunico com os brasileiros”.
A5- “Sim, porque vivo entre dois países”.
A6 – “Não me considero, porque nunca vou para o outro lado”.
A7 – “Eu me sinto fronteiriço porque sempre vou pra Corumbá e também
porque gosto do futebol do Brasil.”
A8 – “Sim, porque estamos perto do Brasil”.
A9 – “Não porque se eu fosse fronteiriço ficaria com medo por causa do
tráfico”.
A10 – “Sim, porque nasci aqui na fronteira e vivo aqui até hoje”.
A11 – “Não porque tem uma linha que separa a Bolívia do Brasil.”
A12 – “Me considero fronteiriça porque me sinto bem em Corumbá”.
A13 – “Sim, porque somos vizinhos do Brasil”.
A14 – “Sim, porque fui criada na fronteira”.
A15 – “Não, porque vim de Cochabamba e não fui criado aqui”.
A16 – “Me considero, pois vivo na fronteira há anos”.
A17 – “Não porque não nasci aqui, daqui a pouco vou embora desse
lugar”.
A18 – “Não, nunca, aqui é perigoso, muito contrabando”.
88
A19 – “Me considero porque somos unidos com o Brasil por uma
fronteira”.
A20 – “Sim, porque sempre entro e saio do Brasil quando eu quero.”
A21 – “Sim, porque vivo aqui desde que nasci. Tenho orgulho de ser
daqui da fronteira”.
A22 – “Sim, porque vivo na fronteira”.
A23 – “Não, não gosto que relacionem a fronteira com o lugar que vivo,
porque tem muito tráfico”.
A24 – “Sim, me considero porque vivo entre Corumbá e Puerto”.
A25 – “Sim, porque temos um vínculo com o país vizinho”.
A26 – “Sim, porque vivo todo o tempo em uma fronteira”.
A27 – “Sim, porque vivo na fronteira”.
A28 – “Sou fronteiriço e tenho orgulho da nossa fronteira”.
A29 – “Não, porque não vou ao país vizinho nunca”.
A30 – “Sim, porque vivo na fronteira”.
Constata-se que os alunos que não se consideram fronteiriços, associam
a fronteira com o tráfico de drogas, ao contrabando e a violência e por isso não
gostam de se identificar com o lugar, havendo um preconceito com relação à
fronteira e ao ser de fronteira. Comprovando que o estigma imposto pela mídia
mundial também afeta questões de identidade dos fronteiriços.
Sobre a questão relacionada às dificuldades enfrentadas pelos alunos da
Unidade Educativa “La Frontera” por serem bolivianos e estarem em contato direto
com os brasileiros. Abaixo será descrito somente as respostas dos alunos que
sentem ou já sentiram alguma dificuldade ao relacionar-se com brasileiros.
A5 – “Sinto que sou discriminado por ser boliviano, principalmente quando
algum brasileiro me chama de colla”.
89
A7 – “Sim, quando eu falo e eles não me entendem e começam a rir”.
A9 – “Sim, quando vou ao Brasil e as pessoas me chamam de colla e
também sinto dificuldade e muito medo de andar nas ruas, pois tem muito assalto e
venda de drogas”.
A14 – “Às vezes quando vou à feira e os adolescentes ficam dizendo que
somos sujos, e isso é uma discriminação muito grande. Também tem os
delinquentes que querem roubar nosso dinheiro”.
A20 – “Muita discriminação, pois os brasileiros pensam que são os reis e
gostam de diminuir a gente, eles precisam aprender a ser humildes”.
Observou-se que 25 alunos nunca se sentiram discriminados e disseram
que nunca tiveram dificuldades porque sabem falar a língua dos brasileiros e
também porque os brasileiros têm um ótimo humor e são muito felizes e 5 alunos
descreveram que possuem pouca dificuldade. É assombroso o resultado desta
questão.
Segundo os alunos, uma das formas de diminuir essas dificuldades seria
aprender a falar a língua portuguesa, para que assim os brasileiros não os
confundissem mais, porque de acordo com os alunos, os brasileiros pensam que
todo boliviano é colla e também disseram que se falassem a língua portuguesa eles
se defenderiam e teriam argumentos para responder e se socializarem melhor. Os
alunos disseram que acreditam que por meio de cursos nas escolas –português e
espanhol – seria uma forma de estarem juntos e assim trocariam algumas
experiências relacionadas à cultura do “outro”.
Em conversas informais com os alunos, estes apontaram que a Unidade
Educativa “La Frontera” se integrasse com alguma escola em Corumbá e alguma
escola de Corumbá se integrasse com a escola deles, pois disseram que quando
não falam a língua eles têm muita dificuldade de interação com o grupo e se sentem
excluídos e essa seria uma forma de baixar as dificuldades encontradas por alguns
alunos.
90
3.2.2. Docentes da Unidade Educativa “La Frontera”
Na pesquisa aplicada nos professores, na questão relacionada ao país de
nascimento do pai e da mãe, dos 12 questionários recebidos, verificou-se que 3
professores são filhos de mãe brasileira, e 09 de mãe boliviana, com 02 pais
brasileiros e 10 bolivianos. Essa relação de parentesco resulta em uma grande
miscigenação entre brasileiros e bolivianos. No ambiente escolar esse encontro se
deu em sua maior parte pelos pais dos professores, os pais dos alunos somente um
pai é brasileiro, os outros todos são bolivianos.
