administração de psicotrópicos: principais fatores

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS Curso de Graduação em Farmácia-Bioquímica Administração de psicotrópicos: principais fatores envolvidos no aumento do consumo e as terapias alternativas ou complementares relacionadas ao tratamento da saúde mental Marianne de Souza Baptista da Silva Trabalho de Conclusão do Curso de Farmácia-Bioquímica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo. Orientadora: Dra. Maria Aparecida Nicoletti São Paulo 2017

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Page 1: Administração de psicotrópicos: principais fatores

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS

Curso de Graduação em Farmácia-Bioquímica

Administração de psicotrópicos: principais fatores envolvidos no aumento do consumo e as terapias alternativas ou complementares

relacionadas ao tratamento da saúde mental

Marianne de Souza Baptista da Silva

Trabalho de Conclusão do Curso de

Farmácia-Bioquímica da Faculdade de

Ciências Farmacêuticas da

Universidade de São Paulo.

Orientadora:

Dra. Maria Aparecida Nicoletti

São Paulo

2017

Page 2: Administração de psicotrópicos: principais fatores

SUMÁRIO

Pág.

Lista de Abreviaturas 1

RESUMO 2

1. INTRODUÇÃO 3

2. OBJETIVOS 4

3. MATERIAIS E MÉTODOS 5

4. RESULTADOS 5

5. DISCUSSÃO 8

6. CONCLUSÃO 14

7. BIBLIOGRAFIA 15

Page 3: Administração de psicotrópicos: principais fatores

1

LISTA DE ABREVIATURAS

AFD Atividade Física no Deslocamento

AFTL Atividade Física no Tempo Livre

AGIDD-SMQ Associação dos Grupos de Intervenção em Defesa dos Direitos em

Saúde Mental de Quebéc

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária

CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CAPSi Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil

CECO Centros de Convivência

ERASME Equipe de Pesquisa e Ação em Saúde Mental e Cultura

ESF Estratégia de Saúde da Família

GAM Gestão Autônoma da Medicação

GF Grupos Focais

GGAM Guia de Gestão Autônoma da Medicação

GI Grupos de intervenção

RAPS Rede de Atenção Psicossocial

RPB Reforma Psiquiátrica Brasileira

RRASMQ Associação de Recursos Alternativos em Saúde Mental de Quebéc

RS Reforma sanitária

RT Residência Terapêutica

TM Transtornos mentais

TMC Transtornos Mentais Comuns

Page 4: Administração de psicotrópicos: principais fatores

2

RESUMO

SILVA, M, S. B. Administração de psicotrópicos: principais fatores envolvidos no aumento do consumo e as terapias alternativas ou complementares relacionadas ao tratamento da saúde mental. 2017, no.18 Trabalho de Conclusão de Curso de Farmácia-Bioquímica – Faculdade de Ciências Farmacêuticas – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. Palavras-chave: Aderência a Medicação. Drogas Psicotrópicas. Saúde Mental. Saúde Pública. O crescente uso de psicotrópicos em escala mundial tem se mostrado inadequado, preocupante e está ligado a fatores como a marginalização social do indivíduo. Associado a isso, a baixa taxa de disseminação da informação para os familiares e aos usuários desses medicamentos tem gerado questionamentos sobre a eficiência da estrutura de atenção básica e especializada à saúde, no âmbito da saúde mental. Nesse cenário, o farmacêutico tem uma grande oportunidade de atuação aumentando a disseminação de informação do uso racional destes medicamentos visando a qualidade de vida do indivíduo como parte das atividades vinculadas à educação em saúde. O desenvolvimento de terapias alternativas ao uso de medicamentos, também, tem se mostrado uma importante ferramenta que pode não só evitar a medicalização desses indivíduos como redirecionar de maneira mais consciente os gastos com saúde pública. Uma das alternativas existentes sugeridas para evitar esse problema é o Guia para Gestão Autônoma da Medicação (GGAM), desenvolvido por meio de uma parceria entre Canadá e Brasil compreendendo a tradução e a adaptação do guia original canadense. A revisão bibliográfica realizada apontou que houve aumento do consumo de psicotrópicos que atinge principalmente indivíduos vulneráveis socioeconomicamente. Além disso, estratégias como o uso de psicologia social comunitária, desenvolvimento de maior agregação entre a atenção básica e especializada, incentivo a práticas saudáveis no ambiente de trabalho, prática de exercícios e alimentação, e finalmente do uso do GGAM com maior empoderamento dos usuários se mostraram efetivas no tratamento desses indivíduos auxiliando na minimização do consumo de medicamentos.

