adolfo da costa oliveira neto - uepa

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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado Linha de Pesquisa: Saberes Culturais em Educação na Amazônia Adolfo da Costa Oliveira Neto Educação Popular do Campo e Território: uma análise da prática educativa do GETEPAR-NEP na Amazônia ribeirinha. Belém PA 2011

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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado Linha de Pesquisa: Saberes Culturais em Educação na Amazônia

Adolfo da Costa Oliveira Neto

Educação Popular do Campo e Território:

uma análise da prática educativa do GETEPAR-NEP na

Amazônia ribeirinha.

Belém – PA 2011

Adolfo da Costa Oliveira Neto

Educação Popular do Campo e Território:

uma análise da prática educativa do GETEPAR-NEP

na Amazônia ribeirinha.

Texto apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de “Mestre em Educação” no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará e no Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Linha de Pesquisa: Saberes Culturais em Educação na Amazônia Orientadora: Prof. Dra. Ivanilde Apoluceno de Oliveira

Belém – PA 2011

Dados internacionais de catalogação-na-publicação (CIP). Biblioteca do Centro de Ciências Sociais e Educação, UEPA, Belém - PA.

OLIVEIRA NETO, Adolfo da Costa. Educação Popular do Campo e Território: uma análise da prática educativa do GETEPAR-NEP na Amazônia ribeirinha/ Adolfo da Costa Oliveira Neto; Orientadora Ivanilde Apoluceno de Oliveira. __ Belém: [ s.n.], 2011. 203f.

Dissertação de Mestrado (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2011.

1. Educação popular; 2. Educação do campo; 3. Território; 4. Espaço geográfico.

Adolfo da Costa Oliveira Neto

Educação Popular do Campo e Território:

uma análise da prática educativa do GETEPAR-NEP

na Amazônia ribeirinha.

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de “Mestre em Educação” pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará e pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Linha de Pesquisa: Saberes Culturais em Educação na Amazônia Orientadora: Prof. Dra. Ivanilde Apoluceno de Oliveira

Data de aprovação: ___/___/_____

Banca Examinadora ________________________________ - Orientadora Profª. Ivanilde Apoluceno de Oliveira Drª. em Educação Universidade do Estado do Pará

________________________________ - Examinador Externo Prof. Salomão Antônio Mufarrej Hage Dr. Em Educação Universidade Federal do Pará

________________________________ - Examinadora Interna Profª. Denise de Souza Simões Rodrigues Dra. em Educação Universidade do Estado do Pará

________________________________ - Examinadora Interna Profª Maria das Graças da Silva Dra. em Planejamento Urbano e Regional Universidade do Estado do Pará

Para os que não envelheceram e

que, por isso, continuam indignados

com o mundo, lutando com armas,

letras, canções, suor, sangue,

gestos, pedras, flores e poemas para

transformar os sonhos em realidade

cheia de fraternidade e amor.

AGRADECIMENTOS A Deus por nunca faltar em minha caminhada. À minha mãe Neide e meu pai Paulo, pelos gestos de carinho e compreensão e pelo incentivo permanente. Ao meu irmão André e minha sobrinha Yasmim, pela alegria que é tê-los sempre ao meu lado. À minha noiva, Brendha Madruga, por compartilhar importantes momentos da construção deste trabalho e com quem compartilho os sonhos dos dias que virão. À querida profª. Drª. Ivanilde Apoluceno de Oliveira, mestra sempre fraterna, por acompanhar meus passos a anos nesta e em outras tantas lutas, mostrando-se atenciosa, compreensiva e companheira em todos os momentos, cuja presença ao seu lado apenas me honra. Aos professores José Maurício Arruti, Graça Mesquita, Denise Simões, Bernardo Mançano, Rui Moreira, Carlos Walter, Clay Anderson, João Márcio Palheta, Edmilson Rodrigues, Elizabeth Teixeira e Maria Inês, que com carinho estendo aos demais professores que contribuíram em minha formação. Aos colegas e as colegas Jose, Cris, Mada, Cirlene, Darinez, Arlete, Luis, Paula, Dani, Vanessa, Berg, Mauro, Albenize e Luciano a quem estendo meus cumprimentos aos demais colegas de turma do Mestrado da UEPA, da PUC e da UFF pelas discussões em torno da educação que me auxiliaram na construção deste estudo. Aos sujeitos das comunidades que, aprendendo, nos ensinam cotidianamente novas lições. Ao NEP, que em sua prática vem me formando como educador popular a serviço da mudança do mundo. Aos companheiros da Ação Popular Socialista e do PSOL, que muito contribuem no meu processo de amadurecimento político e intelectual e com quem compartilho a esperança de que outros outubros virão. Aos incontáveis amigos e parceiros intelectuais que muito me ajudaram para que eu seja quem verdadeiramente hoje eu sou e para que este trabalho fosse concluído.

E vamos à luta.

Eu acredito

É na rapaziada

Que segue em frente

E segura o rojão

Eu ponho fé

É na fé da moçada

Que não foge da fera

E enfrenta o leão

Eu vou à luta

É com essa juventude

Que não corre da raia

À troco de nada

Eu vou no bloco

Dessa mocidade

Que não tá na saudade

E constrói

A manhã desejada

Gonzaguinha.

RESUMO

OLIVEIRA NETO, Adolfo. Educação Popular do Campo e Território: uma análise da prática educativa do GETEPAR-NEP na Amazônia ribeirinha. 2000. 203f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade do Estado do Pará, Belém, 2011. O presente estudo busca analisar a prática educativa em educação popular do campo de alfabetização e pós-alfabetização com jovens, adultos e idosos em três comunidades rurais-ribeirinhas do município de São Domingos do Capim, no estado do Pará. Objetiva identificar como o território e as práticas sociais cotidianas dos sujeitos destas comunidades têm relação direta com o desenvolvimento de uma prática educativa libertadora. Trata-se de uma pesquisa de campo de abordagem histórico-dialética e de cunho qualitativo do tipo participante. A contribuição deste estudo vem da tentativa de compreender como se relacionam a construção do território com a educação popular no campo, buscando traçar alternativas teóricas e metodológicas para a consolidação desta modalidade educacional. Analisamos ainda, na prática educativa do GETEPAR-NEP a importância do território como elemento educativo, sendo ele um dos grandes eixos articuladores dos conteúdos trabalhados com os educandos e a importância do saber espacial para a comunidade.

Palavras-Chave: 1. Educação popular; 2. Educação do campo; 3. Território; 4.

Espaço geográfico.

RÉSUMÉ

OLIVEIRA NETO, Adolfo. Educação Popular do Campo e Território: uma análise da prática educativa do GETEPAR-NEP na Amazônia ribeirinha. 2000. 203f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade do Estado do Pará, Belém, 2011.

Cette étude évalue la pratique éducative dans le domaine de l'éducation populaire la zone rurale en alphabétisation et post-alphabétisation auprès des jeunes, adultes et personnes âgées dans trois communautés rurales, commune côtière de São Domingos Capim, l'État du Pará. Le objectif a pour de déterminer comment le territoire et les pratiques sociales quotidiennes des sujets de ces collectivités sont directement liés à l'élaboration d'une pratique de libération d'enseignement. Il s'agit d'une enquête sur le terrain de l'approche historique et dialectique et une de type qualitatif participant. La contribution de cette étude est d'essayer de comprendre comment ils se rapportent à la construction du territoire avec l'éducation populaire dans le domaine, cherchant à attirer des alternatives théoriques et méthodologiques pour la consolidation de cette modalité d'enseignement. Nous analysons également les pratiques éducatives de la NEP-GETEPAR l'importance du territoire comme l'éducation, étant l'un des principaux domaines d'organisateurs contenu travaillé avec les élèves et l'importance de l'espace de connaissances pour la communauté.

Mots-clés: 1. Educação popular; 2. Educação do campo; 3. Território; 4. Espaço

geográfico.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

MAPA 01 Município de São Domingos do Capim................................. 100

IMAGEM 01 Ramal que leva às comunidades “São Bento”, “São José do S” e “Jesus por Nós”................................................................. 101

IMAGEM 02 Ramal que liga a comunidade “São Bento” as roças dos moradores............................................................................

103

IMAGEM 03 Produção de farinha de mandioca............................................ 105

IMAGEM 04 Casa de farinha........................................................................ 106

IMAGEM 05 Veículo de um atravessador de farinha de mandioca.............. 107

IMAGEM 06 Barco carregado com a produção de farinha para comercializar na sede de São Domingos do Capim................. 108

IMAGEM 07 Local aonde os pequenos agricultores vindos do espaço agrário do município comercializam a sua produção............................................................................ 109

IMAGEM 08 Igarapé da Comunidade do São Bento..................................... 111

IMAGEM 09 Gerador de energia da comunidade “São Bento”..................... 113

IMAGEM 10 Ponto de apoio para extração ilegal de madeira nobre........... 114

IMAGEM 11 Fazenda localizada a beira do rio Capim.................................. 115

IMAGEM 12 Local da antiga escola.......................................................... 116

IMAGEM 13 Igreja construída no encontro do rio Capim com o rio Guamá, que deu origem à cidade...................................................... 119

GRÁFICO 01 Comparativo entre o Índice de desenvolvimento da Educação Básica do município de São Domingos do Capim, do Estado do Pará e do Brasil nos anos iniciais do Ensino Fundamental......................................................................... 121

GRÁFICO 02 Número de matrículas nas séries iniciais do ensino fundamental na área urbana e área rural de São Domingos do Capim por tipo de estabelecimento educacional.......................................................................... 122

IMAGEM 14 Escola multisseriada em pleno funcionamento...................... 123

IMAGEM 15 E. M. E. F São Benedito – a única escola de alvenaria no espaço agrário do município................................................ 127

IMAGEM 16 Escola da Comunidade São José do “S”............................... 148

IMAGEM 17 Escola de Multisseriada de Ensino Fundamental da Comunidade “Jesus por Nós”................................................. 149

IMAGEM 18 Escola de Educação infantil e de EJA da Comunidade “Jesus por Nós”............................................................................... 149

IMAGEM 19 Formação Continuada com os membros da comunidade....................................................................... 152

IMAGEM 20 Foto do arraial da comunidade “Jesus por Nós”............... 159

IMAGEM 21 Igarapé que atende parcialmente a comunidade “São José do S”.........................................................................

163

IMAGEM 22 Crianças brincando no “quintal” na comunidade “São José do S”.........................................................................

169

IMAGEM 23 Menina lavando a louça da família no igarapé na comunidade “São Bento”..................................................

171

IMAGEM 24 Duas crianças brincando em uma montaria na margem do rio Capim.....................................................................

172

IMAGEM 25 Duas crianças brincando no quintal próximo a casa de farinha...............................................................................

173

IMAGEM 26 Família reunida descascando a mandioca para fazer a farinha...............................................................................

174

IMAGEM 27 Carregando o barco na “beira” do rio para levar a farinha para a Sede de São Domingos do Capim............

175

LISTA DE SIGLAS

NEP Núcleo de Educação Popular Paulo Freire......................... 14

UEPA Universidade do Estado do Pará........................................ 14

GETEPAR Grupo de Estudo e Trabalho em Educação Popular na

Amazônia Rural.................................................................. 14

UFPA Universidade Federal do Pará............................................ 17

PPGED Programa de Pós-Graduação em Educação...................... 17

SDC São Domingos do Capim.................................................... 39

MOVA Movimento Nacional de Alfabetização................................ 40

CNEC Conferência Nacional Por Uma Educação do Campo........ 66

I ENERA I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária..................................................................

87

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil........................ 87

UnB Universidade de Brasília..................................................... 87

UNESCO Organização das Nações Unidas para Ciência, Educação e Cultura.............................................................................

87

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância......................... 87

SECAD Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.........................................................................

90

MMC Movimento de Mulheres Camponesas............................... 90

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário.............................. 90

MEC Ministério da Educação....................................................... 90

FEAB Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil.......... 90

CNTE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação 90

SINASEFE Sindicato Nacional dos Trabalhadores Federais de Educação............................................................................

90

ANDES Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior.... 90

SEAP-PR Secretaria de Estado de Administração e da Previdência do Estado do Paraná..........................................................

90

MMA Ministério do Meio Ambiente............................................... 90

MinC Ministério da Cultura........................................................... 90

AGB Associação dos Geógrafos do Brasil.................................. 90

CONSED Conselho Nacional de Secretários de Educação............... 90

FETRAF Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar....... 90

CPT Comissão Pastoral da Terra............................................... 90

CIMI Conselho Indigenista Missionário....................................... 90

MEB Movimento de Educação de Base...................................... 90

PJR Pastoral da Juventude Rural............................................... 90

CERIS Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais 90

MOC Movimento de Organização Comunitária............................ 90

RESAB Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro...................... 90

SERTA Serviço de Tecnologia Alternativa...................................... 90

IRPAA Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada... 90

ARCAFAR

SUL-NORTE Associação Regional das Casas Familiares Rurais........... 90

PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária....... 91

UFRA Universidade Federal Rural da Amazônia.......................... 92

UNDIME União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação... 92

MTE Ministério do Trabalho e Emprego...................................... 92

ICED Instituto de Ciências da Educação...................................... 93

SEDUC Secretaria Estadual de Educação....................................... 93

FPEC Fórum Paraense de Educação do Campo.......................... 93

FETAGRI Federação dos Trabalhadores da Agricultura.................... 93

MAB Movimento dos Atingidos por Barragens............................ 93

CNE Conselho Nacional de Educação........................................ 97

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional............... 97

EJA Educação de Jovens e Adultos........................................... 126

PROALTO Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos: processo social para a libertação....................................... 130

CCSE Centro de Ciências Sociais e Educação ............................ 130

CAPE Centro Acadêmico de Pedagogia....................................... 130

GET Grupo de Estudo e Trabalho............................................... 134

UFOPA Universidade Federal do Oeste do Pará............................. 137

IFPA Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará..................................................................................... 137

UFAM Universidade Federal do Amazonas................................... 137

UEAM Universidade Estadual do Amazonas................................. 137

UFSCAR Universidade Federal de São Carlos.................................. 137

SUMÁRIO INTRODUÇÃO..........................................................................................................

13

1. CAMINHOS METODOLÓGICOS....................................................................

20

1.1. A Opção Pela Abordagem Histórico-Dialética............................................ 20 a) Massimo Quaini e a relação entre a dialética e a problemática espacial................................................................................................ 25 b) Soja e a dialética sócio-espacial........................................................... 29 c) Santos: a nova geografia e a dialética.................................................. 33 1.2. Estratégias metodológicas........................................................................ 39

2. MATRIZES DA EDUCAÇÃO POPULAR NA EDUCAÇÃO DO CAMPO: construção de um projeto de mudança social............................................

49

2.1 Os caminhos que ligam a educação popular e a disputa de projeto nacional...................................................................................................

50

2.2. Matrizes teórico-metodológicas da Educação Popular na Educação do Campo.....................................................................................................

58

2.2.1 Raízes filosóficas da educação popular na educação do campo................ 60 a) Pressupostos antropológicos da educação popular e sua relação com a educação do campo.............................................................................. 60 b) Pressupostos gnosiológicos da educação popular e a sua relação com a educação popular do campo................................................................ 63 c) Visão histórico-dialética de mundo da educação popular freireana e a sua relação com a educação do campo................................................... 66 2.2.2 Pressupostos Pedagógicos...................................................................... 67 a) O respeito à cultura e ao saber local como elementos educativos........... 67 b) Espaço e tempo como elementos educativos.......................................... 72 c) A importância do diálogo e da práxis.................................................... 77 2.2.3 Dimensão política da educação................................................................. 80 a) A educação como questionadora da ordem social..................................... 80 b) A educação como processo de formação intelectual e política...............

83

3. O MOVIMENTO PELA EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO EM MOVIMENTO: o processo de mobilização pela educação do campo...................................

86

3.1. O Movimento pela Educação e a Educação em Movimento: a mobilização dos movimentos sociais pela educação do campo....................................

87

4. A EDUCAÇÃO POPULAR DO CAMPO EM COMUNIDADES RIBEIRINHAS: realidade camponesa nas comunidades rurais-ribeirinhas e o trabalho educativo do GETEPAR-NEP....................................................

99

4.1. Trabalho, território e temporalidade na formação das comunidades rurais-ribeirinhas: o caso do “São Bento”, do “São José do S” e da comunidade “Jesus por Nós”........................................................................................... 99 4.2. A educação do campo em comunidades rurais-ribeirinhas: o trabalho educativo do GETEPAR-NEP.......................................................................... 129 4.2.1. Núcleo de Educação Popular Paulo Freire: história, organização e projetos.. 130 a) Ensino-extensão.......................................................................................... 138 b) Pesquisas.................................................................................................... 140 c) Eventos....................................................................................................... 143 d) Publicações................................................................................................. 144

4.3 As ações do GETEPAR -NEP em São Domingos do Capim.......................... 145 4.3.1.O trabalho pedagógico do GETEPAR-NEP em turmas de alfabetização.......................................................................................... 151 5. A RELAÇÃO ENTRE A EDUCAÇÃO POPULAR DO CAMPO E O TERRITÓRIO: o caso das comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim.................................................................................

155

5.1. A vivência como matriz do processo educativo: o território como elemento educativo................................................................................ 157 5.2. Entorno vivido como produtor de sua própria pedagogia: o saber espacial como elemento educativo........................................................

168

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................

182

REFERÊNCIAS .......................................................................................................

186

ANEXOS................................................................................................................... 193

APÊNDICES............................................................................................................. 196

13

INTRODUÇÃO

Em sociedade que exclui dois terços de sua população e que impõe ainda profundas

restrições à grande parte do terço para o qual funciona, é urgente que a questão da leitura e

da escrita seja vista enfaticamente sob o ângulo da luta política a que a compreensão

científica do problema traz a sua colaboração.

Paulo Freire (2006a, p. 09)

A sociedade brasileira é caracterizada por uma imoral contradição entre

déficits e excessos que marca toda a nossa história como colônia e como país. De

um lado, temos uma pequena parcela da população que vive com excesso de

elementos supérfluos, excesso de privilégios, excesso de recursos financeiros,

excesso de bens e excesso de cegueira que não os permite ver o quanto a

manutenção de um padrão de vida absolutamente incompatível com o que o país

destina ao seu povo gera uma pressão sobre a camada mais pobre da população

que passa a ter como única alternativa a inclusão absolutamente precária em nossa

sociedade. Por outro lado, para a maioria do nosso povo, sobra uma sociedade dos

déficits. Déficit de moradia, déficit de alimentação, déficit de educação, déficit de

saúde, déficit financeiro, déficit de direitos, déficit de cidadania.

A experiência de 511 anos de construção do Brasil levado a cabo por

diferentes grupos dominantes, mais do que limitada na tentativa de construir um

país, já que sempre serviu a apenas uma pequena parcela do seu povo, procurou

abortar o projeto da construção de uma nação. Hoje temos um país incompleto,

formado por um Estado autoritário que não garante a efetivação dos direitos sociais

básicos e a prevalência dos direitos humanos no seu território e que tenta

abandonar o projeto de construção nacional em favor da construção de um projeto

de dependência macroeconômica, cultural e política. Este projeto, no entanto, não

consegue avançar sem contestações.

Um dos exemplos que temos na tentativa da construção de um caminho

contrário ao exposto acima é protagonizado pelos movimentos sociais que tomam o

campo educacional como arena política, entre os quais se destaca o movimento de

educação do campo, movimento este que procuramos analisar em alguns traços

14

neste trabalho. A análise foi feita a partir de uma experiência desenvolvida pelo

Núcleo de Educação Popular Paulo Freire (NEP) da Universidade do Estado do Pará

(UEPA) através do Grupo de Estudo e Trabalho em Educação Popular na Amazônia

Rural (GETEPAR).

Durante a construção da pesquisa que subsidiou este trabalho, nossa

intenção foi analisar como na materialidade do espaço há possibilidades para uma

construção subjetiva rebelde, tendo como apoio um modelo educacional que busca

potencializar essa rebeldia como ponto de sustentação das classes populares, já

que esse modelo educacional surge como afirmação de uma cultura e uma classe,

buscando elementos não reprodutivistas capazes de servir de base à análise e à

ação popular.

Modelo que garante a interpretação do mundo como um ato eminentemente

político, como identificação-ação, em que a leitura não se esgota na simples

decodificação da palavra, se alongando pela leitura da “palavramundo” como ação

criadora ou, como define Freire (2006b), em uma “ação cultural para a liberdade”

que se contrapõe à educação “bancária” (FREIRE, 2005).

Durante a pesquisa buscamos compreender: qual é a relação existente entre

a produção e a utilização do espaço geográfico com os saberes sociais identificados

no cotidiano dos sujeitos de três comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos

do Capim?

Como questões norteadoras buscamos entender, por um lado, como a

relação entre o espaço geográfico e o cotidiano das comunidades é produtora de

saberes que podem ser utilizados na educação popular do campo?

Por outro lado, cabe analisar como os saberes dos educandos das

comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim são trabalhados

pedagogicamente nas turmas de educação popular do campo? Caso sejam

utilizados, como isto é feito? Caso não sejam, por quê?

Buscamos aprofundar o debate sobre a dimensão pedagógica do espaço

geográfico, tomando como referência o território, em uma concepção de educação

popular do campo que tem como característica, dentre outras, a busca a

emancipação dos povos do campo a partir da análise crítica sobre a sua própria

realidade.

15

Dentre o largo espectro da atuação da educação popular do campo,

buscamos ressaltar a especificidade do espaço rural-ribeirinho da Amazônia

paraense valorizando o território como categoria de análise.

Um dos momentos importante deste trabalho se deu na tentativa de

compreender qual é a relação existente entre os saberes sócio-territoriais

identificados no cotidiano dos sujeitos de três comunidades rurais-ribeirinhas do

município de São Domingos do Capim com o processo de educação popular do

campo desenvolvido pelas turmas de alfabetização e pós-alfabetização de jovens,

adultos e idosos do NEP nestas comunidades1.

Durante a realização da pesquisa, outros dois objetivos se impõem à análise

como complementares a fim de podermos compreender de forma mais abrangente o

tema.

Por um lado, buscamos analisar a relação entre o território e o cotidiano das

comunidades a fim de entendermos como esta relação é produtora de saberes que

podem ser utilizados na educação popular.

Por outro lado, analisamos como os saberes dos educandos das

comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim são trabalhados

pedagogicamente nas turmas de educação popular do campo que tem relação com

a ação educativa do GETEPAR-NEP.

Assim, este trabalho tem as marcas de uma questão que nos acompanha a

alguns anos: como a geografia se relaciona com a educação? Sem dúvida esta é

uma das perguntas que mais influenciaram a construção deste trabalho, mesmo não

sendo o problema central aqui desenvolvido ou mesmo nem fazendo parte como

uma das questões norteadoras.

Em geral, acreditamos que a resposta para esta pergunta revela uma relação

assimétrica entre a geografia e os estudos da área da educação, sendo que a parte

mais visível dela é a construção da disciplina escolar geografia, a partir de uma

reconstrução da ciência geografia. Acreditamos que a construção da disciplina

escolar tem pelo menos três consequências distintas: a primeira é a contribuição que

a disciplina dá na legitimação da geografia como ciência perante uma grande

parcela da sociedade. A segunda é a influência que o campo educacional exerce

sobre a formação deste profissional, já que ele é ao mesmo tempo formado como

1 Em relação as quais serão as comunidades analisadas e os critérios de seleção ver páginas 39-40.

16

geógrafo e como educador. A terceira é a transformação dos elementos da ciência

geográfica em conteúdos escolares, a partir de critérios pedagógicos. No entanto,

como a geografia influência o campo educacional?

Esta pergunta está presente nessa construção porque ela tem como marca o

questionamento das duas áreas (geografia e educação) a partir de quatro

dimensões: a ontológica, a gnosiológica, a epistemológica e a política. Isto

principalmente porque a relação que observamos do espaço geográfico (elemento

do campo geográfico) com os saberes e os conhecimentos (elementos do campo

educacional) é diametralmente oposto a relação que observamos entre a geografia e

o campo educacional.

Muitos caminhos nos levaram a estes questionamentos. Um dos primeiros foi

a reflexão sobre o pensamento de Freire quando o autor afirma que:

por isso é que é importante afirmar que não basta reconhecer que a Cidade é educativa, independentemente do nosso querer ou do nosso desejo. A cidade se faz educativa pela necessidade de educar, de aprender, de ensinar, de conhecer, de criar, de sonhar, de imaginar de que todos nós, mulheres e homens, impregnamos seus campos, suas montanhas, seus vales, seus rios, impregnamos suas ruas, suas praças, suas fontes, suas casas, seus edifícios, deixando em tudo o selo de certo tempo, o estilo, o gosto de certa época. A cidade é cultura, criação, não só pelo que fazemos nela e dela, pelo que criamos nela e com ela, mas também é cultura pela própria mirada estética ou de espanto, gratuita, que lhe damos. A Cidade somos nós e nós somos a Cidade. (FREIRE, 2003b, p. 22-3).

Esta passagem foi uma das primeiras que nos inquietou do ponto de vista

teórico para a reflexão sobre a possibilidade de o espaço conter entre tantas

dimensões, uma que vem sendo sistematicamente negligenciada pelo pensamento

pedagógico tradicional, que é a dimensão educativa.

O aprofundamento na teoria freireana e o desenvolvimento de atividades

como educador popular em comunidades na periferia de Belém nos levaram ao

constante reencontro desta problemática. Isto porque passo-a-passo fomos

fortalecendo a impressão (e naquele momento era apenas impressão) de que o

desvelamento da realidade na perspectiva freireana parte eminentemente de uma

relação sócio-espacial e que, a partir daí, a materialidade do espaço e o conjunto de

relações que lhe atribui significado são um fio condutor privilegiado para a prática

educativa.

No entanto, esta impressão ainda não havia ganhado os contornos de um

objeto teórico que, mesmo sempre tendo me enfrentado, eu ainda não havia

17

decidido enfrentar. Foi no processo de aproximação do trabalho desenvolvido pelo

GETEPAR nas comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim que, de

fato, a impressão começou a tomar demarcações de objeto.

Durante a vivência dos cursos de licenciatura plena em pedagogia na UEPA e

de licenciatura e bacharelado em geografia na Universidade Federal do Pará (UFPA)

o contato com outras obras foram fortalecendo ainda mais a convicção de que este é

um campo imenso de possibilidades, entre as quais destaco os trabalhos de: Santos

(2008a; 2002), Gadotti; Padilha e Cabeduzo (2004), Caldart (2004b), Arroyo; Caldart

e Molina (2004); Gadotti (2008), Alves (2004) e Cavalcanti (2008) dentre tantos

outros incontáveis volumes, textos e debates.

A vivência nas comunidades de São Domingos do Capim como integrante do

GETEPAR-NEP a partir do ano de 2004 foi uma das experiências mais significativas

para o enfrentamento desta questão2. O fato dos povos do campo protagonizarem

relações sociais completamente diferentes das vivenciadas na cidade, tendo grande

ligação com o território e com a construção de um tempo social de marcas próprias,

além do fato destes sujeitos serem protagonistas de uma forma híbrida de

propriedade, que mescla elementos da propriedade privada e da propriedade

comunal, foram alguns dos elementos que nos levaram a escolher estas

comunidades como parceiras no processo de enfrentamento desta questão3.

Desta maneira, ao ingressarmos no Programa de Pós-Graduação em

Educação (PPGED) da UEPA em 2008 nos interrogamos se não havia chego a hora

de enfrentar decisivamente esta inquietação e analisar de forma integrada estes dois

elementos (espaço geográfico e educação) que geralmente são vistos como

elementos distantes tanto por geógrafo quanto por educadores.

O desenvolvimento do trabalho nos possibilitou entender a especificidade

desta relação em comunidades rurais-ribeirinhas da Amazônia paraense, que é a

formação sócio espacial que optamos para análise.

A tentativa de elucidação destas perguntas nos permitiu o desenvolvimento

de um percurso analítico que pretende aprofundar o debate sobre a dimensão

pedagógica do espaço geográfico em práticas de educação popular, debate este em

2 Sobre os critérios para a escolha das comunidades para participarem da pesquisa, a caracterização e o

trabalho educativo do GETEPAR-NEP, ver capítulo 4. 3 Os procedimentos metodológicos da pesquisa serão discutidos no capítulo 1.

18

que alguns dos elementos iniciais podem ser encontrados em Oliveira Neto (2007),

Oliveira Neto & Rodrigues (2008) e em Oliveira (2008) de maneira mais geral.

Tomamos como base a relação existente entre a produção e a utilização do

espaço geográfico e dos saberes sociais identificados no cotidiano dos sujeitos de

comunidades rurais-ribeirinhas no município de São Domingos do Capim, na

Amazônia paraense, com o processo educativo desenvolvido na perspectiva da

educação popular do campo nestas comunidades em turmas de alfabetização e pós-

alfabetização de jovens, adultos e idosos.

Esta análise só é possível, entre outras coisas, por dois motivos. O primeiro é

que há um ponto forte de encontro entre o espaço geográfico e a educação na vida

cotidiana dos sujeitos. Isto porque a produção e utilização do espaço jamais podem

ser vistas apenas como uma relação entre os seres humanos e objetos materiais. A

construção material do espaço supõe uma construção simbólica que é feita

paralelamente e é difundida socialmente. Esta construção simbólica situa-se no

campo dos saberes, dos imaginários, das representações sociais, dos sentimentos,

das frustrações e dos sonhos. É no campo dos saberes sociais que nos

encontramos para analisar esta relação, mesmo que sua fronteira com o imaginário

e a representação social seja frágil e difícil de definir.

O segundo ponto é que os saberes populares são construídos a partir de um

conjunto de teias que formam a personalidade dos indivíduos e que auxiliam na

construção dos sentidos que orientam as ações práticas dos sujeitos. Há no saber

popular uma lógica e uma episteme voltados para a realização prática do ser e que é

construída por um conjunto de relações, signos e significados, exigindo que estes

sejam estudados como uma totalidade, articulando reflexões sociológicas,

geográficas, históricas, econômicas e psicológicas, devendo a educação popular se

apropriar de todo esse material.

Assim, como esta multiplicidade de questões e elementos pôde ser construída

na forma de um objeto de estudo?

Buscamos desenvolver um percurso analítico onde se evidenciou a relação

entre o espaço geográfico e a educação popular do campo. No entanto, só entender

esta relação não foi suficiente. É trivial a ideia de que a construção do espaço é,

também, uma construção simbólica que, por si só, já é educativa.

Neste momento final, o texto do trabalho apresenta como primeiro elemento a

introdução. No capítulo 1 apresentamos a metodologia construída para o

19

desenvolvimento da pesquisa. Neste capítulo consta as bases epistemológicas e

procedimentos metodológicos nos quais nos baseamos e utilizamos para o

desenvolvimento da pesquisa e para a construção deste texto.

No capítulo 2 apresentamos alguns dos elementos da educação popular que

são assumidos pela educação do campo, evidenciando: a) a relação entre a

educação e o projeto nacional, mostrando como a educação é assumida como arena

política no processo de efetivação de projetos diferentes de nação e; b) as matrizes

teórico-metodológicas da educação popular presentes na educação do campo,

analisando principalmente as raízes filosóficas, as bases pedagógicas e a dimensão

política da educação.

No capítulo 3 apresentamos o processo de construção do movimento em

defesa da educação do campo no Brasil e no estado do Pará, levando em

consideração alguns de seus atores, movimentos, encontros e publicações que nos

permitem reconstruir parcialmente esta história. Buscamos apresentar, também,

algumas das mudanças que foram acontecendo desde os primeiros anos deste

movimento até os dias atuais, que nos permitem identificar alguns avanços no que

tange a garantia do direito à educação aos povos do campo.

No capítulo 4 apresentamos o trabalho em educação popular do campo

desenvolvido pelo GETEPAR-NEP em comunidades rurais-ribeirinhas de São

Domingos do Capim, no nordeste paraense. Para tanto, nos envolvemos em um

esforço de resgate de um pouco da história do NEP e do GETEPAR, além de

fazermos uma caracterização da situação sócio-espacial das comunidades em que

desenvolvemos a pesquisa.

No capítulo 5, analisamos a importância do território e do saber espacial como

elementos educativos nas turmas de educação popular do campo desenvolvidas

pelo NEP. Finalizamos com as considerações finais.

20

1. CAMINHOS METODOLÓGICOS

1.1. A opção pela abordagem histórico-dialética

Durante a construção da pesquisa buscamos construir nossas análises

tomando como referência a abordagem teórico-metodológica histórico-dialética para

entendermos a relação existente entre o processo histórico de construção do espaço

do ser humano e a forma como esse espaço concreto é representado pelos sujeitos,

adquirindo um papel privilegiado na construção do saber, podendo ser encarado,

então, a partir de uma função educativa.

Muito discutida atualmente, a dialética é quase uma constante nas

dissertações e teses nas ciências sociais e educação, seja como método ou como

objeto. No entanto, durante a pesquisa nos questionamos: qual é a origem deste

pensamento? Quais foram as transformações por que ela passou durante a sua

história? Em que momento ela se estabeleceu como método e se difundiu no

pensamento social? Quais são as possibilidades de análise que ela nos abre no

atual contexto histórico?

Etimologicamente, segundo Japiassú; Marcondes (2006, p. 73), a palavra

dialética deriva do latim dialectica, que tem sua origem na palavra grega dialektike,

que significa discussão.

Em sua origem, na Grécia, dialética era entendida como a arte do diálogo, ou

da discussão. No entanto, com Heráclito (aprox. 540-480 a.C.) a dialética passa a

significar o pensamento pelo qual a realidade é entendida de forma contraditória e

em permanente mudança. Segundo Andery, Micheletto; Sério (2007, p. 47), em

Heráclito, os fenômenos eram ao mesmo tempo uno e múltiplo “porque continham

em si opostos que se encontravam em perpétua tensão, em perpétua busca de

equilíbrio, em que, a cada momento, predominava um dos pólos dos contrários em

tensão”.

Durante a idade média, a dialética é pressionada por um pensamento

baseado na imutabilidade do ser e do real que, agora, tem em sua base teológica o

centro da explicação do universo, tirando do ser humano esta faculdade.

No século XVIII, após um conjunto de profundas mudanças sociais, Kant

(1724-1804) lança uma das pedras fundadoras para a concepção moderna de

dialética. Segundo Konder (2008, p. 20), para Kant “a consciência humana não se

21

limita a registrar passivamente impressões provenientes do mundo exterior, que ela

é sempre consciência de um ser que interfere ativamente na realidade”. Essa

apropriação que a consciência faz da realidade a partir das ações que o sujeito

estabelece com esta, faz com que a apropriação da realidade pela consciência não

se dê de forma pura e sim, entrelaçada por um conjunto de contradições.

Por sua vez, Hegel (1770-1831) retoma Kant e aprofunda a ideia da

contradição como elemento constitutivo da consciência. No entanto, em Hegel,

segundo Konder (2008, p. 22):

a contradição não era apenas uma dimensão essencial na consciência do sujeito do conhecimento, conforme Kant tinha concluído; era um princípio básico que não podia ser suprimido nem da consciência do sujeito nem da realidade objetiva.

A maneira como o sujeito se relaciona com a realidade é a partir da mediação

feita pelo trabalho, se tornando este um elemento constitutivo do próprio sujeito. É

pelo trabalho que há a possibilidade do sujeito vencer a resistência que existe no

objeto, imprimindo-lhe novas características.

A partir do desenvolvimento da categoria trabalho, Hegel formula a ideia de

superação dialética. Em sua origem, a ideia de superação dialética guarda estreita

relação com a ideia de suspensão que, por sua vez, segundo Konder (2008, p. 25)

possui três sentidos, onde:

o primeiro sentido é o de negar, anular, cancelar (...). O segundo sentido é o de erguer alguma coisa e mantê-la erguida para protegê-la (...). E o terceiro sentido é o de elevar a qualidade, promover a passagem de alguma coisa, para um plano superior, suspender de nível.

Assim, em Hegel, superação dialética possuía, ao mesmo tempo, a negação

ou anulação das características do objeto, a sua conservação e a passagem a um

estágio onde este objeto modificado, encontra-se em um estágio diferente,

notadamente superior.

Hegel analisava o trabalho a partir de uma visão idealista e o subordinava ao

que chamava de ideia absoluta. O trabalho, em Hegel, assume uma dimensão

unilateral, como trabalho intelectual, desvalorizando o trabalho físico, material, e sua

22

consequência na formação da consciência do sujeito e da estruturação da

sociedade, ideia desenvolvida posteriormente por Marx.

Quaini (1979, p. 32) analisando o tema e relacionando com a produção

espacial, afirma que em Hegel a dialética é vista

como método para instituir as correlações entre estruturas geográficas e

modos de vida dos povos. É assim importante ver como se coloca a

dialética hegeliana não apenas em relação a Kant, mas também em relação

a Marx. Em poucas palavras, a dialética de Hegel mostra, de um lado, sua

verdade lógica e metodológica (e portanto seu lado progressivo em relação

a Kant) enquanto unidade de opostos (ser-pensamento, liberdade-

necessidade e etc.) e, portanto, por aquilo que nos interessa aqui enquanto

unidade natureza e história, mas por outro lado, demonstra seu caráter

regressivo (mesmo em relação a Kant) e mistificador enquanto tal unidade é

unidade no pensamento, enquanto não é dialética do trabalho humano, na

relação concreta e histórica com a natureza (como em Marx) mas,

essencialmente, dialética do trabalho espiritual, da ideia.

No entanto, a dialética Hegeliana, mesmo tendo uma constituição muito

próxima da concepção de dialética desenvolvida posteriormente por Marx, é vista de

maneira diferente, como elemento mistificador das relações sociais. Em uma das

passagens em que trata de Hegel, Marx (2008b, p. 29) afirma que:

a mistificação por que passa a dialética nas mãos de Hegel não o impediu

de ser o primeiro a apresentar suas formas gerais de movimento, de

maneira ampla e consistente. É necessário pô-la de cabeça para cima, a fim

de descobrir a substância racional dentro do invólucro místico.

Marx e Engels (2008) operam, assim, uma inversão da lógica hegeliana,

propondo que as ideias sejam entendidas a partir das relações que os sujeitos

estabelecem com o mundo material e não o contrário, desarmando a ideia de

consciência absoluta desenvolvida por Hegel. Isso fica evidente quando Marx e

Engels (2008, p. 51) afirmam que:

são os homens os produtores de suas representações, de suas ideias, mas

os homens reais e atuantes, tal como são condicionados por um

determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e das relações a

eles correspondentes, até chegar as suas mais amplas formações. A

consciência nunca pode ser outra coisa que o ser consciente, e o ser dos

homens é o seu processo de vida real.

23

Neste sentido, Marx e Engels mostram claramente que haviam assumido a

categoria trabalho desenvolvida por Hegel, mas a utilizavam em outra dimensão. O

que importava para ambos era o trabalho material que permeava a construção da

realidade objetiva. Para os autores, é a partir da construção da realidade objetiva

que os sujeitos construíam as suas representações sobre o mundo, e não o

contrário, como afirmava Hegel.

Nessa perspectiva, a dialética passa a consolidar-se como o método de

análise que sustentará o pensamento marxiano e o pensamento marxista. Isto

porque Marx trabalhará com a visão de totalidade e entenderá a realidade como um

todo complexo e contraditório que só pode ser entendido a partir do entendimento do

processo (movimento) que foi responsável pela sua formação em seus movimentos

e contradições, e este processo se desenvolve claramente, para Marx (2008a,

2008b, 2000), de maneira dialética.

A análise da totalidade só pode ser desenvolvida pelo pensamento dialético

exercendo-se sobre o real devido à capacidade que este tem de superar o

pensamento mecânico, buscando entender os nexos constitutivos do real. Konder

(2008, p. 43-44), ao analisar a relação entre a totalidade e o pensamento dialético

afirma que:

para reconhecer as totalidades em que a realidade está efetivamente

articulada (em vez de inventar totalidades e tentar enquadrar nelas a

realidade), o pensamento dialético é obrigado a um paciente trabalho: é

obrigado a identificar com esforço, gradualmente, as contradições concretas

e as mediações específicas que constituem o tecido de cada totalidade, que

dão vida a cada totalidade

Marx, em uma das poucas passagens que usa para discutir a dialética e a

maneira ela está presente no seu método, utiliza-se de uma das críticas feitas ao O

Capital publicada em um periódico denominado “Mensageiro Europeu”, de São

Petersburgo em maio de 1872, crítica essa que o próprio Marx publicará no pós-

fácio de O Capital para tentar evidenciar o seu pensamento. Neste número do

periódico Russo um opositor de Marx ao construir sua crítica busca explicar como

funciona o método marxiano afirmando que:

para Marx, só uma coisa importa: descobrir a lei dos fenômenos que ele

pesquisa. Importa-lhe não apenas a lei que os rege, enquanto têm forma

definida e os liga relação observada em dado período histórico. O mais

24

importante de tudo, para ele, é a lei de sua transformação, de seu

desenvolvimento, isto é, a transição de uma forma para outra, de uma

ordem de relações para outra. Descoberta esta lei, investiga ele, em

pormenor, os efeitos pelos quais ela se manifesta na vida social. [...] Marx

observa o movimento social como um processo histórico-natural,

governados por leis independentes da vontade, da consciência e das

intenções dos seres humanos, e que, ao contrário, determinam a vontade, a

consciência e as intenções (...). Se o elemento consciente desempenha

papel tão subordinado na história da civilização, não pode ter por

fundamento as formas ou os produtos da consciência. O que lhe pode servir

de ponto de partida, não é a ideia, mas, exclusivamente, o fenômeno

externo. A inquirição crítica limitar-se-á a comparar, a confrontar um fato,

não com a ideia, mas com outro fato. (MARX, 2008b, p. 26-27)

E Marx (2008b, p. 28) reitera o escrito acima ao perguntar o “que faz o autor

[da crítica a Marx] senão caracterizar o método dialético?”. Nele está expresso,

como afirmará pouco mais adiante Marx, um dos elementos fundamentais de

separação da dialética Hegeliana, que desce do céu à terra, da Marxista, que vai da

terra à consciência.

Engels, segundo Konder (2008, p. 55), na tentativa de evitar que a dialética tal

como ele e Marx a concebiam, sofresse interpretações equivocadas, tenta definir a

origem ontológica do pensamento dialético e suas leis. A dialética humana só

poderia existir porque havia uma dialética também na natureza e o ser humano,

como parte da natureza, a absorveu.

Para sistematizar seu pensamento Engels, segundo Konder (2008, p. 56),

“concentrou, então, sua atenção no exame daquilo que ele chamou de dialética da

natureza”, a partir da qual Engels admitiu que suas características pudessem ser

divididas em três leis.

A primeira consta a passagem da quantidade à qualidade e vice-versa. Nesta

lei Engels afirma que os elementos de um fenômeno mudam quantitativamente e

qualitativamente, alterando suas características numéricas e qualitativas a todo

tempo.

A segunda é a lei de interpenetração dos contrários. Esta lei mostra que a

contradição é um elemento constituinte do objeto e não uma faculdade qualquer. É a

partir da tensão entre o ser e o não ser, entre o objeto e sua negação, que este

existe efetivamente. A subsunção de um dos contrários impede a existência do ser

ou do objeto.

25

A terceira é a lei da negação da negação. Nesta lei, Engels busca dar

racionalidade ao movimento dialético. A superação da afirmação pela negação não é

um movimento aleatório. A negação não prevalece por ter superado a afirmação

inicial. O movimento de contradição em que a afirmação é superada pela negação

gera um novo movimento de superação da negação pela negação da negação, que

se institui como síntese do movimento constitutivo do ser.

Quando Engels define as leis da dialética, por um lado, explicita as

características que ele e Marx acreditavam ser essenciais ao pensamento dialético.

No entanto, por outro lado, passa a ser criticado por fixar em leis a estrutura do

pensamento dialético, conferindo-lhe a imutabilidade típica do pensamento positivo

que a dialética se propôs a superar. No entanto, esta observação não tira a

fecundidade das suas contribuições ao pensamento dialético.

Ainda na tradição marxista, podemos encontrar outras contribuições, como de

Stálin, para o qual a dialética não possuía três leis, como afirmava Engels, e sim,

quatro traços fundamentais. O primeiro estava ligado à conexão universal e

interdependência dos fenômenos; o segundo afirma a existência do movimento, da

transformação, do desenvolvimento como elementos necessários à realidade; o

terceiro mostra a passagem de um estado qualitativo a outro sem que isto inviabilize

o ser e, por fim; o quarto afirma a luta dos contrários como elemento interno de

constituição do ser. Assim, o contrário é um elemento interno ao próprio ser e não

um elemento externo. Essa definição de Stálin dá a dialética uma menor

rigorosidade, mas, também, uma maior didaticidade.

A maneira como a dialética foi assumida pelo marxismo no que tange a

problemática espacial, o papel dos sujeitos na produção do seu espaço e de sua

consequente apropriação simbólica também foi marcada pela construção de

perspectivas diferentes. No caso brasileiro, podemos citar pelo menos três correntes

que influenciaram a construção das escolas de geografia no território nacional. Uma

é representada pela interpretação de Quaini. Outra pela interpretação de Soja. A

terceira, sem dúvida hegemônica, é representada pela interpretação de Santos, na

qual nos orientamos de maneira parcial.

a) Massimo Quaini e a relação entre dialética e a problemática espacial.

O geógrafo italiano Massimo Quaini ao analisar a relação entre o marxismo e a

problemática espacial constrói uma argumentação que leva em conta a maneira

26

como a geografia assumiu a dialética como orientação teórico-metodológica,

analisando principalmente as repercussões da dialética no pensamento geográfico.

Começa afirmando que a crise da geografia não pode ser entendida nem superada

pela disputa infrutífera que marcou os séculos XVIII e XIX que se centrava na

dualidade possibilismo versus o determinismo geográfico.

Isso fica evidente quando Quaini (1979, p 22) afirma que “a geografia revela

ainda hoje uma alma dualista: oscila, continua oscilando entre determinismo e

possibilismo, entre naturalismo e historicismo idealista, entre uma causalidade

materialista e um finalismo indeterminado”. Para o autor, a crise da geografia não foi

superada devido o debate em torno de suas raízes epistemológicas estarem

travados na polêmica em que se fundaram as duas principais correntes do

pensamento geográfico e os dualismos que consolidaram seus pressupostos.

A saída, então, deveria ser radical e romper com ambas vertentes. Para Quaini

(1979, p. 22-23):

a única saída para esta antinomia consiste em sair fora dela radicalmente mediante o materialismo histórico, enquanto teoria científica que supera a dissociação entre natureza e história, considerando simultaneamente a relação do homem com a natureza e a relação do homem com o homem.

Assim, Quaini admite que a única saída realmente inovadora para a geografia é

aceitar o marxismo como matriz teórica. A assunção do marxismo pela geografia no

pensamento de Quaini se deu pela transposição dos conceitos básicos do marxismo

para a geografia, atribuindo a esta, a função de analisar o desenvolvimento espacial

do capitalismo.

Quaini ressalta várias vezes a visão marxiana de que a única ciência

verdadeira é a história. No entanto, esta visão, apesar de parecer inicialmente um

desvio historicista, é justificada pela necessidade de defender o papel do ser

humano na construção social e alteração do real, sendo a visão de história marxiana

superior a disciplina moderna história, transcendendo os campos de conhecimento

modernos e se ligando pela dimensão ontológica do ser humano realizando-se

socialmente. Assim, como afirma Quaini (1979, p. 50):

não podemos, portanto pretender fechar, aprisionar o pensamento de Marx nestas categorias estreitas (economia, sociologia, geografia, antropologia), nem por outro lado podemos identificá-lo com o que se chama concepção interdisciplinar.

