adélia nicolete nos realizamos o seu sonho

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NÓS REALIZAMOS O SEU SONHO!!! Texto de Adélia Nicolete O uso comercial deste texto, total ou parcialmente, só pode ser feito com a autorização da autora. Contato por e-mail: [email protected]

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Page 1: Adélia Nicolete Nos Realizamos o Seu Sonho

NÓS REALIZAMOS O SEU SONHO!!!

Texto de Adélia Nicolete

O uso comercial deste texto, total ou parcialmente,

só pode ser feito com a autorização da autora.

Contato por e-mail: [email protected]

Page 2: Adélia Nicolete Nos Realizamos o Seu Sonho

“A publicidade não vende produtos nem idéias,

mas um modelo falsificado e hipnótico de felicidade.”

“A publicidade é um cadáver que nos sorri.”

Oliviero Toscani

Page 3: Adélia Nicolete Nos Realizamos o Seu Sonho

PERSONAGENS

Maneco

Beatriz - filha de Maneco

Raísa - filha de Beatriz

Vozes da TV

A ação se passa na sala de estar de um apartamento simples, num dos últimos andares. Um pôster

de Portugal decora uma das paredes.

Page 4: Adélia Nicolete Nos Realizamos o Seu Sonho

PRIMEIRA CENA

Maneco, sozinho, assiste TV enquanto prepara material para enviar a concursos e sorteios.

MANECO - Mais um cuponzinho para o concursinho... (Dá um beijo e coloca no envelope, lambe

o envelope cantarolando) O Manequinho vai ganhar sozinho... Esses aqui são do chiclé... Esses

são do sabonete que dá viagem... Esse é do sabão em pó, que vai me dar um jet-ski... (Organiza

meio desajeitadamente os envelopes e cupons, continuando a lamber)

TV - Mas você ainda não mandou o seu cupom, respondendo qual é a ração mais nobre para o seu

cachorro? Faça como tantos outros que já ganharam, mande!

MANECO - Já mandei , ó, imbecil! Uns trinta. O que você acha que tem naquele canto, são

pacotes dessa maldita ração. E eu nem sequer tenho cachorro! Veja se me sorteia, que já estou

com calo na língua de colar esses envelopes! (Lambe mais)

TV - Que bom! Ficamos felizes pelo senhor!

MANECO - Feliz ficou tua irmã ao sair daqui de madrugada, ó... (Continua lambendo envelopes.

Sente pontadas no joelho) Ai meu joelho, acho que vai chover...

TV - O sorteio é logo mais à noite, não percam! Basta latir três vezes ao atender o telefone, que

nós realizamos o seu sonho! (Maneco dá três latidos caprichados)

MANECO - Duvido que alguém lata melhor do que eu... (Late de novo) Ou que tenha um sonho

mais caro pra se realizar... (Fala com a TV, argumentando) Ai, Jesus! Por que não sorteiam

euzinho!? Ah, mas Deus dá nozes a quem não tem dentes, já dizia minha finada esposa, que Deus a

tenha. Ai, Maria de Lurdes, que morreu sem ter realizado nosso sonho. Bem que eu podia realizá-

lo por nós dois, mas tens que me dar uma ajudazinha, pois não, que a minha parte eu estou a

fazer... (Toca o telefone, ele se apressa em atender) Oh, minha broinha! Era meio surda mas tinha

raciocínio rápido. (Atende) Alô. Pronto. Aqui é o Manoel. Manoel. Alô? O que queres que eu

faça? Devo latir? (Late. Silêncio), (Tirando um papelzinho amassado do bolso) Alô? Devo dizer

“sim”, eu sou um idiota mas quero ganhar 30 mil em barras d’ouro? (Silêncio) Alô? Já sei!

(Canta, ridículo) “Dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola e picles, num pão

com...” Alô? Desligaram... (Desliga. Fala alto à mulher surda) Não era bem esse o telefonema

que tinhas que me mandar, ó Maria de Lurdes... (volta à lambeção)

Page 5: Adélia Nicolete Nos Realizamos o Seu Sonho

BEATRIZ - (Entrando com pacotes) Com quem tá falando, pai? Tem alguém aí?

MANECO - Não, quer dizer, estava a conversar com sua finada mãe, que Deus a tenha... sobre o

sorteio de hoje à noite.

BEATRIZ - Sei, sei...

MANECO - (Imita) Sei, sei... Diga alguma coisa que faça sentido, ó. Estudaste a vida inteira para

dizeres sei, sei. Vem me ajudar a lamber esses envelopes.

BEATRIZ - Não posso estou ocupada (encontra um envelope no chão e o observa) O que é isso?

Uma carta pro senhor.

MANECO - Será que é de algum sorteio que eles querem me avisar?

BEATRIZ - A imobiliária está dando prêmios?

