administração de psicotrópicos: principais fatores
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS
Curso de Graduação em Farmácia-Bioquímica
Administração de psicotrópicos: principais fatores envolvidos no aumento do consumo e as terapias alternativas ou complementares
relacionadas ao tratamento da saúde mental
Marianne de Souza Baptista da Silva
Trabalho de Conclusão do Curso de
Farmácia-Bioquímica da Faculdade de
Ciências Farmacêuticas da
Universidade de São Paulo.
Orientadora:
Dra. Maria Aparecida Nicoletti
São Paulo
2017
SUMÁRIO
Pág.
Lista de Abreviaturas 1
RESUMO 2
1. INTRODUÇÃO 3
2. OBJETIVOS 4
3. MATERIAIS E MÉTODOS 5
4. RESULTADOS 5
5. DISCUSSÃO 8
6. CONCLUSÃO 14
7. BIBLIOGRAFIA 15
1
LISTA DE ABREVIATURAS
AFD Atividade Física no Deslocamento
AFTL Atividade Física no Tempo Livre
AGIDD-SMQ Associação dos Grupos de Intervenção em Defesa dos Direitos em
Saúde Mental de Quebéc
ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
CAPS Centro de Atenção Psicossocial
CAPSi Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil
CECO Centros de Convivência
ERASME Equipe de Pesquisa e Ação em Saúde Mental e Cultura
ESF Estratégia de Saúde da Família
GAM Gestão Autônoma da Medicação
GF Grupos Focais
GGAM Guia de Gestão Autônoma da Medicação
GI Grupos de intervenção
RAPS Rede de Atenção Psicossocial
RPB Reforma Psiquiátrica Brasileira
RRASMQ Associação de Recursos Alternativos em Saúde Mental de Quebéc
RS Reforma sanitária
RT Residência Terapêutica
TM Transtornos mentais
TMC Transtornos Mentais Comuns
2
RESUMO
SILVA, M, S. B. Administração de psicotrópicos: principais fatores envolvidos no aumento do consumo e as terapias alternativas ou complementares relacionadas ao tratamento da saúde mental. 2017, no.18 Trabalho de Conclusão de Curso de Farmácia-Bioquímica – Faculdade de Ciências Farmacêuticas – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. Palavras-chave: Aderência a Medicação. Drogas Psicotrópicas. Saúde Mental. Saúde Pública. O crescente uso de psicotrópicos em escala mundial tem se mostrado inadequado, preocupante e está ligado a fatores como a marginalização social do indivíduo. Associado a isso, a baixa taxa de disseminação da informação para os familiares e aos usuários desses medicamentos tem gerado questionamentos sobre a eficiência da estrutura de atenção básica e especializada à saúde, no âmbito da saúde mental. Nesse cenário, o farmacêutico tem uma grande oportunidade de atuação aumentando a disseminação de informação do uso racional destes medicamentos visando a qualidade de vida do indivíduo como parte das atividades vinculadas à educação em saúde. O desenvolvimento de terapias alternativas ao uso de medicamentos, também, tem se mostrado uma importante ferramenta que pode não só evitar a medicalização desses indivíduos como redirecionar de maneira mais consciente os gastos com saúde pública. Uma das alternativas existentes sugeridas para evitar esse problema é o Guia para Gestão Autônoma da Medicação (GGAM), desenvolvido por meio de uma parceria entre Canadá e Brasil compreendendo a tradução e a adaptação do guia original canadense. A revisão bibliográfica realizada apontou que houve aumento do consumo de psicotrópicos que atinge principalmente indivíduos vulneráveis socioeconomicamente. Além disso, estratégias como o uso de psicologia social comunitária, desenvolvimento de maior agregação entre a atenção básica e especializada, incentivo a práticas saudáveis no ambiente de trabalho, prática de exercícios e alimentação, e finalmente do uso do GGAM com maior empoderamento dos usuários se mostraram efetivas no tratamento desses indivíduos auxiliando na minimização do consumo de medicamentos.