Dois professores, dos doze pesquisados, moram em Corumbá. Em um ir
e vir constante, disseram que nem percebem quando estão do outro lado, para eles
é um lugar só, não existe o outro lado, existe sim a integração de dois países que se
complementam em suas trocas diárias, como nas relações de casamento, laços de
amizades, e na educação, pois é a escola que eles trabalham que o fazem ir todos
os dias a fronteira e terem essa relação conjunta com Brasil e Bolívia, principalmente
agora que o PEIF está com aulas que estão sendo de muitas trocas culturais e
informações que antes eles nunca tinham escutado falar e que hoje podem
compartilhar com os colegas professores brasileiros. Nessa conversa informal um
deles disse que antes no inicio do PEIF, ou mesmo antes dele, os brasileiros eram
arrogantes e os desprezavam muito, que “se achavam” por serem brasileiros, como
se isso fosse um título a mais. E com a vinda do PEIF perceberam que os “outros”
(como ele cita) ficaram mais integrados e interessados, e isso segundo eles, se deu
a partir dos encontros no curso do PEIF, que os palestrantes deram voz aos
professores bolivianos e puderam assim mostrar um pouco de um país pluricultural e
com o sistema educacional em profundo desenvolvimento. E completam dizendo
que a Bolívia no que tange a educação, tem o olhar voltado para as culturas internas
e isso faz com que seja um país unido e de muita força.
Hoje está sendo implantada pelo Programa de Formação Complementar
para Professores (PROFOCONM) a língua Bésiro da região dos Chiquitos11, e de
11 Los Chiquitanos viven en Bolivia en la región llamada «Tierras Bajas», en oposición al Altiplano.
Políticamente, se encuentran en el departamento de Santa Cruz, al Este de Bolivia. Los Chiquitanos
viven en las provincias de José Miguel de Velasco (140 comunidades), Ñuflo de Chávez (78
91
acordo com eles, é similar ao Guarani. Cada província da Bolívia escolheu uma
língua para ser estudada nas escolas, e a província de Puerto Quijarro propôs o
Chiquitano (Bésiro), pois ali segundo o livro relacionado aos Elementos da
Gramática do Bésiro, em Germán Busch possui 22 comunidades de Chiquitanos e
por isso implantaram como língua a ser aprendida, ou seja, isso significa que a
cultura boliviana está sempre sendo resgatada para que não caia no esquecimento.
A diferença, de acordo com eles, do porque a necessidade de aprenderem o
português tanto quanto as línguas internas da Bolívia, é porque eles convivem e
necessitam do idioma para sobreviveram, por ser aqui região de fronteira.
Observa-se que os professores da Unidade Educativa “La Frontera” não
possuem domínio da língua portuguesa e que misturam os dois idiomas ao falarem,
e isso para eles os torna “diferentes” mesmo não o sendo, pois a língua passa a ser
um entrave no desenvolvimento de uma boa comunicação e autoestima. Dos 12
professores, um índice elevado na pesquisa de 5 professores que possuem pouco
grau de entendimento da língua, 4 com médio grau e 3 se consideram fluentes.
comunidades), Chiquitos (47 comunidades), Ángel Sandóval (36 comunidades) y Germán Busch (22
comunidades).
“Os Chiquitanos vivem na Bolívia na região chamada de Terras Baixas, em oposição ao Altiplano.
Politicamente, se encontram no Departamento de Santa Cruz, ao Este da Bolívia.Os povos
Chiquitanos vivem nas províncias de José Miguel de Velasco (140 comunidades), Ñuflo de Chávez
(78 comunidades), Chiquitos (47 comunidades), Ángel Sandóval(36 comunidades) y Germán Busch
(22 comunidades).”
In:<http://www.academia.edu/4534429/Elementos_de_la_gram%C3%A1tica_del_B%C3%A9s%C9%A8ro._Socioling%C3%BC%C3%ADstica_-_Fonolog%C3%ADa_-_Morfolog%C3%ADa_-_Textos>
92
Quadro 17 - Número de professores Unidade Educativa “La Frontera” com relação ao grau de
entendimento da língua portuguesa.
Grau de entendimento da língua portuguesa Número de professores
Pouco – entende, fala (misturam o idioma) e escreve com
muita dificuldade.
5
Médio – entende, fala, escreve com pouca dificuldade 4
Fluente – entende, fala, escreve 3
Fonte: pesquisa de campo, Jun./ Julho 2014.
Mesmo com o baixo grau de entendimento da língua, ocorre uma mistura
de idiomas, em uma tentativa de falar o idioma do “outro” misturam os dois,
desenvolvendo uma terceira língua, o “portunhol”. Esse fato determina que o
multilinguismo esteja presente na fronteira, tanto do lado brasileiro quanto no lado
boliviano, e isso acaba por ser uma das características de um lugar de fronteira.
Dentre as línguas faladas pelos professores foram destacadas: português,
espanhol, inglês, aymara, quéchua e guarani. Somando seis línguas em um só
ambiente que é o espaço educacional.
Quadro 18 – Línguas faladas pelos professores da Unidade Educativa “La Frontera”.
Línguas faladas pelos professores Número de professores
Espanhol 12
Português 3
Inglês 1
Aymara 3
Quéchua 4
Guarani 01
Fonte: pesquisa de campo, Jun./ Julho 2014.
93
Dos 12 professores, todos falam espanhol, sendo que além do espanhol,
3 falam português, 1 inglês, 3 Aymara, 4 quéchua e 1 fala guarani. Um professor
somente foi diagnosticado por falar 04 línguas: espanhol, português, quéchua e
Aymara, o restante fala além do espanhol uma língua a mais. Mais uma vez,
constata-se o uso das línguas internas do país.