MANECO - Dê cá esta carta. (Enfia no bolso de qualquer jeito)

BEATRIZ - O que o senhor tá me escondendo?

MANECO - Nada (Reclama do joelho) Ai, meu joelho, hoje vai cair aquele toró, pode apostar.

BEATRIZ - Com esse sol? Não me enrola, pai. Deixa eu ver a carta.

MANECO - (Olhando para o pôster) Frio aqui, sol em Lisboa. “Quem está ao sol e fecha os

olhos, / Começa a não saber o que é sol / e a pensar muitas coisas cheias de calor./ Mas abre os

olhos e vê o sol”1

BEATRIZ - (Interrompendo) Deixa eu ver a carta, pai.

MANECO - Shhh. Não mates a poesia! Vá, vá-te embora, não estás com pressa?

BEATRIZ - Pai! O senhor está atrasado de novo com o aluguel???!!!

MANECO - Isto não é da tua conta, já te pedi dinheiro emprestado alguma vez, foi?

BEATRIZ - (Rindo, incrédula) Alguma vez? Umas mil vezes!

MANECO - Isso foi há muito tempo.

BEATRIZ - Isso foi o mês passado!

MANECO - Mas garanto que paguei direitinho.

BEATRIZ - Pagou uma vírgula! O Pérsio até proibiu as crianças de virem aqui depois que o

senhor pegou a mesada deles todinha, só pra comprar telesena.

1 Fernando Pessoa

Page 6: Adélia Nicolete Nos Realizamos o Seu Sonho

MANECO - Teus filhos precisam sonhar um pouco, Beatriz!

BEATRIZ - Mas as telesenas ficaram com o senhor! E não mude de assunto. O senhor pagou o

aluguel desse mês?

MANECO - (Tapa os ouvidos como num programa de TV e grita) Não!

BEATRIZ - E o do mês passado?

MANECO - (Idem) Não!

BEATRIZ - E espera que eu empreste dinheiro de novo?

MANECO - (Idem) Sim! (Tirando as mãos dos ouvidos e suplicando, dramático) E vais

emprestar, não é filhinha adorada?

BEATRIZ - (Tapa os ouvidos e grita) Não! (Destapa e volta à mesa, desfazer os pacotes) Chega,

seu Maneco. O que o senhor faz com o dinheiro da aposentadoria? Gasta tudo nesses concursos!

Há muito tempo que isso virou doença!

MANECO - (Depois de pausa, encara) Aposto que não te lembras dos versos.

BEATRIZ - Isso não é hora para versos, pai! Acorda. O senhor está devendo em todo lugar (ele

tapa os ouvidos e começa a cantarolar) e eu não vou mais passar a mão na sua cabeça. O senhor

não sabe o que tenho de ouvir, só de trazer essas coisas toda semana...

MANECO - (Interrompe) O que trouxe hoje? Deixa ver. (Observa, pega coisa por coisa e

procura) Não, não. Não. Ó, minha filha, nada que concorra a prêmio? Que é da margarina que dá

casa própria?

BEATRIZ - Essa é mais saudável é de girassol.

MANECO - E eu tenho cara de papagaio por acaso? Que é do xampu que dá carro?

BEATRIZ - E que é do seu cabelo, pai?

MANECO - Isso tá parecendo cesta básica, Beatriz, e daquelas bem vagabundas! Será que seu

pai não merece uma coisinha melhor?

BEATRIZ - (Respira fundo, suspirando, exausta) Merece. Comece por sair um pouco de casa,

por exemplo.

MANECO - Desço todos os dias até a rua.

BEATRIZ - Levar o lixo? (Manoel dá de ombros) Por que não faz amizade com o seu Giovani, do

301, ou faz esses programas de terceira idade?

MANECO - Pra ver velho baste me olhar no espelho. E esse Giovani prefere sair com a viúva

alegre aqui do lado...

Page 7: Adélia Nicolete Nos Realizamos o Seu Sonho

BEATRIZ - Larga essa TV, pai! Larga esses concursos. O Kiko, da Juliana trabalhou na TV, ele

fala que isso tudo é picaretagem!

MANECO - Me deixa cá com meus sonhos, menina!

BEATRIZ - Vai passear, aproveita esse primeiro dia de sol no inverno!

MANECO - Já, já vai chover. Ai, Beatriz, chega. Agora fica quietinha e vem ver os gols da

Portuguesa, sim? Como em pequenina, lembras? (Ela confirma) Não sabias falar direito mas já

gritavas: Lusa, Lusa! Saíste do meu colo pra te casares com um pó-de-arroz. Ele conseguiu fazer-

te mudar de time?

BEATRIZ - Não ele nunca conseguiu me fazer torcer pro São Paulo.

MANECO - Aliás, acho que só pensa em trabalho... deve ter se esquecido do futebol. Esqueceu de

outras coisas também?