3
1. INTRODUÇÃO
A Reforma Sanitária (RS) que aconteceu a partir de 1980 foi uma das
formas de expressão de resistência, frente ao cenário político que o Brasil
enfrentava durante a época da ditadura. Entre as mudanças propostas pelo
movimento estava a busca por democratização dos serviços de saúde, utilizando a
máquina estatal como forma de assegurar o acesso universal dos usuários aos
serviços. A reforma buscou a criação de uma democracia institucional, uma forma
de acesso baseada na cogestão, onde se concede ao Estado a autonomia da
administração dos serviços, ao passo que força o Estado a conceder o acesso e a
equidade em espaços historicamente marcados pela hierarquização e
centralização do poder. Estava iniciada, então, a luta por um sistema de saúde
universal onde uma das heranças obtidas foi o Sistema Único de Saúde (SUS),
fundado em 1988 e cujos princípios baseiam-se na integralidade, equidade e
universalidade garantindo atendimento e acesso à saúde para milhões de usuários
brasileiros. [1]
Acompanhando essas mudanças no cenário das políticas públicas, a partir
de 1980, ocorreram uma série de eventos no âmbito da saúde mental que ficaram
conhecidos como a Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB). A reforma, alinhada
com os princípios do SUS, almejava nova forma de assistência em saúde para
pacientes em sofrimento mental que não estivesse centrada na doença, mas sim,
na atenção integral da saúde para esses indivíduos. A partir da reforma, as formas
de intervenção para pacientes psiquiátricos foi repensada transformando o
atendimento assistencialista em saúde mental com domínio de leitos psiquiátricos
e de medicamentos para um atendimento mais humanizado. Com o transcorrer
dos anos foi possível então observar uma crescente inativação de hospitais
psiquiátricos e aumento de serviços como os Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS), as Residências Terapêuticas (RT) e os Centros de Convivência (CECO),
criados em substituição aos tradicionais ambulatórios e hospitais. [2,3]
Entretanto, apesar dos avanços, estudos mostram que a rede de
atendimento em saúde mental ainda possui muita precariedade em relação a
4
diversos aspectos, como infraestrutura, distribuição e tratamento ou comunicação
entre pacientes e profissionais da saúde. [4] Uma das explicações é a herança da
prática médica liberal e medicina social de estado como forma de administração
sanitária, com o serviço de atendimento à saúde ainda baseado em um trabalho
solitário onde a prática médica está desarticulada dos demais profissionais da
saúde. Nesse cenário, apesar da aparente autonomia que os profissionais da
saúde possuem, eles também estão marcados com certa impotência no que
confere o poder de decisão e intervenção sobre o processo de cuidado do
paciente. Assim, os direitos de classe são atendidos, porém, os serviços de saúde
estão mais suscetíveis às exigências do mercado e não totalmente centrados nas
necessidades dos pacientes. [1, 5]
Paralelamente, temos acompanhado aumento mundial considerável não
somente no número de pacientes com sofrimento mental, como também do
número de prescrições de medicamentos psicotrópicos e do tempo de duração do
tratamento – maior que o recomendado pela literatura. [6] Estudos epidemiológicos
apontam que milhões de pessoas possuem algum tipo de doença mental e esse
número tem aumentado progressivamente, principalmente, em países em
desenvolvimento. Nem sempre esses casos de sofrimento mental se enquadram
nos critérios de doença mental e dessa forma são considerados como transtornos
mentais comuns (TMC). Os TMC correspondem a distúrbios não psicóticos,
principalmente, depressão e ansiedade, e inclui sintomas como insônia, fadiga,
irritabilidade, dificuldade de memorização e de concentração. Fatores estressantes
como vulnerabilidade social, baixa escolaridade, idade, gênero e menor renda per
capita parecem estar associados ao uso crescente de medicamentos
psicotrópicos. [4,7] Esse projeto buscou analisar alternativas mais recentes no
tratamento da saúde mental como o Guia GAM e seus benefícios para
complementar o tratamento medicamentoso visando a melhoria da qualidade de
vida do paciente e uma melhor gestão dos recursos disponíveis sejam eles
financeiros ou humanos.[8]
2. OBJETIVOS
5
Analisar o uso de psicotrópicos e as terapias alternativas ou complementares
relacionados ao tratamento da saúde mental no Brasil e evidenciar as situações
que levam à intensificação do consumo mundial de medicamentos psicotrópicos.
