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7/30/2019 Acrdo STJ - Lei Seca
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Superior Tribunal de Justia
RECURSO ESPECIAL N 1.111.566 - DF (2009/0025086-2)RELATOR : MINISTRO MARCO AURLIO BELLIZZER.P/ACRDO : MINISTRO ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/RJ)RECORRENTE : MINISTRIO PBLICO DO DISTRITO FEDERAL ETERRITRIOS
RECORRIDO : EDSON LUIZ FERREIRAADVOGADO : MARCELO TURBAY FREIRIA E OUTRO(S)INTERES. : DEFENSORIA PBLICA DA UNIO - "AMICUS CURIAE"ADVOGADO : RMULO COELHO DA SILVA - DEFENSOR PBLICO DA
UNIOEMENTA
PROCESSUAL PENAL. PROVAS. AVERIGUAO DO
NDICE DE ALCOOLEMIA EM CONDUTORES DEVECULOS. VEDAO AUTOINCRIMINAO.DETERMINAO DE ELEMENTO OBJETIVO DO TIPOPENAL. EXAME PERICIAL. PROVA QUE S PODESER REALIZADA POR MEIOS TCNICOSADEQUADOS. DECRETO REGULAMENTADOR QUEPREV EXPRESSAMENTE A METODOLOGIA DEAPURAO DO NDICE DE CONCENTRAO DELCOOL NO SANGUE. PRINCPIO DA LEGALIDADE.1. O entendimento adotado pelo Excelso Pretrio, eencampado pela doutrina, reconhece que o indivduo nopode ser compelido a colaborar com os referidos testesdo 'bafmetro' ou do exame de sangue, em respeito aoprincpio segundo o qual ningum obrigado a seautoincriminar (nemo tenetur se detegere ). Em todasessas situaes prevaleceu, para o STF, o direitofundamental sobre a necessidade da persecuo estatal.2. Em nome de adequar-se a lei a outros fins oupropsitos no se pode cometer o equvoco de ferir osdireitos fundamentais do cidado, transformando-o emru, em processo crime, impondo-lhe, desde logo, um
constrangimento ilegal, em decorrncia de umainaceitvel exigncia no prevista em lei.3. O tipo penal do art. 306 do Cdigo de TrnsitoBrasileiro formado, entre outros, por um elementoobjetivo, de natureza exata, que no permite a aplicaode critrios subjetivos de interpretao, qual seja, o ndicede 6 decigramas de lcool por litro de sangue.4. O grau de embriaguez elementar objetiva do tipo,no configurando a conduta tpica o exerccio daatividade em qualquer outra concentrao inferior queladeterminada pela lei, emanada do Congresso Nacional.
5. O decreto regulamentador, podendo elencar quaisquermeios de prova que considerasse hbeis tipicidade da
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conduta, tratou especificamente de 2 (dois) exames pormtodos tcnicos e cientficos que poderiam serrealizados em aparelhos homologados pelo CONTRAN,quais sejam, o exame de sangue e o etilmetro.
6. No se pode perder de vista que numa democracia vedado ao judicirio modificar o contedo e o sentidoemprestados pelo legislador, ao elaborar a normajurdica. Alis, no demais lembrar que no se incluientre as tarefas dojuiz, a de legislar.7. Falece ao aplicador da norma jurdica o poder defragilizar os alicerces jurdicos da sociedade, em absolutadesconformidade com o garantismo penal, que exercemisso essencial no estado democrtico. No papel dointrprete-magistrado substituir a funo do legislador,buscando, por meio da jurisdio, dar validade norma
que se mostra de pouca aplicao em razo daconstruo legislativa deficiente.8. Os tribunais devem exercer o controle da legalidade eda constitucionalidade das leis, deixando ao legislativo atarefa de legislar e de adequar as normas jurdicas sexigncias da sociedade. Interpretaes elsticas dopreceito legal incriminador, efetivadas pelos juzes,ampliando-lhes o alcance, induvidosamente, violam oprincpio da reserva legal, inscrito no art. 5, inciso II, daConstituio de 1988: "ningum ser obrigado a fazer oudeixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei".9. Recurso especial a que se nega provimento.
ACRDO
Retomado ojulgamento, aps o voto-vista do Sr. Ministro SebastioReis Jnior, rejeitando a questo de ordem proposta pelo Sr. Ministro OgFernandes, mantendo a apreciao do presente recurso especial comorepresentativo de controvrsia; aps o voto do Sr. Ministro Vasco Della Giustina(Desembargador Convocado do TJ/RS), acolhendo a questo de ordem; aps ovoto do Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador Convocado do TJ/RJ),
rejeitando a questo de ordem; aps o voto do Sr. Ministro Gilson Dipp, rejeitando aquesto de ordem; aps o voto da Sra. Ministra Laurita Vaz, rejeitando a questo deordem e aps o voto do Sr. Ministro Jorge Mussi, rejeitando a questo de ordem,Vistos, relatados e discutidos os autos em que so partes as acima indicadas,acordam os Senhores Ministros da Terceira Seo do Superior Tribunal de Justia,por maioria em rejeitar a questo de ordem.
O Sr. Ministro Marco Aurlio Bellizze, na sesso do dia 14/03/2012,votou pela rejeio da questo de ordem.
Vencidos, quanto questo de ordem, os Srs. Ministros OgFernandes e Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS).
Retomado o julgamento, quanto ao mrito, aps o voto-vista do Sr.
Ministro Og Fernandes negando provimento ao recurso, acompanhando adivergncia inaugurada pelo Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (DesembargadorDocumento: 1114564 - Inteiro Teordo Acrdo - Site certificado - DJe: 04/09/2012 Pgina 2de 108
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Convocado do TJ/RJ); aps o voto do Sr. Ministro Sebastio Reis Jnior, no mesmosentido e aps o voto-desempate da Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura,Presidente da Terceira Seo, negando provimento ao recurso, a Seo pormaioria, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Adilson
Vieira Macabu (Desembagador Convocado do TJ/RJ), que lavrar o acrdo.Vencidos os Srs. Ministros Marco Aurlio Bellizze (Relator), VascoDella Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS), Gilson Dipp e Jorge Mussi.
Lavrar o acrdo o Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu(Desembargador Convocado do TJ/RJ). Votaram com o Sr. Ministro Adilson VieiraMacabu (Desembargador convocado do TJ/RJ) a Sra. Ministra Laurita Vaz e osSenhores Ministros Og Fernandes, Sebastio Reis Jnior e a Sra. Ministra MariaThereza de Assis Moura, Presidente da Terceira Seo, em voto-desempate.
Presidiu ojulgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.Braslia (DF), 28 de maro de 2012(Data do Julgamento).
Ministra Maria Thereza de Assis MouraPresidente
Ministro Adilson Vieira Macabu (desembargador Convocado do Tj/rj)Relator
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CERTIDO DE JULGAMENTOTERCEIRA SEO
Nmero Registro: 2009/0025086-2 REsp 1.111.566 / DFMATRIA CRIMINAL
Nmeros Origem: 20080020091300 20080110361553 361553
PAUTA: 14/12/2011 JULGADO: 14/12/2011
RelatorExmo. Sr. Ministro MARCO AURLIO BELLIZZE
Presidente da SessoExma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
Subprocuradora-Geral da RepblicaExma. Sra. Dra. JULIETA E. FAJARDO C. DE ALBUQUERQUE
Secretria
Bela. VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO
AUTUAO
RECORRENTE : MINISTRIO PBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITRIOSRECORRIDO : EDSON LUIZ FERREIRAADVOGADO : MARCELO TURBAY FREIRIA E OUTRO(S)
INTERES. : DEFENSORIA PBLICA DA UNIO - "AMICUS CURIAE"ADVOGADO : RMULO COELHO DA SILVA - DEFENSOR PBLICO DA UNIO
ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes Previstos na Legislao Extravagante - Crimes de Trnsito
CERTIDO
Certifico que a egrgia TERCEIRA SEO, ao apreciar o processo em epgrafe na sessorealizada nesta data, proferiu a seguinte deciso:
Adiado o julgamento por indicao do Sr. Ministro Relator.Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
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RECURSO ESPECIAL N 1.111.566 - DF (2009/0025086-2) (f)
RELATRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURLIO BELLIZZE:
Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministrio Pblico do Distrito
Federal e Territrios, fundamentado na alnea "a" do permissivo constitucional, contraacrdo do respectivo Tribunal de Justia.
Relatam os autos que o recorrido foi denunciado pela prtica do crime
previsto no art. 306 do Cdigo de Trnsito Brasileiro, tendo o Juiz de primeiro grau
recebido a inicial acusatria.
Inconformada, a defesa impetrou ordem de habeas corpus perante o
Tribunal de Justia alegando que, com o advento da Lei n 11.705/2008, foi alterada aredao do art. 306 da Lei n 9.503/1997, passando a constituir elementardo tipo que
o acusado tenha "concentrao de lcool por litro de sangue igual ou superior a 6
decigramas", o que tornou atpica sua conduta, visto que no se submeteu a nenhum
exame pericial, tais como o etilmetro ("bafmetro") ou o exame de sangue, nicos
meios aptos a comprovara quantidade exata de lcool a fim de caracterizaro crime.
Ressalvou que, por ser a nova lei mais benfica, deve ser aplicada
retroativamente para tornarsua conduta atpica.
O Tribunal de origem, por maioria de votos, concedeu a ordem nos
termos da seguinte ementa:
HABEAS CORPUS - CONSTATAO DE EMBRIAGUEZ -ALTERAES LEGISLATIVAS - ART. 306 DO CTB -CONCENTRAO DE LCOOL NO SANGUE - EXAMESTCNICOS ESPECFICOS -IMPRESCINDIBILIDADE.I. A antiga redao do art. 306 do CTB exigia apenas que omotorista estivesse sob a influncia de lcool, sem indicarquantidade especfica. Simples exame clnico poderia
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perfeitamente atender exigncia do tipo.II. A Lei n 11.705/08 incluiu na redao do artigo a 'concentraode lcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)
decigramas' ou 'trs dcimos de miligrama por litro de ar expelidodos pulmes' (Art. 2 do Decreto n 6.488 de 19.6.08).III. A prova tcnica indispensvel e s pode ser aferida com ouso do chamado 'bafmetro' ou com exame de dosagem etlicano sangue.IV. O legislador procurou inserir critrios objetivos paracaracterizar a embriaguez, mas inadvertidamente criou situaomais favorvel queles que no se submeterem aos examesespecficos. A lei que pretendia, com razo, ser mais rigorosa,engessou o tipo penal.V. Se a lei mais favorvel, retroage para tornar a conduta
atpica.VI. Ordem concedida para trancar a ao penal, por ausncia dejusta causa. (fls. 80/81)
Da o especial, em que o Ministrio Pblico alega violao aos arts. 43, I,
e 157, ambos do Cdigo de Processo Penal, e 306 do Cdigo de Trnsito Brasileiro,
sustentando, em sntese, que "afigura-se absurda, redundante e contrria prpria
evidncia das coisas, d.v., condicionar o recebimento da inicial prova cabal do
cometimento do ilcito" (fl. 111).