27

No que se refere à dialética e a geografia, algumas considerações sobre o

pensamento de Quaini merecem ser feitas. Em primeiro lugar, cabe ressaltar que

Quaini não trata especificamente da dialética e a problemática espacial. Sua

referência a dialética se faz quando discute a superação da dialética idealista de

Hegel pela dialética materialista marxiana. No entanto, como método, é presente na

estruturação do pensamento de Quaini a questão da dialética aplicada à

problemática espacial.

Entre as questões ressaltadas por Quaini, uma das principais diz respeito à

dominação do espaço geográfico como uma dominação que transcende a relação

entre sociedade e natureza. O processo de transformação da natureza em história é

um processo de dominação do ser humano sobre a própria natureza e que auxiliou a

dominação de uma classe sobre outra, a partir da inserção da tecnologia e da

ciência no território, o que gerou possibilidades de uma construção e utilização

desigual do espaço. Isso fica evidente quando o Quaini (1979, p. 48) afirma que:

esta paradoxal reviravolta da natureza em história e da história em natureza se realiza na sociedade capitalista, que enquanto amplia a esfera do domínio científico e tecnológico sobre as forças naturais cria uma natureza social ou uma sociedade natural que se opõe e domina os homens muito mais que a natureza natural dominava as próprias sociedades pré-capitalistas.

Dentre alguns dos temas do marxismo clássico que devem ser desenvolvidos

para auxiliar na análise, Quaini cita o fetichismo da mercadoria, a alienação, análise

da relação natureza-história nas sociedades pré-capitalistas e capitalistas, o

comunismo como elemento de superação da dicotomia estabelecida entre a

natureza e a história e do ponto de vista metodológico a superação da visão

dicotômica entre ciências da natureza e de ciências sociais, baseadas em uma visão

neo-kantiana.

Nestas passagens, podemos perceber três elementos importantes do

pensamento de Quaini. O primeiro está relacionado ao método utilizado, o segundo

está relacionado a alguns dos temas que devem ser desenvolvidos para a análise da

problemática espacial no sistema capitalista e a terceira ligada a própria função da

geografia.

28

No que se refere ao método em Quaini, especialmente na utilização da

dialética, o autor nos mostra como há um movimento intrínseco à ideia de espaço.

Este movimento está ligado à transformação operada pelo ser humano sobre a

natureza transformando-a a partir da história, como sua negação constituinte da

formação do ser espacial. A natureza, assim, não é a natureza empírica, abstrata,

mas sim, a natureza envolvida na práxis humana, envolvida e formatada por sua

própria negação. Movimento este contraditório e que produz efeitos inesperados,

sendo o espaço sempre uma síntese de inúmeras determinações históricas e

naturais e que tem diversas finalidades sociais.

Em relação aos temas enumerados por Quaini, podemos perceber que o

desenvolvimento da temática espacial está ligado como reflexo do entendimento de

como se deu o desenvolvimento e a consolidação do capitalismo como sistema

hegemônico. Ao entrelaçar a geografia com este tema do marxismo clássico, mesmo

não restringindo apenas a estes, Quaini demonstra sua visão de como a geografia

deve relacionar-se com o marxismo. O marxismo oferece as bases gerais de análise

sobre a sociedade e a geografia, a partir de sua fração, analisa com o arcabouço

marxista o seu objeto específico, parecendo haver uma via única de oxigenação do

pensamento. Parece-nos que para Quaini a geografia adentra o pensamento crítico

analisando a temática espacial, mas parece não ter desenvolvido o seu arsenal

categorial de maneira suficientemente sólida para poder interferir no

desenvolvimento do marxismo.

O terceiro elemento que propomos para debate é a função que Quaini pretende

atribuir à geografia. Neste ponto nos é cara a visão de Moreira (1994, p. 12) que

afirma que “a história da geografia, como a história do pensamento em geral, está

contida na história de como os homens fazem sua história”. Nesse ponto de vista,

Quaini, inserido no movimento socialista propõe que a geografia tenha um caráter

profundamente marcado pelo corte de classe e sirva como elemento de

desolcutação da forma como o capitalismo estrutura o espaço para o seu próprio

desenvolvimento. Assim, resgata a idéia de uma geografia definitivamente

comprometida com a classe trabalhadora e que sirva para instrumentar a revolução

socialista.

Em Edward Soja, geógrafo americano que compõe a tradição marxista, o

caminho é bastante diferente, tanto do ponto de vista da forma como este vê a

influência do marxismo sobre a geografia quanto às conclusões de seu pensamento,

29

mostrando um caminho que vem sendo trilhado de maneira alternativa pelos

geógrafos marxistas e desenvolvendo os conceitos de “materialismo histórico-

geográfico” e de “dialética sócio-espacial”.

b) Soja e a dialética sócio-espacial

O autor busca analisar o papel dado à geografia na teoria social crítica durante

os séculos XIX e XX e sua relação com o marxismo do ponto de vista do método,

das categorias e das teorias produzidas assim como o quanto a geografia

influenciou o marxismo e o quanto o marxismo influenciou a geografia, ressaltando

suas repercussões. Assim, Soja (1993, p. 17) afirma que “a obsessão do século XIX

com a história, como Foucault a descreveu, não morreu no fin de siècle. Tampouco

foi substituída por uma especialização do pensamento e da experiência”.

Para Soja, este é um elemento de extrema importância porque a geografia teria

se comportado no século XIX e no século XX de maneira ingênua em relação ao

marxismo. Isto porque havia no marxismo, notadamente o ocidental, um predomínio

da história e do tempo como elemento explicativo em detrimento da geografia e do

espaço, constituindo-se no que seria uma espécie de historicismo. Para Soja (1993,

p. 23) o historicismo seria:

uma contextualização histórica hiperdesenvolvida da vida social e da teoria social, que obscurece e periferializa ativamente a imaginação geográfica ou espacial. Essa definição não nega o poder e a importância da historiografia como modalidade de discernimento emancipatório, mas identifica o historicismo com a criação de um silencio crítico, com uma subordinação implícita do espaço ao tempo.

Soja, no entanto, foge de uma dicotomização improdutiva entre o tempo e o

espaço e afirma que o historicismo só pode ser superado por uma operação

realizada dentro dos próprios limites do marxismo e que ela não poderá ser operada

por quem optar por anular o tempo pondo em relevância apenas o espaço. Isso fica

explícito quando Soja (1993, p. 19) afirma que:

em resposta, os intrusos decididos tendem, muitas vezes, a enfatizar demais suas colocações, criando uma alma contraproducente de anti-história e exagerando inflexivelmente o privilégio crítico da espacialidade contemporânea, isolada de uma abrangência temporal que é cada vez mais silenciada.

30

A superação do historicismo é o principal elemento para a superação do

período moderno para o pensamento crítico. Sua dimensão “pós-moderna” reside na

superação da separação infrutífera do ser, do tempo e do espaço e na quebra do

isolamento protagonizando pelos geógrafos em relação aos outros campos do saber

científico.

Esta ligação entre o ser, o tempo e o espaço é a matriz ontológica do ser-no-

mundo. Sendo assim, para o autor, a instituição da “pós-modernidade” no

pensamento crítico é caracterizada pela reconfiguração do pensamento marxista a

partir do reconhecimento da espacialização do ser junto a sua temporalização no

processo de devir social, reconstruindo a capacidade explicativa da teoria crítica. Em

outras palavras, Soja (1993, p. 35) afirma que:

o modo como esse nexo ontológico de espaço-tempo-ser é conceitualmente especificado e recebe um sentido particular na explicação dos eventos e ocorrências concretas é a fonte geradora de todas as teorias sociais, sejam elas críticas ou outras.

É neste contexto que podemos perceber o desenvolvimento do método

dialético no pensamento de Soja. Cabe a ressalva de que, diferente de Quaini, Soja

propõe um caminho muito mais profunda. Enquanto o primeiro se limita a falar da

importância do marxismo para a superação do embate epistemológico entre o

possibilismo e o determinismo e suas repercussões para a formação da geografia

moderna, o segundo propõe que a geografia renovada seja um ponto de apoio para

a reformulação da teoria crítica, notadamente de base marxista. Essa formulação é

superior em profundidade e em complexidade em relação à proposta de Quaini,

buscando alterar as bases da teoria que serviu de eixo estruturante da geografia

moderna.

Assim, Soja (1993, p. 72) protagoniza “uma inversão provocadora”, propondo

alterar as bases do marxismo a partir das contribuições da geografia, superando

certo historicismo que foi predominante no marxismo durante os séculos XIX e XX.

As bases para que ele faça esta formulação encontram-se, especialmente, na

geografia francesa onde se destaca Lefebvre pelo movimento de crítica feito a

fenomenologia existencial e ao estruturalismo althuseriano, resgatando destes os

elementos capazes de renovar o marxismo. Isto porque, segundo Soja (1993, p. 63):

31

nos últimos trinta anos, Lefebvre recorreu seletivamente a esses movimentos, numa tentativa insistente de recontextualizar o marxismo na teoria e na práxis; e é nessa recontextualização que podemos descobrir muitas das fontes imediatas de uma interpretação materialista da espacialidade e, por conseguinte, do desenvolvimento da geografia marxista e do materialismo histórico-geográfico.

Definida as bases para sua formulação, Soja (1993, p. 73) encontra na tese de

que “a organização do espaço não era apenas um produto social, mas,

simultaneamente, repercutia na moldagem das relações sociais” o principal eixo

teórico de sobrevivência da tentativa de espacializar o marxismo. Esta afirmação é

de tal forma sólida que é capaz de superar a visão predominante até então de que a

construção do espaço é apenas um produto derivado do desenvolvimento do

sistema produtivo, sem força explicativa própria que justificasse a construção de um

campo próprio na teoria crítica.

No movimento de renovação do marxismo a partir das contribuições da

problemática espacial, mais do que um simples reflexo das ações humanas, o

espaço é um elemento condicionador do ser que se desenvolve historicamente,

sendo ao mesmo tempo produto e meio de realização da sociedade. Se olharmos de

maneira mais profunda, perceberemos o quanto esta afirmação é importante. A

problemática espacial deixa de ser reflexa e passa a ser um elemento inerente à

construção social. Deixa de haver um materialismo histórico que explica questões

geográficas e lançam-se as bases para a construção do materialismo histórico-

geográfico.

Essa mudança qualitativa na forma de relação da geografia com os outros

campos teóricos da teoria crítica atribuiu um caráter atual à geografia e ao

marxismo, renovando o seu poder de análise em um período onde a problemática

espacial parece não poder ser entendida sem a problemática temporal em qualquer

esforço analítico.

A formulação de um materialismo histórico-geográfico impõe a Soja o

desenvolvimento de um método que lhe permita sistematizar a profundeza de suas

colocações. A saída foi o desenvolvimento da dialética sócio-espacial. Esta dialética

permite a superação da teorização vazia de cunho causal que estabelecia um jogo

categórico para sustentar suas afirmações. O desenvolvimento da dialética sócio-

espacial está ligado ao reconhecimento de que há um constante processo de

32

unidade, contradição e oposição entre o espaço e a sociedade. Um como

constituinte do outro mesmo que sociedade e espaço sejam coisas ontologicamente

diferentes, constituídas a partir de realidades próprias. No entanto, um não tendo

existência independente do outro. Enfatizando as relações de produção gerais, Soja

(1993, p. 99) afirma que:

a estrutura do espaço organizado não é uma estrutura separada, com suas leis autônomas de construção e transformação, nem tampouco é simplesmente uma expressão da estrutura de classes que emerge das relações sociais (e, por isso, a - espaciais?) de produção. Ela representa, ao contrário, um componente dialeticamente definido das relações de produção gerais, relações estas que são simultaneamente sociais e espaciais.

Esta relação dialética entre sociedade e natureza, segundo Soja, está presente

no marxismo desde as primeiras contribuições de Marx & Engels, diferente do que

afirma Quaini, que via um ensaio da problemática espacial em Marx & Engels

apenas quando tratavam das questões naturais e suas relações com o

desenvolvimento do capitalismo, na relação entre natureza e segunda natureza e na

transformação do território em mercadoria.

Soja, por sua vez, afirma que há embriões desta relação quando os autores

falam de temas como a antítese entre campo e cidade, a divisão territorial do

trabalho, a transferência setorial de excedente, a renda da terra e da dialética da

natureza, entre outros. No entanto, coloca a culpa na tradição marxista pelo

subdesenvolvimento destes temas quando afirma que “cem anos de marxismo não

foram suficientes para desenvolver a lógica e o alcance destes discernimentos”

(SOJA, 1993, p. 100).

Este movimento seria a base da geografia “pós-moderna”. Neste momento,

cabe uma consideração importantíssima para o entendimento do pensamento de

Soja: esta pós-modernidade definida por Soja não corresponde a superação das

bases da racionalidade moderna como propõem outros autores quando discutem

“pós-modernidade” e sim, a superação do historicismo e reafirmação do espaço na

teoria social crítica.

Para Soja (1993) há três correntes em que podemos perceber esta superação

do historicismo. Uma é protagonizada pelo desenvolvimento do pensamento de

Lefebvre que busca reequilibrar a relação entre a história, geografia e sociedade.

33

Este movimento funda-se numa reformulação fundamental da natureza e do ser

social.

A segunda, ligada à economia política, busca nas análises do mundo material

reencontrar as bases do desenvolvimento da quarta modernização capitalista, que é

de caráter eminentemente sócio-espacial e que tem na geografia um de seus

principais eixos de desenvolvimento.

A terceira é notadamente de caráter cultural e está ligada a uma “modificação

do sentido vivencial da modernidade, de uma nova cultura pós-moderna do tempo e

do espaço” (SOJA, 1993, P. 79). Esta modificação tem repercussões em diversos

campos do saber como a arte, a filosofia, a ciência e a política, superando os

elementos típicos do fordismo e do estruturalismo.

c) Santos: a geografia nova e a dialética

Santos propõe um caminho analítico mais longo que os dois autores

precedentes. Se fossemos buscar um ponto de onde começar a desvendar a

dialética no pensamento do autor, talvez esse pudesse ser localizado na proposta de

construção de uma geografia nova.

Isto porque, para o autor, existem, basicamente, dois movimentos que as

disciplinas devem estar atentas para a renovação de seu quadro analítico. O

primeiro é quando a uma mudança significativa no movimento da sociedade,

alterando profundamente a maneira como os seres se relacionam entre si. O

segundo é quando as interpretações dos fatos o do modo de existir dos seres

humanos conhecem uma importante alteração. No atual período, vivemos as duas

transformações. Segundo Santos (2008b, p. 18):

estamos longe da elaboração de um sistema ou, em outras palavras, apenas algumas categorias são analisadas segundo um paradigma novo, enquanto outros continuam a ser estudadas sob o influxo de uma construção teórica já ultrapassada. O resultado, neste caso, é a impossibilidade de uma análise coerente. A geografia se encontra nesta situação.

Neste sentido, Santos lança-se em um projeto ambicioso. Buscando as origens

do pensamento geográfico, propõe uma renovação do pensamento geográfico a

partir da instituição de uma geografia crítica propondo, paralelamente, uma teoria e

uma epistemologia para a geografia, ou seja, segundo Santos (2008b, p. 23-24), a

34

“ambição é fornecer, ao mesmo tempo, a explicação da realidade espacial e os

instrumentos para a sua análise”.

Santos parte de uma forte influência marxista para a proposição da renovação

da geografia crítica. No entanto, esta influência é seletiva. Há uma clara aceitação

das análises e categorias do marxismo que, quando transpostas à geografia,

passam por um crivo analítico. Um dos principais exemplos é a apropriação que

Santos (2005) faz do conceito de Formação Econômico Social (FES) desenvolvida

por Marx e que recebe uma releitura por Santos, se transformado em Formação

Sócio-espacial.

Isso não quer dizer que a categoria FES, produzida pelo marxismo, tenha sido

totalmente invalidada. Muito pelo contrario. Santos (2005, p. 22) ressalva que:

se a geografia pretende interpretar o espaço humano como o fato histórico que ele é, somente a história da sociedade mundial aliada à sociedade local pode servir como fundamento da compreensão da realidade espacial e permitir a sua transformação a serviço do homem. Pois a história não se escreve fora do espaço e não há sociedade a-espacial. O espaço, ele mesmo, é social. Daí a categoria Formação Econômica e Social parecer-nos a mais adequada para auxiliar a formação de uma teoria válida sobre o espaço.

Essa ligação entre o espaço e a sociedade, no entanto, mostra que é

impossível pensar uma categoria de tal importância que não traga o espaço como

elemento de análise já que não é possível pensar a sociedade realizando-se sem

uma base material que seja, ao mesmo tempo, produto e condicionante do fazer

humano. É sobre a base territorial que o modo de produção também se torna

concreto, palpável aos sujeitos e consegue realizar a produção e a circulação do

capital. É pelo espaço que o modo de produção é escrito e interpretado pelos

sujeitos.

Assim, segundo Santos (2005, p. 22), “trata-se, de fato, de uma categoria de

Formação Econômica, Social e Espacial mais do que de uma simples Formação

Econômica e Social, tal qual foi interpretada até hoje”.

Deste ponto, podemos perceber uma primeira característica do método

dialético no pensamento de Santos. A identificação de que o espaço só pode ser

analisado a partir da relação complementar e contraditória entre a história da

sociedade mundial e entre a sociedade local. Esta história poderia ser interpretada

35

pela relação entre continuidades e descontinuidades entre o modo de produção

dominante a as FES que constroem cada sociedade.

Não há, no pensamento de Santos, uma determinação do global para o local

nem uma existência isolada, nos dias atuais, de qualquer fração do espaço que não

seja síntese de um conjunto de relações que extrapola a sua dimensão imediata.

Isto fica evidente quando, em outra passagem, Santos (2005, p. 33) afirma que:

o espaço reproduz a totalidade social na medida em que essas transformações são determinadas por necessidades sociais, econômicas e políticas. Assim, o espaço reproduz-se, ele mesmo, no interior da totalidade, quando evolui em função do modo de produção e de seus momentos sucessivos.

Podemos perceber que para Santos a relação entre o global e o local, que

nesta relação é expressa entre a relação entre o espaço e o modo de produção

parece não ser nem sincrônica nem diacrônica, mas antes, as duas coisas. É a partir

de uma simbiose onde o espaço resiste ao mesmo tempo em que aceita a sua

transformação pelo modo de produção que ele é formado. Isto tudo porque ele é a

temporalização desigual da sociedade realizando-se sobre outros tempos

cristalizados.

Outra categoria importante para entender a dialética no pensamento do autor é

a categoria totalidade que já aparece na passagem anterior. Para Santos (2008a, p.

113) “a questão da totalidade tem sido enfrentada pela geografia de maneira tímida”.

Em outra passagem mais adiante, Santos (2008a, p. 115) afirma que atualmente

“não foi tirado todo o proveito da noção de totalidade como categoria analítica capaz

de ajudar a construir uma teoria e uma epistemologia do espaço geográfico”. No

entanto, o que o autor entende por totalidade?

Para esta questão, é importante diferenciar como o autor define a totalidade do

ponto de vista estruturalista e funcionalista, até chegar a uma aproximação do que

ele entende por totalidade.

Para os funcionalistas, a totalidade é percebida por uma forma de análise

adicional, onde o todo é reconstruído pela soma das partes. Para os estruturalistas,

a crítica é outra. Segundo Santos (2007b, p. 56) “os estruturalistas dizem trabalhar

com a categoria totalidade, mas, para eles, a estrutura tem um papel

preestabelecido, definido a priori, que torna a totalidade praticamente imóvel”,

36

estabelecendo o movimento da totalidade como elemento sincrônico e que só

permite a reprodução das determinações da estrutura.

A maneira como o autor vê a totalidade é outra. Para Santos (2007b, p. 57) “a

totalidade, que supõe um movimento comum da estrutura, da função e da forma, é

dialética e concreta”. Algumas de suas características são: o fato da totalidade não

ser fixa; a diferenciação qualitativa e quantitativa de seus elementos; sua evolução

diacrônica e o estabelecimento do valor relativo de suas variáveis, estando o valor

absoluto apenas no seu movimento totalizante, entre outras.

Agora, voltemos à relação entre totalidade e espaço. Em outro período o autor

explicita várias das características citadas anteriormente quando discute a relação

entre espaço e a totalidade, usando, notadamente, o método dialético. Para ele, “os

movimentos da totalidade social modificando as relações entre os componentes da

sociedade, alteram os processos, incitam novas funções. Do mesmo modo, as

formas geográficas se alteram ou mudam de valor; e o espaço se modifica para

atender às transformações da sociedade” (SANTOS, 2007b, p. 55).

Neste período, fica evidente o movimento que é intrínseco a totalidade e a

maneira como este mesmo movimento se transforma em uma das marcas do

espaço. Outra característica é que a mudança não é apenas quantitativa, mas

também qualitativa, quando iniciam novas funções baseadas nas necessidades

pautadas pela estrutura na forma, que pode ou não se manter. A relação entre

estrutura, forma e função também é marcante no período. Dessa forma, não há uma

determinação unilateral entre qualquer um dos elementos em relação aos outros.

Estes elementos alteram-se mutuamente.

A relação entre o todo e as partes é entendida de maneira dinâmica, onde há

uma relação mútua. No entanto, a inteligibilidade do processo encontra-se no todo e

não nas partes. Isto porque, segundo Santos (2008a, p. 120):

o todo somente pode ser conhecido através do conhecimento das partes e as partes somente podem ser conhecidas através do conhecimento do todo. Essas duas verdades são, porém, parciais. Para alcançar a verdade total, é necessário reconhecer o movimento conjunto do todo e das partes, através do processo de totalização.

Cabe a ressalva que Santos admite para as noções de totalidade e totalização

o sentido desenvolvido por Sartre, para quem a ultima é o processo que forma e

renova a todo tempo a totalidade, que, por sua vez, é a fase final do processo,

37

quando ele conclui a totalização até ser superado por uma nova totalidade. Em

outras palavras, Santos (2008a, p. 119) afirma que:

devemos distinguir totalidade produzida e totalidade em produção, mas as duas convivem, no mesmo momento e nos mesmos lugares. Para a análise geográfica, essa convergência e essa distinção são fundamentais ao encontro de um método.

O movimento da totalidade permite perceber que em um primeiro momento ela

apresenta-se como integral e em um segundo momento, diferencial. “enquanto

integral, a totalidade é vista como algo uno e, freqüentemente, em abstrato.

Enquanto diferencial, ela é apreciada em suas manifestações particulares de forma,

de função, de valor, de relação, isto é, em concreto” (SANTOS, 2008a, p. 122).

Neste ponto, começamos a perceber a materialização da visão teórica e do

método dialético nas análises de Santos. Qual é a maneira como devemos proceder

em nossas análises para que este movimento possa ser aprendido? Como ele se

manifesta na realidade concreta?

Para responder a estas questões, Santos (2008a, p. 115) parte da premissa de

que “a totalidade não é uma simples soma das partes. As partes que formam a

totalidade não bastam para explicá-la. Ao contrário, é a Totalidade que explica as

partes”. O caminho metodológico para entendê-la seria partir da relação entre a

totalidade diferencial, ou seja, como a totalidade se manifesta em suas diversas

formas, e as partes em uma relação contínua de idas e vindas. Para isso, é

necessário analisar, também, o processo de totalização.

Do ponto de vista do espaço geográfico, seria necessário analisar a “totalidade

concreta como ela se apresenta neste período de globalização – uma totalidade

empírica – para examinar a relação efetiva entre a totalidade-Mundo e os Lugares”

(SANTOS, 2008a, p. 115). A totalização pode ser entendida como a realização

concreta da Formação Sócio-Espacial.

Espantando qualquer leitura economicista que possa ser construída sobre o

seu pensamento quando discute a relação entre a totalidade e o espaço, Santos

(2008b, p. 217-218) afirma que “a força motriz é a totalidade social que se encaixa

em uma adequação dinâmica às condições preexistentes através de uma variedade

de processos políticos, econômicos, culturais, ideológicos e etc.”.

38

Assim, podemos perceber o percurso teórico metodológico traçado por Santos

e o como a dialética se apresenta em sua interpretação da realidade espacial como

um dos elementos da totalidade concreta.

Neste sentido, buscamos construir uma interpretação baseada na dialética

materialista e encaramos a problemática espacial com referência de base

principalmente Santiana. A escolha pelo materialismo histórico-dialético como

abordagem teórica elegida para o estudo se dá pela necessidade latente de

entendermos como o território, através da efetivação da contradição do uso local e

condicionamentos globais são construídos e a partir de uma relação, também, de

significação, na qual os tempos e os saberes sociais cotidianos tomam uma

dimensão objetiva.

O materialismo histórico dialético se apresenta como alternativa, pois nos

permite entender como que a contradição entre estes dois elementos (a produção

capitalista do espaço e a produção local do espaço vivido) gera um território de

disputas que frustra tanto a integralidade das expectativas dos sujeitos locais, já que

não é o espaço pretendido por eles, como frustra a produção capitalista do espaço,

gerando uma síntese rebelde.

O materialismo histórico-dialético baseado em polos contraditórios e

complementares cuja relação estabelece a síntese, de modo em que o processo é

ininterrupto, histórico e fundamental ao entendimento do resultado que é sempre

parcial e impossível de ser entendido em sua complexidade, ou, como diria

Sant’Anna (2OO5, p: 21):

os dois princípios que entram em contradição não se excluem um ao outro como no paradigma dualista, mas da contradição há uma complementação recíproca de um para com o outro, de modo que a tese a antítese gerem uma síntese.

É a partir desta perspectiva que procuramos construir nossas análises e,

tomando como referência o seu arcabouço, procuramos entender os elementos

responsáveis pela estruturação concreta da realidade das comunidades rurais-

ribeirinhas que lutam no seu dia-a-dia para garantir a sua vivência e que, sem saber,

fazem desta luta um elemento muito maior de questionamento da ordem social que

hoje é hegemônica.

39

1.2. Estratégias metodológicas

Como locus de estudo optamos por três comunidades ribeirinhas localizadas

no espaço agrário do município de São Domingos do Capim (SDC), no Estado do

Pará, que são: comunidade do São Bento; Comunidade São José do S e;

comunidade Jesus por Nós. Algumas destas comunidades apresentam turmas de

educação popular assistidas pelo NEP desde o ano de 2002. Nelas prevalecem a

temporalidade e o imaginário ribeirinho (resguardadas as grandes diferenças que

marcam as três comunidades) e foram escolhidas por que nelas o NEP desenvolveu

ou ficou prestes a desenvolver turmas de alfabetização de adultos no ano de 2009.

Soma-se a isto o fato de que em duas destas comunidades termos

desenvolvido a pesquisa “Saberes, Imaginários e Representações Sociais

Cotidianos de Jovens, Adultos e Idosos em Comunidades Rurais-Ribeirinhas do

Município de São Domingos do Capim”4 pelo NEP no ano de 2004 e o

desenvolvimento do Trabalho de Conclusão do Curso de Licenciatura Plena em

Pedagogia da UEPA no ano de 20075.

A especificidade do locus de investigação dá-se, ainda, pela possibilidade de

análise de como um espaço impar pela diversidade biológica e cultural, que se

constitui como periferia técnica de um país subdesenvolvido e que sofre influência

do mundo hegemônico, e como isso pode servir de um ponto de apoio à

emancipação da população amazônica a partir da construção que fazem do seu

espaço próprio e da utilização do seu tempo, resignificando socialmente a relação

espaço-tempo na comunidade como elementos de socialização.

Estas comunidades têm como características uma relação de trabalho

notadamente construída a partir de elementos não capitalistas, como a cooperação

e compadrio, sendo que a principal atividade desenvolvida é o cultivo da mandioca e

a produção de farinha. As condições infraestruturais, em geral, são precárias. A

energia, quando há, é gerada por motores movidos a diesel e o combustível é de

responsabilidade da comunidade. Há carência de espaços adequados para o

desenvolvimento de atividades educativas. A água, geralmente, é recolhida

diretamente de poços artesianos de profundidade rasa ou direto dos igarapés que se

localizam na comunidade, sendo tratada com hipoclorito para o consumo. Uma

4 Sobre os resultados desta pesquisa ver OLIVEIRA, 2008a.

5 Sobre os resultados deste trabalho ver OLIVEIRA NETO, 2007.

40

melhor caracterização destas comunidades pode ser encontrada no capítulo 4 deste

trabalho.

No total da pesquisa, foram realizadas 11 entrevistas. A utilização das

entrevistas se deu pela tentativa de reconhecer a importância das falas dos sujeitos

no desvelamento da dinâmica sócio-espacial e pedagógica nas comunidades. A

opção pela definição dos sujeitos como fonte de informações faz-se necessária

porque, segundo Chizzotti (2009, p. 17), “o testemunho oral das pessoas presentes

em eventos, suas percepções e análises podem esclarecer muitos aspectos

ignorados e indicar fatos inexplorados do problema”.

A escolha dos sujeitos foi distribuída da seguinte forma:

a) 03 educandos que participam ou que tenham participado das turmas de

educação popular da comunidade, sendo um 01 educando de cada

comunidade. Tiveram prioridade os educandos que participam a mais

tempo das turmas. Os três sujeitos são moradores de suas comunidades

a mais de 15 anos e possuem mais de 50 anos de idade, ainda estando

ativos no processo de produção da farinha de mandioca. Ambos moram

no “centro” da comunidade e dois são do sexo masculino e uma é do

sexo feminino. Das três comunidades onde residem os sujeitos, em duas

tivemos trabalho efetivo em 2009 e em outra a turma foi cadastrada para

receber o auxílio financeiro do Movimento Nacional de Alfabetização

(MOVA), mas não iniciou;

b) 02 educadores, sendo um de cada comunidade que estava

desenvolvendo trabalhos nas turmas de educação popular em 2009. Um

é do sexo masculino e outra do sexo feminino. Ambos participam a mais

de um ano das atividades do NEP (tomando como referência o ano de

2009). O tempo de vivência e a relação com a comunidade é

diferenciada. Em um caso, temos uma residente na comunidade, sendo

que mora no local a mais de 08 anos e, em outro caso, temos um

professor visitante, sendo que ele passa a semana na comunidade e no

final de semana segue para a sua residência ou para SDC. No que

tange a formação acadêmica, uma possui ensino médio completo e o

outro é graduando em pedagogia em uma faculdade particular que

funciona com aulas quinzenais aos domingos na sede do município;

41

c) 04 integrantes do NEP responsáveis por assessorar o trabalho

educativo, sendo que 02 fazem parte do grupo de Belém e 02

desenvolveram atividades de coordenação dos trabalhos de educação

de jovens e adultos no município, ficando responsáveis pelas turmas em

que o trabalho é desenvolvido pelo GETEPAR-NEP e por turmas onde o

trabalho é desenvolvido por outros grupos. Ambos integrantes do grupo

de Belém possui pós-graduação stritu sensu e das integrantes do

município uma é graduanda e a outra possui ensino médio completo.

Ambas exercem atividades remuneradas além da função de

coordenação local das turmas, onde recebem uma pequena ajuda de

custo do MOVA, no valor de R$ 300,00. Já os integrantes de Belém

atualmente exercem atividades de docência em nível superior. O

membro mais antigo deste grupo iniciou suas atividades no núcleo em

2001 e o mais recente em 2003.

d) 01 coordenadora geral do NEP, que exerce a docência no ensino

superior em nível lato e stritu senso.

Além destes sujeitos, foi realizada uma entrevista onde participaram, ao

mesmo tempo, diversos sujeitos. Esta entrevista foi realizada na reunião da

associação da comunidade “Jesus por Nós” e contou com a participação de 16

integrantes da comunidade, onde, aproximadamente, 08 se expressaram

verbalmente durante a entrevista. Por questões éticas, todos os nomes foram

substituídos por nomes fictícios para preservar a identidade dos sujeitos.

Além das entrevistas, tomamos como referência para a análise a rede

temática construída para subsidiar a prática educativa nas comunidades ribeirinhas

de São Domingos. (Anexo I)

Como método de pesquisa, buscamos construir uma pesquisa de campo de

abordagem qualitativa do tipo pesquisa participante, fato que foi comprometido pelas

dificuldades que tivemos para acompanhar mais proximamente as atividades das

comunidades. A opção pela pesquisa qualitativa deu-se por considerar que, mesmo

sendo a pesquisa qualitativa uma designação genérica e que abriga correntes

metodológicas extremamente diversas, ela se fundamenta na ideia de que há “uma

relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o

sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade

42

do sujeito” (CHIZZOTTI, 2008, p. 79), sendo viável para a compreensão do problema

enunciado.

Buscamos construir a pesquisa participante pelo fato de que corroboramos

com Brandão (1984, p. 86) para quem, “a pesquisa participante de hoje é a junção

da observação participante, que representa a convivência e a participação da

pesquisa, e a sua dimensão política”, admitindo também pensar pesquisa

participante sob essa óptica constitui um pensamento engajado com as classes

populares e com a transformação política da sociedade. Esta visão da pesquisa

participante se articula com o materialismo histórico-dialético, entre outras coisas,

pelo fato de que, segundo Frigotto (2008 p. 81):

no processo dialético de conhecimento da realidade, o que importa fundamentalmente não é a crítica pela crítica, o conhecimento pelo conhecimento, mas a crítica e o conhecimento crítico para uma prática que altere e transforme a realidade anterior no plano do conhecimento e no plano histórico social.

Além do pressuposto político enunciado nos trechos acima, a pesquisa

participante apresenta outros princípios que a caracterizam e dão a esta

metodologia de pesquisa um caráter impar. O primeiro deles é a possibilidade do

reconhecimento do outro na relação que se estabelece na pesquisa, já que

possibilita formas de interação entre o pesquisador e o sujeito, permitindo uma

abordagem pessoal e abrindo fontes de informação que outras metodologias não

tornariam possível.

O segundo, é que a pesquisa participante não é um método objetivo do

trabalho científico que determina a priori a qualidade da relação entre os sujeitos da

pesquisa. O seu desenvolvimento está condicionado pela realidade concreta. Está

relacionada com a intenção premeditada de uma aproximação ou evidência

realizada de uma relação pessoal e política que sugere a escolha dos modos

concretos da realização do trabalho e do pensar à pesquisa.

O terceiro elemento importante é que o objeto da pesquisa não se constitui

em algo que antecipadamente se encontra em seu estado final. A lógica, a técnica e

a estratégia de uma pesquisa de campo dependem tanto dos pressupostos teóricos,

quanto da maneira como o pesquisador se coloca na pesquisa e a partir dela

constitui simbolicamente o outro que investiga.

43

Durante a pesquisa de campo, utilizamos entrevistas semi-estruturadas6, e

buscamos registrar as práticas sociais cotidianas desenvolvidas pelos diversos

sujeitos das comunidades, por meio de fotografias.

As entrevistas foram realizadas nos mais diversos locais (em casas, escolas,

na beira do igarapé, no quintal e no barracão) e foi realizada de acordo com a

disponibilidade dos sujeitos. Foi comum entre educadores e educandos o relato das

dificuldades para o desenvolvimento do processo educativo nas comunidades assim

como também foi elemento comum a associação entre a educação e um profundo

sentimento de esperança. Esperança que se manifesta em pelo menos três

perspectivas: a primeira expressando o desejo de mudança de vida, no sentido de

superação da condição concreta de opressão a que estão submetidos; a segunda no

que tange a apropriação dos códigos de leitura e de escrita, auxiliando-os com a

confecção de documentos, desenvolvimento de melhores negócios, apreensão de

informação e etc.; a terceira refere-se à relação dos sujeitos com o sagrado, sendo

um elemento importante para a leitura do boletim religioso, da bíblia e da apreensão

da palavra divina.

Elementos como a precariedade dos espaços onde ocorrem as atividades

educativas, a falta de material didático e o limitadíssimo apoio do poder público para

o desenvolvimento das turmas foram temas abordados por todos os entrevistados.

Cabe ressaltar que este elemento diz respeito principalmente no que se refere à

gestão municipal na figura dos gestores em seus respectivos mandatos, o atual

prefeito e o passado.

Outros elementos como currículo, organização do trabalho pedagógico,

cotidiano da comunidade, trabalho, território, a relação com a cidade e a

religiosidade também foram analisados, sendo que estes aparecem em diferentes

graus na fala de todos os sujeitos.

As entrevistas foram gravadas em um gravador de áudio e foram transcritas,

analisadas e categorizadas a partir do contexto em que elas se apresentam e do

discurso que elas expressam.

No que tange as imagens, cabe ressaltar que elas buscaram preservar de

toda forma os sujeitos e a comunidade, evitando qualquer tipo de exposição indevida

que agrida aos direitos humanos e que afrontem questões éticas e culturais e que

6 Os formulários de entrevistas utilizados com os assessores, os educadores e os educandos encontram-se,

respectivamente, nos apêndices 1, 2 e 3 desta dissertação.

44

buscasse representar fidedignamente a comunidade, sendo feita somente após

autorização oral dos sujeitos envolvidos. Esta observação também vale às

entrevistas. Algumas foram autorizadas por escrito. Outras, por questões objetivas e

para tentar uma aproximação dos sujeitos, foram gravadas e só constam neste

trabalho porque foram autorizados verbalmente pelos sujeitos durante os momentos

de coleta de dados. Cabe destacar que a tentamos fazer com que todo o material

fosse devidamente autorização pelos sujeitos de maneira escrita, a partir do

preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). No entanto,

problemas operacionais impediram com que este desejo fosse efetivado.

Para o desenvolvimento do nosso estudo, duas categorias de análise foram

importantes: o território, e a educação popular do campo. É no desenvolvimento

destas categorias de análise e no reconhecimento de suas relações que

encontraremos o nosso objeto. Para tanto, cabe perguntarmo-nos por que elas são

tão importantes? Quais são os fundamentos empíricos e os fundamentos teóricos

para que elas sejam as bases de nosso trabalho?

Do ponto de vista empírico, estas comunidades têm uma relação prático-

imediata com o espaço privilegiada e constroem um território rico e complexo. Elas

são caracterizadas pela ligação entre o trabalho social e a convivência familiar e

extra familiar. Usam o território como elemento de lazer, moradia, trabalho, disputa e

convivência, em relações que se estruturam em uma imensa carga de ensinos e

aprendizados.

Do ponto de vista teórico, é preciso estabelecer a relação e a diferenciação

entre espaço geográfico e território. O espaço geográfico é fundamental devido ser a

base material de desenvolvimento das relações sociais, ou como destaca Santos ao

falar da atividade humana e realização da sociedade afirmando que “essa realização

se dá sobre uma base material: o espaço e seu uso; o tempo e seu uso; a

materialidade e suas diversas formas; as ações e suas diversas feições” (SANTOS,

2008a, p. 54).

Ainda tratando da especificidade do espaço geográfico, Santos (2008a, p. 55)

afirma que:

o espaço se impõe através das condições que ele oferece para a produção,

para a circulação, para a residência, para a comunicação, para o exercício

da política, para o exercício das crenças, para o lazer e como condição de

45

“viver bem”. Como meio operacional, presta-se a uma avaliação objetiva e

como meio percebido está subordinado a uma avaliação subjetiva.

Santos (2005, p. 22), afirmando a importância do espaço a nível teórico como

elemento importante nas análises e retomando a categoria marxiana de formação

econômica e social, ressalta que:

deveríamos até perguntar se é possível falar de Formação Econômica e Social sem incluir a categoria do espaço. Trata-se, de fato, de uma Formação Econômica, Social e Espacial mais do que uma simples Formação Econômica e Social, tal qual foi interpretada até hoje.

Tomando como referência o exposto, compartilhamos da visão de Santos

(2008b, p. 78) para quem o espaço é:

um conjunto de objetos e de relações que se realizam sobre estes objetos,

não entre eles especificamente, mas para as quais eles servem de

intermediários. Os objetos ajudam a concretizar uma série de relações. O

espaço é resultado da ação dos homens sobre o próprio espaço,

intermediados pelos objetos, naturais e artificiais.

O conceito de território, por sua vez, mantém relações com o espaço, mas se

configura como um elemento diferente. Para o debate em torno do território

tomamos como referência as contribuições de Raffestin (2009) e Fernandes (2009;

2006; 1999). Em relação ao território Raffestin (2009, p. 26) afirma que:

Espaço e território não são termos equivalentes e nem sinônimos. (...) É fundamental entender como o espaço está em posição que antecede ao território porque este é gerado a partir do espaço, constituindo o resultado de uma ação conduzida por um ator que realiza um programa em qualquer nível. Apropriando-se concretamente ou abstratamente (por exemplo, através da representação) de um espaço, o ator o territorializa.

Fernandes (2009) propõe a análise do território como uma totalidade, levando

em consideração o conjunto de elementos materiais e imateriais que o constitui e

considerando a sua multiescalaridade. Para o autor,

Quando compreendemos o território como um todo, estamos entendendo a sua multidimensionalidade. Isto significa que ao analisar os territórios por meio de uma ou mais dimensões, é somente uma opção, o que não implica desconsiderar as outras. (FERNANDES, 2009, p. 202).

46

Neste sentido, o território possui uma dimensão eminentemente política, já

que é construído a partir de relações de poder, mas também cultural, econômica,

social e, porque não, pedagógica, já que ao mesmo tempo em que nele se realizam

uma infinidade de relações, ele se constitui como elemento sob o qual e a partir do

qual os sujeitos constroem saberes e práticas.

Outra aproximação importante deste conceito é feita por Arruti (2006).

Baseando-se em Pacheco, Arruti afirma que “o território deve ser tomado como a

dimensão estratégica para pensarmos a inclusão de populações etnicamente

diferenciadas” (2006, p. 40). Derivado desta posição, afirma que territorialização:

indicaria, portanto, o movimento pelo qual um objeto político-administrativo se transforma em uma coletividade organizada, implicando: a criação de uma nova unidade sociocultural mediante o estabelecimento de uma identidade étnica diferenciada, a construção de mecanismos políticos especializados, a redefinição do controle social sobre os recursos ambientais e a reelaboração da cultura e redefinição do controle social sobre os recursos ambientais e a reelaboração da cultura e da relação com o passado. (ARRUTI, 2006, p. 41)

Esta concepção de território embasa a primeira delimitação dos indicadores

de análise dos dados que, no decorrer do trabalho, acabou sendo substituída,

mesmo que ainda tenha grande validade para próximos estudos.

A definição dos indicadores levou em consideração o fato de que no decorrer

da pesquisa, progressivamente a categoria território ter surgido como elemento

importante em substituição da categoria espaço, definida anteriormente.

Outra categoria importante para o desenvolvimento do nosso trabalho é a

educação e, em especial, a educação popular do campo que aqui é vista tanto de

maneira de maneira lato, como um processo amplo de construção de significados

que está imerso em um vasto processo cultural, quanto de maneira strito,

considerando-a como um movimento que tem uma das suas raízes na educação

popular e que se insere na luta pela garantia dos direitos dos povos do campo à

educação, ao território e a sua identidade social.

Brandão (2002, p. 139), analisando o tema da educação visto como processo

amplo de relação entre saberes, atribuindo uma forte dimensão antropológica, afirma

que:

olhando desde o horizonte da antropologia, toda a educação é cultura. Toda a teoria da educação é uma dimensão parcelar de alguns sistemas

47

motivados de símbolos e de significados de uma dada cultura, ou do lugar social de um entrecruzamento de culturas.

A origem da educação está, segundo Brandão (2006, p. 21), na capacidade

desenvolvida pelo ser humano de, “por sobre as tarefas de reprodução da vida

física, aprender a criar a vida simbólica”. Esta afirmação complementa-se com a

visão defendida por Freire (2004, p. 151) quando afirma que “estou [Freire]

absolutamente convencido de que os homens e as mulheres não começaram, na

história da sua presença no mundo, fazendo saber científico. Eles começaram

exatamente pelo saber ingênuo. Este é o ponto de partida histórico”.

A partir destas afirmações, lançam-se as bases para a possibilidade de uma

ligação profunda entre a educação e as diversas formas das sociedades realizarem-

se, sendo a educação uma atividade eminentemente cultural. Assim, segundo

Brandão (2007, p. 9) “não há uma forma única nem um único modelo de educação;

a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor”.

A divisão social do saber imposta nas sociedades modernas é um dos

embriões para a sua separação em classes. Por isso é que a educação popular é

entendida como um ato político. Isto fica evidente quando Freire (2006b, p. 59)

afirma que “dizer a palavra em um sentido verdadeiro é o direito de expressar-se e

expressar o mundo, de criar e recriar, de decidir e optar”.

Corroborando com Freire ao ressaltar a função política da educação popular,

Brandão (2006, p. 12-13) afirma que “diferente é a condição de sociedades regidas

pela desigualdade, mundo que obriga a pensar, na educação, a necessidade de

uma estranha educação popular”. Assim, pelo que foi tratado anteriormente, dentro

da educação, é especificamente na educação popular que nós nos encontramos.

Nesta perspectiva, segundo Freire (2005, p. 78) a educação popular como

educação libertadora “já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de

transferir, ou de transmitir conhecimentos e valores aos educandos, meros

pacientes, à maneira da educação bancária, mas um ato cognoscente”.

A educação do campo alimenta-se desta perspectiva e vai mais além. Ela

insere-se na luta dos povos do campo pela garantia dos seus direitos enquanto

cidadãos que possuem especificidades em relação ao espaço urbano e, com isso,

inserem-se em uma luta contra o modelo de campo levado a cabo de maneira

hegemônica pelo Estado Brasileiro.

É nesta perspectiva que Arroyo; Caldart; Molina (2004, p. 13) admitem que:

48

quanto mais se afirma a especificidade do campo mais se afirma a especificidade da educação e da escola do campo. Mais se torna urgente um pensamento educacional e uma cultura escolar e docente que se alimentem dessa dinâmica formadora. Também mais se afirma a necessidade de equacionar a função da educação e da escola em um projeto de inserção do campo no conjunto da sociedade.

Optamos por analisar como se relacionam estas duas categorias, território e

educação popular do campo, na tentativa de entender como os saberes sociais

construídos na produção e na utilização cotidiana do território se relacionam na

tentativa da construção de um projeto educativo libertador.

O desenvolvimento do trabalho nos fez construir dois indicadores de análise,

que são os dois grandes eixos temático do capítulo de análise de campo. O primeiro

é o território enquanto conteúdo escolar vivo, onde buscamos identificar como o

território e elementos econômicos, políticos, sociais e culturais ligados a ele foram

transformados no eixo estruturador dos conteúdos das turmas de educação do

campo do GETEPAR-NEP.

O segundo é o que estamos entendendo como saber espacial. O saber

espacial é uma dimensão do saber popular, semelhante ao saber econômico, ao

saber musical, ao saber artístico e etc. e que é construído sobre bases

eminentemente espaciais, mesmo reconhecendo que o saber, diferentemente da

ciência, não opera a partir da lógica da fragmentação. No que tange a ele, nossa

preocupação foi entender como os sujeitos desenvolvem práticas sociais cotidianas

no e com o território, conferindo-lhe grande carga educativa e servindo de base para

a estruturação das relações pedagógicas cotidianas da comunidade.

Assim, o desenvolvimento da pesquisa se deu como um constante processo

de enfrentamento da teoria e da realidade, onde estas constantemente se

colocavam como um desafio a ser interpretado e reinterpretado, nos fazendo mudar

a metodologia inúmeras vezes até que chegássemos a um ponto em que

pudéssemos ter uma interpretação adequada da complexa realidade social a que

estes sujeitos estão emersos.

49

2. MATRIZES DA EDUCAÇÃO POPULAR NA EDUCAÇÃO DO CAMPO:

CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO DE MUDANÇA SOCIAL.