3. MATERIAIS E MÉTODOS
Revisão bibliográfica do tipo narrativa envolvendo estudos publicados entre 2007 e
2017. Foram utilizadas bases científicas de dados com descritores em português,
inglês e espanhol, incluindo as palavras-chave: Aderência a Medicação, Drogas
Psicotrópicas, Saúde Mental, Saúde Pública. Entre as fontes de consulta estão
sites e publicações oficiais do DataSUS, e bases de dados como Cochrane,
Pubmed/Medline, LILACS, EMBASE e Science Direct. Os critérios de inclusão
foram artigos e documentos que tratavam do objetivo proposto no intervalo de ano
estabelecido. Foram analisados 33 estudos bibliográficos. Dentre esses materiais
houve a exclusão de 8 artigos, devido a não conformidade com o tema.
Resultando em 25 fontes bibliográficas revisadas.
4. RESULTADOS
Inicialmente foi avaliada a prevalência de transtornos mentais na população
brasileira, a fim de identificar quais são os principais grupos acometidos
considerando a realidade brasileira. A partir disso, com base na revisão
bibliográfica realizada, serão apontadas as principais hipóteses relacionadas ao
aumento do uso de psicotrópicos e a partir dessas hipóteses algumas alternativas
de tratamento serão discutidas.
4.1. Prevalência de Transtornos Mentais na População Brasileira
Os transtornos mentais junto com as desordens relacionadas ao uso de
substâncias ilícitas estão entre os cinco fatores que mais contribuem para
incapacidade no mundo, contabilizando 7,4% de incapacidade-ajustada a anos de
6
vida perdidos. Em 2010 os TM foram a principal causa relacionada a anos vividos
com incapacidade. Para a realidade brasileira, a prevalência de pelo menos uma
desordem mental foi de 44,8% em áreas metropolitanas com risco estimado de
57,7% aos 75 anos de idade. [9] Segundo o Ministério da Saúde aproximadamente
3% da população brasileira sofre com as TM graves e persistentes e 6%
apresentam transtornos psiquiátricos graves decorrentes do uso de álcool e outras
drogas. [10]
No Brasil, estudo multicêntrico realizado com adultos nas cidades
brasileiras de Brasília, São Paulo e Porto Alegre mostrou que a prevalência de
doenças mentais na população variou de 19% em São Paulo a 34% em Brasília e
Porto Alegre. Aproximadamente 90% dos casos de transtornos mentais estavam
relacionados a humor, ansiedade ou somatoformas (doenças mentais que causam
sintomas físicos observáveis). [11]
4.2. Principais Fatores Associados aos Transtornos Mentais:
Em revisão bibliográfica realizada por Santos (2010) foram apontados os
principais fatores envolvidos no desencadeamento de Transtornos Mentais onde
se observou diversos estratos sociais a fim de identificar as principais causas
relacionadas ao desencadeamento das TM. Inicialmente, tomando-se como base
a faixa etária, foi observado que as condições socioeconômicas – desemprego,
baixa escolaridade, o estado civil (divorciado, separado ou viúvo), o sexo, as
condições precárias de habitação, o trabalho informal e o não acesso aos bens de
consumo foram associados a esses resultados. [12]
Esses resultados estão de acordo com outro estudo onde Moraes et.al.
