abpa filosofia e principios da arquivistica audiovisual
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Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
Ray Edmondson
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iovi
sual
associação brasileira de preservação audiovisualabpa
| Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
| Filosofia e princípios
da arquivística audiovisual
Ray Edmondson Tradução de Carlos Roberto de Souza
associação brasileira de preservação audiovisualabpa
Copyryght © 2004, UNESCOCopyright © 2013, Associação Brasileira de Preservação Audiovisual/ Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
Copyright do texto: Ray EdmondsonTradução: Carlos Roberto de SouzaRevisão: Carlos Roberto de Souza, com a colaboração de José Francisco de Oliveira MattosProjeto gráfico e diagramação: Avellar e Duarte Consultoria e Design
Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP-Brasil)Ficha catalográfica elaborada por João Paulo Borges Paranhos
2013Todos os direitos desta edição reservados aAssociação Brasileira de Preservação Audiovisual – ABPA eCinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro Avenida Infante Dom Henrique, 85Parque do FlamengoCEP 20021-140Rio de Janeiro – RJ – Brasil
E24 EDMONDSON, Ray Filosofiaeprincípiosdaarquivísticaaudiovisual/RayEdmondson; Tradução de: Carlos Roberto de Souza. – Rio de Janeiro: Associação Brasi- leira de Preservação Audiovisual/Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 2013. 224p.:il.;23cm.
Bibliografia: p. 206. ISBN 978-85-825400-27-2
CDD²³ 025.1773 CDU²: 791.02(086)
Índice para Catálogo SistemáticoArquivística Audiovisual : Documentação : Preservação : Organização de arquivos : Gestão de arquivos
1. Arquivística Audiovisual. 2. Documentação. 3. Preservação. 4. Or- ganização de Arquivo 5. Gestão de arquivos. I. Título
Apresentação ..............................................................................9
Introdução à edição brasileira ..................................................11
Prefácio da primeira edição ......................................................15
Prefácio da segunda edição .......................................................19
Notas editoriais ........................................................................22
Informações complementares na Internet .................................23
Agradecimentos........................................................................25
1. Introdução ...........................................................................31
1.1 O que é filosofia? .......................................................................32
1.2 Filosofia e princípios de arquivos audiovisuais ...........................33
1.3 O estado atual da profissão de arquivística audiovisual ..............36
1.4 Principais questões atuais ..........................................................37
1.5 Contexto histórico .....................................................................41
2. Fundamentos ........................................................................43
2.1 Premissas básicas .......................................................................43
2.2 As profissões de coleta e conservação .........................................46
2.3 Valores ......................................................................................48
2.4 A arquivística audiovisual como profissão ..................................51
2.5 A formação de arquivistas audiovisuais ......................................57
2.6 As associações profissionais ........................................................60
2.7 Produtores e difusores ................................................................61
2.8 Reflexão ......................................................................................63
| Sumário
3. Definições e terminologia .....................................................65
3.1 A importância da precisão ............................................................65
3.2 Terminologia e nomenclatura .......................................................66
3.3 Conceitos fundamentais ................................................................80
4. Arquivos audiovisuais ...........................................................91
4.1 Histórico ...................................................................................91
4.2 Campo de atividades .................................................................96
4.3 Tipologia ...................................................................................98
4.4 Visão de mundo e paradigma ..................................................110
4.5 Principais perspectivas dos arquivos audiovisuais .....................115
4.6 Base de apoio ..........................................................................127
4.7 Governo e autonomia ..............................................................130
5. Preservação: características e conceitos ..............................137
5.1 Princípios objetivos e subjetivos ...............................................137
5.2 Degradação, obsolescência e duplicação ..................................140
5.3 Conteúdo, suporte e contexto ..................................................144
5.4 As tecnologias analógicas e digitais ..........................................151
5.5 O conceito de obra ..................................................................155
6. Princípios de gestão ............................................................159
6.1 Introdução ..............................................................................159
6.2 Políticas ...................................................................................159
6.3 A constituição das coleções: seleção, incorporação,
exclusão e descarte ..................................................................161
6.4 Preservação, acesso e gestão dos acervos ..................................166
6.5 Documentação ........................................................................171
6.6 Catalogação ............................................................................173
6.7 Aspectos jurídicos ....................................................................175
6.8 Nenhum arquivo é uma ilha ....................................................177
7. Ética ...................................................................................179
7.1 Códigos de ética ......................................................................179
7.2 A ética na prática ....................................................................181
7.3 Questões de ordem institucional ..............................................182
7.4 Ética pessoal ............................................................................187
7.5 O poder ...................................................................................192
8. Conclusão ..........................................................................195
Anexo 1 – Glossário e índice ............................................................200
Anexo 2 – Quadro comparativo: arquivos audiovisuais,
arquivos generalistas, bibliotecas e museus .......................................202
Anexo 3 – Relatório de reconstituição ..............................................204
Anexo 4 – Bibliografia selecionada ...................................................206
Anexo 5 – Mudança e obsolescência de alguns formatos ..................208
| Apresentação
A Associação Brasileira de Preservação Audiovisual tem a honra e a
felicidade de entregar ao público leitor de língua portuguesa a obra
de Ray Edmondson Filosofia e Princípios da Arquivística Audiovisual.
Poder-se-ia pensar que esta publicação vem um pouco tarde, déca-
da e meia após o aparecimento de sua primeira edição e quase dez
anos após a segunda. Nada disso. Este livro nasceu clássico. Sem
espaço para nos emaranhar pelas inúmeras definições do que seria
um “clássico”, lembremos apenas das palavras de Ítalo Calvino:
“um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que
tinha para dizer” (Por que ler os clássicos?) e complementemos com a
afirmação de Ezra Pound de quem um clássico o é “devido a uma
certa juventude eterna e irreprimível” (ABC da literatura).
Pois é exatamente uma sensação de novidade e descoberta que nos
invade a cada nova leitura que fazemos deste trabalho de Edmond-
son. Longe de ser um frio e distante manual didático, o texto pulsa
de vida e emoção, humor e sentimento. Sem nunca deixar de ser
absolutamente claro e preciso nas afirmações, ele próprio se ques-
tiona sobre a correção de seu raciocínio, pede nossa ajuda para o
contestarmos quando necessário e nos lança alertas preocupantes.
Aqui e ali, ainda, o autor lembra que o livro não é definitivo, não
é a “palavra final” sobre um processo dinâmico que ninguém sabe
que rumo tomará.
13
Esta tradução começou a ser feita em 2005, por ocasião de uma
oficina que Ray Edmonson coordenou em São Paulo sob o título
“A Cinemateca Brasileira discute uma filosofia de arquivos audio-
visuais”, discussão que poderia ter representado uma nova etapa
na vida da instituição, com equipes integradas na construção co-
letiva de um arquivo moderno. Mas esse não era o modelo que os
então gestores almejavam implantar.