BEATRIZ - Pai, o Pérsio é ... (Trovões)

MANECO - (Se benzendo) Santa Bárbara! Não Falei? Favas contadas, meu reumatismo não se

engana.

BEATRIZ - Já vou... que tenho que pegar a Raísa no balé.

MANECO - Me empresta o dinheiro do aluguel?

BEATRIZ - Não posso. Até a semana. (Sai)

MANECO - (Gritando, à porta) O doutor Pérsio te proibiu de ajudares o próprio pai? Pois não

preciso do dinheiro sujo daquele advogadozinho filho das ervas! (Entra, tira lenço amassado do

bolso e enxuga a testa. Fala com a TV) Ora veja se pode, proibir minha filha de me ajudar! (Tira a

carta da imobiliária do bolso e, sem ler, enfia numa gaveta onde mal cabe mais um grão)

TV - Então, se você acha que a Portuguesa vai se recuperar nesse campeonato ligue para 0800-

6284701 ou se você acha que não, que a Lusa não vai se recuperar nem a pau, ligue para 0800-

8470625. (Maneco voa ao telefone e disca, mas não se lembra direito dos números) E concorra a

um chaveiro do seu time do coração. Vamos, ainda não ligou?

MANECO - Mas como ligar se vocês dizem o número nessa velocidade? (Imita, exagerando na

velocidade) parece uma boiada desembestada, raios! (Toca o telefone) Ai, Jesus! Agora só pode

ser! (Atende) Alô, pronto. Aqui é Manoel. O que devo dizer? Devo latir? (Late) Pronto. O que?

Mas... Está bem.... (uiva e coloca a língua para fora, fazendo festinhas como os cães) Por quê?

Quero. Mas... Está bem... (Canta trechos de canção portuguesa e solta uivos no meio) Alô. Eu...

Alô... Ai, Jesus, acho que a ligação caiu! Alô, liguem novamente! Alô! Raios que me partam, acho

que encostei no gancho do aparelho! (Toca a campainha, ele atende, ainda atordoado. Entra a

neta) Raísa, o que fazes cá? Tua mãe foi buscar-te no balé!

RAÍSA - Eu fugi. Tava com saudade, avozinho.

Page 8: Adélia Nicolete Nos Realizamos o Seu Sonho

MANECO - Aquele teu pai não te proibiu de me ver? (Ela dá em ombros) Entra, entra. Não tens

medo de que te roube a mesada? (Raísa chacoalha a cabeça, negativamente) E aquele teu irmão

cagão?

RAÍSA - (Ri) Ficou com medo de vir...

MANECO - Vá, senta aqui... espera um momentinho. (Vai ao telefone, dá soquinhos no aparelho,

tenta recuperar a ligação, não consegue) Acabei de perder um concurso, Raísa! Imagine que me

ligaram e que eu estava fazendo tudo que me pediam...

RAÍSA - Eu escutei mesmo uns latidos ali do corredor... Pensei que tivesse algum cachorro nesse

andar...

MANECO - Pensaste mesmo, foi? Quer dizer que estou latindo bem? (Ela confirma. Os dois se

olham, marotos. Ele late, ela late, uma sinfonia. Risos) Os vizinhos reclamam dos meus latidos. E

eu vejo tanta coisa pior e tenho de me manter caladinho... (Ele tira uma caneta de trás da orelha e

escreve nos envelopes enquanto ela lambe os selos)

RAÍSA - Que letra horrível, vô! Será que o carteiro vai conseguir entender?

MANECO - Consegue. Carteiro e farmacêutico têm a obrigação de entender letra difícil. Lamba

direito, ó, menina! Assim! (Mostra, ela ri e imita. Pausa)

RAÍSA - Meu pai falou que qualquer dia desses vai pegar teu telefone e vender.

MANECO - Ai é? Pois diga ao seu pai que nesse dia eu vou completar a vasectomia dele.

(Silêncio, longa pausa)

TV - (Jingle de edição especial) Atenção, atenção.

MANECO - Olhe lá, olhe lá! Eles vai falar!

TV - Atenção. Alerta à sociedade. Nós, da “Ossos do barão”, o verdadeiro banquete para o seu

cachorro, ficamos sabendo de pessoas que estão latindo ou fazendo coisas humilhantes para

qualquer telefonema. Nossos pedidos de latido limitam-se ao horário do sorteio, isto é, às quartas

feiras, às 20h. Se alguém pedir para você latir fora desse horário, não lata, e denuncie. Informou o

plantão do “Nós realizamos o seu sonho”.