avaliou uma correlação positiva entre a ocorrência de transtornos mentais comuns
e alguns fatores como: gênero (sendo maior em mulheres), idade (mais prevalente
entre 30 a 39 anos); nível educacional e renda (sendo maior para os níveis mais
baixos de renda e educação); estado civil (sendo maior em solteiros e
divorciados); índice de atividade física e hábitos saudáveis (sendo maior entre
pessoas sedentárias e fumantes). [11]
7
Considerando a prevalência de TM associadas ao ambiente de trabalho,
Santos (2010) observou que fatores como rotina de trabalho, a demanda, a
exigência, o controle, o processo de trabalho e as condições ambientais estão
entre os fatores contribuintes para o aparecimento desses distúrbios.[12]
Experiências que permitem ao indivíduo o pleno uso das suas habilidades,
criatividade e controle sobre o seu trabalho são apontadas como promotoras de
sentimentos como realização e prazer, que agem como promotores da saúde
nesses ambientes. Em contrapartida, o trabalho desenvolvido sob ambiente
notadamente com altas demandas e baixo controle sobre suas atividades é
marcado por relações sociais conflituosas ou mesmo de isolamento social que
agem favorecendo o adoecimento mental. Os mecanismos que explicam a
associação entre estresse no trabalho e doença são baseados na ideia de que o
estresse crônico produz alterações no ritmo circadiano de cortisol implicando em
alterações mentais e emocionais. Dessa maneira, o ambiente de trabalho torna-se
um instrumento potencial para promover a saúde para os indivíduos por meio do
estabelecimento de ambientes e relações sociais mais sadias. [13]
Outro ponto relevante é que apesar de o maior índice de prevalência estar
concentrado na fase adulta, os primeiros sintomas de transtornos mentais podem
aparecer na infância. Porém, existe maior dificuldade de identificação e
diagnóstico nessa fase da vida, gerando comprometimento no desenvolvimento da
criança, família e sociedade. [14]
Segundo a Organização Mundial da Saúde (2001), há vários fatores de
risco para o desenvolvimento de perturbações mentais, principalmente, no período
da infância. A urbanização descontrolada, a pobreza e a rápida transformação
tecnológica, a relação da criança com os pais ou outros cuidadores durante a
infância, estão entre os pontos de influência sobre o desenvolvimento de
transtornos mentais. [14,15]
De acordo com Sa et al. (2010), em estudo realizado com 67 crianças e
adolescentes na faixa de 4-17 anos no município de Embu – SP, os principais
fatores associados ao desenvolvimento de distúrbios mentais em criancas e
adolescentes foram: ser crianca do gênero masculino; sofrer punicao fisica grave;
8
ideacao suicida da mae; violencia conjugal fisica grave contra a mae; e
embriaguez do pai ou padrasto. [14,16]
5. DISCUSSÃO
5.1. Organização e Valores da Sociedade Contemporânea na Atenção Básica
em Saúde
Segundo Pombo (2017), a partir de 1980 com a ascensão do neoliberalismo
e crise das políticas socialistas houve falência dos Estados-nação e da crença de
um bem-estar comum que pode ser obtido por meio da solidariedade e da
colaboração. Houve enfraquecimento da ideia de família como ambiente de
proteção tornando os laços sociais mais fluidos. Além disso, com a crise nas
sociedades disciplinares, as regras que levavam a automatismos de
comportamento foram modificadas, de modo que hoje, o homem contemporâneo
enxerga o bem-estar como uma finalidade e não como um subproduto de um
esforço. Aliado a isso, com o enfraquecimento dos laços com o Estado e com a
família, o sujeito contemporâneo se vê mais responsabilizado por suas
realizacões, agindo como uma “microempresa” onde depende, em grande parte,
de si mesmo para o alcance de seus objetivos e, consequentemente, da
realização pessoal.[17]
Segundo o filósofo Bauman, “tudo está em constante construção e
desconstrução” de forma que essa movimentação é experimentada pelo indivíduo
contemporâneo nas mais diversas esferas de sua vida. O direcionamento das
escolhas e dos objetivos de vida antes era planejado a partir de um conjunto finito
de possibilidades, porém, hoje se vê em constante reconstrução com multiplicação
dos pontos de referência. Novos saberes, filosofias, religiões, mídias, tudo isso
confronta o homem contemporâneo fazendo com que o indivíduo seja
constantemente convidado a decidir sobre os mais variados aspectos de sua vida
gerando crescente sentimento de insegurança e instabilidade. [17,18]
9
Conforme demostrado por outros estudos, a demanda, a exigência e
o controle estão entre os fatores predisponentes para o adoecimento mental
(prevalência de transtornos mentais) e, sendo assim, essa expansão das
incertezas sociais associada a mudanças da sociedade contemporânea tem
gerado um impacto crescente no sentimento de vulnerabilidade que pode ser visto
como um dos fatores desencadeantes de sofrimento mental.[17,18] Dessa maneira,
a promoção de saúde deve ser repensada, abrangendo não somente as
mudanças biológicas que o indivíduo em sofrimento experimenta, como também o
ambiente em que ele está inserido. Considerando essa nova concepção de saúde,
as novas formas de saúde mental que surgiram após a Reforma Psiquiátrica
suplantaram a ênfase na perspectiva individual (modelo biomédico e
hospitalocêntrico) e foi direcionada para os mais diversos recursos afetivos que
estão presentes na vida de um indivíduo, como por exemplo, família e amigos.