Aos capítulos selecionados por Edmondson para a oficina e por
mim traduzidos a toque de caixa, acrescentei posteriormente o res-
tante do texto. Sob a orientação do autor atualizei também alguns
anexos e o conjunto da obra foi revisado cuidadosamente por José
Francisco de Oliveira Mattos, companheiro de muitas lutas pela
preservação do patrimônio audiovisual brasileiro. Eis a gênese do
trabalho que ora recomendamos aos arquivistas audiovisuais e a to-
dos os interessados, para que seja lido com toda atenção e carinho.
Carlos Roberto de Souza, abpa
| Introdução à edição brasileira
No início dos anos 1990, uma rede informal de arquivistas au-
diovisuais começou a discutir a necessidade de um corpo teórico
documentado que fundamentasse sua profissão. Nos dias antes do
e-mail, as ideias eram trocadas por fax e em discussões pessoais
aproveitando-se encontros em conferências. Em 1994, com o apoio
da Unesco, o projeto assumiu uma forma mais concreta e comecei
a redigir blocos de texto e circulá-los para comentários entre um
grupo de trabalho ad hoc de colegas da Europa e da América do
Norte. O resultado final foi a primeira edição deste livro, publicada
em 1998. A segunda edição, aumentada, é de 2004.
Em uma profissão que precisa ser exercida com recursos abaixo
dos necessários e trabalhos acima dos normais, onde todos apren-
dem na prática, houve a princípio pouco tempo e pouca simpatia
para teorizações e reflexões. Mas a importância de uma filosofia
foi progressivamente compreendida, à medida que foram surgin-
do cursos universitários de treinamento e qualificação formal, e
tornou-se cada vez mais obrigatória para os que procuram uma
carreira em arquivos de filmes, de televisão e de som.
Quando aquele primeiro mirrado volume apareceu em 1998, pou-
cos de nós prevíamos a carreira que o livro teria a seguir, com
edições completas em francês, espanhol, alemão, japonês, farsi e
macedônio, e traduções parciais em outras línguas. Esta recente
15
tradução para o português torna a obra imediatamente acessível
para outro grande grupo linguístico. Eu gostaria de agradecer o dr.
Carlos Roberto de Souza por seu dedicado trabalho ao preparar
esta edição e entregá-la para o que, eu confio, será uma ampla
comunidade de leitores.
No prefácio da edição de 1998, observei que esta
...poderáserapenasa“primeirapalavra”,nãoa“palavrafi-
nal”. Se ela ganhar alguma aceitação e estimular o debate,
terá provado seu valor. As práticas e experiências dos arquivos
audiovisuais, e a contribuição intelectual de indivíduos e gru-
poscontinuarãoaenriquecerateoria.Definirosprincípios
de qualquer nova disciplina é um processo de longo prazo.
À medida que nos movemos rapidamente para a era digital, este
sentimento permanece mais verdadeiro do que nunca.
Ray Edmondson
Camberra, Austrália, 2013
| Prefácio da primeira edição
1.“Filosofia”, segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Por-
tuguesa, é o “estudo que se caracteriza pela intenção de ampliar
incessantemente a compreensão da realidade, no sentido de
apreendê-la na sua totalidade, quer pela busca da realidade ca-
paz de abranger todas as outras, o Ser [...], quer pela definição
do instrumento capaz de apreender a realidade, o pensamento
[...], tornando-se o homem tema inevitável de consideração”. A
exemplo de outros aspectos do trabalho de coleta e preservação
da memória da humanidade, a arquivística audiovisual tem, em
sua base, certas “causas e princípios gerais”. Para serem abertos
ao exame e ao reconhecimento geral, eles precisam ser conve-
nientemente codificados.
2. A necessidade de empreender esta codificação ganhou nos úl-
timos anos alguma aceitação à medida que arquivistas audiovi-
suais – em vários fóruns internacionais – começaram a refletir
sobre sua identidade, sua imagem e filiação profissional, a consi-
derar a base teórica e a ética de seu trabalho, e a enfrentar ques-
tões práticas de formação e certificação. Este documento é uma
resposta específica a esta necessidade de codificação: a primeira
publicação de uma filosofia da arquivística audiovisual.
3. Seus antecedentes diretos foram as trocas de ideias e observa-
ções, nos últimos cinco anos, no interior da Audiovisual Archiving
1716
Philosophy Interest Network (Avapin), uma rede informal que reú-
nemaisde60arquivistasdefilmesesons,eoutros interessados
na pesquisa e definição da base teórica do campo da arquivística
audiovisual. Embora esta seja uma rede de pessoas que se iden-
tificam e exercitam seus interesses em base estritamente indivi-
dual, a maioria de seus membros tem também relações pessoais
e institucionais com as principais associações profissionais ativas
no campo (elas são mencionadas ao longo deste documento).
Até o momento, funcionei como o coordenador da rede Avapin,
e a instituição em que trabalho, o National Film and Sound
Archive da Austrália (nfsa), assumiu os custos de secretaria e
correio.
4.Nofinalde1993,surgiuaoportunidade–atravésdaconcessão
de uma bolsa da Australian Public Service Commission – para
que eu passasse algum tempo na Europa, durante 1994, dedica-
do a colocar no papel algumas das discussões. Nessa tarefa, jun-
taram-se a mim os membros da Avapin, Sven Allerstrand, Helen
Harrison, Rainer Hubert, Wolfgang Klaue, Dietrich Schüller,
Roger Smither e Paolo Cherchi Usai, e formamos o “1994
Philosophy Working Group”. Cada membro do grupo deu, ao
longo de extensos debates e/ou através de reações escritas aos
diferentes estágios do rascunho, sua contribuição à síntese que
constituiu o documento inicial. O projeto de 1994 começou em
reuniões durante o congresso da Fiaf (Federação Internacional
deArquivosdeFilmes)emBolonha,Itália,emabril/maio;otex-
tofoiconcluídonofinaldejulhoesubmetidoacríticasemtrês
oficinas durante a conferência conjunta da Iasa (International
Association of Sound Archives) e Fiat (Federação Internacional
de Arquivos de Televisão) em Bogensee, Alemanha, em setem-
bro.Asdiscussõesnasoficinasforamdocumentadase,juntamen-
te com outros aportes subsequentes, foram utilizadas como base
pararevisão.Osegundodocumento foidebatidonumaoficina
na conferência da Amia (Association of Moving Image Archivis-
ts) em Toronto, Canadá, em outubro de 1995.