MANECO - Ai, raios me partam! Que eu acho que recebi uma dessas ligações-fantasma, Raísa,

por pouco não me mandam urinar no pé da mesinha! Raios, raios! (Deprimido, raivoso)

RAÍSA - (pausa) Vô, o que é “basectomia”? (Ele é pego de surpresa, pensa, reflete, mas antes de

ter de responder é salvo pelo telefone que toca)

MANECO - Ai, tape os ouvidos, Raísa, que se for alguém me mandando latir! ... (Atende) Alô,

pronto. Aqui é o Manoel. Escute aqui (Raísa tapa os ouvidos, Manoel acalma-se) Não. Que

Isaura? Não há ninguém aqui com um nome desse. É isso mesmo. Deram esse número mas não é

esse. Devem estar de sacanagem contigo. Não sei, ora! Preciso desligar, que espero outros

telefonemas, pois sim? Nada, nada. (Desliga. A Raísa) Não era o do latido, melhor para ele. (O

Page 9: Adélia Nicolete Nos Realizamos o Seu Sonho

telefone toca de novo. Atende) Alô. Eu conheço essa voz. Sou eu, Manoel, de novo... A menos

que essa tal Isaura seja portuguesa, careca e tenha bigodes, ela não mora aqui, ó, rapaz! Vá, vá.

(Desliga) Brincadeira! Cheio de coisas para fazer e vem um vira-bosta e...

RAÍSA - Vô (Toca de novo, ele reflete antes de atender, como imaginando uma resposta. Atende)

MANECO - Alô. Quem fala? Quem fala é o Maneco, o pai da Isaura. É. E tem mais: ela mandou

dizer que te acha um bundão, que não estás com nada! Bom mesmo é aquele amigo do.... Passat. É

do Passat roxo metálico. É, o Rubão, o corintiano. (Desligando) Renegado! Vou deixar o fone

fora do gancho. (pensa) Não, não posso deixar. E se eles me sorteiam? Vão ligar e vai dar

ocupado... Ah, eu fico possesso com isso!

RAÍSA - (Depois de pausa) Vô, conta a história do monstro!

MANECO - Não quero!

RAÍSA - Ah, vô, o monstro, que assusta o homem do navio...

MANECO - Tenho mais o que fazer, não percebes?

RAÍSA - Meu pai falou que o senhor devia arrumar um trabalho...

MANECO - Ora, e o que teu pai tem a ver com minha vida?! Nunca vi! Nunca fiz nada praquele

boçal e ele vive querendo se meter comigo! Não quero falar do teu pai, Raísa, está bem? (pausa)

Casei minha filha achando que ia ganhar um amigo, um filho homem e arranjei foi um filho da puta

a mais pra pegar no meu pé!...

RAÍSA - Vô. Se minha mãe souber que o senhor fala nome feio na minha frente...

MANECO - Ai! Você não vai dizer a ela, vai?

RAÍSA - Não. Mas só se você contar a história do monstro.

MANECO - Isso é chantagem! (Ela olha carente) Ah... E não é monstro, é monstrengo. Está bem,

eu conto. Mas só se disseres os versos.

RAÍSA - “Não sou nada./ Nunca serei nada./ Não posso ser nada./ À parte isso, tenho em mim

todos os sonhos do mundo.”2

MANECO - Muito bem, senta aqui. ( À TV, abaixando o volume) Com licença, que tenho que

contar a história a minha neta Raísa, cara de coriza. Não gosto do teu nome, já te falei? (Ela

confirma) Raísa...

RAÍSA - (Imitando-o) É um nome russo, já te falei?

MANECO - E não me imites, que não te conto história alguma, ora pois!

2 Fernando Pessoa

Page 10: Adélia Nicolete Nos Realizamos o Seu Sonho

RAÍSA - Desculpa vô... (Não contém o riso)

MANECO - Tanto nome bonito: Fátima, Maria Bernadete... O que estava falando mesmo? Ah, a

história... (Suspira para começar) E não me imites, não gosto que me imites. (Ela ri. Ele suspira e

começa). “O monstrengo que está no fim do mar/ Na noite de breu ergue-se a voar;/ À roda da nau

voou três vezes, / Voou três vezes a chiar,/ E disse: Quem é que ousou entrar/ Nas minhas

cavernas que não desvendo,/ Meus tetos negros do fim do mundo? / E o homem do leme disse,

tremendo/ El-Rei D. João Segundo!” (...)

“ Três vezes do leme a mão ergueu,/ Três vezes ao leme as repreendeu, /E disse no fim de tremer

três vezes, / “Aqui ao leme sou mais do que eu:/ Sou um Povo que quere o mar que é teu; / E mais

que o monstrengo, que me a alma teme / E roda nas trevas do fim do mundo, / Manda a vontade,

que me ata no leme, / De El-Rei D. João Segundo!”3 (Pausa, olham-se. Ele estende a mão, ela

tira a mesada do bolso e dá ao avô. Nisso, entra Beatriz sem bater. Maneco esconde depressa o

dinheiro no bolso).

BEATRIZ - Muito bem! Muito bem! Quer dizer que eu fico te procurando na escola inteira, quase

telefono pra polícia e a senhorita está aqui. Desobedecendo as ordens do teu pai.