Refora, ademais, que, muito embora seja legtima a recusa do suspeito
em soprar o etilmetro ou a fornecer sangue para o exame de alcoolemia, ilegal
sujeitar a persecuo penal estatal vontade do acusado em se submeter aos
referidos exames.
Busca, assim, seja provido o recurso especial para que se restabelea o
recebimento da denncia operado no Juzo de primeiro grau.
Contrarrazes apresentadas s fls. 125/142.
O Ministro Napoleo Nunes Maia Filho, ento Relator, acolhendo a
manifestao do Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios s fls. 163/165,
diante da multiplicidade de recursos que veiculam a matria, admitiu o presente
recurso especial como representativo da controvrsia, determinando a suspenso nos
Tribunais de segunda instncia dos recursos nos quais a discusso esteja
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estabelecida, nos termos do art. 543-C, 2, do CPC, e art. 2, caput, da Resoluo n
8/2008 desta Corte (deciso publicada em 16/11/2010, fl. 171).
A Procuradoria Geral da Repblica opina pelo provimento do recurso
especial, em parecerassim ementado (fls. 273/288):
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ALCOOLEMIA NACONDUO DE VECULO AUTOMOTOR. TESTE DO'BAFMETRO'.-Adequao do paradigma para a produo de deciso capaz deser utilizada em recursos repetitivos. Relevncia da controvrsiaque, direta ou indiretamente, afeta toda a populao brasileira.-A proibio da autoincriminao no tem o alcance de deixar ao
arbtrio do suspeito, mesmo visivelmente embriagado, aprerrogativa de ser ou no processado pelo crime de direo sobo efeito de lcool.- Carter falacioso da argumentao que considera a novaredao do art. 306 do Cdigo de Trnsito, operada pela Lei n11.705/2008, mais benigna do que a redao anterior, que noestabelecia o parmetro de 6 decigramas de concentrao delcool no sangue. Enquanto na lei anterior bastava estar(visivelmente) embriagado para incidir na norma penal, na novaredao pratica o crime tanto quem est embriagado quanto
quem apresenta concentrao de lcool igual ou superior a 6decigramas no sangue.-Parecer pelo provimento do recurso especial e pela formao doentendimento, na esteira de precedentes do STF e do STJ, deque 'a prova da embriaguez ao volante deve ser feita,preferencialmente, por meio de percia, respeitado o direito contraa autoincriminao, podendo a percia ser suprida por exameclnico ou prova testemunhal, nas hipteses em que asintomatologia da embriaguez se apresente indisfarvel, dandoconta de que os 6 decigramas de concentrao de lcool foramexcedidos.
Na Petio n 133.503 (fls. 290/292), a Defensoria Pblica da Unio
requereu o seu ingresso no feito na qualidade de amicus curiae, bem como vista dos
autos para manifestao.
Os autos foram a mim atribudos, ocasio em que deferi o pedido
formulado pela Defensoria Pblica, a qual trouxe sua manifestao s fls. 312/321,
alegando, em preliminar, a incidncia da Smula n 7 desta Corte e Smula n 284 doSupremo Tribunal Federal, e, no mrito, reitera os argumentos trazidos nas diversasDocumento: 1114564 - Inteiro Teordo Acrdo - Site certificado - DJe: 04/09/2012 Pgina 7de 108
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peas defensivas e documentos constantes dos autos.
o relatrio.
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VOTO-VENCIDO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURLIO BELLIZZE (RELATOR):
De incio, cumpre ressaltar que o exame do presente recurso no atrai a
incidncia da Smula n7 desta Corte, tendo em vista que a matria nele versada
exclusivamente de direito, sendo prescindvel o reexame de provas, razo pela qual
no prospera a alegao da Defensoria Pblica da Unio no sentido do no
conhecimento deste recurso especial.
Tambm no prospera o argumento de incidncia da Smula n 284 do
Supremo Tribunal Federal, pois o art. 43, inciso I, do Cdigo de Processo Penal,
apontado como violado, foi revogado pela Lei n 11.719/2008.
que, na verdade, a norma do art. 43 do CPP, por questo de
sistematizao, foi deslocada para o art. 395, no captulo que trata do procedimento
comum, pela mesma Lei n 11.719/2008.
De igual forma, no procede idntica alegao em relao ao art. 157 do
CPP ("O Juiz formar sua convico pela livre apreciao da prova"), visto que esse
mesmo dispositivo est retratado na nova redao do art. 155.
No mrito, o que se discute no presente recurso especial repetitivo , em
sntese, se com a nova redao do artigo 306 do CTB, trazida pela Lei n11.705/2008,
popularmente conhecida como "Lei Seca", que passou a exigira quantidade mnima
de 6 decigramas de concentrao de lcool por litro de sangue para a caracterizao
do crime, tornou-se imprescindvel a comprovao desta dosagem apenas pormeio de
exames tcnicos, quais sejam, o uso do etilmetro ("bafmetro") ou o exame de
sangue.
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O tema j foi objeto de debate em ambas as Turmas que compem a
Terceira Seo desta Corte Superior, perfilhando cada qual caminho diverso.
A Egrgia Sexta Turma possui o entendimento no sentido de que a nova
redao do art. 306 do CTB trouxe uma elementar objetiva no tipo penal, tornando-se,
assim, imprescindvel a comprovao exata da dosagem etlica para a caracterizao
do crime, o que s poder serfeito pormeio dos aludidos exames tcnicos, sob pena
de atipicidade da conduta.
A propsito, confira-se:
HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AO PENAL.EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. AUSNCIA DE EXAME DEALCOOLEMIA. AFERIO DA DOSAGEM QUE DEVE SERSUPERIOR A 6 (SEIS) DECIGRAMAS. NECESSIDADE.ELEMENTAR DO TIPO.1. Antes da edio da Lei n 11.705/08 bastava, para aconfigurao do delito de embriaguez ao volante, que o agente,sob a influncia de lcool, expusesse a dano potencial aincolumidade de outrem.2. Entretanto, com o advento da referida Lei, inseriu-se a
quantidade mnima exigvel e excluiu-se a necessidade deexposio de dano potencial, delimitando-se o meio de provaadmissvel, ou seja, a figura tpica s se perfaz com aquantificao objetiva da concentrao de lcool no sangue o queno se pode presumir. A dosagem etlica, portanto, passou aintegrar o tipo penal que exige seja comprovadamente superior a6 (seis) decigramas.3. Essa comprovao, conforme o Decreto n 6.488 de 19.6.08pode ser feita por duas maneiras: exame de sangue ou teste emaparelho de ar alveolar pulmonar (etilmetro), este ltimo tambmconhecido como bafmetro.
4. Cometeu-se um equvoco na edio da Lei. Isso no pode, porcerto, ensejar do magistrado a correo das falhas estruturaiscom o objetivo de conferir-lhe efetividade. O Direito Penalrege-se, antes de tudo, pela estrita legalidade e tipicidade.5. Assim, para comprovar a embriaguez, objetivamente delimitadapelo art. 306 do Cdigo de Trnsito Brasileiro, indispensvel aprova tcnica consubstanciada no teste do bafmetro ou noexame de sangue.6. Ordem concedida. (HC n 166.377/SP, Relator o Ministro OGFERNANDES, DJe de 1/7/2010.)
Por sua vez, a Egrgia Quinta Turma vem sustentando a
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prescindibilidade da prova tcnica para a configurao do delito do art. 306 do Cdigo
de Trnsito Brasileiro.
Veja-se, a respeito:
PENAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. CARACTERIZAO.EXAME PERICIAL. TESTE DE ALCOOLEMIA OU BAFMETRO.PRESCINDIBILIDADE. AVERIGUAO POR OUTROS MEIOSDE PROVA. EXAME CLNICO E PROVA TESTEMUNHAL.ADMISSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.I. Hiptese em que a Corte estadual, no obstante a existncia dedepoimentos de testemunhas no sentido de que o ru conduzia oveculo sob influncia de lcool, o absolveu da imputao, sob o
entendimento de que o tipo penal 'no se contenta com o exameclnico, exigindo demonstrao tcnica do teor alcolico domotorista', sendo que no foi possvel a averiguao do teor delcool em seu sangue, uma vez que no fora realizado examepericial.II. O delito de embriaguez ao volante configura-se por meio daprova de que o condutor ingeriu bebida alcolica emconcentrao por litro de sangue igual ou superior fixada nanorma incriminadora - aferida por teste de alcoolemia ou desangue -, ou ento que estava sob a influncia de substnciapsicoativa que causasse dependncia - averiguada por meio de
exame clnico ou depoimento testemunhal.III. Para a caracterizao da conduta prevista no tipo do art. 306do CTB no imprescindvel a realizao de exame pericial outeste de bafmetro, bastando a prova testemunhal ou exameclnico, quando impossvel a realizao da prova tcnica.IV. Afastada a imprescindibilidade da prova tcnica para aconfigurao do delito, deve ser determinada a cassao doacrdo recorrido, de modo que outro seja proferido com base na
jurisprudncia desta Corte.V. Recurso provido, nos termos do voto do Relator. (REsp n1.208.112/MG, Relator o Ministro GILSON DIPP, DJe de15/6/2011.)
Nesse mesmo sentido, ainda, HC n 178.882/RS (Relator o Ministro
Jorge Mussi, julgado em 18/8/2011), HC n 117.230/RS (Relatora a Ministra Laurita
Vaz, julgado em 23/11/2010), HC n 195.354/MT (Relator o Ministro Adilson Vieira
Macabu, julgado em 2/8/2011) e RHC n 26.432/MT (Relator o Ministro Napoleo
Nunes Maia Filho, julgado em 19/11/2009).
No caso dos autos, o Tribunal de Justia do Distrito Federal e Territrios,
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seguindo a mesma linha da Sexta Turma desta Corte, ao entendimento de que a Lei
n11.705/2008, por ser mais benfica, retroage, concedeu a ordem para trancar a
ao penal por atipicidade da conduta, j que nenhum exame tcnico fora feito noacusado a fim de comprovara quantidade mnima de lcool por litro de sangue.