5. Preparei o presente texto sob os auspícios da Unesco e em
consulta com um grupo editorial composto por Ernest J. Dick
(Canadá), Annella Mendoza (Filipinas), Robert H.J. Egeter-van
Kuyk (Países Baixos), Paolo Cherchi Usai (Estados Unidos), Die-
trich Schüller (Áustria), Roger Smither e Helen Harrison (Reino
Unido) e com contribuições de alguns outros membros do “1994
Philosophy Working Group” original. Embora todas essas pes-
soas tenham feito suas contribuições em caráter estritamente
pessoal, sua situação profissional deu-lhes acesso aos pontos de
vista de virtualmente todas as maiores associações profissionais
no campo da arquivística audiovisual. Sou grato aos comentá-
rios detalhados que Wanda Lazar e Paul Wilson fizeram ao tex-
to e a colegas do nfsa e de outras instituições por suas sugestões
durante a gênese deste trabalho.
6. A partir de setembro de 1994, a primeira e depois a segunda re-
dação deste documento tiveram uma circulação cada vez maior,
ainda que informalmente. Partes foram traduzidas para uso em
diferentes países, e versões integrais foram incorporadas aos
programas de formação desenvolvidos pelo NFSA, pela Asso-
ciation of South East Asian Nations-Committee on Culture and
Information (Asean-Coci), pela University of New South Wales,
1918
Sydney, Austrália, e pela George Eastman House School of Film
Preservation, Rochester, Estados Unidos. Partes da segunda re-
dação foram incluídas no livro Audiovisual archives: a practical rea-
der (Unesco, 1997). A publicação do presente texto pela Unesco
é um passo lógico e vital na formalização do documento em sua
integralidade e na ampliação do acesso a ele.
7. Aooferecerumabaseteóricadocumentadaaocampoeàprofis-
são da arquivística audiovisual, esta publicação poderá ser ape-
nasa“primeirapalavra”,nãoa“palavrafinal”.Seelaganhar
alguma aceitação e estimular o debate, terá provado seu valor. As
práticas e experiências dos arquivos audiovisuais, e a contribui-
ção intelectual de indivíduos e grupos continuarão a enriquecer
ateoria.Definirosprincípiosdequalquernovadisciplinaéum
processo de longo prazo. Esperemos que, no futuro, haja tenta-
tivasmais abrangentes emelhores de codificação da teoria da
arquivística audiovisual.
8.A própria natureza de umdocumento como este significa que
sempreexistirãolimitesàpesquisaeàreflexão.Esperoqueestas
provoquem reações e sugestões. Ter essas reações e sugestões le-
vantadasedebatidasnaliteraturaprofissionalelevadasemcon-
ta em futuras revisões é parte do processo de desenvolvimento
deumafilosofiamadura.Ficareiagradecidosetaissugestõesme
forem encaminhadas.
9. Ao entregar para publicação este trabalho de aproximadamente
cincoanos,gostariadeagradeceroapoiofinanceiroematerial
da Australian Public Service Commission, do nfsa e da Fiaf (em
especial a secretaria em Bruxelas) que tornaram possível o pro-
jeto de 1994 e a primeira redação deste documento. Agradeço
os muitos colegas da Avapin pelas contribuições que deram à
segunda redação. Quero agradecer os companheiros acima cita-
dos que deram seu tempo e sua energia para contribuir editorial-
mente na formatação das diferentes redações e/ou na edição do
texto ora em publicação – em ambos os casos foi um trabalho de
amor dedicado por pessoas muito ocupadas. Finalmente, quero
agradecer a Unesco pelo apoio e abrangência de visão ao publi-
car este documento.
Ray Edmondson
Camberra, abril 1998
21
| Prefácio da segunda edição
1. “Esta foi a primeira tentativa de codificar a base filosófica da
arquivística audiovisual enquanto profissão. Não será surpre-
sa ou ofensa para nenhum dos envolvidos em sua criação se
ela rapidamente se demonstrar incompleta ou necessitada de
modificações. Parte de seu propósito é estimular discussões e
debates, encorajar análises, convidar ao questionamento de seus
pressupostos.”
2. Este sentimento final, reproduzido da primeira edição, com-
provou estar correto. A arquivística audiovisual – a coleta, pre-
servação, gestão e uso do patrimônio audiovisual – conquistou,
por assim dizer, suas credenciais como profissão distinta. Num
campo tão dinâmico quanto este, os pressupostos precisam ser
constantemente testados, e incorporadas as implicações de no-
vos desenvolvimentos. Respostas, formais e informais, foram re-
cebidas de todo o mundo e ficou evidente que a primeira edição
comprovou-se útil como ponto de referência na defesa da pro-
fissão bem como em questões de administração prática e ética.
Tudo isso foi levado em conta na revisão e na ampliação do
texto. Embora sejam numerosas e diversas demais para agrade-
cê-las formalmente, sou grato por todas as reações à primeira
edição. Fico especialmente contente com o fato de a discussão
de conceitos filosóficos ser agora um aspecto mais natural e mais
central na vida profissional de arquivistas audiovisuais.
2322
3. Nos poucos anos que se seguiram à primeira edição, mudanças
significativas ocorreram no campo da arquivística audiovisual.
O desafio da digitalização e as mudanças tecnológicas associa-
das a ela colocam em questão a continuidade da existência dos
suportes tradicionais. Filmes em nitrato, considerados instáveis
e efêmeros no passado, estão sobrevivendo a materiais de pre-
servação em acetato feitos a partir deles. Em alguns países, a
formação em arquivística audiovisual ao nível de pós-graduação
está implantada e se tornou a norma para os que querem en-
trar para a profissão. Estes e outros desenvolvimentos levantam
questões filosóficas que precisam ser levadas em conta.
4. A primeira edição foi publicada pela Unesco em inglês, francês
e espanhol, com uma tradução portuguesa posterior prepara-
da e publicada pela Associação Portuguesa de Bibliotecários,
Arquivistas e Documentalistas. A edição em papel do texto em
inglês está esgotada e logo as outras também estarão. Esta nova
edição responderá à demanda e esperamos que atinja um públi-
co ainda mais amplo.
5. Como na primeira edição, tive o privilégio de me beneficiar dos
conselhos e das reações de um grupo internacional de referência
formado por companheiros que leram e comentaram o texto
em vários estágios: Sven Allerstrand, Lourdes Blanco, David
Boden, Paolo Cherchi Usai, David Francis, Verne Harris, Sam
Kula, Irene Lim, Hisashi Okajima, Fernando Osorio e Roger
Smither. Embora cada um deles tenha contribuído individual-
mente, suas atividades, como se verá, refletem acesso aos pontos
de vista de quase todas principais associações profissionais de
nossa área, em sua diversidade geográfica e cultural. Suas con-
tribuições foram feitas graciosamente e sou devedor a eles pelo
tempo que lhes roubei de suas agendas sobrecarregadas e pelos
conselhos ponderados. Quero agradecer também Crispin Jewitt,
coordenador do ccaaa (Co-Ordinating Council of Audiovisual
Archives Associations) por seus valiosos comentários do texto
final, e Mme. Joie Springer, interlocutora na Unesco, por seu
apoio ao projeto. Esta publicação aparece sob os auspícios con-
juntos da Unesco e do ccaaa. A recente criação deste último,
um órgão máximo de coordenação da profissão, é em si mesma
uma prova das mudanças e do amadurecimento em curso.