Os sonhos são projetos pelos quais se luta. Sua realização não se verifica facilmente,

sem obstáculos. Implica, pelo contrário, avanços, recuos, marchas às vezes

demoradas. Implica luta. Na verdade, a transformação do mundo a que o sonho

aspira é um ato político e seria uma ingenuidade não reconhecer que os sonhos

têm seus contra-sonhos. (FREIRE, 2000, p. 54)

Discutir sobre como a educação popular e a educação do campo se

relacionam na tentativa da construção de um projeto de mudança da estrutura social

brasileira é, sem dúvida alguma, uma tentativa instigadora. Este debate é

profundamente marcado pela tentativa de entender como um país construído

historicamente sob os desígnios da classe dominante, excluindo a maioria de sua

população da condição de cidadão e cidadã e implementando autoritariamente um

projeto de país absolutamente excludente de um ideal de nação socialmente justa e

ambientalmente responsável, conseguiu desenvolver um conjunto tão significativo

de experiências que extrapolam o campo educacional, estendendo-se à organização

política das classes populares, que questiona frontalmente o projeto ainda hoje

hegemônico de país.

Assim, tentando entender esta relação entre as disputas travadas na

sociedade brasileira entre projetos de sociabilidade antagônicos, que possuem como

correspondentes projetos de educação também antagônicos, que buscaremos

discutir neste momento dois elementos: como a educação popular se relaciona com

a perspectiva de construção de projeto de país contra hegemônico e; quais são as

matrizes da educação popular que foram assumidas pela educação do campo na

tentativa da construção da sua perspectiva educacional.

50

2.1 Os caminhos que ligam a educação popular e a disputa de projeto nacional.

O século XX foi de grandes e rápidas transformações para o Brasil. Estas

transformações, como todo movimento histórico, é fruto de disputas pelo exercício

do poder entre grupos diferentes na sociedade, que optam pela definição de uma

configuração ou outra do Estado. As prioridades do país, o modelo de

desenvolvimento, a maneira como o Estado trata o povo do seu país e outros

elementos são manifestações de como se desenvolvem as disputas e as

contradições entre projetos diferentes de futuro.

Neste contexto, a educação é uma arena privilegiada de embate político,

abrigando representantes conservadores e movimentos progressistas. Assim, é

marcante a atual relação entre a educação do campo, os movimentos sociais e o

projeto de nação. Este é um dos principais elementos que caracterizam a identidade

da educação do campo no Brasil. Essa perspectiva é assinada por diversos

pesquisadores da área, como Molina (2006) para a qual:

a especificidade da Educação do Campo, em relação a outros diálogos sobre educação deve-se ao fato de sua permanente associação com as questões do desenvolvimento e do território no qual ela se enraíza. A afirmação de que só há sentido no debate sobre Educação do Campo como parte de uma reflexão maior sobre a construção de um Projeto de Nação, popular e revolucionário, é o chão inicial capaz de garantir o consenso dos que se reúnem em torno desta bandeira (p.10).

O projeto de nação defendido pelo movimento de educação do campo é

significativamente diferente e qualitativamente superior ao projeto de país levado

acabo atualmente pelas elites brasileiras, porque considera como prioridade o seu

povo e a efetivação dos direitos sociais. Nutre como referência o respeito e a

autodeterminação dos povos e é incontestavelmente defensor da igualdade

econômica, da diversidade cultural, da sustentabilidade ambiental e dos direitos da

pessoa humana. Por essas características, o projeto de nação que a educação do

campo defende pode ser definido como um projeto popular de nação. Benjamim

(2000), analisando a necessidade de um projeto popular para o Brasil e a educação

do campo, afirma que:

Quando dizemos que nosso projeto é popular, queremos dizer que ele pretende organizar a sociedade em torno dos interesses, do potencial humano e dos valores dos grupos sociais que vivem do trabalho e da

51

cultura, que, como vimos, são a imensa maioria. Só assim, a solidariedade, em vez do egoísmo, pode passar a ser o princípio organizador da nossa vida em comum. [grifo do autor] (p.13).

A relação entre educação e o projeto popular de país é um elemento

fundamental para a educação do campo. No entanto, cabe buscarmos de onde ela

traz esta característica e qual foi o quadro de disputas políticas que se

desenvolveram para que tivéssemos esta conjuntura.

Neste debate podemos retomar o início do século XX, que foi um período de

grandes transformações políticas, econômicas e sociais para o Brasil. Há o início da

reorganização das estruturas de dominação que passam a estar ligadas a

transferência do poder político e econômico das tradicionais oligarquias agrárias

para uma crescente burguesia industrial, iniciando o que, para Florestan Fernandes,

poderia ser considerada como a revolução burguesa.

A “revolução burguesa” denota um conjunto de transformações econômicas, tecnológicas, sociais, psicoculturais e políticas que só se realizam quando desenvolvimento capitalista atinge o clímax de sua evolução industrial (FERNANDES, 2004, p. 425).

É evidente que neste sentido, a “revolução burguesa” torna-se um projeto tão

inacabado quanto inviável já que o clímax capitalista é um projeto insustentável por

três motivos principais: o primeiro, é que o nível de produção e acumulação de

capital em todas as épocas é para a burguesia apenas um estágio intermediário

para um nível superior.

O segundo, porque o aumento do nível de acumulação está ligado a uma

sucessiva alteração da fração da burguesia que em determinado momento histórico

consegue acumular capital. Não há homogeneidade na acumulação capitalista nem

mesmo na burguesia mesmo que, em alguns momentos, essa acumulação consiga

beneficiar grande parte da classe dominante.

O terceiro, porque o processo de desenvolvimento capitalista é portador de

um conjunto de contradições, que inviabiliza em médio prazo o projeto econômico-

político atual, que a cada crise é apenas remendado com soluções conjunturais que

se direcionam apenas aos elementos aparentes do problema, transferindo-o para

outras áreas, mostrando que em algum tempo os remendos não gerarão mais os

efeitos esperados.

52

O processo de consolidação da burguesia industrial como classe dominante

que inicia nas primeiras décadas do século XX, como destaca Florestan Fernandes

(2004, p. 434), não tinha a burguesia industrial “em confronto de vida e morte com a

aristocracia agrária”, o que vai ficar evidente em todo o século XX, onde há uma

grande conciliação entre dois projetos: o de país urbano-industrial e o de país

agrário-exportador. Assim, o projeto construído durante o século XX, como podemos

observar nas ultimas décadas, é uma conciliação entre o projeto latifundiarista das

elites agrárias, pautadas na lógica do agronegócio para a exportação, e o da

industrialização tardia, dependente, acelerada, não acumulativa e conservadora,

levado a cabo pela burguesia nacional.

Para Freire, estas características definiam a sociedade brasileira na década

de 1950 como uma sociedade fechada que tem:

o centro de decisão de sua economia fora dela. Economia, por isso mesmo, comandada por um mercado externo. Exportadora de matérias-primas. Crescendo para fora. Predatória. Sociedade reflexa na sua economia. Reflexa na sua cultura. Por isso alienada. Objeto e não sujeito de si mesma. Sem povo. Antidialogal, dificultando a mobilidade social vertical ascendente. Sem vida urbana ou com precária vida urbana. Com alarmantes índices de analfabetismo, ainda hoje persistentes. Atrasada. Comandada por uma elite superposta a seu mundo, ao invés de com ele integrada. (FREIRE, 2008, 56-57)

Mesmo caracterizando-a como uma sociedade fechada, o autor admitia que o

Brasil encontrava-se em trânsito para tornar-se uma sociedade aberta. Isto pelo

embate que havia entre as forças conservadoras e as progressistas naquele

contexto.

As progressistas eram compostas por um imenso conjunto de movimentos

sociais que, no campo e na cidade, buscavam construir uma alternativa popular ao

projeto hegemônico. Esta alternativa tinha como base a problematização da situação

concreta de opressão e exploração a que se encontrava submetida a maioria do

povo brasileiro, buscando na participação política e na organização popular o

caminho para a superação desta situação.

No contexto brasileiro da década de 50 do século XX, Freire (2008) assume a

educação como ato político de libertação dos oprimidos. Recusa o assistencialismo

e o sectarismo e propõe uma educação que, tendo como base o diálogo, se constitui

como um processo de problematização da realidade e de organização política em

busca da superação desta situação concreta.

53

A sua ação educativa concilia três grandes elementos: a) uma profunda

rigorosidade científica, com a qual estrutura o seu pensamento e suas teorias sobre

a educação, o ser humano e o mundo; b) uma ligação estruturante com os

movimentos sociais, o que lhe permite estruturar todo o seu pensamento e sua

prática com a finalidade da mudança das estruturas perversas da sociedade

brasileira e; c) uma profunda sensibilidade que lhe permitia sofrer junto com os que

sofrem no mundo e, com eles, lutar pela superação desta situação. Estes elementos

fizeram com que a prática freireana, que sempre foi um elemento muito presente em

sua vida, fosse uma práxis.

Ana Freire (1996) discutindo a práxis como elemento formador da pedagogia

freireana e do próprio Paulo Freire, afirma que:

Freire forjava-se, pela práxis vivida, como pedagogo do oprimido – mesmo sem ter ainda escrito a Pedagogia do Oprimido - porque partia do saber popular, da linguagem popular, da necessidade popular, respeitando o concreto deles, o cotidiano de limitações deles (p.37).

A partir das experiências educativas em Angicos, no interior do Rio Grande do

Norte, Freire ganhou notoriedade nacional e foi convidado para comandar a

campanha nacional de alfabetização de adultos no governo João Goulart.

Neste período, havia um processo de acúmulo de forças dos movimentos

progressistas, o que fez com que Freire (2008) admitisse que a sociedade brasileira

encontrava-se em transição, rompendo com o modelo de sociedade fechada rumo a

uma sociedade aberta. Transição esta que foi abortada pela ditadura militar que no

Brasil vai de 1964 a 1985, onde há um grande incentivo ao desenvolvimento

econômico predatório dos recursos naturais e de exploração intensiva do trabalho,

associado a severa repressão dos movimentos sociais, intelectuais e partidos

políticos que buscassem construir uma alternativa popular a esta proposta. É neste

contexto que o movimento social brasileiro vive um período de imenso retrocesso e

Freire, assim como outros intelectuais e militantes, passa a viver no exílio.

Após este período nebuloso, na ultima década do século XX, era corrente a

denúncia da opção feita pelo governo, pelas elites e oligarquias nacionais da opção

de desenvolvimento dependente e centralizador de riquezas. Benjamin et al (1998),

comentando a configuração da macroeconomia brasileira nas ultimas décadas do

século XX, destaca que:

54

o governo sabe que esse modelo só tem uma chance de encontrar algum equilíbrio macroeconômico: que o crescimento futuro – se ele existir – seja liderado pelas exportações, porque esta é a condição para crescermos sem pressionar ainda mais as contas externas (p. 48).

O afirmado pelo autor nos últimos anos do século XX foi o que aconteceu na

primeira década do século XXI. No início deste século, o Brasil é caracterizado do

ponto de vista econômico como um grande exportador de commodities e produtor de

bens industrializados duráveis e não duráveis que têm a finalidade de atender ao

mercado interno e ao mercado externo na nova configuração da economia regional-

global, atendendo industrialmente basicamente a América Latina.

Consideramos que os constrangimentos ao processo de desenvolvimento

autônomo do país gerado pelas opções de desenvolvimento adotadas, como a

dependência econômica, política de juros altos, desoneração das grandes fortunas,

tributação regressiva e precarização da infraestrutura nacional são geradores de

diversos problemas sociais como os baixos índices de escolarização, dificuldade de

acesso aos serviços médicos, insegurança alimentar, o êxodo rural e favelização,

que são postos para a sociedade como herança perversa da ação de um sujeito

social, o camponês, e o modelo de desenvolvimento supostamente a ele associado,

o modelo agrário.

Ainda hoje é facilmente percebida a tentativa de responsabilizar o sujeito

social explorado como o responsável pelo “fracasso” das tentativas anteriores de

desenvolvimento, como fica evidente no discurso de Belluzzo (2009, p. 04) quando

afirma que:

a economia brasileira havia mudado e evoluído entre 1930 e 1945. O fazendão atrasado do Jeca Tatu cedia espaço para a urbanidade industrial incipiente. Mas a velha economia primário-exportadora deixou uma herança de deficiências na infraestrutura – energia elétrica, petróleo, transportes, comunicações –, nas desigualdades regionais e na péssima distribuição de renda.

Há, em relação a esta afirmação, duas considerações a fazer. A primeira que

é um equívoco atribuir ao camponês, representado pejorativamente no discurso das

elites brasileiras como Jeca Tatu, a culpa pela ausência de infraestruturas e pelo

“atraso” social e econômico do Brasil, isto porque, como destaca Prado Junior (2004,

p. 104):

55

a grande propriedade brasileira, o nosso “latifúndio” é na parte essencial e fundamental da economia agrária brasileira, a grande exploração rural, o empreendimento em grande escala, centralizado e sob direção efetiva (seja embora ineficiente, desleixada, que nada disso muda essencialmente a situação) do proprietário que a essa qualidade de “proprietário” alia a de empresário da produção.

Assim, segundo este autor, a principal e mais perversa forma produtiva do

país no período estava articulada ao latifúndio e a monocultura, fazendo com que as

normas do espaço agrário, a definição de projetos e as políticas não estejam ligadas

a ação direta dos povos do campo e sim, às elites agrárias, principalmente pela

relação diferenciada que os governos civis e militares estabeleceram e continuam

estabelecendo com os dois grupos de sujeitos.

Em outra perspectiva analítica, Becker e Egler (2006) também chegam a

conclusões interessantes. Ao analisarem o papel desempenhado pelo Brasil na

economia-mundo na transição do século XX para o XXI, os autores destacam a

forma como o capitalismo se desenvolveu no Brasil e o papel desempenhado pela

ditadura militar no seu desenvolvimento durante as décadas de 60, 70 e 80 que, em

grande medida, pode ser responsável por explicar o Brasil atual. Explicam que:

a combinação do projeto geopolítico com o autoritarismo histórico resultou numa modernização conservadora, implicando profundas transformações e contradições que acabaram desestabilizando o regime no início dos anos oitenta. É esta modernização conservadora responsável pela emergência do país como potência regional. (BECKER; EGLER, 2006, p.124)

Segundo os autores, é esta modernização conservadora a grande

responsável pelo desenvolvimento dependente, pela modernização da pobreza, pela

desfiguração do território, pela consolidação do Estado sem nação e pela

dependência tecno(eco)lógica.

No campo, a política implementada pela ditadura militar em um acordo tácito

com a burguesia nacional tem como característica, segundo Fernandes (1999, p.

33), a tentativa de “controlar a questão agrária, por meio da violência e com a

implantação de seu modelo de desenvolvimento econômico para o campo, que

priorizou a agricultura capitalista em detrimento da agricultura camponesa”.

56

Como resultado desta política, tivemos a redução dos créditos aos pequenos

agricultores, a falta de apoio técnico, o desrespeito aos direitos sociais no campo, o

privilégio à plantation7 em detrimento a pequena agricultura dos povos do campo.

No entanto, a construção do projeto de país não está finalizada e não

conseguiu abortar as aspirações populares pela construção de um projeto de nação.

Há um conjunto de atores sociais que se mobilizam cada vez mais na tentativa de

traçar outros caminho e colocar em pautas outras perspectivas de país, associadas

a perspectivas de educação que consolidem uma nova opção brasileira.

No que se refere à questão agrária, há, por um lado, as entidades

representativas da oligarquia agrária, das quais dois exemplos significativos são a

Sociedade Nacional da Agricultura (RJ) e Sociedade Rural Brasileira (SP). Ambas

apoiaram o golpe de 64 e a ditadura militar e cobravam dos governos militares a

defesa dos seus interesses por meio do direito à propriedade, mantendo a estrutura

agrária conservadora de base latifundiarista do Brasil. Estas entidades pautadas na

ideia de modernização do campo e construção da empresa rural buscaram

inviabilizar o projeto de reforma agrária defendida pelos movimentos sociais ao

defender o avanço do capitalismo agrário como forma de aumentar a produtividade

no campo, como destaca Mendonça (2006):

o processo de “modernização agrícola” verificado no país durante os anos de 1960 e 1970 teve como uma de suas pré-condições a derrota de qualquer proposta de uma efetiva reforma agrária, já que sua premissa consistiu na afirmação do desenvolvimento do capitalismo no campo com a manutenção da estrutura fundiária (p. 51).

Em contrapartida, durante a década de 1980, vários movimentos sociais

retomam a ofensiva tentando articular a luta contra a ditadura militar à luta por uma

nova perspectiva de país. Neste contexto:

os inúmeros retrocessos no território do camponês, devido os projetos de modernização da agricultura no país, levaram à criação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Goiânia no ano de 1975 e, posteriormente, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Cascavel no ano de 1984. Ambos nascem da luta pela terra e recriação camponesa (SOUZA, 2009, p. 02).

7 Consideramos plantation a monocultura realizada em grandes áreas e que é direcionada,

principalmente, ao mercado externo. Tem como característica principal do trabalho a

semiproletarização ou formas análogas à escravidão.

57

Nesta década, destacaram-se três frentes de luta no campo. Uma

protagonizada pelos assalariados rurais, que, dentro dos parâmetros impostos pelo

capitalismo agrário, buscavam melhores salários e melhores condições de trabalho.

A segunda foi protagonizada pelos posseiros, que, tentando garantir o título

definitivo de propriedade da terra, definiu como sujeito a ser combatido o grileiro e a

estrutura burocrática que sustenta este sujeito. Por ultimo, temos os sem-terra que,

como frutos do processo de industrialização nacional e modernização da agricultura,

começam a lutar politicamente para retornarem ao campo que outrora foram

expulsos por uma associação da expansão do capitalismo agrário e o

desenvolvimento industrial e comercial na cidade.

A organização política deste terceiro segmento e a formação de um sujeito

coletivo traz à tona a relação entre os diversos projetos nacionais e os projetos

educativos, principalmente para o campo. Para Souza (2009, p. 02), “a preocupação

do MST se estende para a educação do campo e, desse modo, o Movimento

assume uma formação pedagógica em que as pessoas que o constituem são seus

principais sujeitos”.

A luta pela terra é transformada em um dos elementos que buscam articular a

construção de um novo projeto de nação, no qual, mais tarde, é associada à

retomada da luta desenvolvida na década de 1950 pelos movimentos populares que

reconheciam a importância da construção de um projeto educativo que corrobore

com a perspectiva de luta do movimento.

Mesmo não tendo no primeiro programa de reforma agrária do MST uma clara

articulação da luta pela terra a luta pela educação, nele há uma definição dos

marcos políticos em que o movimento atuará. Neste documento, lançado no primeiro

encontro nacional do movimento, em 1984, nos princípios gerais, há a afirmação no

item dois, que é necessário “lutar por uma sociedade igualitária, acabando com o

capitalismo” (MST, 2005).

É a partir desta perspectiva que se retoma todo o arcabouço construído no

Brasil no período de ascensão dos movimentos populares que a ditadura militar

tentou encerrar. É neste contexto que as principais matrizes da educação

desenvolvida pelo movimento em parceria com um conjunto muito maior de

organizações e sujeitos retomam a educação popular para, interpretando-a a luz de

sua realidade específica, pensar uma proposta educacional que se encontre com os

anseios do movimento.

58

2.2. Matrizes teórico-metodológicas da Educação Popular na Educação do

Campo.

Em geral, a maioria dos movimentos que tomam a educação como elemento

de luta política por transformações sociais guarda algum tipo de referência na

educação popular. Não é diferente no que tange a educação do campo.

Diversas são as perspectivas de análise que tratam esta relação. Uma delas

pode ser encontrada em Molina (2006, p. 12), que ao tratar da educação do campo,

afirma:

compreendemo-nos como parte desse legado que enriquece sobremaneira a construção dos paradigmas da Educação do Campo, pois, um dos objetivos da Educação Popular é contribuir para criar condições do povo ser sujeito do processo de produção do conhecimento e de sua própria vida.

Outra perspectiva que trata o assunto pode ser encontrada em Silva (2006),

que analisando as matrizes da educação do campo, mostra que esta mantém em

sua estrutura pelo menos três elementos da educação popular: (a) a educação como

formação humana; (b) a educação como emancipação humana; (c) educação como

ação cultural. Neste contexto, o autor tentando relacionar a educação do campo à

educação popular enfoca elementos que levam em consideração, principalmente, os

pressupostos antropológicos, gnosiológicos e pedagógicos.

Em uma terceira perspectiva, que não é conflitante com as duas anteriores,

mas que enfoca outros elementos é encontrada em Ramos; Moreira e Santos

(2004). Para os autores podem ser definidos, pelo menos, seis princípios para a

educação do campo: (a) o papel da escola enquanto formadora de sujeitos

articulada a um projeto de emancipação humana; (b) a valorização dos diferentes

saberes no processo educativo; (c) valorização dos espaços e tempos de formação

dos sujeitos da aprendizagem; (d) a escola vinculada à realidade dos sujeitos; (e) a

educação como estratégia para o desenvolvimento sustentável; (f) a autonomia e a

colaboração entre os sujeitos do campo. Os autores, por sua vez, levam em

consideração elementos que se relacionam com pressupostos políticos e

pedagógicos na tentativa de relacionar a educação do campo à educação popular.

Propomos o entendimento da relação entre a educação do campo e a

educação popular a partir de uma análise que leve em consideração três elementos

59

básicos: a) suas raízes filosóficas; b) os pressupostos pedagógicos e; c) os

pressupostos políticos, que explicitaremos a seguir. Por esta alternativa de análise

podemos enfocar os movimentos, contextos, disputas e sujeitos que se mobilizaram

e continuam se mobilizando na tentativa de construção, englobando os elementos

ressaltados anteriormente e encontrando o caminho para o seu aprofundamento. E a

partir dele podemos, também entender em que estas duas propostas se encontram

e se diferenciam, encontrando que tipo de relação é estabelecido.

Os elementos levantados por Silva (2006) e por Ramos; Moreira e Santos

(2004) são válidos, mas só são possíveis por uma relação muito mais profunda, que

pode ser encontrada no fato de a educação do campo em grande medida tomar para

si a estrutura filosófico-pedagógico-política construída pela educação popular para

subsidiar a sua prática educativa. As concepções de ser humano, mundo,

conhecimento, história, processo, educação e a dimensão política da educação

defendida pela educação do campo são frutos dos acúmulos históricos dos

movimentos sociais brasileiros, tendo em grande medida a sua prática referenciada

em ações de educação popular.

Percebemos que em poucos momentos a educação do campo constrói

avanços significativos que se dão isoladamente da estrutura da educação popular.

Definitivamente este não é o seu mérito, o que não nos permite afirmar que o

paradigma da educação do campo possui força teórico-filosófica de se afirmar como

uma concepção educacional. Seu mérito é outro. Acreditamos que a educação do

campo tem como grande contribuição e especificidade a capacidade que tem de ir

além da educação popular na tentativa de construção de uma educação (popular) do

campo, e que leva em consideração sujeitos específicos em tempo e espaço

determinados, construindo uma espécie de tradução da educação popular para o

espaço do campo que guarda inúmeras especificidades em relação ao espaço da

cidade.

No entanto, esta relação não se estabelece como transposição de uma matriz

de pensamento da cidade para o campo. Pelo contrário, ela é uma tradução, que só

é possível no enfretamento de uma situação concreta que desafia os sujeitos

igualmente concretos, historicizados e especializados. Ela é fruto de um debate

exaustivo e enriquecedor que continua assumindo-se como processo e que teve e

tem como principal característica a tentativa de colocar na agenda política os

sujeitos que historicamente tiveram os seus direitos negados pelo Estado em favor

60

do desenvolvimento de uma (des)ordem perversa para os trabalhadores e

ambientalmente irresponsável no espaço agrário brasileiro. A educação do campo

vem assumindo-se na tentativa de ecoar a voz historicamente silenciada dos

diversos sujeitos que vivem, trabalham e constroem o campo como algo

completamente específico em relação à cidade.

2.2.1 Raízes filosóficas da educação popular na educação do campo.

Dentre o arcabouço produzido pela educação popular, optamos por analisar

três elementos: a) os pressupostos antropológicos; b) os pressupostos gnosiológicos

e; c) a visão de mundo defendida pela educação popular freireana.

a) Pressupostos antropológicos da educação popular e sua relação

com a educação do campo.

A definição dos pressupostos antropológicos da educação popular parte da

constatação de que o ser humano é um ser histórico, inconcluso e consciente de sua

inconclusão. Como ser histórico, é no desenvolvimento do seu percurso que o ser

humano se realiza como tal, não podendo ser entendido sequer distante do

processo que o formou. Em Freire (2003b, p.79), esta afirmação está presente

quando afirma que “ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos poucos, na prática

social de que tomamos parte”.

Para Freire (1996, p. 41), assumir-se enquanto ser, significa mais que saber-

se enquanto ser e implica a sua assunção como ser histórico-social:

como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de

sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito

porque capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos

não significa a exclusão dos outros. É a outredade do não eu, ou do tu, que

me faz assumir a radicalidade do meu eu (p.41)

Freire (1996) relaciona os seus pressupostos antropológicos à estruturação

social que o condiciona como ser social já que como pressupostos realizando-se no

tempo e no espaço, não estão livres dos condicionamentos que estruturam a

sociedade. Por este motivo, a educação libertadora admite que, mesmo como

61

sujeitos da história, os seres humanos, mulheres e homens, não constroem a

história da mesma forma. Ambos estão presos a condicionamentos de classes, de

gênero, de raça, de tempo, de espaço, culturais, políticos e outros, que relacionados

atribuem uma condição diferenciada de fazer-se na história, sem, no entanto, tirar-

lhe a sua dimensão de sujeito criador da história.

Em outras palavras, Freire (1996) reafirma o ser humano como histórico e

fazedor da história ao afirmar:

gosto de ser homem, de ser gente, porque não está dado como certo,

inequívoco, irrevogável que sou ou serei decente, que testemunharei

sempre gestos puros, que sou e que serei justo, que respeitarei os outros,

que não mentirei escondendo o seu valor porque a inveja de sua presença

no mundo me incomoda e me enraivece. Gosto de ser homem, de ser

gente, porque sei que minha passagem pelo mundo não é predeterminada,

preestabelecida. Que o meu destino não é um dado mas algo que precisa

ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir (p. 52-53).

Outro ponto importante levantado pela educação libertadora em sua visão de

ser humano é que, como decorrência de ser histórico, o ser humano é

necessariamente inconcluso, consciente de sua inconclusão e que exatamente por

isso, busca a todo o momento ser mais. Assim, homens e mulheres como seres

inacabados, mas conscientes de seu inacabamento, como seres históricos, culturais,

sociais, que é aprendente, pode ensinar, ama, busca, constata, avalia, valora, fala

do que vê como também fala do que sonha, do que sente, assumindo o processo

educativo como desafio, como criação.

Na visão de Freire (1996, p. 69):

somos os únicos em que aprender é uma aventura criadora, algo, por isso

mesmo, muito mais rico de que meramente repetir a lição dada. Aprender,

para nós, é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz

sem o risco e à aventura do espírito.

Na educação libertadora o ser humano é considerado como um ser total,

limitado, finito, de relações, de práxis, de intervenção, de busca, onde a educação só

possui sentido se responde a essa vocação ontológica do ser humano de ser mais.

Justamente porque é um ser de relações que ele transcende a sua própria

existência, se temporaliza e se especializa. Por ser um ser de relações que ele

interfere no mundo e se distancia de si mesmo e do mundo, constrói projetos, sonha,

62

sofre. Como ser de relações o ser humano diferencia-se dos outros seres que têm

na vida um conjunto de contatos com outros elementos enquanto nossa vida, mais

do que vida, em um conjunto de relações, que se torna existência. É um ser capaz

de amar e, por amar, capaz de ter raiva, de se indignar contra tudo o que proclama o

desamor e a desumanização. Graças à capacidade de amar que o ser humano

coloca-se em constante questionamento desta ordem perversa e põe-se em

movimento em busca de sua superação. Esta superação é uma resposta concreta a

agressão a ontologia humana que é feita cotidianamente à vocação ontológica do

ser (FREIRE, 2005).

Considera Freire (2005, p. 49) que: “a opressão só existe quando constitui um

ato proibitivo do ser mais dos homens”. Então, a relação social que se estabelece e

que coloca a possibilidade desumana de uns oprimirem, põe à grande maioria

apenas a possibilidade de sofrerem os males da opressão, que se constitui em uma

profunda violência a ontologia humana.

No que tange à educação do campo, a assunção deste pressuposto como

elemento estruturador da sua prática educativa possibilita o entendimento de que o

ser está no mundo e com o mundo. Por isso ele é banhado de uma história e

constrói uma temporalidade e uma espacialidade.

A educação do campo admitindo este pressuposto afirma que o ser humano

só se encontra com a sua verdadeira vocação ontológica quando se encontra na luta

para restaurar a sua condição de ser mais. O processo de luta pelo reconhecimento

do direito do povo do campo em viver em seu espaço com a garantia de todos os

seus direitos só pode ser entendida nesta dimensão, de reencontro do ser humano

com a sua humanidade roubada.

É neste sentido que Caldart (2004a, p. 126), analisando a relação entre

educação do campo e o processo de formação do sujeito, afirma que:

sem movimento não há ambiente educativo; sem movimento não há escola do campo em movimento. Por isso não se trata de construir modelos de escola ou de pedagogia, mas sim de desencadear processos movidos por valores e princípios, estes sim referências duradouras para o próprio movimento.

Nesta perspectiva, o processo de formação do sujeito do campo insere-se em

um ambiente educativo que tem a luta política pela sua afirmação como elemento

fundamental da busca de sua humanidade. É um processo que leva em

consideração os elementos necessários a formação teórica aliados a prática que lhe

63

serve de base na tentativa de construção de uma sociedade que respeite as

características dos sujeitos do campo em suas especificidades territoriais, sociais,

temporais e culturais.

b) Pressupostos Gnosiológicos da Educação Popular e a sua relação com a

Educação popular do Campo.

A visão gnosiológica defendida por Freire está intimamente ligada a sua visão

antropológica e a sua visão de mundo e é fortemente assumida pela educação do

campo. Não há uma quebra entre estas três dimensões. Muito pelo contrário. Há

uma complementariedade.

Em Freire (1979), o saber encontra-se em relação dialética com a sua

negação, a ignorância. Por este motivo “a educação tem caráter permanente. Não

há seres educados e não educados” (FREIRE, 1979, p. 28). Há o entendimento de

que nem o saber e nem tampouco a ignorância são elementos absolutos que se

encontram as bases da sua visão gnosiológica. Esta constatação tem relação com

outras mais, sendo importante destacar a inconclusão do ser humano.

É por conta do ser humano ser inconcluso e consciente de sua inconclusão

que podemos falar em educação. Educação que para realizar-se exige que os

sujeitos do conhecimento encontrem-se em uma postura humilde, curiosa, amorosa,

dialógica e praxiológica em um movimento de encontro, re-encontro, leitura, re-

leitura e interpretação e re-interpretação do mundo.

Assim, a visão gnosiológica assumida por Freire (1996) admite que:

toda prática educativa demanda a existência de sujeitos, um que,

ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina, daí o seu cunho

gnosiológico; a existência de objetos, conteúdos a serem ensinados e

aprendidos; envolve o uso de métodos, de técnicas, de materiais; implica,

em função do seu caráter diretivo, objetivo, sonhos, utopias, ideais (p.70).

Deste modo, o processo educativo é o encontro entre sujeitos cognoscentes

mediatizados pelo mundo. Ensinar, portanto, não é adestrar, treinar ou alienar,

constituindo-se em um processo criador. Por isso, na visão de Freire (2006a):

64

a compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele (p.11).

Neste sentido, a leitura alonga-se na compreensão crítica do mundo real em

que o sujeito está inscrito e não há um momento específico para a educação, que se

constitui em um processo ininterrupto e sempre inacabado no qual o ser humano

encontra-se completamente imerso. Estudo e realidade tornam-se dois elementos de

um mesmo processo que tem como resultado o desvelamento desta realidade e a

organização dos oprimidos para a superação de sua opressão.

O ser humano, direcionando-se ao mundo que é construído por ele em um

conjunto infinito de relações sociais, consegue apreendê-lo como um não-eu que

interfere diretamente na configuração do um eu. Isso fica explícito quando Freire

(1977) afirma:

o homem é um corpo consciente. Sua consciência “intencionada” ao

mundo é sempre consciência de em constante despego até a realidade.

Daí que seja próprio do homem estar em constantes relações com o

mundo. Relações em que a subjetividade, que toma corpo na objetividade,

constitui, com esta, uma unidade dialética, onde se gera um conhecer

solidário com o agir e vice-e-versa. Por isto mesmo é que as explicações

unilateralmente objetivista e subjetivista, que rompem esta dialetização,

dicotomizando o indicotomizável, não são capazes de compreendê-lo.

Ambas carecem de sentido teleológico (p.74-75).

Na tentativa de afirmar a relação dialética que existe entre a objetividade, que

é externa ao ser, e a subjetividade, que é interna ao ser, que Freire se situa. Neste

sentido, todo o conhecimento só é possível na medida em que a realidade seja algo

exterior ao ser, que se passa fora dele. O conhecimento é o entendimento por meio

das faculdades mentais da característica do movimento que o objeto realiza. Esta

realização é dinâmica e histórica e deve ser entendida dentro do conjunto de

relações que o constitui.

Aprender como sujeito, de forma crítica, é uma necessidade da educação

como prática da liberdade. É como tal, que o ato verdadeiramente cognoscente se

realiza. Por este motivo, considera Freire (1996, p. 24-25), que “quanto mais

criticamente se exerça a capacidade de aprender, tanto mais se constrói e se

desenvolve o que venho chamando curiosidade epistemológica”.

65

O caminho epistemológico proposto pela educação libertadora é que, partindo

da curiosidade, como fonte do conhecimento, ela vá ganhando em criticidade e

rigorosidade no sentido de tornar-se “curiosidade epistemológica”.

É neste sentido que a educação do campo, tal como Freire (2006, 2003,

2001, 1996, 1977), propõe o respeito aos saberes dos educandos, justamente pelo

entendimento de que estes saberes são frutos do processo histórico de formação do

ser. É a partir deste pressuposto que a educação do campo desconstrói o discurso

falacioso que busca oprimir os povos do campo, atribuindo a sua cultura e ao seu

conhecimento uma dimensão de inferioridade em relação aos conhecimentos da

cidade, além de impor a cultura do silêncio como única maneira destes sujeitos

“escaparem” das humilhações que, segundo o discurso dominante, são frutos da sua

própria ignorância.

Associado a esta questão está o fato de que se construiu na sociedade um

pensamento que atribuía ao campo um papel secundário e atrasado no contexto

nacional se comparado a cidade. Este pensamento serviu de suporte ao desrespeito

a cultura do homem do campo. Sobre esta questão Arroyo; Caldart e Molina (2004,

p. 11) destacam que:

por muito tempo a visão que prevaleceu na sociedade, continuamente majoritária em muitos setores, é a que considera o campo como lugar atrasado, do inferior, do arcaico. Nas ultimas décadas consolidou-se um imaginário que projetou o espaço urbano como o caminho natural e único do desenvolvimento, do progresso, do sucesso econômico, tanto para indivíduos como para a sociedade.

O território ganha especial dimensão a partir da tentativa de desconstrução

desta imagem. Isto porque entender o campo como território, e não como setor da

economia, nos permite levar em consideração os processos sociais que formam e

dão sustentabilidade ao campo. Isto significa o entendimento de que o campo é

formado por um conjunto de lógicas de utilização do espaço e é apropriado de

maneira diferente pelos diversos grupos de sujeitos. Esta apropriação guarda

relação direta com a maneira como o sujeito está inserido no processo de

construção do território.

66

c) Visão histórico-dialética de mundo da educação popular freireana e a

sua relação com a educação do campo.

Admitir o ser humano como histórico-cultural, inacabado, em busca, em

processo, em relação com os outros e com o mundo, um ser da ética, de opção, de

ação-reflexão-ação e de ruptura, como admite a educação libertadora, exige, por

outro lado, que o mundo não seja visto como estático e acabado.

Exige que o mundo seja visto também como processo, como possibilidade,

como estando sendo algo e não como algo que brotou, naturalmente. Freire (1996)

admite que o mundo não é naturalmente perverso e ligado à negação do ser

humano. O mundo é construído por um conjunto de relações sociais traçadas

historicamente sobre e com ele e isso é o que o faz possuir determinada

característica ao invés de outra. Neste sentido, não é algo dado. É algo a ser

questionado, desconstruído e reconstituído historicamente.

Ao discutir a historicidade do mundo, Freire (1996, p. 56) ressalta que “o

mundo da cultura que se alonga no mundo da história é um mundo de liberdade, de

opção, de decisão, mundo de possibilidade em que a decência pode ser negada, a

liberdade ofendida e recusada”.

No entanto, o entendimento da possibilidade da negação da liberdade e

decência não significa a sua aceitação, que sempre é negação do próprio ser

humano, e sim o reconhecimento que como possibilidade histórica, o mundo é

construção, conquista, luta pelo que sonhamos na busca de nossa humanização.

Neste sentido, o mundo é o conjunto dos elementos naturais e sociais que permite a

realização da vida humana como ser de relações.

Ratificando essa postura, Freire (1996) afirma que entender a historicidade do

mundo é saber da história como:

possibilidade e não como determinação. O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervêm como sujeito de ocorrências (p.76-77).

Este pressuposto é fortemente encarado pela educação do campo. Isto fica

evidente quando na declaração final da II Conferência Nacional de Educação do

Campo (CNEC) o movimento subscreve que “temos denunciado a grave situação

67

vivida pelo povo brasileiro que vive no e do campo, e as conseqüências sociais e

humanas de um modelo de desenvolvimento baseado na exclusão e na miséria da

maioria.” (II CNEC, 2004, p. 01). Reconhecendo a situação concreta de opressão e

de exploração, o movimento lança-se na luta pela sua transformação,

reconhecendo-se como sujeito ativo no processo de construção histórica ao afirmar

que ”Reafirmamos a luta social por um campo visto como espaço de vida e por

políticas públicas específicas para sua população” (II CNEC, 2004, p. 01).

Há a tentativa de construir um processo educativo que seja ao mesmo tempo

construído por um processo de denúncia da situação perversa a que se encontra a

população do campo, o que só pode ser feito a partir de um entendimento rigoroso

do processo de opressão, associado a um processo de anúncio de uma alternativa

de mudança, que tem como base a organização dos trabalhadores do campo.

2.2.2 Pressupostos Pedagógicos

Além da educação do campo referenciar-se nos pressupostos gnosiológicos,

antropológicos e na visão de mundo defendida pela educação popular, ela também

tem forte referência nos pressupostos pedagógicos que orientam a prática

educativa. Dentre os pressupostos pedagógicos, destacamos: a) o respeito à cultura

e ao saber local; b) o entendimento do espaço e do tempo como elementos

educativos e; c) a necessidade do diálogo e da práxis no processo educativo.

a) O respeito à cultura e ao saber local como elementos educativos.

Dentre os pressupostos pedagógicos da educação popular assumidos pela

educação do campo, um dos mais significativos é o entendimento da cultura e do

saber local como elemento educativo. Este processo é resultado direto do

entendimento de que a luta pela terra é uma luta cultural por um projeto de

sociedade que é antagônico ao projeto do latifúndio e da monocultura para a

exportação.

A defesa da cultura dos povos do campo no processo educativo é um

alongamento da defesa do seu modo de vida se opondo ao projeto que busca

68

expulsá-los do campo ou submetê-los a lógica do capitalismo agrário. Para Arroyo;

Caldart; Molina (2004, p. 12), “esta é uma lição importantíssima para o pensamento

pedagógico: não esquecer dos sujeitos da ação educativa, do seus processos

formadores”.

Este debate sobre a defesa da cultura dos oprimidos é enfrentado pela

educação popular desde a década de 60. Em um dos seus primeiros trabalhos nos

núcleos de educação de base, Freire (1979) confronta-se com a situação concreta

dos camponeses e analisa o papel educativo desempenhado por um conjunto de

técnicos que tinham a função de auxiliar os camponeses. Na década de 60, nos

primeiros passos para o desenvolvimento da educação popular, já é evidente a

opção freireana pelo respeito à cultura local. Ao analisar a relação entre os

conhecimentos dos camponeses e a ação dos técnicos, Freire (1979), afirma que:

ao desconhecer que tanto a sua técnica quanto os procedimentos empíricos dos camponeses são manifestações culturais e, deste ponto de vista, ambas válidas, cada qual em sua medida, e que, por isso, não podem ser mecanicamente substituídos enganam-se e já não podem comprometer-se (p.23).

Esta análise revela mais que a relação direta entre camponeses e os

técnicos. Ela revela o papel da cultura local na estruturação da vida social e a

importância de, respeitando e partindo destas técnicas, haja um processo de

superação e não de negação arbitrária.

A relação entre os saberes é uma questão política e que envolve o

reconhecimento ou não dos sujeitos e da sua cultura como elementos válidos a

serem considerados na ação dos técnicos. Partir da cultura local para encontrar

novas respostas é diametralmente oposto a sua negação apriorística. Neste sentido,

é posta em questão o fato de se respeitar ou negar o sujeito, já que a cultura e os

saberes são partes integrantes do ser.

Freire analisa essa questão como elemento político, considerando que:

subestimar a capacidade criadora e recriadora dos camponeses, desprezar seus conhecimentos, não importa o nível em que se achem, tentar enchê-los com ao que os técnicos lhes parece certo são expressões, em ultima

análise, da ideologia dominante. (FREIRE, 2006b, p. 36)

69

Essa preocupação também esteve presente nos debates realizados durante a

I Conferência. No texto preparatório Fernandes; Cerioli; Caldart (2004, p. 27) ao

tratar da relação entre a tecnologia e a produção dos povos do campo, afirmam que

“não estamos falando da enxada, estamos falando da tecnologia apropriada.

Estamos defendendo a reforma agrária e uma política agrícola para a agricultura

camponesa”. Defender a tecnologia apropriada e uma política agrícola voltada para

os povos do campo vai ao sentido de fortalecer a luta por um modelo de sociedade

em que os povos do campo não sejam sujeitos de direitos negados ou invisibilizados

na política social. Defender a tecnologia apropriada e a política agrícola vai no

sentido de construir com os povos do campo o caminho adequado para o necessário

aumento de sua produtividade sem que isto signifique a sua submissão ao

agronegócio ou a sua subsunção como grupo social.

Outra contribuição importante para o entendimento da questão nos é

oferecida por Brandão (2002) ao estabelecer uma relação entre a cultura e a

educação e mostrar como a cultura, passada da cultura do povo à cultura popular,

pode contribuir na transformação de uma educação do povo à educação de classe.

De modo concreto, a cultura inclui objetos, instrumentos, técnicas e

atividades humanas socializadas e padronizadas de produção de bens, da

ordem social, de normas, palavras, idéias, valores, símbolos, preceitos,

crenças e sentimentos. Destarte, ela abrange o universo do mundo criado

pelo trabalho do homem sobre o mundo da natureza de que o homem é

parte. Aquilo que ele faz sobre o que lhe foi dado (BRANDÃO, 2002, p.37).

A análise da cultura de massa, como cultura alienada, surge da constatação

de uma dupla possibilidade que vem sendo exercida na história. A primeira “é a

possibilidade teórica de alienação da cultura” (BRANDÃO, 2002, p. 42) e a segunda

“é a realização histórica desta possibilidade em conjunturas concretas, como no

caso da formação social dividida antagonicamente entre o capital e o trabalho”

(idem).

Cultura de massa, assim, é aquela que assume a possibilidade histórica de

servir para a alienação e a dominação do próprio povo. É desenvolvida sob um

prisma acrítico e tem como característica legitimar as relações sociais desiguais,

assumindo um caráter distante do trabalho social desenvolvido pelo sujeito e/ou

vendo este trabalho de maneira natural.

70

Em outras palavras, quando analisa o caso brasileiro durante as décadas de

60 e 70, Brandão (2002, p. 45) destaca ser a cultura de massas, utilizada para a

dominação, que ao expressar “a desigualdade e a dominação das relações sociais

de trabalho, poder e saber, não reflete para todos a realidade brasileira e não

permite que os dominados criem e expressem livremente sua cultura”

A cultura popular tem outro sentido. Ela não é a cultura do povo, mas surge

dela. Ela é a possibilidade histórica de se usar politicamente a cultura do povo como

elemento que se contraponha a cultura alienada (cultura de massa), servindo para a

libertação.

Gohn (2005) ao discutir as diferenças entre cultura popular e cultura de

massa destaca que:

a cultura popular foi redefinida como sinônimo de resistência popular (...). E

a cultura popular foi diferenciada da cultura de massa. A primeira seria

produzida pelos seus participantes, criada e recriada continuamente. A

segunda seria pré-fabricada para integrar os indivíduos, como meros

consumidores passivos (p. 32).

A cultura popular tem um caráter nitidamente político já que, segundo

Brandão (2002, p. 32) ela pode ser entendida como “uma cultura de classe:

consciente, crítica, politicamente mobilizadora, capaz de transformar tanto os

símbolos com que se representa e ao seu mundo, quanto sua própria realidade

material”. Em outras palavras, é:

importante considerar a idéia costumeira e tradicionalmente oficial de cultura popular – um sinônimo de folclore – transforma-se na proposta de criação de uma Cultura Popular e identifica o trabalho político de conscientização e organização militante dos trabalhadores rurais e urbanos (BRANDÃO, 2002, p. 35).

Paralelo a isto, como práxis, a cultura adquire no desenvolvimento do

conceito de cultura popular feito pelos movimentos populares um caráter nitidamente

mobilizador, já que se passa a investir grande parte da militância dos grupos

políticos “em experiências políticas de expressão cultural com o propósito de obter

transformações sociais e simbólicas que gerassem a reorganização e mobilização

de grupos populares e o fortalecimento do seu poder de classe”. (BRANDÃO, 2002,

p. 33)‏

71

Assim, em suas análises, Brandão considera os processos educativos formais

e não formais e seu argumento se constrói sobre a égide de que é a cultura que

criamos para dar significado à vida e, por isso, ela é parte fundamental na

transformação da vida em vida humana e que a educação deve levar em

consideração este processo.

Em relação à importância política da assunção crítica da cultura no processo

educativo, Brandão (2002) afirma que:

no cruzamento entre uma cultura do povo e uma cultura popular é possível ocorrer a passagem de uma educação do povo para uma educação de classe. Isso através de um processo interno de transformações de posições e alianças, de práticas e símbolos das classes populares (p.12).

A educação do campo assume esta perspectiva ressignificando o papel da

educação na luta política dos sujeitos do campo. Tenta construir a sua prática

educativa no caminho do reconhecimento dos sujeitos do campo como portadores

de direitos. Neste sentido, dois elementos são importantes: o reconhecimento da

identidade e a construção da autonomia.

Essa opção é assinalada por Arroyo; Caldart; Molina (2004, p. 15) ao

afirmarem que:

um traço aparece com destaque: a construção do direito do povo brasileiro do campo à educação, às letras, ao conhecimento, à cultura universal somente acontecerá vinculada à construção da pluralidade de direitos negados. Sobretudo, vinculada à realização do primeiro direito: a terra. Que é trabalho, vida e dignidade. Que é educação.

A partir desta perspectiva, que a assunção da cultura como elemento

educativo se dá como um elemento político, de contestação do que foi socialmente

instituído e tornou-se lógica hegemônica na sociedade. É por este motivo que a

educação do campo traz, também, como elemento estruturante de sua ação, o

pressuposto da educação popular de que a educação é um dos elementos da luta

política por uma sociedade justa, ética e sustentável. É pela assunção da cultura que

temos o reconhecimento de que o cotidiano e os seus elementos estruturantes são

elementos educativos e, mais do que isso, elementos de luta política, em que sua

defesa está relacionado ao entendimento dos projetos societários que sustentam

diferentes formas de (com)viver.

