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IZABELLE ALBUQUERQUE COSTA MAIA
ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO RESCISÓRIA FUNDADA EM
VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI (ART. 485, V, CPC)
MESTRADO EM DIREITO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
São Paulo
2005
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Izabelle Albuquerque Costa Maia
ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO RESCISÓRIA FUNDADA EM
VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI (ART. 485, V, CPC)
Dissertação apresentada à banca examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em
Direito Processual Civil, sob orientação da professora
Teresa Arruda Alvim Wambier.
São Paulo
2005
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Izabelle Albuquerque Costa Maia
ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO RESCISÓRIA FUNDADA EM
VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI (ART. 485, V, CPC)
Dissertação apresentada à banca examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em
Direito Processual Civil, sob orientação da professora
Teresa Arruda Alvim Wambier.
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À tríade que me sustenta:
Minha mãe Moema, por ter sido meu
maior exemplo;
Meu marido Robson, por ter me dado
apoio e incentivo desde o início e sempre;
Meu filho Rafael, por encher os meus dias
de alegria e ternura.
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Agradecimento
Agradeço a minha professora orientadora Dra. Teresa
Arruda Alvim Wambier, exemplo de profissional e jurista,
pela atenção e disponibilidade que me foram dispensadas
e por ter acreditado em mim desde o início.
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RESUMO
Este trabalho visa ao estudo da ação rescisória fundada em violação a literal
disposição de lei, hipótese prevista no inciso V do artigo 485 do Código de
Processo Civil brasileiro.
A abordagem se restringe à admissibilidade da ação. Objetiva-se a apreciação
dos pressupostos necessários à admissibilidade da ação rescisória, partindo
dos genéricos (condições da ação e pressupostos processuais), exigíveis para
todas as ações, passando pelos específicos (sentença de mérito, trânsito em
julgado, prazo e enquadramento numa das hipóteses legais), pertinentes a
todas as ações rescisórias, e chegando, enfim, aos que delineiam a hipótese
de “violação a literal disposição de lei”, ensejadora da ação rescisória objeto da
análise.
Para tanto, explica-se o enquadramento da ação rescisória como ação típica,
cujos fundamentos se encontram previstos taxativamente na lei processual, e
se faz uma incursão pelos aspectos gerais da ação rescisória, como a
legitimidade, a competência e o meio para suspender a execução do julgado
rescindendo, itens indispensáveis para a compreensão da temática central.
Ressalta-se, em diversas passagens, o caráter excepcional da ação rescisória,
cuja finalidade é a desconstituição da autoridade da coisa julgada que torna
imutável a sentença de mérito.
Impõe-se a conclusão de que se deve dar à hipótese do inciso V do artigo 485
do Código de Processo Civil uma interpretação ampliativa, de forma a abranger
todas as violações às normas que compõem o ordenamento jurídico, a fim de
evitar a prevalência da segurança em detrimento da justiça (proximidade com o
direito material), em situação para a qual o sistema prevê um instrumento
propício à superação da barreira consubstanciada na coisa julgada e a
subseqüente rescisão (anulação) da decisão judicial viciada, contrária ao direito
material regulador da espécie.
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ABSTRACT
This dissertation’s scope has in view to develop a study about the lawsuit
referred in the article 485, V, of the Brazilian Procedural Codification (in
Portuguese, this codification is named Código de Processo Civil, or CPC),
indicated to obstruct a decision that violates the law.
The approach chosen drives the dissertation to the study about (i) the general
points (lawsuit conditions, procedural requests) and (ii) the specific points (a
court decision that doesn’t admits revision, term to propose the lawsuit and
others legal hypothesis) asked to propose the lawsuit based on the article 485
of the CPC and, more specifically, based on the article 485, V, of the CPC
(lawsuit appropriated to rescind a court decision that contains a law violation).
According to this planning, deserves approach the lawsuit based on the article
485 as a common lawsuit, with requests legally established in the procedural
legislation, and also are studied some general aspects concerning to the
procedural admission such as legitimacy, legal competence and the capacity to
suspend the execution of the illegal decision.
Also deserves attention the exceptional character of the lawsuit based on the
article 485, V, of the CPC, considering that its object is to attack a jurisdictional
decision that can not be changed by the regular ways (appellation, for instance).
The dissertation concludes indicating an amplified interpretation about the
article 485, V, of the CPC, approaching all the law violations mentioned in the
Brazilian legislation, in order to give priority to the concept of Justice in
comparison with the concept of security, specially in situations in which a
decision contains a substantial law violation.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 10 I. PREMISSAS FUNDAMENTAIS .................................................................... 13
1.1. Conceito de ação................................................................................... 13 1.1.1. Teorias sobre a natureza jurídica da ação ...................................... 13 1.1.2. Conceito de ação ............................................................................ 17
1.2. Tipicidade da ação rescisória ................................................................ 19 1.2.1. A atipicidade das ações como regra ............................................... 19 1.2.2. A ação rescisória como ação típica................................................. 20
II. DA AÇÃO RESCISÓRIA EM GERAL........................................................... 23 2.1. Natureza jurídica e finalidade da ação rescisória .................................. 23 2.2. Breve relato histórico ............................................................................. 26 2.3. Nulidade, rescindibilidade e inexistência jurídica................................... 33
2.3.1. A querela nullitatis hoje ................................................................... 35 2.3.2. Declaração de inexistência em ação rescisória .............................. 38
2.4. O pedido na ação rescisória – cumulação de juízos.............................. 40 2.6. Suspensão da execução do julgado rescindendo.................................. 50 2.7. Legitimidade para propor ação rescisória .............................................. 57 2.8. Aspectos procedimentais....................................................................... 59 2.9. Competência para julgamento ............................................................... 66
III. PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS À ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO RESCISÓRIA ................................................................................................... 72
3.1. Pressupostos genéricos da ação rescisória – condições da ação e pressupostos processuais ............................................................................ 72 3.2. Pressupostos específicos da ação rescisória ........................................ 89
3.2.1. Sentença de mérito ......................................................................... 90 3.2.1.1. Buscando um conceito de mérito.............................................. 90 3.2.1.2. Sentença. Sentenças terminativas do processo e sentenças de mérito..................................................................................................... 98
3.2.1.2.1. Conteúdos das sentenças de mérito (artigo 269 do CPC)101 3.2.1.3. A “sentença” objeto da ação rescisória. Decisões interlocutórias de mérito. Decisões irrescindíveis ....................................................... 103
3.2.2. Coisa julgada ................................................................................ 109 3.2.2.1. Fundamentação política e jurídica da coisa julgada ............... 109 3.2.2.2. Coisa julgada formal e coisa julgada material ........................ 116 3.2.2.3. Extensão objetiva e subjetiva da coisa julgada....................... 119 3.2.2.4. Eficácia preclusiva da coisa julgada ....................................... 124 3.2.2.5. Sentenças que não fazem coisa julgada ................................ 127 3.2.2.6. O duplo grau obrigatório: sentença de mérito que não faz coisa julgada ................................................................................................. 129 3.2.2.7. A coisa julgada hoje: tendências relativizadoras .................... 132 3.2.2.8. A coisa julgada como requisito indispensável à admissibilidade da ação rescisória ............................................................................... 148
3.2.3. Prazo............................................................................................. 149 3.2.3.1. Natureza ................................................................................. 150
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3.2.3.2. Momento da citação e decadência ......................................... 152 3.2.3.3. Prazo diferenciado para Ministério Público e Fazenda Pública............................................................................................................ 154 3.2.3.4. Termo inicial ........................................................................... 156
3.2.3.4.1 Hipótese de recurso não conhecido.................................. 157 3.2.3.4.2 Hipótese de recurso parcial............................................... 164
3.2.4. Enquadramento numa das hipóteses legais do artigo 485............ 168 IV. AÇÃO RESCISÓRIA FUNDADA EM VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI............................................................................................................ 172
4.1. Considerações preliminares ................................................................ 172 4.2. Alcance da expressão “literal disposição de lei” .................................. 173
4.2.1. Direito objetivo e direito subjetivo.................................................. 173 4.2.2. Sentido do vocábulo “lei”. Direito escrito. Indicação da lei violada.175 4.2.3. Violação à jurisprudência, costumes, analogia e princípios gerais do direito ...................................................................................................... 179
4.2.3.1 Violação à súmula vinculante e cabimento de ação rescisória 182 4.2.4. Infrações ao direito material e processual: errores in judicando e errores in procedendo ............................................................................. 188
4.2.4.1. Sentenças citra, ultra e extra petita ........................................ 191 4.2.5. Prequestionamento ....................................................................... 198 4.2.6. Jurisprudência divergente: a Súmula 343 do STF ........................ 202 4.2.7. Erro na qualificação jurídica dos fatos........................................... 210
4.2.7.1. Interpretação de contrato e qualificação jurídica de cláusula contratual............................................................................................. 212
4.3. Ação rescisória fundada em violação à Constituição Federal.............. 213 4.3.1. Art. 741, parágrafo único: embargos à execução de sentença baseada em lei declarada inconstitucional.............................................. 222
V. TÓPICOS CONCLUSIVOS........................................................................ 226 REFERÊNCIAS.............................................................................................. 245
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INTRODUÇÃO
No direito processual moderno, é notório o realce que se tem dado à
busca de efetividade no processo, de forma a garantir aos jurisdicionados uma
tutela jurisdicional efetiva, que realmente consiga proteger e restaurar os
direitos ameaçados ou lesados trazidos a juízo. A efetividade almejada também
se traduz na aproximação do processo com o direito material. Não obstante a
autonomia dos ramos jurídicos, tem-se (ou deve-se ter) como ideal do direito a
convivência, a mais próxima possível, do direito processual com o direito
material. Afinal, é cediço que o processo tem função instrumental, visando a
assegurar, em última análise, a realização do direito material. E, se por meio do
processo, concretiza-se o direito, resta feita a justiça.