6. A 27 de outubro de 1980, a Conferência Geral da Unesco ado-
tou a Recomendação sobre a Salvaguarda e Preservação das
Imagens em Movimento, um considerável avanço internacional
no reconhecimento legal e cultural da arquivística audiovisual.
Esta publicação, apropriadamente, aparece no 25º aniversário
desse documento e a ele deve muito dos princípios aqui formu-
lados.
7. Todas as opiniões, erros e omissões do texto são meus, obvia-
mente. Como antes, comentários e reações serão muito bem-
vindas, já que nenhum texto desse tipo é “definitivo”.
Ray Edmondson
Camberra, abril 2004
2524
AV ou audiovisual: Ao longo deste texto, a palavra audiovisual é usa-
da preferencialmente a sua abreviação AV. No campo da arquivísti-
ca audiovisual, ambos os termos são usados no mesmo sentido, mas
achamos melhor nesta publicação, em nome de sua consistência, pa-
dronizar o uso de um ou outro.
Mídia, documento ou material: Da mesma forma, o termo do-
cumento audiovisual foi em geral preferido ao termo mídia audiovi-
sual ou material audiovisual, embora a escolha tenha dependido do
contexto. Além disso, documento é usado no sentido de um registro
criado com intuito deliberado, não no sentido de um fato oposto
a uma ficção.
Notas editoriais
Ao longo deste texto, muitas referências são feitas a várias organiza-
çõesprofissionais,associaçõesinternacionaisearquivosindividuais.
A maioria desses organismos possui páginas informativas na Internet.
Muitas também editam uma série de publicações, incluindo periódi-
cos e boletins, e possuem listas de divulgação às quais se pode facil-
mente associar. Os serviços que oferecem merecem ser pesquisados.
Existem alguns portais muito úteis para acessar esses recursos e
essas redes.
O portal de arquivos da Unesco (http://www.unesco.org/new/
en/communication-and-information/portals-and-platforms/unes-
co-archives-portal/) contém links para dezenas de organizações e
arquivos de dimensão internacional, regional e nacional, mantém
um calendário de eventos e disponibiliza publicações e recursos.
Consultar também a página do programa Memória do Mundo (www.
unesco.org/webworld/mdm) que facilita acesso a várias publica-
ções mencionadas neste documento.
A página do ccaaa (www.ccaaa.org) – Co-Ordinating Council of
Audiovisual Archives Association é o fórum das associações inter-
nacionaisquepossuemrelaçõesoficiais comaUnesco.Suapágina
remete às destas federações.
Informações complementares na Internet
27
As pessoas a seguir são membros do grupo de referência interna-
cional que atuaram como leitores e conselheiros durante a prepa-
ração desta publicação. Embora suas trajetórias profissionais e fi-
liações a associações na área estejam indicadas, enfatizo que todos
prestaram colaboração a título estritamente pessoal.
Sven Allerstrand
Arquivista. Diretor geral do Arquivo Nacional Sueco de Sons Gra-
vados e Imagens em Movimento desde 1987. Membro dos conse-
lhos da Sociedade Sueca de Arquivos desde 1993 e da Biblioteca
Nacional Sueca desde 1995. Secretário Geral (1991-1996) e Presi-
dente (1997-1999) da Iasa.
Lourdes Blanco
Curadora de arte pré-hispânica e contemporânea e ensaísta. Ex-
diretora do Centro de Conservação e de Arquivos Audiovisuais da
Biblioteca Nacional da Venezuela. Membro do comitê regional
para América Latina e Caribe do programa Memória do Mundo.
David Boden
Administrador de arquivos. Chefe do setor de Preservação e Serviços
Técnicos do National Screen and Sound Archive da Austrália. Mem-
bro do Conselho Executivo e tesoureiro da Seapavaa desde 2002.
| Agradecimentos
2928
Paolo Cherchi Usai
Arquivista, ensaísta e professor. Curador Chefe do Departamento
de Cinema e diretor da L. Jeffrey Selznick School of Film and Vi-
deo Preservation da George Eastman House, Rochester, Nova Ior-
que, desde 1994. Membro do conselho das Giornate de Cinema
Muto de Pordenone desde 1982. Membro do Comitê Executivo
da Fiaf.
David Francis OBE
Consultor em arquivística. Curador do National Film Archive (In-
glaterra) até 1990. Diretor da Motion Pictures, Broadcasting and
Recorded Sound Division da Library of Congress até 2001. Mem-
bro honorário da British Kinematograph and Television Society.
Ganhador dos prêmios Jean Mitry e Mel Novikoff. Membro hono-
rário da Fiaf.
Verne Harris
Arquivista e ensaísta sobre assuntos arquivísticos. Diretor do South
African History Archive, um arquivo independente que documenta
as lutas contra o apartheid. Conferencista sobre arquivos da Uni-
versity of Witwatersrands. Diretor adjunto do South Africa State
Archives/National Archives até 1993.
Sam Kula
Ensaísta, consultor em arquivística. Presidente (2003-2004) e mem-
bro do Conselho da Amia. Ocupou vários cargos executivos na
Fiaf e na Fiat. Participou de missões de estudo para a Unesco e
Ica. Diretor do National Film and Television Archives/National
Archives do Canadá até 1988.
Irene Lim
Diretora adjunta (Audio Visual Archives/Exhibitions) do National
Archives de Singapura. Membro do Conselho Executivo da Seapa-
vaa de 2000 a 2002. Atualmente termina um mestrado em ciências
da informação na Nanyang Technological University.
Hisashi Okajima
Ensaísta de cinema, professor e crítico. Curador do arquivo de fil-
mes e chefe do setor de Programação/Difusão do National Film
Center, National Museum of Modern Art, Tóquio, Japão. Mem-
bro do Conselho de diretores da Japan Society of Image Arts and
Sciences desde 2000.
Fernando Osório
Professor de arquivística e conservação audiovisuais. Professor
de preservação fotográfica na Escola Nacional de Conservação,
Restauração e Museologia, Cidade do México. Diretor de con-
servação da Coleção Manuel Alvarez Bravo do Centro de Cul-
tura Casa Lamm. Ganhador da bolsa Fulbright – Gracia Robles
(1994-96).