Muito embora essa tese, num primeiro momento, aparente ser
irrecusvel, entendo que o tema merece maiorreflexo.
O recorrido foi denunciado pela prtica do crime previsto no art. 306 do
Cdigo de Trnsito Brasileiro, que possua a seguinte redao poca dos fatos:
Art. 306. Conduzir veculo automotor, na via pblica, sob ainfluncia de lcool ou substncia de efeitos anlogos, expondo adano potencial a incolumidade de outrem:
Penas -deteno, de seis meses a trs anos, multa e suspensoou proibio de se obter a permisso ou a habilitao para dirigirveculo automotor.
Ocorre que, em 19 de junho de 2008, entrou em vigor a Lei
n11.705/2008, a chamada "Lei Seca", que, conquanto tenha mantido a mesma pena,
alterou a redao do caputdo referido artigo nos seguintes termos:
Art. 306. Conduzir veculo automotor, na via pblica, estando comconcentrao de lcool por litro de sangue igual ou superior a 6(seis) decigramas, ou sob a influncia de qualquer outrasubstncia psicoativa que determine dependncia :
Penas -deteno, de seis meses a trs anos, multa e suspensoou proibio de se obter a permisso ou a habilitao para dirigirveculo automotor.
Pargrafo nico. O Poder Executivo federal estipular aequivalncia entre distintos testes de alcoolemia, para efeito decaracterizao docrime tipificado neste artigo.
Em razo desse pargrafo nico, foi editado o Decreto n6.488, de 19 de
junho de 2008, disciplinando a equivalncia entre os distintos testes de alcoolemia
para efeitos de caracterizao do referido crime, in verbis:
Art. 2
oPara os fins criminais de que trata o art. 306 da Lei n
o9.503, de 1997 - Cdigo de Trnsito Brasileiro, a equivalnciaentre os distintos testes de alcoolemia a seguinte:
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I - exame de sangue: concentrao igual ou superior a seisdecigramas de lcool por litro de sangue; ou
II - teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilmetro):concentrao de lcool igual ou superior a trs dcimos demiligrama por litro de ar expelido dos pulmes.
indiscutvel que a inteno do legislador, ante os anseios da sociedade
porum trnsito mais seguro, j que o Brasil o pas em que mais se mata e morre no
trnsito, foi a de estabelecermaiorrigorao condutor que dirigir embriagado, o que se
pode verificarpela simples leitura do art. 1 da Lei, in verbis:
Art. 1 o Esta Lei altera dispositivos da Lei no 9.503, de 23 desetembro de 1997, que institui o Cdigo de Trnsito Brasileiro,com a finalidade de estabelecer alcoolemia 0 (zero) e de imporpenalidades mais severas para o condutor que dirigir sob ainfluncia do lcool, e da Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996,que dispe sobre as restries ao uso e propaganda deprodutos fumgeros, bebidas alcolicas, medicamentos, terapias edefensivos agrcolas, nos termos do 4o do art. 220 daConstituio Federal, para obrigar os estabelecimentoscomerciais em que se vendem ou oferecem bebidas alcolicas a
estampar, no recinto, aviso de que constitui crime dirigir sob ainfluncia de lcool.
Ademais, a nova lei, apesarde manter a possibilidade de aplicao dos
institutos despenalizadores previstos na Lei n 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais),
para os crimes de trnsito de leso corporal culposa, faz ressalva expressa nos casos
em que o agente estiver "sob a influncia de lcool ou qualquer outra substncia
psicoativa que determine dependncia" (art. 291, 1, inciso I, do CTB, includo pela
Lei n 11.705/2008).
Portanto, conclui-se que o indivduo que causar leso corporal culposa na
direo de veculo automotor, e que estiversob a influncia de lcool, no poder mais
ser beneficiado com proposta de conciliao civil, tampouco com o benefcio da
transao penal, evidenciando, sem dvida alguma, o maiorrigorda lei.
Alm disso, impende ressaltar que para a caracterizao do crime do art.
306 do CTB, em sua redao anterior, era preciso que o condutor estivesse "sob ainfluncia de lcool" e "expondo a dano potencial a incolumidade de outrem", isto ,Documento: 1114564 - Inteiro Teordo Acrdo - Site certificado - DJe: 04/09/2012 Pgina 13de 108
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alm da ingesto de lcool, deveria ficarcomprovada a direo anormal do veculo,
por exemplo, a conduo em zigue-zague, ou na contramo, ou em cima da calada, o
que, a par da divergncia doutrinria e jurisprudencial existente, denotava o ntidocarter de crime de perigo concreto do tipo penal, exigindo-se, portanto, um risco
potencial de dano ao bemjurdico tutelado pela norma.
Todavia, com a mudana trazida pela denominada "Lei Seca", no mais
preciso que se constate a direo anormal do veculo para caracterizaro crime, em
que pese a opinio contrria de parcela da doutrina e jurisprudncia, bastando que o
condutordo veculo esteja com concentrao de lcool por litro de sangue igual ou
superiora 6 decigramas.
Apesarde no sera questo aqui tratada, a meu ver, agora indiscutvel
que o crime do art. 306 do Cdigo de Trnsito Brasileiro de perigo abstrato, no se
exigindo qualquer resultado naturalstico para a configurao do delito.
Esse entendimento reforado por recente precedente do Supremo
Tribunal Federal que, inclusive, atestou a constitucionalidade dos crimes de perigo
abstrato. Eis a ementa respectiva:
HABEAS CORPUS. PENAL. DELITO DE EMBRIAGUEZ AOVOLANTE. ART. 306 DO CDIGO DE TRNSITO BRASILEIRO.ALEGAO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO REFERIDOTIPO PENAL POR TRATAR-SE DE CRIME DE PERIGOABSTRATO. IMPROCEDNCIA. ORDEM DENEGADA.I - A objetividade jurdica do delito tipificado na mencionadanorma transcende a mera proteo da incolumidade pessoal,para alcanar tambm a tutela da proteo de todo corpo social,asseguradas ambas pelo incremento dos nveis de segurananas vias pblicas.II - Mostra-se irrelevante, nesse contexto, indagar se ocomportamento do agente atingiu, ou no, concretamente, o bem
jurdico tutelado pela norma, porque a hiptese de crime deperigo abstrato, para o qual no importa o resultado. Precedente.III No tipo penal sob anlise, basta que se comprove que oacusado conduzia veculo automotor, na via pblica,apresentando concentrao de lcool no sangue igual ou superiora 6 decigramas por litro para que esteja caracterizado o perigo aobemjurdico tutelado e, portanto, configurado ocrime.
IV Por opo legislativa, no se faz necessria a prova do riscopotencial de dano causado pela conduta do agente que dirige
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embriagado, inexistindo qualquer inconstitucionalidade em talpreviso legal.V Ordem denegada. (HC n109.269/MG, Relator o Ministro
RICARDO LEWANDOWSKI , DJe de 11/10/2011.)
Alis, foijustamente por esse motivo que o legislador ordinrio, retirando
da norma a parte "sob a influncia de lcool" e "expondo a dano potencial a
incolumidade de outrem", estabeleceu a quantidade mnima de lcool por litro de
sangue no tipo penal, para encerrar de vez essa discusso - se crime de perigo
concreto ou abstrato - e, consequentemente, estabelecera chamada "tolerncia zero"
aos condutores que persistirem em dirigir embriagados, mostrando-se irrelevante
verificarse o comportamento do indivduo atingiu concretamente ou no o bemjurdico
protegido.
Se estas s no bastassem, h ainda mais evidncias do esprito de que
se imbuiu o legislador.
Como se sabe, a Lei n11.705/2008 foi fruto da converso, com
inmeros acrscimos, da Medida Provisria n415/2008, que tratava basicamente da
proibio de comercializao de bebidas alcolicas em rodovias federais.
Do trmite legislativo de converso, colhe-se o parecer da Comisso
Mista responsvel pelo projeto apresentado ao Plenrio do Congresso Nacional,
expresso dos reais motivos que levaram os parlamentares a implementarem
mudanas mais profundas no Cdigo de Transito Brasileiro do que aquelas
pretendidas inicialmente com a aludida Medida Provisria:
No de comrcio ou trnsito que a medida provisria cuida. Elacuida da vida de cada brasileiro!Sabe-se dos elevados ndices de acidentes de trnsito no Pas ede sua relao com a embriaguez ao volante. De fato, em todo omundo - no apenas no Brasil - se reconhece que essa umaconduta que atenta contra a segurana de passageiros epedestres, contra o patrimnio pblico e o privado, e que causadanos irreparveis. Nada mais acertado, ento, do que buscaruma legislao rigorosa com vistas a combater qualquerelemento ou condio que possa facilitar o consumo de bebidasalcolicas pelos motoristas.
(...)Na iniciativa de imprimir maior severidade no julgamento dos
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condutores que cometem crimes de trnsito ao dirigirem sob ainfluncia de lcool ou de qualquer outra substncia psicoativa,contou-se com a destacada colaborao da Frente Parlamentar
pela Segurana de Trnsito, do Comit Nacional de Mobilizaopela Sade, Segurana e Paz no Trnsito e, em especial, doDeputado Beto Albuquerque, incansvel defensor de um trnsitomais seguro no Pas.As propostas visando a atender tal propsito passamnecessariamente pela intransigncia mxima quanto a qualquerpossibilidade de tolerncia ou condescendncia com condutascriminosas no trnsito. Isso, porque pesa demasiado a todos terde conviver, comoj foi dito repetidas vezes, com tantos sinistrosdecorrentes da violncia de trnsito que ceifam milhares de vidase deixam feridos ou incapazes milhares de brasileiros,
anualmente, causando traumas incomensurveis para as famliasvitimadas e prejuzos gigantescos para o Pas.(...)Para esse art. 306, conforme emenda da Senadora Lcia Vnia,recomenda-se a alterao da sua redao para evitar darmargem a qualquer interpretao favorvel ao condutor que dirigirsob a influncia do lcool ou de qualquer outra substnciapsicoativa que determine dependncia.
certo que o art. 306 do Cdigo de Trnsito Brasileiro poderia terumaredao mais apropriada, que evitasse a possibilidade de interpretao que
esvaziasse seu contedo e a prpria finalidade de poltica pblica de fundamental
importncia e alcance social.