Nesse contexto, verifica-se que tem lugar uma reanálise dos valores que
norteiam o sistema. A coisa julgada, consagradora da segurança jurídica, cede
a prevalência quase absoluta doutros tempos para dar lugar a outros valores
de mesma grandeza, em especial ao valor justiça. Mas não se entenda que a
segurança perdeu prestígio. É por meio da segurança nas relações jurídicas
que se instaura e se mantém a ordem social. Nenhuma sociedade humana
pode alcançar a paz social diante da existência de litígios perenes, para os
quais não se impõe uma solução definitiva. Dessa forma, parece-nos que a
segurança continua a ser a regra, flexibilizando-se as hipóteses que a
excepcionam. O que se tem por certo é que, hoje, a coisa julgada não faz mais
do branco, preto e do preto, branco.
Exsurge a ação rescisória como um meio processual legítimo, previsto
no ordenamento, que detém o poderio para o desfazimento da coisa julgada,
garantidora da imutabilidade das decisões judiciais. Trata-se de uma ação
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autônoma, impugnativa de sentenças de mérito transitadas em julgado que
contenham vício, que visa à desconstituição da coisa julgada e posterior
rescisão da sentença viciada, com novo julgamento da causa, na maioria dos
casos.
Temos que, diante do contrabalançar de valores que hoje se faz
necessário e que resulta, inevitavelmente, na ruína do mito da coisa julgada e
de sua aparente intocabilidade, ganha relevo a temática atinente à ação
rescisória e à abrangência que deve ser dada aos seus fundamentos possíveis.
No trabalho que segue será abordada a questão da admissibilidade da
ação rescisória fundada em violação à literal disposição de lei (art. 485, V,
CPC). Restringe-se a abordagem ao âmbito da admissibilidade, considerando-
se que, como ação excepcional que é, a rescisória é submetida a um juízo de
admissibilidade especial; e, somente sendo positivo este, passa-se ao exame
do mérito, que se compõe de dois juízos: o rescindente e o rescisório. É feita a
apreciação dos pressupostos necessários à admissibilidade da ação rescisória,
partindo dos genéricos (condições da ação e pressupostos processuais),
pertinentes a todas as ações, passando pelos específicos (sentença de mérito,
coisa julgada, prazo e enquadramento numa das hipóteses legais), exigíveis
para todas as ações rescisórias, e alcançando, enfim, os que delineiam a
hipótese de “violação a literal disposição de lei”, ensejadora da ação rescisória
objeto do presente estudo, com análise de problemáticas correlatas.
Inicialmente, explica-se o enquadramento da ação rescisória como ação
típica, cujos fundamentos se encontram previstos taxativamente na lei
processual, e se faz uma incursão pelos aspectos gerais da ação rescisória,
como a legitimidade para propositura, competência para julgamento e meio
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para suspender a execução do julgado rescindendo, itens indispensáveis para
a compreensão da temática central.
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I. PREMISSAS FUNDAMENTAIS
1.1. Conceito de ação
1.1.1. Teorias sobre a natureza jurídica da ação
O conceito de ação sempre foi um tema objeto de recorrentes estudos
entre os processualistas desta e doutras épocas, mas a matéria continua a
desafiar a inteligência dos estudiosos. Para estudar o fenômeno processual da
ação, numa tentativa de delimitar-lhe o conceito, impõe-se uma incursão,
mesmo que breve, pelas principais teorias que analisaram a sua natureza
jurídica.
Teoria imanentista (ou civilista)
Já dizia Celso (Dig. 44, 7, 51) que a ação seria o direito de pedir em
juízo o que nos é devido (Nihil aliud est actio quam ius, quod sibi debeatur, in
judicio persequendi). Consoante as lições da escola imanentista, não havia
distinção entre o direito material e a ação, porque a ação era tida como o
próprio direito reagindo a uma violação. Sendo assim, entendia-se que não
havia ação sem direito, como não havia direito sem ação. Foram seguidores
dessa teoria Savigny, Matirollo e Vinnius.1
No Brasil, o Código Civil de 1916 ainda reverberou a concepção
imanentista, ao dispor, no seu artigo 75: “Cada direito corresponde a uma ação
que o assegura”.
1 Também o brasileiro João Monteiro, em sua obra Teoria do processo civil, 6. ed., Rio de
Janeiro: Borsoi, 1956, v. I.
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A polêmica Windscheid-Muther
Durante séculos reinou o conceito imanentista da ação, até que, em
meados do século XIX, os alemães Bernard Windscheid e Theodor Muther
iniciaram discussão acerca do conceito de ação e a polêmica, que se tornou
célebre, foi o ponto de partida para a reanálise do tema.
Windscheid enxergava a ação sob outra ótica que não a do direito
romano. Para ele, a ação seria o direito que provinha de outro direito, dirigindo-
se contra o obrigado. Muther, por sua vez, entendia a ação como o direito à
tutela jurídica dirigido ao Estado, distinguindo-a do direito material. O primeiro
romanista acabou acolhendo algumas idéias do segundo e a polêmica serviu
para estimular a reflexão da doutrina.
Teorias autonomistas
A partir da polêmica antes referida, outros estudiosos passaram a
defender a autonomia do direito de ação em relação ao direito subjetivo
material a ser tutelado. Inicialmente surgiu a tese da ação como direito
concreto à tutela jurídica. Os concretistas pregavam a separação do direito de
ação do direito material, como entes autônomos, mas condicionavam a
existência do primeiro à do segundo, o que significava que o direito de ação
seria o direito a uma sentença procedente.
Na Alemanha, foi Adolf Wach que argüiu em prol do princípio da
autonomia do direito de ação, procedendo à distinção científica entre direito de
ação e direito subjetivo material. Excepcionando a ação declaratória negativa,
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Wach sustenta que o direito de ação seria conferido ao titular do direito material
(ação como direito a uma sentença favorável).2
Aliando-se à concepção autonomista-concreta, Chiovenda, em 1903,
elabora a teoria da ação como direito potestativo.3 Para ele, a ação é o “poder
jurídico de dar vida à condição para atuação da vontade da lei”, não se
dirigindo contra o Estado, mas em face do adversário que se sujeita aos efeitos
jurídicos previstos em lei. Sua natureza seria privada ou pública, a depender da
lei, cuja vontade esteja sendo atuada. 4
Pouco antes de 1880, o alemão Heinrich Degenkolb e o húngaro
Alexander Plósz lançaram em suas obras a teoria da ação como direito
abstrato de agir. Tais processualistas, além de ratificarem a autonomia do
direito de ação, defenderam o seu caráter abstrato, porque a sua existência
não estaria condicionada à existência efetiva do direito material invocado.
Sendo assim, “independentemente da existência do direito material, pode
qualquer cidadão acionar a máquina judiciária, exercendo seu direito público
subjetivo de ação e, com isso, obrigando o Estado a prestar-lhe a tutela
(favorável ou desfavorável)”.5
Filiaram-se à teoria abstrata do direito de ação, embora outorgando
feições próprias às suas respectivas construções, Alfredo Rocco, Carnelutti,
Eduardo Couture; e no Brasil, José Frederico Marques, Calmon de Passos e
Ada Pellegrini Grinover, entre outros.
2 No Brasil, defendeu a teoria concreta da ação José Ignácio Botelho de Mesquita, em sua
obra Da ação civil, São Paulo: RT, 1975; e, mais recentemente, em Teses, estudos e pareceres de processo civil, São Paulo: RT, 2005, v. I.
3 Direito potestativo é aquele direito ao qual não corresponde nenhum dever jurídico, mas tão somente uma situação de sujeição do outro sujeito da relação jurídica.
4 No Brasil, a teoria chiovendiana foi seguida por Celso Agrícola Barbi (Ação declaratória principal e incidente, 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987).
5 João Batista Lopes, Ação declaratória, p. 23.
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Pekelis e Calamandrei também formularam análises acerca da natureza
do direito de ação, ambos insurgindo-se contra a teoria de Chiovenda. O
primeiro realizou um estudo comparativo das teorias existentes sobre a ação,
destacando os seus pontos de divergência e de convergência, para, enfim,
afirmar que o direito de ação seria o único e verdadeiro direito subjetivo – o
direito de fazer agir o Estado. Calamandrei, deixando-se influenciar pelo
ceticismo político que reinava à época, ressaltou a relatividade do conceito de
ação, argüindo que a sua delineação dependeria do momento político-filosófico
vivido.