72

b) Espaço e tempo como elementos educativos.

A importância do espaço e do tempo como elementos educativos também

estão presentes na educação popular, mesmo que espaço e tempo não tenham sido

objetos de reflexão profunda de Paulo Freire. No entanto, não é difícil perceber o

quanto o autor faz referência a estes dois elementos.

Um dos momentos é quando trata da questão do espaço como elemento

educativo é quando analisa as cidades educativas. Freire (Política e educação, p.

16) explica que as cidades “não apenas acolhem a prática educativa, como prática

social, mas também se constituem, através de suas múltiplas atividades, em

contextos educativos em si mesmo”.

Além disso, Freire (2003b, p. 22) destaca que:

os conteúdos, os objetivos, os métodos, os processos, os instrumentos tecnológicos a serviço da educação permanente, estes sim, não apenas podem mas devem variar de espaço tempo a espaço tempo. A ontológica necessidade da educação, da formação a que a cidade, que se torna educativa em função desta mesma necessidade, se obriga a responder. Esta e universal.

Partindo deste pressuposto e superando a leitura da cidade, a educação do

campo analisa a partir do que é essencial, que é o papel do espaço e do tempo

como elementos educativos. O espaço, ainda, analisado a partir da sua dimensão

territorial e dos processos de territorialização.

Os processos de territorialização indicam que o espaço é heterogêneo e é

diversamente utilizado pelos diversos grupos sociais que nele, disputam projetos

que podem ser complementares, diferentes ou antagônicos, mesmo que convivam

no mesmo lugar. Para Santos (2008a, p. 317), “o espaço se dá ao conjunto dos

homens que nele se exercem como um conjunto de virtualidades de valor desigual,

cujo uso tem que ser disputado a cada instante em função da força de cada qual”.

Não é apenas a força de ação que diferencia o uso do espaço. Como um todo

complexo, o espaço é percebido pelos diversos sujeitos sociais em seu cotidiano.

Além disto, soma-se a globalização como elemento fragmentador da nossa visão do

espaço. Isto porque, segundo Santos (2007a, p. 79) “a percepção do espaço é

73

parcial, truncada e, ao mesmo tempo em que o espaço se mundializa, ele nos

aparece como um espaço fragmentado”.

A concepção de espaço definida pelo o autor é algo extremamente complexo.

Uma aproximação da maneira como o autor entende o espaço pode ser feita a partir

da relação que ele estabelece entre os objetos e as relações que constroem o

espaço geográfico. Para Santos (2008b):

o espaço seria um conjunto de objetos e de relações; não entre eles especificamente, mas para as quais eles servem de intermediários. Os objetos ajudam a concretizar uma série de relações. O espaço é o resultado da ação dos homens sobre o próprio espaço, intermediados pelos objetos, naturais e artificiais (p.78).

Continuando o processo de aproximação da concepção de Santos sobre o

espaço geográfico, em outro trabalho, o autor complementa a visão esboçada

acima. Nele, Santos (2008d, p. 86) afirma que:

propomos entender o espaço como um conjunto indissociável entre sistemas de objetos e sistemas de ações. Os sistemas de objetos não funcionam e não tem realidade filosófica, isto é, não nos permitem conhecimentos, se os vemos separados dos sistemas de ações. Os sistemas de ações também não se dão sem os sistemas de objetos.

Neste sentido, podemos identificar que para o autor, o espaço é o conjunto

indissociável entre sistemas de objetos e sistemas de ações, sendo uma construção

histórica da técnica e moldada pela a intencionalidade. Esta afirmação coloca o

debate relativo ao espaço geográfico em um patamar que associa ações e objetos

que são entendidos em forma de sistema, e não isoladamente. Ações e objetos,

isoladamente, contribuem pouco para a compreensão do que é o espaço geográfico.

O que nos interessa é como os objetos e as ações configuram o espaço geográfico

como um grande sistema que, como não poderia deixar de ser, traz em si elementos

de continuidade e descontinuidades, e que gera um todo complexo, contraditório e

prenhe de múltiplas intenções e intencionalidades. Como sistema, ações e objetos

estão intimamente ligados e não podem ser analisados individualmente.

O cotidiano, que é imposto para a maioria das pessoas, ganha uma dimensão

política quando fica evidente que “a capacidade de usar o território não apenas

74

divide como separa os homens, ainda como se eles apareçam como se estivessem

juntos” (SANTOS, 2007a, p. 80).

No entanto, como isto é escamoteado, se produz um cotidiano que se torna

alienado pela maneira como são construídas estas relações com e sobre o espaço,

fazendo com que este seja um elemento que rompe com a capacidade do sujeito

entender a totalidade do processo social. Isto consiste um uso político do território

feito a partir de relações sociais desiguais e que primam por esta desigualdade. O

uso político é sempre uma possibilidade que se viabiliza historicamente, tornando-se

fato. A maior característica da possibilidade é que ela só torna-se real na dialética

entre o existir e o deixar de existir historicamente. A possibilidade existe como fato

para ser superada por uma nova possibilidade que existe como projeto.

Então, o espaço possui uma dimensão eminentemente educativa que pode

dar-se no sentido de estruturar uma visão crítica sobre a realidade, quando ele

torna-se matriz da análise intelectual que busca a totalidade, ou pode dar-se como

elemento alienador quando ele, imposto exoticamente a sociedade, reforça a visão

fragmentada sobre a realidade. A função alienadora do espaço pode ser superada

por um trabalho político de superação crítica de tal situação. Sobre o tema, Santos

(2007a) afirma que:

da atividade alienada resultam objetos alienados, esse prático-inerte que,

no dizer de Sartre, é o Diabo, pois inverte nossas ações. Quando o homem

se defronta com um espaço que não ajudou a criar, cuja história

desconhece, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a sede de uma

vigorosa alienação. Mas o homem, um ser dotado de sensibilidade, busca

reaprender o que nunca lhe foi ensinado, e vai pouco a pouco substituindo

sua ignorância do entorno pelo conhecimento, ainda que fragmentário. O

entorno vivido é lugar de troca, matriz de um processo intelectual (p.81).

Como elemento que serve para desalienação, o espaço é o suporte de uma

ação intelectual e de uma ação prática que só pode ser levada a cabo pelos grupos

populares lutando pela sua libertação. Neste ponto, o uso político do espaço pelas

classes populares faz daquele mesmo um espaço popular, em seu sentido mais

profundo do termo. É esta dimensão que é assumida pela educação do campo,

mesmo usando o conceito de território que mais adiante trataremos com a devida

atenção.

75

Esta aceitação é feita quando o movimento por uma educação do campo

assume o campo para além de um setor da economia, que é uma redução estéril e

pouco explicativa. Está muito presente nos trabalhos sobre essa educação o

entendimento do campo como um território, marcado por toda a riqueza, diversidade

e complexidade que este impõe à análise. Um exemplo é encontrado nos trabalhos

de Fernandes, para o qual:

o significado territorial é mais amplo que o significado setorial que entende o campo simplesmente como espaço de produção de mercadorias. Pensar o campo como território significa compreendê-lo como espaço de vida, ou como um tipo de espaço geográfico onde se realizam todas as dimensões da existência humana. O conceito de campo como espaço de vida é multidimensional e nos possibilita leituras e políticas mais amplas do que o conceito de campo ou de rural somente como espaço de produção de mercadorias. A economia não é uma totalidade, ela é uma dimensão do território. (FERNANDES, 2006, p. 28-9)

No entanto, um das possibilidades perigosas desta análise é a reificação do

conceito de território, como se fosse elemento externo a realidade social que lhe

estrutura. A única forma de fugir desta reificação e entender a relação entre território

e sociedade é a partir de uma análise que leve em consideração os elementos

constitutivos do território e a maneira como ele se relaciona com os outros

elementos que constituem a realidade. Nesta perspectiva, Fernandes (2006), admite

que:

as relações sociais e os territórios devem ser analisados em suas completividades. Neste sentido, os territórios são espaços geográficos e políticos, onde os sujeitos sociais executam seus projetos de vida para o desenvolvimento. Os sujeitos sociais organizam-se por meios das relações de classe para desenvolver seus territórios. No campo, os territórios do campesinato e do agronegócio são organizados de formas distintas, a partir de diferentes classes e relações sociais (p.30).

É a partir da analise desta relação, que leva em consideração a importância

de se fortalecer a relação entre a educação do campo e o território, que Fernandes

sustenta seu argumento. A ligação entre estes dois elementos busca reconhecer

que:

educação, cultura, produção, trabalho, infra-estrutura, organização política, mercado etc, são relações sociais constituintes das dimensões territoriais. São concomitantemente interativas e completivas. Elas não existem em separado. A educação não existe fora do território, assim como a cultura, a economia e todas as outras dimensões. (FERNANDES, 2006, p. 30)

76

No entanto, porque este movimento opta pelo conceito de território ao invés

do conceito de espaço? Quais são os elementos que os diferenciam e que fazem o

movimento acumular posições em defesa de um, subutilizando o outro conceito?

Quando analisamos inicialmente os conceitos de espaço e território,

percebemos que eles guardam relação entre si. Entretanto, Fernandes (2006) afirma

que:

território é espaço geográfico, mas nem todo espaço geográfico é território. Lembrando que território é um tipo de espaço geográfico, há outros tipos como lugar e região. Também é importante lembrar que território não é apenas espaço geográfico, também pode ser espaço político. Os espaços políticos diferem dos espaços geográficos em forma e conteúdo. Os espaços políticos, necessariamente, não possuem área, mas somente dimensões. Podem ser formados por pensamentos, ideias ou ideologias (p.32).

Em relação ao território, Fernandes (2006, p. 33) afirma que ele é, “ao mesmo

tempo, uma convenção e uma confrontação”. O autor admite nitidamente o território

a partir das disputas pelo exercício do poder (econômico, político, religioso,

ideológico) e pela apropriação simbólica que gera nos sujeitos.

Neste sentido, o território relaciona-se com o processo de disputa entre

hegemonia e contra-hegemonia, já que nele há as mais diversas relações de

dominação e de convencimento.

Isto fica evidente quando o autor destaca que “sua configuração como

território refere-se às dimensões de poder e controle social que lhes são inerentes”

(FERNANDES: 2006, p. 33).

O território também deve ser entendido em multidimensionalidade e em sua

multiescalaridade. A multidimensionalidade está ligada a sua forma de manifestação,

aglutinando dimensões diversas que são relações sociais diversas e que tem como

resultado os mais diversos juízos e sentimentos. Destaca Fernandes (2006, p. 34)

que “a contradição, a solidariedade e a conflitividade são relações explicitadas

quando compreendemos o território em sua multidimensionalidade”.

Todo território é acompanhado por um ou por vários processos de

territorialização. A territorialização é levada a cabo por sujeitos ou grupos sociais e

está ligado a um projeto de uso do território. O uso é resultado de um processo

77

concomitante de apropriação e dominação que este sujeito ou grupo social. Assim,

como ressalta Fernandes (2006, p. 36), “a territorialização é resultado da expansão

do território, contínuo ou interrupto”.

Nesta perspectiva, a educação do campo entende a luta pela educação

articulada à luta pela sua territorialização. Ela é o elemento que auxilia o processo

de organização e que ajuda a construir um projeto coletivo de uso do território. Por

isso, a luta pelo território e pela educação que se articule a um projeto popular de

nação são elementos diferentes e complementares de uma mesma luta.

c) A importância do diálogo e da práxis.

Outra característica importante para a educação popular que é assumida pela

educação do campo é a necessidade da assunção do diálogo e da práxis como

elementos estruturantes da prática educativa.

Nos processos educativos em que é predominante a “cultura do silêncio” o

diálogo é entendido algo descomprometido, demorado ou como não sendo capaz de

responder às necessidades educativas dos educandos.

No entanto, para Freire (1977) o diálogo é fundamental à prática educativa

progressista, pois:

ser dialógico, para o humanismo verdadeiro, não é dizer-se

descomprometidamente dialógico; é vivenciar o diálogo. Ser dialógico é

não invadir, é não manipular, é não sloganizar. Ser dialógico é empenhar-

se na transformação constante da realidade. Esta é a razão pela qual,

sendo o diálogo o conteúdo da forma de ser própria da existência humana,

está excluído de toda relação na qual alguns homens, transformados em

“seres para o outro” por homens que são falsos “seres para si”. É que o

diálogo não pode travar-se em uma relação antagônica (p.43).

A negação do diálogo no processo ensino-aprendizagem é a negação da

possibilidade do encontro de sujeitos no processo educativos, convergindo na

interpretação da realidade. É negar a possibilidade de ser dos sujeitos assumindo-se

como atores sociais em permanente construção.

Em Freire (1977), as práticas pedagógicas baseadas na “cultura do silêncio”

podem ser agrupadas no que pode ser definido como o paradigma da educação

78

bancária. Ao analisar o medo da educação bancária em assumir a dialogicidade

como prática educativa, Freire (1977) indica que:

rejeitar em qualquer nível a problematização dialógica é insistir num

injustificável pessimismo em relação aos homens e a vida. É cair na prática

depositante de um falso saber que, anestesiando o espírito crítico do ser

humano, serve à domesticação e instrumentaliza a invasão cultural (p.55).

Para justificar a negação do diálogo no processo ensino-aprendizagem-

ensino, a educação bancária utiliza-se de uma grande quantidade de justificativas

falsas, buscando ocultar o verdadeiro motivo de sua opção, notoriamente política

com vistas à domesticação dos educandos. Entre essas justificativas, Freire (1977,

p. 51) destaca que: a demora do diálogo argumentada pela educação tradicional é

simplesmente “ilusória, pois, significa um tempo em que se ganha em solidez, em

segurança, em autoconfiança e interconfiança que a antidialogicidade não oferece”.

O verdadeiro motivo da negação da prática dialógica, segundo Freire (1977) é

devido ao fato de que:

o diálogo e a problematização não adormecem a ninguém. Conscientizam; Na dialogicidade, na problematização, educador-educando e educando-educador, vão ambos desenvolvendo uma postura crítica da qual resulta a percepção de que este conjunto de saber se encontra em interação (p.55).

A razão de ser desta justificativa encontra-se no fato do diálogo ser uma

prática respeitosa, que zela pela horizontalidade do processo, respeitando as

diversas posições que podem surgir sobre determinado tema ou, em outras

palavras, “ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz

uma relação horizontal, em que a confiança de um pólo no outro é conseqüência

óbvia” (FREIRE, 2003a, p.94).

Por sua vez, a práxis para a educação popular é uma exigência própria do

processo educacional. Isto porque, como conhecimento autêntico, implica de

imediato o comprometimento de quem conhece com a transformação do conhecido.

Sem esse comprometimento, sem a práxis, o poder transformador da educação fica

comprometido.

Para Freire (1992, p. 32), “é preciso, por isso, deixar claro que, no domínio

das estruturas sócio-econômicas, o conhecimento mais crítico da realidade, que

79

adquirimos através do seu desvelamento, não opera, por si só, a mudança da

realidade”. Assim, o processo de desvelamento deve ser acompanhado do processo

de organização dos povos do campo para a construção de outra realidade.

No domínio da educação do campo, isto fica evidente quando na declaração

final da II Conferência Nacional Por Uma Educação do Campo, os presentes

afirmam que lutam “por um projeto de desenvolvimento do campo onde a educação

desempenhe um papel estratégico no processo de sua construção e implementação”

(II CNEC, 2004, p. 02).

Como prática da liberdade, a educação popular é necessariamente uma

educação de práxis, característica essa assumida pela educação do campo. Isso

porque, como sujeito imerso em um mundo de relações com outros sujeitos e com o

próprio mundo, reconhece a necessidade da palavra-ação como exigência intrínseca

ao processo de libertação.

Nas análises de Freire (1977) isso se dá pelo fato de que o ser humano:

não pode ser compreendido fora de suas relações com o mundo, de vez que é um ser-em-situação, ser também um ser do trabalho e da transformação do mundo. O homem é um ser de práxis; da ação e da reflexão (p.28).

Palavra critica que se alongando na ação ao lado da ação fundada em um

esforço de compreensão da realidade, possibilita um agir autêntico, pois, é solidário

com o pensar, no caminho da transformação da realidade opressora, na qual tanto a

palavra sem a ação (que Freire chama de verbalismo) quanto a ação sem a palavra

(ativismo) podem oferecer.

Assim, a práxis exige a presença de sujeitos reflexivos, que possuem a

capacidade de agir e de pensar sobre o seu agir para melhor agir novamente. Isto se

dá porque, para Freire (1977, p. 80) é na “práxis na qual a ação e a reflexão

solidárias, se iluminam constante e mutuamente. Na qual a prática, implicando na

teoria da qual não se separa, implica também numa postura de quem busca o saber,

e não de quem passivamente o recebe”.

80

2.2.3 Dimensão Política da Educação

Por fim, como terceira característica da educação popular que estrutura a

educação do campo, cabe analisar a dimensão política. Ela tem diversas interfaces.

Optamos por analisá-la partindo de: a) a educação como questionadora da ordem

social e; b) a educação como processo de formação intelectual e política.

a) A educação como questionadora da ordem social.

A politicidade da prática educativa se expressa de várias maneiras. Uma delas é

quando a partir dos seus conteúdos e práticas, ela, direcionando-se ao mundo, constrói um

processo de compreensão crítica do mundo e, consequentemente, de questionamento da

ordem social.

Este processo se dá na educação popular quando a prática é transformada em

conteúdo e, como conteúdo é desafiada intelectualmente pelo educando. Esta questão é

assumida pela educação popular quando admite que transformar a realidade social é

condição sine qua non ao conhecimento, entendendo estes dois elementos como pólos

dialéticos.

Freire (2006a), ao refletir sobre essa questão, questiona sobre os rumos de uma

sociedade que:

exclui dois terços de sua população e que impõe ainda profundas injustiças

à grande parte do terço para o qual funciona, é urgente que a questão da

leitura e da escrita seja vista enfaticamente sob o ângulo da luta política a

que a compreensão científica do problema traz sua colaboração (p.09).

Assim, destaca Freire o papel que a educação possui na transformação social

e o seu caráter político. Localiza na raiz própria da educação como ato formador,

diretivo e consciente a sua dimensão política, já que, para o autor, “é na diretividade

da educação, esta relação que ela tem, como vocação especificamente humana, de

endereçar-se até sonhos, ideais, utopias e objetivos, que se acha o que venho

chamando de politicidade da educação” (FREIRE, 1996, p. 110).

A questão fundamental para a educação libertadora é assumir-se como

prática política e diretiva, defendendo o fato de que a opção do educador deve ser

coerente com a proposta levado a cabo pela educação popular e pelos sujeitos que

81

a constroem e que isto esteja claro aos educandos como co-agentes do processo.

Afirma Freire (1992):

minha questão não é negar a politicidade e a diretividade da educação,

tarefa de resto impossível de ser convertida em ato, mas, assumindo-as,

viver plenamente a coerência entre minha opção democrática e minha

prática educativa, igualmente democrática (p.79).

Desta maneira, a educação está imersa em um processo de luta política

contra a ordem social que é injusta e insustentável. Esta luta política é encarada por

Freire como manifestação da luta protagonizada na sociedade entre opressores e

oprimidos.

Freire (2008, 2006a, 2006b, 2005, 2004, 2003a, 2003b, 2001, 2000, 1996,

1992, 1979, 1977) assume uma terminologia muito presente nos primeiros trabalhos

marxianos, que ora toma como referência para análise a separação na sociedade

entre opressores e oprimidos e ora elege como referência a diferença entre

exploradores e explorados. Toma como referência a relação de opressão e analisa

as diferenças entre estes dois grupos de sujeitos e aponta para a importância da

superação da situação de oprimido e da absorção da figura do opressor pelo

oprimido, comumente não tomando como referência a categoria explorado.

No entanto, isso não impede que em sua obra esteja presente a superação

da situação de exploração, já que sua obra busca, a partir da prática educativa,

construir as condições para a superação da situação concreta de exploração em que

os oprimidos também estão imersos.

As relações de classe e, consequentemente, de exploração são assumidas

de maneira mais explícita pela educação do campo. Movimentos sociais, como o

MST, pesquisadores e os povos do campo reconhecem-se em uma luta contra um

projeto de desenvolvimento que busca construir a subordinação deles ao capitalismo

agrário, tendo geralmente como resultado ou a expulsão destes pequenos

agricultores do campo ou a sua subordinação a outras formas de produção.

Há, também, um processo acentuado de denúncia das atuais condições a que

os povos do campo estão submetidos. Esta denúncia passa por questões como a

falta de crédito, saneamento, água tratada, a atenção à saúde e à precariedade da

infraestrutura.

82

No que tange à educação, percebemos que há um processo acentuado de

denúncia das atuais condições das escolas do campo. Foi elemento presente nas

falas dos educandos e dos educadores denúncias em relação à insuficiência e

precariedade das instalações físicas da maioria das escolas; dificuldades de acesso

dos professores e alunos às escolas, em razão da falta de um sistema adequado de

transporte escolar; falta de professores habilitados e efetivados, o que provoca

constante rotatividade; falta de conhecimento especializado sobre políticas de

educação básica para o meio rural, com currículos inadequados que privilegiam uma

visão urbana de educação e desenvolvimento; ausência de assistência pedagógica

e supervisão escolar nas escolas rurais; predomínio de classes multisseriadas com

educação de baixa qualidade; falta de atualização das propostas pedagógicas das

escolas rurais; baixo desempenho escolar dos alunos e elevadas taxas de distorção

idade-série; baixos salários e sobrecarga de trabalho dos professores, quando

comparados com os que atuam na zona urbana; necessidade de reavaliação das

políticas de nucleação das escolas e de implementação de calendário escolar

adequado às necessidades do meio rural, elementos estes que serão melhor

desenvolvidos no capítulo 4.

Estas denúncias mostram que há uma forte tendência de concentração do

direito à educação, já que no campo há um déficit quantitativo e qualitativo de

escolas para atender a esta demanda.

Este processo vem sendo amplamente debatido pelos movimentos sociais

que, articulados aos diversos povos do campo, buscam construir a educação do

campo. Um exemplo é quando, analisando o papel do movimento social do campo

no processo de articulação entre a luta pela educação com a devida denúncia da

situação a que estão submetidos os povos do campo, Arroyo (2004) ressalta que:

O movimento social do campo represente uma nova consciência do direito à terra, ao trabalho, à justiça, à igualdade, ao conhecimento, à cultura, à saúde e è educação. O conjunto de lutas e ações que os homens e mulheres do campo realizam, os riscos que assumem, mostram que se reconhecem como sujeitos de direitos (p.73).

Neste sentido, nas palavras de Arroyo podemos perceber um conjunto de

elementos que constroem o movimento pela educação do campo. O mais

fundamental é a assunção dos povos do campo como pessoas de direitos. Ser

83

pessoa de direito significa lutar para que o Estado garanta políticas públicas que

atendam em quantidade e qualidade aos anseios destes grupos sociais para que

tenham uma vida baseada na experiência da cidadania.

b) A educação como processo de formação intelectual e política.

Outra característica importante da dimensão política da educação popular que

é assumida pela educação do campo é o entendimento da educação como um

processo que associa uma séria formação intelectual a um processo de formação

política que busque criar as condições para um engajamento no processo de

transformação da sociedade.

Este processo parte do pressuposto de que o processo educativo não é um

processo neutro. Pelo contrário. Ele é sempre envolvido de uma teleologia que

busca a realização de projetos societários. Segundo Freire (2006a):

o mito da neutralidade da educação, que leva à negação da natureza política do processo educativo e a tomá-lo como um quefazer puro, em que nos engajamos a serviço da humanidade entendida como uma abstração, é o ponto de partida para compreendermos as diferenças fundamentais entre a prática ingênua, uma prática astuta e outra crítica. Do ponto de vista crítico, é tão impossível negar a natureza política do processo educativo quanto negar o caráter educativo do ato político (p.23).

Esta visão é reforçada em diversos trabalhos elaborados pelo autor para

discutir a sua prática educativa e a sua concepção educacional, sempre havendo um

grande nexo de continuidade entre uma obra e outra. Um exemplo disto é quando

Freire (2001, p. 28) afirma: “a natureza da prática educativa, a sua necessária

diretividade, os objetivos, os sonhos que se perseguem na prática não permitem que

ela seja neutra, mas política sempre”.

Nesta perspectiva, considerando a natureza política da prática educativa, a

educação popular direciona-se para que o desenvolvimento da prática educativa, no

fundo, constitua-se como um processo de reconhecimento da necessidade do

educando engajar-se no processo de sua libertação. É envolto neste processo de

reconhecimento da necessidade da luta experienciado na prática educativa que a

84

educação popular torna-se, também, um processo de formação e luta política. Nesta

perspectiva Freire (1996) admite que:

Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros, e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a outredade do não eu, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade do meu eu (p.41).

Aliado a este processo de formação política dos educando, que implica a

recusa da posição atribuída a ele de objeto e a assunção da posição de sujeito, a

educação popular defende um processo de séria formação intelectual. Esta

formação, que também é função do processo educativo, tem como base a

capacidade do sujeito de, reconhecendo-se inacabado, buscar sua permanente

formação.

Assim, somente por meio de um engajamento intelectual, que busca no

campo do pensamento entender a realidade empírica em que está imerso, que a

tarefa educativa se completa. Freire (2003b), afirma que o ser humano:

na sua condição de ser histórico-social, experimentando continuamente a tensão de estar sendo para poder ser e de estar sendo não apenas o que herda mas também o que adquire e não de forma mecânica. Isto significa ser o ser humano, enquanto histórico, um ser finito, limitado, inconcluso, mas consciente de sua inconclusão. Por isso, um ser ininterruptamente em busca, naturalmente em processo. Um ser que, tendo por vocação a humanização, se confronta, no entanto, com o incessante desafio da desumanização, como distorção daquela vocação (p.18).

Essa opção é assumida pela educação do campo em sua diversidade de

sujeitos. Para o movimento, o sólido processo de formação intelectual deve ser

acompanhado de uma rigorosa formação política que a ela se corresponda. O

processo de formação intelectual deve servir como elemento estruturador da

formação política assim como o processo de formação política deve ter como base

uma profunda vontade de avançar em uma contínua formação intelectual.

Um dos exemplos que nos permite entender esta relação pode ser extraído

do Manifesto dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária ao Povo Brasileiro,

no qual educadores(as) ligados ao MST buscam articular em um documento oficial

85

do movimento elementos típicos do processo de formação política do movimento a

elementos pedagógicos e intelectuais que lhes permitem o melhor desenvolvimento

de suas práticas educativas. O documento assim expressa:

entendemos que para participar da construção desta nova escola, nós, educadores e educadoras, precisamos construir coletivos pedagógicos com clareza política, competência técnica, valores humanistas e socialistas. (MST, 1997, item 10)

Este processo é complementado com a tentativa de segmentos do movimento

de educação do campo de utilizarem esta dimensão política na tentativa de construir

com os sujeitos um sujeito coletivo, tendo a característica de movimento social e que

contribua no processo de fortalecimento das lutas pelos direitos sociais básicos dos

povos do campo.

86

3. O MOVIMENTO PELA EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO EM MOVIMENTO: o

processo de mobilização pela educação do campo.

A educação do campo é um projeto e um processo, devendo ser entendida

pelos sujeitos individuais e coletivos como tal e disputado no seio da sociedade civil.

Por isso, a sua construção só pode ser entendida como uma luta. No âmbito das

políticas públicas para a educação, era corrente nos trabalhos acadêmicos e nos

documentos oficiais a ideia de que o problema educacional das populações que

vivem fora das cidades poderia ser resolvido com investimentos no transporte

escolar e na construção de escolas multiseriadas.

Esta visão era fruto do entendimento que se tinha que o problema da escola

do campo decorria apenas da localização geográfica das instituições de ensino de

maior porte, que ofertam os anos finais do ensino fundamental, o ensino médio e o

nível superior, e a baixa densidade populacional nas regiões rurais.

Como conseqüência temos, entre outras coisas, a necessidade das

populações do campo percorrerem grandes distâncias entre casa e escola de maior

porte ou forçar estas populações a “contentarem-se” com o atendimento de um

número reduzido de alunos, geralmente com baixa qualidade no ensino, na forma de

escola unidocente multisseriada.

Ainda persiste a acusação de que o grande número de escolas nesta situação

na zona rural são as responsáveis diretas pelo grande comprometimento do

orçamento público para a educação na manutenção do então denominado ensino

rural.

No entanto, o que percebemos é que a luta da educação do campo é muito

mais profunda do que a resolução do problema do transporte escolar e a construção

de mais escolas. A perspectiva da educação popular do campo é fruto da luta

política e da organização popular em defesa da educação dos povos do campo. Esta

luta trás uma história de mobilizações dos movimentos sociais brasileiros por um

projeto popular de nação que tem como correspondência um projeto popular de

educação que atenda o interesse destes sujeitos, definido sob o rótulo genérico e

expressivo de educação do campo.

Essas mobilizações têm como marca a pressão dos movimentos sociais pela

construção de políticas públicas e pelo reconhecimento na legislação educacional

nacional do direito dos povos do campo à educação.

87

Neste capítulo, nossa intenção é analisar os traços gerais dessa mobilização

dos movimentos sociais por um projeto de nação e por uma perspectiva

educacional. Analisaremos, também, como a legislação educacional veio sofrendo

modificações para reconhecer o direito dos povos do campo à educação. Por fim,

refletiremos sobre qual é a relação entre a educação popular e a educação popular

do campo, buscando definir alguns dos fundamentos da educação do campo

relacionada com a educação popular.

3.1 O Movimento pela Educação e a Educação em Movimento: a mobilização

dos movimentos sociais pela educação do campo.

A articulação entre as lutas pela terra e pela educação será pauta presente na

década de 1990, quando o Movimento de Educação do Campo passa a organizar

vários encontros para discutir a proposta educativa a ser assumida pelo MST, nos

acampamentos e nos assentamentos.

O I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (I

ENERA) em 1997 foi realizado em Brasília no qual também participaram

representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da

Universidade de Brasília (UnB), da Organização das Nações Unidas para Educação,

Ciência e Cultura (UNESCO) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância

(UNICEF).

Este Encontro possibilitou que os debates sobre a educação nos

assentamentos e acampamentos do MST ganhassem uma dimensão maior que a

projetada inicialmente, construindo um grande movimento nacional “Por uma

Educação do Campo”.

No ano seguinte, em 1998, foi formada a “Articulação Nacional Por Uma

Educação do Campo”, também conhecida como “Movimento Nacional Por Uma

Educação do Campo”, que se constituiu em uma articulação supra organizacional, e

passou a promover e gerir as ações conjuntas pela escolarização dos povos do

campo em nível nacional. Um dos seus primeiros méritos foi a realização em agosto

do mesmo ano da “I Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo”,

em Luziânia, Goiás, com a finalidade de demarcar as opções políticas a que se

vincula este movimento, afirmando seus principais atores e bandeiras, demarcando

88

claramente que a luta pelo território e a luta pela educação encontram-se

definitivamente articuladas.

Uma primeira demarcação importante deste Movimento é a assunção do seu

sujeito histórico (o camponês) e a sua definição como um sujeito social específico,

na tentativa de demarcá-lo com especificidade de classe social. No texto

preparatório para a I Conferência Nacional Por uma Educação Básica do Campo,

Fernandes, Cerioli e Caldart (2004, p. 25) afirmam que:

embora com esta preocupação mais ampla, temos uma preocupação especial com o resgate do conceito de camponês. Um conceito histórico e político, Seu significado é extraordinariamente genérico e representa uma diversidade de sujeitos. No Brasil, em algumas porções do Centro-Sul, tem a denominação de caipira. Caipira é uma variação de caipora, que vem do tupi kaa’pora, em que kaa’ significa mato e porá significa habitante. No Nordeste é curumba, tabaréu, sertanejo, capiau, lavrador... No norte é sitiano, seringueiro. No Sul é colono, caboclo... Há um conjunto de outras derivações para as diversas regiões do País: caiçara, chapadeiro, catrunano, roceiro, agregado, meeiro, parceiro, parceleiro entre muitas outras denominações, e as mais recentes são sem terra e assentado (p. 25).

No entanto, Fernandes, Cerioli e Caldart não definem o conceito de

camponês, lançando mão apenas de algumas das formas de manifestação do

campesinato na realidade brasileira. Uma definição mais precisa do sentido deste

conceito é encontrado a partir da compreensão da unidade camponesa como

elemento articulador destes diversos atores sociais em seus diferentes tempo-

espaços. É isto que propõe Maestri (2005) ao afirmar que:

compreendemos como unidade produtiva camponesa o núcleo dedicado a uma produção agrícola e artesanal autônoma que, apoiado essencialmente na força e na divisão familiar do trabalho, orienta a sua produção, por um lado, à satisfação das necessidades familiares de subsistência e, por outro lado, mercantiliza parte da produção a fim de obter recursos monetários necessários à compra de produtos e serviços que não produz; ao pagamento de impostos (218-219).

Assim, a partir da unidade camponesa é que podemos definir o campesinato

e entender porque os diversos sujeitos acima mencionados, mesmo contendo

diferenças nos seus modos de viver, podem ser entendidos como manifestações do

campesinato nacional.

O projeto educativo definido pelo Movimento passa, então, a ressaltar o

trabalho coletivo e os elementos político-pedagógicos que articulem o

89

desenvolvimento pleno do educando com a formação que construa a identidade

política destes sujeitos com o intuito de desmistificar as ideologias comumente

difundidas sobre o campo e articular as lutas por condições dignas de vida.

Esta perspectiva já está presente desde o 1º ENERA, realizado de 28 a 21 de

julho de 1997, em Brasília, quando os educadores da reforma agrária afirmam no

Item 10 que:

para participar desta nova escola, nós, educadores e educadoras, precisamos constituir coletivos pedagógicos com clareza política, competência técnica, valores humanistas e socialistas. (MST, 1997)

É neste Encontro que há a articulação definitiva entre a luta pela terra e o

projeto de país defendido desde a década de 1980 pelo MST com um movimento

mais amplo que entende que esta luta está diretamente ligada à luta por uma

educação que auxilie os sujeitos na construção deste projeto.

É neste momento, também, que o MST lança mão de uma opção educativa

mais ampla que o próprio sujeito histórico do movimento. A articulação por uma

educação do campo, mesmo nascendo com forte influência do MST, consegue

aglutinar uma diversidade de movimentos e atores que buscam dar conta da

diversidade do campesinato nacional.

A consolidação desta relação é presente nos documentos e encontros

seguintes, como por exemplo, o que ocorreu no ano seguinte, denominado de

Primeira Conferência Nacional “Por Uma Educação Básica do Campo”. No

documento preparatório, há a defesa veemente de uma educação do campo e uma

explicação do porque do movimento articular-se em torno da luta “por uma educação

básica do campo”.

A defesa da Educação Básica tem dois motivos: o primeiro, é que “a

escolarização não é toda a educação, mas é um direito social fundamental a ser

garantido (e hoje ainda vergonhosamente desrespeitado) para todo o nosso povo,

seja do campo ou da cidade” (FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 2004, p. 24).

Segundo, porque “a expressão educação básica carrega em si a luta popular pela

ampliação da noção de escola pública” (ibidem, p. 24).

A expressão do campo, presente no documento faz referência à necessidade

da escola assumir a cultura e o trabalho local como elementos estruturadores do seu

planejamento e de sua ação educativa. Mais do que uma escola que está no campo,

90

a escola do campo tem que ter o seu “projeto político-pedagógico vinculado às

causas, aos desafios, aos sonhos, à história, e à cultura do povo trabalhador do

campo”. (idem, p. 27)

A expressão Por Uma indica a necessidade de luta pela construção desta

perspectiva educacional que respeite o tempo e o território camponês. Esta

necessidade é apontada por que:

nem temos satisfatoriamente atendido o direito à educação básica no campo (muito longe disso) e nem temos delineada, senão de modo muito parcial e fragmentado, através de algumas experiências alternativas e pontuais, o que seria uma proposta de educação básica que assumisse, de fato, a identidade do meio rural, não só como forma cultural diferenciada, mas principalmente, como ajuda efetiva no contexto específico de um novo projeto de desenvolvimento do campo. (idem, p. 27)

Neste sentido, um dos principais elementos construídos neste processo é a

definição de uma perspectiva educacional que não é propriedade de assentamentos,

acampamentos, povos da floresta, posseiros, meeiros ou qualquer outra

denominação que possa ser dado ao homem e a mulher do campo. Não é uma

perspectiva que busque desenvolver as habilidades agrícolas ou da pecuária nas

crianças desde a tenra idade para que esta seja sua perspectiva inconteste de

futuro.

Entre 02 e 06 de agosto de 2004 foi realizada a II Conferência Nacional Por

Uma Educação do Campo. Nesta conferência, que reuniu mais de mil pessoas e o

documento final assinado por 32 entidades8 manifesta explicitamente como a luta

pela educação do campo foi se desenvolvendo entre a primeira e a segunda

conferência.

8 CNBB, MST, UNICEF, Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Ministério do Desenvolvimento

Agrário (MDA), Ministério da Educação (MEC), Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Sindicato Nacional dos Trabalhadores Federais de Educação (SINASEFE), Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES), Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, Secretaria de Estado de Administração e da Previdência do Estado do Paraná (SEAP-PR), Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ministério da Cultura (MinC), Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB), Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Movimento de Educação de Base (MEB), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Cáritas, Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais (CERIS), Movimento de Organização Comunitária (MOC), Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro (RESAB), Serviço de Tecnologia Alternativa (SERTA), Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), Caatinga, Associação Regional das Casas Familiares Rurais (ARCAFAR SUL-NORTE).

91

O documento final traz uma pequena caracterização das condições do

campo, um conjunto de bandeiras de luta, a articulação destas lutas com a luta por

um projeto popular de país e os novos caminhos para o Movimento, que já conta

com um crescimento expressivo, se comparado com a primeira conferência,

realizada seis anos antes.

Ainda em 2004, no âmbito do Ministério da Educação foi criada a SECAD, à

qual está vinculada a Coordenação Geral de Educação do Campo, que para muitos

significa a inclusão na estrutura estatal federal de uma instância responsável,

especificamente, pelo atendimento da demanda da educação do campo.

Em 2005, de 19 a 21 de setembro, foi realizado o I Encontro Nacional de

Pesquisa em Educação do Campo. Este evento foi promovido pelo MDA através do

Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e pelo MEC,

através da SECAD. Este constitui-se no primeiro encontro nacional organizado com

a finalidade de discutir entre pesquisadores e movimentos sociais que já vinham

construindo a educação do campo o quadro nacional das pesquisas em educação

do campo no país e contou com a presença de representantes de 24 unidades da

federação.

O debate da educação do campo caminha na perspectiva de construção de

um projeto educacional que tenta respeitar a temporalidade, a cultura, o trabalho e o

território do grupo em que está vinculada. Sendo assim, não é fechada ao mundo e

nem acrítica a ele. É uma abertura crítica ao mundo e que disputa politicamente o

projeto de futuro e não o oferece como caminho determinado. É uma perspectiva

onde os sujeitos encontram-se com seus pares em seus espaços educativos para,

mais do que discutir como o mundo é, discutir qual será o próximo passo para fazê-

lo como nós queremos, em um constante processo educativo.

No Estado do Pará, apesar da presença marcante do MST em diversas

ações, como na ocupação do latifúndio Rio Branco9, em 1992, do cinturão verde10,

em 1994, e o latifúndio Macaxeira11, ocupado em 1996, o MST não se tornou o

9 Latifúndio de vinte e dois mil hectares ocupado em 16 de julho de 1992 e foi desocupada imediatamente com

a ação da polícia apoiada por jagunços particulares, côo comprova as denúncias do MST vinculadas nos jornais da época. 10

Segundo Fernandes (1999) o cinturão verde se constitui em uma área de aproximadamente quatrocentos e onze mil hectares de responsabilidade da Companhia Vale do Rio Doce com autorização emitida pelo Senado Federal em 1986 e que foi ocupada por cerca de duas mil e quinhentas famílias ligadas ao MST. 11

Latifúndio de quarenta e dois mil hectares, localizado no município de Eldorado dos Carajás. Foi por conta da marcha realizada pelo MST do município para Belém que, em 17 de abril de 1996, sob ordem do então

92

principal sujeito da educação do campo no estado. No Pará uma série de

movimentos sociais, pesquisadores e estudantes vêm levando em frente à luta pela

educação do campo do Pará, vinculando a luta estadual à luta nacional.

Um marco importante do início desta luta no Pará foi o “Encontro Estadual de

Educação do Campo”, realizado em novembro de 2003 na Escola Agrotécnica de

Castanhal.

A partir deste primeiro Encontro, iniciou-se uma rede de debates e

articulações para colocar em pauta no estado a questão da educação do campo. Em

2004 dois eventos se destacaram: o “I Seminário Estadual de Educação do Campo”,

realizado em fevereiro de 2004 na Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA).

Em 2005 o Pará teve mais dois eventos de destaque: o “II Seminário Estadual

de Educação do Campo”, que conseguiu manter a periodicidade de um ano de

intervalo entre o I e o II, sendo realizado em julho de 2005 no Seminário Pio X; e o

“Programa Saberes da Terra da Amazônia Paraense”, que iniciou em 2005 e

estendeu-se até 2008. Este Programa teve como executores a UFPA, UEPA e a

União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e como agentes

financiadores o MEC, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o MDA.

Qualificou cerca de 760 jovens entre 15 e 29 anos em 15 municípios do Estado do

Pará12 com o ensino fundamental e qualificação profissional. As ações do Programa

baseiam-se na pedagogia da alternância e no currículo integrado, organizado pelo

tema gerador “Agricultura familiar e Sustentabilidade na Amazônia”. Contou, ainda,

com a participação da Escola Agrotécnica de Castanhal, que foi a responsável por

emitir os certificados.

O ano de 2006 foi um ano de grandes desencontros para os movimentos

sociais e pesquisadores e demais ativistas da educação do campo no Estado do

Pará, não sendo registradas ações significativas do Movimento.

No entanto, em 2007 o Movimento retoma seu vigor. Dentre as ações,

destacam-se três. A primeira foi a criação do portal da educação do campo

governador do estado do Pará, Almir Gabriel, a polícia militar iniciou uma violenta ação para desocupar a PA-150, no período conhecido como curva do “s”, que teve como saldo o massacre de dezenove trabalhadores sem terra, como denunciou o MST. 12

Os municípios atendidos pelo projeto foram: Juruti, Concórdia do Pará, Ipixuna do Pará, Santa Luzia, Paragominas, Viseu, Breves, Portel, São Sebastião da Boa Vista, Igarapé-Miri, Moju, Marabá, Xinguara, Medicilândia e uruará.

93

paraense13 que é um espaço virtual que tem a finalidade de socializar os debates e o

acúmulo sobre a educação do campo no Estado do Pará, bem como facilitar a

articulação e a circulação de informações sobre a educação do campo. Neste portal

é possível encontrar livros, artigos, trabalhos de conclusão de cursos, monografias,

dissertações, teses, documentos, legislação e uma infinidade de notícias sobre a

educação do campo no Estado do Pará.

A segunda foi a realização do “III Seminário Estadual de Educação do

Campo”, realizado em Junho de 2007 no Seminário Pio X. E a terceira, a realização

do “I Seminário Estadual da Juventude do Campo”, no mesmo local.

Em maio de 2008 foi realizado o “I Encontro de Pesquisa em Educação do

Campo do Estado do Pará”, na UFPA e em 2010 o “II Encontro de Pesquisa em

Educação do Campo do Estado do Pará” também na UFPA.

Em 2009 foi criado o curso de Pós-Graduação Lato Sensu em “Educação do

Campo, Desenvolvimento e Sustentabilidade” no Instituto de Ciências da Educação

(ICED) da UFPA, para atender principalmente a estudantes e pesquisadores que já

possuíam algum tipo de vínculo com a temática e que buscavam aprofundar

temáticas específicas.

Dentre as ações governamentais, destacam-se a realização do seminário

para definir a política de educação do campo para a rede pública estadual de ensino

no Pará, organizado pela Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) em 2008, na

cidade de Benevides, Pará, e a criação da Coordenação de Educação do Campo,

das Águas e da Floresta na SEDUC, que é responsável pelos projetos de escolas

que se assumam ligados à educação do campo.

Entre as ações mais comuns no Movimento, estão as “Rodas de Conversa” e

os “Cafés Pedagógicos”, que são encontros dialogados sobre temas ligados a

educação do campo em espaços abertos e públicos e tem a finalidade de discutir

estes temas de maneira acessível, constante e horizontal.

Atualmente o Movimento Paraense de Educação do Campo é composto

basicamente pelo Fórum Paraense de Educação do Campo (FPEC), Programa

Educação Cidadã/Pronera, Federação dos Trabalhadores da Agricultura (FETAGRI),

FETRAF, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o MST, entre outros. O

13

http://www.educampoparaense.org

94

FPEC se constitui atualmente como um fórum que reúne entidades governamentais,

movimentos sociais, instituições de ensino, pesquisa e extensão e a sociedade civil.

O desenvolvimento desta luta trouxe embates também no que refere à

legislação educacional, sendo importante analisarmos as mudanças legais no

contexto de lutas por uma educação do campo. Este processo de luta social pela

garantia de uma educação do campo veio se dando na legislação geral e na

legislação educacional do país, bem como, entender como as políticas públicas

foram construídas.

As duas primeiras constituições brasileiras, a de 1824 e a de 1891,

silenciaram completamente sobre a educação do campo, não havendo qualquer tipo

dúvida sobre os motivos que levaram a isso. Mesmo o Brasil se constituindo

basicamente como um país agrário-exportador, a sua população camponesa era

invisível ao estado no que tange aos direitos sociais. Segundo a autora do Parecer

nº 36/2001 do Conselho Nacional de Educação (CNE) que institui as Diretrizes

Operacionais para a Educação do Campo, o não aparecimento da educação do

campo nos dois documentos evidencia “de um lado, o descaso dos dirigentes com a

educação do campo e, de outro, os resquícios de matrizes culturais vinculados a

uma economia agrária apoiada no latifúndio e no trabalho escravo”. (CNE: 2001, p.

03)

O descrito no parecer fica evidente quando analisamos que entre essas duas

constituições foi promulgada a lei de terras, que se constituiu em uma movimentação

do campo conservador se preparando para as futuras transformações sociais por

qual o Brasil passaria nos anos posteriores e, apenas em 1871, foi promulgação a lei

do ventre livre. O campesinato brasileiro era constituído, principalmente, por

pessoas vistas como “sem” direitos pelas elites tradicionais e pelo estado, como

negros (livres e escravos), mulheres, pardos, índios, brancos pobres e outros.

No final do século XIX ainda resistiam as grandes oligarquias agrárias e seu

ideário de progresso baseado principalmente no latifúndio, na monocultura e no

abastecimento do mercado externo.

Esse contexto passa a mudar nas primeiras décadas do século XX,

principalmente com o fortalecimento da elite industrial, a defesa do ideário

desenvolvimentista que tem como uma das bases a educação e a proletarização de

grandes setores do campesinato nacional.

95

A educação no espaço rural é posta em pauta no Brasil pela primeira vez no

início do século XX pelo setor patronal no 1º Congresso da Agricultura do Nordeste

Brasileiro, realizado em 1923, e tem como marca: (a) o tratamento messiânico da

elite agrária nacional para com o campesinato; (b) a tentativa de conter o fluxo

migratório em direção às cidades; (c) a tentativa de aumentar a produtividade rural,

que era marcada pela existência de técnicas rústicas em que a necessidade de

estudos era muito limitada. (CNE, 2001)

Na Constituição de 1934 há uma mudança em relação às constituições

anteriores. Nela é definida ao Estado a função de financiar a educação e a educação

do campo. Segundo o Parecer nº 36/2001 do CNE “no âmbito de um federalismo

nacional ainda frágil, o financiamento do atendimento escolar da zona rural está sob

a responsabilidade da União e passa a contar, nos termos da legislação vigente,

com recursos vinculados a sua manutenção e desenvolvimento” (CNE, 2001, p. 06).