Page 5: Administração de psicotrópicos: principais fatores

3

1. INTRODUÇÃO

A Reforma Sanitária (RS) que aconteceu a partir de 1980 foi uma das

formas de expressão de resistência, frente ao cenário político que o Brasil

enfrentava durante a época da ditadura. Entre as mudanças propostas pelo

movimento estava a busca por democratização dos serviços de saúde, utilizando a

máquina estatal como forma de assegurar o acesso universal dos usuários aos

serviços. A reforma buscou a criação de uma democracia institucional, uma forma

de acesso baseada na cogestão, onde se concede ao Estado a autonomia da

administração dos serviços, ao passo que força o Estado a conceder o acesso e a

equidade em espaços historicamente marcados pela hierarquização e

centralização do poder. Estava iniciada, então, a luta por um sistema de saúde

universal onde uma das heranças obtidas foi o Sistema Único de Saúde (SUS),

fundado em 1988 e cujos princípios baseiam-se na integralidade, equidade e

universalidade garantindo atendimento e acesso à saúde para milhões de usuários

brasileiros. [1]

Acompanhando essas mudanças no cenário das políticas públicas, a partir

de 1980, ocorreram uma série de eventos no âmbito da saúde mental que ficaram

conhecidos como a Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB). A reforma, alinhada

com os princípios do SUS, almejava nova forma de assistência em saúde para

pacientes em sofrimento mental que não estivesse centrada na doença, mas sim,

na atenção integral da saúde para esses indivíduos. A partir da reforma, as formas

de intervenção para pacientes psiquiátricos foi repensada transformando o

atendimento assistencialista em saúde mental com domínio de leitos psiquiátricos

e de medicamentos para um atendimento mais humanizado. Com o transcorrer

dos anos foi possível então observar uma crescente inativação de hospitais

psiquiátricos e aumento de serviços como os Centros de Atenção Psicossocial

(CAPS), as Residências Terapêuticas (RT) e os Centros de Convivência (CECO),

criados em substituição aos tradicionais ambulatórios e hospitais. [2,3]

Entretanto, apesar dos avanços, estudos mostram que a rede de

atendimento em saúde mental ainda possui muita precariedade em relação a

Page 6: Administração de psicotrópicos: principais fatores

4

diversos aspectos, como infraestrutura, distribuição e tratamento ou comunicação

entre pacientes e profissionais da saúde. [4] Uma das explicações é a herança da

prática médica liberal e medicina social de estado como forma de administração

sanitária, com o serviço de atendimento à saúde ainda baseado em um trabalho

solitário onde a prática médica está desarticulada dos demais profissionais da

saúde. Nesse cenário, apesar da aparente autonomia que os profissionais da

saúde possuem, eles também estão marcados com certa impotência no que

confere o poder de decisão e intervenção sobre o processo de cuidado do

paciente. Assim, os direitos de classe são atendidos, porém, os serviços de saúde

estão mais suscetíveis às exigências do mercado e não totalmente centrados nas

necessidades dos pacientes. [1, 5]

