acÓrdÃo acordam, em 10ª câmara criminal extraordinária do · fls. 70 poder judiciÁrio...
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: _________________
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº
_______________________________, da Comarca de São Vicente, em que é
apelante
_______________________________, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em 10ª Câmara Criminal Extraordinária do
Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram parcial
provimento ao recurso de _______________________________, para
desclassificar a imputação inicial para a figura contravencional capitulada no art.
65, do Decretolei 3688/41, combinado com art. 71, caput, do Cód. Penal, e, em
conseqüência, condenar o recorrente a 17 (dezessete) dias de prisão simples, e, de
ofício, com fundamento no art. 107, IV, do Cód. Penal, julgar extinta a
punibilidade do apelante, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva
estatal. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores
NUEVO CAMPOS (Presidente), RACHID VAZ DE ALMEIDA E CARLOS
BUENO.
São Paulo, 30 de junho de 2017.
Nuevo Campos RELATOR
Assinatura Eletrônica APELAÇÃO CRIMINAL no
_______________________________.
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MM. Juiz de Primeira Instância: Dr. Rodrigo Barbosa Sales.
Comarca: São Vicente SP.
Apelante: _______________________________.
Apelada: Justiça Pública.
Voto: 40.774 (10ª Câmara Criminal Extraordinária).
APELAÇÃO ESTUPRO DE VULNERÁVEL CONDUTA DO ACUSADO QUE NÃO FOI HÁBIL
À SATISFAÇÃO DA LASCÍVIA DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONTRAVENÇÃO PENAL PREVISTA NO ART. 65, DO DECRETOLEI
3.688/1941 RECURSO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO
RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA
PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA
ESTATAL EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
Vistos.
Trata-se de recurso interposto por
_______________________________ contra a r. decisão
monocrática de fls. 199/204, que julgou procedente a ação penal e
condenou o acusado a 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão,
em regime inicial fechado, como incurso no art. 217-A, por duas
vezes, combinado com art. 71, caput, ambos do Cód. Penal, deferido
o direito de recorrer em liberdade.
Pugna a acusação, em suma, pela
absolvição, sob o fundamento da insuficiência probatória (fls.
221/229).
Contra-arrazoado o recurso, manifestou-se
a D. Procuradoria de Justiça pelo não provimento do apelo.
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É, em síntese, o relatório.
O apelo procede em parte, para
desclassificar a imputação inicial para a contravenção penal prevista
no art. 65, do Dec.-Lei 3.688/41, e, em consequência, julgar extinta a
punibilidade do réu, em razão da ocorrência da prescrição da
pretensão punitiva estatal.
Ficou demonstrado, estreme de dúvidas,
que, nas condições de tempo e lugar referidas na inicial, o acusado,
por motivo reprovável, molestou G.R.A. e H.F.A., irmãos, à época,
respectivamente, com doze e onze anos de idade.
Os menores residiam com sua avó e seu tio
e o réu, na condição de conhecido do tio dos menores, frequentou a
casa dos ofendidos.
Nas oportunidades em que estava no
imóvel o réu permanecia com os menores, oportunidades em que,
quando estavam sem vigilância, passava as mãos no pênis e glúteo dos
irmãos.
Os ofendidos relataram o ocorrido para sua
avó, oportunidade em que foram adotadas as providências policiais
cabíveis.
Nesse sentido, é a coesa e insuspeita prova
oral da acusação, constituída pelas declarações dos ofendidos G.F.A.
(fls. 22/23 e 146/CD) e H.F.A. (fls. 24/25 e 146/CD), da avó dos
menores _________________(fls. 14/15 e 146/CD), e pelas
declarações na fase inquisitorial do genitor dos ofendidos Péricles de
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(fls. 20/21) e do tio dos ofendidos André Luiz Benatti (fls. 26/27).
Não é demais anotar, a respeito da análise
da prova, que, em casos como o presente, notoriamente, a
clandestinidade é a regra na execução, razão pela qual, na ausência de
testemunhas presenciais, o exame das declarações dos ofendidos
assumem particular importância e devem ser cotejados com o todo do
conjunto probatório, inclusive com o documento de fls. 16/19, que,
embora não identifique precisamente o ocorrido confere credibilidade
aos relatos dos menores.
Importa considerar, ademais, que nada há
nos autos, mesmo nos relatos do apelante, no sentido de que os
ofendidos tivessem algum motivo para, indevidamente, prejudicá-lo.
Quanto à negativa apresentada pelo
recorrente ao longo da persecução penal (fls. 29/30, 37 e 168/CD),
porque isolada e afastada, com segurança, pelas declarações dos
ofendidos, não merece prosperar, inclusive, por estar desprovida de
credibilidade.