Enrico Tullio Liebman, processualista italiano que viveu no Brasil na
época da Segunda Guerra Mundial e fundou a “Escola Paulista de Processo”,
trouxe-nos ensinamentos sobre a ação que marcaram em profundidade a
nossa ciência processual a ponto de o Código de Processo Civil ter se filiado a
sua doutrina. Para Liebman, a ação é o direito de provocar a jurisdição para se
obter uma decisão de mérito, seja favorável ou desfavorável. Ratificando a
distinção entre direito de ação e direito material propugnada pelas teorias
abstratas, aduz que o direito de ação tem caráter instrumental e que se
consubstancia no direito da parte de ver o seu pedido julgado no mérito,
independentemente da efetiva existência do direito material. Por isso que a
idéia da ação como direito concreto a uma sentença favorável não explica a
existência de pedidos julgados improcedentes porque o autor não é titular do
direito. Entretanto, para que o autor tenha direito de ação, devem estar
presentes as chamadas condições da ação, que constituem o liame entre a
ação e o direito e são indispensáveis para que o juiz chegue ao julgamento do
mérito da causa. Tais condições são a legitimidade ad causam, o interesse de
agir e a possibilidade jurídica do pedido (ressalte-se que o próprio Liebman
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abandonou a última na 3ª edição do seu Manuale). A falta de uma dessas
condições acarreta o fenômeno intitulado carência de ação e leva à extinção do
processo sem julgamento do mérito (sobre as condições da ação, ver item 3.1).
Não obstante haja críticas à teoria liebmaniana, é ela que prevalece no
sistema processual brasileiro, especialmente porque o vigente Código de
Processo Civil a adotou, conforme se vê claramente em diversos dispositivos
(art. 267, VI, e 301, X, por exemplo).
1.1.2. Conceito de ação
Em face ao exposto, é certo que os estudiosos da ciência do processo
vêm, desde há muito, buscando uma explicação satisfatória para o que seja a
ação. Já se disse até que cada processualista tem a sua própria teoria, o que
demonstra que não há um conceito uníssono de ação.
Na doutrina, diz-se, comumente, que a ação é o direito subjetivo público
de pleitear ao Estado-juiz uma prestação jurisdicional sobre uma pretensão.
Resta claro que o direito de ação não se dirige contra o réu, mas é exercido
perante o Estado, não obstante os efeitos da decisão sejam sentidos pela parte
adversária.
Trata-se de um direito ao provimento jurisdicional, qualquer que seja a natureza deste – favorável ou desfavorável, justo ou injusto – e, portanto, direito de natureza abstrata. É, ainda, um direito autônomo (que independe da existência do direito subjetivo material) e instrumental, porque sua finalidade é dar solução a uma pretensão de direito material. Nesse sentido, é conexo a uma situação jurídica concreta.6
6 Grinover, Cintra e Dinamarco, Teoria geral do processo, p. 256.
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Segundo Alexandre Freitas Câmara, “a ação é uma posição jurídica
capaz de permitir a qualquer pessoa a prática de atos tendentes a provocar o
exercício, pelo Estado, da função jurisdicional, existindo ainda que inexista o
direito material afirmado”.7 O autor afirma, ainda, que a ação não deve ser
considerada como direito subjetivo, mas como poder jurídico, pois entre seu
titular e o Estado não há conflito de interesses, elemento essencial para
configurar um direito subjetivo.8
Mais recentemente, tem-se entendido o direito de ação como uma
garantia constitucional. Decerto que a Constituição de 1988 assegura, no artigo
5º, XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito”.
Sendo assim, “mais que mero direito subjetivo, a ação passou a ser
concebida como verdadeira garantia constitucional de atuação dos direitos e da
ordem jurídica”, ensina, com propriedade, o professor João Batista Lopes.9
É bom destacar que, sob o aspecto constitucional, o direito de ação é
amplo, genérico e incondicionado. No âmbito processual, há que se submeter
às condições da ação para se aferir se o caso concreto merece receber a
prestação jurisdicional de mérito.
7 Lições de direito processual civil, v. I, p. 119. 8 Nesse sentido, de que a ação é um poder e não um direito, a posição de Cândido Rangel
Dinamarco, em Instituições de direito processual civil, v. II, p. 322, nos seguintes termos: “A inexistência de direitos subjetivos e obrigações em direito processual, como conseqüência do interesse público pelo cumprimento dos objetivos da jurisdição, conduz ao entendimento de que nem a ação nem a defesa constituem direitos subjetivos. Ambas têm por sujeito passivo o Estado, no sentido de que é dele que se exige a realização do processo e dos seus atos (dever fundamental do Estado-juiz). Mas a possibilidade de realizar eficazmente os atos do processo e formular exigências, que a lei outorga a ambas as partes, resolve-se, na relação entre cada uma destas e o Estado-juiz, em autêntica capacidade de produzir efeitos sobre a esfera jurídica alheia; e essa capacidade define-se como poder, não como direito subjetivo. As atividades devidas pelo juiz não se confundem com a prestação que se esperava do réu nem têm por objeto o bem da vida eventualmente devido por este. Ao poder de realizar atos e fazer exigências corresponde, para o Estado-juiz, o dever de fazer algo que interessa a ele próprio e que são os atos destinados à pacificação social”.
9 Ação declaratória, p. 29.
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Como garantia constitucional, a ação é hoje vista como uma cobertura
integral do mundo jurídico-substancial.10
1.2. Tipicidade da ação rescisória
1.2.1. A atipicidade das ações como regra
Vimos que, na época da teoria imanentista, a ação se confundia com o
direito. Com base nessa idéia, em Roma, vigia um sistema de ações previstas
taxativamente na lei. Para cada pretensão, havia uma ação específica. Se
alguém tinha ação era porque tinha direito Era o pretor que elaborava o rol de
actiones que vigoraria durante a sua gestão. Sendo assim, as ações do direito
romano eram ações típicas.11
Certos de que a ação e o direito material são entes autônomos, hoje não
temos um sistema de ações, mas um sistema de direitos. A regra é a da
atipicidade das ações. O que se prevê são os direitos, não as ações. A lei
material define os modelos, e, tendo lugar os fatos previstos (fattispecie), a
pessoa terá um direito ou uma obrigação.
10 Cândido Rangel Dinamarco, Das ações típicas, Fundamentos do processo civil moderno, v.
I, p. 341. 11 “De um lado, a fragilidade política de Roma não lhe permitia ampliar as regras abstratas do
jus civile e contar com sua imposição imperativa; para a manutenção da paz social na medida do possível ante o individualismo dominante, bastava e cumpria tarefa relevante a enumeração casuística das actiones no edito de cada pretor. Por outro lado, a natureza substancial da actio a tornava infensa a uma concessão assim genérica e ampla, abrangente, como se dá com a ação dos dias de hoje: a diversidade das relações e conflitos existentes entre as pessoas na sociedade exige que a oferta de soluções se faça com vista a cada categoria dessas relações e desses conflitos, não havendo outro modo de disciplinar por completo a vida em sociedade senão mediante a previsão assim relativamente casuística. Não fosse assim, não seria necessária uma codificação de direitos e obrigações no plano do direito substancial, tal qual é o Código Civil e mais o Comercial, o Tributário etc. A tipicidade da actio corresponde, portanto, à sua natureza substancial, de que desfrutava no jus honorarium” (Cândido Rangel Dinamarco, Das ações típicas, in Fundamentos do processo civil moderno, p. 337-338).
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Nesse ínterim, assim leciona Flávio Luiz Yarshell:
Rompendo com o sincretismo contido na óptica do direito romano, cindiu-se o conceito de actio, para se distinguir a existência do direito, de um lado, e o poder de invocar a respectiva declaração ou atuação, de outro lado. Daí por que se dizer que o direito contemporâneo já não está assentado em um sistema de ações, mas de direitos, em que já não vigora aquela idéia de tipicidade.12
Aceita a ação como o direito (ou poder) de invocar a prestação
jurisdicional, incabível a idéia de tipificação. Pode haver limites à
inafastabilidade do controle jurisdicional, como a coisa julgada, mas não há
como se admitir a existência de “tipos” de ação.13
1.2.2. A ação rescisória como ação típica
Afastada a tipicidade das ações como padrão, é inevitável a percepção
de que a ação rescisória infringe a regra. A doutrina costuma afirmar que a
ação rescisória é uma ação típica,14 excepcionando a regra da atipicidade das
ações, sem, todavia, definir a contendo o porquê dessa tipicidade.
Impõe-se, então, que delimitemos o que seja ação típica. Ação típica é
aquela prevista em lei? Ou uma ação é típica quando suas hipóteses de
cabimento estão previstas na lei? Ou é aquela que segue um procedimento
especial estabelecido pela lei? Essas são posições encontradas na doutrina
que procuram explicar a ação típica. É percebido que o elemento comum de
tais asserções é a previsão legal. Assim, temos que a ação típica,
12 Tutela jurisdicional, p. 64. 13 Flávio Luiz Yarshell, ob. cit., p. 60. 14 Alguns dizem que a ação rescisória é a única ação típica; outros a citam juntamente com a
ação penal.
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distanciando-se da generalidade inerente ao direito de ação, atrela-se à lei de
forma que se subjuga aos seus mandamentos.
A lei que determina a tipicidade da ação não é a material, porque todas
as ações ordinariamente buscam a sua causa de pedir no ordenamento
substancial. O diferencial da ação nomeada típica é ter as suas possíveis
causas de pedir dispostas na lei processual, de forma exaustiva.
A ação rescisória tem as suas hipóteses de cabimento previstas,
taxativamente, no artigo 485 do Código de Processo Civil. Cada uma dessas
hipóteses (consignando-se que há incisos com mais de uma) corresponde a
uma causa de pedir. Sendo assim, sua causa de pedir é processual.