Paralelamente, temos acompanhado aumento mundial considerável não

somente no número de pacientes com sofrimento mental, como também do

número de prescrições de medicamentos psicotrópicos e do tempo de duração do

tratamento – maior que o recomendado pela literatura. [6] Estudos epidemiológicos

apontam que milhões de pessoas possuem algum tipo de doença mental e esse

número tem aumentado progressivamente, principalmente, em países em

desenvolvimento. Nem sempre esses casos de sofrimento mental se enquadram

nos critérios de doença mental e dessa forma são considerados como transtornos

mentais comuns (TMC). Os TMC correspondem a distúrbios não psicóticos,

principalmente, depressão e ansiedade, e inclui sintomas como insônia, fadiga,

irritabilidade, dificuldade de memorização e de concentração. Fatores estressantes

como vulnerabilidade social, baixa escolaridade, idade, gênero e menor renda per

capita parecem estar associados ao uso crescente de medicamentos

psicotrópicos. [4,7] Esse projeto buscou analisar alternativas mais recentes no

tratamento da saúde mental como o Guia GAM e seus benefícios para

complementar o tratamento medicamentoso visando a melhoria da qualidade de

vida do paciente e uma melhor gestão dos recursos disponíveis sejam eles

financeiros ou humanos.[8]

2. OBJETIVOS

Page 7: Administração de psicotrópicos: principais fatores

5

Analisar o uso de psicotrópicos e as terapias alternativas ou complementares

relacionados ao tratamento da saúde mental no Brasil e evidenciar as situações

que levam à intensificação do consumo mundial de medicamentos psicotrópicos.

3. MATERIAIS E MÉTODOS

Revisão bibliográfica do tipo narrativa envolvendo estudos publicados entre 2007 e

2017. Foram utilizadas bases científicas de dados com descritores em português,

inglês e espanhol, incluindo as palavras-chave: Aderência a Medicação, Drogas

Psicotrópicas, Saúde Mental, Saúde Pública. Entre as fontes de consulta estão

sites e publicações oficiais do DataSUS, e bases de dados como Cochrane,

Pubmed/Medline, LILACS, EMBASE e Science Direct. Os critérios de inclusão

foram artigos e documentos que tratavam do objetivo proposto no intervalo de ano

estabelecido. Foram analisados 33 estudos bibliográficos. Dentre esses materiais

houve a exclusão de 8 artigos, devido a não conformidade com o tema.

Resultando em 25 fontes bibliográficas revisadas.

4. RESULTADOS

Inicialmente foi avaliada a prevalência de transtornos mentais na população

brasileira, a fim de identificar quais são os principais grupos acometidos

considerando a realidade brasileira. A partir disso, com base na revisão

bibliográfica realizada, serão apontadas as principais hipóteses relacionadas ao

aumento do uso de psicotrópicos e a partir dessas hipóteses algumas alternativas

de tratamento serão discutidas.

4.1. Prevalência de Transtornos Mentais na População Brasileira

Os transtornos mentais junto com as desordens relacionadas ao uso de

substâncias ilícitas estão entre os cinco fatores que mais contribuem para

incapacidade no mundo, contabilizando 7,4% de incapacidade-ajustada a anos de

Page 8: Administração de psicotrópicos: principais fatores

6

vida perdidos. Em 2010 os TM foram a principal causa relacionada a anos vividos

com incapacidade. Para a realidade brasileira, a prevalência de pelo menos uma

desordem mental foi de 44,8% em áreas metropolitanas com risco estimado de

57,7% aos 75 anos de idade. [9] Segundo o Ministério da Saúde aproximadamente

3% da população brasileira sofre com as TM graves e persistentes e 6%

apresentam transtornos psiquiátricos graves decorrentes do uso de álcool e outras

drogas. [10]

No Brasil, estudo multicêntrico realizado com adultos nas cidades

brasileiras de Brasília, São Paulo e Porto Alegre mostrou que a prevalência de

doenças mentais na população variou de 19% em São Paulo a 34% em Brasília e

Porto Alegre. Aproximadamente 90% dos casos de transtornos mentais estavam

relacionados a humor, ansiedade ou somatoformas (doenças mentais que causam

sintomas físicos observáveis). [11]

4.2. Principais Fatores Associados aos Transtornos Mentais:

Em revisão bibliográfica realizada por Santos (2010) foram apontados os

principais fatores envolvidos no desencadeamento de Transtornos Mentais onde

se observou diversos estratos sociais a fim de identificar as principais causas

relacionadas ao desencadeamento das TM. Inicialmente, tomando-se como base

a faixa etária, foi observado que as condições socioeconômicas – desemprego,

baixa escolaridade, o estado civil (divorciado, separado ou viúvo), o sexo, as

condições precárias de habitação, o trabalho informal e o não acesso aos bens de

consumo foram associados a esses resultados. [12]