Poucos elementos novos sobre o tema foram observados na constituição de

1937. Em relação à de 1946 um elemento é significativo. Retomando os princípios

de 1934 e incorporando novos debates que surgiram nos 14 anos de diferença entre

as duas constituições, a constituição de 1946 é marcante no que se refere à

educação do campo, principalmente, na transferência de responsabilidade que ela

opera, colocando a responsabilidade pela oferta de educação na zona rural às

empresas privadas, desresponsabilizando o estado. Esta responsabilidade era dada

às empresas industriais, comerciais e agrícolas com mais de cem funcionários e a

educação deveria ser oferecida aos seus funcionários e aos filhos deles. Nos demais

casos, a responsabilidade mantinha-se no estado.

No entanto, a lei complementar a esta constituição, assim como aconteceu

em 1937, definiu que apenas as empresas industriais e comerciais eram obrigadas a

oferecer o ensino aos seus funcionários e aos filhos destes, excluindo da

responsabilidade as empresas agrícolas, fato que demonstra a maneira como o

estado e as elites entendem a importância da educação camponesa.

Esta política vai se repetir na constituição de 1967 e só vai ser alterada na

Emenda Constitucional promulgada pelo regime militar, em 1969, que passa a definir

a obrigatoriedade da educação rural aos filhos dos trabalhadores que tinham entre

sete e quatorze anos, sendo que esta obrigação pode ser assumida de maneira

direta pela empresa ou de maneira indireta, pelo pagamento de um auxílio financeiro

as famílias que recebe o nome de “salário educação”.

96

Só na Constituição Federal de 1988 que é consolidada a visão do estado

educador, que inicia na Constituição de 1937. A Constituição de 1988 proclama a

educação como “direito de todos e dever do Estado, transformando-a em direito

subjetivo, independentemente dos cidadãos residirem nas áreas urbanas ou rurais”

(CNE, 2004, p. 187).

Há uma diferença fundamental entre as Constituições de 1937, 1946, 1967 e

a Constituição de 1988 que nos permite falar, hoje, em educação do campo. As

constituições anteriores são explícitas ao definirem a responsabilidade pela

educação na zona rural à iniciativa privada, mesmo que essa definição de

responsabilidade não signifique obrigatoriedade, fazendo com que a maioria

absoluta das empresas agrícolas desviassem de suas responsabilidades

constitucionais.

No entanto, esta responsabilização demonstra que o horizonte de expansão

da educação na zona rural estava eminentemente ligado ao avanço do capitalismo

agrário. Neste contexto, a educação não era oferecida ao camponês e sim ao

proletariado rural ou ao campesinato semi-proletariado.

A educação não era tida como um direito de todos os que moram no campo,

como os pequenos agricultores, os coletores, os pescadores e etc., mas sim um

direito dos que moravam no campo e vendiam a sua força de trabalho a uma grande

empresa agrícola.

Portanto, historicamente não existiram dois elementos fundamentais para a

consolidação da educação no espaço agrário brasileiro: (a) a formulação de

diretrizes políticas e pedagógicas específicas que regulamentassem como a escola

deveria funcionar e se organizar, definindo sua estrutura, currículo e diretrizes

operacionais; (b) a dotação financeira que possibilitasse a institucionalização e

manutenção de uma escola em todos os níveis no espaço agrário com qualidade.

Neste sentido, não há como falar em educação do campo já que este

processo busca a subtração do principal sujeito da educação do campo: o

camponês, que, definitivamente, não pode ser confundido com o proletariado rural. É

neste sentido, que podemos definir esta visão educacional como a educação rural.

Nesta perspectiva, concordamos com Fernandes (2006), quando afirma que para

compreendermos:

97

a origem deste conceito [educação do campo] é necessário salientar que a Educação do Campo nasceu das demandas dos movimentos camponeses na construção de uma política educacional para os assentamentos de reforma agrária (p.28).

Este debate já realizamos no capítulo anterior, mas nos permitimos voltar ao

assunto para mostrar como a educação rural (e não a educação do campo) foi um

elemento importante, inclusive, para as elites agrárias, construindo um arcabouço

normativo próprio que teve de ser significativamente alterado com a mudança de

paradigma.

A perspectiva da educação do campo já pode ser vista na lei nº 9394/96,

conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) onde há o

reconhecimento da necessidade de adequação da educação a vida do campo. Na

LDB destacamos:

Art. 28º. Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I. Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais

necessidades e interesses dos alunos da zona rural. II. Organização escolar própria, incluindo a adequação do

calendário escolar às fases do ciclo agrícola e as condições climáticas.

III. Adequação à natureza do trabalho na zona rural.

Neste mesmo ritmo percebemos que outras legislações vêem ao encontro da

demanda por uma educação do campo que respeite as comunidades locais e que

integre a vida no campo como forma de garantir que os filhos dos camponeses não

tenham uma educação que a todos os momentos lhe inculque ideologicamente que

o caminho da cidade é o único possível para que essa população tenha uma vida

digna. Também podemos perceber essa perspectiva na Resolução do CNE para as

escolas do campo.

Na resolução do CNE/CEB 1/2002 o CNE define que:

Art. 4º. O projeto institucional das escolas do campo, expressão do trabalho compartilhado de todos os setores comprometidos com a universalização da educação escolar com qualidade social, constituir-se-á num espaço público de investigação e articulação de experiências e estudos direcionados para o mundo do trabalho, bem como para o desenvolvimento social,

economicamente justo e ecologicamente sustentável.

98

No entanto, mesmo havendo grandes avanços na legislação recente sobre a

educação do campo é importante colocarmos em questão um elemento: a legislação

atual é fruto de uma disputa intensa por projetos diferentes para o campo brasileiro

representada, de um lado, pelos movimentos sociais, camponeses, igreja e outros

setores progressistas e, de outro lado, pelos latifundiários, grandes produtores,

oligarquias agrárias e grileiros e, assim como registrou avanços, também registrou

retrocessos, como o observado nas alterações do código florestal e do índice de

produtividade das propriedades agrícolas, onde prevalece na nova legislação um

caráter conservador da injusta estrutura fundiária brasileira e um projeto de campo

ligado aos interesses do agronegócio latifundiarista.

Além dos próprios sujeitos, vem crescendo a formação de movimentos sociais

e a participação de intelectuais e estudantes nesta disputa, tomando como

referência o lado dos povos do campo, mesmo considerando que uma parcela

significativa das universidades, a partir de suas políticas, intelectuais, estudantes e o

conhecimento produzido ainda esteja visceralmente ligada ao projeto de

modernização conservadora do campo que é construído sobre bases latifundiaristas.

Nessa disputa, ainda há no campo um déficit e cidadania muito acentuado,

marcado pela omissão do estado em garantir a integridade dos direitos sociais e

humanos que vem gerando como consequência a exclusão da escola de gerações e

gerações de trabalhadores do campo. Isso fica evidente quando analisamos os

indicadores nacionais sobre a educação no campo e, em especial, sobre a educação

no campo na Amazônia, como evidência o capítulo seguinte.

99

4. A EDUCAÇÃO POPULAR DO CAMPO EM COMUNIDADES RIBEIRINHAS:

REALIDADE CAMPONESA NAS COMUNIDADES RURAIS-RIBEIRINHAS E O

TRABALHO EDUCATIVO DO GETEPAR-NEP.

Quando analisamos o caso brasileiro, percebemos que a realidade vivenciada

pelos povos do campo é, em geral, marcada por uma grande precariedade no que

tange aos direitos sociais básicos. Questões como a precariedade ou até mesmo a

falta de assistência à saúde, o acesso e a permanência à escola, a assistência

social, o saneamento básico, a proteção ao trabalhador e a habitação são nós que

ainda não foram desatados.

Neste contexto, há a produção da invisibilidade social dos povos do campo,

sendo que em sua grande maioria só poderiam ser reconhecidos como sujeitos

plenos de direito na medida em que fossem aos centros urbanos para terem acesso

aos serviços prestados pelo Estado.

Infelizmente a realidade amazônica, e em especial a realidade das

comunidades analisadas, não foge desta regra. Nelas, estão presentes com grande

intensidade as marcas históricas do processo de estruturação e reestruturação do

espaço amazônico, assim como as marcas do papel destinado ao campo e aos

povos do campo na sociedade brasileira e na sociedade paraense.

Neste contexto, para nos aproximar da realidade destas comunidades, cabe

perguntarmos qual é a dinâmica da estrutura sócio-espacial presente nestas

comunidades e qual é o seu papel no desenvolvimento das práticas sociais

cotidianas destes sujeitos?

A aproximação território, trabalho e temporalidade serão os nossos elementos

de referência na dinâmica sócio-espacial.

4.1 Trabalho, território e temporalidade na formação das comunidades rurais-

ribeirinhas: o caso do “São Bento”, do “São José do S” e da comunidade

“Jesus por Nós”.

As comunidades “São Bento” (ou simplesmente Bento, como tratam os

moradores), “São José do S” (ou simplesmente “S”) e “Jesus por Nós” fazem parte

100

do espaço agrário do município de São Domingos do Capim, localizado no nordeste

paraense. (ver mapa 1 – mapa de localização).

MAPA 01 – Município de São Domingos do Capim.

Fonte: LAIG-UFPA

O município hoje possui uma área territorial estimada em 37.612 km2 e faz

fronteira com os municípios de São Miguel do Guamá (ao norte), à Irituia (ao leste),

à Mãe do Rio (ao Sudeste), à Aurora do Pará (ao sul), à Concórdia do Pará (ao

sudoeste) e à Bujarú (ao oeste)

Atualmente, segundo o resultado preliminar do censo realizado no ano de

2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município conta

com 29.827 habitantes, dos quais aproximadamente 22,12% (cerca de 6.599

habitantes) encontram-se na área urbana do município, conhecida pelos moradores

como a “cidade” e os outros 77,88% (cerca de 23.228 habitantes) ocupam a área

rural, denominada pelos moradores locais como “interior”.

101

Uma das primeiras dificuldades que estas comunidades encontram é no que

tange a própria localização pela ausência de um mapa que represente

fidedignamente o local onde elas estão instaladas.

As comunidades analisadas localizam-se a sudoeste da cidade sendo que a

primeira, a comunidade “São José do S”, localiza-se entre 1 hora e 1 hora e 30

minutos de navegação14 em direção à montante do Rio Capim, partindo da sede do

município de São Domingos do Capim, onde encontramos o ramal15 em terra firme,

que leva às três comunidades (Imagem 01).

Imagem 01 – Ramal que leva às comunidades “São Bento”, “São José do S” e “Jesus por Nós”

Fonte: trabalho de campo, maio de 2010.

Foto: Adolfo O. Neto

A partir do rio em direção à comunidade do “São Bento”, que é a mais

próxima, soma-se cerca de 1 hora de caminhada em estrada de terra, onde a

14

Optamos por colocar o tempo do percurso porque é pelo tempo que os moradores locais costumam mensurar as distâncias. 15

Ramal, para estas comunidades, é uma pequena estrada de terra batida no meio da floresta.

102

paisagem que prevalece é a mata, entrecortada por capoeiras16, pequenas roças e

grandes fazendas improdutivas, demarcando claramente um conflito não somente

em relação ao mundo do trabalho entre pequenos agricultores de características

camponesas e fazendeiros, mas também em relação ao modo de apropriação do

solo, da floresta dos animais e do rio, assim como de todos elementos simbólicos

que envolvem esta relação.

A comunidade do “São Bento” localiza-se na mesma estrada da comunidade

do “São José do S”, sendo que se soma ao percurso inicial cerca de 1 hora e 30

minutos de caminhada a partir daquela. Enfoca-se aqui a navegação e a caminhada

como mensuradores da distância e do tempo pelo fato de serem os meios de

transportes mais utilizados pelos sujeitos que vivem nestas comunidades.

Partindo da Comunidade do “São Bento” em direção à comunidade “Jesus por

Nós” soma-se, aproximadamente, mais 30 minutos de caminhada. Esta caminhada é

feita em estradas que se encontram em situação precária, devido ao completo

descaso do poder público, principalmente em relação às estradas que levam da

beira do rio capim até as comunidades, como é o caso do ramal das Comunidades

do “Bento”, do “S” e de “Jesus por Nós”

No que tange aos ramais que ligam o centro da comunidade as roças, a

situação não é diferente. Como a manutenção é feita manualmente pelos próprios

moradores, já que as comunidades não possuem máquinas pesadas, em geral, a

situação destes ramais encontra-se precária, com grandes pontos de atoleiro no

período chuvoso e com a vegetação dificultando a passagem, como mostra a

imagem 02.

Estas características são típicas do espaço rural amazônico formado até a

primeira metade do século XX, onde a ocupação do território deu-se margeando os

grandes rios que cortam a região e a população foi fixando-se mata a dentro para o

desenvolvimento de atividades agrícolas e extrativas, formando o sujeito regional

tido como caboclo, que possui grande conhecimento sobre a vida amazônida em

locais de floresta em pé.

16

Capoeira é o nome dado pelos moradores locais para as áreas de vegetação em regeneração.

103

Imagem 02 – Ramal que liga a comunidade “São Bento” as roças dos moradores.

Fonte: trabalho de campo, maio de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

A formação histórica do município de São Domingos do Capim está

diretamente ligada ao processo de colonização pelo qual o vale Amazônico passou

durante o transcorrer dos séculos XVI, XVII e XVIII. Segundo Rodrigues e Mota Jr.

(2008, p. 22):

Sob o nome inicial de São Domingos da Boa Vista e a categoria de povoado, a construção histórica deste espaço geográfico fez parte do plano político de ação maior idealizado e levado a cabo pelo primeiro ministro português José Sebastião de Melo e Carvalho, o marquês de pombal.

Este projeto, no entanto, segundo Rodrigues e Mota Jr. (2008) foi executado

pelo seu irmão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, que com mãos de ferro,

descia os rios da região do vale amazônico demarcando a presença portuguesa no

domínio do território, colonizando índios e construindo bem feitorias na tentativa de

inibir a entrada de estrangeiros nos solos pouco conhecidos e pessimamente

explorados e guardados pela coroa ibérica.

104

O processo de colonização da Amazônia tinha uma visão eminentemente

territorial e possuía quatro grandes objetivos: fortificar, delimitar, povoar e

desenvolver o território. Para a execução destes objetivos, três grandes eixos

basearam o processo de colonização, sendo o eixo religioso, o eixo militar e o eixo

econômico.

Este processo demarca a importância da associação entre o Estado

Português e a igreja no processo de conquista do território do novo mundo, ambas

associadas a fim de garantir os interesses da coroa e da burguesia portuguesa.

Um ano antes de acabar o governo do Marquês de Pombal sobre as

províncias do Grão-Pará e Maranhão, no ponto de encontro dos rios Guamá e

Capim, Mendonça Furtado ergue o povoado que em 1833 passaria para a categoria

de Freguesia por conta da nova forma de divisão interna do estado do Grão-Pará.

Sobre a formação da população local Rodrigues; Mota Jr. (2008, p. 25)

afirmam que:

a ênfase nos casamentos mistos como estratégia de povoamento possibilitou a formação de uma população mestiça de várias matizes. (...) O biótipo característico do ribeirinho amazônico e seu modo de vida, como percebemos nas comunidades ribeirinhas de São Domingos do Capim, são frutos da mescla de indivíduos de etnias e culturas diferentes que

conformaram o processo histórico de formação territorial e populacional,

Isso demarca a emergência de uma sócio-diversidade ampla e complexa,

impossível de ser generalizada através do contexto amazônico, mesmo que a forma

de ocupação do território e povoamento possa ter características semelhantes.

Nas comunidades analisadas, é marcante a presença de características

típicas de comunidades rurais e de comunidades ribeirinhas, ficando na fronteira

entre estes dois conceitos, mesmo que hora aproximando-se mais de um, hora

aproximando-se mais de outro. O Rio é uma presença constante na estruturação da

vida social. No entanto, a principal forma de trabalho dos sujeitos é a produção da

farinha de mandioca (Imagem 03), sendo que a maioria do tempo dedicado ao

trabalho é dispensado nas roças que são feitas na mata, o que faz com que eles

tenham forte ligação com a agricultura, mesmo tendo grande ligação com o

extrativismo e com a caça, que são desenvolvidos sem fins comerciais.

105

Imagem 03 – Produção da farinha de mandioca.

Fonte: trabalho de campo, agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

A produção da farinha é feita em “casas de farinha” que podem ser

comunitárias, servindo a todos, ou privadas, sendo de propriedade de uma família

ou de alguns membros da comunidade. Para Corrêa (2008, p. 30), “nessas

comunidades, as relações de produção centram-se predominantemente na

agricultura, no cultivo da mandioca, sendo a produção da farinha a atividade

propulsora da economia, geradora da renda delas”.

No “São Bento”, no “São José do S” e no “Jesus por Nós”, além do cultivo da

mandioca e da produção da farinha outros cultivos complementares são feitos, no

entanto, geralmente sem fim comercial, como o caso do milho. Há também uma

grande ligação destas comunidades com o extrativismo (açaí, buriti e etc.) e com a

caça, que serve de elemento complementar para a alimentação das famílias e de

momento de diversão.

A casa de farinha se constitui como o principal núcleo de produtivo das

comunidades e possui características semi-industriais onde predominam técnicas

106

aprendidas a partir de anos de experiência com a produção da farinha associadas

algumas alterações tecnológicas. O trabalho, geralmente, é feito de forma

cooperada a partir da parceria, onde um sujeito ajuda o outro a aprontar a sua

produção para que, ao final, ele possa ser ajudado na sua.

Além de núcleo produtivo, a casa de farinha constitui-se como um importante

núcleo social, cultural e pedagógico, sendo um dos principais elementos de

estruturação da vida social das comunidades, estando presente desde cedo no

imaginário, no trabalho e nas práticas sociais cotidianas dos sujeitos das

comunidades, inclusive das crianças que crescem tendo a casa de farinha como um

dos contextos de diversão e de aprendizagem permanente (Imagem 04).

Imagem 04 – Casa de farinha.

Fonte: trabalho de campo, agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

Em geral, o escoamento da farinha de mandioca produzida nas comunidades

se dá de duas maneiras: uma maneira é quando ela é vendida por um preço abaixo

do que é pago pelo produto na sede do município ao atravessador, geralmente

107

conhecido como “marreteiro” (Imagem 05), que vem até as comunidades comprar a

produção e leva para vender em outras cidades mais distantes, onde o preço pago

pela farinha é maior. ou os produtores agrupam-se em pequenos grupos, alugam um

pequeno barco e levam a farinha para ser vendida na sede do município (Imagem

06), geralmente em uma feira que se forma aos finais de semana no porto da cidade

(Imagem 07).

Imagem 05 – Veículo de um atravessador de farinha de mandioca.

Fonte: trabalho de campo, agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

Neste caso, o preço pago é menor. No entanto, não há o desgaste físico

gerado pelo transporte do produto até a cidade e não há a necessidade de ficar

horas na beira do cais para vender o produto.

Esta alternativa é fruto, principalmente, das péssimas condições em que se

encontram as estradas e da dificuldade de transporte para levar o produto até a

margem do rio e, de lá, até a cidade, onde teriam uma remuneração maior pelos

108

seus produtos. Um dos momentos em que percebemos isto foi quando na reunião

de membros da comunidade Jesus por Nós, os sujeitos relataram que:

A maior dificuldade pra nós aqui é o transporte. Agente luta com esse negócio, lavrando o campo e se acaba aqui mesmo porque não tem como agente sair lá fora. Não vende porque... tem vender aqui mesmo porque não tem como agente sair pra fora. A produção agente tem que vender aqui pro dono do carro, porque se agente tiver 30 pacotes, vamos dizer, pra vender lá em são domingos, ai ele agarra no frete, bem dizer, com tudo na farinha ai não dá lucro. A dificuldade maior é essa parte do transporte. No caso, pra gente sair daqui pra são domingos de pé, tem que sair 3h da madrugada. (Informação oral obtida em reunião na comunidade Jesus por Nós) Nada, nada, é umas 3h de tempo daqui pra lá (beira do rio capim) ou mais. Andando devagar é mais. A minha esposa anda devagar. De casa até lá na beira do rio é quatro horas de viajem. Quatro horas de viajem, ela puxando, diz ela. Quatro horas de relógio. (Informação oral obtida em reunião na comunidade Jesus por Nós)

A segunda possibilidade de escoamento da produção é quando os produtores

da comunidade se agrupam em uma quantidade que lhes permitam compartilhar o

transporte da farinha da comunidade até a beira e de lá alugam um pequeno barco

que leva a farinha para ser vendida na sede do município (Imagem 06).

Imagem 06 – Barco carregado com a produção de farinha para comercializar na sede de São Domingos do Capim.

Fonte: trabalho de campo, agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

109

A produção geralmente é comercializada em uma pequena feira de

produtores que se forma aos finais de semana no cais da cidade (Imagem 07), onde

os agricultores trazem sua produção (farinha, banana, abacaxi, melancia, bichos). A

venda dos produtos na sede se constitui como uma alternativa para conseguir uma

renda melhor, já que a maioria das famílias da região vivem com uma renda

baixíssima, fato que pode ser comprovado pela fala da educanda Regina ao relatar

que “trabalho com 75 famílias. 60 famílias recebem bolsa família”.

Imagem 07 – Local aonde os pequenos agricultores vindos do espaço agrário do município comercializam a sua produção.

Fonte: trabalho de campo, agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

No segundo, o valor recebido pela farinha é bem superiores aos observados

no primeiro. É neste espaço, também, que os agricultores costumam comprar os

elementos básicos para a subsistência, como o combustível (para o motor da

comunidade e para as motos), gêneros alimentícios que não produzem, velas,

110

fósforos, produtos de higiene pessoal e etc. Nas próprias comunidades ainda é

comum a presença da taberna, que se constitui em um local onde é comercializado

os estes produtos de maneira fracionada e por um preço bem acima do praticado na

cidade. É comum, ainda, nas relações comerciais a existência das relações de

confiança, onde os membros da comunidade pegam alguns produtos fiado17 e seus

débitos vão parar no caderno18.

Como as comunidades do “Bento”, do “S” e do “Jesus por Nós” localizam-se

distantes do rio Capim, a sua relação é mais forte com os igarapés que as

entrecruzam do que com o próprio rio. Os igarapés são o local onde as comunidades

desenvolvem atividades de lazer, trabalho, higiene pessoal, lavam as roupas, lavam

algumas louças e coletam água para diversas atividades, que vão desde o consumo

animal até o consumo humano.

Em algumas comunidades, como na comunidade do “Bento”, há uma caixa

d’água localizada no centro da comunidade e que é de uso coletivo. Nela há um

pequeno espaço feito de madeira e que vai do chão até, aproximadamente, 1,65m e

é destinado para tomar banho, sendo o único chuveiro de toda a comunidade. Há,

ainda uma torneira que geralmente é utilizada para lavar algumas roupas e uma pia,

onde alguns moradores lavam louças. Esta caixa d’água é abastecida por uma

bomba que retira água de um poço artesiano e é movida à energia do gerador da

comunidade, criando um “padrão de conforto” que não existe nas outras duas

comunidades analisadas.

Nesta comunidade, em geral, a água utilizada para lavar louça, cozinhar e

beber é retirada diretamente do igarapé, mesmo ele encontrando-se, atualmente,

com problemas que podem ser observados a olho nu, como o assoreamento, a

turvação da água e o pequeno volume que na parte represada pela comunidade

gera um pequeno lago com água quase que parada, como mostra a imagem 08.

Nas comunidades “Jesus por Nós” e “São José do S” a situação mesmo

sendo um pouco melhor, também é precária. Nestas comunidades toda a água

utilizada é retirada diretamente do igarapé, que em ambas também estão

assoreados. A diferença é que nestas comunidades o volume de água é um pouco

17

Termo muito comum na região para designar a compra feita a prazo baseada em relações de confiança, onde quem compra se compromete a pagar em um prazo extremamente flexível e previamente negociado. 18

Geralmente os débitos são anotados em um caderno onde cada página é destinada a um núcleo familiar ou a um responsável pela dívida.

111

maior, o que permite aos sujeitos ter uma água sem os problemas de estar parada

durante muito tempo.

Imagem 08 – Igarapé da Comunidade do São Bento

Fonte: trabalho de campo, agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

O modo de vida dessas populações que se encontram nas comunidades

ribeirinhas da zona rural do município permite que nos a consideremos como

populações tradicionais. Este conceito, segundo Conceição e Maneschy (apud NEP,

2004, p. 12), pode ser entendido como referindo-se:

a categorias sociais típicas da região – como o ribeirinho, o caboclo, o pescador, o vaqueiro, o seringueiro, o coletor de castanha, o marreteiro, o regatão e etc. Em uma perspectiva sociológica, é necessário evidenciar, na ligação que mantém com os ecossistemas, seu dinamismo social próprio, em contraposição as representações recorrentes de marasmo, indolência e rudimentarismo tecnológico.

No entanto, cabe ressaltar que mesmo sendo um espaço rico ecológica,

social, antropológica e pedagogicamente, as comunidades rurais ribeirinhas de São

Domingos do Capim, e em especial as estudadas nesta dissertação, possuem

112

grandes carências infra-estruturais, o que demarca o desrespeito com que o poder

público local trata essas comunidades. Corrêa (2008, p. 30) analisando a realidade

destas comunidades afirma que elas “apresentam traços característicos afins e

heterogêneos, que desenham suas paisagens identitárias sociais, culturais, políticas,

econômicas e ambientais num mapa amplo e complexo que caracterizam as

sociedades rurais amazônicas”.

Mesmo assim, a (falta de) atenção dispensada para as comunidades por

parte do poder público é um dos elementos potencializadores das dificuldades

encontradas pelos sujeitos. Do ponto de vista infra-estrutural podemos afirmar que a

situação destas comunidades é precária. Inexiste nestas comunidades saneamento

básico, sendo que as fossas são feitas no terreno das residências. Não há água

tratada e a água utilizada para beber e para o preparo de alimentos é tirada do

Igarapé ou do rio, sem receber o tratamento adequado.

Em relação à saúde, não há posto de saúde nestas comunidades, a atenção

é feita pela ação de uma Agente comunitária de Saúde (ACS) que atende diversas

comunidades e que, de tempo em tempo, passa na comunidade. Qualquer

atendimento que necessite de maior atenção tem que ser feito no posto de saúde da

sede do município. Se for um caso de maior complexidade, o paciente deve ser

removido para o município de Castanhal ou Belém.

Em relação à energia elétrica, estas comunidades estão inseridas no

programa nacional de eletrificação rural e ainda hoje aguardam o início das obras

que no cronograma inicial da concessionária de energia deveriam ter sido

concluídas no ano de 2008.

Atualmente, na comunidade do “São Bento” e do “S” a energia é oriunda de

geradores movidos a diesel (Imagem 09) que são mantidos (assistência técnica e

combustível) pela comunidade. Ele é ligado manualmente pelos próprios sujeitos

que geralmente são adolescentes ou adultos e é distribuída por uma pequena rede

improvisada pelos próprios moradores, não indo muito além dos domínios do centro

da comunidade.

Na comunidade “Jesus por Nós” não há energia elétrica, sendo que ela é a

mais próxima da rede de distribuição o que, provavelmente, poderá levar a ser a

primeira a ter energia fornecida pela concessionária de energia.

113

Imagem 09 – Gerador de energia da comunidade “São Bento”.

Fonte: trabalho de campo, maio de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

O combustível é de responsabilidade da comunidade e o gerador geralmente

é posto em funcionamento apenas quando seca a caixa d’água da comunidade e no

início da noite, para iluminar a comunidade e para que as pessoas assistam a

televisão em seu horário de descanso.

Alguns agricultores estão comercializando madeira nativa, sendo que estes

são os que geralmente moram próximo as comunidades, mas não “fazem parte”,

recebendo forte crítica dos demais justamente pelos problemas ambientais que

criam, geralmente relacionados ao enfraquecimento do solo, diminuição das áreas

de mata, diminuição da fauna e alteração da harmonia da comunidade. Esta

atividade é dirigida por madeireiras ilegais que vem aumentando a sua atuação na

região.

114

Geralmente elas abrem pequenos caminhos na floresta nativa, conhecidos

como trilhas, buscando apenas alguns tipos de madeira (geralmente madeira nobre)

e em determinados estágios de desenvolvimento. Ao contrário do que possa

parecer, esta prática está longe de representar uma prática sustentável. Tem como

característica a precarização completa do trabalho, já que as pessoas recrutadas

para tais atividades ganham por produção e não possuem qualquer tipo de proteção

formal aos seus direitos como trabalhador. A partir destas pequenas trilhas são

abertas clareiras na mata nativa que se localizam, por vezes, a quilômetros de

distância da estrada em que elas são escoadas, O transporte da madeira do seu

local de corte até a estrada é feita por tratores e a única maneira de se reconhecer

estes pontos na mata é a partir do ponto de apoio que estas madeireiras constroem

nas estradas para depositar a madeira até a passada do caminhão, como demonstra

a imagem 10.

Imagem 10 – Ponto de apoio para extração ilegal de madeira nobre.

Fonte: trabalho de campo, maio de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

115

Também vem crescendo próximo das comunidades a quantidade de grandes

fazendas (Imagem 11). Estas fazendas geralmente têm a finalidade agrícola, mas a

sua maioria é improdutiva. A produção de gado ainda não avançou na região

principalmente pela dificuldade de escoar o rebanho, devido à precariedade e a

quase inexistência de estradas na zona rural do município.

Imagem 11 – Fazenda localizada a beira do Rio Capim.

Fonte: trabalho de campo, maio de 2010.

Foto: Adolfo O. Neto

Mesmo assim, é possível de se observar com grande facilidade os conflitos

que vem sendo gerados nas comunidades devido a este avanço. Em um dos casos

mais emblemáticos, um fazendeiro que se instalou na região comprou diversos

terrenos de pequenos agricultores de forma que, atualmente são de propriedade

deste fazendeiro ambos os lados de um ramal que liga uma comunidade à outra.

Sobre a questão, os moradores da comunidade “Jesus por Nós” afirmam que:

Varou um fazendeiro ai... esse dias não tenham vendido, mas um dia atrás... a maior parte que tu vem do São Bento, ai, abeirando o lado de lá

116

até aqui, até onde tem energia é do fazendeiro, a maior parte. Lá do São Bento. Ai tem alguns terrenos que tão no meio, só tem três que tão no meio. O resto venderam tudo de lá pra cá. (depoimento oral na reunião da comunidade Jesus por Nós)

Nesta localidade, outro fato marcante é que com a saída dos sujeitos que moravam

na região, a antiga escola foi destruída e a casa do zelador foi completamente

abandonada, como mostra a imagem 12. O que resta atualmente são apenas as

marcas do cimento no chão da antiga escola e ao fundo uma casa completamente

abandonada que servia de moradia ao antigo zelador da escola. À esquerda, já que

se que completamente tomado pelo mato, temos o antigo ramal.

Imagem 12 – Local da antiga escola.

Fonte: trabalho de campo, agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

Na região, com o avanço da energia e a partir do incentivo de empresas de

combustíveis, como a Petrobrás, vem crescendo a especulação em torno da terra

para a produção de dendê, matéria prima para o biocombustível, e para a criação de

117

gado. Após a compra da terra, os sujeitos são completamente ignorados. As

fazendas avançam na região sem que os sujeitos locais tenham, sequer, noção da

finalidade que será dada para a terra. como fica evidente quando os moradores da

comunidade “Jesus por Nós” afirmam que:

Olha, não sei se é fazenda, se é dendê, uns já ouviram falar que ele vai vender pro cara do dendê, outros dizem que é fazenda, mas acho que ele tá mais de olho na fazendo porque ai pra frente tem energia e já é fazenda. (Informação oral obtida em reunião com membros da comunidade Jesus por Nós)

Quando comparamos a forma e os objetivos de utilização do espaço dos

fazendeiros que vem se instalando na região com a dos pequenos agricultores,

percebemos que ambas são antagônicas, demarcando claramente um conflito de

territorialidades. Enquanto os fazendeiros pautam-se na lógica do lucro, utilizam-se

mão-de-obra assalariada, semi-assalariada ou análoga a escravidão e tem na sua

propriedade reserva de capital, os sujeitos rurais-ribeirinhos pautam-se na lógica do

convívio e do respeito ao próximo e a natureza. Suas ações são balizadas por uma

ética que tem como base a sustentabilidade ambiental e a justiça social.

A expansão das fazendas geralmente agride as comunidades, seja pela

retirada da floresta, seja pela diminuição da caça, fazendo com que muitos

agricultores lancem mão de um novo ramal na mata em busca de outro terreno onde

possam construir uma nova casa e cultivarem uma nova roça, fato este que está na

origem de muitas das atuais comunidades.

O resultado mais imediato é o êxodo rural, onde os sujeitos mudam para a

cidade tentando se instalar com o pouco dinheiro obtido com a venda da terra. Este

processo, mesmo tendo acontecido alguns casos na região, é amplamente

questionado pelos membros da comunidade. Segundo eles, quando vendem a terra:

Uns vão pra cidade, outros ficam andando prum lado, pro outro, ficam trabalhando no terreno de um, de outro. Como sempre eu digo: tem esse meu compadre aqui que tem área dele. Tá tudo dividido. Ai eu vejo falar que vai vender a área dele, pra ir pra outro lugar. Eu digo: o, meu compadre, não faça isso. Fique no seu lugar que você foi nascido e criado aqui, não faça isso que pra você vender... vender não! Dá de presente, né. Ai pra onde ele vai? Chega lá e não da certo, aqui ele sabe. Ele foi nascido e criado aqui então ele sabe como é o esquema do pessoal, Conhece tudinho, mas pra ir pra outro lugar não

118

conhece, né. Ai fica ruim pra gente. (Informação oral obtida em reunião com membros da comunidade Jesus por Nós)

Nesta perspectiva, os sujeitos revelam uma ligação entre eles e o próprio

espaço, a partir da identificação do espaço como um elemento constitutivo do

próprio sujeito, a partir de sua história, hábitos, cultura, trabalho, cotidiano e etc.

Ainda debatendo o êxodo rural, o educador André afirma que:

acontece o seguinte. É que as pessoas são iludidas por outras pessoas, porque: ah, na cidade tem energia, tem água gelada, tem televisão, tem alimentação próxima, você não faz tanto esforço. Isso é o que a pessoa pensa. É uma fantasia que ela põe na mente que depois quando ela cai, ela vende a sua terra e quando vai pra cidade e ve que a realidade é outra e querem voltar, infelizmente não tem mais volta porque venderam, venderam não, deram a sua terra, a preço de banana. (...) São várias pessoas que cometeram o erro de mudar daqui pra cidade, né porque muitos, tem o caso de uma senhora que tinha os filhos todos trabalhadores, que já tavam construindo as suas famílias, que já estavam trabalhando bem no terreno, ai o que que aconteceu? Foram pra cidade, se meteram com pessoas, não tinha trabalho para eles, porque eles não tinha o estudo adequado, não tinha mesmo como sobreviver, se meteram no caminho das drogas, venda, consumo, e tudo mais, sendo que um ainda ta preso, outros estão foragido, se meteram com traficantes, querem assassinar ele a qualquer custa e tá escondido, sabe deus por onde, então, essa consequência de um planejamento errado. Um pensamento importuno colocado na cabeça dessas pessoas que se deixaram iludir, achando que lá é melhor. Eu não considero lá melhor, claro que lá tem coisas melhor do que aqui. Mas aqui tem uma vida tranquila ainda, graças a Deus que aqui é normal.

Um elemento importante foi muito comum nas falas é que muitos sujeitos

abandonam as comunidades para os seus filhos estudares ou por questões

infraestruturais, como energia, água e transporte sem, no entanto, romper os laços

afetivos com a comunidade, como revela a educanda Diana ao afirmar que:

a maioria dessas pessoas, eu tenho certeza. Se essa energia chegar aqui eles vão voltar para o São Bento. Escola, energia. Eu tenho certeza que o povo que já foi vai voltar para o São Bento. Tão pra São Domingos. Levar filho pra estudar... Se estas duas coisas acontecer, eles voltam. Ai a comunidade fica assim, mais pessoas, por causa disso [falta de escola e energia] ta fraquinha a comunidade. (Diana – comunidade “São Bento”)

119

Um dos elementos que preocupa os sujeitos em relação a terra é a faltas de

títulos, devido a pouca importância que os sujeitos atribuem a questão, como

destaca a educanda Diana ao afirmar que “nem todos tem o documento. Fizeram o

processo, devem ter alguma declaração, né, mas título mesmo, definitivo, não tem.

E os que pegaram mesmo esse título, também nem foram reconhecer”.

Os que não se dirigem à cidade buscam novos terrenos mata adentro. No

entanto, quando os sujeitos entram na mata, se deparam com novos problemas.

Entre eles está o isolamento e a ampliação de problemas que haviam parcialmente

sido resolvidos na comunidade, como a falta de infra-estrutura, a falta do título de

propriedade e a dificuldade de acesso aos serviços básicos (saúde, educação

energia e etc.)

Outro ponto comum é a forte religiosidade católica das comunidades, como

marca de um processo histórico de colonização pelo qual a região amazônica

passou durante os séculos XVII e XVIII, sendo que um dos elementos fundadores do

próprio município de São Domingos é a igreja católica, construída na junção do Rio

Guamá com o Rio Capim para demarcar todo o poder da igreja no processo de

colonização amazônica (imagem 13).

Imagem 13 – Igreja construída no encontro do Rio Capim com o Rio Guamá que deu origem à cidade.

Fonte: trabalho de campo, agosto de 2010.

Foto: Adolfo O. Neto

120

Analisando a religiosidade de membros de comunidades ribeirinhas que já

participaram do trabalho educativo do GETEPAR-NEP, Oliveira (2008b, p. 55)

admite que “a religiosidade é manifesta pelos educandos por meio da referência a

alguns atos que estão associados à sua religião”. Para Mota Neto e Mota Júnior

(2008) algumas das manifestações religiosas que são elementos constitutivos da

vida religiosa destes sujeitos são a celebração dominical, as festas de santos, as

crenças e os ritos de origem ameríndia e as atitudes/gestos religiosos nas práticas

sociais cotidianas.

Além destes elementos ligados a manifestação religiosa na vida dos sujeitos,

podemos destacar como elementos coletivos a dimensão histórica e a dimensão

espacial em que se manifesta esta religiosidade. Do ponto de vista histórico, é

comum a denominação destas comunidades a partir de elementos religiosos, que

podem ser nome de santo, como no caso do São Bento, festividade religiosa,

elemento sagrado, como a comunidade da Santíssima Trindade, ou expressão da fé,

como a comunidade “Jesus por Nós”. É interessante destacar a relação entre a

religiosidade e a realidade dos sujeitos expressa, por exemplo, no nome da

comunidade “São José do S”, onde temos o nome formado pela junção de um nome

de santo (São José), com um elemento espacial, no caso o formato da estrada

(formato de “S”).

Do ponto de vista da educação, temos que nas comunidades do espaço agrário

do município o ensino fundamental é predominantemente oferecido pela prefeitura

na forma multisseriada, sendo comum a presença do professor leigo ou do professor

sem a formação adequada (apenas com o ensino fundamental ou médio). No

entanto, as atividades de EJA não são desenvolvidas pelo poder municipal. Esta

carência é parcialmente suprida pelas ações de entidades, ONG, sindicatos e a

igreja que organizam trabalhos educativos, como por exemplo, o trabalho

desenvolvido pelo NEP.

A precariedade das condições de ensino observados no espaço agrário do

município explica em parte o fato de o Índice de Desenvolvimento da Educação

Básica (IDEB) dos anos iniciais do ensino fundamental do município do ano de 2007,

segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Educacional (INEP), ser menor que a

média estadual e quase a metade do índice nacional, mesmo o município tendo

121

registrado uma pequena melhora em relação ao ano de 2005, como demonstra o

gráfico 01.

Gráfico 01 – Comparativo entre o Índice de desenvolvimento da Educação Básica do município de São Domingos do Capim, do Estado do Pará e do Brasil nos anos

iniciais do Ensino Fundamental.

Fonte: INEP

Mesmo este índice não fazendo referência entre as diferenças existentes na

atenção dispensada pelo poder público para o espaço agrário e para o espaço

urbano do município, dados do Censo Nacional da Educação de 2009 referentes às

matrículas no município demarcam que isto é devido, sobretudo, as precárias

condições das escolas da zona rural do município, já que, no que se refere ao

número de matrículas nas séries iniciais, os números das escolas da zona rural são

muito superiores ao número de matrículas registrados nas escolas localizadas na

sede do município, como demonstra o gráfico 2.

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

2005

2007

2 2,3

2,8 2,8

3,8 4,2

í

n

d

i

c

e

IDEB dos anos iniciais do Ensino Fundamental

São domingos do capim Pará Brasil

122

Gráfico 2 – Número de matrículas nas séries iniciais do ensino fundamental na área urbana e área rural de São Domingos do Capim por tipo de estabelecimento

educacional.

Fonte: INEP

Em relação aos anos finais do ensino fundamental a situação do espaço agrário

do município e, em especial, a realidade das comunidades analisadas é mais

preocupante ainda, principalmente por não haver o atendimento desta demanda na

maioria das comunidades fazendo com que as crianças, jovens e adultos tenham de

se deslocar para a sede municipal.

Em relação à organização das escolas do espaço rural do município, a maioria

delas oferecem o ensino fundamental de 1ª a 4ª série são formadas,

exclusivamente, por turmas multisseriadas ou unidocentes. Essas turmas têm um

único professor que ministra o conteúdo relativo às quatro séries iniciais do ensino

fundamental e entre as principais dificuldades enfrentadas pelas escolas

multisseriadas estão, de um lado, a precariedade da estrutura física e, de outro, a

falta de condições e a sobrecarga de trabalho dos professores, condição que se

repete nas escolas das comunidades analisadas, como mostra a imagem 14.

64% 5%

17%

14%

Matrículas nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Municipal - Rural

Estadual - Rural

Municipal - Urbana

Estadual - Urbana

123

Imagem 14 – Escola multisseriada em pleno funcionamento.

Fonte: trabalho de campo, maio de 2010.

Levando em consideração a infra-estrutura das escolas, o tamanho é um dos

elementos que consegue mostrar a diferença de tratamento dado às escolas do

campo em relação às escolas da cidade. Segundo Pinto (et al, 2006, p. 31):

Considerando o número de salas de aula como um indicador do tamanho da escola, nas escolas urbanas 75% daquelas que oferecem o Ensino Fundamental tem mais de cinco salas de aula. Para aquelas localizadas na zona rural o perfil é diferente, ou seja, 94% das escolas têm menos que cinco salas de aula.

As condições das escolas refletem diretamente na interpretação que os sujeitos

fazem da educação do campo. Um dos exemplos é quando o educador André,

refletindo sobre as diferenças entre a escola da comunidade e a da cidade afirma

que:

A escola da cidade é bem mais estruturada que a do interior. Da pra perceber que na cidade dá pra ti chamar o nome de escola, quando que

124

no interior tem que chamar de grupo, sala de aula, coisa bem menor. Porque pra falar a verdade, aqui nessa nossa região aqui, na região do são bento, que é o setor em nível de paróquia é o setor 8 e em nível de secretaria é o setor c, essa nossa região aqui não tem uma escola, tem apenas os grupos, sendo que alguns são barracões das comunidades, outros casas, porque em uma outra escola mais aqui a diante, a outra escola é uma casa de uma pessoa, então, por exemplo, se o poder público tivesse mais interesse na área de educação, eu tenho certeza que a educação, não só aqui no município mas no Pará e no Brasil inteiro poderia mudar, se tivesse mais interesse desse pessoal que estão, diz que, nos representando em Brasília e até mesmo aqui no município.

No caso das comunidades analisadas, as escolas são de madeira e encontram-

se em péssimas condições de conservação, infestadas por cupins e muitas goteiras.

Em uma comunidade ela funciona no barracão e em outras duas a comunidade

construiu um espaço específico para servir de escola. Esta relação entre a

comunidade e a prefeitura para o desenvolvimento de turmas multisseriadas para as

crianças é alvo de crítica de membros da comunidade, principalmente porque,

segundo eles, a prefeitura rotineiramente os engana em relação a educação e trata

o tema nas comunidades com descaso. Isto podemos apreender quando o

educando Mário afirma que:

O barraco é da comunidade. Durante cinco anos foi doado para ensinar. Ai não fizeram nada ai decidimos, né, que seria alugado. Não por dinheiro mas por material pra gente construir um negócio ai para as crianças. Ainda não fizeram nada e chegaram este ano ai pra alugar ai eu disse: olha, por mim não doava, não alugava mais, né, porque é muita bandalheira. É muita bandalheira. Nem doava e nem alugava mais. Eles tinham que da o jeito deles porque quem ia ficar culpado pelas crianças era ele. O governo do município. Eles que tem que fazer escola para os meninos estudar. Nada, nada nós vamos lá na Seduc, né. Não quer trabalhar. Ai veio o outro coordenador e alugou o barraco.

Este problema sentido pelas comunidades não é recente. Ainda tratando sobre

a questão o educando Mário revela o descaso de várias gestões municipais com a

escola da comunidade ao afirmar que:

Entra prefeito, sai prefeito. Prometeram fazer uma escola pólo aqui, né, até a oitava série, já ta com dois anos. Ai, só prometendo e nada feito. Ai os meninos tudo, da quarta série para a quinta série tem que sair. Os pais que tem condição leva os filhos para a cidade. Se tivesse essa escola aqui ai ficavam tudo ai, né. O pessoal ta indo pros filhos estudar. Tão indo

125

pra lá pra são domingos. Alguns mantém (a roça na comunidade). É fica, difícil, fica difícil mesmo. Se tivesse a escola ai.

Em relação ao material oferecido pela prefeitura, também podemos encontrar

graves problemas. As carteiras são pesadas e inapropriadas para as crianças e a

manutenção do espaço é precária, sendo que tanto nos espaços construídos pela

comunidade para servir de escola quanto no barracão temos a luminosidade e a

ventilação inadequados, aumentando a dificuldade de desenvolvimento do trabalho

educativo, como afirma o educador André. Em relação a escola da comunidade,

para ele:

pra falar a verdade agente não tem a escola mesmo, agente já tocou tanto nessa tecla que já ta até enjoado. Falta de interesse digamos que, na área da educação é preciso muito mais investimento. Se a pessoa não investir na educação como é que pode melhorar só na base do improviso. Olha, quando é de manhã, um hora dessa, tem o barracão e tem aquela salinha lá do lado. Não tem condição. É sol, sol, sol no rosto da gente, tanto do professor quando das crianças, dos adultos que estão estudando lá. Não presta. É um lugar ruim. Pra gente tá passando... Carteira não tem, são bancos improvisados, então são umas tábuas pregadas de comprido umas nas outras atravessadas ai pra gente atravessar pra atender um aluno que tá lá na frente tem que ser um atleta pra ta passando. Pula pra cá, pula pra li, pula pra li. As vezes agente acaba até se machucando e machucando as outras pessoas. O professor é um batalhador, é uma pessoa que luta muitas vezes pelo bem estar da comunidade, to falando do interior, né, luta pelo bem estar da comunidade, das pessoas que ali habita e as vezes, é tipo, não é valorizado. É humilhado as vezes, eu até posso dizer esta palavra, humilhado.

A falta de um espaço apropriado para o desenvolvimento das turmas de

educação de adultos também é relatado pela educanda Regina que afirma que:

No período das férias era na escola, quando não agente ficava lá naquele barraquinho perto da igreja. A professora cedeu algumas cadeiras que tavam sobrando e agente pegava uns banquinhos lá da igreja, colocava na mesa e ficava bem confortável. Lá no barracãozinho.