Todavia, isso no quer dizer que o Poder Judicirio deva se restringira
uma interpretao meramente literal da norma, desprezando a indiscutvel inteno do
legisladorem tornar ainda mais rigorosa a punio para os motoristas que dirigirem
embriagados (mens legislatoris), bem como os fins sociais a que se destina a norma(mens legis).
Se certo que o objetivo manifesto do legisladorno o nico fator a
orientara interpretao, tambm no menos verdade que a legitimidade democrtica
e o pluralismo que marcam o debate parlamentar devam ser levados em considerao
quando da interpretao de um texto normativo.
A interpretao das normas jurdicas tambm deve considerar osaspectos sistemtico, teleolgico e histrico, no sendo possvel o processoDocumento: 1114564 - Inteiro Teordo Acrdo - Site certificado - DJe: 04/09/2012 Pgina 16de 108
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hermenutico dissociado do contexto histrico e social no qual foi produzida a norma
interpretada.
Vlido, no ponto, relembrara precisa afirmao de Gadamer, no sentido
de que "o isolamento do enunciado, sua separao de todo e qualquer contexto
motivacional, algo problemtico, quando se considera o todo da cincia", sendo certo
que o melhormodo para a superao do isolamento a sua contextualizao histrica
(GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Mtodo: complementos e ndices. Petrpolis:
Vozes, 2002, p. 229).
O texto legal deve ser respeitado sempre como o ponto de partidaobrigatrio para o intrprete. Contudo, parece-nos superada a viso clssica na qual
bastaria ao aplicadora mera subsuno do fato hiptese legal, atividade que haveria
de ser despida de todo e qualquer juzo de valor, como nas famosas palavras de
Montesquieu: "Mais les juges de la nation ne sont, comme nous avons dit, que la
bouche qui prononce les paroles de la loi; des tres inanims qui n'en peuvent modrer
ni la force ni la rigueur"(De l'esprit des lois. Livre XI, chapitre VI, 1748).
Por certo, tem sido recorrentemente admitido que a norma no seconfunde com a letra da lei (VILA, Humberto. Teoria dos Princpios: Da definio
aplicao dos princpios jurdicos. 5 ed. So Paulo: Malheiros, 2006, pp. 30/32),
surgindo apenas como o resultado do trabalho interpretativo, da construo ou
reconstruo de sentidos que se faz dos preceitos lingusticos.
No direito penal a matria se revela particularmente problemtica, eis
que, como alertam Jescheck/Weigend, [l]a pretensin de obediencia del Estado
absoluto condujo as al mismo resultado que el miedo de la ciudadana libre a la
arbitrariedad judicial: a una rigurosa vinculacin del Juez al tenor literal de la Ley.
(JESCHECK, Hans-Heirinch; WEIGEND, Thomas. Tratado de Derecho Penal: Parte
General. Trad. Miguel Olmedo Cardenete. 5 ed. Granada: COMARES, 2002, p. 164).
De fato, em tempos de valorizao do labor criativo do intrprete, ao
menos no campo penal, a vinculao dojulgador letra da lei pode representartanto
um vcio quanto uma virtude. E por isso que se defende a atuao do intrpreteapenas naquele espao permitido pela literalidade do texto (Assim em ROXIN, Claus.Documento: 1114564 - Inteiro Teordo Acrdo - Site certificado - DJe: 04/09/2012 Pgina 17de 108
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Derecho Penal: Parte General. Tomo I. Madrid: Civitas, 2007, pp. 148/149; e DIAS,
Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Tomo I. 2 ed. Coimbra: Coimbra,
2007, pp. 187/191).
Nesta busca pelo sentido mais adequado a ser atribudo ao diploma
normativo ganham relevncia os fins almejados pela norma, o contexto histrico em
que inserida e as pretenses sociais corporificadas nas decises polticas do
legislador. Afinal, [f]rente a la ley, ante la ley, est la inmensa veriedad de la vida.
(JIMNEZ DE ASA, Luis. La Ley Penal y su Interpretacin. Habana: Jesus Montero,
1949, p. 165).
No caso especfico da Lei n11.705/2008, como j salientado, tais
fatores e circunstncias da vida apontam para uma tentativa legtima do legisladorde
reduzir os elevados ndices de mortes em incidentes de trnsito provocados, em
grande parte pelo consumo do lcool, adotando, para isso, diversas medidas, inclusive
o endurecimento da norma penal.
A meu ver, portanto, a insero no tipo incriminador de uma taxa de
alcoolemia procurou estabelecer um padro cientfico mnimo para o surgimento, na
pessoa, de sintomas aptos a prejudicaros reflexos e o discernimento imprescindveis
direo segura de veculo automotor.
Como se v, a opo do legislador passou ao largo de estabelecermaior
proteo aos condutores contra um suposto subjetivismo na avaliao do seu estado
de embriaguez. Este um dado importante e no deve ser nem ignorado nem
diminudo.
No podemos esquecer que uma das funes do Direito Penal ditadas
pelo Estado Democrtico de Direito , justamente, a proteo dos bens jurdicos
dotados de grande relevncia tanto para a sobrevivncia quanto para o
desenvolvimento dos homens num ambiente social (Por todos: ROXIN, Claus. Derecho
Penal: Parte General. Tomo I. Madrid: Civitas, 2007, p. 56).
E a norma do art. 306 do Cdigo de Trnsito Brasileiro busca tutelarno
s um trnsito seguro, mas tambm, em ltima anlise, a vida, a integridade fsica e a
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propriedade das pessoas.
Indiscutvel a importncia que o trfego terrestre de veculos ostenta para
a sociedade moderna. Trata-se de um sistema complexo fundado essencialmente no
cumprimento de regras especficas e na confiana que cada participante deposita no
comportamento dos demais.
Na feliz expresso de Cssio Mattos Honorato, nem s de liberdades
vive-se no trnsito (HONORATO, Cssio Mattos. Trnsito Seguro: Direito fundamental
de segunda dimenso. In Revista dos Tribunais, ano 100, set/2011, vol. 911, p. 118).
O sistema de trnsito no se sustenta com atitudes individualistas e cada
regra descumprida uma potencial fonte de riscos para os outros participantes. Riscos
que vo de meros aborrecimentos cotidianos a verdadeiras tragdias.
Exatamente por isso, dirigir veculo automotorno constitui uma liberdade
pura e plena, exigindo-se para seu exerccio que o pretendente esteja qualificado,
preencha os requisitos legais e obtenha a autorizao estatal.
Como quase tudo nessa vida, no h direitos sem responsabilidades, e
para o pleno gozo desta liberdade individual, necessrio se faz o seu justo equilbrio
com o direito coletivo de segurana.
Esse equilbrio, bom que se diga, deve ser estabelecido pelo Poder
Legislativo pelas vias legtimas. Foi o que ocorreu com a edio da Lei n11.705/2008,
no que toca ao tipo penal do art. 306.
Por isso, admitir uma interpretao puramente gramatical da norma deregncia, no sentido de se entender indispensvel, para a caracterizao do crime do
art. 306 do CTB, a realizao de exames tcnicos ("bafmetro" ou exame de sangue),
seria esvaziar, por completo, o tipo penal e, consequentemente, a proteo dos
referidos bensjurdicos.
Muito deste esvaziamento se deve doutrina segundo a qual o indivduo
surpreendido pela autoridade policial, ou seus agentes, na direo de veculo
automotor, com sinais de estar alcoolizado, no estaria de nenhum modo obrigado a
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se submeteraos testes de alcoolemia, seja cedendo uma amostra de seu sangue, seja
expirando o arde seus pulmes em um etilmetro.
Argumenta-se que estaria o sujeito ao abrigo de uma garantia
fundamental, de um princpio de no autoincriminao que atribuiria aos acusados em
geral a prerrogativa de no produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se
detegere).
Os indivduos ostentariam, portanto, o direito de no colaborarem com a
produo de provas que buscassem, ao fim, a sua prpria condenao. Desta negativa
no se poderia, por bvio, extrair quaisquer consequncias a eles prejudiciais, eis queo nus desta prova no lhes competiria.
Pois bem. Esta garantia fundamental encontra origem no direito
anglo-saxo do sculo XVII (FERRAIJOLI, Luigi. Derecho y Razn: Teora del
garantismo penal. Madrid: Trotta, 1995, p. 608), e voltou-se desde seu nascedouro ao
reconhecimento de maiores prerrogativas de defesa para o acusado. O que primeiro
lutava para evitara tortura e toda a sorte de coaes fsicas e morais em busca de
uma confisso a qualquer preo, foi ganhando peso e flego para fulminaroutros tipos,ainda que indiretos, de participao do ru na atividade probatria da acusao.
(COUCEIRO, Joo Claudio.A garantia constitucional do direito ao silncio. So Paulo:Revista dos Tribunais, pp. 24/28).
O fundamento normativo dessa garantia pode ser encontrado no texto
constitucional, tanto a partirda correlata clusula de direito ao silncio do art. 5, LXIII,
da Constituio Federal (e contemplado posteriormente no art. 186 do CPP), quanto
de uma interpretao conjugada dos dispositivos consagradores da presuno de
inocncia (art. 5, LVII), da ampla defesa (art. 5, LV) e do devido processo legal (art.
5, LIV).
Sua forma mais clara e direta, entretanto, vem exposta na Conveno
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jos da Costa Rica, de 1969,
promulgada no Brasil pelo Decreto n678/1992), mais precisamente em seu art. 8, 2,
"g", que assim dispe:
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Artigo 8Garantias Judiciais:(...)
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presumasua inocncia enquanto no se comprove legalmente sua culpa.Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade,s seguintes garantias mnimas:(...)g) direito de no ser obrigado a depor contra si mesma, nem adeclarar-se culpada;
No se pode seriamente questionara importncia desta garantia em um
Estado Democrtico de Direito. Contudo, importante lembrar que, assim como todo equalquer direito ou garantia fundamental, ela no absoluta.
Levada ao extremo, a garantia de no produzir prova contra si poderia
ser oposta prpria identificao criminal (inclusive nas hipteses previstas pela lei),
ao ato de reconhecimento de pessoas (OLIVEIRA, Eugnio Pacelli de. Curso de
Processo Penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 346), acareao entre
o ru e quem quer que seja, s revistas quando houvesse fundada suspeita (pense-se
na suspeita de crime de trfico internacional de drogas e a tradicional revista
empreendida nos aeroportos TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo
Penal. Vol. 3. 29 ed. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 229), e assim por diante, at que a
racionalidade do sistema processual penal ou sua prpria operacionalidade se vissem
totalmente comprometidos. Neste ponto estaria cristalizado um verdadeiro direito a
delinquir.