Na pesquisa constatou-se que a maioria dos professores pesquisados
nasceu nos Andes e de lá vieram com a família para conseguirem melhores
condições de vida e na palavra deles “a fronteira nos oferece chances, pois vivemos
ao lado do Brasil, um país em desenvolvimento e de diversas oportunidades,
principalmente nos estudos, e agora com o PEIF a oportunidade triplicou, até
mestrado teremos a chance de fazer (...)”.
Dos 12 professores, 8 nasceram na região andina – La Paz,
Cochabamba, Oruro e Potosí -, 2 nasceram em Santa Cruz de la Sierra e 2
nasceram na região de fronteira – Arroyo Concepción e Puerto Suarez. De acordo
com Mabel Prudente (2011, p.182):
O deslocamento de indivíduos ou de grupos de indivíduos de uma região para outra é fenômeno que tem sido responsável por colocar em contato indivíduos de diferentes grupos linguísticos, pois o cruzamento de fronteiras geográficas pode, também, implicar no cruzamento de fronteiras linguísticas e um dos possíveis desdobramentos deste contato e a formação de contextos bilíngues.
Quadro 19 - Cidade de nascimento dos professores Unidade Educativa “La Frontera”.
Cidade de nascimento Números
Cochabamba 05
Santa Cruz de La Sierra 02
La Paz 01
Oruro 01
Potosí 01
Puerto Suarez 01
Arroyo Concepción 01
Fonte: pesquisa de campo, Jun./ Julho 2014.
94
Apesar dos professores, em sua maioria, terem nascidos na região andina
(quadro 19), e falarem múltiplas línguas ( quadro 18), foi constatado que quando
estão em família, a língua que prevalece é somente a língua espanhola, um
professor além do espanhol, em casa fala quéchua e o outro fala português. No
contato com eles observou-se que segundo eles é por isso que o governo faz com
que estudem outras línguas, pois o afastamento do local de origem faz que
esqueçam parte de sua cultura e com o programa do governo isso não acontece,
pois além de aprender outros idiomas, ensinam para seus alunos que assim
contaminam sua família e amigos.
Na questão relacionada ao termo fronteira, buscou-se entender o que
cada um entende no significado da palavra. Serão descritos todos os questionários
que serão identificados pela letra M de maestro, como foi citado acima.
M1 – “Final de um território e inicio de outra nação”.
M2 – “Linha que define o território e suas leis”.
M3 – “Limite que existe entre dois países diferentes. Um limite de
extensão territorial”.
M4 – “Limite geográfico. Intercâmbio de culturas”.
M5 – “Uma zona de distintas classes sociais, econômicas e culturais, que
se inter-relacionam entre si”.
M6 – “Limite territorial entre países”.
M7 – “Linha divisória entre dois países, porém apesar da linha existe uma
integração cultural”.
M8 – “Linha onde começa e termina o território”.
M9 – “Divisão e união de dois países ou nação onde podem fazer uma
troca constante de culturas”.
M10 –“Setor regional onde existe um intercambio de culturas”.
M11 – “É um lugar que une duas culturas, dois idiomas, duas nações”.
95
M12 – “Fim de um lugar”.
Dos 12 questionários devolvidos, seis deles responderam que a fronteira
é um limite, uma linha e a outra metade relacionou a fronteira com as palavras:
integração cultural; união de culturas, idiomas; trocas culturais, econômicas, sociais.
Quando questionados da razão sobre essa diferença no olhar a fronteira
responderam que o modo de ver a fronteira depende de como ela foi apresentada
para eles e que o olhar deles está mudando com a vinda do PEIF para a escola, pois
conseguem hoje ver além de um conceito geográfico aprendido e passaram a
entender a fronteira de outra maneira, vendo-a não somente como fim, mas como
início de mudanças e projeções futuras. De acordo com um professor “hoje eu me
sinto melhor com relação à fronteira, pois estamos sentindo que a mudança está
chegando e que temos o Brasil ao nosso lado, com o PEIF a interculturalidade está
presente entre nós”.
Na questão relacionada ao ser fronteiriço, todos responderam que são
fronteiriços, pois vivem em um local de fronteira, independente se vieram de longe
ou não. Expuseram que seria de grande valia para o desenvolvimento de questões
relacionadas à fronteira, ao ser fronteiriço, as peculiaridades de um local de
fronteira, a vinda de professores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul na
escola “La Fronteira” para ministrar cursos relacionados ao tema, assim
conseguiriam ensinar aos alunos os múltiplos sentidos da palavra fronteira.
Indo ao encontro da fala da Diretora da escola “La fronteira” ela diz que
não sente dificuldade e preconceito algum em ser boliviana, dos 12 professores que
responderam a questão relacionada a dificuldade e preconceito, apenas 1 professor
relatou que já sentiu dificuldade em relacionar-se com brasileiros, pois “há sempre
um brasileiro querendo ser mais que um boliviano, eles são racistas com sua própria
gente, imagina o que fazem com nós bolivianos”.
Quando 11 professores disseram não ter nenhuma dificuldade e sentido
preconceito algum, entram em acordo com os alunos, pois apenas 5 dos 30 alunos
pesquisados relataram que já sentiram dificuldade ao relacionar-se com brasileiros.
96
Percebe-se, portanto que há um baixo índice de sentimento relacionado à
dificuldade e preconceito que os bolivianos enfrentam com relação aos brasileiros,
pois se constatou que os bolivianos acham em sua maioria que os brasileiros são
amáveis e gentis.