A prova oral da defesa não se presta a
alterar o panorama do conjunto probatório (fl. 146/CD).
No âmbito da materialidade delitiva, o
conjunto probatório é complementado pelo auto de exibição e
apreensão (fls. 16/19).
Como se vê, o reconhecimento da
ocorrência do fato descrito na inicial, era de rigor.
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Entretanto, quanto à qualificação jurídica
da conduta do acusado, impõe-se a desclassificação da imputação
inicial para a infração penal prevista no art. 65, da Lei das
Contravenções Penais.
Importa considerar, a propósito, que a
integração da figura típica do grave crime previsto no art. 217-A, do
Cód. Penal, demanda a exata compreensão da elementar “outro ato
libidonoso”.
É inquestionável que o tipo penal em tela
deve ser tido como anormal, na medida em que possui elementar de
natureza normativa, cuja compreensão exige valoração, consideradas
todas as elementares da quadratura típica.
Importa considerar, ainda, que a
compreensão da elementar em foco demanda a utilização da
denominada, por parte da doutrina tida como tradicional,
interpretação analógica (grifei), considerada a legalidade estrita a ser
observada na esfera penal.
Não se trata, obviamente, de integração do
tipo penal pela analogia, pois não há lacuna a ser preenchida.
A presente hipótese, é preciso ressaltar, é
de busca da integração do significado da elementar “outro ato
libidinoso”, operação interpretativa, que, como já assinalado, deve,
necessariamente, ter um viés restritivo, sob pena de apresentar
resultado indevidamente abrangente, incluindo atos libidinosos
desprovidos de gravidade diferenciada, do que resultaria a
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desproporcional incidência da resposta penal cominada, que, em seu
limite mínimo prevê pena de 8 (oito) anos de reclusão.
Oportunas, a propósito, as seguintes
citações doutrinárias.
“Não há confundir a analogia com a
interpretação analógica, permitida pela própria lei. Trata-se, aqui,
de analogia intra legem, de que é exemplo, entre outros muitos, a
consentida fórmula do crime continuado (art. 51, § 2º, do Código
Penal), que, depois de mencionar as condições de “tempo, lugar,
maneira de execução”, indiciárias da homogeneidade objetiva
dos fatos sucessivos (grifei), acrescenta: “e outras semelhantes”.
É óbvio que, no limite da semelhança referida à casuística
exemplicativa, cabe ao juiz reconhecer as hipóteses não
previstas individualmente. Toda vez que uma cláusula
genérica se segue a uma fórmula
causuística, deve entender-se que aquela somente compreende
os casos análogos aos destacados por esta, que, do contrário,
seria totalmente ociosa.” (grifei). (Nelson Hungria, Comentários
ao Código Penal, vol. I, tomo 1º, 3ª ed., p. 86, Revista Forense,
1955, Rio de Janeiro.)
“Sucede em alguns casos valerem-
se os textos legais de fórmulas exemplificativas seguidas de
indicações genéricas, que obrigam o intérprete a admitir situações
não expressamente previstas. Exemplificando: na agravante do art.
44, nº II, d, do Código Penal, pesará contra o réu o emprego que
haja feito de “outro recurso que dificultou ou tornou impossível a
defesa do ofendido” (semelhante aos apontados no texto)
(grifei); na configuração do crime continuado (art. 52, § 2º),
devem-se levar em conta circunstâncias “outras semelhantes” às
designadas; na figura do estelionato (art. 171), o crime se
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tipificará quando utilizado artifício, ardil “ou qualquer outro meio
fraudulento”.
Estará o legislador impondo nesses
casos o uso da analogia? Consoante corretamente aduz Aníbal
Bruno, “aí não temos analogia em sentido próprio, como
processo de integração de lacuna do sistema por ausência de
norma, mas interpretação por analogia, que é o meio indicado
para integrar o preceito dentro da norma, estendendo-o, como
ele mesmo sugere, a situações análogas” (grifei). É, a nosso ver,
uma hipótese de uso excepcional da analogia para a interpretação
do dispositivo e torná-lo mais flexível. E, se a própria lei o
determina, não se pode falar aí em analogia proibida pelo princípio
da legalidade.” (Basileu Garcia, Instituições de Direito Penal, vol.
I, tomo I 5ª ed., p. 173/174, Ed. Max Limonad, 1980, São Paulo).
“O Direito Penal admite a
interpretação extensiva mesmo quando a exegese recai sobre o
texto de norma incriminadora.