Esses resultados estão de acordo com outro estudo onde Moraes et.al.

avaliou uma correlação positiva entre a ocorrência de transtornos mentais comuns

e alguns fatores como: gênero (sendo maior em mulheres), idade (mais prevalente

entre 30 a 39 anos); nível educacional e renda (sendo maior para os níveis mais

baixos de renda e educação); estado civil (sendo maior em solteiros e

divorciados); índice de atividade física e hábitos saudáveis (sendo maior entre

pessoas sedentárias e fumantes). [11]

Page 9: Administração de psicotrópicos: principais fatores

7

Considerando a prevalência de TM associadas ao ambiente de trabalho,

Santos (2010) observou que fatores como rotina de trabalho, a demanda, a

exigência, o controle, o processo de trabalho e as condições ambientais estão

entre os fatores contribuintes para o aparecimento desses distúrbios.[12]

Experiências que permitem ao indivíduo o pleno uso das suas habilidades,

criatividade e controle sobre o seu trabalho são apontadas como promotoras de

sentimentos como realização e prazer, que agem como promotores da saúde

nesses ambientes. Em contrapartida, o trabalho desenvolvido sob ambiente

notadamente com altas demandas e baixo controle sobre suas atividades é

marcado por relações sociais conflituosas ou mesmo de isolamento social que

agem favorecendo o adoecimento mental. Os mecanismos que explicam a

associação entre estresse no trabalho e doença são baseados na ideia de que o

estresse crônico produz alterações no ritmo circadiano de cortisol implicando em

alterações mentais e emocionais. Dessa maneira, o ambiente de trabalho torna-se

um instrumento potencial para promover a saúde para os indivíduos por meio do

estabelecimento de ambientes e relações sociais mais sadias. [13]

Outro ponto relevante é que apesar de o maior índice de prevalência estar

concentrado na fase adulta, os primeiros sintomas de transtornos mentais podem

aparecer na infância. Porém, existe maior dificuldade de identificação e

diagnóstico nessa fase da vida, gerando comprometimento no desenvolvimento da

criança, família e sociedade. [14]

Segundo a Organização Mundial da Saúde (2001), há vários fatores de

risco para o desenvolvimento de perturbações mentais, principalmente, no período

da infância. A urbanização descontrolada, a pobreza e a rápida transformação

tecnológica, a relação da criança com os pais ou outros cuidadores durante a

infância, estão entre os pontos de influência sobre o desenvolvimento de

transtornos mentais. [14,15]

De acordo com Sa et al. (2010), em estudo realizado com 67 crianças e

adolescentes na faixa de 4-17 anos no município de Embu – SP, os principais

fatores associados ao desenvolvimento de distúrbios mentais em criancas e

adolescentes foram: ser crianca do gênero masculino; sofrer punicao fisica grave;

Page 10: Administração de psicotrópicos: principais fatores

8

ideacao suicida da mae; violencia conjugal fisica grave contra a mae; e

embriaguez do pai ou padrasto. [14,16]

5. DISCUSSÃO

5.1. Organização e Valores da Sociedade Contemporânea na Atenção Básica

em Saúde

Segundo Pombo (2017), a partir de 1980 com a ascensão do neoliberalismo

e crise das políticas socialistas houve falência dos Estados-nação e da crença de

um bem-estar comum que pode ser obtido por meio da solidariedade e da

colaboração. Houve enfraquecimento da ideia de família como ambiente de

proteção tornando os laços sociais mais fluidos. Além disso, com a crise nas

sociedades disciplinares, as regras que levavam a automatismos de

comportamento foram modificadas, de modo que hoje, o homem contemporâneo

enxerga o bem-estar como uma finalidade e não como um subproduto de um

esforço. Aliado a isso, com o enfraquecimento dos laços com o Estado e com a

família, o sujeito contemporâneo se vê mais responsabilizado por suas

realizacões, agindo como uma “microempresa” onde depende, em grande parte,

de si mesmo para o alcance de seus objetivos e, consequentemente, da

realização pessoal.[17]