A Unidade Educativa “La Frontera” é integrante do PEIF, assim os
professores foram questionados sobre o conhecimento que possuem do PEIF. Dos
12 professores que responderam a pesquisa, 7 responderam que conhecem o
programa e já participaram em anos anteriores, 5 disseram não conhecer a fundo o
programa, pois nunca foram aos encontros que acontecem, só ouviram falar que
existe.
Lembrando que a data da pesquisa foi junho e julho de 2014, tendo o
PEIF iniciado seus trabalhos no dia 04 de agosto de 2014. Hoje os professores
estão mais integrados e com grande participação nos encontros. Observou-se uma
mudança completa na postura e envolvimento do grupo, por meio do número de
alunos e total participação em sala, com traduções simultâneas, interpretações e
complementação da fala de outro professor.
Após primeiro questionamento relacionado ao PEIF, dos 7 professores
que disseram conhecer o programa responderam que tiveram algumas dificuldades
encontradas no PEIF 2013, tais como: escrita e fala no desenvolvimento da
comunicação nos encontros; horário das aulas e os poucos encontros dificulta assim
o envolvimento com o restante do grupo e consequentemente uma maior troca
cultural que envolve a língua do “outro” e intercâmbio de alunos e professores em
aulas de português.
Para entender se a língua, ao modo de ver dos professores, une ou
separa as pessoas, além de responderem contribuíram para elucidar a questão
dando sugestões de como melhorar a aproximação com os brasileiros que vivem na
fronteira do Brasil na cidade de Corumbá e Ladário.
Todos responderam que a língua tem o poder de unir e de separar
pessoas, depende apenas do modo de agir diante do “outro” e que na concepção
deles a língua pode sim unir a todos que vivem aqui na fronteira Brasil - Bolívia é
97
apenas uma questão de posicionamento a ser aplicado, como: ter a língua
portuguesa na escola de Puerto Quijarro e região, assim como algumas escolas na
cidade de Corumbá12 já possuem a língua espanhola em sua grade curricular no
Ensino Básico como é o caso das Escolas Municipais CAIC, Cyriaco Félix de Toledo,
Delcídio do Amaral, Izabel Correa de Oliveira, José de Souza Damy, Djalma de
Sampaio Brasil, Rachid Bardauil, Eutrópia Gomes Pedroso e Paiolzinho; realizar
intercâmbio cultural por meio da educação nas escolas de fronteira; encontros
semanais para melhor entendimento do “outro” com atividades de integração e
frisaram que não entendem como os brasileiros falam menos espanhol que eles
falam o português, se os brasileiros tem a língua espanhola no currículo.
3.3. “Eutrópia” e “La Fronteira”: diferenças e similaridades
Alunos
Para que se compreenda melhor e possa identificar diferenças e
similaridades entre as duas escolas estudadas, foram elaborados a seguir quadros
comparativos relacionados aos aspectos mais relevantes desta pesquisa.
Quadro 20 - Número de alunos brasileiros e bolivianos – moradores do Brasil e Bolívia
Número de alunos brasileiros que estudam na Unidade
Educativa “La Frontera” e moram no Brasil
01
Número de alunos brasileiros que moram na Bolívia e estudam na Escola “Eutrópia”
120
Fonte: Fonte: Secretaria da Escola Municipal Rural Integral “Eutrópia Gomes Pedroso” e Unidade Educativa “La Frontera”, Agosto/ 2014.
12
LEI Nº 2.282, 20 DE DEZEMBRO DE 2012 que Institui o Plano Municipal de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial, o qual consta no Art. 2º inciso III – EDUCAÇÃO - número 20 -
Efetivar a adoção do espanhol como segundo idioma nesta fronteira com a Bolívia e o Paraguai.
98
Os números evidenciam que os brasileiros que estudam no Brasil e vivem
na Bolívia são maior número que os brasileiros que estudam na Bolívia. Os
brasileiros que moram na Bolívia e estudam no Brasil referem-se que estudar no
Brasil é uma grande oportunidade de vida.
Com relação ao grau de entendimento da língua espanhola, 19 alunos da
Escola “Eutrópia” responderam que falam fluentemente o espanhol e 6 alunos da
Unidade Educativa “La Frontera” possuem fluência na língua portuguesa, fato que
aponta para a concomitância das línguas espanhola e portuguesa na comunicação
informal entre os alunos.
Quadro 21 – entendimento da língua portuguesa e espanhola dos alunos das duas escolas em
estudo
Escola “Eutrópia” – língua espanhola fluência
19
Unidade Educativa “La Frontera” – língua portuguesa fluência
6
Fonte: Secretaria da Escola Municipal Rural Integral “Eutrópia Gomes Pedroso” e Unidade Educativa
“La Frontera”, Agosto/ 2014.
As línguas portuguesa e espanhola são línguas comuns nas duas escolas
em estudo, apesar de cada aluno falante de cada escola possuir um grau de
entendimento diferente. Os alunos da Escola “Eutrópia”, ao serem questionados,
responderam que falam português, espanhol e boliviano que neste caso, representa
o falar espanhol e os alunos da Unidade Educativa “La Frontera” falam, além do
espanhol, o português, inglês, quéchua e aymara, o que aponta para um
plurilinguísmo efetivo já que alunos da Unidade Educativa “La Frontera” falam
línguas originárias da Bolívia, enquanto os alunos da Escola “Eutrópia” utilizam os
idiomas presentes na comunicação diária presente na escola.
A visão dos alunos com relação à questão relacionada a como definir
fronteira 4 alunos da Unidade Educativa “La Frontera” e da Escola “Eutrópia”
relacionaram a palavra com integração, união de dois lados, cultura e crescimento
integrado, verificou-se um latente desconhecimento por parte da maioria dos alunos
de ambas as escolas.