Nessa nova proposta esses grupos de indivíduos passam a agir como parceiros
na promoção da saúde mental. [19]
Em estudo realizado por Coelho (2017) os ideais da Psicologia Social
Comunitária foram aplicados em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em
Campina Grande. Por meio de oficinas baseadas em terapia com arte, uso de
música e linguagem corporal, os usuários foram convidados a refletir sobre as
afetividades dentro de seu ambiente familiar e ao mesmo tempo pensar sobre os
possíveis pontos de atuação para melhoria desses relacionamentos. Esse tipo de
abordagem terapêutica se mostrou muito rica, uma vez que por meio da análise da
dinâmica familiar, os profissionais podem compreender os diferentes nuances do
sofrimento do indivíduo e dessa forma, o projeto terapêutico pôde ser melhor
direcionado. Outro ponto relevante relacionado ao estudo é que as relações
familiares, muitas vezes, podem ser responsáveis pela infantilização do indivíduo,
decorrente da superproteção. Dessa forma, abordagens terapêuticas desse tipo,
ao convidarem o usuário a repensar sua forma de atuação no ambiente familiar
trazem responsabilização do usuário com um deslocamento do papel passivo para
o papel de protagonista importante no processo de recuperação da autonomia e
consequente sucesso no tratamento.[19]
10
5.2. Organização e Estrutura da Rede de Atenção e seu Impacto no
Tratamento
Considerando que a Rede de Atencao à Saúde é “o conjunto de acões e
serviços de saúde articulados em níveis de complexidade crescente, com a
finalidade de garantir a integralidade da assistencia à saúde” de acordo com a
legislação vigente, a constituição da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS),
instituída pela Portaria GM n. 3.088, de dezembro de 2011, republicada em maio
de 2013 é baseada em uma visão territorialista onde as ações e os serviços
oferecidos estão inseridos nas particularidades de cada comunidade fornecendo
um cuidado continuado de reabilitação psicossocial. Dessa maneira, a RAPS
atualmente é constituída de sete componentes, com diversos pontos de atenção
regulamentados por normativas específicas, a saber: atenção básica; atenção
psicossocial estratégica; atenção de urgência e emergência; atenção residencial
de caráter transitório; atenção hospitalar em hospitais gerais; estratégias de
desinstitucionalização; e reabilitação psicossocial. 20]
Entre os serviços oferecidos, os CAPS têm se mostrado indispensáveis
para a construção do atendimento de qualidade em saúde mental, uma vez que
não considera o indivíduo somente como portador de uma doença, mas como
cidadão que está inserido em um círculo social e necessita da sensação de
pertencimento. Porém, apesar da diversidade de serviços no atendimento ao
usuário em sofrimento mental, sabemos que a estruturação da RAPS com
diversos pontos de atenção, não possui caráter somatório, mas, pelo contrário,
para a concretização dessa RAPS a intensificação da articulação inter federativa
deve ser uma das estratégias utilizadas para promover o cuidado integral em
saúde mental. [4, 20]
Em Porto Alegre e São Paulo, cerca de 50% dos pacientes que procuram
os serviços primários de saúde são considerados portadores de distúrbios mentais
não psicóticos, entretanto, apenas uma parte desses pacientes é corretamente
identificada e tratada, ocasionando até mesmo impactos econômicos, uma vez
11
que pode gerar maior demanda nos serviços de saúde e dias perdidos no
trabalho.[4] Sendo assim, desenvolver uma estrutura efetiva em saúde para
diagnóstico, tratamento e acolhimento dos pacientes em sofrimento mental parece
extremamente relevante frente ao cenário atual.[7,8]
Diante desse cenário algumas práticas têm sido desenvolvidas para ampliar
a conexão entre os serviços de saúde mental em seus mais diversos níveis. Em