Precisas so as palavras de Maria Elizabeth Queijo, fruto das reflexes
insertas em sua tese de doutoramento:
O nemo tenetur se detegere direito fundamental que noapresenta limites expressos na Constituio brasileira, assimcomo em textos constitucionais estrangeiros.Mas a inexistncia de limites expressos na prpria Constituioou na legislao infraconstitucional no significa que o nemotenetur se detegereseja um direito absoluto.Os limites do nemo tenetur de detegere so imanentes,implcitos e decorrem da necessidade de coexistncia com outros
valores que, igualmente, so protegidos pelo ordenamento, emsede constitucional.
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A definio dos limites aonemo tenetur de detegerediz respeito soluo do conflito entre o exerccio do referido direitofundamental e a necessidade de preservao de outros bens
protegidos constitucionalmente, representados pela seguranapblica e a paz social, que so alcanados por meio dapersecuo penal.Assim, a limitao ao nemo tenetur se detegerejustifica-seteleologicamente: a paz social e a segurana pblica so bensrelevantes socialmente e so protegidos pela ConstituioFederal. (O direito de no produzir prova contra si mesmo: Oprincpio nemo tenetur se detegere e suas decorrncias noprocesso penal. So Paulo: Saraiva, 2003, pp. 355/356).
Alis, a mesma Conveno que institui expressamente a garantia aponta,
mais adiante, para a possibilidade de sua restrio. Veja-se o que dispe o art. 32 da
dita Conveno:
Captulo V-DEVERES DAS PESSOAS
Artigo 32 -Correlao entre deveres e direitos
I . Toda pessoa tem deveres para com a famlia, acomunidade e a humanidade.
I I . Os direitos de cada pessoa so limitados pelos direitosdos demais, pela segurana de todos e pelas justas exignciasdo bem comum, em umasociedade democrtica.
Parece-me, fora de dvida, que o direito a um trnsito seguro, livre dos
riscos inerentes ao binmio lcool-direo, seja uma razovel exigncia do convvio
social.
A grande questo, na verdade, recai sobre os limites que devem ou
podem ser impostos quela garantia. Em outras palavras, a definio de seu mbito de
tutela, seu alcance normativo.
O incio da resposta, acredito, est na prpria natureza normativa da
garantia. Isso porque ela ostenta, a bem da verdade, um contedo principiolgico
(TROIS NETO, Paulo Mrio Canabarro. Direito no autoincriminao e direito ao
silncio. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2011, p. 135; QUEIJO, Maria Elizabeth. O
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direito de no produzir prova contra si mesmo: O princpio nemo tenetur se detegeree suas decorrncias no processo penal. So Paulo: Saraiva, 2003, pp. 68/69), e como
no poderia deixarde ser, sujeito a uma realizao gradual e ao delineamento de seusmbitos mximos de proteo a partir de inevitveis colises com outros princpios
igualmente fundamentais.
Nenhuma das normas em conflito possui prevalncia a priori sobre outra,
nem est limitada originalmente (SILVA, Virglio Afonso da. Direitos Fundamentais:
Contedo essencial, restries e eficcia. 2 ed. So Paulo: Malheiros, 2010, pp.
40/41). As restries que umas impem s outras s se daro numa situao de
conflito.
Assim, no caso em questo, se revela uma tenso inerente ao processo
penal: um interesse pblico na persecuo penal e um interesse individual no gozo de
seus direitos fundamentais.
Porum lado, a garantia integra o pleno direito de defesa do ru, uma
prerrogativa decorrente de sua liberdade, por outro, a sua aplicao maximizada
levaria ao esvaziamento do tipo penal e com ele a tutela oferecida pelo Estado aosbens jurdicos vida, integridade fsica, segurana e propriedade daqueles que, de
alguma forma, interagem no trnsito.
Ora, evidente que se o acusado no obrigado a apresentar provas
que possam incrimin-lo e, portanto, no pode ser compelido ao uso do etilmetro e
nem ao exame de sangue, no restaria nenhuma possibilidade de se viabilizar a
adequao tpica do fato.
Deixaramos a cargo do infratora persecuo penal, isto , somente seria
processado e condenado aquele que se submetesse voluntariamente a algum dos
referidos exames que, poresta interpretao, no seriam obrigatrios.
Em sntese, o tipo penal do art. 306 do Cdigo de Trnsito seria norma
penal dispositiva, intil para os nobres fins a que se destina.
Ora, "a nenhum modelo de Estado, por mais democrtico e garantistaque seja, interessa criarmeios para dificultara condenao de quem tenha praticadoDocumento: 1114564 - Inteiro Teordo Acrdo - Site certificado - DJe: 04/09/2012 Pgina 23de 108
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ilcitos penais, salvo quando justificadas pela exigncia de respeito aos direitos
fundamentais, tais como a proteo integridade fsica" (ALBUQUERQUE, Marcelo
Schirmer. A garantia de no auto-incriminao: extenso e limites. Belo Horizonte: DelRey, 2008, p. 51).
Por isso, entendo possvel que uma norma jurdica, em tese, venha a
prescrevercomo obrigatria a realizao dos exames tcnicos de alcoolemia, desde
que tal norma fosse entendida como consectrio de proteo aos mesmos bens
jurdicos que o tipo penal pretende tutelar. Talvez o interesse poltico criminal de
proteo de bensjurdicos venha em algum momento a predominar sobre o direito do
motorista de no se verconstrangido a produzir provas contra si.
Vale relembrar a advertncia de Avolio: "No concerto das liberdades
pblicas h de se ter presente uma harmonia global que impea o exerccio de uma
delas em detrimento das liberdades alheias ou de ordem pblica" (AVOLIO, Luiz
Francisco Torquato. Provas Ilcitas: interceptaes telefnicas, ambientais e gravaes
clandestinas. 3 ed. So Paulo: RT, 2002, p. 22).
A limitao ou at o afastamento da garantia nos casos de recusa docondutor a se submeter aferio de alcoolemia no novidade em pases que
compartilham conosco certas tradies jurdicas como Portugal (art. 152, n3, do
Cdigo de Estrada portugus e 348 do Cdigo Penal), Espanha (art. 383 do Cdigo
Penal espanhol) e Itlia (art. 186, n7, do Cdigo de Estrada italiano). Nem por isso
poderamos rotul-los de Estados arbitrrios ou autoritrios.
Na Suprema Corte Norte-Americana e no Tribunal Constitucional
Europeu, por exemplo, diferente da jurisprudncia dominante brasileira, prevalece o
entendimento no sentido de que no ofende o princpio do nemo tenetur se detegere
o deverde submisso do condutorde veculo ao teste de alcoolemia, j que ele no
obrigado a emitiruma declarao de culpabilidade, isto , ele no est sendo obrigado
a se autoincriminar, mas to somente a se submetera uma percia de resultado incerto
(SANGUIN, Lvia de Maman. O direito de no produzir prova contra si mesmo no
Direito comparado: nemo tenetur se detegere. Boletim IBCCRIM, Ano 18, n 221,
abril de 2011, pp. 10/11).
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O apanhado da doutrina ejurisprudncia indica que a garantia em exame
alcanou, no Brasil, dimenso, extenso e prestgio jamais verificados nos sistemas
judiciais com tradio de respeito dignidade da pessoa humana e ao devidoprocesso legal.
Em suma, o que nos pases que dispem de avanados sistemas
jurdicos relativo, aqui absoluto.
at permitido defender que o ordenamento jurdico atual contemple
uma flexibilizao expressa que, se no chega a atingir um dever de participar
ativamente da produo de provas, oferece algumas alternativas. Estes so os termosdo art. 277 do Cdigo de Trnsito Brasileiro:
Art. 277. Todo condutor de veculo automotor, envolvido emacidente de trnsito ou que for alvo de fiscalizao de trnsito,sob suspeita dedirigir sob a influncia de lcool ser submetido atestes de alcoolemia, exames clnicos, percia ou outro exameque, por meios tcnicos ou cientficos, em aparelhoshomologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.(Redao dada pela Lei n 11.275, de 2006)
O dispositivo elenca uma srie de medidas s quais o motorista estaria
submetido, sem estabelecer uma ordem ou hierarquia entre elas. A obrigao ali
inserida diz respeito aferio da alcoolemia em geral. Indaga-se: seria a garantia
fundamental ora analisada suficiente a afastar todas as alternativas descritas no
art.277? Penso que no.
O entendimento encampado pela doutrina reconhece que o indivduo no
pode ser compelido a colaborarcom os referidos testes do bafmetro ou do exame
de sangue, em respeito ao princpio segundo o qual ningum obrigado a se
autoincriminar (sem qualquer pretenso de exaustividade: LOPES JR., Aury. Direito
Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 8 ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2011, pp. 192 e ss; FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal
Constitucional. 6 ed. So Paulo: Saraiva, 2010, p. 263; GRINOVER, Ada Pellegrini;
GOMES FILHO, Antonio Magalhes; FERNANDES, Antonio Scarance. As Nulidades
no Processo Penal. 12 ed. So Paulo: Saraiva, 2011, pp. 77/80 e 127).
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Outra tambm no tem sido a posio esposada pelo Supremo Tribunal
Federal com relao a situaes semelhantes, embora no idnticas. Tem-se
considerado amplo o campo de incidncia da garantia em diversas oportunidades,como no caso de fornecimento de padres grficos para percia (HC n77.135/SP,
Relatoro Ministro Ilmar Galvo, DJ de 06/11/1998), de participao em reconstituio
simulada dos fatos (HC n69.026/DF, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de
04/09/1992), de fornecimento de padres vocais (HC n83.096/RJ, Relatora a Ministra
Ellen Gracie, DJe de 12/12/2003), de faltar com a verdade em interrogatrio (HC
n68.929/SP, Relatoro Ministro Celso de Mello, DJ de 28/08/1992; HC n75.257/RJ,
Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 06/10/1995), e, por fim, de se negar aparticipar de exame de dosagem alcolica (HC n93.916/PA, Relatora a Ministra
Carmem Lcia, DJe de 27/06/2008), sendo certo que o ltimo acrdo no logrou
identificara que exames havia o denunciado se oposto.
Uma leitura apurada dos precedentes indica uma tendncia de expanso
constante da incidncia da garantia, sem que reste identificada qualquer limitao
expressa (BOTTINO, Thiago. O Direito ao silncio na jurisprudncia do STF. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2009, p. 117/137).