MANECO - A menina estava com saudade. Não tem o coração de pedra da mãe.

BEATRIZ - Vamos, Raísa.

MANECO - (Junta os envelopes e dá à neta) Tome, ponha n’alguma caixa de correio pra teu avô.

(Fuça no bolso umas moedinhas, que ele conta, guarda algumas mais altas, e dá outras à

menina) E tome essas moedinhas também, para um mimo qualquer. (Raísa se despede dando um

beijo na careca do avô. Saem. Maneco fecha a porta, tira o dinheiro do bolso e conta, faz careta

como sendo pouco, dá de ombros como sendo melhor que nada. Trovão. Ele se benze) Santa

Bárbara! (Olha o tempo lá fora) “Esta tarde a trovoada caiu / Pelas encostas do céu abaixo /

Como um pedregulho enorme... / Como alguém que duma janela alta / sacode uma toalha de

mesa...” (Vai ao banheiro)

SEGUNDA CENA

À noite. TV ligada, como sempre. Chuva fina. Maneco entra com velas e qualquer porcaria em

saquinhos para comer, preparando-se para um grande momento. Faz frio.

MANECO - Uma velinha para Santo Antônio, esta é para Nossa Senhora de Fátima... (Pontada

no joelho) Esta é para ti, ó , Maria de Lourdes... (Fala alto) O sorteio é agora, o sorteio do sonho,

lembras, que te falei? (Falando a TV) E esta é para ti, não me desapontes. (Senta-se para comer,

ajeita o volume, a posição da TV, etc. Trovão, ele se benze) Santa Bárbara (Se ajeita) Ai!, frio do

capeta!

3 idem

Page 11: Adélia Nicolete Nos Realizamos o Seu Sonho

TV - E agora, o sorteio mais esperado do planeta! E você, que comprou “Ossos do Barão”, o

verdadeiro banquete para o seu cachorro, fique atento, que está no ar, para todo o Brasil “Nós

realizamos seu sonho”! Mas antes, uma palavra do nosso patrocinador;

COMERCIAL - Ei, ei, Duque, vem, vem... Ei, Rex, vem amigão.... King, King, a sua refeição...

Lorde, vem comer... Seja o que for, Duque, Lorde ou mesmo Rei, ofereça a ele um verdadeiro

banquete, ofereça “Ossos do Barão” . Cálcio, ferro e vitaminas na medida certa para o seu melhor

amigo se sentir mais nobre ainda. “Ossos do Barão”.

MANECO - (Olhando para os pacotes de ração e para o salgadinho que está comendo) Um dia

vou experimentar essa tal ração...

TV - E estamos de volta com “Nós realizamos seu sonho!” , programa de maior audiência no

horário em todo o Brasil, sob o patrocínio de “Ossos do Barão”, um verdadeiro banquete para o

seu cachorro.

MANECO - Vamos, vamos com esse sorteio. Querem me matar do coração?

TV - Aqui ao lado dos auditores que vão acompanhar e autenticar a veracidade do sorteio.

Preparados? Vamos lá? Nós vamos sortear uma carta e telefonar. Se a pessoa atender, “nós

realizamos o seu sonho”! Mas lembre-se, você deve latir três vezes ao ouvir nosso alô! (Maneco se

certifica de que o telefone está no gancho, dá uns latidos para se aquecer) Vamos lá. Mexam

bem, são milhões de cartas de todo o país, eu tenho certeza de que você está torcendo aí em casa.

Nós aqui também, nós estamos ansiosos por realizar o seu sonho. Pronto? Mexeram bem? Então,

mais uma palavrinha dos nossos patrocinadores, e eu prometo, que nós realizaremos o seu sonho!

MANECO - Ora, vá-te à merda! Não quero mais brincar!

COMERCIAL - (Terminando) ...Não deixe seu nobre amigo comendo ração. Dê a ele “Ossos do

Barão”, um verdadeiro banquete para o seu cachorro.

MANECO - Que raios me partam se eles não fizerem esse sorteio agora!

TV - Prontos? Agüenta coração! Quantos planos, hein? Já pensou o que fazer quando for

sorteado? Hein? Hein? (Maneco rosna como um cão, ameaçando a TV) Está, bem, está bem!

Joguem essas cartas para cima, que agora “Nós realizamos o seu sonho”! Prepare-se, pronto.

Peguei, peguei. Ufa! Vamos abrir, vamos conferir. O carimbo é de São Paulo. Vamos ver. “A

comida que é um verdadeiro”, espere aí, que está difícil de ler, é uma letra meio... diferente...