Roger Smither
Ensaísta e arquivista. Conservador do Imperial War Museum Film
and Video Archive desde 1990. Editor do Código de Ética da Fiaf
(1998). Membro da Comissão de Catalogação da Fiaf (1979-1994),
do Comitê Executivo da Fiaf (1993-2003) e secretário geral/vice
presidente da Fiaf (1995-2003).
| Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
33
1.1 O que é filosofia?
1.1.1Toda atividade humana baseia-se em valores, crenças ou no conhe-
cimento de certas verdades, ainda que estas sejam percebidas ins-
tintivamente e não verbalizadas (“se não respirar, eu sufoco”). Da
mesma forma, todas as sociedades funcionam porque existem valo-
res compartilhados e regras aplicadas em comum, frequentemente
expressas em fórmulas escritas, como leis e constituições. Essas, por
sua vez, fundamentam-se em valores que, independentemente de
estarem ou não expressos nesses textos, constituem sua base, bem
como a base de sua aplicação.
1.1.2A filosofia coloca a problemática dos valores e crenças em um pa-
tamar mais elevado ao fazer perguntas do tipo “por quê?”, “quais
os princípios fundamentais e a natureza de...?”, “o que é esse todo
1 | Introdução
| 3534 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Introdução
do qual eu vejo apenas uma parte?”, e de propor respostas que
se articulam num sistema lógico ou numa determinada visão de
mundo. As religiões, os sistemas políticos e a jurisprudência são
expressões de filosofias. Também o são os campos de atividades
que habitualmente chamamos de “profissões” – a prática da me-
dicina, por exemplo, tem uma base filosófica que reconhece a su-
perioridade da vida e o bem-estar do indivíduo como um estado
normal e desejável.
1.1.3As filosofias têm força porque as teorias, as visões de mundo e os
quadros de referência que elas criam são base de ações, decisões,
estruturas e relações. Os arquivistas audiovisuais, assim como os
bibliotecários, os museólogos e outros profissionais de coleta e con-
servação, exercem um tipo particular de poder sobre a sobrevi-
vência, o acesso e a interpretação da memória cultural do mun-
do (estudaremos isso no capítulo 7). Compreender as teorias, os
princípios, os postulados e realidades que influenciam seu trabalho
tem, portanto, importância não somente para os próprios arquivis-
tas mas também para toda a sociedade.
1.1.4A teorização é uma ferramenta para explorar e entender um domí-
nio profissional e esse objetivo é o propósito deste texto. A hipótese
inicial é que os arquivistas audiovisuais precisam entender e refle-
tir sobre os fundamentos filosóficos de sua profissão para exercer
seus poderes com maior responsabilidade, estar abertos à discussão
e ao debate em defesa de seus princípios e práticas, e ao mesmo
tempo evitar a tentação de se esconder atrás de dogmas rígidos.
De outra forma, a ação nos arquivos corre o risco de ser arbitrária
e inconsistente, baseada em intuições não verificadas e em políticas
caprichosas. Tais arquivos não teriam condições de garantir confia-
bilidade, previsibilidade e seriedade.
1.2 Filosofia e princípios de arquivos audiovisuais1
1.2.1Foi durante a década de 1990 que, por diversos motivos, o desen-
volvimento de uma base teórica codificada para a profissão tor-
nou-se finalmente uma preocupação. Em primeiro lugar porque
a importância óbvia e crescente da mídia audiovisual como parte
integrante da memória do mundo provocou uma rápida expan-
são da atividade arquivística, sobretudo em contextos comerciais
e semicomerciais além do âmbito dos tradicionais arquivos ins-
titucionais. Grandes somas de recursos foram gastas mas talvez
nem sempre tenham sido obtidos os melhores resultados devi-
do à ausência de normas profissionais definidas e reconhecidas.
Décadas de experiência prática acumulada em arquivos audio-
visuais forneciam agora uma base sobre a qual firmar mais so-
lidamente – através da codificação dessa experiência – as possi-
bilidade de maximizar os ganhos potenciais e os inconvenientes
de perder oportunidades.
1.2.2Emsegundolugar,osprofissionaisdearquivosaudiovisuaispormui-
to tempo careceram de uma identidade clara e de reconhecimento
1 . O t e r m o a rq u i v o a u d i o v i s u a l c o m o d e f i n i ç ã o d e u m c a m p o d e a t i v i d a d e s e r á d i s c u t i d o n o C a p í t u l o 3 , j u n t a m e n t e c o m o u t r a s t e r m i n o l o g i a s u s a d a s n e s t e t e x t o .
| 3736 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Introdução
profissional entre as profissões correlatas, o governo, as indústrias
audiovisuais e a comunidade em geral. Careciam também de um
vital quadro de referências crítico para obter aquele reconheci-
mento: uma síntese teórica definindo valores, éticas, princípios e
percepções inerentes a seu campo de atividades. Isso os tornava
intelectual e estrategicamente vulneráveis, além de prejudicar a
imagem pública e o status da profissão, que resultavam da apa-
rente ausência de fundamentos. Ainda que várias associações de
arquivos audiovisuais2, bem como arquivos individuais, tivessem
desenvolvido políticas, regras e procedimentos, tradicionalmente
tinha-se pouco tempo para retroceder e refletir sobre a teoria em
que se baseavam. O surgimento de organizações3 com o objetivo
de atender essas necessidades profissionais e individuais foi um
sinal de mudança.
1.2.3Em terceiro lugar, a falta de padrões e de cursos de treinamen-
to formal para profissionais práticos emergiu como uma questão
significativa e estimulou a Unesco a iniciar processos que resulta-
ram em publicações sobre a função e a situação legal dos arquivos
audiovisuais4, e no desenvolvimento de programas de formação
de quadros. Tais cursos5, à medida que surgiam, necessitavam de
textos e quadros de referência teóricos assim como de formas de
ensinar atividades práticas. Diversos programas desse tipo encon-
tram-se estabelecidos atualmente.
1.2.4Em quarto lugar, as rápidas mudanças tecnológicas desafiaram ve-
lhos postulados à medida que se abriam as chamadas “autopistas
3 . C o m o a A m i a , S e a p a v a a e S o c i e d a d e d e A rq u i v i s t a s d e F i l m e s d a s F i l i p i n a s ( S o f i a ) .