Flávio Luiz Yarshell exprime perfeitamente a idéia:
Na ação rescisória, a causa de pedir não é propriamente composta por fatos colhidos e qualificados no direito material: o “fato jurídico” narrado pelo demandante consiste na existência de uma sentença – de mérito e transitada em julgado – que padece de determinado vício e que, por isso, pode ser desconstituída. Trata-se, portanto, de um típico fato “processual”, não apenas pela inserção da disciplina legal no estatuto processual, mas pela própria essência da situação que dá suporte à pretensão legal.15
Podemos dizer, então, que é típica a ação rescisória. Trata-se de uma
ação de caráter especial porque visa à desconstituição da coisa julgada, limite
que impede nova apreciação da causa. Justamente em decorrência do seu
cunho excepcional no sistema, apresenta os seus possíveis fundamentos
relacionados, de forma taxativa, na lei processual.
Cândido Rangel Dinamarco entende que a tipicidade da ação rescisória
constitui uma reação à regra vigente em face de razão superior que a impõe.
15 Ob. cit., p. 74.
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22
Necessária a transcrição dos seus ensinamentos a fim de traduzir-lhe a fiel
palavra:
A rescisão de sentenças e acórdãos de mérito passados em julgado significa infringência à própria coisa julgada material, que tem seu enorme valor político e sistemático na vida dos direitos e para a liberdade das pessoas e integridade de seu patrimônio. Tanto quanto a ação, também a coisa julgada conta com garantia em nível constitucional – e justamente pela utilidade social que desempenha. Daí a excepcionalidade da ação rescisória, na medida em que é instituída como fator de equilíbrio entre as exigências de segurança das decisões judiciais e de sua aderência aos desígnios do direito substancial do caso concreto. O que a sentença transita em julgado tiver feito mal, a ação rescisória emendará quando o vício for daqueles excepcionalmente graves que a lei enumera. Pois os casos indicados nos incisos do art. 485 do Código de Processo Civil revelam o juízo do legislador acerca desses vícios excepcionais, que justificam a quebra da coisa julgada material apesar do valor que ela tem.16
16 Ob. cit., p. 350.
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23
II. DA AÇÃO RESCISÓRIA EM GERAL
2.1. Natureza jurídica e finalidade da ação rescisória
Sabe-se que investigar a natureza jurídica de um instituto é fundamental
para o conhecimento da sua essência e definição da sua função dentro do
sistema. Nenhum objeto pode ser bem estudado se não se proceder à análise
da sua natureza.
Discutia-se, outrora, acerca da natureza jurídica da ação rescisória.
Mesmo sob a forma de “ação”, instaurando nova relação jurídica processual,
alguns diziam tratar-se de uma espécie de recurso, já que impunha, via de
regra, um novo julgamento da causa. Lopes da Costa defendia a natureza
mista, limitando-se a afirmar que a rescisória é ação na forma e recurso na
finalidade. Liebman, outrossim, entendia que, substancialmente, tratava-se de
um recurso. E, com maestria, preconizou:
É evidente a analogia com um recurso. Por isso o fato de que o remédio contra a sentença viciada seja, no direito brasileiro, uma ação e não um recurso, significa essencialmente que esse não é um meio para impedir a formação da coisa julgada, mas um meio para atacá-la depois de formada (...) A ação rescisória apresenta por conseguinte, o corpo de uma ação, mas a alma de um recurso17.
Não obstante apresente feição recursal, no que diz respeito à atividade
realizada no juízo rescisório, que culmina num rejulgamento da causa, como
também ocorre num recurso, tem a ação rescisória natureza de ação no
sistema processual brasileiro. De fato, no recurso, há continuidade da relação
processual, enquanto a ação rescisória pressupõe uma relação processual
finda, já que instaura uma nova relação processual. Trata-se, pois, de ação
17 Instituições de direito processual civil III/200, de Chiovenda, Saraiva, 1965.
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24
única, de caráter especial, que visa à desconstituição da coisa julgada e
rescisão (anulação) da sentença, com posterior rejulgamento da causa, se for o
caso. Seu caráter extraordinário advém justamente da função de retirar a
proteção conferida à sentença de mérito pela coisa julgada, para aniquilar o
pronunciamento judicial, antes imutável.
Se a rescisória é ação, que tipo de ação seria? Focalizando sobre o
juízo rescindente, a ação rescisória é constitutiva negativa ou desconstitutiva,
porque desfaz, desconstitui uma situação jurídica, quando retira a coisa julgada
e rescinde a decisão impugnada. No juízo rescisório, em que nova decisão é
proferida, a sua natureza poderá ser declaratória, constitutiva ou condenatória,
de acordo com a natureza da ação originária.18 Analisando a rescisória como
ação una, sem partição de juízos, predomina o seu caráter desconstitutivo.
Assim, as decisões judiciais são passíveis de impugnação pelos
recursos, se ainda não transitadas em julgado, e pelas ações impugnativas,
como a rescisória, com o trânsito em julgado da sentença, a anulatória do
artigo 486, que destrói reflexamente a sentença ao desconstituir o ato
processual inválido, e, ainda, o mandado de segurança, em caráter excepcional
e, hoje, cada vez mais raramente. Deve-se mencionar, ainda, a querela
nullitatis, ainda utilizada, não obstante com feição diversa da original, conforme
veremos mais adiante.
18 No mesmo sentido: Bernardo Pimentel Souza, Introdução aos recursos cíveis e à ação
rescisória, p. 721, e Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, v. II, p. 8, nestes termos: “A decisão de procedência no juízo rescindente é constitutiva, e a de procedência no juízo rescisório será, conforme o caso, meramente declaratória, constitutiva ou condenatória (lembre-se que, no juízo rescisório, o tribunal estará apreciando novamente a causa que fora objeto de decisão pela sentença rescindida, o que faz com que este capítulo da decisão tenha seu conteúdo determinado pela demanda original)”. Com entendimento semelhante: Sérgio Rizzi, Classificação dos fundamentos da ação rescisória, p. 7; e Calmon de Passos, Rescisória (Ação), p. 330 e 371.
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25
A existência das ações impugnativas de decisões judiciais,
especialmente a ação rescisória, deve-se à necessidade de fazer prevalecer o
valor justiça, em detrimento do valor segurança, diante de situações de
evidente injustiça, consolidadas em pronunciamentos judiciais acobertados
pela coisa julgada.
Nesse sentido, a precisa lição da professora Ada Pellegrini Grinover:
Encontra-se, constantemente, no Direito a oposição entre dois valores primordiais: justiça e certeza. As injustiças que determinado mecanismo de realização do Direito possa acarretar constituem, em geral, o preço que se paga pela segurança.
Nas modernas organizações estatais, o processo, embora se orientando como sempre por objetivos de paz social, procura atender o mais possível à exigência de justiça. Seguro indício dessa tendência é o estabelecimento do duplo grau de jurisdição.
Apesar disso, pode acontecer que a decisão final venha a consagrar a injustiça, por vários motivos. Mesmo nesse caso, em regra, no interesse da certeza e da segurança do Direito, a coisa julgada torna-se inatacável e prevalece a injustiça.
Há casos, porém, em que a veemência dos vícios da sentença vem realmente abalar as razões em que se fundamenta a imutabilidade dos julgados, fazendo com que, sempre no interesse público, a exigência de justiça prevaleça sobre a de segurança. Previu nosso ordenamento, para esses casos, o remédio específico da ação rescisória, pelo qual, instaurando-se nova relação jurídica processual, pode ser desconstituída a sentença. Rescisória é, pois, a ação pela qual se visa rescindir a sentença transitada em julgado.19
Enfim, “chama-se rescisória à ação por meio da qual se pede a
desconstituição de sentença transita em julgado, com eventual rejulgamento da
causa, a seguir, da matéria nela julgada”.20
19 Direito Processual Civil, p. 151. 20 Conceito de José Carlos Barbosa Moreira, em Comentários ao Código de Processo Civil, p.
100.
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26
2.2. Breve relato histórico
É no direito romano que vamos buscar as raízes mais remotas da ação
rescisória. Pode-se dizer que lá surgiu o embrião que acabou culminando na
ação rescisória que temos hoje. Isso porque as sentenças que contenham
qualquer tipo de vício, o que acaba por redundar numa solidificação de uma
situação injusta no mundo empírico, sempre causaram repugnância aos
homens de bem. Por isso, de uma forma ou de outra, considerando-se a
sentença viciada como inexistente, como se fazia em Roma, dispensando-se,
assim, meio para eliminá-la, ou tomando-a como nula, e exigindo-se
procedimento para sua extirpação do mundo jurídico, superam-se as questões
terminológicas para se desembocar no ponto comum da rejeição absoluta à
sentença viciada, que caminha, inexoravelmente, em sentido contrário aos
escopos do direito.
Sim, para os romanos, o nulo era considerado como um não-ato, um
ato-nenhum, enfim, um ato inexistente. Daí os aforismos romanos: non esse,
vel esse nullum, paria sunt (não existir, ou ser nulo, ao mesmo equivale) e
nulla, et non facta, paria sunt (o que se faz nulo, identifica-se ao que não se
faz). Talvez seja essa a razão da confusão terminológica acerca das nulidades
processuais que reina entre os estudiosos do direito até os dias atuais.