Alguém pode me ajudar, hein? Tem algum farmacêutico na platéia? (Ri da própria piada) Leia,

você é capaz de entender o que está escrito aqui? (Alguém murmura algo) Ah, sim! “Que é um

verdadeiro banquete para o meu cachorro é “Ossos do barão”.Absolutamente certo! (Platéia

aplaude) Os auditores conferem... E agora nós vamos telefonar. Fique atento. (Toca o telefone de

Maneco) Está chamando. Será que tem alguém em casa?... Atenderam. Alô. (Maneco atende mas

não responde, paralisado) Alô, ninguém responde... (Cantarola) Alô, alô, responde...

MANECO - É aqui! (Maneco, tomando coragem, late três vezes, um latido nervoso)

Page 12: Adélia Nicolete Nos Realizamos o Seu Sonho

TV - Au, au, au, pra você também! Ganhou! Ganhou! (Gravação de muitos cães latindo, pessoas

aplaudindo) Manoel de Oliveira, da Água Funda, acaba de ganhar! Nós vamos realizar o seu

sonho! Fase, Manoel, via satélite para todo o Brasil, num oferecimento de “Ossos do Barão”!

(Maneco late. Homem ri) Pode parar de latir! Pode falar agora, Manoel!

MANECO - Maneco. Pode me chamar de Maneco...

TV - Parabéns, seu Maneco!

MANECO - Mas eu ganhei mesmo? Ou és tu Laurentino, desgraçado, fazendo uma brincadeira

comigo?

TV - (Rindo) O que é isso? O senhor ganhou! Não está vendo pela TV? (Maneco confirma com a

cabeça, vai até a TV, beija-a, ajoelha-se).

MANECO - Estou, estou vendo (Beija o telefone)

TV - E estamos ansiosos por saber. Seu Maneco, diga-nos, qual é o seu sonho?!

MANECO - Oh, Maria de Lourdes, nem não acredito que isto esteja a acontecer!

TV - Quem é Maria de Lourdes , seu Maneco?

MANECO - Maria de Lourdes é minha finada esposa, que Deus a tenha, pobrezinha. O que eu

tenho a pedir era sonho dela também...

TV - Diga-nos o que é! Eu quero muito saber!

MANECO - Posso pedir qualquer coisa?

TV - É claro!

MANECO - Qualquer coisa mesmo? Olha que esse desejo é caro!

TV - Pois peça!

MANECO - Ai, Jesus! Que o meu sonho maior e mais precioso... ai, meu peito... ai, moço, eu

queria tanto, mas tanto...ai, não sei se estou sonhando...

TV (Ri ,canastrão) Na verdade nós estamos começando a realizar um sonho seu...! Mas primeiro

temos de saber qual é, seu Maneco! Vamos, coragem!

MANECO - Laurentino, maldito, ganhei, ganhei! Não disse que ganharia?

TV (Ri, sem graça) Nosso tempo está se esgotando, seu Maneco, qual o seu sonho, afinal?

MANECO - (Pausa. Começa a chorar) Ai, moço, que eu tenho um sonho desde 1947! Achava

que ia morrer ser conseguir realizar! Sou um velho aposentado, cheio de catarata e reumatismo,

Page 13: Adélia Nicolete Nos Realizamos o Seu Sonho

quer iria me ajudar senão vocês? Ai, moço, moço, eu queria tanto, mas tanto... voltar a Portugal!...

(começa a chorar. Aplausos e latidos na TV)

TV - Não pode ser verdade! Mas que fantástico nós vamos realizar! Não vejo a hora! Aguarde na

linha, seu Maneco, que nós vamos começar a planejar essa loucura!!! (Volume mais baixo) E pra

você que não foi sorteado não fique triste. Continue mandando suas cartas: elas ficarão

acumuladas por dois meses, de modo que sempre há chance de nós realizarmos o seu sonho

também... (Maneco desliga a TV, vai até seus guardados e pega uma caixa ou gaveta repleta de

recordações, cartas, luneta, fotos, um sino, etc).

MANECO - (Com a caixa de recordações no colo, às vezes chora) (...) Não acredito...!

Valentim... Quero começar pelo Porto. A última visão que tive de minha terra, ninguém no cais...

De lá partiam expedições para o Novo Mundo. “Navegar é preciso...” (...) Trás os montes. Tem os

parentes da minha finada esposa, que Deus a tenha, lá. Pode botar no roteiro. (Fala a algumas

cartas) Nunca te respondemos, Felipe, agora vou te abraçar pessoalmente. Queria que eles

recebessem umas lembranças que ela deixou... Liberdade! (Procura e acha o mapa) Jogarei meus

dias passados pela rua, pela janela do carro. Vais me dar o beijo que me prometeste, Francisca?

Bah! Estás velha agora, não quero teu beijo cinza. Braga. Sonho há tanto tempo com essa viagem

que já tenho tudo planejado. Aqui está o Algarve. Já ouviste falar? (...) Eu sabia...(...) Coimbra,

faço questão. (...) Bragança, Santarém do primo Ulisses. “Ulisses, vamos tosquiar as ovelhas!”