Porm, acredito que, mesmo estando o indivduo autorizado a recusaros
testes do bafmetro e do exame de sangue, segundo a doutrina e jurisprudncia j
referidas, a mesma concluso no pode ser estendida a todos os demais meios de
prova, notadamente aqueles no invasivos e que no tragam qualquer risco a
integridade fsica.
H descrito no art. 277 do Cdigo de Trnsito Brasileiro, e tem-se aceito
na jurisprudncia deste Tribunal, ao menos uma medida razovel que consegue
conciliar os direitos fundamentais do ru, preservando-os com o mnimo de
interveno possvel, ao mesmo tempo em que permite ao Estado acusador se
desincumbirdo nus probatrio e do deverda persecuo penal, e, mais, da proteo
do direito fundamental coletivo de segurana.
A aludida medida que preenche estes requisitos satisfatoriamente oexame clnico conduzido por mdico-perito, sem excluso, por bvio, de outras que
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sigam os mesmos princpios de no interveno e confiabilidade.
Como dito linhas atrs, a tenso entre os princpios em conflito no caso
concreto reclama uma soluo em termos de limites (TROIS NETO, Paulo Mrio
Canabarro. Direito no autoincriminao e direito ao silncio. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2011, p. 137), limites estes que ho de passarpelo mesmo crivo da
proporcionalidade que, imagino, tenha fulminado a pretenso de obrigatoriedade de
submisso do acusado aos exames de sangue e de ar expirado.
Naquelas situaes prevaleceu o direito fundamental no
autoincriminao em face do dever de persecuo do Estado, que impunha ou ummeio de prova interventivo invasivo (exame de sangue) ou um colaborativo ativo
(etilmetro). Desta vez, o Estado lana mo de outra medida limitadora daquele direito,
no caso, a obrigao de se submeterao exame clnico, um meio colaborativo passivo,
embora possa envolver eventualmente alguma participao ativa do examinando.
(QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de no produzir prova contra si mesmo: O princpio
nemo tenetur se detegere e suas decorrncias no processo penal. So Paulo:
Saraiva, 2003, pp. 260/261).
Numa primeira anlise, talvez a mais importante, v-se que o exame
clnico , em si, medida idnea a atingiro fim almejado, qual seja, a comprovao de
indcios de materialidade suficientes para a instaurao da ao penal.
De fato, no me parece correta a alegao de que seriam justamente os
testes tcnicos (etilmetro e sanguneo) os nicos capazes de identificaro elemento
objetivo do tipo, consistente na presena de 6 ou mais decigramas de lcool por litro
de sangue.
Bem ressaltou em seu voto, o ilustre Desembargador do TJDFT (fls.
87/92), citando o saudoso Nelson Hungria, que nenhuma interpretao pode levaro
exegeta ao absurdo.
E acredito que uma interpretao que proponha, a um s tempo, ignorar
os anseios sociais e as evidncias cientficas envolvidos no momento de gnese da lei
e que perduram at hoje , esvaziar uma lei que pretende ser mais rigorosa, e
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condicionara deflagrao da ao penal a um ato de vontade do ru, nada mais do
que deixar levar-se ao absurdo.
A interpretao, como se sabe, deve sempre conduzir ao entendimento
que assegure a maiorutilidade prtica do dispositivo, isto , que possibilite sua justa
aplicao ao caso concreto, no bastando apenas atestarsua validade lgica que, no
presente caso, teria como consequncia o esvaziamento total de seu significado.
Admitira interpretao literal do dispositivo em comento equivale a dizer
que aquele infrator parado numa blitz policial que sai cambaleando do veculo, com os
olhos vermelhos, hlito etlico indisfarvel, com garrafas de bebidas alcolicas nointeriordo automvel, que confessa ter bebido o dia inteiro, mas se recusa a fazero
teste do "bafmetro" ou ao exame de sangue, no poder ser preso em flagrante,
processado criminalmente e tampouco condenado.
A prevalecer esse entendimento, risco para a sociedade s apresentar
aquele que, alm de tudo isso, forimprudente o suficiente para consentirem sopraro
bafmetro.
Por certo, essa situao no pode ser tolerada pelo intrprete da lei, visto
que, como dito anteriormente, o bem jurdico tutelado pela norma ficaria totalmente
desprotegido.
A interpretao meramente literal da referida norma penal ensejaria
verdadeira desproteo sistmica, com a perda de funcionalidade do sistema
constitucional de proteo de bemjurdico coletivo fundamental, a segurana, em prol
do interesse individual, bem como a subverso da natureza da norma penal, queperderia seu atributo fundamental o carter cogente -, por simples desejo daquele
que no querse submeterao processo penal.
Com efeito, no h direito fundamental do cidado a praticar crime e no
ser punido. O princpio nemo tenetur se detegere no pode, em nenhuma hiptese,
contemplar essa situao.
bvio que o estado de embriaguez depende de uma srie de fatores,tais como idade, peso, sexo, hbito de beber, absoro gstrica, dentre outros. DestaDocumento: 1114564 - Inteiro Teordo Acrdo - Site certificado - DJe: 04/09/2012 Pgina 28de 108
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forma, naqueles casos em que o condutor do veculo apresente determinadas
caractersticas de possvel embriaguez, s que decorrentes, por exemplo, de alguma
medicao especfica, ou tenha ingerido quantidade de lcool inferior fixada na lei,caber ao indivduo fazera contraprova por intermdio dos meios legais. Alis, poder
at se valerdo "bafmetro" ou do exame de sangue justamente como meio de defesa,
isto , para provar que no ingeriu lcool.
Na verdade, o valor de 6 decigramas de lcool por litro de sangue
constitui um indicativo mnimo da lei, resultado de pesquisa mdica no sentido de que
at essa quantidade a exteriorizao da embriaguez no se revela ntida, no havendo
modificao significativa nos reflexos do indivduo apta a prejudicar a direo de
veculo automotor, sendo certo que a partir da os sintomas comeam a aparecer.
A recusa do condutor realizao do teste do bafmetro ou do exame
de sangue deve ser entendida como uma renncia utilizao de um meio de prova
mais preciso, colocado livre disposio do sujeito, mas cujo descarte no impede o
Estado de lanarmo de outros meios igualmente confiveis para comprovaro fato
tpico.
A persecuo penal no disponvel para o ru, no pode estar
condicionada sua vontade. Evidentemente, a tese defensiva leva penalizao to
somente dos desavisados.
Quem aparentemente trilha esse mesmo raciocnio Aury Lopes Jr.,
aps reiterar que o ato de recusa do condutorem realizaros testes no pode ensejar
uma punio autnoma: O delito previsto no art. 306 dever ser apurado em devido
processo penal, onde caber ao acusador fazer prova indireta da embriagueze oexerccio do direito ao silncio em nada prejudicar o acusado. (grifos nossos
Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 8 ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2011, pp. 620).
No h que se falaraqui em prova tarifada ou em hierarquia de provas.
Os exames tcnicos de alcoolemia ho de ser oferecidos aos condutores com
preferncia sobre os demais no porque valham mais, mas porserem mais exatos na
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aferio almejada.
Note-se. Mais exatos no significam nicos. No tm o condo de tornar
imprestveis os exames clnicos conduzidos por mdicos habilitados. Soa at leviano
sustentar que a anlise detida de um mdico sobre uma pessoa alcoolizada estaria
envolta em subjetivismos, discricionariedades ou que seria inadequado para atestar
um determinado patamar de embriaguez.
inegvel que o diagnstico clnico, tal como ocorrido no caso dos autos,
seria incapaz de definir a exata taxa de alcoolemia apresentada pelo indivduo. Ou
seja, sequer pretende afirmarque o examinando possui em seu sangue 3,5, 6 ou 8decigramas de lcool.
Em contrapartida, estudos mostram ser possvel estabelecer uma
correlao clara entre os sintomas identificados e uma faixa de variao de taxas de
lcool no sangue (ou um valor-referncia), e isto com razovel nvel de certeza
cientfica.
Por este tipo de diagnstico, a identificao da alcoolemia no aponta
uma taxa, mas uma faixa de variao ou um valor-referncia baseados em
levantamentos e estudos desenvolvidos pela doutrina mdica, sendo plenamente
vivel a constatao de um grau de intoxicao entre 1 e 5 decigramas, ou entre 9 e
25, a partirdos sinais que o sujeito ostenta naturalmente.
O nmero variado de procedimentos disposio do perito, de tabelas de
correlao, tampouco suficiente para fragilizara confiabilidade do exame clnico. Isso
porque em todas as tabelas, sem exceo, h ao menos uma faixa de variao cujondice mnimo superiora 6 decigramas.
Por bvio que a constatao de uma faixa hipottica entre 5 e 7
decigramas no poder serusada em desfavordo ru, tendo em vista a precariedade
dos critrios para o estabelecimento de uma determinada taxa dentro de uma mesma
faixa de variao. Prestigia-se, aqui, a presuno de inocncia.
Todavia, foge razoabilidade e ao bom senso sentenciar comoinconsistente uma avaliao conduzida por mdico-perito que conclua, por mais deDocumento: 1114564 - Inteiro Teordo Acrdo - Site certificado - DJe: 04/09/2012 Pgina 3 0de 108
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uma tcnica ou rotina, variaes de 9 a 25 ou de 8 a 15 decigramas de lcool por litro
de sangue. Faixas flagrantemente superiores ao mnimo exigido pela lei.
Confira-se, na linha do argumento acima, a lio da doutrina
especializada acerca dos sintomas caractersticos de indivduo que ingere determinada
quantidade de lcool:
Uma pesquisa realizada em So Paulo relacionou os sintomas(apresentados por motoristas) taxa de lcool no sangue,fazendo as seguintes observaes:* com taxas de 0,1 a 0,3 g/l: em geral os reflexos encontram-sepreservados.
* de 0,3 a 0,5 g/l: no h sinais clnicos aparentes, porm osreflexos comeam a ficar diminudos. Diminui a sensibilidadevisual. Diminui a percepo das distncias e da velocidade.* de 0,5 a 0,7 g/l: otempo de reao maior. Os reflexos motoresficam comprometidos. O motorista passa por um estado deeuforia e pode aumentar muito a velocidade.* de 0,8 a 1,5 g/l: a conduo de veculos consideradaaltamente perigosa. O motorista acha que est em condies dedirigire pode produzir srios acidentes.* de 1,6 a 3,0 g/l: o motorista v objetos duplicados.* de 3,0 a 5,0 g/l: embriaguez total. Conduo de veculos
impossvel. (COSTA, Lus Renato da Silveira. COSTA, BrunoMiranda. "A Percia Mdico-Legal". Campinas, SP: editoraMillennium, 2011, p. 231/232.)