4 . A s p u b l i c a ç õ e s s ã o C u r r i c u l u m d e v e l o p m e n t f o r t h e t r a i n i n g o f p e r s o n n e l i n m o v i n g i m a g e a n d re c o rd e d s o u n d a rq u i v e s ( D e s e n v o l v i m e n t o d e p ro g r a m a s p a r a o t re i n a m e n t o d e p e s s o a l e m a rq u i v o s d e s o m e d e i m a g e n s e m m o v i m e n t o ) ( 1 9 9 0 ) e L e g a l q u e s t i o n s
2 . Nes te documen to , os t e rmos “assoc iações” e “ f ede rações” em ge ra l se re f e rem a o n g s ( o rgan i zações não gove r namen ta i s ) i n t e r nac iona i s que ope ram exc lus i vamen te no espec t ro aud iov i sua l – I asa (Assoc iação I n te r nac iona l de A rqu i vos Sono ros e Aud iov i sua i s ) , F i a t ( Fede ração I n te r nac iona l de A rqu i vos de Te l ev i são ) , F i a f ( Fede ração I n te r nac iona l de A rqu i vos de F i lmes ) e Am ia (Assoc iação de A rqu i v i s t as de Imagens em Mov imen to ) . Quando o con tex to i nd i ca r, i nc l uem também os com i tês re l evan tes da I f l a ( Fede ração I n te r nac iona l de Assoc iações de B ib l i o tecas ) e do I ca (Conse lho I n te r nac iona l de A rqu i vos ) e ó rgãos reg iona i s como a Seapavaa (Assoc iação de A rqu i vos Aud iov i sua i s do Sudes te da Ás i a e do Pac í f i co ) . Es tas o rgan i zações t êm rep resen tan tes no Conse lho de Coordenação das Assoc iações de A rqu i vos Aud iov i sua i s ( c c a a a ) .
de informação”. Os arquivos de “múltiplas mídias”6 cada vez mais
aumentam de número e às vezes substituem os antigos arquivos de
filmes, de televisão e de sons gravados, ao mesmo tempo que diver-
sificam suas formas de organização e prioridades.
1.2.5Esta preocupação cristalizou-se, entre outras formas, na instala-
ção da Avapin (Rede sobre a Filosofia dos Arquivos Audiovisuais),
no início de 1993, bem como numa maior visibilidade de discus-
sões teóricas e filosóficas na literatura profissional. Embora os
primeiros arquivos audiovisuais tenham surgido há cerca de um
século, e se possa dizer que a atividade desenvolveu consciência
profissional a partir da década de 1930, seu crescimento com con-
tinuidade é essencialmente um fenômeno da segunda metade do
século XX. É, portanto, um campo novo, que se desenvolve com
rapidez e que possui recursos e competências desigualmente dis-
tribuídos pelo planeta.
1.2.6A visão das gerações pioneiras que estabeleceram os conceitos di-
ferenciados de arquivo de filmes, de televisão e de som enriqueceu-
se, modificou-se e foi testada pelo tempo e pelas experiências, pelas
tentativas e pelos erros. Os arquivistas audiovisuais de hoje formam
um círculo muito mais amplo, ainda pioneiro, mas que enfrenta
tarefas mais complexas, com novas e crescentes necessidades colo-
cadas pela época e pelas circunstâncias. O desafio é ir ao encontro
dessas necessidades num ambiente audiovisual profundamente mo-
dificado e em constante transformação à medida que avançamos
pelo século xxi.
6 . U s a - s e o t e r m o “ m ú l t i p l a s m í d i a s ” p a r a e v i t a r c o n f u s ã o c o m “ m u l t i m í d i a ” , q u e h a b i t u a l m e n t e s i g n i f i c a u m a m i s t u r a d e s o n s , i m a g e n s e m m o v i m e n t o , t e x t o s e g r á f i c o s p ro c e d e n t e s d e u m a f o n t e d i g i t a l .
5 . A F i a f f o i p i o n e i r a , e m 1 9 7 3 , n a c r i a ç ã o d e c u r s o s e s e m i n á r i o s i n t e n s i v o s , e s t i l o “ e s c o l a d e v e r ã o ” i n t e r n a c i o n a l , q u e c o n t i n u a m a f u n c i o n a r. D e p o i s d e l a , o u t ro s u s a r a m o m e s m o f o r m a t o c o m o , p o r e x e m p l o , o c i c l o d e s e m i n á r i o s d e t r ê s a n o s n o S u d e s t e d a Á s i a d u r a n t e 1 9 9 5 - 7 , s o b o s a u s p í c i o s d a A s e a n - C o c i . To r n a r a m - s e f re q u e n t e s o s s e m i n á r i o s e o f i c i n a s d e c u r t a d u r a ç ã o o r g a n i z a d o s p o r f e d e r a ç õ e s o u a rq u i v o s i n d i v i d u a i s . N o m o m e n t o e m q u e e s c re v e , o a u t o r t e m c o n h e c i m e n t o d e p ro g r a m a s p e r m a n e n t e s d e p ó s - g r a d u a ç ã o e m a rq u i v í s t i c a a u d i o v i s u a l o f e re c i d o s p e l a U n i v e r s i t y o f E a s t A n g l i a ( G r ã -B re t a n h a ) , L . J e f f re y S e l z n i c k S c h o o l o f F i l m P re s e r v a t i o n , G e o r g e E a s t m a n H o u s e , N e w Yo r k U n i v e r s i t y, U n i v e r s i t y o f C a l i f ó r n i a L o s A n g e l e s ( t o d a s n o s E s t a d o s U n i d o s ) e C h a r l e s S t u r t Un ive rs i t y (Aus t rá l i a ) , es te ú l t i m o o f e re c i d o a t r a v é s d e e d u c a ç ã o à d i s t â n c i a , p e l a I n t e r n e t .
f a c i n g a u d i o v i s u a l a rc h i v e s ( Q u e s t õ e s l e g a i s e n f re n t a d a s p e l o s a rq u i v o s a u d i o v i s u a i s ) ( 1 9 9 1 ) .
| 3938 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Introdução
1.3 O estado atual da profissão de arquivista audiovisual
1.3.1Diante das necessidades que rapidamente se ampliam, as federa-
ções (muitas das quais hoje possuem comissões de formação) e o
ccaaa esforçam-se no desenvolvimento de políticas, orientações
e na organização de diferentes modalidades de oficinas e semi-
nários para arquivos individuais ou grupos de arquivos em todo
o mundo. As maiores dificuldades são o custo e a disponibilidade
de profissionais qualificados e experientes que possam ser libera-
dos pelas instituições em que trabalham pelos períodos de tempo
necessários.
1.3.2 A arquivística audiovisual apenas nos últimos anos começou a
emergir como disciplina acadêmica. O número de programas de
pós-graduação existente é ainda pequeno, mas tudo indica que
crescerá. Habitualmente envolvem um ou dois anos de dedicação
em tempo integral, seguidos de estágios práticos. A julgar pela cres-
cente visibilidade que esses programas adquirem nas federações, a
perspectiva de emprego para os graduados é alta.
1.3.3As federações começam a enfrentar agora a difícil, mas inevi-
tável, questão da exigência de graduação formal para os ar-
quivistas audiovisuais. Ainda que não seja resolvida em curto
prazo, a etapa é tão necessária nesse campo quanto o foi no de
outras profissões.