99
Para a questão referente ao “ser fronteiriço”, 8 alunos da Escola
“Eutrópia” responderam que se consideram fronteiriços para 23 alunos da Unidade
Educativa “La Frontera”, o restante dos alunos de ambas as escolas não se
considera fronteiriços ou desconhecem o termo.
Com relação ao preconceito sentido pelos alunos de ambas as escolas
em sua maioria disseram não sentir nenhum tipo de preconceito e que convivem
bem, possuem laços de amizade, e descreveram que possuem pouca dificuldade de
se relacionar com o “outro”, o que não corresponde à realidade observada e
constatada nos depoimentos dos coordenadores e secretário. Existe uma negação
constante quanto ao tratamento sentido. Tanto que, os projetos de integração foram
inseridos para diminuir a animosidade constante que havia entre os alunos.
Professores
Dos professores da Escola “Eutrópia” que participaram da pesquisa, todos
moram em Corumbá, já os professores da Unidade Educativa “La Frontera”, dois
residem em Corumbá e o restante tem domicilio na Bolívia, seu local de trabalho, o
que aponta para a permeabilidade e possível trânsito cultural entre os professores.
Com relação ao grau de entendimento da língua espanhola na Escola
“Eutrópia” e na Unidade Educativa “La Frontera”, todos responderam que falam
“portunhol”, pois misturam os dois idiomas ao se comunicarem. Quando
questionados sobre a definição da palavra FRONTEIRA, 4 professores da Escola
“Eutrópia” e 6 professores da Unidade Educativa “La Frontera” relacionaram a
palavra com união, trocas culturais, econômicas e sociais e integração, enquanto o
restante relaciona a fronteira apenas como limite, como uma linha divisória, diferente
dos alunos que relacionam fronteira aos aspectos negativos do contrabando e
droga. O que sugere que o assunto não é discutido em sala, pois as visões são
muito diversas entre alunos e professores.
A maioria das dificuldades apontadas pelos professores com relação aos
alunos está um entrave relacionado ao encontro de línguas, tanto dos alunos
brasileiros que moram no Brasil quanto dos alunos brasileiros que moram na Bolívia.
100
No contato com a língua do “outro”, misturam o idioma e a partir daí começam as
dificuldades no momento da escrita, confundindo e misturando letras e palavras,
porém este fato ocorre mais na Escola “Eutrópia”, pois nesta escola há maior
encontro entre brasileiros que moram no Brasil e brasileiros que moram na Bolívia.
Na questão que tange a cidade de nascimento dos professores da Escola
“Eutrópia” todos são brasileiros, residentes no Brasil e os professores da Unidade
Educativa “La Frontera” todos são Bolivianos vindos de várias partes da Bolívia e em
sua maioria da região Andina, o que justifica as várias línguas faladas por eles como
quéchua, aymara, guarani.
As respostas evidenciam que há muitas diferenças entre as duas escolas
e que é necessário lançar um olhar diferenciado para ambas na tentativa de
encontrar maneiras de construir uma comunicação integral e integrada em ambas as
escolas, para que assim se tornem efetivamente escolas espelho, como apregoa o
MEC.
101
CAPÍTULO 4
DA APLICABILIDADE DAS AÇÕES
102
O Mestrado Profissionalizante exige propostas ou ações que possam
contribuir para melhorar a realidade, a sociedade e o contexto a que esta está
inserida. Assim, a primeira ação proposta por esta pesquisa foi a contribuição para
um diagnóstico sociolinguístico, que se relaciona com o capítulo anterior, para
entender o painel que se apresenta nas duas escolas estudadas. Este diagnóstico
faz parte das necessidades levantadas pelo Programa de Escolas Interculturais de
Fronteira 2014, coordenado pelo Curso de Letras/ espanhol da UFMS - CPAN, pela
Professora Lucilene Machado. Mas, a pesquisa foi além dessa contribuição, e a
observação encontrou necessidades que clamam por outras ações, que estão
elencadas a seguir:
1. Primeira e importante ação está relacionada ao trabalho em conjunto e
aponta para a ação que é construir de um novo Projeto Político
Pedagógico, com agrupamento de segmentos internos e externos,
administrativos, pedagógicos – professores, alunos, pais e a comunidade
em geral para que se insira, por meio do PPP a escola no contexto
intercultural de fronteira.
2. A segunda ação é a elaboração de leis que resguardem as
singularidades destas escolas, como a permissão do acesso livre de
alunos dos dois países. Para tanto, é necessária uma Lei específica para
Escolas de Fronteira, tanto no Brasil quanto na Bolívia.
3. A terceira ação conduz às ações que devem ser voltadas para
minimizar as dificuldades relacionadas ao aprendizado dos alunos com
relação à escrita e à fala, para que haja real comunicação entre alunos
dos dois países, professores e funcionários nas escolas de fronteira.
Essas ações devem também ser coletivas e integradas nessas escolas e
com foco na interculturalidade.
4. Quarta ação: trabalhos interculturais para aumentar a autoestima,
principalmente dos alunos bolivianos, com possível acompanhamento
psicológico, o que poderia ser oferecido em conjunto com o curso de
psicologia da Universidade- UFMS – CPAN.
103
5. Quinta ação a ser considerada: a falta de conhecimento e aceitação da
língua do “outro” pode ser melhorado por meio de um currículo
diferenciado e projetos que envolvam os dois lados – Brasil e Bolívia.