(Toca o sino) (...) Elvaso. (...) Vamos marcar uma data? Um mês? Não pode ser um pouco menos?

Sabe o que é... (...) Que bom, quinze dias! Precisam dos meus documentos? (...) Não? (...) E

Lisboa, lá podem me soltar que me viro (Mostra a palma da mão). “Outra vez te revejo, / Cidade

da minha infância pavorosamente perdida.../ Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui... / Eu?

Mas sou eu o mesmo que vivi aqui, e aqui voltei, / (...) Ou somos todos os Eus que estive aqui ou

estiveram,/ Uma série de contas-entes ligadas por um fio-memória,/ Uma série de sonhos de mim

de alguém de fora de mim?”4 ... (Vai até a janela, observa e grita) Terra à vista! (Pega um saco de

ração e começa a atirar pela janela, como neve) Jingle bells, jingle bells, lá, lá, lá, lá, lá... (Vai

jogando também pela sala, dá saltitos. Tem uma idéia maquiavélica. Telefona para a filha)

Quero falar com o doutor Pérsio, pois sim? Como sabes que sou eu? Estás vendo televisão? Sei...

Se estivesses vendo, saberias que teu sogro acaba de ganhar o prêmio mais cobiçado de todos.

Não, não metas as crianças nessa história! Não fales assim comigo! (Pontada no joelho) Chame

Beatriz! Não, não chame ninguém! Pois vá! Vá-te a merda você, príncipe, o teu dinheiro, Beatriz,

vão pro raio que o parta! Vem, vem pegar, pronto. Está na portaria te esperando, e não ousem

subir! (arranca o telefone da parede, num puxão, joga-o pela janela), é seu, não preciso mais

dele! (Derrubando e fazendo aleluia com os cupons, selos e envelopes, em êxtase, grita) Não

preciso mais de nada! Arre! (Abre a porta e late para o corredor) Assistiram a televisão? Ou

estavam recebendo visita às escondida? Viram o homem do latido? O velho com mania de jogar?

Latir, latir! Rosnar! Fiquem com seus silêncios proibidos! Viúvas alegres! Velhos sacanas! Vocês

não vão me ouvir nunca mais! Nunca mais! (Entra. Trovão. Benze-se automaticamente) Santa

Bárbara. (Cai exausto na poltrona. Silêncio total. Uiva. Olha à volta, a bagunça. Sem opção,

pega o controle remoto e liga a TV, autômato, pegando ração ou salgadinhos, sem ver, e

comendo).

TV - (O volume vai abaixando no decorrer do texto, até que o silêncio coincida com o fim da

cena) “Três tipos de considerações nos incitam a ampliar a definição da subjetividade, de modo a

ultrapassar a oposição clássica entre sujeito individual e sociedade e, por essa mesma via, revisar

4 Fernando Pessoa

Page 14: Adélia Nicolete Nos Realizamos o Seu Sonho

os modelos de Inconsciente que estão em curso atualmente: a irrupção dos valores subjetivos

inteiramente no primeiro plano da atualidade histórica; o desenvolvimento massivo das produções

maquínicas de subjetividade; e, em último lugar, a recente posição de destaque de aspectos

etológicos e ecológicos relativos à subjetividade humana.”5

TERCEIRA CENA

Quinze dias depois. Apartamento ainda sujo, ou até mais. Faz frio. Maneco está de paletó e

gravata, chapéu ou boné antigo, malas prontas. Consulta o relógio, mapa de viagem e outras

coisas. Campainha, ele atende a porta, é Beatriz com Raísa, agasalhadas. A menina abraça o

avô, olha um pouco a volta, durante a cena.

MANECO - (Recebendo as visitas, entrando) Hoje é o dia mais feliz da minha vida, Beatriz. Não

quero sermões. O apartamento está sujo mesmo, pouco se me dá. E se trazes recado de teu

marido...

BEATRIZ - O senhor quebrou o telefone, nos proibiu de vir aqui... ficou incomunicável...

MANECO - Não sei se tu sabes, mas ganhei um prêmio num concurso da televisão. É. O Kiko da

Juliana te contou que de vez em quando algum idiota é sorteado? Pois é. Vou para Portugal. De

onde nunca deveria ter saído.

BEATRIZ - Pai... A gente veio se despedir. Levá-lo ao aeroporto.

MANECO - Não é preciso. Eles vêm buscar-me daqui a pouco.

BEATRIZ - Mas nós fazemos questão.

RAÍSA - O Yuri só não veio porque tinha prova...

MANECO - Não precisa, já disse. Não estão com pressa hoje?

RAÍSA - (Olhando a mãe) Ela deixou eu faltar no balé...

MANECO - Pois não devias. Teu pai te proibiu de me ver. Tiveste de vir escondida da última vez.

BEATRIZ - Esquece isso, pai...