No período das legis actiones (ações da lei), não havia meio processual
para impugnar a sentença nula. As partes se comprometiam solenemente
perante o magistrado a acatar e cumprir o resultado da decisão (litiscontestatio)
e, a partir daí, não se poderia repropor a demanda com base na mesma
relação jurídica. O processo era excessivamente rigoroso e formalista. O
sistema de ações visava a tutelar as situações expressamente previstas na lei
-
27
(havia cinco tipos de ações) e “qualquer que fosse o resultado do processo,
após a sentença, não mais era possível o aforamento de uma nova legis actio
sobre a mesma res in iudicium deducta, e, caso fosse ajuizada, o magistrado
deveria denegá-la (denegatio actionis)”.21
No período formulário, surgiu uma figura denominada restitutio in
integrum. Era o pretor que decidia sobre a concessão da providência, utilizada
para rescindir atos e negócios jurídicos formalmente válidos, inclusive
sentenças, por meio da qual as coisas eram reconduzidas ao estado anterior,
como se o ato não tivesse sido praticado. Quanto ao procedimento da restitutio
in integrum, divergem os romanistas sobre a existência de duas fases: na
primeira, o pretor verificava se a parte fazia jus ao pleito formulado, se sim,
editava um decreto rescindindo o ato; na segunda, instaurava-se o iudicium
rescisorium, no qual se impunha ao iudex o dever de pronunciar novo
julgamento sobre a causa (vê-se a semelhança com o procedimento da ação
rescisória atual).
Nessa época, ainda não se admitia qualquer recurso contra a sentença
do iudex (árbitro), mas o réu poderia contestar a existência ou a validade da
sentença, no caso de instauração da actio iudicati, ou, antes de qualquer
atitude do autor, utilizar-se do instrumento denominado revocatio in duplum.
Em qualquer caso, confirmada a validade da sentença, ficaria o devedor
obrigado a pagar o dobro do valor a que fora condenado.
No período da cognitio extra ordinem, houve um fortalecimento do poder
central e a publicização do sistema processual. Foi nessa época que surgiu a
appellatio, como instrumento decorrente do poder imperial, a fim de possibilitar
a revisão das sentenças, agora tidas como atos emanados da autoridade
21 José Rogério Cruz e Tucci, A causa petendi no processo civil, p. 26.
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28
estatal. Em meio ao sistema absolutista, o recurso ganhou relevo até ser
consagrado como “meio processual ordinário contra a injustiça substancial da
sentença formalmente válida”.22 Ou seja, a appellatio era dirigida contra os
errores in iudicando, evitando-se a formação da coisa julgada. Os errores in
procedendo, por sua vez, ocasionavam a nulidade (inexistência) do julgado.
O advento do sistema recursal, somado à diminuição dos poderes do
pretor, esvaziou, pelo menos em parte, a função da restitutio in integrum, que
passou a ser utilizada somente em situações excepcionais, como meio
subsidiário. Assim, restou transformada a natureza do instituto, que passou a
constituir um remédio extraordinário com o fim de rescindir a sentença após o
seu trânsito em julgado.
O direito germânico primitivo adotava o princípio da validade absoluta da
sentença, desconhecendo, portanto, qualquer meio que servisse à sua
impugnação. Posteriormente, com as invasões bárbaras e a queda do Império
Romano do Ocidente (em 476 d.C.), verificou-se a formação de um verdadeiro
amálgama entre o sistema romano e o direito dos povos bárbaros, baseado
nos costumes. A partir daí, o dogma da força absoluta da sentença começou a
ceder, passando a prevalecer a necessidade do recurso para a correção de
todo e qualquer vício da decisão.
Após o período medieval, deu-se o renascer do comércio e das cidades
e, por isso, sentiu-se a necessidade de se garantir a estabilidade nas relações
sociais. Criou-se, então, no direito italiano, sob influência romano-germânica, a
querela nullitatis, como forma de combater as sentenças eivadas de errores in
procedendo, nulas, portanto, que, no direito romano, não precisavam ser
22 José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo, Lições de história do processo civil
romano, p. 169.
-
29
impugnadas porque não geravam nenhuma obrigação. Segundo lição do
insigne Barbosa Moreira,
esse remédio comportava duas modalidades: a querela nullitatis sanabilis e a querela nullitatis insanabilis. Na maioria dos ordenamentos europeus, a primeira foi pouco a pouco absorvida pela apelação, e a segunda acabou desaparecendo, de modo que os motivos de invalidação da sentença passaram a ter de alegar-se por meio de recurso, sob pena de ficarem preclusos com o esgotamento das vias recursais.23
Pontes de Miranda também ensina que “a querela de nulidade fez dupla
evolução – uma, fusionante, que foi a de cumular-se com a apelação e, mais
tarde, enchê-la; outra, diferenciante, que foi a de despregar-se dos traços
comuns com a apelação”.24
Então, no processo do direito comum, as sentenças que contivesses
vícios de juízo (errores in iudicando), consideradas injustas, eram recorríveis;
as sentenças ditas nulas, portadoras de vícios de atividade (errores in
procedendo), somente poderiam ser impugnadas pela querela nullitatis.
No direito canônico, a appellatio constituía o recurso ordinário, servindo
à impugnação de sentenças nulas e iníquas. A restitutio in integrum era tida
como remédio extraordinário contra as sentenças definitivas transitadas em
julgado. Luiz Eulálio Bueno Vidigal revela que contra a sentença transitada em
julgado havia dois remédios: a querela nullitatis e a restitutio in integrum. A
primeira era ação de nulidade, com prazo de 30 anos e 3 meses, para
nulidades insanáveis e sanáveis, respectivamente; a segunda era cabível em
caso de violação da lei.
No direito lusitano anterior às Ordenações, as sentenças eram
consideradas firmes quando não mais pudessem ser impugnadas por
23 Comentários ao Código de Processo Civil, p. 101. 24 Tratado da ação rescisória, p. 82.
-
30
apelações ou sopricações, recursos existentes na época, exceto nos casos de
falso testemunho, falsos documentos ou falsas cartas. Surgiram, outrossim, no
reinado de Afonso II, as chamadas querimas ou querimônias, que consistiam
em súplicas das partes que se julgavam prejudicadas por uma sentença,
pedindo a intervenção do rei.
Nas Ordenações Afonsinas, instituídas em 1446, havia referência à
sentença nula, distinguindo-se entre sentença nenhuma e sentença alguma. O
nulo era o inexistente, assim como no direito romano. Constituía sentença nula
(inexistente) ou sentença nenhuma aquela proferida sem a citação da parte,
contra sentença anterior, por juiz subornado, falsa prova, ausência de algum
dos juízes que deveria compor o órgão julgador, incompetência do juiz ou
violação ao direito expresso. As sentenças algumas, se injustas, poderiam ser
objeto de recurso, sob pena de se tornarem firmes. As sentenças nulas,
consideradas inexistentes, jamais transitavam em julgado. No caso de falsa
prova ou juiz peitado, não obstante ensejassem a nulidade da sentença, era
cabível a Revista de Justiça, recurso previsto nas Ordenações Afonsinas.
Manteve-se o mesmo sistema referente às sentenças algumas e
nenhumas nas Ordenações Manuelinas (1521) e Filipinas (1603).
Diferentemente da Revista de Graça Especial, outro recurso previsto no
sistema português, a Revista de Justiça era processada em autos apartados e
proposta em segunda instância, como uma nova ação, e tal perfil fez com que
Moacyr Lobo da Costa a considerasse o “ancestral lusitano de nossa ação
rescisória”.25
25 A revogação da sentença, p. 163, 164 e 166, apud Daniellla Zagari Gonçalves, A violação
de literal disposição de lei como fundamento da ação rescisória no direito brasileiro, p. 79.
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31
Durante o reinado de D. José, a Lei de 3 de novembro de 1768 reformou
o sistema de Revistas, tornando tais recursos cabíveis apenas em caso de
“manifesta nulidade ou injustiça notória”. A Revista de Justiça foi extinta e as
Revistas de Graça Especial e de Graça Especialíssima foram regulamentadas.
Da dita lei adveio o conceito de direito expresso, já conturbado à época, a
servir como fundamento do remédio contra a “injustiça notória”, in verbis: “o
Direito expresso deve ser o Direito Pátrio dos Meus Reinos”.
Depois das Reformas Judiciárias implementadas em 1832 e 1841, o
direito lusitano passou a contar com dois remédios dirigidos à revogação da
sentença: o recurso de revista e a ação de nulidade. Esta era cabível nas
hipóteses de suborno, peita, peculato ou concussão dos juízes ou jurados,
falsidade de documento que serviu de base à sentença não alegada
anteriormente, surgimento de novos documentos, falta ou nulidade de citação,
falta ou nulidade de citação na execução que se processou à revelia do réu.
Mas o rol das hipóteses de cabimento da referida ação sempre causou
controvérsias.
Com a promulgação do Código de Processo Civil, em 1939, a ação de
nulidade foi substituída pelo recurso extraordinário de revisão, sendo mantido o
recurso de revista. O Código vigente, de 1967, mantém a mesma sistemática: o
recurso de revisão é oponível contra “qualquer sentença passada em julgado”
(art. 771), e o recurso de revista tem fins semelhantes aos do nosso recurso
extraordinário. Interessante destacar que a violação à lei substantiva é
fundamento do recurso de revista (art. 722, n. 1), não obstante seja o recurso
de revisão a figura processual que mais se assemelha à nossa ação rescisória.
No direito brasileiro, tanto a querela nullitatis quanto a restitutio in
integrum deram lugar à ação rescisória, sem qualquer distinção formal, ainda
-
32
que se possa distinguir as hipóteses do art. 485 que corresponderiam aos
casos de querela nullitatis e restitutio in integrum.26 Tais são as ações que
constituem as raízes históricas da ação rescisória hodierna.