6. Sexta ação: um planejamento diferenciado por parte dos professores
que acompanham todos os dias essa realidade fronteiriça. Este contexto
desafiador presente nas escolas de fronteira, não são encontrados
apenas nas aulas de língua portuguesa, mas sim por todo o corpo
docente.
7. Sétima ação: é preciso elaborar, planejar e aplicar ações que integrem
a múltiplas identidades nessas escolas de fronteira, que mostrem que
num mesmo lugar cabem os dois lados ao mesmo tempo. Essas
atividades devem a princípio, abarcar brincadeiras, conversas, trocas
constantes e diárias.
8. Esta última ação apontada por esta pesquisa- ação está relacionada à
necessidade de desenvolver projetos que conduzam e estejam
relacionados à leitura, a conotação de histórias, ao resgate de lendas, a
busca da história. A aproximação com o mundo mágico da literatura pode
ser uma solução para uma melhora significativa no contexto escolar que
os alunos destas escolas se encontram. Esta é uma ação que começa a
ser desenvolvida este ano de 2014 pelo PEIF e que necessita de muitos
anos para gerar frutos.
Enfatizamos que muitas outras ações podem advir de novas pesquisas.
104
CONSIDERAÇÕES FINAIS
105
Com o desenvolvimento desta pesquisa, constatou-se o quanto é
imprescindível uma educação intercultural nas escolas de fronteira e principalmente,
desta peculiar fronteira Brasil-Bolívia. Para que as ações voltadas para essa
educação se efetivem é preciso que todos os sujeitos presentes no ambiente
educacional sejam envolvidos para estudar, engendrar e aplicar este novo modelo
de educação. Reafirma-se, assim, que é preciso estar preparado tecnicamente para
receber esses alunos, porém é necessário mais do que uma política educacional
para região de fronteira: é imperativo que haja uma verdadeira integração regional.
Convém destacar que os acordos bilaterais entre Brasil e Bolívia são
extremamente importantes para concretizar ações na educação e através dessas
ações educativas reconhecerem que cada indivíduo presente neste contexto
pertence a um lugar diferente e é um indivíduo carregado de culturas variadas. Mas,
até o momento esses acordos não foram efetivados, embora existam tentativas de
aproximação por parte do MEC. O que acontece hoje é um programa unilateral, com
viabilização de recursos do governo Brasileiro, sem o apoio do governo boliviano,
embora este esteja sendo favorecido com essas ações do governo brasileiro. Há
hoje, um movimento para implantação de programas de fronteira pelo lado boliviano,
mas o MEC e o PEIF não foram contatados para a criação do acordo, que deveria
ser, sempre, bilateral.
Ressalta-se que o PEIF aqui implantado nasceu para estruturar laços de
interculturalidade nas cidades gêmeas de Corumbá e Puerto Quijarro, cidades
incluídas este ano de 2014 na lista de cidades gêmeas, tendo como base a
metodologia de projetos e atividades atuando nas escolas, por meio de ações
diretas do Programa Mais Educação, observando que as escolas de fronteira
carregam inúmeras tarefas sociais como a preservação da identidade e das
múltiplas culturas.
Desse modo as Escolas “Eutrópia” e “La Frontera” iniciaram as práticas
interculturais antes mesmo da chegada do PEIF e, ao perceberam que estas ações
apresentavam resultado, inseriram datas de eventos interculturais no cronograma
escolar, como é o caso do “Dia da Integração” (falado anteriormente) que ocorre na
106
Escola “Eutrópia”, dia direcionado para integração e interação com os dois lados –
Brasil e Bolívia. Foi por meio desses projetos que a Escola “Eutrópia” rumou para a
integração e consequentemente a diminuição das diferentes dificuldades
encontradas no ambiente escolar, que ainda carecem de muito trabalho para a
integração efetiva, considerando que os alunos que se encontram diariamente e em
cada encontro se transformam ao agregarem conhecimento diversificado. De acordo
com Bartolomé Pina (2007) quando relaciona às trocas culturais, o resultado é a
consolidação das identidades, objetivando a comunicação e foco no diálogo, o que
vai ao encontro do pensamento de Peñalonzo (2001) referente à revisão curricular
que envolve ações culturais.
Para compreender o espaço fronteiriço destas escolas, foi realizado um
diagnóstico sociolinguístico que envolveu os atores das duas escolas em foco, a
partir do qual encontrou-se possíveis soluções a serem desenvolvidas nestas
escolas, como foi apontado no capítulo anterior. Os dados revelaram alto grau de
mobilidade dos estudantes potencializando a troca cultural na escola e, mais uma
vez, apontando para a necessidade de projetos interculturais. Os questionários
aplicados nas escolas, foram diferenciados, pois foi necessário a adaptação de
acordo com a realidade vivenciada em cada ambiente escolar. Convém destacar
que as questões foram adaptadas, não modificadas, tendo o mesmo sentida na sua
adaptação e leitura.
Quando se trata de questões relacionadas à língua, observou-se a falta
de aceitação da língua do “outro”, neste caso a língua espanhola, pois muitos destes
alunos responderam que preferem a língua inglesa, por ser na concepção deles,
língua de maior privilégio, o que evidenciou a força da imposição norte americana
em uma região que deveria voltar o olhar para a América Latina, portanto, para a
língua espanhola.
Pelas razões apresentadas a partir da pesquisa, constou-se a urgência
na reformulação curricular, com currículos flexíveis, com ações interculturais que
abranjam o entender e o sentir a fronteira, além da visão centrada na geografia, um
currículo que abra a visão dos educadores e introduza as mil faces culturais desses
107
dois povos. Só a partir destas ações é que se conseguirá minimizar preconceitos,
agressões, adversidades.