Segundo o filósofo Bauman, “tudo está em constante construção e

desconstrução” de forma que essa movimentação é experimentada pelo indivíduo

contemporâneo nas mais diversas esferas de sua vida. O direcionamento das

escolhas e dos objetivos de vida antes era planejado a partir de um conjunto finito

de possibilidades, porém, hoje se vê em constante reconstrução com multiplicação

dos pontos de referência. Novos saberes, filosofias, religiões, mídias, tudo isso

confronta o homem contemporâneo fazendo com que o indivíduo seja

constantemente convidado a decidir sobre os mais variados aspectos de sua vida

gerando crescente sentimento de insegurança e instabilidade. [17,18]

Page 11: Administração de psicotrópicos: principais fatores

9

Conforme demostrado por outros estudos, a demanda, a exigência e

o controle estão entre os fatores predisponentes para o adoecimento mental

(prevalência de transtornos mentais) e, sendo assim, essa expansão das

incertezas sociais associada a mudanças da sociedade contemporânea tem

gerado um impacto crescente no sentimento de vulnerabilidade que pode ser visto

como um dos fatores desencadeantes de sofrimento mental.[17,18] Dessa maneira,

a promoção de saúde deve ser repensada, abrangendo não somente as

mudanças biológicas que o indivíduo em sofrimento experimenta, como também o

ambiente em que ele está inserido. Considerando essa nova concepção de saúde,

as novas formas de saúde mental que surgiram após a Reforma Psiquiátrica

suplantaram a ênfase na perspectiva individual (modelo biomédico e

hospitalocêntrico) e foi direcionada para os mais diversos recursos afetivos que

estão presentes na vida de um indivíduo, como por exemplo, família e amigos.

Nessa nova proposta esses grupos de indivíduos passam a agir como parceiros

na promoção da saúde mental. [19]

Em estudo realizado por Coelho (2017) os ideais da Psicologia Social

Comunitária foram aplicados em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em

Campina Grande. Por meio de oficinas baseadas em terapia com arte, uso de

música e linguagem corporal, os usuários foram convidados a refletir sobre as

afetividades dentro de seu ambiente familiar e ao mesmo tempo pensar sobre os

possíveis pontos de atuação para melhoria desses relacionamentos. Esse tipo de

abordagem terapêutica se mostrou muito rica, uma vez que por meio da análise da

dinâmica familiar, os profissionais podem compreender os diferentes nuances do

sofrimento do indivíduo e dessa forma, o projeto terapêutico pôde ser melhor

direcionado. Outro ponto relevante relacionado ao estudo é que as relações

familiares, muitas vezes, podem ser responsáveis pela infantilização do indivíduo,

decorrente da superproteção. Dessa forma, abordagens terapêuticas desse tipo,

ao convidarem o usuário a repensar sua forma de atuação no ambiente familiar

trazem responsabilização do usuário com um deslocamento do papel passivo para

o papel de protagonista importante no processo de recuperação da autonomia e

consequente sucesso no tratamento.[19]

Page 12: Administração de psicotrópicos: principais fatores

10

5.2. Organização e Estrutura da Rede de Atenção e seu Impacto no

Tratamento

Considerando que a Rede de Atencao à Saúde é “o conjunto de acões e

serviços de saúde articulados em níveis de complexidade crescente, com a

finalidade de garantir a integralidade da assistencia à saúde” de acordo com a

legislação vigente, a constituição da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS),

instituída pela Portaria GM n. 3.088, de dezembro de 2011, republicada em maio

de 2013 é baseada em uma visão territorialista onde as ações e os serviços

oferecidos estão inseridos nas particularidades de cada comunidade fornecendo

um cuidado continuado de reabilitação psicossocial. Dessa maneira, a RAPS

atualmente é constituída de sete componentes, com diversos pontos de atenção

regulamentados por normativas específicas, a saber: atenção básica; atenção

psicossocial estratégica; atenção de urgência e emergência; atenção residencial

de caráter transitório; atenção hospitalar em hospitais gerais; estratégias de

desinstitucionalização; e reabilitação psicossocial. 20]