Do ponto de vista da educação no município, podemos perceber que é

prioridade para os sujeitos a educação das crianças, já que os próprios sujeitos, por

conta da omissão do poder público, constroem ou cedem o espaço para o

desenvolvimento das turmas enquanto que a merenda e o pagamento dos

126

professores é assumido pela prefeitura. Já no que tange a educação de adultos, não

há espaço específico, sendo que a turma é desenvolvida em algum local da

comunidade onde seja possível o desenvolvimento das atividades e no período de

férias das crianças, quando as turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA)

continuam são desenvolvidas no espaço cedido para as turmas das crianças.

Outra dificuldade é a ausência de moradia e transporte para os professores que

não são da própria comunidade. Muitas vezes eles têm que ficar no espaço

destinado para depósito da escola ou na casa de algum membro da comunidade,

como relata o educador Andre:

Moro lá na beira do rio. Eu trabalho aqui mas moro lá no S. Esse é o terceiro ano que eu trabalho aqui na comunidade e eu gosto. Uma comunidade que eu, tipo, eu adotei. Você é minha comunidade. As pessoas daqui são como se fossem irmãos, tios, primos pra mim e até mesmo pais, porque as vezes, agente vê, tem tantas coisas que em outros locais com o tempo estão se perdendo que é tipo, calor humano, carinho que uma pessoas sente pelo outro que graças a deus ainda tem aqui. (...) Passo a semana toda. De segunda a sexta. Retorno pra casa só na sexta feira a noite. Não tem horário pra eu chegar em casa. Eu fico na casa de uma amiga. Dona Sandra com o seu Brígido.

Como a energia é de gerador, a escola não conta com recursos áudios-visuais

e quando a professora vai desenvolver alguma atividade que necessite destes

recursos, cabe pegar emprestado com algum membro da comunidade.

Outra dificuldade é o acompanhamento das turmas por parte dos assessores

do NEP que moram no município. Isto porque o trabalho do NEP caracteriza-se

como uma atividade voluntária e sem o apoio do poder público, muitas vezes as

assessoras tinham que pagar todos os custos das viagens, o que se manteve

mesmo quando as turmas foram assumidas financeiramente pelo MOVA, como

destaca a assessora Cris ao afirmar que:

Questão financeira, questão de apoio, agente não tem, porque no caso, quando agente vai fazer o assessoramento, muitas fezes sai do nosso bolso. Quando era do NEP, saiu várias vezes do nosso bolso pra gente sair pra fazer o assessoramento, mas agente ia, com todo o sacrifício, com toda a boa vontade, agente ia, passava dificuldade, chegamos a cair de moto e assim por diante, caímos várias vezes, e agente vinha na prefeitura, ai tinha aquele impasse de não favorecer o nosso lado e é essa a questão. Mas já com o mova, né, tem aquele outro lado. Da gente, como não tem vínculo cm a prefeitura, já tem que tirar do que a gente

127

ganha, no caso, pra fazer toda essa nossa vistoria, assessoramento, tem que tirar o gasto todinho do nosso bolso. No final disso tudo, no caso, não fica com nada. Fica com uma pouca parte, né, mas é complicado, porque agente trabalha muito e... porque agente poderia ter um apoio da prefeitura, no caso e isso ai não ta tendo. Agora este ano, conversei com a prefeitura, conversei com a secretária pra ver de que forma eles poderiam nos ajudar este ano. Pra isso, é preciso levar um documento, né, é... tipo assim, o levantamento de todas estas turmas, este ano, pra que agente possa ter um... pra eles ver no que eles podem ajudar.

Segundo informações prestadas pelos moradores locais, na zona rural do

município há, apenas, uma escola de alvenaria, que funciona no regime

multisseriado, atendendo aos alunos da comunidade onde ela está instalada e as

crianças de algumas outras comunidades próximas. Esta escola (imagem 15),

mesmo sendo recente e com instalações relativamente melhor que as demais,

apresenta uma grande precariedade na sua infra-estrutura.

Imagem 15 – E. M. E. F São Benedito – a única escola de alvenaria

no espaço agrário do município.

Fonte: trabalho de campo, agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

128

Mesmo sendo a única escola de alvenaria na região, a escola São Benedito

conta com apenas uma sala e um depósito. A iluminação e a ventilação não são

adequadas e o quadro ainda é de giz, oferecendo risco à saúde dos educandos e do

educador.

Mesmo com toda a dificuldade que apresenta a escola na zona rural do

município, há uma forte identificação dos sujeitos com a educação. Isto fica

expresso em vários momentos onde destacamos dois. O primeiro é quando o

educador André afirma que:

eu posso te adiantar que o sonho da maioria das pessoas daqui, daqueles que não sabem ler ou escrever, é assinar o próprio nome. A maioria do pessoal querem isso. Agente se sente orgulhoso de ter contribuído para essas pessoas. A folha de papel, as vezes, quando agente ta trabalhando com alguma coisa escrita é ruim porque eles perdem. Chegam em casa colocam e algum lugar e vão perdendo. Digamos, tendo um caderno pra essas pessoas é bom porque, futuramente quando eles tiverem uma idade mais avançada ainda, quando os filhos deles tiverem maior, tipo pra ta mostrando como se fosse uma prova, como se fosse não, é uma prova de que eles estudaram um dia. Por que coisa simples, que pra nós é simples, né, que a escrita, pra eles é uma conquista, é como se fosse um tesoure que eles tivessem alcançado. Gosto muito de sentar, tipo, andar na casa dos alunos, que eu me lembre já andei em todas. Em todas mesmo, eu prometi pra mim mesmo que eu iria andar pra conhecer a realidade deles.

Outro quando o educando Mário, ratificando o exposto acima pelo educador

André, remete a sua própria história de vida e as dificuldades que enfrentou e afirma

que:

agente ta pretendendo muito este estudo, porque eu sou analfabeto, né. Sei assinar só o meu nome mesmo e não tenho nenhum comprovante de estudo. Comecei a estudar quando eu era moleque e naquele tempo, aqui era uma coisa ruim. Vinha professor, não tinha professor aqui do lugar, né. Vinha professor ai quando via já era outro. Ai eu parei de estudar. O professor não parava. Ai estudei só uma cartilha mesmo. Ai quando eu passei pra primeira série, a segunda agora, né. A primeira é a alfabetização. Ai quando eu passei para a segunda, não estudei mais. Né. Aprendi um pouquinho, né. Assim, por causa, que como acabei de falar, não tenho nenhum comprovante de escolaridade, mas aprendi um pouquinho. A ler... Não assim, coisa muito grande, né, mas aprendi um pouquinho. Ai eu leio um pouquinho. Pouquinha coisa mesmo, ainda leio.

129

Estas características todas demarcam ao mesmo tempo a existência de um

espaço de exclusão, caracterizado pelo desrespeito do poder público municipal,

estadual e federal para com estas comunidades associado à construção de um

território de resistência dos sujeitos que teimam em resistir nestas comunidades

tendo como referência o trabalho, a cultura, a memória e a identidade de gerações

que é reconstruída cotidianamente a partir de novas respostas que diariamente os

sujeitos tem que dar aos problemas concretos que os atinge, articulando todo este

processo de resistência a luta por uma educação popular do campo, como forma de

organização e mobilização pela mudança da situação concreta de opressão em que

eles estão submetidos.

4.2 A educação do campo em comunidades rurais-ribeirinhas: o trabalho

educativo do GETEPAR-NEP.

O movimento por uma educação do campo da Amazônia está inserido na luta

nacional por uma educação do campo. No entanto, assim como nas demais regiões

do país, possui seus próprios traços, seus atores e territórios.

O campo amazônico é marcado por uma realidade social complexa

encontrando-se projetos educacionais diferenciados em função da disputa de

interesses econômicos e políticos.

Neste contexto, um dos marcos na construção de uma educação que

responda aos interesses das classes populares, é o Núcleo de Educação Popular

Paulo Freire – NEP, da Universidade do Estado do Pará, que desenvolve ações

educacionais junto a camponeses, sindicatos e movimentos sociais de algumas

comunidades rurais-ribeirinhas do município de São Domingos do Capim.

A sua história e atuação vincula-se a tentativa de construir, junto aos

trabalhadores, propostas educativas que garantam o direito de acesso a cultura

escrita e ao conhecimento socialmente produzido, ao mesmo tempo em que sirva de

fortalecimento à luta dos trabalhadores por condições dignas de vida no campo,

exigindo que o Estado atenda a plenitude dos seus direitos.

O entendimento da ação, história e objetivos deste Núcleo é um dos

elementos necessários para o entendimento do processo do movimento por uma

educação do campo nas comunidades ribeirinhas analisadas.

130

Neste capítulo, explicitamos como o NEP funciona; qual a sua história e

estrutura; como se organiza, em que espaços atua e como realiza suas ações

educacionais.

4.2.1 – Núcleo de Educação Popular Paulo Freire: História, organização e

projetos.

Em 2011 o NEP comemora seus 16 anos de existência, tendo passado por

momentos de maior e outros de menos dificuldade.

O trabalho acadêmico mais antigo nos arquivos do NEP a registrar a prática

do núcleo foi desenvolvido por Oliveira (1998). Nele a autora relata um pouco das

atividades desenvolvida até então pelo “Programa de Alfabetização de Jovens e

Adultos: processo social para a libertação” (PROALTO), antiga forma do NEP e

analisa a importância do pensamento freireano para o desenvolvimento da prática

educativa do grupo.

O trabalho de conclusão de curso mais antigo presente nos arquivos do

núcleo é da autoria de Sarmento (2003) teve como título “A interação ensino-

pesquisa-extensão na formação do pedagogo: a experiência do NEP” e enfocou

basicamente três elementos: a) o processo de formação acadêmica na universidade

pública brasileira; b) o NEP como lócus de formação integrada entre ensino-

pesquisa-extensão e; c) a formação acadêmica dos alunos de pedagogia do Centro

de Ciência Sociais e Educação (CCSE) da UEPA

A história do NEP pode ser dividida em dois períodos. O primeiro que retoma

o ano de 1995 e se estende até 2002 e o segundo que vai de 2003 até os dias

atuais.

No primeiro período temos o início do trabalho educativo com jovens e

adultos, por meio de um projeto, o PROALTO, idealizado por um grupo de

estudantes de pedagogia, vinculados ao Centro Acadêmico de Pedagogia – CAPE e

envolvidos em movimentos sociais no Distrito de Icoarací, no município de Belém. O

Programa foi assumido por professores da instituição que auxiliaram na organização

e no assessoramento do programa.

Analisando a história do NEP, Carvalho (2010, p. 37) afirma que o PROALTO

“visava compreender os fatores que intensificam o processo de exclusão social de

131

jovens e adultos para que, com isso, pudesse garantir a inclusão dos mesmos no

sistema formal de ensino”.

O PROALTO surgiu com uma organização tímida, à margem da estrutura

organizacional da universidade, com o objetivo de formar uma turma de jovens e

adultos na Vila da Barca a partir da ação política dos alunos da universidade, que se

expressava na visão acadêmica defendida pelo grupo. Isto está presente no primeiro

projeto do PROALTO, datado de 1997. Segundo o documento?

Este programa de alfabetização de adultos pretende assumir o compromisso político-pedagógico com a alfabetização da classe trabalhadora numa dimensão libertadora, através do estabelecimento de uma leitura e compreensão da vida e do mundo, permitindo ao educando refletir sobre a sua própria realidade e desenvolver, sobretudo, o ato de pensar, partindo do conceito de senso comum, para chegar a uma compreensão mais rigorosa da realidade. (PROALTO, 1997, p. 01)

Em 1997 houve um dos primeiros momentos de aproximação formal do

PROALTO com Nita, coordenadora que permanece até os dias atuais. Relatando

como se deu esta aproximação, Nita afirma que:

O projeto foi criado pela professora Luzimar Dias e a professora Helena Lima que coordenavam o PROALTO. Quando eu cheguei do meu mestrado os alunos estavam sem coordenação, então eles estavam ameaçados de extinguir o PROALTO, então eles me convidaram para participar, então eu passei a coordenar o PROALTO, tanto que a partir daí eu tenho uma portaria me nomeando para coordenar o PROALTO. A partir daí nós passamos a reestruturar o PROALTO, a rediscutir o projeto.

Neste período o programa contava apenas com uma turma de educação de

adultos. A partir de sucessivas reestruturações do projeto inicial, o PROALTO

passou a desenvolver atividade de educação popular com jovens e adultos.

Com grandes dificuldades financeiras e baseado na ação voluntária dos seus

integrantes, o PROALTO buscava articulava na sua formação três elementos: (a) os

conhecimentos teóricos sobre a educação popular dos estudantes de pedagogia; (b)

a relação entre a universidade e a sociedade; (c) a construção de um movimento

social que tem no desenvolvimento de turmas de educação popular a sua ação, bem

como o questionamento da realidade educacional e social do país o seu horizonte

político.

132

Entre os anos de 1998 e 2002 o PROALTO enfrentou pelo menos mais duas

grandes dificuldades. A primeira está relacionada a coordenação do Programa.

Segundo Nita:

Quando eu fui para o doutorado o NEP ficou basicamente com problemas na coordenação e eu fiquei preocupada, tanto que eu tinha convidado o Salomão que tinha defendido a tese dele para assumir o NEP porque eu tinha a preocupação de ter algum problema, porque o NEP não podia ficar sem professor. Tinha que ter alguém coordenando. Não podia ficar só os alunos. Quem sempre manteve o NEP foram os alunos. Sempre foram os alunos que mantiveram mas você precisaria ter um grupo de professor para manter a institucionalidade, porque uma coisa é o aluno fazer o trabalho e a outra é institucionalizar. Tem que ter um professor respondendo e esse foi o único momento que eu senti um pouco de... não que fosse acabar o NEP, mas de de repente inviabilizar o NEP.

Esta institucionalização do NEP gerou a necessidade dele estar vinculado a

estrutura universitária. Neste momento o novo projeto já contempla a desvinculação

do então PROALTO do CAPE. Como a UEPA não previa em sua estrutura (e ainda

não prevê) núcleos, o NEP acabou sendo vinculado ao Departamento de Filosofia e

Ciências Sociais do CSE.. Segundo Nita, isso se deu porque:

eu era do departamento de filosofia e para institucionalizar eu criei o vinculo com o departamento. Na verdade é um vinculo só formal porque não tem... está só institucionalizado. Até porque o NEP foi o primeiro. Não foi uma política da universidade. Nós que criamos, nós que fomos atrás e implantamos, tanto que não existe na estrutura administrativa da universidade.

O outro problema está relacionado ao desenvolvimento das turmas. O

contexto vivenciado pela cidade de Belém no governo do povo, no período de 1996

a 2004 também é um elemento importante para a história do PROALTO, mesmo o

grupo não se vinculando as ações do governo municipal, porque coloca em pauta a

questão da educação popular, ecoando na universidade, na medida em que diversos

integrantes do programa participam de ações ligadas ao governo municipal, como o

MOVA-Belém. Entretanto, por outro lado, houve por parte do NEP a não oferta de

turma de educação de jovens e adultos, ficando reduzida sua ação aos grupos de

estudos, como destaca Nita ao afirmar que:

133

O problema quando surgiu o primeiro mova é que as turmas do NEP

foram passadas para o mova, em 98, 99. Então neste período ficamos

sem turmas de alfabetização, então esse foi o problema. Quando nós

retornamos em 2002, nós estávamos sem turmas, foi então que nós

retomamos. Foi criada uma turma da vila da barca, foi criada uma turma

da fasuepa, da construção civil, foi criada o Guamá, foi criado na AVAO.

No ano de 2001, a partir da relação pessoal que um dos educadores do

PROALTO tinha com os moradores de algumas comunidades rurais-ribeirinhas de

São Domingos do Capim, foi elaborado o projeto: Educação de Jovens e Adultos em

Comunidades Rurais-Ribeirinhas de São Domingos do Capim, cuja finalidade inicial

era desenvolver ações de alfabetização de jovens e adultos nestas comunidades.

Segundo relato dos educandos mais antigos, os primeiros educadores do

próprio município que integraram o grupo foram Paulo, Diva, Marlene, Irielson,

Rosivaldo. Os integrantes de Belém que iniciaram o trabalho foram Sérgio e Rose,

ambos do curso de graduação em pedagogia.

No entanto, neste momento inicial do projeto, o objetivo não foi alcançado

devido à ausência de recursos financeiros e de uma estrutura organizacional que

possibilitasse atender aquela demanda já que os gastos com transporte, material

didático e alimentação eram muito superiores às possibilidades de ação de um

movimento social que não possuía qualquer fonte de financiamento.

Mesmo a ação não tendo sido concretizada no primeiro ano do projeto, ele

teve como mérito pelo menos dois pontos: (a) possibilitou a formação de um grupo,

que pode ser considerado um sujeito coletivo, com os sujeitos das comunidades, do

município e de Belém, que se dispuseram a construir o trabalho; (b) colocou em

pauta a necessidade de uma educação popular nestas comunidades que enfrente o

problema do déficit educacional vivenciado nestes espaço e que seja elemento de

mobilização política para a conquista de novos direitos.

Ainda neste primeiro período os pressupostos que constituíam a base

pedagógica do PROALTO, segundo Oliveira (2001), eram: (a) o diálogo; (b) o

respeito a oralidade; (c) a práxis; (d) a criticidade; (e) a ação a partir dos temas

geradores; (f) a utilização de situações variadas de aprendizagem e; (g) utilização

em sala do cotidiano, do ético, do estético e dos conflitos sociais.

O ano de 2002 consiste no momento de transição entre o PROALTO e o

NEP, porque se discute a reformulação da estrutura organizacional do Programa, na

134

perspectiva de ampliar a sua atuação e fortalecer a indissociabilidade entre o ensino,

a pesquisa e a extensão. Segundo Nita, o contexto desta reformulação se deu:

quando eu voltei do doutorado agente rediscutiu o PROALTO e

transformamos no Núcleo de Educação Popular. Porque a perspectiva

minha era que a educação popular não poderia ficar só restrita a EJA. A

educação popular é mais ampla que a EJA. A EJA é só mais um elemento

da educação popular. Então para a educação popular ele tinha que

ampliar as ações. E também já pensava na pesquisa. Pensava em criar

linhas de pesquisa em torno da educação popular.

Esta mudança está expressa no primeiro projeto pedagógico do NEP, datado

de 2002. Nele há a afirmação da história do PROALTO e de suas práticas ao

mesmo tempo em que se propõe um alargamento das ações. Segundo o projeto de

2002:

O Núcleo de Educação Popular Paulo Freire consolida, através do Programa de Educação Popular de Jovens e Adultos, as ações desenvolvidas pelo PROALTO e as amplia, com o Programa de Educação Popular e Escolarização Básica. Apresenta ainda a perspectiva de criação de dois novos programas/linhas de investigação: educação popular e movimentos sociais e; educação popular rural. (NEP, 2002, p. 03)

Os objetivos do NEP são organizados no sentido de desenvolver atividades

educativas sob a égide da educação popular considerando a indissociabilidade entre

a pesquisa, o ensino e a extensão. A partir desta perspectiva o Programa de

Educação Popular de Jovens e Adultos, segundo o projeto pedagógico de 2002

(NEP, 2002, p. 06-07), apresentava as seguintes ações educativas:

Estudos e pesquisas na área da educação de adultos;

Cursos de educação de jovens e adultos;

Capacitação de educadores de jovens e adultos;

Assessoria a projetos de educação de jovens e adultos;

Produção de materiais didáticos na área de educação de adultos;

Eventos na área da educação de adultos;

135

Já o “Grupo de Estudo/Trabalho de Educação de Jovens e Adultos: processo

de inclusão escolar e social” surge, segundo o projeto pedagógico de 2002 (NEP,

2002, p. 10-11), com as seguintes ações:

Seleção de discentes do CCSE-UEPA para desenvolver ações educativas

no Programa;

Capacitação de discentes do CCSE-UEPA selecionados, através de

treinamentos sobre alfabetização de jovens e adultos e pesquisa de

campo;

Contatos com movimentos populares, comunitários e grupos de

alfabetizadores, entre outros;

Levantamento sociocultural das famílias das áreas, através da aplicação

de questionários e da sistematização e análise dos dados, para o

conhecimento da realidade dos alfabetizandos, objetivando subsidiar a

elaboração do projeto pedagógico do curso;

Matrícula dos educandos e formação das turmas de alfabetização/séries

finais do ensino fundamental;

Planejamento participativo das ações pedagógicas e da pesquisa-ação a

ser desenvolvida no Programa;

Desenvolvimento das atividades pedagógicas, de forma sistemática,

numa dinâmica de planejamento-ação-avaliação;

Elaboração do relatório final das atividades pedagógicas;

Articulação com a SEDUC e outros órgãos afins, visando a integração

interinstitucional para o encaminhamento dos alunos egressos do

programa;

Realização de estudos e pesquisa-ação sobre as atividades pedagógicas

desenvolvidas nas turmas de alfabetização/séries finais do ensino

fundamental efetivadas com as comunidades periféricas em Belém do

Pará.

Neste mesmo processo, há uma afirmação, por parte dos educadores, dos

princípios freireanos, explicitando-o no seu horizonte teórico e prático, indo, portanto,

além da educação de jovens e adultos, como nasce o programa, assumindo a sua

136

vinculação à educação popular freireana, buscando traduzir e repensar a educação

popular nos mais diversos espaços de ação, onde hajam demandas educativas, a

partir da realidade dos mais diversos sujeitos. Segundo Nita, o NEP:

assume o pensamento do Freire como uma referência teórica. Não só ele

porque também há outras referências. Mas assume o Freire como uma

referência teórica e eu acho que isso é um elemento que mantém a

identidade do grupo. Porque desde quando o PROALTO nasceu, já

nasceu com a linha freireana e ele mantém até hoje e acho que hoje está

mais fortalecido.

Essa busca por uma identidade possibilitou redimensionar o conceito de

educação popular, visto que este é na maioria das vezes entendido apenas como

educação de jovens e adultos e realizado em espaços não-formais de educação,

passando atuar em espaços formais, não-formais e com alfabetização e pós-

alfabetização de crianças, jovens, adultos e idosos.

Do ponto de vista teórico, o novo projeto do NEP (2002, p. 14-15) define como

diretrizes freireanas para o desenvolvimento da prática educativa os seguintes

elementos: (a) a educação dialógica, construída a partir da oralidade, do diálogo e

das formas do educando expressar sua própria realidade; (b) a educação

problematizadora, baseado na pedagogia da pergunta, do exercício da criticidade;

(c) autonomia, reconhecendo o educando como sujeito da ação educativa; (d)

educação calcada em bases ético-políticas, com estímulo a ação coletiva, a

solidariedade, o respeito às diferenças e a convivência coletiva; (e) educação

rigorosa, baseada na práxis e no cotidiano do educando.

Essa reestruturação efetivada no ano de 2002 possibilitou a transformação do

PROALTO no Núcleo de Educação Popular Paulo Freire - NEP, cujo projeto

pedagógico foi aprovado pela Resolução nº 903/03, de 17 de dezembro de 2003, do

Conselho Universitário da UEPA, aumentando os seus objetivos e alterando

completamente a sua estrutura.

A institucionalização do NEP, em 2003, o vinculou ao Centro de Ciências

Sociais e Educação – CCSE, da Universidade do Estado do Pará. Entretanto, o

Núcleo não possuía recursos financeiros nem de pessoal para operacionalização de

suas ações. Segundo Nita:

137

A luta foi muito grande porque mesmo aprovado pelo conselho

universitário o NEP, recurso nós nunca tivemos. Toda vez que

solicitávamos, fazíamos o planejamento, encaminhávamos e não tinha

dinheiro. Nós nunca tivemos um dinheiro específico para o NEP.

A manutenção das atividades dos grupos era feita a partir de aprovação de

projetos de ensino, de pesquisa e de extensão nos editais abertos pela UEPA para

financiar projetos ligados a instituição.

Somente em abril de 2009 foi que a universidade disponibilizou ao Núcleo um

servidor técnico de nível superior para desenvolver atividades de assessoramento

pedagógico.

A reestruturação do Núcleo e o seu reconhecimento como parte integrante da

universidade trouxe um enorme avanço na sua consolidação como espaço

acadêmico, mas não trouxe ainda os benefícios esperados no campo financeiro.

Essa ausência de financiamento por parte da Universidade vem interferindo na

manutenção das ações do Núcleo que se desenvolvem tanto nas comunidades

rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim quanto em outras localidades, como

comunidades situadas na periferia de Belém, espaços hospitalares, entre outros.

A turma mais antiga do NEP em funcionamento é a que é desenvolvida na

Associação Comunitária “Lar Feliz”, no bairro do Guamá, sendo desenvolvida com

idosos, e as turmas do município de São Domingos do Capim, especialmente a da

comunidade do “São Bento”, que foi a primeira comunidade a ser atingida pelo

projeto, ambas com efetividade a partir de 2002.

Quando fazemos um levantamento aproximado da quantidade de pessoas

que já participaram de atividades do NEP nestes 16 anos seja como educador,

educando, coordenador, assessor, ou nos debates e formações, os números são

impressionantes. Nita relata que fez:

um levantamento estimativo. Neste último projeto que eu fiz para o PET, nele eu fiz uma estimativa. Eu fui pegando os relatórios e estimando antes, com uma turma de tantas pessoas, quantos mais ou menos eram, é mais de 1000 pessoas, com certeza. Mais de 1000. Porque eu to considerando que os espaços onde agente atua são pequenos. Você não tem uma turma de 40 pessoas, mas tem uma circulação de pessoas que passam um período, depois saem e entra outras e assim vai. Isso sem contar a formação, porque se tu fores contar as formações que nós tivemos também, temos um número bem significativo. Fora os eventos,

138

porque se você for considerar o evento como um momento formador, este número é bastante significativo.

A nova organização do NEP foi estruturada por meio de Programas que,

posteriormente, devido a expansão dos Programas, passou a ser organizado por

meio da construção de linhas de pesquisas e nessas, a formação de diversos

Grupos de Estudo e Trabalho (GET). Essa organização busca responder ao objetivo

de consolidar o NEP como um espaço de ensino, pesquisa e extensão.

Atualmente o NEP realiza as seguintes ações: manutenção de turmas de

alfabetização e pós-alfabetização com crianças, jovens, adultos e idosos em

ambientes não formais de educação nos municípios de Belém, São Domingos do

Capim e São João da Ponta; ensino de filosofia com crianças na abordagem

freireana em escolas públicas dos municípios de Belém e Ananindeua; pesquisas;

eventos sobre educação nos municípios de Belém e São Domingos do Capim;

publicações; assessoria pedagógica e formações de educadores em diversos

municípios do Estado do Pará. Assim, as atividades podem ser divididas em dois

grupos: (a) atividades de ensino-extensão; (b) atividades de pesquisa; (c) eventos e;

(d) publicações.

a) Ensino-Extensão

As linhas de pesquisa unem os integrantes do Núcleo em torno de um

interesse comum de pesquisa, construindo desde o primeiro momento a perspectiva

da pesquisa na formação acadêmica e direcionando os integrantes a se envolverem

nas atividades de ensino e extensão que mais lhe despertem o interesse.

A reestruturação possibilitou o redimensionamento das ações do NEP nas

comunidades rurais ribeirinhas, pois foi criada a linha de pesquisa Educação Popular

na Amazônia Rural e, vinculada a ela, o GET de São Domingos do Capim que

passou a ser denominado de Grupo de Estudo e Trabalho em Educação Popular na

Amazônia Rural (GETEPAR).

Em 2010, o NEP contou com seis linhas de pesquisa: (a) educação inclusiva;

(b) educação popular de jovens e adultos; (c) educação popular e saúde; (d)

educação popular infantil e escolarização básica; (e) educação popular na amazônia

rural e (f)educação e filosofia.

139

Essas linhas de pesquisas abrigam, conforme a Coordenadora Geral do NEP,

seis Grupos de Estudos e Trabalhos: (1) GET em Educação de Jovens e Adultos,

que desenvolve atividades no Hospital das Clínicas, no Hospital Santa Casa de

Misericórdia do Pará, no Lar da Providência e no Centro Comunitário Lar Feliz, no

Bairro do Guamá, em Belém. (2) GET em Educação Infantil, que desenvolve

atividades no Hospital das Clínicas e no Hospital Ophir Loyola. (3) GET em

Educação Popular na Amazônia Rural, que desenvolve ações em comunidades

rurais-ribeirinhas do município de São Domingos do Capim e do município de São

João da Ponta, no Estado do Pará; (4) Educação e Filosofia, que desenvolve suas

atividades em duas escolas públicas, uma em Belém e outra no município de

Ananindeua; (5) GET de Educação de Surdos, que desenvolve estudos sobre a

educação de surdos no Estado do Pará; e (6) Formação de Professores, que

desenvolveu em 2009 atividades nos municípios de Belém, São Domingos do

Capim, São João da Ponta, Paragominas, Abaetetuba, Acará, Mojú, Parauapebas e

Santarém.

Além destes Grupos, o NEP coordena a Rede Educação Inclusiva na

Amazônia Paraense que envolve pesquisadores de quatro instituições do Estado do

Pará: UEPA (Belém, Barcarena, Paragominas e Tucuruí), UFPA (Belém, Marabá),

Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), em Santarém, e o Instituto

Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), em Belém. Participa

ainda do Projeto “Centro de Documentação e Memória da Educação de Jovens e

Adultos da Amazônia” em parceria com a UFPA, UNINTINS, Universidade Federal

do Amazonas (UFAM) e a Universidade do Estadual do Amazonas (UEAM), além do

Observatório Nacional de Educação Especial em parceria com a Universidade

Federal de São Carlos (UFSCAR) e mais 20 universidades brasileiras.

O NEP conta com um conjunto de formações continuadas, de periodicidade

variada, e que busca responder a demanda de formação teórica do grupo. Em

relação à formação continuada, apresenta três tipos: (a) uma organizada pelo

Núcleo, que responde aos interesses gerais do núcleo; (b) outra organizada pelos

próprios GET, que são abertas a todo o núcleo mas respondem a pautas específicas

da realidade de cada GET e c) direcionadas às comunidades, em parceria com

Secretarias Municipais de Educação e Instituições Formadoras em âmbito nacional e

local.

140

Em 2010 o NEP conta com seis professores que são responsáveis pela

assessoria pedagógica dos grupos em suas áreas de interesse, sendo dois

doutores, um doutorando e três mestres, e possuem membros nos grupos que são

mestres, mestrandos, graduados ou graduandos.

b) Pesquisas

As pesquisas são desenvolvidas constantemente pelo NEP em todos os seus

GETs e possuem pelo menos quatro finalidades: (a) formar pesquisadores; (b)

subsidiar a prática dos GET; (c) contribuir nos estudos sobre educação popular; (d)

divulgar o trabalho desenvolvido pelo núcleo com vistas ao fortalecimento de

intercâmbio de experiências.

Em relação a formação de pesquisadores, o Núcleo vem conseguindo

resultados relevantes. Pelo menos 15 integrantes do NEP estão realizando ou já

realizaram pesquisa de mestrado e/ou doutorado no Programa de Pós-Graduação

em Educação (PPGED) da própria instituição ou em outras instituições relacionadas

à sua área de estudo no Núcleo ou a sua prática educativa.

Outro elemento importante é a relação estabelecida entre a pesquisa e a ação

educativa nos GET. Neste contexto o NEP assume a pesquisa como elemento

educativo e os resultados são socializados em livros e artigos em encontros, e

seminários. Além disto, todo o material produzido fica disponível no núcleo para

auxiliar a formação dos novos integrantes.

As pesquisas do NEP vêm ajudando a repensar também as práticas de

educação popular, já que o grupo trabalha com uma gama muito ampla de sujeitos e

locais, tendo experiência com jovens, adultos, idosos, em comunidades ribeirinhas,

periféricas, hospitalares e escolares.

Atualmente o NEP está realizando as seguintes pesquisas:

“O(a) professor(a) da educação infantil e das séries iniciais do ensino

fundamental na Amazônia Paraense: singularidade, diversidade e

heterogeneidade”. Ano: 2009. Financiamento: PROCAD-CAPES e UEPA;

“A prática da escolarização inclusiva e o atendimento especializado na

Amazônia Paraense”. Ano 2010. Financiamento: PROESP-CAPES.

“Centro de Documentação e Memória da Educação de Jovens e Adultos

da Amazônia”. Ano 2010. Financiamento: MEC.

141

Dentro do grupo que realiza a pesquisa “A prática da escolarização inclusiva e

o atendimento especializado na Amazônia paraense” foram desenvolvidas outras

pesquisas, como:

“Olhar, escutar e vivenciar a educação inclusiva em municípios do Pará”.

Ano: 2008/2009. Financiamento: CNPq;

“Travessias na educação de jovens e adultos: saberes do cuidar na práxis

alfabetizadora do NEP/CCSE em comunidades hospitalares”. Ano:

2008/2009. Financiamento: CNPq;

“Educação popular com jovens e adultos em tratamento psiquiátrico: um

diálogo com a comunicação livre”. Ano: 2008. Financiamento: UEPA;

“Travessias de saberes na educação popular: avaliação das repercussões

do programa quartas saudáveis no cotidiano das mulheres da Ilha de

Caratateua”. Ano: 2008. Financiamento: CNPq;

“Política de Educação Inclusiva e Formação de Professores”. Ano: 2007.

Financiamento: PROESP-CAPES;

“Inventário de experiências de educação do campo”. Ano: 2007.

Financiamento: UNICEF e UEPA;

“Cartografia dos saberes de alfabetizandos de comunidades periféricas,

hospitalares e rurais-ribeirinhas do NEP-CCSE-UEPA”. Ano: 2006.

Financiamento: CNPq e UEPA;

“Cartografias de saberes: representações de alfabetizandos de

comunidades hospitalares e periféricas de Belém e rurais-ribeirinhas de

São Domingos do Capim sobre a cultura amazônica”. Ano: 2006;

Financiamento: UEPA.

“Para repensar a práxis alfabetizadora: Representações sobre

religiosidade de alfabetizandos do NEP/CCSE/UEPA”. Ano: 2005.

Financiamento: UEPA.

No entanto, destaca-se neste contexto o projeto “Cartografia de Saberes dos

Educandos do NEP”. Este projeto constitui um conjunto de pesquisas realizadas

entre os anos de 2003 e 2007 e teve como foco o trabalho, a religiosidade e a

142

cultura amazônica. Estas pesquisas foram realizadas nas turmas de SDC e

enfocaram que saberes os educandos jovens, adultos e idosos que estão em

processo de alfabetização possuem sobre a vida e a educação.

A primeira pesquisa analisou os saberes sociais cotidianos de jovens, adultos

e idosos de três comunidades rurais ribeirinhas de SDC e teve como foco o trabalho.

Nesta pesquisa, foram destacados elementos significativos sobre a vida e a cultura,

debatendo questões como: a importância do rio; da terra; da mata; da roça; da

pesca; da caça; da criação; do extrativismo; a educação como estudo; a educação

como cuidar; a cultura de conversa e a fonética. Os resultados desta pesquisa

podem ser consultados em Oliveira (2008a).

A pesquisa sobre a religiosidade é outro momento importante das pesquisas

do NEP em SDC. Esta pesquisa indica a presença de uma pluralidade de religiões e

rituais no espaço ribeirinho, mesmo que haja e predominância da religião católica,

em primeiro lugar, e protestante, em segundo, e o seu resultado pode ser observado

em Oliveira (2008b).

Além disto, foram analisados o poder mobilizador da igreja e da religião, as

representações sobre deus e sobre o sagrado. Dentre os elementos de destaque da

pesquisa estão os sabres religiosos institucionalizados, onde os ensinamentos

religiosos transmitidos por padres, pastores e pelo Evangelho/Bíblia vistos como

orientadores da prática cotidiana e como a religiosidade perante a doença se

apresenta, em alguns casos, como aceitação passiva de um destino ou resignação.

A pesquisa realizada em 2007 sobre a cultura amazônica teve como eixo

central o mapeamento simbólico de saberes sobre lendas e mitos, culinária, o

vocabulário e a música da Amazônia que possuem os alfabetizandos das

comunidades rurais-ribeirinhas onde o NEP atua.

Dentro destes saberes, podemos perceber que as lendas e mitos são

contados como histórias verdadeiras, em espaços de comunhão (familiar ou

comunitário) a partir da cultura de conversa que estas comunidades preservam e,

geralmente, possuem como plano de fundo lições de respeito a natureza e a cultura

local.

A culinária e o vocabulário têm grande influência das matrizes indígenas e

africana e a culinária possui grande relação com mitos e a presença de tabus

alimentares, que impedem de realizar determinadas misturas ou de comer

determinado alimento em uma condição de saúde ou social determinada.

143

Outra pesquisa importante do projeto foi a pesquisa sobre a cartografia de

saberes ligados ao cuidar, a saúde e a doença. Nele, é analisado os saberes,

imaginários e representações dos educando do NEP de turmas desenvolvidas em

hospitais sobre o cuidar, a saúde e a doença e o resultado foi socializado por

Teixeira (2010).

No entanto, dentre estas pesquisas ainda há um aspecto pouco trabalhado,

que está ligado ao entendimento da relação que existe entre o território destes

sujeitos e o processo educativo que é desenvolvido nestas comunidades, e que este

estudo irá contribuir para este debate.

c) Eventos

Além das pesquisas institucionais, o NEP conta com eventos que são

periódicos e buscam debater questões relacionadas a educação popular e a ação

dos GET, dentre eles destacam-se:

Jornada Paulo Freire: realizada anualmente pelo núcleo para discutir

questões mais gerais relacionadas ao pensamento freireano e socializar a

prática educativa desenvolvida pelo grupo.

Seminários Temáticos: podem ser desenvolvidos tanto pelo núcleo ou por

um GET para discutir questões mais específicas do pensamento

freireano, como, por exemplo, a relação entre a teoria freireana e a prática

educativa em hospitais ou com idosos.

Seminários sobre Educação Popular na Amazônia Rural: é construído

com os sujeitos das próprias comunidades e articulam a discussão sobre

a educação popular do campo, desenvolvida na perspectiva freireana,

com o debate em torno do desenvolvimento local e os direitos humanos.

Já ocorreram na sede do município de SDC no centro de algumas

comunidades.

Seminários sobre Educação Popular em Ambientes Hospitalares:

organizado pelos GET vinculados a temática para socializar experiências

de educação popular nestes ambientes.

144

d) Publicações

Entre as publicações, temos seis livros já publicados e outros esperando

recursos para publicação. Os publicados são:

• Cartografia de Saberes: o cuidar, a saúde e a doença em práticas

educativas populares em comunidades hospitalares de Belém (TEXEIRA,

2010).

• Caderno de Atividades Pedagógicas em Educação Popular: relatos de

pesquisas e de experiências dos grupos de estudo e trabalho (OLIVEIRA,

2009).

• Cartografia de saberes: representações sobre religiosidade em práticas

educativas populares (OLIVEIRA, 2008b).

• Cartografia de Saberes: representações sobre a cultura amazônica em

práticas de educação popular. EDUEPA. Belém-Pará (2007a).

• Política de Educação Inclusiva e Formação de Professores no Município

de Ananindeua- Pará. (OLIVEIRA, 2007b).

• Cartografias ribeirinhas: saberes e representações sobre práticas sociais

de alfabetizandos amazônidas. (OLIVEIRA, 2008a).

• Caderno de Atividades pedagógicas em Educação Popular: pesquisas e

práticas educativas de inclusão social. (oliveira, 2004).

• Palavra-ação em Educação de Jovens e Adultos (OLIVEIRA, 2002).

Destes seis, apenas o livro “Política de Educação inclusiva e Formação de

Professores no Município de Ananindeua – PA” não tem trabalhos relacionados ao

trabalho desenvolvido em SDC.

Estes são alguns dos indicadores que nos permitem conhecer como a história

do núcleo veio se desenvolvendo em seus poucos anos. As publicações, pesquisas,

turmas e debates desenvolvidos pelo NEP mostram a atualidade sobre educação

popular nos mais diversos contextos amazônicos e a vitalidade com o que grupo

veio se formando nos últimos anos.

Todas estas ações foram possíveis a partir do questionamento e do

enfrentamento da realidade educacional paraense. É neste sentido que todas as

ações do NEP se desenvolvem nos mais diversos grupos. É neste sentido, também,

145

que precisamos entender mais sobre a realidade camponesa nas comunidades

rurais-ribeirinhas em que são desenvolvidas as ações educativas no município de

São Domingos do Capim.

4.3. As ações do GETEPAR -NEP em São Domingos do Capim

Em geral, o NEP financia suas ações a partir da aprovação de projetos de

pesquisa, ensino e extensão aprovados nas chamadas anuais da UEPA, o que

possibilitou o desenvolvimento dos trabalhos em SDC nos anos de 2003, 2004 e

2005 e de agências de fomento de pesquisa como o CNPq e a CAPES, cujos

recursos viabilizam a compra de equipamentos e materiais de consumo.

No entanto, desde o ano de 2005, por mudanças nas normas para a

inscrição de projetos na área de ensino, os projetos de formação de educadores

deixaram de ser contemplados, prejudicando a periodicidade das formações e o

acompanhamento dos trabalhos nas turmas do NEP em SDC que deixou de ser

mensal e assumiu uma periodicidade irregular, dependendo de outras fontes de

recursos esporádicas ou dos recursos dos próprios integrantes do Núcleo. Essa

situação afetou diretamente a qualidade dos trabalhos desenvolvidos durante os

anos de 2006 e 2007, gerando diversas dificuldades para a formação de novas

turmas e a manutenção das turmas já existentes. Segundo uma das assessoras do

NEP no município, no ano de 2009:

do NEP, nós tivemos assim. O NEP era a turma que o MOVA... Nós montamos a turma e o MOVA assumiu no caso lá do “S”, foi a única turma que tivemos, mas com a parceria do MOVA. Tipo assim, o mova pegou os alunos do NEP pra poder ser trabalhado com eles, até por causa da bolsa que contribuía... que ajudou, no caso a Diana. Jesus por Nós foi a mesma situação que, no caso, o André pegou os alunos do NEP a uns anos atrás, que nós tínhamos a turma de 2003 até 2005 nós tínhamos a turma, ai como parou, né, os professores tiveram que se ausentar pra ir pra outras comunidades, tiveram que ir pra bem distante, ai sem professor também parou as turmas mas eles sempre foram do NEP, né, ainda hoje se consideram do NEP. Consideram mesmo alunos do NEP, quando chega lá e pergunta: não, nós fazemos parte do NEP, mas estamos estudando no MOVA. É assim que é o nosso contrato com eles. No caso, a glória e o diego, são os dois professores que estão na frente dessas turmas de lá, agora no momento. (Cris – assessora)

146

Outra dificuldade encontrada pelo GETEPAR-NEP é a manutenção do grupo

local em SDC. Como os projetos apoiados pela UEPA previam apenas a formação

de educadores e a realização de pesquisas, as bolsas podem ser pagas apenas

para as pessoas que tenham vinculo com a instituição, o que não é o caso do grupo

local, não havendo, assim, como remunerar os educadores e os assessores locais,

gerando grande dispersão no grupo devido as dificuldades financeiras apresentadas

pelos integrantes locais, que lutam constantemente para manter suas atividades,

mas muitas vezes são forçados a secundarizar a atuação no NEP pela necessidade

de sustento próprio e de sua família.

As parcerias do NEP com outros programas governamentais e não-

governamentais possibilitaram o pagamento de uma bolsa no valor de R$ 250,00

para cada educador durante oito meses por ano, período em que foram

desenvolvidas as atividades educativas. Além das bolsas destinadas aos

educadores, a parceria pode oferecer uma bolsa para alguns membros do NEP em

SDC que, devido a sua experiência em educação popular do campo no município,

foram selecionadas para coordenarem o MOVA no município, ficando responsáveis

pelas turmas que eram vinculadas ao trabalho do NEP e as outras que aconteceram

no município.

Antes do desenvolvimento da parceria, a situação era ainda mais difícil, no

que tange aos recursos financeiros. Segundo a assessora Cris:

no caso do NEP, agente trabalhou voluntário. De princípio os meninos tentaram nos dar uma bolsa... uma ajuda, no caso não era uma bolsa era uma ajuda de apenas R$ 50,00, foi quanto agente recebeu, onde uns recebiam R$ 120,00, no caso eu, a Lene, a Deuzuite. Não era uma bolsa, era uma gratificação, e o MOVA, ele já entra com uma bolsa de R$ 250,00 durante oito meses.

Dentre as dificuldades que esta parceria apresentou está: (a) a dificuldade

encontrada pelos educadores e os coordenadores locais de conseguirem a liberação

do material didático para o início das turmas; (b) precária infra-estrutura das escolas,

já que os espaços foram doados pela própria comunidade e, em geral, as atividades

educativas eram desenvolvidas no barracão da comunidade ou em escolas

precárias construídas pelos próprios agricultores; (c) a existência de diversos

problemas de saúde entre os agricultores, destacando-se o problema de visão, o

que prejudica as atividades.

147

Para a escolha dos educadores que ficaram responsáveis pelas turmas de

responsabilidade do NEP foram definidos dois critérios: (a) deveria residir na própria

comunidade ou pelo menos ter uma presença constante nela e; (b) participar das

atividades de formação e acompanhamento do NEP, assumindo o compromisso

político-pedagógico de construção da educação do campo.

Neste sentido, em 2009 havia a previsão do desenvolvimento de três turmas

ligadas ao NEP. No entanto, em apenas duas comunidades foram concretizadas as

turmas. Na comunidade São José do “S” a educadora é da própria comunidade.

Além da função de educadora do MOVA, ela desenvolve a função de Agente

Comunitária de Saúde, sendo responsável pela visita na própria comunidade e nas

demais comunidades da região do São Bento19, tendo grande ligação com as

famílias locais.

As turmas foram desenvolvidas nos espaços escolares construídos pela

própria comunidade a partir do sistema de mutirões a muitos anos e que,

atualmente, se encontra em estado precário devido a falta de apoio do poder público

para a manutenção da escola.

Dentre os principais problemas encontrados na escola, podemos destacar a

grande quantidade de goteiras, o sério comprometimento de parte da estrutura do

telhado da escola que foi comido por cupins, a grande quantidade de tábuas

comidas por cupins, úmidas ou quebradas, a existência de quadro de giz, o que gera

problemas à saúde, carteiras inadequadas devido ao seu tamanha e ao seu peso,

dificultando o trabalho em educação infantil, a quantidade de carteiras que é

insuficiente, a iluminação que é feita por uma lâmpada incandescente, o que gera

uma luminosidade inapropriada para o período noturno, agravado pelos problemas

de vista dos sujeitos adultos e idosos. Esta realidade pode ser em parte percebida

quando se olha por fora as condições da escola, como mostra a imagem 16.

19

Região do São Bento é como os moradores definem o conjunto de comunidades que são polarizadas pela comunidade do São Bento, como, por exemplo, as comunidade: São José do “S”, São Bento, Ourinho, Jesus por Nós, Fé em Deus e São Benedito, entre outras.

148

Imagem 16 – Escola da Comunidade São José do “S”

Fonte: trabalho de campo realizado em maio de 2010.

Foto: Adolfo O. Neto

A outra turma foi desenvolvida na comunidade “Jesus por Nós”, sendo que

2009 foi o primeiro ano que esta comunidade foi atendida pela ação do NEP. Esta

comunidade é recente se comparada às demais20 e foi constituída por um

desmembramento da comunidade do “São Bento”. Nesta comunidade o educador

não era do local, no entanto, foi escolhido por possuir um vínculo com a comunidade

e por não ter na própria comunidade moradores que pudessem assumir as turmas

do MOVA.