estudo realizado por Teixeira et al (2016), foram analisados os fatores facilitadores
e as barreiras para o cuidado colaborativo entre a Estratégia de Saúde da Família
(ESF) e um Centro de Atenção Psicossocial infanto-juvenil (CAPSi), no Rio de
Janeiro/ RJ. A pesquisa foi realizada em duas fases onde a fase preliminar incluiu
levantamento dos encaminhamentos ao CAPSi nos anos de 2013 e 2014, e
revelou baixa demanda por parte das ESF e/ou da saúde em geral (apenas 17%
dos casos acolhidos). Esse dado indica uma precária articulação entre os serviços
de atenção básica e a rede de atenção especializada. Na fase seguinte, foram
realizados grupos focais (GF) e grupos de intervenção (GI) em três unidades de
ESF. Foi observado que os trabalhadores da ESF possuem elevada sensibilização
em relação aos problemas em saúde mental e do seu entendimento como uma
doença multideterminística. Porém, apesar do esclarecimento frente às definições,
as ações de cuidado são praticamente inexistentes no nível básico de saúde do
território analisado. Dessa forma, o serviço resume-se a um encaminhamento
burocratizado. Nesse âmbito, observou-se possibilidade de atuação através dos
grupos de intervenção. A superação da fragmentação por meio do
estabelecimento de comunicação regular e sistemática entre os diferentes
profissionais envolvidos indicou a possibilidade de mudanças na realidade local,
levando ao protagonismo dos trabalhadores. Com essa prática, houve a
diminuição da distância entre as equipes, o que pode contribuir para o
estabelecimento de um cuidado continuado para os usuários e potencializar as
ações da atenção psicossocial e inter setorial nos territórios.[21]
5.3. Exercício e Alimentação como Alternativas à Medicalização
12
A publicação em 1980 da terceira edição do DSM – Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens
Mentais, produzido pela Associação Americana de Psiquiatria) expressa a
intenção de se criar um sistema descritivo da interpretação das doenças mentais
de forma que os processos intrapsíquicos, variáveis de um indivíduo a outro, como
determina a psicanálise não são analisados. Nessa cultura terapêutica as
emoções são objetos a serem manipulados e o psiquiatra atua nessa nova
atividade contemporânea auxiliando o indivíduo a aperfeiçoa-las por meio de
novas práticas terapêuticas. Além disso, os novos fármacos disponíveis no
mercado, com indicações mais específicas e menores efeitos adversos,
contribuem para que mesmo os indivíduos saudáveis façam uso delas para
alcançarem a sensação de plenitude. [18, 22]
Estudos recentes na Austrália demonstram quais fatores de risco
relacionados ao comportamento mais se associam com a morte e a doença. O
efeito das causas nutricionais associadas compreende um terço (31, 5%) sobre o
desenvolvimento de doenças. Nesse cenário a atividade física tem grande
participação e interage com a nutrição controlando o sobrepeso e a obesidade.
Por exemplo, atividade física de intensidade moderada durante a vida, reduz o
estresse, que é considerado como um dos fatores predisponentes para doenças
mentais. [12, 23]
Em estudos recentes realizados com grupos de crianças foi observado que
os alunos que apresentavam alto risco de TMC sofreram diminuição para índice
de risco moderado a baixo, após a inclusão de arte terapia, porém, os fatores de
proteção em saúde mental não aumentaram significativamente. Já os grupos de
arte capoeira e arte educação promoveram suporte social adequado e
aumentaram os fatores de proteção para essas doenças. Dessa maneira, a prática
de exercícios mostrou-se um fator de prevenção para o desenvolvimento de TMC
nesse grupo. [24]
Diante dessa análise, em estudo recente foram analisados quais são os
principais fatores que influenciam a prática de exercícios na população brasileira.