Entre os serviços oferecidos, os CAPS têm se mostrado indispensáveis

para a construção do atendimento de qualidade em saúde mental, uma vez que

não considera o indivíduo somente como portador de uma doença, mas como

cidadão que está inserido em um círculo social e necessita da sensação de

pertencimento. Porém, apesar da diversidade de serviços no atendimento ao

usuário em sofrimento mental, sabemos que a estruturação da RAPS com

diversos pontos de atenção, não possui caráter somatório, mas, pelo contrário,

para a concretização dessa RAPS a intensificação da articulação inter federativa

deve ser uma das estratégias utilizadas para promover o cuidado integral em

saúde mental. [4, 20]

Em Porto Alegre e São Paulo, cerca de 50% dos pacientes que procuram

os serviços primários de saúde são considerados portadores de distúrbios mentais

não psicóticos, entretanto, apenas uma parte desses pacientes é corretamente

identificada e tratada, ocasionando até mesmo impactos econômicos, uma vez

Page 13: Administração de psicotrópicos: principais fatores

11

que pode gerar maior demanda nos serviços de saúde e dias perdidos no

trabalho.[4] Sendo assim, desenvolver uma estrutura efetiva em saúde para

diagnóstico, tratamento e acolhimento dos pacientes em sofrimento mental parece

extremamente relevante frente ao cenário atual.[7,8]

Diante desse cenário algumas práticas têm sido desenvolvidas para ampliar

a conexão entre os serviços de saúde mental em seus mais diversos níveis. Em

estudo realizado por Teixeira et al (2016), foram analisados os fatores facilitadores

e as barreiras para o cuidado colaborativo entre a Estratégia de Saúde da Família

(ESF) e um Centro de Atenção Psicossocial infanto-juvenil (CAPSi), no Rio de

Janeiro/ RJ. A pesquisa foi realizada em duas fases onde a fase preliminar incluiu

levantamento dos encaminhamentos ao CAPSi nos anos de 2013 e 2014, e

revelou baixa demanda por parte das ESF e/ou da saúde em geral (apenas 17%

dos casos acolhidos). Esse dado indica uma precária articulação entre os serviços

de atenção básica e a rede de atenção especializada. Na fase seguinte, foram

realizados grupos focais (GF) e grupos de intervenção (GI) em três unidades de

ESF. Foi observado que os trabalhadores da ESF possuem elevada sensibilização

em relação aos problemas em saúde mental e do seu entendimento como uma

doença multideterminística. Porém, apesar do esclarecimento frente às definições,

as ações de cuidado são praticamente inexistentes no nível básico de saúde do

território analisado. Dessa forma, o serviço resume-se a um encaminhamento

burocratizado. Nesse âmbito, observou-se possibilidade de atuação através dos

grupos de intervenção. A superação da fragmentação por meio do

estabelecimento de comunicação regular e sistemática entre os diferentes

profissionais envolvidos indicou a possibilidade de mudanças na realidade local,

levando ao protagonismo dos trabalhadores. Com essa prática, houve a

diminuição da distância entre as equipes, o que pode contribuir para o

estabelecimento de um cuidado continuado para os usuários e potencializar as

ações da atenção psicossocial e inter setorial nos territórios.[21]

5.3. Exercício e Alimentação como Alternativas à Medicalização

Page 14: Administração de psicotrópicos: principais fatores

12

A publicação em 1980 da terceira edição do DSM – Diagnostic and Statistical

Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens

Mentais, produzido pela Associação Americana de Psiquiatria) expressa a

intenção de se criar um sistema descritivo da interpretação das doenças mentais

de forma que os processos intrapsíquicos, variáveis de um indivíduo a outro, como

determina a psicanálise não são analisados. Nessa cultura terapêutica as

emoções são objetos a serem manipulados e o psiquiatra atua nessa nova

atividade contemporânea auxiliando o indivíduo a aperfeiçoa-las por meio de

novas práticas terapêuticas. Além disso, os novos fármacos disponíveis no

mercado, com indicações mais específicas e menores efeitos adversos,

contribuem para que mesmo os indivíduos saudáveis façam uso delas para

alcançarem a sensação de plenitude. [18, 22]