Noutros países, a existência ou não da ação rescisória ou outro instituto
semelhante se relaciona diretamente com a adoção ou não do sistema
dicotômico de impugnação às sentenças: sentenças e ações autônomas de
impugnação. Onde se adota o dualismo, designa-se uma ação específica para
o ataque às decisões judiciais que contém vício, além dos recursos ordinários
previstos no sistema, como no Brasil. Em não havendo a referida dicotomia,
somente os recursos podem servir para levantar a invalidade da sentença
(ressalvando-se a sua eficácia).
Adotaram o sistema único de recursos França e Itália, lá, portanto, não
há ação contra a sentença. Assemelham-se à nossa ação rescisória o recurso
de revisão, cabível nas hipóteses de coisa julgada, por exemplo, e o recurso de
cassação, usado quando há violação à lei, previstos na legislação francesa, e o
recurso de revogação e o recurso de cassação, este usado no caso de violação
à lei, adotados na Itália.
Na Alemanha e na Áustria, vige o sistema dúbio de impugnação às
sentenças. São previstas ações, nos ordenamentos desses países,
equivalentes à nossa ação rescisória.
26 Rosalina Pinto da Costa Rodrigues Pereira, O art. 485, V, do Código de Processo Civil, p.
118.
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33
2.3. Nulidade, rescindibilidade e inexistência jurídica
Já se sabe que a ação rescisória constitui um instrumento processual
que visa à eliminação de sentenças viciadas. Urge definir o tipo de vício que
rende ensejo à propositura da ação especial, pois não são todos os vícios que
permitem a sua utilização. A ação referida, por seu caráter excepcional, tem
uso restrito e delimitado pela lei. As suas hipóteses de cabimento se encontram
relacionadas nos nove incisos do artigo 485 do Código de Processo Civil. Logo,
os vícios dispostos no artigo 485 tornam a sentença rescindível. Rescindível é
a sentença que apresenta um vício de nulidade e, após o seu trânsito em
julgado, pode ser impugnada por ação rescisória, dentro do prazo previsto em
lei. É diferente de sentença nula e de sentença inexistente.
As sentenças nulas não são necessariamente rescindíveis. As
sentenças nulas se tornam rescindíveis com o seu trânsito em julgado. Mas
não há conversão da nulidade em rescindibilidade, muito embora assim o
afirmem o ilustre Barbosa Moreira27 e outros autores. Não há substituição da
nulidade pela rescindibilidade, até porque a rescindibilidade não se traduz em
vício da decisão, mas em possibilidade de propositura da ação rescisória para
desconstituir a coisa julgada e rescindir a sentença defeituosa. Logo, com o
trânsito em julgado da decisão, a rescindibilidade soma-se à nulidade e a
sentença, nula e rescindível, fica passível de invalidação pelo meio próprio, que
é a rescisória.
Impõe-se acrescentar, nesse passo, que a rescindibilidade não
pressupõe, necessariamente, a existência de nulidade. Tenha-se em mente a
27 “Em regra, após o trânsito em julgado, a nulidade converte-se em simples rescindibilidade”
(Comentários ao Código de Processo Civil, p. 107).
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34
hipótese do inciso VII do artigo 485 (documento novo). A rescisória é cabível,
não obstante a sentença se apresente, pelo menos em tese, perfeita, sem
nenhum defeito. É caso de rescindibilidade sem nulidade. Procede, pois, o que
ensina a professora Teresa Arruda Alvim Wambier, nestes termos: “Todas as
sentenças nulas são rescindíveis, embora nem todas as sentenças rescindíveis
sejam nulas”28 (entendendo-se que a rescindibilidade vem com o trânsito em
julgado). E também já disse o mestre Pontes de Miranda: “O que só é
rescindível existe, vale e é eficaz”.29
Inexistente juridicamente é o ato que não é no mundo jurídico, porque
não preencheu condições essenciais para ser, mas existe no mundo não
jurídico. Podem coexistir existência fática e inexistência jurídica. Diz-se que a
inexistência é o vício mais grave que pode acometer o ato jurídico, sendo, por
isso, insuscetível de convalidação. Na verdade, a inexistência não chega a ser
vício, pois o plano da existência é diverso e anterior ao plano da validade e da
eficácia. Logo, o que não existe não pode conter vício. Nessa linha de
raciocínio, encontra-se a professora Teresa Arruda Alvim Wambier, que
concorda com Adroaldo Furtado Fabrício quando este assevera que, “quando
se fala em ato viciado, está-se a pensar em ato existente fática e
juridicamente”. Por isso, “descabe pensar-se em vício de algo que não exista,
seja no plano concreto, seja no jurídico”.30
Nesse ponto, faz-se oportuno tecer algum comentário sobre o trinômio
inexistência-validade-eficácia. Trata-se de três planos distintos no que se refere
aos atos jurídicos. O ato é válido quando foi praticado em obediência às
28 Nulidades do processo e da sentença, p. 209. 29 Ob. cit., p. 130. 30 Ob. cit., p. 499.
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35
normas superiores do sistema jurídico.31 O ato é eficaz quando se mostra apto
a produzir efeitos jurídicos, mesmo que não os produza.32 A nulidade se situa
no plano da validade. Para alcançá-lo, presume-se que se preencheu o
requisito da existência. Assim, só é nulo o ato que, antes de tudo, existe. A
eficácia é autônoma, quer dizer, situa-se em outro plano independente, e assim
pode o ato nulo produzir efeitos até que seja percebido o seu defeito e haja a
sua retirada do mundo jurídico.
As sentenças nulas sempre transitarão em julgado. Até porque o trânsito
em julgado é um pressuposto para a admissibilidade da ação rescisória e as
sentenças nulas são eficazes e produzem efeitos até serem desconstituídas
por meio de uma ação rescisória. Agora, se o “vício” que acomete a decisão é
a inexistência (jurídica), a coisa julgada não se formará sobre tal decisão. Isso
porque a coisa julgada consiste numa qualidade da sentença de mérito
transitada em julgado; se não há sentença de mérito, não pode haver coisa
julgada a conferir imutabilidade a uma não sentença.
Nesse sentido, leciona, com propriedade, Teresa Arruda Alvim Wambier:
A coisa julgada, segundo pensamos, só não se constituirá em caso de processo e sentença inexistente, mas, no caso de processos nulos, ou sentenças nulas, forma-se a coisa julgada e a sentença passa a ser rescindível.33
2.3.1. A querela nullitatis hoje
Não há previsão expressa da querela nullitatis original no ordenamento
jurídico pátrio atual. Sabe-se que a ação rescisória, tal qual se apresenta hoje,
31 Para Kelsen, o fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma
outra norma (Teoria pura do direito, passim). 32 Teresa Arruda Alvim Wambier lembra que “discute a doutrina se o termo eficácia se refere à
efetiva produção de efeitos ou à aptidão para produzi-los” (ob. cit., p. 140). 33 Ob. cit., p. 206.
-
36
tem raízes na querela surgida no direito comum, nos estatutos italianos, que
servia à impugnação de sentenças contendo errores in procedendo. Mas a
querela de outrora se mostra, hoje, absolutamente desnecessária, haja vista a
existência da ação rescisória como meio próprio para o desfazimento de
sentenças viciadas. Assim também pensa a professora Teresa Arruda Alvim
Wambier, asseverando que “a actio nullitatis em si mesma, a nosso ver, não é
harmônica com o sistema processual brasileiro vigente, visto que as nulidades
das sentenças de mérito são atacáveis por meio de ação rescisória”.34
Na práxis hodierna, todavia, utiliza-se a querela para a declaração de
nulidade de pleno direito, insanável, e de inexistência. Isso porque tais defeitos
são tratados indistintamente por alguns, devido ao embaralhamento de
conceitos existente na matéria. Para os adeptos da corrente encabeçada por
Humberto Theodoro Junior, tanto a nulidade de pleno direito quanto a
inexistência dão ensejo ao ajuizamento da querela nullitatis. É assim que diz o
nobre jurista:
Cabe, então, a ação comum declaratória de nulidade, se o caso for de sentença nula ipso iure ou inexistente, e cabe ação rescisória, se a sentença válida como ato processual tiver incorrido numa das hipóteses que a tornam desconstituível.35
Para a professora Teresa Arruda Alvim Wambier, uma das principais
estudiosas da matéria, a querela nullitatis constitui meio processual adequado
para a declaração de inexistência das não-sentenças, distinguindo-se da
rescisória, que serve ao ataque de sentenças nulas. E assim ela ensina, com
propriedade:
Para nós, o ponto distintivo principal entre a antiga querela ou actio nullitatis e a ação rescisória é que aquela visa a impugnar
34 Ob. cit., p. 524. 35 Ação rescisória e o problema da superveniência do julgamento da questão constitucional,
RePro 79/159.
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37
sentença inexistente – é, portanto, ação declaratória de inexistência jurídica e não de nulidade. A ação rescisória, a seu turno, objetiva atingir, por meio da desconstituição da coisa julgada, a nulidade da sentença. Essa distinção se nos afigura imensamente relevante, já que se trata de duas categorias distintas, de dois grupos de diferentes sentenças que padecem de “vícios” bem diferentes (...).36
Muito embora a nulidade e a inexistência configurem “defeitos” da
sentença distintos, pela óbvia constatação de que não são a mesma coisa, a
querela da qual fala a jurisprudência é a ação declaratória de nulidade, que
visa à declaração da existência de nulidade na sentença (geralmente falta ou
nulidade de citação, aliada à revelia), sendo possível o seu ajuizamento a
qualquer tempo, devido à imprescritibilidade da ação. Nesses termos é que a
jurisprudência nacional admite a existência da querela. Vejamos o seguinte
julgado:
Ação declaratória de nulidade de sentença por ser nula a citação de réu revel na ação em que ela foi proferida. Para a hipótese prevista no art. 741, I, do atual CPC – que é a da falta ou nulidade de citação, havendo revelia – persiste, no direito positivo brasileiro, a “querela nullitatis”, o que implica dizer que a nulidade da sentença, nesse caso, pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo para a propositura da ação rescisória, que, em rigor não é cabível para essa hipótese (RE 97.589-SC, Min. Rel. Moreira Alves, julgamento em 17.11.1982, DJU 03.06.1983).