Vale lembrar, ainda, que a tese quanto relevncia penal do quadro de 6
decigramas por litro de sangue no , em si, uma novidade, sendo certo que j se
fazia presente antes mesmo da reforma introduzida pela Lei n11.705/2008.
Conforme lecionava Fernando da Costa Tourinho Filho, ainda sob a gide
da redao anteriordos artigos 276 e 306 do Cdigo de Trnsito Brasileiro:
Na hiptese de alcoolemia, o art. 306 do Cdigo de TrnsitoBrasileiro erige categoria de crime conduzir veculo em viapblica sob a influncia de lcool ou substncia de efeitoanlogo, e o art. 276 desse mesmo diploma esclarece que aconcentrao de 6 decigramas de lcool por litro de sanguedemonstra que a pessoa est impedida de dirigir veculo. E a,como proceder? Ante a negativa do condutor em se submeter aoteste de alcoolemia e no se podendo presumir esteja com 4,5 ou
6 decigramas de lcool no sangue, no seria justo ficasse eleimpune, tampouco a prova testemunhal poderia precisar a
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quantidade de lcool concentrada no sangue. Se for menos de 6gramas, no haveria o crime (conjugando-se os arts. 306 e 276do CTB). Do contrrio, sim. (Processo Penal. Vol. 3. 29 ed. So
Paulo: Malheiros, 2007, p. 228).
A soluo sugerida pelo autor na ocasio no destoa da que aqui
sustento. Invocando precedente da Suprema Corte Norte-Americana (Schmerber v.
Califrnia), defende o professor a vedao dos procedimentos coativos de prova
quando demandarem a participao ativa do acusado, como si acontecer com os
exames de sangue e de ar expirado, ao passo que aqueles em que o sujeito
representa nada mais que uma fonte passiva de provas estariam autorizados pelaConstituio. Entendo ser o exame clnico justamente um exemplo desta ltima
hiptese.
Alis, dando continuidade anlise da exigncia de exame clnico sob a
tica da restrio a um direito fundamental, basta verificar, quanto necessidade da
medida, que a direo em estado de embriaguez, tipificada no art. 306 do Cdigo de
Trnsito Brasileiro, peculiarmente dependente da colaborao do ru, quanto mais
quando no se pretenda depender basicamente das provas testemunhais disponveis,
haja vista o descarte dos demais exames tcnicos, dependentes que so da anuncia
do prprio examinando.
Porfim, tambm em termos de ponderao, parece-me que a submisso
do agente a exame clnico apto a detectar o estado de embriaguez medida no
interventiva, como tambm no invasiva, e que demanda do examinando um mnimo
grau de cooperao.
Somados tais fatores relevncia deste meio de prova para a aferio
dos indcios de materialidade da infrao penal, relativizao dos demais testes
tcnicos de alcoolemia e, ainda, constatao de que o denunciado ter todo o curso
do processo penal com todas as suas garantias intactas, podendo vir a contraditar
inclusive o exame inicial, foroso concluir pela legitimidade e razoabilidade da
restrio.
No me convence, ainda, a alegao de que o pargrafo nico do art.
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306 do Cdigo de Trnsito Brasileiro faria referncia ao Decreto n6.488/08, que, por
sua vez, teria omitido a aferio meramente clnica embora regulamentasse a
equivalncia entre os distintos testes de alcoolemia.
Imperioso atentar para o fato de que a equivalncia ali estabelecida
meramente quantitativa, a 6 decigramas de lcool por litro de sangue equivaler 0,3
decigramas por litro de ar alveolar. De nenhuma forma se avalia naquele documento
requisitos mdicos, at mesmo porque o exame clnico composto de inmeros
testes, fugindo ao escopo de um texto normativo pautar uma rotina pericial, um
procedimento ou um mtodo cientfico de anlise em detrimento de outros.
Como visto, a depender dos sintomas do condutor do veculo no
momento da abordagem ou do exame clnico pelo mdico-legista, seria
completamente dispensvel a constatao, pormeio de percia tcnica, da quantidade
de 6 decigramas ou mais para a caracterizao do crime, visto que a sintomatologia
nos dar a certeza de que o limite, seguramente, foi ultrapassado.
Vale ressaltar, mais uma vez, que, para os casos em que os sintomas
tenham sido ocasionados por outros fatores diferentes do lcool, ou tenha ingeridoquantidade de lcool inferior fixada na lei, sempre ser possvel a contraprova, tanto
em sede policial - no momento da abordagem ou da realizao do exame clnico -
quanto na prpria audincia judicial, em que a defesa poder ouviro mdico-legista ou
o policial, caso entenda necessrio, bem como arrolar outras provas (contraditrio
diferido).
O que no se pode aceitar o trancamento prematuro da ao com
fundamento numa interpretao meramente literal da norma, deixando a persecuo
penal disposio do infrator e o bem jurdico tutelado na norma, protegido
constitucionalmente, completamente vulnervel.
A precipitao do trancamento ainda mais transparente quando se
exclui a possibilidade de, a depender do suporte probatrio levantado no processo,
ficarconfigurado, ao menos em tese, o crime de exposio a perigo do art. 132 do
Cdigo Penal, crime este expressamente subsidirio (PRADO, Luiz Regis. Curso deDireito Penal Brasileiro: Parte Especial Arts. 121 a 249. Vol. 2. 8 ed. So Paulo:Documento: 1114564 - Inteiro Teordo Acrdo - Site certificado - DJe: 04/09/2012 Pgina 3 3de 108
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Revista dos Tribunais, 2010, p. 143).
Registre-se, apenas a ttulo de informao, que, no ltimo dia 9 de
novembro, a Comisso de Constituio, Justia e Cidadania - CCJ do Senado Federal
aprovou o PLS n48/2011, da Relatoria do Senador Ricardo Ferrao (PMDB-ES), que
estabelece a possibilidade, para a caracterizao do crime do art. 306 do CTB, de
utilizao de outros meios de prova, diferentes do "bafmetro" ou do exame de
sangue, permitindo o exame clnico, prova testemunhal, imagens, vdeos, dentre
outros, verdadeira interpretao autntica da norma ora vigente, para acabar de vez
com as dvidas decorrentes da interpretao literal do referido dispositivo legal.
O parecer da Comisso pela aprovao da proposta faz, inclusive,
referncia expressa jurisprudncia firmada pela Egrgia Sexta Turma deste Superior
Tribunal de Justia, no sentido de super-la com uma nova redao para o tipo penal
que promete serainda mais abrangente e rigorosa.
Em resumo, conclui-se que a prova da embriaguez ao volante deve ser
feita, preferencialmente, mas no exclusivamente, por meio dos exames tcnicos,
quais sejam, o etilmetro ou o exame de sangue, podendo, todavia, ser suprida poroutros meios legais, tais como o exame clnico ou a prova testemunhal, notadamente
quando o estado de embriaguez for to evidente que no haja dvida de que a
quantidade mnima de 6 decigramas de lcool por litro de sangue tenha sido
ultrapassada.
Na hiptese dos autos, a embriaguez foi atestada pelo mdico-legista do
I.M.L. (fl. 50), prova apta, em princpio, a comprovar a materialidade do crime e,
consequentemente, a viabilizar o recebimento da denncia e o prosseguimento da
ao penal.
Saliente-se, ademais, que saberse essas provas sero suficientes para
embasarfutura condenao, questo que deve ser avaliada livremente pelojulgador
diante das peculiaridades de cada caso concreto, ou seja, caber ao juiz, quando da
cuidadosa e rigorosa valorao da prova e de sua motivao, uma atitude crtica
frente s fontes de prova, s regras utilizar, qualidade dos dados (IBNES,Perfecto Andrs. Valorao da Prova e Sentena Penal. Rio de Janeiro: EditoraDocumento: 1114564 - Inteiro Teordo Acrdo - Site certificado - DJe: 04/09/2012 Pgina 3 4de 108
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Lumen Jris, 2006, p. 183).
A interpretao norma do art. 306 do Cdigo de Trnsito Brasileiro,
acolhida nesta deciso, no tolhe do cidado o direito de ingerir bebida alcolica ou
mesmo de conduzir veculo. Impede, sim, de forma legtima, oportuna e necessria, a
explosiva e fatal combinao ingesto de lcool e direo de veculo automotor,
no esgotando ou impedindo as variadas alternativas de que dispem os interessados
para o exerccio destas duas projees de sua liberdade individual.
Na verdade, o que se busca evitar a antecipao do mrito da ao
penal, sem a garantia do devido processo legal, prestigiando-se a to almejadaparidade de armas, isto , o equilbrio entre as partes.
Ora, se certo que o sujeito no est obrigado a produzir provas contra
si, tambm certo que no se pode retirar do Ministrio Pblico o direito de tentar
produzira prova que, no presente caso, como j dito anteriormente, perfeitamente
possvel de ser viabilizada por outros meios diferentes do etilmetro ou do exame de
sangue.
Por bvio, essa prova sofrer o devido controle pelo Juiz da ao penal,
que certamente afastar aquelas que no ostentarem mnimos elementos de
convico aptos a ensejaruma eventual condenao ou at mesmo a propositura de
ao penal.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para restabelecera
deciso de primeiro grau que recebeu a inicial acusatria, bem como firmar o
entendimento no sentido de que a prova da embriaguez ao volante deve ser feita,preferencialmente, pormeio do etilmetro ou exame de sangue, podendo, contudo, ser
suprida por outros meios legais, tais como o exame clnico ou a prova testemunhal,
pelo menos para viabilizaro oferecimento da denncia e o regular prosseguimento da
ao penal.
como voto.
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RECURSO ESPECIAL N 1.111.566 - DF (2009/0025086-2) (f)RELATOR : MINISTRO MARCO AURLIO BELLIZZE
RECORRENTE : MINISTRIO PBLICO DO DISTRITO FEDERAL ETERRITRIOS
RECORRIDO : EDSON LUIZ FERREIRAADVOGADO : MARCELO TURBAY FREIRIA E OUTRO(S)INTERES. : DEFENSORIA PBLICA DA UNIO - "AMICUS CURIAE"ADVOGADO : RMULO COELHO DA SILVA - DEFENSOR PBLICO DA
UNIO
VOTO
O SR. MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADORCONVOCADO DO TJ/RS): Sra. Presidente, em primeiro lugar, quero cumprimentar o
brilhante voto, que mais do que um voto, um verdadeiro tratado completo sobre esta
matria trazida a ns pelo culto e jovem Ministro Bellizze.