Estudos recentes na Austrália demonstram quais fatores de risco

relacionados ao comportamento mais se associam com a morte e a doença. O

efeito das causas nutricionais associadas compreende um terço (31, 5%) sobre o

desenvolvimento de doenças. Nesse cenário a atividade física tem grande

participação e interage com a nutrição controlando o sobrepeso e a obesidade.

Por exemplo, atividade física de intensidade moderada durante a vida, reduz o

estresse, que é considerado como um dos fatores predisponentes para doenças

mentais. [12, 23]

Em estudos recentes realizados com grupos de crianças foi observado que

os alunos que apresentavam alto risco de TMC sofreram diminuição para índice

de risco moderado a baixo, após a inclusão de arte terapia, porém, os fatores de

proteção em saúde mental não aumentaram significativamente. Já os grupos de

arte capoeira e arte educação promoveram suporte social adequado e

aumentaram os fatores de proteção para essas doenças. Dessa maneira, a prática

de exercícios mostrou-se um fator de prevenção para o desenvolvimento de TMC

nesse grupo. [24]

Diante dessa análise, em estudo recente foram analisados quais são os

principais fatores que influenciam a prática de exercícios na população brasileira.

Por meio do ELSA-Brasil, foi possível observar que os principais fatores

Page 15: Administração de psicotrópicos: principais fatores

13

associados à prática de exercício foram de ordem social (maior escolaridade e

renda familiar), ambiental (viver em locais com condições e oportunidades para

prática de atividade física) e individual (não ser obeso, ser aposentado/a, não ser

tabagista, e ter percepção positiva da imagem corporal). Além disso, a percepção

de facilidades para caminhar em sua vizinhança ou bairro aumenta tanto a AFD

(Atividade Física no Deslocamento) quanto a AFTL (Atividade Física no Tempo

livre). Esse estudo é muito relevante na percepção de que melhorias na

infraestrutura e segurança das áreas urbanas contribuem para um aumento no

índice de prática de exercícios físicos que é extremamente importante na

prevenção de Transtornos Mentais. [25]

5.4. Empoderamento do Usuário e Guia GAM como alternativa

Outra questão que deve ser considerada no tratamento dos transtornos

mentais envolve o estigma associado ao paciente em sofrimento mental e o baixo

empoderamento que a eles é concedido. Essa realidade observada no cenário da

saúde pública brasileira, também, pode ser verificada em outros países, como, por

exemplo, no Canadá. Estudos mostram que somente 39% dos entrevistados de

serviços de atenção básica do Canadá foram informados dos efeitos colaterais

possíveis da medicação prescrita, e destes, 23% foram informados das

alternativas ao uso de medicamentos psiquiátricos. Diante dessa situação, em

1993, em Québec, Canadá, foi desenvolvida estratégia para resgatar o

empoderamento dos pacientes e usuários frente ao seu tratamento chamada de

Gestão Autônoma de Medicação.[5] O Guia GAM, resultado de trabalho e luta de

vinte anos de movimentos sociais no Canadá, foi elaborado em 2001, por meio do

encontro entre integrantes da Associação de Recursos Alternativos em Saúde

Mental de Québec (RRASMQ), da Associação dos Grupos de Intervenção em

Defesa dos Direitos em Saúde Mental de Québec (AGIDD-SMQ) e de

pesquisadores da Equipe de Pesquisa e Ação em Saúde Mental e Cultura

(ERASME). [2] O guia propõe que o usuário das redes de saúde mental e seus

familiares se apropriem das informações sobre o tratamento do paciente e assim,

Page 16: Administração de psicotrópicos: principais fatores

14

em gestão conjunta com os profissionais da saúde de referência possam

determinar as mudanças ou as diretrizes desse tratamento. Trata-se de um

deslocamento da funcao de “objeto” para a funcao de “sujeito” importante para a

recuperação e reintegração desses pacientes à sociedade. [7] Em 2009 e 2010 o

Guia GAM foi adaptado à realidade brasileira por meio de estudo envolvendo

Grupos de Intervenção realizados nos CAPS de três cidades brasileiras:

Campinas-SP, Rio de Janeiro-RJ e Novo Hamburgo-RS. Considerando que muitos

pacientes realizam a autogestão de seus medicamentos – alterando ou

interrompendo o uso de medicamentos por conta própria - o Guia-GAM parece

uma alternativa interessante, principalmente dentro do cenário da saúde mental,

pois propõe que as decisões sejam tomadas em conjunto por meio de conversas

compartilhadas envolvendo não somente os usuários como a equipe

multiprofissional da saúde e os familiares. [2] Dessa forma, almeja-se atingir outra

visão do cuidado em saúde, onde a cogestão e a autonomia são valorizadas.

Alternativas como o Guia-GAM podem não somente alterar a forma como os

pacientes enxergam o próprio tratamento, aumentando a aderência, como

também, representam ganho para a própria equipe multiprofissional que amplia

seu conhecimento sobre a visão do paciente quanto ao seu tratamento

medicamentoso – possibilitando maior adaptação e individualização.

6. CONCLUSÃO

Pelas informações levantadas foi possível concluir que o aumento da

incidência e prevalência de transtornos mentais é um dado alarmante e deve ser

considerado na elaboração de políticas públicas e de saúde. Práticas alternativas

frente à medicalização dos indivíduos são possíveis e recomendadas, uma vez

que diminuem gastos e possuem um resultado mais duradouro, pois tratam as

causas do sofrimento mental e diminuem a exposição a eventos adversos,

inerentes ao uso de medicamentos. Diante desse cenário o farmacêutico possui

uma grande possibilidade de atuação, não somente no incentivo a práticas

integrais de cuidado, como na conscientização sobre o uso correto de

Page 17: Administração de psicotrópicos: principais fatores

15

medicamentos psicotrópicos. Porém, conclui-se que mais estudos são

necessários, principalmente para avaliar e, se possível, quantificar o benefício

terapêutico que as práticas alternativas de cuidado podem trazer comparadas com

o uso de medicamentos.

7. BIBLIOGRAFIA

1. PASSOS, E.; ONOKO CAMPOS R. T; PALOMBINI, A., et. al. Autonomia e

cogestão na prática em saúde mental:o dispositivo da gestão autônoma da

medicação (GAM), Aletheia, n. 41, p. 24-38, 2013.

2. ONOKO CAMPOS, R. T; et al. GESTÃO AUTÔNOMA DA MEDICAÇÃO – Guia

de Apoio a Moderadores; DSC/FCM/UNICAMP; AFLORE; DP/UFF; DPP/UFRGS,

2014. Disponível em: < http://www.fcm.unicamp.br/fcm/laboratorio-saude-coletiva-

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3. Saúde Mental no SUS: Cuidado em Liberdade, Defesa de Direitos e Rede de

Atenção Psicossocial. Relatório de Gestão 2011‐2015. Ministério da Saúde:

Brasília, 2016. Disponível em: <

http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2016/junho/27/Relat--rio-Gest--o-

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4. ONOKO CAMPOS. R. T., et al. A Gestão Autônoma da Medicação: uma

intervenção analisadora de serviços em saúde mental, Ciência & Saúde Coletiva,

v.18, n.10, p. 2889-2898, 2013.

5. CAMPOS, G.W.S. O SUS entre a tradição dos Sistemas Nacionais e o modo

liberal-privado para organizar o cuidado à saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v.12,

p.1865-1874, 2007.

6. ONOKO CAMPOS. R. T., et al. Adaptação multicêntricado guia para a gestão

autônoma da medicação, Interface - Comunic. Saúde, Educ., 2012.

Page 18: Administração de psicotrópicos: principais fatores

16

7. SANTOS, G. E., SIQUEIRA, M. M., Prevalência dos transtornos mentais na

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