Constatou-se no decorrer desta pesquisa que é necessário para que
todas as ações se concretizem preparar e formar professores para atuar na região
de fronteira, direcionar a grade curricular de cada escola com Projetos Políticos
Pedagógicos embasados na realidade dessas escolas, integrar e interagir todos que
fazem parte do sistema educacional, enfim, desenvolver um método que realmente
beneficie tanto os professores como os alunos.
Com o levantamento para o diagnóstico sociolinguístico encaminhado ao
PEIF, será possível visualizar o cenário de outras escolas desta região fronteiriça,
que não foram objeto desta pesquisa. Espera-se que esta pesquisa, ainda incipiente
possa trazer soluções para um melhor desenvolvimento desta região.
108
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113
ANEXOS
114
Anexo 01
Anexo 01 referente à portaria das Escolas Interculturais de Fronteira. O
documento foi expedido pelo Ministério da Educação, na portaria nº 798, de 19 de
junho de 2012.
Disponível em: http://www.abmes.org.br/public/arquivos/legislacoes/Port-798-2012-06-19.pdf
GABINETE DO MINISTRO PORTARIA Nº 798, DE 19 DE JUNHO DE 2012.
Institui o Programa Escolas Interculturais de Fronteira, que visa a promover a integração regional por meio da educação intercultural e bilíngue.
CONSIDERANDO que em 13 de dezembro de 1991, os Ministros da
Educação dos países integrantes do MERCOSUL à época firmaram protocolo de
intenções por meio do qual manifestaram interesse em contribuir na área
educacional para os objetivos políticos de integração do MERCOSUL;
CONSIDERANDO que em novembro de 2003, foi firmada a "Declaração
Conjunta de Brasília para o Fortalecimento da Integração Regional" entre Brasil e
Argentina, em que a educação foi afirmada como espaço cultural para o
fortalecimento de uma consciência favorável à integração regional, tendo início o
Programa Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira do MERCOSUL como
Programa de Cooperação;
CONSIDERANDO que na XXXI REUNIÃO DOS MINISTROS DA
EDUCAÇÃO DOS PAÍSES DO MERCOSUL, na cidade do Belo Horizonte, Estado
de Minas Gerais, República Federativa do Brasil, no dia 24 de novembro de 2006,
na qual foi avaliada positivamente a realização do I Seminário de Escolas de
Fronteira do MERCOSUL, na cidade de Foz de Iguaçu - Brasil e solicitado ao Comitê
Coordenador Regional que encomendasse à Comissão Regional Coordenadora de
115
Educação Básica a elaboração de projeto para o ano de 2007 com o apoio da
Corporação Andina de Fomento - CAF;
CONSIDERANDO que o artigo 34 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, determina a
progressiva ampliação do período de permanência na escola;
CONSIDERANDO que o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n°
8.069, de 13 de julho de 1990, garante às crianças e aos adolescentes a proteção
integral e todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurando-
lhes oportunidades a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade;
CONSIDERANDO que a educação abrange os processos formativos que
se desenvolvem na vida familiar, na convivência comunitária, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais, de acordo com o art. 1° da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional;
CONSIDERANDO o caráter intersetorial das políticas de inclusão social e
formação para a cidadania, bem como a corresponsabilidade de todos os entes
federados em sua implementação e a necessidade de planejamento territorial das
ações intersetoriais, de modo a promover sua articulação no âmbito local; resolve:
Art. 1º Fica instituído o Programa Escolas Interculturais de Fronteira
(PEIF), com o objetivo de contribuir para a formação integral de crianças,
adolescentes e jovens, por meio da articulação de ações que visem à integração
regional por meio da educação intercultural das escolas públicas de fronteira,
alterando o ambiente escolar e ampliando a oferta de saberes, métodos, processos
e conteúdos educativos.
§ 1º As Escolas Interculturais de Fronteira são as escolas públicas
Estaduais e Municipais situadas na faixa de fronteira e instruídas pelo "Modelo de
ensino comum de zona de fronteira, a partir do desenvolvimento de um Programa
para a educação intercultural, com ênfase no ensino do português e do espanhol",
da Declaração Conjunta de Brasília, firmada em 23 de novembro de 2003 pela
116
Argentina e pelo Brasil, e do Plano de Ação do Setor Educativo do MERCOSUL
2006-2010.
§ 2º As escolas participantes do Programa Escolas Interculturais de
Fronteira também participarão do Programa Mais Educação.
Art. 2º As Escolas Interculturais de Fronteira seguem os seguintes
princípios:
I - Interculturalidade, que reconhece fronteiras como loci de diversidade e
que valora positivamente as diversas culturas formadoras do MERCOSUL,
promovendo a cultura da paz, o conhecimento mútuo e a convivencialidade dos
cidadãos dos diversos países-membros. Esta convivencialidade se realiza com a
atuação conjunta de docentes dos dois países em cada uma das Escolas
Interculturais (princípio do cruze), gêmeas ou próximas;
II - Bilinguismo, que prevê que o ensino seja realizado em duas línguas, o
espanhol e o português, com carga horária paritária ou tendendo ao paritário, com
uma distribuição equilibrada dos conhecimentos ou disciplinas ministradas em cada
uma das línguas. Prevê, ainda, pelo respeito ao sujeito do aprendizado, a presença
na escola de outras línguas regionais, conforme a demanda;
III - Construção comum e coletiva do Plano Político-Pedagógico das
Escolas-Gêmeas, respeitando as tradições escolares dos países envolvidos e
incluindo as demandas culturais específicas da fronteira no currículo.