1.3.4Aliteraturaespecífica,queincluimanuaispráticos,rigorososestudos
de caso, teses de doutorado e uma série de recursos técnicos, não pára
de crescer. Pode-se tomar conhecimento da existência desses mate-
riais e obter parte deles através de pesquisa nos portais na Internet
das federações, da Unesco e de arquivos individuais.
1.3.5Contudo, há pouca evidência de que este crescimento tenha se
transformado em reconhecimento formal da profissão por parte
de governos ou de autoridades reguladoras do trabalho. Se é pro-
vável que arquivos gerais, bibliotecas e museus sejam geridos por
especialistas reconhecidos e adequadamente qualificados nesses
campos, isso parece menos verdade no que respeita os arquivos
audiovisuais, que são frequentemente dirigidos por pessoas sem as
necessárias competências.
1.4 Principais questões atuais
1.4.1Em muitos países – talvez a maioria – já não é mais necessário ar-
gumentar que os filmes e registros precisam ser preservados e exigem
armazenamento correto e outros cuidados para que tenham sua
sobrevivência garantida. Este princípio recebe pelo menos apoio
verbal, ainda que as verbas não venham junto com este apoio.
Sem esquecer esta última circunstância, uma ampla diversidade
de outras questões e problemas que surgiram recentemente merece
| 4140 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Introdução
atenção. Muitos serão analisados posteriormente em seus contex-
tos, mas estão agrupados abaixo de forma sumária, sem nenhuma
ordem específica, com o objetivo de chamar a atenção para eles e
colocá-los em evidência. (O autor não tem a pretensão de ser capaz
de adivinhar o futuro quando algumas questões comprovar-se-ão
menos importantes do que outras.)
1.4.2 Digitalização: “Você ainda não digitalizou seu acervo?” é a per-
gunta feita sistematicamente aos arquivistas por políticos, adminis-
tradores e supervisores dos orçamentos dos arquivos. A pergunta e
seus pressupostos são muito reveladores de sua desinformação, mas
o movimento para a tecnologia digital por parte das organizações
da mídia tem um efeito profundo sobre a prática arquivística, as
demandas de acesso e o planejamento estratégico.
1.4.3Obsolescência: A digitalização coloca o dilema da obsolescência
cada vez mais rápida dos formatos, com os arquivos precisando
lidar com os mistérios da preservação digital, por um lado, e, por
outro, com a necessidade de continuar preservando e atendendo
às demandas de acesso aos “formatos tradicionais”, mais antigos.
1.4.4Valor de artefato: As cópias de filmes, os discos de vinil e ou-
tros suportes anteriormente encarados e administrados como bens
de consumo substituíveis e descartáveis começaram a ser perce-
bidos como artefatos que exigem abordagens e manuseios muito
diferentes. Esta mudança de percepção deu um novo status a, por
exemplo, cópias em nitrato sobreviventes e ao conjunto de normas
relativas a padrões de projeção, competências e habilidades.
1.4.5Países em desenvolvimento: Existe uma crescente consciência
sobre o fato de que a arquivística audiovisual obedeceu tradicio-
nalmente a uma pauta sobretudo euro-americana que deu pouca
atenção às realidades dos países em desenvolvimento. Instalações,
padrões e competências disponíveis no hemisfério norte simples-
mente não estão disponíveis no hemisfério sul, onde soluções mais
simples, baratas e sustentáveis precisam ser encontradas. Atraves-
sar esse abismo e compartilhar recursos, habilidades e descobertas
é atualmente um grande desafio para a profissão.
1.4.6Regionalização e proliferação: Um número crescente de fede-
rações regionais reúne-se às antigas federações internacionais, o
que pode ser sinal de um importante redirecionamento de papéis e
prioridades. Além disso, novos eventos relacionados com arquivos
– como festivais de filmes silenciosos realizados na Europa – au-
mentam a complexidade do campo e de suas possibilidades.
1.4.7Comercialização e acesso: Prover acesso é, em suas muitas for-
mas, uma prova visível – e muitas vezes a justificativa política – da
manutenção de recursos públicos para os arquivos audiovisuais. É
também a razão de ser do arquivo, e o status da profissão depende
em grande medida de quão bem o acesso é propiciado. A pressão
para que os arquivos gerem receitas, que tenham consciência de
| 4342 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual Introdução
sua imagem, e a introdução de estratégias de cobrança de servi-
ços são sintomas de um tempo em que se espera que a preserva-
ção do patrimônio cada vez mais pague suas próprias despesas.
As tendências e imperativos do mercado colocam novas questões
que abrem desafios éticos e de gestão.
1.4.8Estatutos: Diferentemente da maior parte das bibliotecas, arqui-
vos de documentos e museus, muitos dos arquivos audiovisuais do
mundo carecem de uma base legal, estatutos, decretos de criação
ou documentos equivalentes que definam seu papel, sua segurança
e sua missão. Eles são vulneráveis aos desafios e mudanças, e sua
continuidade pode ser bastante ilusória.
1.4.9Desafios éticos: Em tudo – da política de acesso à possibilidade
de mudar a história pela manipulação digital – o arquivista audiovi-
sual enfrenta um leque cada vez maior de dilemas e pressões éticas.
1.4.10A Internet: A rede mundial, atualmente um importante instru-
mento de prestação de serviços e de pesquisas, coloca também no-
vas questões relativas à seleção, incorporação e preservação, bem
como questões de ordem conceitual e ética.
1.4.11 Propriedade intelectual: As novas tecnologias e suas variadas
formas de distribuição e acesso criaram novas oportunidades co-
merciais para velhas imagens e sons. O direito público ao acesso
livre se retrai à medida que restrições legais tornam-se mais amplas
e complexas, e os governos ampliam a duração do controle do di-
reito autoral diante da pressão das empresas. Observa-se também
um aumento paralelo na pirataria de imagens e sons.
1.5 Contexto histórico
1.5.1Os conceitos de biblioteca, arquivo e museu são heranças da an-
tiguidade. O desejo de acumular e transmitir a memória de uma
geração para outra cresceu ao longo da história humana. O século
xx caracterizou-se por novas formas técnicas de memória: a grava-
ção sonora e a imagem em movimento. Sua preservação e acesso
dependem de uma nova disciplina, síntese das três tradições men-
cionadas. A filosofia e os princípios da arquivística audiovisual, da
guarda e conservação desse novo tipo de memória emanam daque-
les fundamentos. A filosofia praticada na arquivística audiovisual – o
que é feito ou não, e por que – é consequência daqueles princípios
e valores fundadores.