Por meio do ELSA-Brasil, foi possível observar que os principais fatores
13
associados à prática de exercício foram de ordem social (maior escolaridade e
renda familiar), ambiental (viver em locais com condições e oportunidades para
prática de atividade física) e individual (não ser obeso, ser aposentado/a, não ser
tabagista, e ter percepção positiva da imagem corporal). Além disso, a percepção
de facilidades para caminhar em sua vizinhança ou bairro aumenta tanto a AFD
(Atividade Física no Deslocamento) quanto a AFTL (Atividade Física no Tempo
livre). Esse estudo é muito relevante na percepção de que melhorias na
infraestrutura e segurança das áreas urbanas contribuem para um aumento no
índice de prática de exercícios físicos que é extremamente importante na
prevenção de Transtornos Mentais. [25]
5.4. Empoderamento do Usuário e Guia GAM como alternativa
Outra questão que deve ser considerada no tratamento dos transtornos
mentais envolve o estigma associado ao paciente em sofrimento mental e o baixo
empoderamento que a eles é concedido. Essa realidade observada no cenário da
saúde pública brasileira, também, pode ser verificada em outros países, como, por
exemplo, no Canadá. Estudos mostram que somente 39% dos entrevistados de
serviços de atenção básica do Canadá foram informados dos efeitos colaterais
possíveis da medicação prescrita, e destes, 23% foram informados das
alternativas ao uso de medicamentos psiquiátricos. Diante dessa situação, em
1993, em Québec, Canadá, foi desenvolvida estratégia para resgatar o
empoderamento dos pacientes e usuários frente ao seu tratamento chamada de
Gestão Autônoma de Medicação.[5] O Guia GAM, resultado de trabalho e luta de
vinte anos de movimentos sociais no Canadá, foi elaborado em 2001, por meio do
encontro entre integrantes da Associação de Recursos Alternativos em Saúde
Mental de Québec (RRASMQ), da Associação dos Grupos de Intervenção em
Defesa dos Direitos em Saúde Mental de Québec (AGIDD-SMQ) e de
pesquisadores da Equipe de Pesquisa e Ação em Saúde Mental e Cultura
(ERASME). [2] O guia propõe que o usuário das redes de saúde mental e seus
familiares se apropriem das informações sobre o tratamento do paciente e assim,
14
em gestão conjunta com os profissionais da saúde de referência possam
determinar as mudanças ou as diretrizes desse tratamento. Trata-se de um
deslocamento da funcao de “objeto” para a funcao de “sujeito” importante para a
recuperação e reintegração desses pacientes à sociedade. [7] Em 2009 e 2010 o
Guia GAM foi adaptado à realidade brasileira por meio de estudo envolvendo
Grupos de Intervenção realizados nos CAPS de três cidades brasileiras:
Campinas-SP, Rio de Janeiro-RJ e Novo Hamburgo-RS. Considerando que muitos
pacientes realizam a autogestão de seus medicamentos – alterando ou
interrompendo o uso de medicamentos por conta própria - o Guia-GAM parece
uma alternativa interessante, principalmente dentro do cenário da saúde mental,
pois propõe que as decisões sejam tomadas em conjunto por meio de conversas
compartilhadas envolvendo não somente os usuários como a equipe
multiprofissional da saúde e os familiares. [2] Dessa forma, almeja-se atingir outra
visão do cuidado em saúde, onde a cogestão e a autonomia são valorizadas.
Alternativas como o Guia-GAM podem não somente alterar a forma como os
pacientes enxergam o próprio tratamento, aumentando a aderência, como
também, representam ganho para a própria equipe multiprofissional que amplia
seu conhecimento sobre a visão do paciente quanto ao seu tratamento
medicamentoso – possibilitando maior adaptação e individualização.
6. CONCLUSÃO
Pelas informações levantadas foi possível concluir que o aumento da
incidência e prevalência de transtornos mentais é um dado alarmante e deve ser
considerado na elaboração de políticas públicas e de saúde. Práticas alternativas
frente à medicalização dos indivíduos são possíveis e recomendadas, uma vez
que diminuem gastos e possuem um resultado mais duradouro, pois tratam as
causas do sofrimento mental e diminuem a exposição a eventos adversos,
inerentes ao uso de medicamentos. Diante desse cenário o farmacêutico possui
uma grande possibilidade de atuação, não somente no incentivo a práticas
integrais de cuidado, como na conscientização sobre o uso correto de
15
medicamentos psicotrópicos. Porém, conclui-se que mais estudos são
necessários, principalmente para avaliar e, se possível, quantificar o benefício
terapêutico que as práticas alternativas de cuidado podem trazer comparadas com
o uso de medicamentos.
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