S. Exa. abordou todos os aspectos, entre os quais a mens legislatoris, a poca da lei, o
perigo abstrato, a epidemia do trnsito que, hoje, mata e fere, o art. 306, fez uma exegese do
mesmo, a inutilidade da norma se deixar ao arbtrio do interessado a prova contra si. Abordou
doutrina nacional, doutrina estrangeira e, afinal, concluiu que a prova da embriaguez aovolante comporta outros meios a par dos meios, digamos, essenciais e preferidos ou melhores,
que seriam a alcoolemia e o bafmetro.
Diria, eminentes Colegas, aps ouvir o voto, que estou de acordo com o entendimento
do eminente Ministro Relator.
Para no dizer que no trago contribuio alguma, apenas leria um trecho de uma
doutrina que, parece-me, tem aplicao algo leve, rpido tese trazida, enfim, ao voto
aqui reportado pelo eminente Ministro Relator, que diz o seguinte:
"O posicionamento de nosso Judicirio j se firmou no sentido de que asliberdades individuais devem ser protegidas durante o Processo Penal. Poreste motivo as garantias constitucionais do silncio, da ampla defesa e doprincpio de inocncia so levados ao extremo.
O indivduo no obrigado a produzir prova contra si mesmo. Ele no obrigado a participar da reconstituio do crime nem obrigado a fazerexames invasivos (como DNA, por exemplo).
No caso deste crime em especfico creio que o julgador devesse dar umtratamento especial ao aparente conflito de normas. Como diz NERY JR.,
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direitos constitucionais aparentemente em conflito ou antagnicos devemser harmonizados e compatibilizados entre si pelo intrprete e aplicador danorma. No deve ser diferente no caso em tela.
Cada caso um caso e o julgador dever interpretar o direito com base nocaso concreto. Se a ampla defesa, a presuno de inocncia e o contraditrioso princpios constitucionais, a proporcionalidade tambm o . Segundo oprincpio da proporcionalidade o julgador e aplicador da norma, diante doconflito de normas constitucionais, dever levar em considerao os bens
jurdicos envolvidos e dentre elas, escolher aquele de maior relevnciasocial.
Os direitos individuais e os direitos coletivos so protegidos pela mesmaconstituio. No podemos olvidar o fato de que, a noo do prprio direitosubjetivo pressupe uma limitao. Se existe um direito porque elecomporta limitaes em prol dos direitos coletivos.
A obrigatoriedade da utilizao do bafmetro SE FOSSE INSTITUDA, oseria com finalidade de assegurar a segurana nas estradas e a garantia vida dos demais usurios da via pblica. Sopesando-se os bens jurdicosprotegidos (vida e integridade da sociedade x intimidade do indivduo) noresta dvida de que o julgador deveria se posicionar em favor dacoletividade."
Concluo dizendo que, nessa linha, vejo o art. 155 do Cdigo de Processo Penal, que
diz que "ojuiz formar convico pela livre apreciao das provas", e o art. 157 que narra que
"so tambm inadmissveis as provas derivadas das ilcitas". Nessa linha, v-se todo o
questionamento e, assim, interpreta-se esses artigos, esses dispositivos, com a viso
prevalentemente social da norma, no caso, do trnsito.
Assim que, cumprimentando o brilhante voto do Sr. Ministro Relator, filio-me
integralmente ao mesmo, dando provimento ao recurso especial para restabelecer a deciso de
primeiro grau, que recebeu a inicial acusatria, bem como firmar o entendimento no sentido
de que a prova da embriaguez ao volante deve ser feita, preferencialmente, por meio de
etilmetro ou de exame de sangue, podendo, contudo, ser suprida por outros meios legais, tais
como o exame clnico ou a prova testemunhal, para viabilizar o oferecimento da denncia e o
regular processamento da ao penal.
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CERTIDO DE JULGAMENTOTERCEIRA SEO
Nmero Registro: 2009/0025086-2 REsp 1.111.566 / DFMATRIA CRIMINAL
Nmeros Origem: 20080020091300 20080110361553 361553
PAUTA: 14/12/2011 JULGADO: 08/02/2012
RelatorExmo. Sr. Ministro MARCO AURLIO BELLIZZE
Presidente da SessoExma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
Subprocuradora-Geral da RepblicaExma. Sra. Dra. JULIETA E. FAJARDO C. DE ALBUQUERQUE
Secretria
Bela. VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO
AUTUAO
RECORRENTE : MINISTRIO PBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITRIOSRECORRIDO : EDSON LUIZ FERREIRAADVOGADO : MARCELO TURBAY FREIRIA E OUTRO(S)
INTERES. : DEFENSORIA PBLICA DA UNIO - "AMICUS CURIAE"ADVOGADO : RMULO COELHO DA SILVA - DEFENSOR PBLICO DA UNIO
ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes Previstos na Legislao Extravagante - Crimes de Trnsito
SUSTENTAO ORAL
O Dr. Marcelo Turbay Freiria sustentou oralmente pelo recorrido.
CERTIDO
Certifico que a egrgia TERCEIRA SEO, ao apreciar o processo em epgrafe na sessorealizada nesta data, proferiu a seguinte deciso:
Aps o voto do Senhor Ministro Marco Aurlio Bellizze (Relator), dando provimento ao
recurso, no que foi acompanhado pelo Senhor Ministro Vasco Della Giustina (Desembargadorconvocado do TJ/RS), pediu vista o Senhor Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargadorconvocado do TJ/RJ).
Aguardam os Srs. Ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz, Jorge Mussi, Og Fernandes eSebastio Reis Jnior.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
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Braslia, 08 de fevereiro de 2012
VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIROSecretria
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RECURSO ESPECIAL N 1.111.566 - DF (2009/0025086-2) (f)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP:
Toda a questo est em apurar a dosagem de lcool no sangue, como elemento
do tipo, sendo da necessria a apurao correspondente.
A jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal, assim como dos tribunais de
modo geral garante ao acusado o direito de no ser compelido a produzir prova contra si
mesmo. A expresso nemo tenetur se detegere , que consagra o princpio, justificaria assim
a vedao da demonstrao do estado de alcoolemia pelos meios de prova que dependam da
anuncia do acusado.
preciso deixar claro, contudo, que essa clusula de afirmada ndole
constitucional no tem correspondncia na Constituio vigente, a qual ressalva apenas o
direito ao silncio (art. 5, LXIII, isto , o preso tem direito...de permanecer calado ..).
Essa garantia, exclusiva do preso, ru, ou acusado, como intuitivo, no lhe d
o direito de impedir a ao da autoridade ou diminui as responsabilidades do cargo
respectivo, em especial as de apurar fatos e condutas, donde deflui logicamente o poder de
compelir o ru ou acusado a proceder nesse sentido.
De outra parte, a justificao formal da imposio dessa sentena latina no
ordenamento jurdico brasileiro -- pela qual se impediria o exerccio da autoridade
administrativa -- vem do art. 8, letra g da Conveno Americana de Direitos Humanos
(Pacto de San Jose da Costa Rica), verbis:
Artigo. 8. Garantias Judiciais.
...............................................................................................
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocncia
enquanto no se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda
pessoa tem direito, em plena igualdade, s seguintes garantias mnimas:
.............................................................................................................................
g) direito de no ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se
culpada, (...)
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Ora, o entendimento mais restritivo dessa garantia se revela perfeitamente
compatvel com as clusulas de direitos e garantias individuais, e inclusive harmoniza-se com
outras limitaes pessoais igualmente restritivas.
No se questiona, por exemplo, a possibilidade da autoridade exigir a
apresentao de documento de identidade de qualquer pessoa e do acusado, sobretudo, para
sua efetiva identificao; ou a legitimidade da exigncia de tomada de padres grficos para
identificao da autoria de cartas ou escritos que se possa atribuir ao ru ou acusado (art. 174,
IV do CPP); ou, ainda, a realizao de diligncias para o reconhecimento de pessoa
acusada(art. 226, II do CPP). Essas medidas ningum cogita de serem incriminadoras de
quem as presta.
Parece, portanto, apropriado distinguir o direito ao silncio ou de no ser
obrigado a depor contra si mesmo, de afirmaes de diversa extenso dessa garantia.
O direito ao silncio no abrange a pretenso de no ser abordado pela
autoridade e a ela no se sujeitar recusando fornecer as informaes, padres ou elementos
legalmente exigveis e necessrios apurao da verdade e dos fatos a ele relacionados.
O dever da administrao de apurar fatos ilcitos ou delituosos prevalece
mesmo em face da eventual prerrogativa de no se auto-incriminar, seja porque a diligncia
poder resultar na comprovao de que no ocorreu o fato ou o interessado no seu autor,
seja porque a diligncia busca a identidade material do elemento objetivo do tipo, e no a
avaliao do elemento subjetivo do tipo.
No fosse assim, qualquer modalidade de apurao de ilcito que demandasse
do interessado o exame clnico, a coleta de sangue ou o uso do bafmetro seria
constitucionalmente vedado, a tal ponto que, a prevalecer esse padro de no
auto-incriminao, a identificao da concentrao de lcool no sangue nunca seria possvel
se toda e qualquer medida ou diligncia tivesse como obstculo a garantia constitucional de
recusa por parte do acusado ou ru.
Ora, se do direito ao silncio no se extrai de modo absoluto o direito a no
produzir prova contra si mesmo e, principalmente, de no resultar logicamente da ao da
administrao o sentido violador do suposto direito, razovel considerar que a exigncia de
fornecer tais elementos no configura formalmente afronta garantia constitucional.
Se sucedesse o contrrio, no caso do art. 306 do CTB, a autoridade no poderia
compelir o motorista ao exame de sangue, ao teste do bafmetro ou mesmo a qualquer exame
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clnico, o que literalmente esvaziaria por inteiro o comando legal.
Por isso, no campo criminal, esse quadro precisa ser adequadamente
compreendido, isto , sem desautorizar o direito ao silncio e o princpio de que ningum
pode ser obrigado a depor contra si mesmo quando isso efetivamente ocorrer (que no o
caso), mas permitindo que a aplicao da lei penal tenha a eficcia natural correspondente.
Afastada essa objeo, cuida-se de saber se a apurao da concentrao de
lcool no sangue para fins penais s pode reger-se pela coleta de sangue ou teste do
bafmetro