MANECO - Esquecer? Te recusaste a me ajudar, proibiste meus netos de me verem, e agora pedes

pra que eu esqueça? Esqueça você, Beatriz. Devolva o apartamento ao teu marido, vão essas

coisas de lambuja. Me esqueça também. Puf!

BEATRIZ - Nossa esse prêmio te subiu à cabeça.

5 Felix Guattari

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MANECO - Estou falando sério. Esqueça que tem um pai, pois não pretendo voltar. Tenho

amigos de verdade lá, primos. Não volto mais. (Pausa) Mas não vais sentir muito minha falta.

Nunca foste ligada mesmo a mim.

BEATRIZ - Pelo amor de Deus, pai, não fala isso.

MANECO - É verdade! Ficaste sempre ao lado de tua finada mãe nos ataques contra mim. Maria

de Lourdes se esforçava em ser uma boa esposa, mas não tinha lá muita visão.

BEATRIZ - Ela só queria ver um pouco de dinheiro! Vocês tinham passado fome em Portugal,

pai! Os seus amigos todos abriram negócio e foram em frente, e o senhor só jogando, apostando,

perdendo!

MANECO - Eu sempre fui um visionário!

BEATRIZ - De bolso vazio! A tia Leda é que me passava os uniformes da Carmo que não serviam

mais, porque não havia dinheiro nem pra um lápis. Me diz, sinceramente, o que o senhor trouxe

para casa do jogo? O que de valor o senhor já ganhou nesses anos todos?

MANECO - Só cometi um erro na minha vida: ter me casado com uma mulher que nunca me deu

apoio, e que ainda pôr cima pariu uma menina. (Silêncio, Beatriz chocada. Raísa fica triste.)

RAÍSA - Vamos embora, mãe...

BEATRIZ - Uma menina Ah... Uma menina que decorava poemas inteiros só pra te deixar

contente. Que ficava louca da vida com a Amália Rodrigues, porque ela te fazia chorar... Eu nunca

gostei de futebol, pai, torcia pra Lusa só pra te agradar...

MANECO - Ai, é? Azar o teu, que não tinha opinião própria. Paraste de me empresar dinheiro, pra

agradar teu marido... (Beatriz começa a chorar, baixinho)

RAÍSA - Vô, o dinheiro da mesada que a gente te dava, era a mamãe que mandava!

MANECO - Oh, muito obrigado! E eu ficava com fama de roubar criancinhas! Muito obrigado! E

tinha de contar histórias, fazer micagens, pra ganhar esmola... Ingratos! Malditos! Vamos, vamos,

saiam. Vão procurar alguém certinho pra gostar, alguém obediente. Esqueçam que eu existo (Saem

as duas, chorando sem escândalo. Pontada no joelho. Ele grita ao corredor e a todos que

quiserem ouvir. À medida do texto, vai entrando). Não preciso de ninguém! “Que mal fiz eu aos

deuses todos? (...) / Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável? (...) / Se eu fosse outra

pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade. / Assim, como sou, tenham paciência! / Vão para o diabo

sem mim, / Ou deixem-me ir sozinho para o diabo! (...) / Já disse que sou sozinho! / Ah, que

maçada quererem que eu seja da companhia!” (Silêncio total. Ele, na verdade, está meio ansioso,

mas quer dar uma impressão de segurança. Verifica relógio, mala, reflete, resmunga) Arre!

Nunca torceu para a Lusa! Idiota! (Trovão, se benze) Santa Barbara! (Silêncio. Pausa longa,

inquietude) Idiotas. (Pausa inquieta) Arre, que está quase na hora. (Toca a campainha) Que

pontualidade! Adeus, Água Funda. Adeus Brasil. Vão todos tomar na bunda, vão pra puta que os

pariu! (Dá uma pacova. Pega a mala e atende, dizem qualquer coisa) Sim, sou eu. Pois não,

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obrigadinho. (Recebe uma fita de vídeo cassete, acha estranho, olha de novo o relógio mas coloca

a fita no vídeo para assistir, em pé)

TV - (Mesma voz do programa, com pequena introdução festiva) Que loucura! O senhor é

mesmo um homem de sorte, seu Maneco! Veja só: NÓS REALIZAMOS O SEU SONHO!

Estamos aqui em Portugal, conforme combinamos, lembra? Escute! (Som de fado no ambiente) E

tudo é realmente lindo, como o senhor havia nos dito! E que calor! Já visitamos alguns de seus

parentes, amanhã partiremos para Trás dos Montes. NÓS REALIZAMOS O SEU SONHO, seu

Maneco! NÓS REALIZAMOS O SEU SONHO! (latidos, uivos)

Maneco sente pontada no joelho. Som vai diminuindo, trovão. Maneco não esboça nenhuma

reação.

TV – (Cantando) Navegar é preciso, viver não é preciso...

FIM