Art. 3º Integram o Programa Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF) as
ações das seguintes instituições:
I - Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Básica e
da Assessoria Internacional do Gabinete do Ministro da Educação;
II - Representantes dos Ministérios da Educação dos Estados parte e
associados do MERCOSUL que possuem áreas fronteiriças com o Brasil;
III - Secretarias Estaduais e Municipais de Educação envolvidas das
regiões de fronteira;
117
IV - Conselho Nacional de Educação e os Conselhos Estaduais e
Municipais de Educação das áreas de fronteira;
V - Instituições de Ensino Superior participantes da Rede Nacional de
Formação Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica Pública;
VI - Escolas gêmeas.
Art. 4º Compete ao Ministério da Educação do Brasil, por meio da
Secretaria de Educação Básica e da Assessoria Internacional promover a
articulação institucional e a cooperação técnica entre os Ministérios da Educação
dos países membros, Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, as
Universidades e Conselho Nacional de Educação e dos Conselhos Estaduais e
Municipais de Educação, bem como garantir recursos financeiros às instituições
formadoras e às escolas, visando ao alcance dos objetivos do Programa.
Art. 5º Compete aos Estados parte e associados do Mercosul prestar
assistência técnica e conceitual na gestão e implementação dos projetos.
Art. 6º Compete às Secretarias Estaduais e Municipais de Educação
acompanhar o desenvolvimento do programa.
Art. 7º Compete aos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação,
detalhar, conforme o caso, as Diretrizes para o funcionamento das suas escolas
valendo-se das prerrogativas legais enquanto órgãos normativos do Sistema, tendo
em vista a diversidade educacional, cultural e linguística de cada fronteira específica.
(LDB, art 11, incisos I, II e III).
Art. 8º Compete às Universidades a formação dos docentes que atuam no
Programa.
Art. 9º Compete às escolas fronteiriças a execução e desenvolvimento do
Programa.
Art. 10. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
ALOIZIO MERCADANTE OLIVA
(DOU nº 118, quarta-feira 20 de junho de 2012, Seção 1 página 30)
118
Questionários
Questionários aplicados nos alunos da Escola “Eutrópia”
1. Possui registro no Brasil?
2. Cidade de nascimento do pai e da mãe?
3. Grau de entendimento da língua portuguesa: pouco, médio ou fluente.
4. Qual outro idioma você fala?
5. Qual idioma você prefere aprender na escola: inglês ou espanhol?
6. Qual idioma você fala quando está em família?
7. Você possui registro no Brasil?
8. Você se identifica como brasileiro ou boliviano?
9. O que você entende por fronteira?
10. Você se considera fronteiriço?
11. Em algum momento você já sentiu dificuldade ou algum preconceito por ser da Bolívia e ou morar na fronteira com o Brasil?
12. Você possui dificuldade com relação à disciplina de língua portuguesa?
13. Quais dificuldades você encontra na escola? Questionários aplicados na equipe (professores, coordenadores, diretora) da
Escola “Eutrópia”.
1. Qual o grau de entendimento da língua espanhola?
2. O que você entende por Fronteira?
3. Quais as maiores dificuldades encontradas pelos alunos em sala?
4. Quais as principais dificuldades no ensino aprendizagem de línguas para os alunos?
5. Qual a disciplina que os alunos encontram maior dificuldade?
6. Que projetos ajudariam a diminuir as dificuldades na escola?
7. Qual o índice de evasão pelo aluno que mora do outro lado da fronteira com a Bolívia?
8. Você já teve contato com o PEIF?
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Questionários aplicados nos alunos da Unidade Educativa “La Frontera”
1. Cidade da Bolívia onde nasceu?
2. Cidade de nascimento do pai e da mãe?
3. Possui registro no Brasil?
4. Qual o grau de entendimento da língua portuguesa: pouco, médio ou fluente?
5. Qual outra língua você fala além da língua portuguesa e da língua espanhola?
6. Qual outra língua você fala em família?
7. O que você entende por fronteira?
8. Você se considera fronteiriço?
9. Em algum momento você teve dificuldades ou sentiu alguma forma de preconceito por ser boliviano e estar em contato direto com os brasileiros?
10. O que poderia ser feito para diminuir as dificuldades encontradas por você? Questionários aplicados nos professores da Unidade Educativa “La Frontera”
1. Qual o país de nascimento do pai e da mãe?
2. Qual a cidade onde você mora?
3. Qual o grau de entendimento da língua portuguesa: pouco, médio ou fluente?
4. Qual outra língua você fala?
5. Qual cidade onde você nasceu?
6. Qual outra língua você fala em família? 7. O que você entende por fronteira?
8. Você se considera fronteiriço?
9. Em algum momento você teve dificuldades ou sentiu alguma forma de preconceito por ser boliviano e estar em contato direto com os brasileiros?
10. A Unidade Educativa “La Frontera” participa do PEIF. Você conhece o programa?
11. Você teve dificuldade relacionada às aulas do curso?
12. A língua ao mesmo tempo une e separa. O que poderia ser feito para diminuir as dificuldades encontradas por você?
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Notas de fim
i KRAMSCH, Claire. Context and culture in language teaching. Oxford: Oxford University Press, 1993.
293 p. apud MENDES, Edleise Oliveira Santos. Abordagem Comunicativa Intercultural (ACIN): uma
proposta para ensinar e aprender língua no diálogo de culturas - Campinas, SP: [s.n.], 2004.