Entretanto, em face da previsão legal de remédio específico para atacar
as sentenças nulas, não há que se fazer uso doutra ação com esse fim. Na
verdade, urge que se verifique se o caso é de nulidade ou de inexistência
jurídica. Se se trata de nulidade, cabível a ação rescisória; se se trata de
inexistência, diante da inocorrência de coisa julgada (já que a sentença não
existe), pode ser declarada a inexistência numa ação declaratória,
imprescritível, portanto.
36 Nulidades do processo e da sentença, p. 507.
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38
Parece-nos que o caso de falta de citação ou nulidade de citação
somada à revelia37 impede a formação da relação jurídica processual, o que
gera um processo inexistente e, conseqüentemente, uma sentença inexistente.
Isso porque a citação é pressuposto processual de existência. Para a
inexistência, bastante é o remédio da ação declaratória.
Ocorre que, para a jurisprudência predominante e parte da doutrina, a
falta de citação (ou a citação nula aliada à revelia) constitui nulidade
gravíssima, declarável por meio de ação comum, sem prazo limite,
prescindindo, portanto, da ação rescisória. Porém, partindo do pressuposto de
que a citação é pressuposto processual de existência, e isso é assente, na
ausência dela, não existe processo, sem o qual não há meio para a prolação
de sentença, sendo possível, entretanto, o surgimento de um simulacro de
sentença, impugnável por ação declaratória. Dessa forma, percebemos que a
divergência se situa no plano da definição do tipo de vício, e não do remédio
adequado a sua impugnação. É que o sistema de nulidades processuais é
complexo e não logrou obter uma sistematização definitiva ainda.
2.3.2. Declaração de inexistência em ação rescisória
A sentença inexistente, como não transita em julgado, a rigor, não pode
ser objeto de ação rescisória, que tem como pressuposto específico uma
sentença (que existe) de mérito sobre a qual tenha se formado a coisa julgada,
em virtude da irrecorribilidade advinda com o trânsito em julgado. A ação
37 Teresa Arruda Alvim Wambier entende que as situações se equivalem porque ou o vício se
sana, com o comparecimento espontâneo do réu, ou a informação não chega ao réu, da mesma forma que ocorre na falta de citação.
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adequada, como dito antes, para a decretação da inexistência é uma ação
declaratória, a qual não se submete ao prazo do artigo 495.
Parece-nos, todavia, que a inexistência jurídica pode ser reconhecida
judicialmente no bojo de qualquer processo, em caráter incidental, e até na
ação rescisória, não obstante seja esse o pedido principal. Percebe-se que a
jurisprudência tem trilhado um caminho mais flexível no sentido de admitir a
ação rescisória com base em violação à literal disposição de lei nesses casos,
denominados erroneamente de nulidade pleno iure. Veja-se um julgado
selecionado:
A citação, como ato essencial ao devido processo legal, à garantia e a segurança do processo como instrumento de jurisdição, deve observar os requisitos legais, pena de nulidade pleno iure quando não suprido o vício. A rescisória, embora não seja o meio próprio, tem sido admitida, com apoio da doutrina e da jurisprudência, como via hábil para a correção da anomalia (REsp 11.290, Min. Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 04.05.1993, DJ 07.06.1993).
Na doutrina, a professora Teresa Arruda Alvim Wambier, árdua
defensora da ação declaratória de inexistência como meio adequado e
específico para a declaração de inexistência, outrossim, tem abrandado o seu
entendimento, em prol do princípio da fungibilidade, assim se pronunciando na
última edição do seu Nulidades do processo e da sentença: “Embora contra
sentenças juridicamente inexistentes, sob um ponto de vista rigorosamente
técnico-processual, seja cabível ação declaratória de inexistência, deve ser
admitida a ação rescisória ajuizada contra sentença inexistente, em atenção ao
princípio da fungibilidade”.38
38 p. 558.
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2.4. O pedido na ação rescisória – cumulação de juízos
Passado o juízo de admissibilidade da ação rescisória, e sendo positivo,
o julgamento do mérito, normalmente, desdobra-se em duas etapas ou dois
juízos: o rescindens e o rescisorium. No juízo rescindente, a coisa julgada é
desconstituída e a sentença viciada é rescindida (anulada). No juízo rescisório,
julga-se novamente a causa, sendo proferida nova decisão, que ocupará o
lugar da que foi eliminada.
O pedido de rescisão da sentença é obrigatório e imprescindível, afinal,
a função rescindente constitui o escopo-mor da ação rescisória. O pedido de
rejulgamento da causa pode não ser necessário, pois há casos em que o juízo
rescindente é exaustivo, como na hipótese da rescisória com base em ofensa à
coisa julgada (pede-se apenas a rescisão da sentença, já que a causa já foi
decidida anteriormente, ou seja, há uma sentença anterior válida).
Muito já se discutiu acerca da obrigatoriedade da cumulação dos dois
juízos – rescindente e rescisório – na ação rescisória. Sob a égide do Código
de Processo Civil anterior, não havia dispositivo que dispusesse a respeito da
referida cumulação, como fizera o Código de São Paulo, no artigo 364, que a
permitia.39 Nesse contexto, engendrou-se acirrada controvérsia doutrinária
sobre a questão; uns favoráveis à cumulação dos juízos que, embora distintos,
são conexos; outros, contrários, em prol das regras de competência, que
39 Na época dos códigos estaduais, antes da promulgação do código unificado de 1939,
merece destaque o avanço protagonizado pelo Código de São Paulo, no que se refere à disciplina da ação rescisória, e também o do Paraná, mas em menor dimensão, como foi bem lembrado por Moacyr Lobo da Costa: “No âmbito da Justiça dos Estados, no regime federativo implantado no País, destaca-se a disciplina que o Código de Processo de São Paulo estabeleceu para a ação rescisória, consagrando-lhe, de maneira superior na legislação nacional, um capítulo especial com nove artigos, de 359 a 367. O Código de São Paulo não foi o único a dedicar um capítulo especial à ação rescisória; o do Paraná, p. ex., também, tinha um com sete artigos, de 933 a 939, mas de menor importância legislativa por seus defeitos de fundo e de forma” (Cumulação de juízos na ação rescisória, p. 33).
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usurpavam a competência do tribunal para rejulgar a causa decidida pelo juiz
de primeiro grau, para evitar a supressão de uma instância de julgamento.40
Moacyr Lobo da Costa, rebatendo as posições extremistas, assevera:
A rigor, a solução adequada, por mais conforme aos princípios, é a que admite a cumulação, em determinadas hipóteses, excluindo-a das demais.
A ação rescisória provoca, em regra, mas não necessariamente, a instauração de dois juízos, o rescindente e o rescisório, que são conexos, mas distintos.41
De fato, não é difícil constatar que certas vezes não há razão para a
instauração do juízo rescisório. Além do caso da ofensa à coisa julgada já
mencionado, exemplo comumente utilizado pela doutrina, imagine-se a
ocorrência de incompetência absoluta do órgão prolator da decisão
rescindenda; o tribunal não rejulga a causa, pois os autos deverão ser
remetidos ao órgão competente, para nova instrução e julgamento. Há casos,
outrossim, em que a rescisão constitui o fim único objetivado pelo autor da
rescisória.
Em face da turbulência doutrinária existente, durante a feitura do Código
de Processo Civil de 1973, surgiu a bem-vinda intenção de dirimir a dúvida de
uma vez por meio da lei regente do assunto. Alfredo Buzaid, redator do
anteprojeto, ao que parece pertencente à corrente favorável à cumulação
absoluta, inseriu dispositivos no anteprojeto que tornariam obrigatória a
cumulação dos juízos rescindente e rescisório, sem distinção de casos; assim,
o tribunal julgaria novamente a causa sempre que a decisão impugnada fosse
40 Eram favoráveis à cumulação: Pedro Lessa, M. J. Carvalho Mendonça, Jorge Americano,
Nestor Diógenes, Pontes de Miranda, Pedro Batista Martins, Carneiro de Lacerda, De Plácido e Silva e Carvalho Santos. Aliter: Câmara Leal, Lopes da Costa, Luiz Eulálio Vidigal, Odilon de Andrade e Borges da Rosa. Todos os pronunciamentos em Moacyr Lobo da Costa, ob. cit., passim.