Nesta comunidade há uma especificidade em relação às demais. Nela os

moradores construíram duas escolas. Em uma são desenvolvidas as atividades de

ensino fundamental na modalidade multisseriada (imagem 17) e na outra são

desenvolvidas, em horários diferentes, as atividades de educação infantil e de EJA

(imagem 18).

20

Segundo os moradores, na área da comunidade possuem pessoas morando a aproximadamente 15 anos e esta se reconhece como uma comunidade independente a aproximadamente 10 anos.

149

Imagem 17 – Escola de Multisseriada de Ensino Fundamental da Comunidade “Jesus por Nós”.

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010.

Foto: Adolfo O. Neto

Imagem 18 – Escola de Educação infantil e de EJA da

Comunidade “Jesus por Nós”

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010.

Foto: Adolfo O. Neto

150

É interessante perceber a importância que os sujeitos dão ao processo

educativo. Em uma das falas registradas na comunidade Jesus por Nós, é possível

perceber o quanto a educação está presente entre todos os membros da família. Isto

fica evidente quando o sujeito afirma que:

Eles (as crianças) estudam lá naquele barraco, lá. Estudavam até dentro da igreja ai quando foi um dia foi passado lá pra um barraco, tudo meio apertado. Escola mesmo não tem lá. Eu sou um deles, ai veio uma professora pra lá e eu disse: opa, vou pra lá, né, vou estudar também. Só que eu não sabia nada, nada, ai depois que ela começou a ensinar e eu comecei a estudar, graças a Deus, já sei um pouco, não sei tudo, a metade já garanto, ainda não sei fazer completo (o seu nome), e agradeço muito a deus, né. Quando é de manhã cuido da mandioca aqui e quando é meio dia eu tomo banho que é pra ir pra lá. Lá de casa somos três. É eu, a mulher e uma filinha, ai todos três somos alunos. As filhas de manhã, a mulher de manhã com a filha também, depois eu vou de tarde. (Informação oral obtida em reunião com os membros da comunidade Jesus por Nós).

Na terceira comunidade, o trabalho não pode ser desenvolvido em virtude de

um fato político. Os educandos negaram-se a participar da turma em função da

educadora possuir visão política diferente da visão do prefeito municipal,

demonstrando medo desta diferença poder gerar algum tipo de descontentamento

ou perseguição do poder público para com a comunidade. Esta seria a primeira vez

que o NEP desenvolveria trabalho nela e o fato aponta a necessidade latente de se

avançar na educação do campo nas comunidades rurais-ribeirinhas de São

Domingos do Capim.

A compreensão acumulada no grupo e nos movimentos sociais participantes

da Educação do Campo, é que uma das formas de se melhorar a qualidade da

educação das escolas é investir na formação de professores que tenham não só o

nível de escolaridade formal exigido pela legislação, mas que tenham também

identidade e vínculo com as comunidades rurais nas quais atuarão. Por isso a

preferência foi dada aos moradores da própria comunidade ou pessoas que

mantenham algum vínculo com esta.

Desta maneira, os educadores são, preferencialmente, membros da

comunidade ou possuem relação com esta, sendo que a formação continuada é

feitos pelos integrantes do NEP de Belém e o assessoramento pelos integrantes do

NEP do próprio município.

151

4.3.1. O trabalho pedagógico do GETEPAR-NEP em turmas de

alfabetização

Em relação ao desenvolvimento do trabalho pedagógico em SDC, em 2002,

foi feita uma pesquisa sócio-antropológica nas comunidades atendidas pelo projeto e

como resultado foi a criação de uma rede temática que subsidiou os trabalhos nas

turmas nos dois anos seguintes (anexo I). A finalidade da pesquisa é ter uma

primeira aproximação da realidade social das comunidades e do seu universo

vocabular, selecionando algumas palavras com elevado grau de significância para a

comunidade com o intuito de construir uma rede temática que pudesse servir de

base ao processo de alfabetização.

A rede temática subsidia a organização do currículo das turmas, e possibilita

a relação entre os diversos elementos sociais captados pela pesquisa sócio-

antropológica e a sua relação com o desenvolvimento da consciência crítica, com os

saberes sociais cotidianos e com os conhecimentos que serão trabalhados.

No entanto, o trabalho organizado pela rede temática se constitui como um

desafio também para os integrantes do grupo (educadores e assessores). Assim,

segundo a assessora Cris, o trabalho com a rede temática não foi completamente

efetivado. Isto fica explícito quanto ela afirma que:

olha, agente tentou. Agente tentou um pouco. Como na época foi um sufoco, agente resolveu pegar só uma parte do nosso trabalho, discutir o tema e fizemos assim um pequeno planejamento em cima ds propostas que agente conversou, né, como as falas e fomos levantando, fomos fazendo isso ai. (Cris – assessora)

Além do que já foi relatado, percebemos mais dois problemas relacionados à

continuidade do trabalho baseado nesta rede temática: (a) até o momento, não

houve por parte do grupo uma ressistematização desta rede, sendo ainda a mesma

do ano de 2003. Ela ainda possui grande validade e mantém-se ligada a realidade

local, no entanto, a desatualização faz com que novos elementos ainda não tenham

sido incorporados a ela; (b) como há uma rotatividade no trabalho das turmas do

NEP, diversas comunidades que receberam turmas depois do ano de 2002 não

152

passaram pela pesquisa sócio-antropológica, como a Comunidade do Ourinho.

Nestes casos ou a rede temática não é trabalhada, ou ela é de maneira secundária.

No total, desde o início do projeto até o ano de 2009 o GETEPAR-NEP já

desenvolveu atividades educativas nas comunidades do “Pirateua”, “Nossa Senhora

de Nazaré”, “São Benedito”, “Santíssima Trindade”, “Ourinho”, “Santo Antônio”, “São

José do S”, “São Bento”, “Monte Ourebe”, “Jesus por Nós” e “Santa Rita de Cássia”.

Além das atividades de ensino nas comunidades é desenvolvido um trabalho

direcionado à formação política, debatendo temas como a organização política das

comunidades e os direitos humanos21. Este trabalho é desenvolvido pelos

integrantes do NEP de Belém responsáveis pela formação continuada e

acompanhamento pedagógico das atividades de ensino e é desenvolvido

diretamente com os sujeitos da própria comunidade em espaços cedidos para a

reunião, como mostra a imagem 19.

Imagem 19 – Formação Continuada com os membros da comunidade

Fonte: Trabalho de campo realizado em maio de 2010. Foto: Adolfo O. Neto.

21

Ver anexo II

153

Desta maneira, o GETEPAR-NEP vem desenvolvendo atividades ligadas ao

ensino, com turmas regulares de alfabetização e pós-alfabetização de jovens,

adultos e idosos, e atividades de formação política dos membros da comunidade.

Os momentos são vistos como complementares, na medida em que os

atividades de ensino desenvolvidas nas turmas de alfabetização devem auxiliar o

desenvolvimento da organização da comunidade e a organização política da

comunidade deve ser fortalecido no sentido de forçar o Estado a garantir os direitos

sociais básicos para os sujeitos dos campo, entre os quais, encontra-se a educação

de qualidade.

Analisando o papel das formações com os membros da comunidade, o

assessor Gabriel afirma que

A metodologia é baseada na interação formador-alfabetizador-comunidade, do ponto de vista interpessoal, com a construção de relações dialógicas, respeitosas e solidárias; epistemológico, com a relação entre saberes científicos, populares, didáticos, pedagógicos e; cultural a partir da relação intercultural mediante a qual o processo formativo é mais que um aprendizado de técnicas de ensino, dimensionando-se em um aprendizado para a convivência democrática e solidária. Proposta metodológica que estimulava a curiosidade dos alfabetizadores e da comunidade, o ato de perguntar, a criticidade, a problematização do contexto social, econômico, político, cultural, ambiental da região amazônica e das comunidades ribeirinhas, particularmente. A metodologia também baseada na pesquisa e no trabalho como princípios formativos. Constantemente, trabalhávamos a pesquisa como um recurso do processo formativo, ou a pesquisa como uma dimensão mesma da prática educativa, na medida em que o educador deve estar sempre investigando a efetividade da aprendizagem dos alunos, as dificuldades enfrentadas, as soluções possíveis... (Gabriel)

O trabalho de assessoria22 feito com a comunidade é reconhecido pelos

membros da comunidade, sendo um dos elementos de diferenciação entre a escola

“tradicional” e as turmas do NEP. Um dos exemplos desse reconhecimento dos

membros da comunidade é quando a educanda Diana afirma que

Era tão bom se retomasse de novo. A maioria dos sócios da associação eles estavam matriculados até porque na reunião passada eu falei pra eles: olha, vocês tem que estudar. Porque não pode ser o pascoal e o

22

Em relação aos temas trabalhados na reunião de maio de 2010, ver anexo II

154

Alexandre o presidente. Vocês também tem que fazer parte desta diretoria assim como presidente, mas. Por exemplo, algum projeto pra assinar você vão ter essa dificuldade parece que vão apertando. Ah, não sabe assinar, né, então ta fora. Isso fica difícil pra vocês. (Diana)

As repercussões deste processo são identificadas pelos próprios sujeitos

quando, analisando a situação concreta que estão imersos e o processo histórico

que o construiu se reconhecem como sujeitos de direitos e passam a querer

questionar o poder público para que este assista aos interesses das comunidades,

como destaca o educando Paulo ao afirmar que:

Ajudou, ajudou assim. Eu acho não, que ajudou mesmo, né. Até por causa que agente não conhecia mesmo os direitos da gente, agente sempre ficou todo o tempo calado, e depois dessas visita do NEP, depois e todo esse trabalho deles foi incentivando agente dizendo que nos temos os nossos direitos, né. Nós temos que reivindicar os nossos direitos. Agente até que não fiz totalmente isso ai mas agente já sabe que agente tem o direito de reivindicar os nossos direitos. Olha, nesse caso ai, que nós temos precisado deste motor ai, né, agente sempre levava pra consertar agente mesmo, né. E agora, conversa com o prefeito, vê se o prefeito faz alguma coisa pra gente, né, porque o Sérgio sempre dizia assim, e todos eles que vinham, sempre diziam assim, mas vocês têm direito, vocês tem que reivindicar o que vocês estão precisando também e ir lá com o prefeito. Vocês tem que ir lá com ele porque vocês todo tempo ficam abandonados e ai quando chega no tempo de eleições eles vem, começam a pedir votos e depois não conhece mais agente, né. E agente não vai. Mas depois agente já passou a conhecer isso eu sempre venho dizendo: olha, depois desse mandato que tá, eu tenho dito para o pessoal, pra gente ir conversar com o prefeito porque da maneira como tá essa estrada aqui, né, já foram oito anos de mandato e o prefeito não fez nada. (Paulo)

Neste sentido, o trabalho educativo desenvolvido pelo GETEPAR-NEP é

muito superior ao desenvolvimento de turmas de alfabetização e pós-alfabetização

de adultos. Ele se configura como um processo de reconhecimento dos sujeitos do

campo côo portadores de direitos que, operando a partir do desvelamento crítico da

sua realidade, envolvem-se em um processo de superação da situação concreta de

opressão e de exploração usando como uma das ferramentas a leitura e a escrita.

155

5. A RELAÇÃO ENTRE A EDUCAÇÃO POPULAR DO CAMPO E O TERRITÓRIO:

o caso das comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim.

Nós temos que recuperar os vínculos entre educação e terra, trabalho, produção, vida, cotidiano de existência: ai é que está o educativo.

(Arroyo, 2004, p. 77)

A observação e participação dos trabalhos educativos desenvolvidos pelo

NEP nas comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim são

experiências absolutamente instigantes. De um lado, pela forma como o processo

educativo vem se desenvolvendo nas comunidades, tendo uma enorme

peculiaridade espaço-temporal. De outro, porque a própria vivência da comunidade

é algo desafiador, pelos limites impostos pelas questões estruturais e pela grande

dimensão cultural que ela exige.

Baseada em um conjunto de valores e de relações completamente

diferenciadas das vivenciadas no espaço urbano, estas comunidades fazem das

suas práticas sociais cotidianas momentos privilegiados de interação entre saberes.

Esta interação é o que, em grande medida, confere sentido e unidade política e

cultural a todo o grupo.

As formas de se relacionar no e com o espaço também são bastante

específicas. A produção territorial é marca de uma vivência que, mesmo possuindo

características privadas, possui grande dimensão coletiva. A produção territorial é

característica da forma como as comunidades estruturam a sua temporalidade e a

sua espacialidade. Nela estão presentes elementos materiais e simbólicos que

demarcam a luta pela terra, pelo território, pela cultura, pela história, pelo trabalho e

pela a temporalidade ribeirinha.

Na análise da prática educativa desenvolvida pelo NEP podemos identificar

como o território, não como conceito, mas como conteúdo vivo, a partir das suas

contradições, conflitos, disputas e sentidos, é trabalhado nas salas turmas de

alfabetização e pós-alfabetização de adultos. Além desta característica,

156

identificamos que o território é muito mais que conteúdo e sua carga educativa está

para muito além do espaço de sala de aula. Ele, em si, é educativo e a vivência da

comunidade comprova que, nas relações cotidianas, o território é um elemento

importante das trocas e vivências (materiais e simbólicas) que estruturam a vida

destes grupos sociais. O território assume esta dimensão a partir da relação que os

sujeitos e seus respectivos grupos sociais estabeleceram com este espaço,

conferindo-lhe sentido a sua materialidade, ao mesmo tempo em que conferem

novos sentidos e reconstroem novas materialidades.

A convivência nas comunidades nos fez melhor entender a observação de

Fernandes (2006, p. 29) de que:

educação, cultura, produção, trabalho, infra-estrutura, organização política, mercado etc, são relações sociais constituintes das dimensões territoriais. São concomitantemente interativas e contemplativas. Elas não existem em separado. A educação não existe fora do território, assim como a cultura, a economia e todas as outras dimensões.

Neste sentido, a prática educativa do NEP direciona-se para que educação e

território sejam elementos que se retroalimentem nas turmas de alfabetização e pós-

alfabetização, já que na prática social cotidiana destas comunidades, este é um

elemento presente. Esta questão aparece na fala do assessor do NEP, Gabriel, ao

afirmar que na educação popular do campo devemos

considerar os desafios postos pela realidade ambiental, social, cultural, econômica dessas comunidades, assim como as motivações e os desejos existenciais dos seus sujeitos, com uma perspectiva claramente democrática, inclusiva, multi/intercultural e transformadora de educação. O que se espera é que o trabalho educativo contribua para a mobilização política dos moradores, para a elevação da consciência e o desenvolvimento dos saberes relacionados à tradição escolar (leitura, escrita, cálculo, conhecimentos sobre o mundo social e natural, linguagens e códigos artísticos), e que essas aquisições se convertam em um motor para a própria transformação da realidade social dessas comunidades (GABRIEL. Assessor do NEP).

O entendimento disto pela educação popular do campo se constitui em um

avanço significativo do ponto de vista da luta que estes sujeitos mantém pela

garantia do direito de (re)existirem enquanto grupo social que deva ter os seus

direitos garantidos pelo Estado.

157

Assim, esta seção está dividida em duas partes. Na primeira, analisaremos

como o território enquanto um conteúdo vivo e complexo serve de base para o

desenvolvimento das atividades educativas nas turmas mantidas pelo NEP. Na

segunda, abordaremos como o território é a base para a formação do que estamos

entendendo como saber espacial e como este serve de base para que o cotidiano da

comunidade seja entendido sob o um ponto de vista educativo.

5.1 – A vivência como matriz do processo educativo: o território como

elemento educativo.

Um dos princípios fundamentais da educação popular na perspectiva

freireana é que “não há educação fora das sociedades humanas assim como não há

homens no vazio” (FREIRE, 2008, p. 43). A grande questão imposta aos que se

colocam nesta perspectiva, e em especial à educação popular do campo, é como

traduzir este princípio para a prática educativa.

O desenvolvimento deste princípio e a construção de uma educação que

tenha como base o respeito à comunidade e aos sujeitos do campo, exige que a

prática educativa leve em consideração questões como, por exemplo, a história da

comunidade e dos sujeitos, o respeito e o entendimento das suas temporalidades, o

entendimento dos conflitos sociais a que estes sujeitos estão envolvidos em sua

territorialização, o entendimento dos símbolos das comunidades, o entendimento

dos seus significados, a organização social, política e especial das comunidades, as

disputas territoriais e as diversas lógicas de uso e representação do espaço que

estão em jogo na construção das ações cotidianas, entre outras.

São estes elementos que estamos utilizando como indicadores para identificar

como o território, como conteúdo vivo está presente na prática educativa. Todos eles

relacionam-se com o território, direta ou indiretamente e eles são os alguns dos

elementos que acreditamos que nos permitem entender a dinâmica do território e o

processo de territorialização em que estes sujeitos estão imersos.

A presença destes elementos na prática educativa permitiu que a reflexão

sobre os elementos da comunidade tornassem pauta para o desvelamento crítico

dos sujeitos. Isto corrobora com a afirmação de Freire (2006a, p. 44) de que:

158

o exercício desta atividade crítica, na análise da prática social, da realidade em processo de transformação possibilita aos alfabetizandos, de um lado, aprofundar o ato de conhecimento na pós-alfabetização; de outro, assumir diante da sua quotidianidade uma posição curiosa. A posição de quem se indaga constantemente em torno da própria prática, em torno da razão de ser dos fatos em que se acha envolvido.

Um dos elementos que indica esta relação e que está presente na rede

temática é a disposição espacial do arraial das comunidades. É comum que nas

comunidades da região o arraial seja formado por uma pequena igreja, um barracão

e uma escola (quando o próprio barracão não serve de escola). É comum encontrar,

também, elementos ligados ao trabalho (casa de farinha, açude), igarapés

(geralmente são bem próximos) e elementos de lazer (geralmente o campo de

futebol). Esta disposição indica pelo menos dois elementos. O primeiro é a

importância da educação para a estruturação das comunidades, já que no arraial

geralmente são construídos elementos de uso coletivo que tenha a finalidade

agregadora. Neste sentido, a escola, além de ser um elemento comum, é um

elemento estruturador das comunidades.

O segundo é que a estruturação do arraial dá traços indicativos do processo

de territorialização destes sujeitos. A interpelação entre elementos sagrados,

religiosos, de lazer, de trabalho, construído sobre características naturais locais

acabam por revelar a dinâmica e a importância destes elementos na produção

territorial.

Na imagem 20 podemos perceber a estruturação espacial do arraial da

comunidade “Jesus por Nós”. Nela, da esquerda para a direita, encontram-se a

igreja (prédio branco), a escola de ensino fundamental com a casa da professora

(prédio aberto), a escola de educação infantil e onde foram desenvolvidos os

trabalhos educativos do NEP de alfabetização de adultos (prédio pequeno e com a

parede até meio corpo), uma casa de farinha e o barracão da comunidade. Além

destes elementos, logo atrás das duas escolas e da casa de farinha há um igarapé

que é usado pela comunidade.

159

Imagem 20 – Foto do arraial da comunidade “Jesus por Nós”

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto.

Este processo de territorialização, que se expressa na construção e utilização

do espaço, é um dos principais eixos estruturantes das ações educativas do NEP.

Isto porque estas ações educativas desenvolvidas em 2009 nas comunidades do

“São José do S” e de “Jesus por Nós” em parte foram estruturados em torno da rede

temática construída através da pesquisa sócio-antropológica em 2003 (ANEXO 1).

Esta rede temática, apesar de ser rica e complexa, em grande medida precisa ser

atualizada levando em consideração os elementos presentes nas comunidades que

na época não foram analisadas, incluindo a comunidade “Jesus por Nós”. Elementos

como o caráter recente de formação da comunidade, a produção cooperada e a

criação de peixes, que são elementos característicos da comunidade “Jesus por

Nós” ainda não estão presentes na rede temática de 2003.

Ela foi estruturada a partir da seguinte frase geradora: “a derrubada e a

queimada agente faz por necessidade, porque foi assim que agente aprendeu”. A

partir dela, elementos como a desterritorialização, as relações de trabalho, as

160

relações de convivência, as relações com o sagrado, a importância da espacialidade

e da territorialidade e a relação com a natureza foram articuladas tomando como

referência as próprias falas significativas dos sujeitos.

A rede temática teve como elemento educativo central a “exploração racional

dos recursos naturais e o equilíbrio ecológico nas comunidades rurais”. A partir daí,

elementos como políticas públics, assistência técnica, organização política, leitura,

escrita, operações matemáticas simples, noções iniciais de cartografia, noções

básicas de geografia e história foram trabalhadas23.

A estruturação do trabalho educativo tomando como referência a rede

temática é um dos principais elementos que buscam garantir a vinculação dos

conteúdos trabalhados nas turmas com a realidade social das comunidades, o que

vai ao encontro do esforço relatado pelo educador André, que questionado sobre a

maneira como é a preparação das aulas, afirmou que:

Olha, o planejamento das aulas é o seguinte: eles são montados em cima da realidade das pessoas da comunidade porque, adianta muito no caso de eu, por exemplo, tipo, ta me atualizando fora, lendo e assistindo jornais, revistas e alguma coisa assim, assistindo televisão, porque? Porque, tipo, pelas ciosas que acontecem lá fora que eu vou me organizar na comunidade, mas as aulas são em cima dos problemas, das questões, que existem na comunidade. É assim que são montadas as minhas aulas. (ANDRÉ – Jesus por Nós)

Questionada sobre o mesmo tema, a educadora Regina vai mais além e

mostra a relação entre a educação popular do campo e a história social da

comunidade, tomando como referência um dos trabalhos desenvolvidos durante o

processo de alfabetização. Segundo Regina, ela trabalhou a

fundação da comunidade, quem fundou, como fundou. A história, né. Agente trabalhou muito com isso. Eles gostavam porque era coisas assim que eles achavam até que estavam esquecido e agente podia lembrar, né, como agente lembrou muito isso agente fez até um trabalho em cartolina, como era a comunidade e algo assim, ai eles fizeram aqueles desenhos bonitos. Foi muito bonito e eles gostaram muito disso porque nem eu sabia como fundou porque eu to a doze anos aqui, eu sou do município de concórdia, ai eu já to a doze anos aqui e ninguém fazia essa lembrança e eles gostavam muito que nós ficássemos lembrando porque eles diziam assim, que ninguém jamais ficou fazendo essa pergunta, como foi que fundou. (REGINA – São José do S)

23

Sobre o assunto, ver Oliveira Neto (2007).

161

Dentre outras questões, a importância do desenvolvimento do trabalho

levando em consideração a história da comunidade é pelo fato de nela os sujeitos se

verem e verem suas tradições, origens e, em alguns casos, o processo de

reconstrução da história é um processo de reconstrução da memória do sujeito, que

com o tempo ia perdendo sua jovialidade.

Além da história, outro elemento importante constituinte da territorialidade dos

sujeitos é a temporalidade a que eles estão imersos. Esta questão aparece em

vários momentos, no entanto, ganha destaque na adequação do horário das turmas

a dinâmica dos sujeitos. Segundo os educadores, o processo de escolha do horário

e dos dias dos encontros é definido em comum acordo com os sujeitos, sendo que

podem variar de uma semana para a outra e de um dia para o outro. Segundo a

educadora Regina, da comunidade São José do S, as turmas mudavam devido a

vontade dos educandos. A educadora relata que os educandos falavam: “ah, não vai

dar essa semana, agente vai fazer farinha, agente tem outra coisa pra fazer. Ai

agente mudava o dia, né, ficou assim, mas era terça, quarta e sexta. Por causa do

trabalho deles. Todos trabalhavam em roça” (REGINA – São José do S).

Esta fala, além de mostrar a importância da temporalidade dos sujeitos na

definição do tempo das turmas, mostra a forte ligação entre o cotidiano dos sujeitos

e o trabalho, em especial, as atividades relacionadas com a produção de farinha de

mandioca (preparação do solo, plantação, cuidado da roça, colheita, produção da

farinha).

A temporalidade dos sujeitos é construída a partir de um entrelaçamento entre

o tempo da natureza, o tempo do indivíduo, o tempo social, o tempo da religiosidade,

o tempo do trabalho. Estes elementos configuram uma temporalidade complexa que

tem como característica prioritária o respeito à natureza e a valorização dos

elementos culturais da comunidade, já que a imposição da temporalidade externa à

comunidade que prega a velocidade e o domínio absoluto sobre os elementos

naturais para diminuir o tempo social necessário a produção sofre com uma espécie

de barreira que é construída pelo cotidiano destas comunidades, mesmo que esta

barreira não seja total e não seja produzida de maneira por vezes até contraditória

com os desejos dos próprios sujeitos.

A temporalidade destas mesmas comunidades é analisada por Corrêa (2008,

p. 44) afirma que:

162

No bojo dessas múltiplas atividades, é notória a forte relação entre <<o tempo social e individual entrecruzado com o tempo da natureza>>, ou seja, essas populações sustentam-se nos saberes sobre o tempo, as marés, os igarapés, a terra, a mata, o período de desova das espécies e o período de chuva e sol para explicar as suas práticas sociais, técnica e racionalidade produtiva.

Diante do exposto, torna-se quase um pleonasmo a afirmação de que a

temporalidade destas comunidades é construída eminentemente por elementos

espaciais e pelos usos culturais destes elementos espaciais. Assim, o espaço, o uso

culturalmente determinado que estas comunidades constroem e a temporalidade

que dele deriva são elementos absolutamente indissociáveis.

O trabalho direciona-se basicamente para suprir as necessidades dos

indivíduos e, de maneira residual, possuem finalidade acumulativa. Um dos limites

que os sujeitos estabelecem para o seu próprio trabalho é o da natureza. Foi comum

nas falas dos sujeitos e, é elemento presente na rede temática, que o limite da

natureza é um condicionante para o desenvolvimento do trabalho, seja pelo fato de

que quando alcançado determinado nível de desgaste dos recursos naturais é criado

uma barreira ao desenvolvimento da atividade agrícola, seja porque a deterioração

da natureza significa a deterioração da qualidade de vida dos sujeitos e das

características do grupo social.

A relação entre os limites do uso da natureza e os da produção está presente

na rede temática quando o documento registra que os sujeitos das comunidades

afirmam que “toda terra nossa está virando capoeirinha, terra fraca. A produção está

diminuindo, só ta ficando o lugar da floresta”.

Já a relação entre a deterioração da natureza e a da qualidade de vida dos

sujeitos aparece quando a rede temática registra que os sujeitos das comunidades

afirmam que “agente já não pode mais nem caçar, porque não tem mais o que

caçar” ou então quando afirmam que “está muito quente na região e os igarapés

estão secando. Não tem mais peixe. Agente está adoecendo”.

Esta também é uma preocupação presente na fala do educador André

quando afirma que:

Por exemplo. Questão de desmatamento. Meio ambiente, é claro que, por exemplo, que se eu for desmatar a cabeceira dos igarapés, as matas, as margens, as consequências. As consequências, por exemplo, do desmatamento das margens dos igarapés, é a seca. Vai secar o igarapé e a agua não vai mas correr. O assoreamento, a areia desce, né. Quando

163

tem as árvores, a areia agarra na raiz das arvores e não passa. Tem as folhas que protegem e aquilo não tem como escorrer. Mas, a partir do momento que faz o desmatamento a areia cai para dentro do igarapé e vai morrendo, o assoreamento. Montava a aula aqui, como: na busca de conscientização dessas pessoas, na busca de cada vez mais mostrando que é da natureza que eles tiram o sustento deles, a maior parte. As nossas aulas é montada sempre em cima da realidade dessas pessoas. Hoje agente ve muito a questão da exploração de menores, né, de criança, de pais não deixar os filhos com qualquer pessoa ou sempre orientar os filhos e tudo mais, é mais ou menos assim que são montadas as minhas aulas. (André – Comunidade “Jesus por Nós”)

A questão ambiental vem se tornando um problema grave na região, o que

justifica a preocupação dos moradores e a importância do tema na rede temática e

nas falas dos educadores e educandos. Uma das comunidades que mais vem

sofrendo com a questão é a Comunidade São José do S, principalmente no que

tange ao igarapé que atende parcialmente à comunidade, que, atualmente,

encontra-se em uma situação de completa precariedade e com um volume de água

extremamente reduzido, como mostra a imagem 21.

Imagem 21 – Igarapé que atende parcialmente a comunidade “São José do S”

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010.

Foto: Adolfo O. Neto.

164

Outro elemento presente nas ações educativas é o anseio dos sujeitos pela

melhoria das suas condições de trabalho. Mesmo valorizando o trabalho e a sua

dimensão histórica e cultural, reconhecem a necessidade de atualização das formas

de produção para aumentar a produtividade e para diminuir o cansaço, geralmente

expresso pelas dores no corpo que a idade potencializam. Esta ânsia pela melhoria

das condições de trabalho é registrada na rede temática quando aponta que os

sujeitos afirmam que “trabalha assim na roça faz parte da nossa necessidade e da

nossa cultura, aprendemos com nossos antepassados” e que “falta de apoio técnico

de associações e cooperativas”.

Este problema também é colocado pelo educador André quando em uma de

suas falas relata que:

Chega uma época do verão, pra cá, que desde de manhã, a fumaça baixa, ela desce que agente não enxerga o azul do céu normal, não enxerga a outra margem do rio, e isso quem é que causa? Somos nós mesmos. A pessoa fazendo roça e tudo mais. É necessário? É. Claro que é necessário, mas só que tem que fazer, porque agente não adota outro método. Outro método, tipo, de ta trabalhando com o cultivo da mandioca de maneira diferente, mais saudável, sem prejudicar nem agente, nem o planeta nem outras pessoas que estão sem nem culpa e poderão ser prejudicadas por isso, né. (André – Comunidade “Jesus por Nós”)

A articulação destas falas significativas na construção da rede temática

procuraram orientar a prática educativa para trabalhar questões relativas ao trabalho

infantil, transporte nas comunidades, políticas de saúde, políticas agrícolas, políticas

educacionais e culturais e políticas ambientais.

As ações buscaram valorizar a observação do espaço local e a vivência da

comunidade como estratégias pedagógicas. Neste sentido, o local onde é

desenvolvido as turmas torna-se um ponto de centralidade social. As turmas e o

cotidiano dos sujeitos reencontram-se, tornando-se parceira no processo ensino-

aprendizado-ensino, onde o cotidiano constrói a cultura, o saber e o território e as

turmas, através do processo educativo, busca reconstruí-los, agora sobe bases

críticas.

Entre as estratégias pedagógicas para aumentar o vínculo entre a

comunidade e as turmas esteve o desenvolvimento de atividades educativas fora do

espaço das salas de aula. Elas tinham como objetivo facilitar o processo de

165

reconhecimento crítico da realidade pelo educando, tomando como referência sua

própria realidade local como a base para o desenvolvimento da consciência crítica.

Uma destas atividades foi desenvolvida pelo educador André, que relata que:

Fazia atividades fora do tipo pesquisa e de observação do meio que agente vivia. Por exemplo, como era que era e como estava naquele momento, as transformações que estavam ocorrendo na natureza e tudo mais. As vezes agente usava as estações do ano, quais eram as estações que as arvores floresciam, davam fruto e tudo mais. As vezes perguntavam quais eram as estações que as folhas caiam e tudo mais. E fizemos trabalho também com ervas medicinais, sendo que as pessoas tiveram um prazo para organizarmos que na semana seguinte que cada pessoa levaria 3 tipos de ervas medicinais e agente fez uma roda e agente foi debater aqueles assuntos. Por exemplo, essa aqui é a erva tal, ela cura tal doença, nos fizemos isso e eu lembro que eu anotei mas só que, eu coloquei no relatório e entreguei para a responsável para ela enviar pra Belém. (André – Comunidade “Jesus por Nós”)

O trabalho educativo que tem a educação popular do campo como referência

central passa a ser entendido, então, como um instrumento de reforço da identidade

social dos sujeitos, ao fortalecer o processo organizativo das comunidades e

valorizar os elementos que estruturam a formação sócio-espacial que os

caracterizam, ao mesmo tempo em que atende ao interesse dos sujeitos de

escolarizarem-se para romper com a invisibilidade social que a eles é imposta por

não participarem como protagonistas da sociedade que tem como norma a leitura e

a escrita. Paralelamente constrói os elementos necessários para o rompimento com

o processo de opressão e de exploração que tem elemento central de sustentação a

condição de analfabetos ou semi-analfabetos dos sujeitos.

Assim, os sujeitos acabam atribuindo uma grande importância a escola e

sentem-se contemplados ao perceber que as turmas são elementos de afirmação

social da comunidade. Isto fica evidente, entre outros momentos, quando o educador

André tratando da importância da escola do campo e do trabalho desenvolvido pelo

NEP afirma que:

ela auxilia, ajuda muito, mas ajuda quando o professor que está naquela sala de aula ele incentiva o seu aluno a participar da comunidade, da igreja porque desde criança tem esse incentivo, quando chegar na adolescência ele não vai querer seguir o mal, o caminho errado, e vai ta participando da igreja, da comunidade, porque isso que é bonito. (...) ela ajuda, tanto é que toda comunidade pra cá tem que ter a igreja, o arraial,

166

é claro, a escola e o campo [de futebol], porque o campo tem que ter uma diversão porque se for se prender só em sala de aula, só em sala de aula, não vai. Uma aula muita chata... tem as vezes que sair com os alunos, fazer, tipo, um passeio pela comunidade, porque agente pode morar um bom tempo em um local mas de vez enquanto, sempre há algo novo a ser descoberto naquele local, né. (André – Comunidade “Jesus por Nós”)

Este processo também é reconhecido pelos educandos quando percebe a

importância das turmas de educação popular do campo para as comunidades. Uma

das falas que se direcionam neste sentido é a da educanda Diana, da comunidade

do “São Bento”. Para ela, as turmas de alfabetização desenvolvidas na perspectiva

da educação popular do campo

Ajuda sim. Porque esse projeto ai que vocês trabalham ele não vem só com essa educação só de aprender a ler e a escrever. Ele tem agricultura, né. Desenvolvimento de outras e outras coisas e, com certeza, se for encaixar tudo, tudo é ótimo. E agente precisava tanto que se desenvolvesse aqui, mas sozinho... (Diana – Comunidade do “São Bento”)

Um dos elementos presentes na fala da educanda, que ao afirmar que

“agente precisava tanto que se desenvolvesse aqui, mas sozinho...” revela a

fragilidade ainda presente no processo de organização política da comunidade. Este

é dos elementos mais presentes ultimamente no processo de formação que vem

sendo desenvolvido diretamente com os membros da comunidade.

Um dos exemplos disto é a formação “O papel das associações para o

desenvolvimento rural de São Domingos do Capim”, realizado em maio de 2010 na

comunidade do São Bento (Anexo II). Nela, entre outras coisas, foi debatida a

importância das associações para o desenvolvimento do campo do município; a

diferença entre associação e sindicato; a importância da ação dialógica na

construção das associações; a diferença entre a ação dialógica e a ação anti-

dialógica; os objetivos de uma associação dos moradores das comunidades rurais-

ribeirinhas e; algumas das políticas públicas que podem auxiliar o desenvolvimento

das comunidades.

A observação das comunidades levou-nos a refletir sobre a importância do

território como conteúdo vivo para o desenvolvimento das ações educativas nas

comunidades analisadas. Isto significa dizer que o território sempre esteve presente

167

na ação educativa, mesmo que os sujeitos não tenham em mente um conceito de

território para responder quando questionados de imediato. Muito pelo contrário, o

território não esteve presente como um elemento teórico e artificial que é ensinado

com prazo de validade, tendo o dia e a hora exata para ser esquecido.

O território esteve presente como conteúdo vivo, presente na vida social dos

sujeitos e entendido em toda a sua complexidade, demarcando as características

específicas que são as marcas da sua formação.

Esta constatação nos aproxima do conceito de consciência espacial que é

apresentado por Resende (1986). Este conceito é baseado na ideia de que:

é fazendo a sua história, vale dizer, inserindo-se nas relações de trabalho e produzindo, em condições sociais dadas, a sua própria vida, que elas vão construindo esta consciência. Os conceitos brotam da prática, que é essencialmente uma prática de trabalho. Eles não são absolutamente elaborados fora dela e depois aplicados a ela. Ao contrário: são o antienxerto, vêm, se podemos usar a imagem que as entrevistas a toda hora surgem, da própria terra, são tão naturais – no sentido de orgânicos – quanto ela, (RESENDE, 1986, p. 132).

A análise das turmas nos possibilitou entender como esta relação se dá na

prática, tendo como referência educativa o território. Na prática educativa

desenvolvida pelo NEP fica explícito que a vida dos sujeitos é um elemento central

na ação das turmas e o território, como junção de elementos materiais e simbólicos,

é um instrumento privilegiado na ação educativa. Neste sentido, o território se revela

imbricado de mais uma função. Além das funções tradicionalmente impostas a ele,

como a função política, a jurídica, a cultural, a simbólica e etc., o território mostra-se

construído a partir de uma função eminentemente educativa.

Mesmo considerando a relevância do conceito de consciência espacial

apresentado pela autora, acreditamos que, de fato, o que ocorre é um processo de

estruturação dos saberes a partir da espacialidade e da temporalidade, já que a

vivência humana é marcadamente espacial e temporal e é a partir desta vivência

concreta que os sujeitos constroem as suas representações e seus sistemas

explicativos.

As análises da maneira como os saberes populares presentes nas falas e na

rede temática se relacionaram com os conhecimentos científicos e com a vida das

comunidades nos possibilitaram acreditar que os saberes sociais possuem uma

fortíssima dimensão social, cultural, temporal e, também, espacial. Além do que,

168

assim como os sujeitos constroem e reconstroem saberes sobre a alimentação,

sobre a saúde, sobre o lazer e sobre o trabalho, eles constroem e reconstroem

saberes sobre a relação deles com o espaço, nos permitindo então identificar o que

seriam o (s) saber (s) espacial (s).

O espaço, aqui abordado sobre a matriz territorial, além de suporte para as

ações dos sujeitos, torna-se conteúdo. É neste sentido, também, que podemos

entender melhor a compreensão do que seria a escola do campo defendida por

Fernandes; Cerioli; Caldart (2004, p. 34) para quem “uma escola do campo não

precisa ser uma escola agrícola, mas será necessariamente uma escola vinculada à

cultura que se produz através de relações sociais mediadas pelo trabalho na terra”.

É esta tentativa que o NEP, através do GETEPAR, vem tentando construir lado a

lado com os sujeitos das comunidades analisadas.

5.2 – Entorno vivido como produtor de sua própria pedagogia: o saber espacial

como elemento educativo.

Ao direcionarmos as nossas análises para “dentro” das turmas de educação

popular do campo desenvolvidas pelo NEP, a dinâmica das atividades logo

desviaram nosso olhar para “fora”, ou seja, foi a própria dinâmica das turmas que

nos questionou sobre a importância de observarmos a prática educativa que se

desenvolve fora da escola, isto porque, como afirma Arroyo (2004, p. 77-8) “a escola

é mais um dos lugares onde nos educamos. Os processos educativos acontecem

fundamentalmente no movimento social, nas lutas, no trabalho, na produção, na

vivência cotidiana”.

Essa constatação nos fez perceber que é extremamente possível o

desenvolvimento da prática educativa com qualidade sem escola. O que não é

possível é o desenvolvimento de uma boa prática educativa sem bons educadores.

A prática cotidiana nos fez entender os sujeitos das comunidades como educadores-

educandos e o espaço da comunidade como uma grande escola, onde saberes,

representações, conhecimentos e práticas são (re)construídos e compartilhados

socialmente.

Esta (re)construção é fruto de um conjunto complexo de interações sociais,

culturais, temporais e espaciais que marcam a dinâmica cotidiana da comunidade,

169

construindo o que poderíamos considerar como um gênero de vida específico. Cada

gênero de vida, por sua vez, corresponde a um conjunto de práticas espaciais e,

portanto, de saberes espaciais que são específicos e respondem a determinada

situação concreta a que os sujeitos estão submetidos.

Ela é construída desde o momento da tenra infância, onde os sujeitos passam

a relacionar-se com os elementos historicamente construídos. Nas comunidades

analisadas, é forte a relação das crianças com os objetos que definem a

configuração espacial da comunidade, como demonstra a imagem 22.

Imagem 22 – Crianças brincando no “quintal” na comunidade “São José do S”

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto.

Nesta perspectiva, as histórias de vida das crianças desde cedo seguem

criando espaços de vida, que são espaços em que “o conjunto dessas relações faz

com que, cada vez mais, o meio se torne o seu lugar, que é vista como parte

integrante da identidade destes sujeitos” (OLIVEIRA NETO; RODRIGUES. 2008, p.

170

31). A vivência destes elementos constroem as matrizes culturais sobre as quais

estes sujeitos constroem o seu sistema simbólico.

Como ela é construída sobre base eminentemente espacial, há a

possibilidade de que as alterações na vivência dos elementos geográficos

provoquem alterações no sistema de pensamento e nas ações dos sujeitos. Isso

acontece quando, por exemplo, a maneira como os sujeitos vem produzindo a

mandioca provoca alterações no espaço geográfico, como o assoreamento dos

igarapés, forçando com que os sujeitos tomem novas atitudes diante da nova

realidade.

Cabe destacar que a espacialidade é efetivamente vivida pelo sujeito, mas é

socialmente criada. Assim, ela tem forte dimensão social e se apresenta frente ao

indivíduo como um concreto abstrato, ou seja, ela é formada a partir de uma

interação complexa entre elementos concretos (materiais e imateriais), mas se

apresenta ao indivíduo não como um problema teórico que deva ser entendido, mas

como um elemento prático que deva ser vivenciado.

Este processo de socialização é, também e concomitante, um processo de

interação com a cultura, de vivência da temporalidade e de interação como a

espacialidade da comunidade. Este responde a imperativos ontológicos e tem

ligação com a visão freireana de ser humano e da relação que este estabelece com

o mundo. Para Freire (2008, p. 47):

o conceito de relações, da esfera puramente humana, guarda em si, como veremos, conotações de pluralidade, de transcendência, de criticidade, de consequência e de temporalidade. As relações que o homem trava no mundo com o mundo (pessoais, impessoais, corpóreas e incorpóreas) apresentam uma ordem tal de características que as distinguem totalmente dos puros contatos, típicos da outra esfera animal. Entendemos que, para o homem, o mundo é uma realidade objetiva, independente dele, possível de ser conhecida. É fundamental, contudo, partirmos de que o homem, ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo. Estar com o mundo resulta de sua abertura à realidade, que o faz ser o ente de relações que é.

Esta relação pode ser percebida não apenas no que tange ao lazer das

crianças. É comum nas comunidades perceber as crianças ajudando na realização

de tarefas cotidianas, tanto no espaço do arraial, quanto da casa, da roça e do

igarapé. Um destes momentos é registrado na imagem 23, onde uma pequena

menina ajuda na tarefa domestica ao lavar as louças em um igarapé perto de casa,

na comunidade do São Bento.

171

Imagem 23 – Menina lavando a louça da família no igarapé na comunidade “São Bento”

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto.

Esta relação se reproduz, também, em outros espaços da comunidade e em

outras comunidades. Elementos que para os habitantes da cidade são tomados

como perigosos e inapropriados para as crianças, desde cedo passam a ser objeto

de manuseio das crianças destas comunidades, já que elementos presentes no

cotidiano e que elas devem aprender a cuidar, zelar e manusear.

Um destes elementos é o rio. Portador de grandes perigos e mistérios, o rio

também possui um grande significado para algumas das comunidades de São

Domingos, em especial para as comunidades que se localizam a beira dele. Nele

são desenvolvidas atividades ligadas ao trabalho, ao lazer, ao convívio, a

alimentação e etc.

Desde cedo as crianças são incentivadas a manterem contato com o rio para

que consigam desfrutar de mais este elemento estruturador do tempo social da

comunidade (Imagem 24).

172

Imagem 24 – Duas crianças brincando em uma montaria na margem do rio Capim.

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto.

É comum, ainda, que as crianças tenham contato com todos os espaços que

constroem a territorialidade da comunidade, tendo a possibilidade de vivenciar o

território por inteiro, mesmo que atribuindo funções diferenciadas ao território das

funções que são atribuídas pelos adultos.

Um dos exemplos característicos desta questão é exemplificado na imagem

25. Nela podemos perceber duas crianças brincando no “quintal”, próximo a casa de

farinha. Para elas, a vivência da casa em um momento que não é o da produção da

farinha dá-se como um lugar de lazer. Elas, vivenciando um dos elementos

estruturadores do cotidiano da comunidade, o reconstroem sob os seus próprios

interesses.

173

Imagem 25 – Duas crianças brincando no quintal próximo a casa de farinha.

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto.

Neste sentido, podemos perceber que há uma recriação do direito à

comunidade, como recriação do direito ao território da comunidade. Os sujeitos têm

acesso a todo o território na medida em que zelam por ele e cuidam para que ele

continue servindo a todos, sendo o contrário do que existe na cidade, onde há um

forte movimento de privatização dos espaços públicos e de segregação sócio-

espacial.

É comum observarmos, também, as crianças acompanhando os adultos nas

atividades de trabalho. Este “acompanhar” tem um dimensão econômica, já que elas

ajudam a aumentar a produção, mas também uma forte dimensão sociocultural e

pedagógica. É acompanhando os adultos que desde cedo as crianças participam da

vida produtiva da comunidade e se inserem em um conjunto complexo de trocas

simbólicas e construção de representações.

174

O aprendizado da vida na comunidade dá-se no cotidiano, onde o trabalho é

mais um dos elementos. Este processo envolve as mais diversas gerações que se

encontram, a partir das suas especificidades e das suas limitações físicas, de idade

e de gênero em um processo em que um complementa o outro, como mostra a

imagem 26, onde três gerações diferentes se encontram para descascar no igarapé

a mandioca que, em breve, será processada para virar farinha.

Imagem 26 – Família reunida descascando a mandioca para fazer a farinha.

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto.

Este processo de ajuda mútua entre os integrantes da família também

aparece na fala da educanda Diana, da comunidade do “São Bento”. Para ela:

175

Eu trabalho também. To toda velha mas na hora do trabalho me visto e vou. E, mas eu também vou pra roça. Ajudo sim. No fim de semana. Ai quando eu faço uma visita, ai ajudo ele. A roça é pertinho ali. Tem três tarefas. Até porque o Manoel tá com um problema sério, acho que de coluna. Ele trabalha três dias na semana, na outra semana ele não garante porque é muita dor que ele tem assim, na cadeira, nas pernas, por baixo assim. (...) Ai ta levando ai, roça... (Diana – Comunidade do São Bento)

É importante destacar também o caráter comunitário do trabalho que se

manifesta tanto no momento de produção quanto de escoamento da produção. Um

dos exemplos é quando os agricultores se unem para mandar a farinha para ser

vendida na sede de São Domingos do Capim. Neste caso, utilizam um veículo para

levar a produção até a beira do Rio e lá utilizam um barco que fará o restante do

percurso. Nestes momentos também é muito comum observarmos a presença das

crianças como expectadoras ou ajudando no desenvolvimento da atividade, mesmo

sendo desenvolvida ainda nas primeiras horas do dia, como mostra a imagem 27.

Imagem 27 – Carregando o barco na “beira” do rio para levar a farinha para a Sede de São Domingos do Capim.

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto.

176

Além da dimensão coletiva, o trabalho nas comunidades mostra-se, no

mínimo a partir de mais quatro dimensões: a dimensão do cuidar, onde as relações

de ajuda no processo de trabalho também são uma forma de se preocupar com o

outro para evitar um grande desgaste; a segunda é a dimensão do respeito às

tradições, a comunidade e a natureza, ou seja, há limites para o exercício do

trabalho, os da natureza e os culturais das comunidades; a terceira dimensão é a

pedagógica, que se caracteriza por uma forte dimensão educativa e; em quarto, a

própria dimensão produtiva, onde o trabalho é visto como meio de subsistência

material destas comunidades.