Admitido que a hermenêutica penal
se orienta pelos mesmos princípios que regem a interpretação das
demais ciências jurídicas, não há razão para excluir-se a
interpretação extensiva em qualquer zona ou domínio da ciência
penal. Nem de outra maneira se poderia concluir, uma vez que essa
exegese apenas revela o verdadeiro alcance do mandamento legal,
sem na realidade ampliá-lo juridicamente.
Rejeitar a interpretação extensiva
dentro do direito penal seria escravizar este ao empírico sistema da
exegese literal. Como dizia Esmeraldino Bandeira, ao prefaciar o
“Direito Penal” de Galdino Siqueira, “por amor à literalidade ou
literalismo do texto não é justo deixar sem
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disciplinar jurídica um caso perfeitamente equiparável aos de que
a lei cogita”.
Segundo Sebastian Soler, “a
interpretação deve ser verdadeira, embora declarativa, ampliativa
ou restritiva”. Isto é realmente o que importa, razão pela qual não
se pode proscrever a exegese extensiva.
Afirma-se, como escreve Bettiol,
que “no campo do direito penal a interpretação extensiva da norma
deve ser excluída sempre que venha a limitar a liberdade
individual. Mas isto é errôneo, pois se iria limitar arbitrariamente
essa liberdade tão-só na hipótese de vir a mesma norma disciplinar
situações ou relações nela não empreendidas. Nada disto se
verifica na interpretação extensiva, pois que o fato está
previsto e subsiste uma disciplina normativa do mesmo, muito
embora não revele suficientemente a defeituosa
expressão literal da norma” (grifei).
Não há que confundir “analogia” e
“interpretação extensiva”: aquele é forma de auto-integração da
ordem elgal para cobrir lacunas e omissões; esta, ao revez, traduz
apenas a pesquisa sobre o alcance e significado da lei (grifei).
A analogia está proscrita do direito
penal liberal porque atenta contra o princípio do “nullum crimen,
nulla poena sine lege”. Permitida é, no entanto, a interpretação
extensiva visto harmonizar-se perfeitamente com aquêle postulado
do Direito Penal. “Em la actualidad diz Asua hay um común
sonsenso sobre la necessidad de admitir la interpretacion exntesiva
en materia penal”. (José Frederico Marques, Curso de Direito
Penal, vol. I Propedêutica Penal e
Norma Penal, p. 159/160, Saraiva, 1954, São Paulo.)
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No caso em tela, não há dúvida de que o “ou
praticar outro ato libidinoso” abrangido pela figura típica em tela
demanda status compatível com a conjunção carnal, ou seja, que seja
hábil à satisfação da lascívia, da concupiscência, na mesma
intensidade da conjunção carnal.
Assim sendo, por maior que seja a repulsa
moral que a conduta do acusado possa gerar, não há dúvida de que não
se encontra sob o âmbito da vigência da norma penal incriminadora
que constituiu fundamento da qualificação jurídica considerada para
a solução condenatória.
No que concerne à dosimetria da pena, em
vista da desclassificação ora operada, merece reparo.
A pena-base, observada a r. decisão
condenatória, é fixada no mínimo legal.
A seguir, impõe-se majorar a pena em 1/6
(um sexto) pela continuidade delitiva.
A pena perfaz, portanto, 17 (quinze) dias
de prisão simples a ser cumprida em regime aberto.
A natureza da conduta do réu, não se pode
negar, aponta a sanção pecuniária como insuficiente para a reprovação
penal.
Diante do quantum da pena privativa de
liberdade ora estabelecido, impõe-se, de ofício, julgar extinta a
punibilidade do réu em razão da ocorrência da prescrição da
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pretensão punitiva estatal.
Com o trânsito em julgado da condenação
para a acusação (fl. 209), a prescrição passou a ser regulada pela pena
privativa de liberdade aplicada, que, no caso em tela, é inferior a 1
(um) ano.
Assim, o prazo prescricional é de 3 (três)
anos (art. 109, VI, do CP) e se escoou entre a data do recebimento da
denúncia (14/05/2013 fl. 50) e a data da publicação da r. decisão
recorrida (19/07/2016 fl. 205).
De rigor, portanto, o reconhecimento da
ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal.
Face ao exposto, meu voto dá parcial
provimento ao recurso de _______________________________,
para desclassificar a imputação inicial para a figura contravencional
capitulada no art. 65, do Decreto-lei 3688/41, combinado com art. 71,
caput, do Cód. Penal, e, em consequência, condenar o recorrente a 17
(dezessete) dias de prisão simples, e, de ofício, com fundamento no
art. 107, IV, do Cód. Penal, julgar extinta a punibilidade do apelante,
pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal.
NUEVO CAMPOS
Relator
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