41 Ob. cit., p. 42.
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rescindida. Após passar por revisões na Câmara e no Senado, aos referidos
dispositivos se acresceu a ressalva “se for o caso” (arts. 488, I, e 494),42 o que
resultou na assertiva assente de que a cumulação é a regra, mas não se
delineou com nitidez em quais situações a cumulação não ocorre, o que fez
com que os embates doutrinários não findassem por completo. Pois, conforme
bem observou Moacyr Lobo da Costa, “a expressão ‘se for o caso’, por sua
indeterminação, confia ao subjetivismo do autor, por um lado, e ao critério
arbitrário do tribunal, por outro, a indicação e a resolução de ser, ou não, caso
de cumulação dos pedidos e dos juízos”.43
Na tentativa de fixar as hipóteses de cabimento ou não da cumulação,
Luiz Eulálio Bueno Vidigal, sob o prisma do conteúdo da sentença, estabeleceu
que “nas ações meramente declaratórias não há necessidade de nova
sentença quando rescindida a sentença declaratória. Igualmente, nas ações
constitutivas em que o autor foi vencedor”. Isso porque, nas declaratórias, é
suficiente a rescisão para “eliminar pura e simplesmente a declaração de
certeza” e, nas constitutivas julgadas procedentes, há o restabelecimento da
situação anterior. E completou: “o novo julgamento é necessário nas ações
condenatórias e constitutivas em que o autor, vencido, obtém ganho de causa
na rescisória”.44
Coqueijo Costa, com semelhante propósito, assim leciona:
Nunca se dá a cumulação, por exemplo, se o fundamento da rescisória é a ofensa à coisa julgada, pois o corte restabelece automaticamente a decisão anterior agredida; se o fundamento é a incompetência absoluta, porque se remeterão os autos ao
42 “Art. 488. A petição inicial será elaborada com observância dos requisitos essenciais do art.
282, devendo o autor: I – cumular ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento da causa; (...). Art. 494. Julgando procedente a ação, o tribunal rescindirá a sentença, proferirá, se for o caso, novo julgamento (...).” (grifamos)
43 Ob. cit., p. 45. 44 Comentários ao Código de Processo Civil, v. IV.
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órgão competente; se a sentença é meramente declaratória, ou constitutiva a favor do autor na ação antecedente, pois o réu, autor na rescisória, procura simplesmente desconstitui-la.45
Subjacente à questão acerca da cumulabilidade ou incumulabilidade dos
juízos rescindente e rescisório na ação rescisória, exsurge a referente à
necessidade de pedido expresso de novo julgamento da causa, nas hipóteses
de cumulação cabível. É indispensável que o autor da rescisória formule os
dois pedidos – de rescisão e de rejulgamento – de forma expressa ou pode-se
dizer que o segundo é do tipo “implícito”, se porventura o autor o omitiu? Nosso
sistema admite pedidos implícitos, que prescindem de alegação expressa do
autor, desde que previstos em lei, haja vista a regra consubstanciada no artigo
293 do Código de Processo Civil, que impõe que os pedidos sejam
interpretados restritivamente. Parece-nos, portanto, não ser possível a
admissão do rescisório implícito, data venia, como já apregoou o eminente
Pontes de Miranda.46
Para o mestre Barbosa Moreira, sendo cabível o pedido de
rejulgamento, a cumulação dos dois pedidos é obrigatória, sob pena de o juiz
mandar emendar a inicial (art. 284) e indeferir a petição inicial, em caso de não
atendimento. Sobre a matéria, assevera: “Em regra, os dois iudicia se sucedem
no tribunal sem solução de continuidade; e, sempre que isso haja de ocorrer,
deve o autor cumular os pedidos. A cumulação, aqui, não é facultativa, ao
contrário do que se dá nos casos do art. 292, mas obrigatória”.47 Também
Sérgio Rizzi afirma que, no caso de exercício do juízo duplo, a inobservância
45 Ação rescisória, p. 131. 46 Tratado da ação rescisória, p. 98. 47 Comentários ao Código de Processo Civil, p. 178.
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da cumulação leva à decretação da inépcia da inicial, desde que o autor não
emende o pedido.48
Dada a exigência da formulação do pedido rescisório, fica vedado ao
tribunal julgar novamente a causa, após a rescisão positiva, caso não tenha
havido pedido expresso nesse sentido, sob pena de proferir decisão ultra
petita, passível, inclusive, de impugnação via rescisória.
Para Guido Roque Jacob,49 o pedido rescisório deve ser formulado
sempre, porque, proferido o juízo rescindente, que remove a coisa julgada, há
necessidade de nova decisão. Assim, argumenta o autor que o juízo rescisório
sempre vai existir, sob pena de se “deixar reanimado um processo sem a
conclusão decisória”. Inevitável admitir a lógica que norteia o raciocínio
desenvolvido pelo autor mencionado: todo processo deve terminar com uma
decisão judicial, e até o processo que veicula a demanda rescisória, mesmo
que apenas decrete a sua extinção, sob pena de restar um “vácuo
jurisdicional”.
Todavia, parece-nos que, se não se faz necessário novo julgamento,
diante da existência de sentença anterior e válida, como no caso da ofensa à
coisa julgada, a rescisória cumpre a sua função no juízo rescindente e a
sentença proferida ordenará tão-somente a “retirada” da coisa julgada e a
eliminação da sentença viciada. Há outros casos, outrossim, em que a rescisão
da sentença rescindenda é o bastante para a satisfação do autor da rescisória.
Não se chega, então, ao juízo rescisório, e a sentença proferida na rescisória,
além de cumprir a função rescindente, encerra o processo, extinguindo-o. Não
48 Classificação dos fundamentos da ação rescisória, p. 7. 49 Natureza da ação rescisória e outras questões, passim.
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tem lugar o que Guido Roque Jacob convencionou chamar de “vácuo
jurisdicional”.
É possível, também, que o autor não queira fazer o pedido de novo
julgamento da causa e tal atitude se coaduna com o princípio fundamental de
que ninguém pode ser obrigado a demandar. Afinal, a ação é um direito público
subjetivo de pedir a tutela jurisdicional, exercitado pelo autor na medida do seu
interesse. No artigo 2º do Código de Processo Civil, encontra-se o chamado
princípio da demanda, segundo o qual “nenhum juiz prestará a tutela
jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e
formas legais”. Logo, se ao autor da rescisória interessa tão-somente a
rescisão da sentença e o conseqüente retorno ao estado anterior a ela, não se
lhe impinge a formulação do pedido de novo julgamento da causa. Até porque,
sem a decisão de mérito, ser-lhe-á possível ajuizar nova ação.
2.5. A ação anulatória do artigo 486 do CPC
Não obstante se situe no capítulo referente à ação rescisória, o artigo
486 do CPC disciplina ação diversa. Trata-se da ação anulatória, que visa à
anulação de ato praticado pelas partes em juízo, homologado ou não por
sentença. Impugna-se o ato processual das partes reputado inválido por algum
motivo, não a sentença, mas esta se esvazia, caso exista, se o ato atacado
reste desfeito, já que a sentença que o homologa se limita a lhe conferir força
de sentença. A ação rescisória, ao contrário, visa a atacar a sentença
transitada em julgado, após a remoção da barreira protetora da coisa julgada
que lhe confere imutabilidade.
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Cumpre esclarecer, de início, e inclusive para distinguir as ações
rescisória e anulatória, as imperfeições terminológicas existentes no texto do
artigo 486. Onde se lê “rescindidos”, leia-se “anulados”, tendo em vista que, na
seara processual, tais expressões albergam significados diversos, posto que a
rescisão da sentença é função da rescisória. “Atos judiciais” não são os atos do
juiz, mas os atos praticados pelas partes em juízo. Quando se diz “nos termos
da lei civil”, quer se dizer nos termos da lei ”material” em geral, e não apenas
da “lei civil”. A expressão “sentença meramente homologatória”, outrossim, não
conduz a um entendimento unívoco, gerando significativas divergências
doutrinário-jurisprudenciais, das quais falaremos um pouco mais adiante.
São exemplos de atos processuais das partes passíveis de anulação por
meio da ação anulatória os negócios reputados nulos pelo artigo 166 do Código
Civil, isto é, aqueles praticados por pessoa absolutamente incapaz, ou cujo
objeto for ilícito, impossível ou indeterminável, entre outras hipóteses previstas
no dispositivo. E também os negócios realizados por agente relativamente
incapaz e mediante vício de vontade resultante de erro, dolo, coação, estado
de perigo, lesão ou fraude contra credores, conforme previsão do artigo 171 do
mesmo diploma legal.
No curso do processo, não há dúvida de que cabe ação anulatória para
anular o ato supostamente inválido realizado pelas partes.
A problemática tem lugar depois do trânsito em julgado da sentença,
obviamente quando há sentença que homologa o ato, porque há casos que
geram dúvida quanto à utilização da rescisória e da anulatória. Isso pode
ocorrer, especialmente, na hipótese do inciso VIII do artigo 485. Em verdade, a
questão fica tormentosa quando existe sentença homologatória da transação
feita pelas partes. Pois, de acordo com o artigo 269, III, do CPC, a transação
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das partes dá ensejo à extinção do processo com julgamento de mérito. Sendo
sentença de mérito, possível a propositura de ação rescisória, quando o vício
se localizar na própria sentença. Quando se pretende atacar o ato realizado
pelas partes – a transação –, a ação pertinente é a anulatória. Impõe-se
ressaltar a diferença dos prazos, que, para a rescisória, é o decadencial do
artigo 495 (2 anos) e, para a anulatória, os da lei civil, mais extensos, portanto.
Há quem entenda, como Barbosa Moreira, que, após o trânsito em julgado da
sentença, é cabível ação rescisória com base no artigo 485, VIII, e nada mais;
a anulatória poderia ser utilizada unicamente no curso do processo.50
Há doutrina e jurisprudência que fazem distinção entre sentenças
homologatórias e sentenças meramente homo