Este fato nos remete a consideração de Brandão sobre a relação entre a

objetividade e a subjetividade e como esta é construída a partir de uma dinâmica

marcadamente cultural. Para o autor:

Se por um lado, a cultura de uma aldeia indígena da Amazônia ou de um grupo humano habitante de uma grande cidade não se reduz aos seus produtos materiais de criação, de outro lado ela também não existe apenas na mente das pessoas. Sob a forma de algum inconsciente coletivo ou de uma abstração de comportamento. Subjetividade (dentro de nós) e igualmente objetividade (entre nós), a experiência social da cultura constitui todo o complexo e diferenciado aparato de ordenação da própria vida social. Aí estão tanto os cantos e danças, os ritos e crenças de um povo, quanto os seus mapas simbólicos de roteiros de preceitos e princípios que configuram os diferentes códigos e as gramáticas dos rituais e jogos de trocas de bens, de pessoas e de mensagens com o que recriamos a cada dia a experiência da reciprocidade. (BRANDÃO, 2002, p. 24)

A observação do cotidiano das comunidades articulada com as considerações

acima de Brandão nos permitem identificar que é somente partindo da

espacialização da história, das temporalidades e da cultura dos sujeitos é possível

se chegar aos saberes socialmente construídos.

A natureza do saber popular, que é construído por relações entre sujeitos e

sujeitos, além de sujeito-mundo atribui a ele uma lógica e uma metodologia própria,

sendo transmitido por processos pedagógicos enraizados no cotidiano destes

sujeitos.

Partindo da realidade das comunidades ribeirinhas do município, Corrêa

(2008, p. 43) analisa a relação entre os saberes e as práticas cotidianas dos sujeitos

e afirma que:

177

cabe ressaltar que, se de um lado, essas populações são acumuladoras histórica e tradicionalmente de saberes e valores sobre todo esse complexo de biodiversidade: roça-mata-rio-igarapé-quintal, de outro, no entanto, as condições concretas de opressão e de exclusão delas as desafia, também historicamente, a buscar condições necessárias de vida material e simbólica sobre, nesse e desse complexo, razão porque estão criando e recriando saberes sobre si e sobre a natureza e, por conseguinte, produzindo-se e reproduzindo-se social e culturalmente, por meio do processo de reordenação social.

A construção do complexo roça-mata-rio-igarapé-quintal busca, a partir de

elementos espaciais, demarcar toda a pluralidade social e cultural que envolve as

práticas sociais cotidianas.

A definição de elementos espaciais para a configuração teórica dos marcos

da complexidade social não são aleatórios. Eles expressam a importância que o

espaço tem para a estruturação da vida social dos sujeitos. Caso contrário, a

categorização levaria em conta outros elementos.

Essa afirmação nos remete a concepção de território de Raffestin (2009, p.

17), para quem:

o ambiente constitui a matéria-prima sobre a qual o homem trabalha, socialmente, para produzir o território que resulta, eventualmente, mais tarde, por intermédio da observação, em uma paisagem. Esta não é uma construção material, mas a representação ideal da construção. Isso significa que o território não resultará, obrigatoriamente, em paisagem, sem a intermediação da imaginação condicionada por um mediador peculiar. Existe uma observação utilitária que nem sempre se torna contemplativa.

Neste sentido, o processo de formação territorial é agregador de múltiplas

dimensões e de múltiplos saberes. Toda ação humana é um processo de produção

cultural e de trabalho, assim como todo processo de trabalho e a cultura apresentam

dimensões territoriais que o liga a dinâmica dos acontecimentos e que enxerta sobre

as bases materiais do território os elementos simbólicos que estruturam a vida dos

sujeitos.

Além destes elementos, soma-se a forte ligação que os sujeitos possuem com

o espaço da comunidade. Questionada sobre a possibilidade de saída, a educanda

Diana da comunidade do “São Bento” afirma que:

Eu saio nada. Eu to colada aqui no meu lugar. Gostoso, a água não é tão tratada, mas eu tenho água de graça. Ainda to lutando pra criar o pintinho. Quando ta grande faz a comida que em São Domingos é um pouco longe e agente come um franguinho. E açaí, agora, ta no tempo do açaí, agente

178

não tem pra vender, mas pro consumo agente tem. A farinha... Agente ainda faz uma farinha boa e ainda pega ao menos R$ 25 numa lata, e o clima aqui. Quando eu venho de São Domingos, ontem eu tive uma dor de cabeça tão grande... e chega aqui, eu disse: Manoel, eu tive uma dor de cabeça muito forte em São Domingos devido a tanta quentura. Aqui eu não sinto quase essa dor de cabeça. (Diana – Comunidade do “São Bento”)

E, ainda, questionada entre a diferença entre o campo e a cidade, e a

definição de qual seria o melhor lugar para viver a educanda afirma que:

Deus te livre. Só esse fresquinho das árvores que ta até quebrando telha ai atrás. É muito bom. Em tempo de manga menino come manga até o bucho tufar e não tem ninguém com diarreia, é muito difícil. (Diana – Comunidade do “São Bento”)

A fala da educanda revela o conjunto de relações que ela estabelece na

comunidade, tendo como suporte e como meio o espaço (cultivar, criar, colher e

etc.). Assim, podemos perceber que os sujeitos se relacionam com espaço com

determinado objetivo, que é fortemente condicionado pela cultura e é marcadamente

característico de determinada formação sócio-espacial. Assim, como se aprende a

utilizar o espaço? Como se aprende a plantar? Como se aprende a nadar? Como se

aprende a produzir a farinha de mandioca? Como se aprende a cuidar do quintal ou

dos bichos?

A resposta para estes questionamentos parecem óbvias. Aprende-se a fazer

fazendo a partir do cotidiano no qual os sujeitos estão imersos. No entanto, estes

questionamentos nos revelam dois elementos fundamentais para pensarmos os

saberes sociais, em especial o saber espacial, e a educação do campo.

O primeiro é que há uma metodologia espontânea que é a base dos

processos de ensino-aprendizado de determinada cultura. Essa metodologia tem

forte dimensão empírica e é banhada por causos, lendas, brincadeiras, jogos e etc.

Ou seja, esta metodologia é fortemente marcada pelo desenvolvimento da vida

social em sua plenitude.

A segunda é que a relação que os sujeitos estabelecem entre si e com o

espaço, cotidianamente produz novos (re)arranjos espaciais, que são formas de

produzir e circular saberes. Desta maneira, o saber coexiste por um processo

pedagógico de forte dimensão territorial.

179

Acreditamos, então, que o saber espacial pode ser considerado como um

conjunto de elementos simbólicos construídos a partir de uma metodologia

espontânea de caráter cotidiano e que tem finalidade prática. Este saber é orientado

a partir de elementos presentes no processo de produção e utilização do espaço

geográfico (espacialização, territorialização e etc.).

Assim, espaço e território não são apenas suportes para a produção e

circulação de saberes. Eles são elementos centrais. Isso porque o saber possui uma

dimensão existencial, só existindo como saber humano realizando-se social espacial

e temporalmente, já que ele existe em contexto (social, cultural, temporal, espacial)

e como dimensão concreta da vida social.

Toda relação homem-meio é sempre uma prática espacial. As comunidades

em questão vivem, assim, o cotidiano como um cotidiano de práticas espaciais e se

orientam por um conjunto de saberes, onde existe o saber espacial.

Esta transformação dos elementos materiais do espaço em elementos

simbólicos é explicada por Arruti (2006, p. 323) quando o autor admite que:

Todo elemento, físico ou histórico, que entra na sua composição, passa pelo crivo de um processo de simbolização que o desmaterializa ao mesmo tempo em que, por outro lado, há entrada de novos elementos que provoca rearranjos no conjunto.

Assim, podemos considerar o processo de construção do saber popular como

a elaboração crítica que fazemos sobre o nosso próprio mundo, a partir de um

processo de ressignificação.

Em todo caso, os fatos, os acontecimentos e as histórias se dão mais por

uma relação espacial do que cronológica. Isso não significa obstruir a importância do

tempo nos acontecimento e sim afirmar que há na espacialidade uma condição

privilegiada no entendimento dos acontecimentos. Há uma supremacia do espacial

sobre o cronológico, o que não significa o abandono do tempo e da temporalidade,

já que a vivência espacial é sempre uma vivência espaço-temporal.

A vivência espacial dá-se aos sujeitos ao mesmo tempo como região e como

redes espaciais, ou seja, ao mesmo tempo em que vivem sobre um espaço de base

horizontal, que é percebido de maneira contínua, mesmo que esta continuidade se

forme de maneira contraditória, como no caso da convivência entre a roça e a

fazenda, eles vivem uma rede espacial, tanto porque há porções do território que

180

são formados por lógicas alheias a dinâmica local, quanto porque eles relacionam-se

pontualmente com outros locais distantes, como as outras cidades em que vão

pontualmente.

Isso faz com que o conjunto simbólico que é formado sobre a base material

do espaço e a sua vivência (relações sociais) indique que a espacialização

transcende a dimensão objetiva do espaço, ligando-se na forma de redes de

acontecimentos, relações, sujeitos e sentidos.

Essas redes possuem uma dimensão eminentemente educativa,

principalmente por duas questões: primeiro é porque estas redes se formam a partir

de relações sociais que são relações de ensino-aprendizagem. Segundo é porque a

memória coletiva e a identidade têm marca territorial e a sua socialização e

reprodução se dão como reprodução territorial das comunidades.

Assim, estas redes espaciais em que os sujeitos estão imersos são

igualmente redes socioespaciais. Dessa maneira, acreditamos que estas redes

podem ser definidas como redes sociopedagógicas de caráter espacial ou, em

outros termos, redes sócio-espaço-pedagógicas.

Este elemento já é anunciado por Arruti (2006, 2010) em uma tentativa de

sistematizar sobre a importância do território como um dos elementos definidores do

que seria uma educação diferenciada para atender as expectativas de grupos

específicos, como quilombolas, ribeirinhos e indígenas, dentre outros.

No primeiro trabalho, o autor mostra a forte relação entre o território e a rede

simbólica de estruturação de uma comunidade quilombola. No segundo, o autor

constrói um ensaio sobre uma antropologia dos modos de lembrar e sobre a ideia de

“memória territorial”. Uma das passagens que evidencia a relação entre o espaço e

a memória é quando Arruti (2010, p. 07), tomando como referência para diálogo as

ideias de Halbwachs, afirma que:

o arranjo espacial não apenas reflete ou representa a memória do grupo, ele desempenha também um papel ativo sobre ela: “Quando um grupo está inserido numa parte do espaço, ele a transforma à sua imagem, ao mesmo tempo em que se sujeita e se adapta às coisas materiais que a ele resistem”. Isso porque, explica Halbwachs, a configuração material do grupo segue apenas muito lentamente as suas transformações sociais, criando e sustentando resistências a elas e fazendo com que à observação de uma transformação significativa do ambiente material deva corresponder uma transformação social da mesma importância, ou mesmo a produção de uma outra memória coletiva. Se o desígnio dos antigos homens ganha corpo num arranjo material, a força da tradição local emana também desse arranjo, da qual ele é a imagem.

181

E complementa afirmando que “é justamente a partir da descrição do território

que se passa à recuperação de histórias já quase esquecidas, ou à atribuição de

novos lugares para histórias tradicionais”. (ARRUTI, 2010, p.17)

Neste sentido, justifica-se a afirmação de Arroyo (2004, p. 77) para quem,

considerando a realidade da educação do campo, “a terra é mais do que terra. A

produção é mais do que produção. Por quê? Porque ela produz a gente. A cultura da

roça, do milho, é mais do que cultura. É cultivo do ser humano. É o processo em que

ele se constitui sujeito cultural”. É este processo que está fortemente presente nas

turmas de educação popular do campo nas comunidades ribeirinhas de São

Domingos do Capim.

A experiência das turmas do NEP nas comunidades de São Domingos do

Capim mostra como é que a educação pode se inserir na luta dos sujeitos para a

manutenção do seu espaço e do seu gênero de vida e, mais do que isso, como ela

pode aceitar como legítimo os processos formadores dos sujeitos e do território

destas comunidades, contribuindo fortemente para a construção do processo de

resistência que estes sujeitos protagonizam diariamente ao defenderem as suas

tradições, o seu trabalho, o seu território, os seus símbolos e etc. Para Arroyo;

Caldart; Molina (2004, p. 12)

Esta é uma lição importantíssima para o pensamento pedagógico: não esquecer dos sujeitos da ação educativa, dos seus processos formadores. Não vê-los como destinatários passivos de propostas. O que há de mais surpreendente no campo brasileiro são os múltiplos processos de quebra de imagens estereotipadas da mulher e do homem que trabalham e vivem no e do campo.

Neste sentido, uma das lições importantes oferecidas pela educação popular

do campo desenvolvida pelo NEP é que, assim como não há como se esquecer dos

sujeitos do campo no processo educativo, igualmente não se pode esquecer-se das

suas tradições, do seu trabalho, dos seus sonhos, das suas lutas, dos seus desejos

e, consequentemente, dos seus territórios e maneiras de se territorializar.

182

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudar a relação entre a educação popular do campo e o território é, como já

falamos anteriormente, uma experiência completamente instigante. No

desenvolvimento deste trabalho analisamos como alguns elementos que compõem a

dinâmica territorial de algumas comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do

Capim e que são utilizados nas turmas de alfabetização de adultos que ocorreram

no ano de 2009 em duas comunidades e como a dinâmica de três comunidades: a

comunidade “São Bento”, “São José do S” e “Santíssima Trindade”.

Acreditamos que a prática educativa desenvolvida nestas comunidades a

partir do paradigma da educação popular do campo indica a existência de um

conjunto de saberes que tem como referência estruturante o espaço da comunidade,

sendo o que estamos chamando de saber espacial. A formulação da ideia de saber

espacial busca responder teoricamente a maneira prática de como os sujeitos

constroem e mobilizam uma parcela específica do saber popular, que é o saber

espacial, como elemento educativo, seja em processos educativos formais ou

informais.

É a partir de então que a problematização das “casas de farinha”, da “roça”,

do “quintal” ou do “igarapé” ganham sentido e nos permitem perceber o caráter

educativo do espaço, não só com a percepção do conhecimento científico que

envolve todas as práticas sociais dos seres humanos uns com os outros e com o

meio (representados pelos conhecimentos da matemática, da história, da biologia,

da química, da geografia, da saúde, da política, da psicologia) como os saberes e

imaginários, que não são científicos e que caracterizam a produção e reprodução da

cultura local.

É nesse sentido que podemos perceber que a escola ou o espaço para o

desenvolvimento de turmas de alfabetização e pós-alfabetização é apenas mais um

dos lugares onde nos educamos. A vivência nas comunidades solidificou a idéia de

que os processos educativos acontecem fundamentalmente no trabalho, na

produção, na família, na religiosidade, no lazer, enfim... na vivência cotidiana.

Além destes, não há como não reconhecer que é desta relação que surgem

os saberes ligados as disputas por territorialidades entre os pequenos agricultores e

os fazendeiros, ou entre os produtores de farinha e os marreteiros, fazendo com que

o saber popular seja, em si, elemento de luta política. E o que dizer, então, da

183

relação que se estabelece entre o tempo social destas comunidades e o tempo

social da produção? Ou sobre a imposição das informações pelos meios de

“comunicação” hegemônicos que acabam por abalar as relações sociais locais? Ou

sobre o juízo de valor que é atribuído a vida ribeirinha e a vida da cidade?

Em todas as direções da comunidade onde observarmos, uma coisa é bem

evidente. Há uma constante relação entre os sujeitos e o espaço. Essa relação é

portadora de conhecimentos e significados que atendem a uma lógica própria e se

estruturam de maneira diferente da ciência e que nisto reside a sua originalidade, o

que nos leva a refletir sobre alguns pontos.

O primeiro diz respeito à importância do espaço para a teoria social crítica,

que vem sendo recuperado. Para nós, está evidente que o espaço tem uma

dimensão privilegiada na luta social e que, por isso, inclusive o projeto político da

esquerda deve ser especializado.

Esta constatação é acompanhada da necessidade de construção de uma

epistemologia que leve em conta a especialização do pensamento e da experiência,

tomando como referência o materialismo-histórico e dialético e considerando a vida

concreta de sujeitos concretos, no seu desenvolvimento cotidiano.

Daí o papel e a natureza do que Soja (1993) define como dialética tríplice de

espaço, tempo e ser social. Isto porque acreditamos que o indivíduo vive uma

biografia, uma historiografia e, de alguma forma, uma espaçografia, ou em outros

termos uma biografia espaço-temporal. É esta afirmativa que procuramos defender

durante o desenvolvimento de todo este trabalho.

Se é fato que o pensamento crítico defendeu a ideia de que a vida humana é

mutualmente marcada pela experimentação da temporalidade e da espacialidade

também nos parece importante salientar que atualmente há uma experimentação

não só do tempo mas também da temporalidade dos sujeitos a partir das relações

que estes estabelecem, individual e coletivamente, com o espaço, o que gera a

superação da visão do espaço como elemento morto, fixo e não-dialético.

O segundo ponto é que estamos suficientemente convencidos da existência

de um tipo específico de saber popular, que é aquele gerado e que tem como objeto

as relações do sujeito no e com o espaço, que é o saber espacial. Acreditamos e

procuramos desenvolver durante este trabalho esta ideia para que, em momentos

futuros, ela se apresente definitivamente estruturada.

184

Ela tem como base a ideia de que estamos imersos em uma multiplicidade

complexa de experiências e lugares que, devido ao movimento cotidiano da

sociedade, constrói uma pedagogicidade inscrita na materialidade espacial.

Multiplicidade também de lugares que, por sua vez, cristaliza os sonhos, os

pesadelos, as vontades, os valores, os usos, os tempo, os medos, o controle, a

tolerância e a alegria de sujeitos diferentes. Demarca diversas temporalidades que

se historicizam e confluem em um tempo presente que também é, por isso, um

tempo de descobertas.

O terceiro ponto é que a nossa vivência espacial é, concomitantemente, uma

vivência em formato regional e em formato de rede espacial e, por isso, construímos

cotidianamente redes que podem ser definidas como redes sócio-espaço-

pedagógicas, pela função educativa que elas desempenham na vida dos sujeitos.

O quarto ponto é a importância de reconhecermos a relação entre educação e

território, quando tratamos de processos educativos que tenham que ser

diferenciados a determinados grupos sociais e que tenham como referência o

engajamento político na defesa destes grupos.

O território não é apenas o conteúdo abstrato desta educação. Ele é conteúdo

vivo e eixo estruturador da prática educativa, já que este geralmente tem esta função

na vida social dos sujeitos e das comunidades. Assim, há uma transposição dialética

dos elementos estruturadores da vida social para a estruturação do trabalho

educativo.

Como quinto elemento, gostaria de destacar a importância que tem a

educação popular do campo para as comunidades analisadas. Para elas, a

educação vem constituindo-se como a realização de sonhos individuais e coletivos.

Individuais porque ela dá a possibilidade dos sujeitos romperem com o

analfabetismo a que foram submetidos, possibilitando-lhes o acesso ao mundo da

leitura e da escrita.

Coletivo porque a educação popular do campo insere-se nestas comunidades

em um movimento político de afirmação dos direitos sociais destas comunidades e

como elemento de reforço da identidade local, contribuindo para a manutenção

resignificada da estrutura social, combatendo os elementos reprodutivistas que

buscam oprimir e explorar os sujeitos e reforçando os elementos positivos da

vivência comunitária.

185

Por fim, cabe ressaltar a importância das ações do NEP no que tangem à

educação popular. O núcleo vem desafiando-se constantemente e desafiando a

teoria freireana em um confronto permanente com a prática, atuando atualmente nos

mais diversos espaços e desenvolvendo práticas educativas com os mais diversos

sujeitos, tendo como unidade, sempre, as bases freireanas de educação.

A partir das ações desenvolvidas pelo NEP podemos perceber uma elevação

da criticidade dos sujeitos e um processo, as vezes conflituoso, as vezes cansativo,

de luta pelo seus direitos de serem homens, mulheres, jovens e idosos. De luta pelo

direito das crianças serem crianças e, principalmente, de garantirem com dignidade

a sua sobrevivência a partir de suas temporalidades e espacialidades. Neste

processo, os sujeitos reconhecem-se como sujeitos de direitos que vivem no e do

campo e, a partir daí, lutam para terem acesso a educação, a saúde, a energia e etc.

na própria comunidade. Como um elemento reforçador da identidade social.

É este pequeno e bravo grupo que através de um dos seus grupos de estudo

e trabalho, vem construindo experiências que vem recontando a história dos sujeitos

das comunidades e intervindo decisivamente para que, finalmente, o Estado cumpra

o seu papel.

É a partir da prática educativa desenvolvida pelo grupo que elementos como o

convívio, o trabalho, o igarapé, a história, a temporalidade, a organização espacial, a

organização política, a roça, a venda de terras e os direitos sociais, todos estes

elementos constituintes do território ribeirinho destas comunidades, se constituem

como elementos educativos fazendo do território e, conseqüentemente da

comunidade, um espaço educativo.

186

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GADOTTI. M.; PADILA, P.; CABEZUDO, A.; Cidade educadora: princípios e experiências. São Paulo: CORTEZ; Instituto Paulo Freire; Buenos Aires: Cidades Educadoras América Latina, 2004.

GONH, M. Educação não-formal e cultura política: impactos sobre o

associativismo do terceiro setor. 3ª ed. São Paulo: CORTEZ, 2005 (coleção

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JAPIASSÚ, Hilton & MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 4ª ed.

atualiz. Rio de Janeiro: JORGE ZAHAR, 2006.

KONDER, Leandro. O que é dialética? São Paulo: BRASILIENSE, 2008. (Coleção primeiros passos; 23)

MAESTRI, Mário. A Aldeia Ausente: índios, caboclos, cativos, moradores e imigrantes na formação da classe camponesa brasileira, In: STEDILE, João (org.) A questão agrária no Brasil: o debate na esquerda 1960 – 1980. São Paulo: EXPRESSÃO POPULAR, 2005.

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de Jesus Ranieri. 1ª ed. 2ª reimp. São Paulo: BOITEMPO EDITORIAL, 2008a.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro I. Tradução de Reginaldo Sant`Anna. 25ª ed. Rio de Janeiro: CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, 2008b

MARX, Karl. Para a crítica da economia política. Tradução de Edgard Malagodi. São Paulo: NOVA CULTURAL, 2000 (Coleção Os Pensadores)

MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã: Feuerbach – a contraposição entre as

cosmovisões materialista e idealista. São Paulo: MARTIN CLARET, 2008 (Coleção

obra prima de cada autor; 192).

MENDONÇA, Sônia. A Classe Dominante Agrária: natureza e comportamento 1964 – 1990. In: STEDILE, João (org.). A questão agrária no Brasil: a classe dominante agrária - natureza e comportamento 1964 – 1990. São Paulo: EXPRESSÃO POPULAR, 2006.

MOLINA, Mônica (org.). Educação do campo e pesquisa: questões para reflexão. Brasília: MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2006.

MOREIRA, Ruy. O que é geografia? 14ª ed. São Paulo: BRASILIENSE, 1994

(Coleção primeiros passos; v. 48).

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190

Cartografia de saberes: representações sobre religiosidade em práticas educativas populares. Belém: EDUEPA, 2008.

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NEP – Núcleo de Educação Popular Paulo Freire. Projeto Pedagógico. Departamento de Filosofia e Ciências Sociais: CCSE-UEPA, 2002.

OLIVEIRA, Ivanilde (org.). Caderno de atividades pedagógicas em educação popular: relatos de pesquisas e de experiências dos grupos de estudo e trabalho. Belém: EDUEPA, 2009.

OLIVEIRA, Ivanilde (org.). Cartografias ribeirinhas: saberes e representações sobre práticas sociais cotidianas de alfabetizandos amazônidas. 2ª Ed. Belém: EDUEPA, 2008a.

OLIVEIRA, Ivanilde (org.). Cartografia de saberes: representações sobre religiosidade em práticas educativas populares. Belém: EDUEPA, 2008b.

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OLIVEIRA, Ivanilde. Caderno de atividades pedagógicas em educação popular: pesquisas e práticas educativas de inclusão social. Belém: CCSE – UEPA, 2004 (Nº 1).

OLIVEIRA, Ivanilde. Palavra-ação em educação de jovens e adultos. Belém: CCSE – UEPA, 2002.

OLIVEIRA, Ivanilde. A experiência educativa popular freireana do Proalto. In: FREIRE, Ana. A pedagogia da libertação em Paulo Freire. São Paulo: UNESP, 2001.

OLIVEIRA, Ivanilde. O Programa de Alfabetização de Adultos: Processo Social para a Libertação – PROALTO – e a sua experiência educativa popular freireana. 50f. Trabalho elaborado para a Cátedra Paulo Freire – Programa de Pós-Graduação em Educação: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1998.

OLIVEIRA, I.; MOTA NETO, J. Saberes da terra, da mata e das águas, saberes culturais e educação. in OLIVEIRA, Ivanilde (org.). Cartografias ribeirinhas: saberes e representações sobre práticas sociais cotidianas de alfabetizandos amazônidas.2ª ed. Belém: EDUEPA, 2008.

OLIVEIRA NETO, A.; RODRIGUES, D. O lugar de estar sendo dos sujeitos amazônidas rurais-ribeirinhos. In: OLIVEIRA, Ivanilde (org.). Cartografias ribeirinhas: saberes e representações sobre práticas sociais cotidianas de

191

alfabetizando amazônidas. 2 ed. Belém: EDUEPA, 2008 (Coleção Saberes Amazônicos, nº 01).

OLIVEIRA NETO, Adolfo. A dimensão pedagógica do espaço: espaço geográfico como agente educativo libertador em turmas de alfabetização do NEP-UEPA em comunidades ribeirinhas. 105f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pedagogia) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2007.

PRADO JUNIOR, Caio. A revolução brasileira. São Paulo: BRASILIENSE, 2004.

PROALTO – Programa de Alfabetização de Adultos: processo social para a libertação. Projeto Pedagógico. Centro Acadêmico de Pedagogia: CCSE – UEPA, 1997.

QUAINI, Massimo. Marxismo e geografia. Rio de Janeiro: PAZ E TERRA, 1979 (Coleção geografia e sociedade; v. 1).

RAFFESTIN, Claude. A Produção das Estruturas Territoriais e sua Representação. In: SAQUET, M.; SPÓSITO, E. (org.). Territórios e territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: EXPRESSÃO POPULAR; UNESP. Programa de Pós-Graduação em Geografia, 2009.

RAMOS, Marise; MOREIRA, Telma; SANTOS, Clarice. Referências para uma política nacional de educação do campo: caderno de subsídios. Brasília: Secretaria de Educação média e Tecnológica. Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo, 2004.

RESENDE, Márcia. A geografia do aluno trabalhador: caminhos para uma prática de ensino. São Paulo, LOYOLA, 1986

RODRIGUES, D.; MOTA JR, W. Formação Histórica de São Domingos do Capim. In: OLIVEIRA, Ivanilde (org.). Cartografias ribeirinhas: saberes e representações sobre práticas sociais cotidianas de alfabetizando amazônidas. 2 ed. Belém: EDUEPA, 2008 (Coleção Saberes Amazônicos, nº 01).

SANT’ANNA, Sílvio. A cosmovisão dialético-materialista da história in MARX, Karl &

ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: Feuerbach – a contraposição entre as

cosmovisões materialista e idealista. São Paulo: MATIN CLARET. 2005 (Coleção

Obra Prima de Cada Autor N 192).

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4ª ed. 4ª reimpr. São Paulo: EDUSP, 2008a (Coleção Milton Santos, v. 1).

SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da geografia. 6ª ed. São Paulo: EDUSP, 2008b (Coleção Milton Santos, v. 10).

SANTOS, Milton. Por uma geografia nova. Da crítica da geografia a uma geografia crítica. 6ª ed. 1ª reimpr. São Paulo: EDUSP, 2008c (Coleção Milton Santos, v. 2).

SANTOS, Milton. Técnica, espaço e tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional. 5ª ed. São Paulo: EDUSP, 2008d (Coleção Milton Santos, v. 11).

192

SANTOS, M. O espaço do cidadão. 7ª ed. São Paulo: EDUSP, 2007a (Coleção Milton Santos; 8).

SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. 5ª ed. 1ª reimpr. São Paulo: EDUSP, 2007b (Coleção Milton Santos, v. 5).

SANTOS, Milton. Da totalidade ao lugar. São Paulo: EDUSP, 2005 (Coleção Milton Santos, v. 7).

SANTOS, Milton. O país distorcido: o Brasil, a globalização e a cidadania. São Paulo: PUBLIFOLHA, 2002.

SARMENTO, Cibele. A interação ensino-pesquisa-extensão na formação do pedagogo: a experiência do NEP. 44f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pedagogia). Universidade do Estado do Pará: BELÉM, 2003.

SILVA, Maria. Da Raiz à Flor: produção pedagógica dos movimentos sociais e a escola do campo. In: MOLINA, Mônica (org.). Educação do campo e pesquisa: questões para reflexão. Brasília: MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2006.

SOJA, Edward. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social. Tradução da 2ª ed. Inglesa. Rio de Janeiro: JORGE ZAHAR, 1993.

SOUZA, Francilane. Da luta pela terra à luta pela educação do campo. Boletim DATALUTA. NERA, UNESP. Dispinível em: http://www4.fct.unesp.br/ nera/boletimdataluta/boletim_dataluta_04_2009.pdf acessado em agosto de 2009.

TEIXEIRA, Elizabeth. Cartografia de Saberes: o cuidar, a saúde e a doença em práticas educativas populares em comunidades hospitalares de Belém. Belém: EDUEPA, 2010.

193

ANEXOS

194

ANEXO I

REDE TEMÁTICA DAS TURMAS DE EDUCAÇÃO POPULAR DO NEP EM SDC

REDE TEMÁTICA 2003

VISÃO DO (A) EDUCADOR (A)

EXPLORAÇÃO RACIONAL DOS RECURSOS NATURAIS E

EQUILIBRIO ECOLÓGICO NAS COMUNIDADES RURAIS

POLÍTICAS AGRICOLAS

• Apoio técnico e financeiro • Investimento na agricultura familiar • Associações e cooperativas

TRABALHO INFANTIL

• ECA e trabalho infantil

TRANSPORTE

• Qualidade de transporte • Construção e manutenção de estradas

POLÍTICA DE

SAÚDE

• Saneamento básico • Saúde preventiva

POLÍTICA AMBIENTAL

• Educação ambiental • Desenvolvimento sustentável • Reflorestamento • Outros cultivos

POLÍTICA EDUCACIONAL E

CULTURAL

• Educação, raízes e identidades do povos amazônicos • Educação de jovens e adultos • Formação escolar e profissional dos (as) trabalhadores (as) agrícolas VISÃO DA COMUNIDADE

A DERRUBADA E A QUEIMADA AGENTE FAZ

POR NECESSIDADE, PORQUE FOI ASSIM QUE

AGENTE APRENDEU

ESTÁ MUITO QUENTE NA REGIÃO E OS

IGARAPÉS ESTÃO SECANDO. NÃO TEM

MAIS PEIXE. AGENTE ESTÁ ADOECENDO

AGENTE JÁ NÃO PODE MAIS NEM

CAÇAR, PORQUE NÃO TEM MAIS O

QUE CAÇAR

AS FAZENDAS ESTÃO AUMENTANDO

NA REGIÃO PORQUE OS PEQUENOS

AGRICULTORES ESTÃO VENDENDO

AS SUAS TERRAS

UM AGRICULTOR ESTÁ BRIGANDO COM O OUTRO,

POR CAUSA DA TERRA. TODA TERRA NOSSA ESTÁ

VIRANDO CAPOEIRINHA, TERRA FRACA. A

PRODUÇÃO ESTÁ DIMINUINDO, SO TA FICANDO O

LUGAR DA FLORESTA

FALTA DE APOIO TÉCNICO DE

ASSOCIAÇÕES E COOPERATIVAS

TRABALHA ASSIM NA ROÇA FAZ PARTE

DA NOSSA NECESSIDADE E DA NOSSA

CULTURA, APRENDEMOS COM NOSSOS

ANTEPASSADOS

NOSSO NÍVEL DE INSTRUÇÃO É DEMAIS

BAIXO. AGENTE ESTÁ MUITO DESUNIDO.

EIXOS TEMÁTICOS

• Políticas pública, qualidade de vida e de trabalho no campo; • Organização social e política: associações e cooperativas como instrumento de conquista de direitos e de reestruturação social; • Práticas agrícolas e desenvolvimento sustentável; •Identidades e diversidades culturais.

Essa rede temática foi construída durante o trabalho de formação continuada com os (as) alfabetizadores (as), a partir da pesuisa sócio-antropológica e das reflexões

sobre as atividades de alfabetização.

195

ANEXO II

O PAPEL DAS ASSOCIAÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL DE SÃO DOMINGOS DO CAPIM (formação de maio – 2010. Local: comunidade “São Bento”)

Associação Organização/Objetivo

Família

Organização

União

Amor

Fazer reuniões

Conseguir algo (escola)

melhorias

Direitos

Conhecimento Entidade Organizada

Tempo/Mudança

Direito de todos

Programa do governo

PRONAF

Reuniões/Capacitação

O que faltou?

Parcerias

Poucos sócios

Participação

Superação

O que fazer?

Ação Não Dialógica

Divisão

Manipulação

Opressão

Invasão Cultural

Ação Dialógica

Colaboração

Comunhão

Conhecimento

Diálogo

Ousadia

Organização

Participação

O que é organização? O que é participação?

196

APÊNDICES

197

Apêndice 1 - roteiro de entrevista assessor

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ROTEIRO DE ENTREVISTA – ASSESSOR 1 – IDENTIFICAÇÃO. 1.1 Qual é o seu nome? 1.2 Qual é a sua idade? 1.3 Qual é a sua formação? 1.4 A quanto tempo você participa do

NEP? 1.5 A quanto tempo você participa dos

trabalhos em SDC? 1.6 Qual é a sua função? 1.7 Como você começou no grupo?

1.8 Já participou de outros grupos? 1.9 Porque escolheu São Domingos do

Capim? 1.10 Você trabalha? Se sim, onde? 1.11 Qual é a sua área de interesse nos

estudos e na profissão? 1.12 Qual é a periodicidade com que você

vai a SDC?

2 – A PRÁTICA EDUCATIVA E O TERRITÓRIO EM SDC. 2.1 Como é a metodologia das aulas? 2.2 Como é o planejamento das

aulas? 2.3 Como é a avaliação? 2.4 Como acontece o

acompanhamento do trabalho? 2.5 Onde e como é feito este

acompanhamento? 2.6 Quais são os níveis de ensino

trabalhados nas turmas? 2.7 Como são escolhidos os

educandos? 2.8 Eles são remunerados pelo

trabalho? 2.9 Há formação continuada dos

educadores? 2.10 Como ela é feita? 2.11 De quanto em quanto tempo? 2.12 Como é feita a escolha dos

temas? 2.13 Quais são os temas mais

comuns? 2.14 Quem é que facilita a formação? 2.15 Como é feita a escolha dos

facilitadores? 2.16 Quem participa? 2.17 Há o apoio do estado para a

realização do trabalho (prefeitura,

governo do estado, gov. federal, secretarias ou etc)?

2.18 Como é o financiamento do trabalho? 2.19 Como é definido o calendário das

atividades educativas? 2.20 Tem alguma pausa durante o ano? 2.21 Como se conseguiu o espaço da sala

da aula? 2.22 Ele é adequado? 2.23 A escola interfere na vida da

comunidade? Se sim, como? 2.24 Existe relação entre as práticas da

comunidade e as práticas das turmas?

2.25 As festividades, a produção ou alguma outra atividade altera ou se relaciona com os trabalhos das turmas? Se sim, como?

2.26 A família se relaciona com as turmas? 2.27 Quais são algumas das dificuldades

para a realização do trabalho? 2.28 Existe diferença entre a educação da

comunidade e a educação da cidade? Se sim, qual(is)?

2.29 O que significa construir um projeto educativo para estas comunidades?

198

3 – CONTEÚDOS, CURRÍCULO E TERRITÓRIO. 3.1 Quais são os conteúdos

trabalhados nas turmas? 3.2 Como é feita a escolha? 3.3 Quem participa desta escolha? 3.4 Como é o planejamento dos

conteúdos? 3.5 Como eles estão organizados?

3.6 Qual é a finalidade destes conteúdos? 3.7 Há a revisão do currículo? 3.8 Se sim, qual é a periodicidade desta

revisão? 3.9 Porque ela é feita?

4 – SABERES E O TERRITÓRIO EM COMUNIDADES RIBEIRINHAS 4.1 É trabalhado os saberes dos

educandos nas turmas? Se sim, quais? Como?

4.2 Tem algum exemplo? 4.3 A religiosidade dos educandos e

dos educadores influenciam o trabalho educativo? Se sim, como?

4.4 Os causos influenciam no trabalho educativo? Se sim, como?

4.5 Foi trabalhado algum elemento histórico, como história da comunidade, história das famílias ou das instituições na turmas? Se sim, como?

4.6 Foi trabalhado algum elemento espacial nas turmas, como localização da comunidade, mapa, recursos naturais, organização espacial e etc? Se sim, como?

4.7 Há importância na mata para a prática educativa? Se sim, qual?

4.8 Há importância no rio ou o igarapé para a prática educativa? Se sim, qual?

4.9 Há importância nos animais para a prática educativa? Se sim, qual?

4.10 Há importância na produção de farinha para a prática educativa? Se sim, qual?

199

Apêndice 2 – Roteiro de entrevista educador

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ROTEIRO DE ENTREVISTA – EDUCADOR

1 – IDENTIFICAÇÃO.

1.1 Qual é o seu nome?

1.2 Qual é a sua idade?

1.3 Qual é a sua formação?

1.4 A quanto tempo você participa do

NEP?

1.5 A quanto tempo você participa

dos trabalhos em SDC?

1.6 Como você começou no grupo?

1.7 Você tem outro trabalho? Se sim,

onde?

1.8 Você mora na comunidade? Se sim,

desde quando? Se não, qual é a

periodicidade com que vai à

comunidade?

2 – A PRÁTICA EDUCATIVA E O TERRITÓRIO EM SDC.

2.1 Você recebeu alguma formação

para iniciar o trabalho nas

turmas?

2.2 Como é o planejamento das

aulas?

2.3 Como é a avaliação?

2.4 Quais são os níveis de ensino

trabalhados nas turmas?

2.5 Vocês trabalham com séries?

2.6 Se sim, há séries diferentes na

mesma turma?

2.7 Se sim, como é o que se realiza

o trabalho?

2.8 Há formação continuada dos

educadores?

2.9 Como ela é feita?

2.10 De quanto em quanto tempo?

2.11 Como é feita a escolha dos

temas?

2.12 Quais são os temas mais

comuns?

2.13 Há o apoio do estado para a

realização do trabalho (prefeitura,

governo do estado, gov. federal,

secretarias ou etc)?

2.14 Quem são os educandos?

2.15 Quantos são?

2.16 Moram na comunidade?

2.17 Tem alguém de fora da comunidade?

2.18 Como é definido o calendário das

atividades educativas?

2.19 Tem alguma pausa durante o ano?

2.20 Onde é realizada a prática educativa?

2.21 Porque nestes espaços?

2.22 Há outros espaços usados para a

educação?

2.23 Como se conseguiu o espaço da sala

da aula?

2.24 Ele é adequado?

2.25 O espaço da escola é utilizado para

outra atividade? Se sim, qual?

2.26 Outros membros da comunidade se

relacionam com a escola? Se sim,

como?

2.27 A escola interfere na vida da

comunidade? Se sim, como?

2.28 Existe relação entre as práticas da

comunidade e as práticas das

turmas?

200

2.29 As festividades, a produção ou

alguma outra atividade altera ou

se relaciona com os trabalhos

das turmas? Se sim, como?

2.30 As famílias se relacionam com as

turmas?

2.31 Quais são algumas das dificuldades

para a realização do trabalho?

2.32 Existe diferença entre a educação da

comunidade e a educação da cidade?

Se sim, qual(is)?

2.33 O que significa construir um projeto

educativo para estas comunidades?

3 – CONTEÚDOS, CURRÍCULO E TERRITÓRIO.

3.1 Quais são os conteúdos

trabalhados nas turmas?

3.2 Como é feita a escolha?

3.3 Quem participa desta escolha?

3.4 Como é o planejamento dos

conteúdos?

3.5 Como eles estão organizados?

3.6 Qual é a finalidade destes

conteúdos?

3.7 Como você se prepara para as

aulas?

3.8 Há a revisão do currículo?

3.9 Se sim, qual é a periodicidade desta

revisão?

3.10 Porque ela é feita?

3.11 Há relação entre os conteúdos

trabalhados nas turmas com os

conteúdos trabalhados em outras

escolas? São os mesmos?

3.12 São trabalhados da mesma forma?

Por quê?

4 – SABERES E O TERRITÓRIO EM COMUNIDADES RIBEIRINHAS

4.1 É trabalhado os saberes dos

educandos nas turmas?

4.2 Se sim, quais? Como?

4.3 Tem algum exemplo?

4.4 A religiosidade dos educandos ou

a sua influenciam o trabalho

educativo? Se sim, como?

4.5 Os causos influenciam no

trabalho educativo? Se sim,

como?

4.6 Foi trabalhado algum elemento

histórico, como história da

comunidade, história das famílias

ou das instituições nas turmas?

Se sim, como?

4.7 Foi trabalhado algum elemento

espacial nas turmas, como

localização da comunidade,

mapa, recursos naturais,

organização espacial e etc? Se

sim, como?

4.8 Há importância na mata para a prática

educativa? Se sim, qual?

4.9 Há importância no rio ou o igarapé

para a prática educativa? Se sim,

qual?

4.10 Há importância nos animais para a

prática educativa? Se sim, qual?

4.11 Há importância na produção de

farinha para a prática educativa? Se

sim, qual?

201

Apêndice 3 – roteiro de entrevista educando

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ROTEIRO DE ENTREVISTA – EDUCANDO

1 – IDENTIFICAÇÃO.

1.1 Qual é o seu nome?

1.2 Qual é a sua idade?

1.3 Você já estudou antes? Se sim,

quanto tempo? Porque parou?

1.4 A quanto tempo você participa do

NEP?

1.5 Porque resolveu estudar?

1.6 Esta gostando? Por quê?

1.7 Como você começou no grupo?

1.8 Você trabalha? Se sim, onde?

1.9 Você gosta do seu trabalho?

Gostaria de trocar? Se sim,

porque? Qual seria o outro

trabalho que você gostaria de ter?

1.10 Você tem alguma função na

comunidade?

1.11 Você mora na comunidade?

1.12 Se sim, desde quando? Se não, onde

você mora?

1.13 Você gosta daqui? Por quê?

1.14 Tem filhos? Se sim, quantos? Qual é

a idade?

1.15 Moram com você?

1.16 Eles ajudam no trabalho?

1.17 Eles estudam? Se sim, onde?

1.18 Por quê?

1.19 Você acha que a educação que você

teve é diferente da dos seus filhos?

2 – A PRÁTICA EDUCATIVA E O TERRITÓRIO EM SDC.

2.1 Qual é a importância da

educação para você?

2.2 Como é a avaliação?

2.3 Como é definido o calendário das

atividades educativas?

2.4 Tem alguma pausa durante o

ano?

2.5 Onde é realizada a prática

educativa?

2.6 Porque nestes espaços?

2.7 Há outros espaços usados para a

prática educativa?

2.8 Como se conseguiu o espaço da

sala da aula?

2.9 Ele é adequado?

2.10 Qual é o horário das aulas, a

periodicidade e a jornada de

estudo?

2.11 Quem definiu?

2.12 O espaço da escola é utilizado para

outra atividade? Se sim, qual?

2.13 Outros membros da comunidade se

relacionam com a escola? Se sim,

como?

2.14 A escola interfere na vida da

comunidade? Se sim, como?

2.15 As festividades, a produção ou

alguma outra atividade altera ou se

relaciona com os trabalhos das

turmas? Se sim, como?

2.16 A família se relaciona com as turmas?

2.17 Quais são algumas das dificuldades

para a realização do trabalho?

2.18 Existe diferença entre a educação da

comunidade e a educação da cidade?

Se sim, qual(is)?

202

2.19 O que significa construir um

projeto educativo para estas

comunidades?

3 – CONTEÚDOS, CURRÍCULO E TERRITÓRIO.

3.1 Quais são os conteúdos

trabalhados nas turmas?

3.2 Como é feita a escolha?

3.3 Quem participa desta escolha?

3.4 Qual é a finalidade destes

conteúdos?

3.5 Você tem dificuldade com algum

assunto na aula? Se sim, qual?

3.6 Como ela é resolvida?

3.7 Tem algum assunto que você ache

que deveria ser trabalhado?

3.8 Você tem conseguido aprender?

3.9 O que pode melhorar?

3.10 Vocês têm material didático (caderno,

livro e etc.)?

4 – SABERES E O TERRITÓRIO EM COMUNIDADES RIBEIRINHAS

4.1 A religiosidade influencia o

trabalho educativo? Se sim,

como?

4.2 Vocês contam causos nas

turmas? Se sim, como?

4.3 Vocês conversam sobre muitas

coisas? Sobre o que vocês

conversam?

4.4 Foi trabalhado algum elemento

histórico, como história da

comunidade? Se sim, como?

4.5 Foi trabalhado algum elemento

espacial nas turmas, como

localização da comunidade,

mapa, recursos naturais,

organização espacial e etc? Se

sim, como?

4.6 Há importância na mata? Se sim,

qual?

4.7 Há importância no rio ou o igarapé

para a prática educativa? Se sim,

qual?

4.8 Há importância nos animais para a

prática educativa? Se sim, qual?

4.9 Há importância na produção de

farinha para a prática educativa? Se

sim, qual? Como você aprendeu? Já

ensinou pra alguém?

4.10 Vocês trabalharam alguma coisa

sobre a floresta, o igarapé ou alguma

coisa da comunidade na turma?

4.11 Morando aqui o Sr. (a) aprendeu

alguma coisa que outras pessoas de

outros lugares não saibam?

5 – TERRITÓRIO E TERRITORIALIZAÇÃO NAS COMUNIDADES RIBEIRINHAS

5.1 Quando você chegou aqui na

comunidade?

5.2 A casa onde você mora é sua?

5.3 Como você fez para conseguir?

5.4 Tem o título da terra?

5.5 Você tem roça?

5.6 Onde é?

5.7 A terra é boa?

5.8 Você gosta da sua casa?

5.9 O que poderia melhorar?

5.10 Você gosta da roça?

5.11 O que poderia melhorar?

5.12 Quem era o dono da terra antes?

5.13 Tem alguém que já tentou comprar a

terra de você?

5.14 Você gosta da comunidade?

5.15 Quais são as maiores dificuldades?

5.16 O que poderia melhorar?

5.17 Vocês se divertem muito aqui? Se

sim, como? Onde são os espaços de

lazer?

5.18 Existem outros?

203

5.19 Onde são os espaços de estudo?

Existem outros?

5.20 Onde é que a senhora trabalha?

5.21 Existem outros espaços?

5.22 Você pesca ou caça?

5.23 As coisas mudaram ou estão

mudando de uns tempos para

cá? Se sim, o que mudou?

5.24 Quais são as dificuldades para a

produção?

5.25 Quando alguém adoece, o que

vocês fazem?

5.26 Como vocês fazem para ter

água?

5.27 Se você pudesse, mudaria

daqui? porque? Para onde?

Universidade do Estado do Pará

Centro de Ciências Sociais e Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação

Travessa Djalma Dutra, s/n - Telégrafo

66113-200 Belém - PA

www.uepa.br