1.5.2Este documento pode ser encarado como uma contribuição a um
vasto e respeitável corpo de escritos, discussões e debates sobre a
filosofia, os princípios e a prática de algo que chamo de profissões
de coleta e conservação, e sobre o papel e a responsabilidade de
arquivos, bibliotecas e museus na sociedade. Parte das intenções do
autor estará realizada se o texto for útil para introduzir o leitor a
esse amplo universo.
4544 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
1.5.3Os próximos capítulos explorarão os valores e princípios e, de-
pois, a definição de conceitos e da terminologia da arquivística
audiovisual. Em seguida, discute-se sua aplicação em contextos
de organizações e em relação à natureza das mídias audiovisuais.
Finalmente, considera-se a base ética do campo, tanto a nível pes-
soal quanto institucional.
1.5.4A discussão, contudo, não tem uma postura distante e fria. Paixão,
poder e política são tão inseparáveis da arquivística audiovisual
quanto de quaisquer outras disciplinas mais tradicionais de coleta e
conservação. O desejo de proteger a memória coexiste com o dese-
jo de destruí-la. Já foi dito que “ninguém e nenhuma força poderão
abolir a memória”7. Mas a história mostrou – e nunca mais dra-
maticamente do que nos últimos cem anos – que a memória pode
ser distorcida e manipulada e que seus suportes são tragicamente
vulneráveis à negligência e à destruição proposital.
1.5.5Em outras palavras: a preservação consciente e objetiva da memó-
ria é um ato intrinsecamente político e pleno de valores. Não há
poder político sem controle sobre os arquivos e sobre a memória.
A democratização concreta sempre poderá ser medida à luz deste
critério essencial: o grau de participação na formação dos arquivos,
o acesso a eles e a participação em sua interpretação8.
8 . J a c q u e s D e r r i d a , A rc h i v e f e v e r : a F re u d i a n i m p re s s i o n , U n i v e r s i t y o f C h i c a g o P re s s , 1 9 9 6 , p . 4 , n . 1 .
7 . “ O f o g o n ã o p o d e m a t a r o s l i v ro s . A s p e s s o a s m o r re m , m a s o s l i v ro s n u n c a m o r re m . N i n g u é m e n e n h u m a f o r ç a p o d e r ã o a b o l i r a m e m ó r i a . [ . . . ] N e s t a g u e r r a , s a b e m o s , o s l i v ro s s ã o a r m a s . P a r t e d e n o s s a d e d i c a ç ã o é s e m p re m a n t ê - l o s c o m o a r m a s u s a d a s e m d e f e s a d a l i b e rd a d e d o h o m e m . ” . F r a n k l i n D e l a n o R o o s e v e l t , M e s s a g e t o t h e b o o k s e l l e r s o f A m é r i c a [ M e n s a g e m a o s l i v re i ro s d a A m é r i c a ] , 6 d e m a i o d e 1 9 4 2 .
2.1 Premissas básicas
2.1.1Este documento baseia-se necessariamente em determinadas pre-
missas que precisam ficar claras desde já.
2.1.2Ele tenta sintetizar os pontos de vista de profissionais que falam em
seu próprio nome e não como representantes oficiais de institui-
ções ou federações (o que teria exigido uma abordagem diferente e
muito mais complexa). Em consequência, ele não representa uma
posição “oficial”, salvo se alguma organização o adotar explicita-
mente como tal.
2.1.3 O documento adota a postura da Unesco que considera a arqui-
vística audiovisual como um campo único, no qual operam várias
2 | Fundamentos
| 47Fundamentos46 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
federações e diversos tipos de instituições de arquivo, e que pode
ser encarado como uma área profissional única com pluralidade e
diversidade internas. (Outros pontos de vista, sabemos, encaram, por
exemplo, os arquivos de filme, os de televisão e os de som como
campos tradicionalmente separados.)
2.1.4Independentemente do grau de seu reconhecimento acadêmico
ou oficial atual efetivo, a arquivística audiovisual será tratada
aqui como uma profissão com seus direitos específicos. Donde,
não será encarada como um subconjunto especial de uma outra profis-
são existente como, por exemplo, a biblioteconomia e a museolo-
gia – também profissões de coleta e conservação da arquivística
clássica –, embora estreitamente relacionada a elas. Sobre isso
falaremos no parágrafo 2.4.
2.1.5As respectivas federações são fóruns apropriados para a discussão e
o posterior desenvolvimento da filosofia e dos princípios da arqui-
vística audiovisual. Contudo, sabemos que muitos arquivos e arqui-
vistas audiovisuais, por diversas razões, não pertencem a nenhuma
dessas associações. Este documento tem a mesma relevância para
tais instituições e profissionais, e suas opiniões também devem ser
levadas em consideração.
2.1.6Este debate sobre teoria e princípios da arquivística audiovisual
acontece num momento em que o panorama mundial está mu-
dando, e as federações, antigas e novas, adaptam-se às mudanças.
Essas mudanças, como não poderia deixar de acontecer, colocam
em cheque tanto os princípios quanto a prática.
2.1.7A intenção é, na medida do possível, documentar o que existe
mais do que inventar ou impor teorias e modelos: ser mais descriti-
vo do que prescritivo9. A filosofia da arquivística audiovisual pode
ter muito em comum com as outras profissões de coleta e conser-
vação, mas é lógico que emane da natureza dos documentos audiovisuais
mais do que de uma analogia automática com aquelas outras profissões10. Se-
guindo o mesmo raciocínio, os documentos audiovisuais merecem
ser descritos em termos do que são e não do que não são. Termos
tradicionais como “não-livros” “não-texto” ou “materiais espe-
ciais” – comuns na linguagem das profissões de coleta – são inade-
quados. Não seria igualmente lógico descrever livros ou arquivos
de correspondência como materiais “não-audiovisuais”? Não há
lógica na implicação de que um tipo de documento é “normal” ou
“padrão” e que tudo o mais, definido em relação a ele, tem uma
posição hierárquica inferior.
2.1.8 A arquivística audiovisual é um campo que tem sua própria termi-
nologia e seus próprios glossários (isto será tratado no Capítulo 3).
O jargão audiovisual é um vocabulário dinâmico que se modifica
no tempo e com as mudanças da área. Palavras como filme, cine-
ma, audiovisual, programa e registro podem ter uma ampla gama
de significados e conotações de nuances diferentes em função do
contexto e do país.
9 . A o e s t a b e l e c e r, m a i s a d i a n t e , p r i n c í p i o s é t i c o s , p a s s e i d a d e s c r i ç ã o p a r a j u í z o d e v a l o re s s o b re c o m p o r t a m e n t o s d e s e j á v e i s , e m b o r a b a s e a d o n a a b o rd a g e m d e s c r i t i v a s e g u i d a n o c o n j u n t o d o d o c u m e n t o .
1 0 . E s s a i d e i a p o d e s e r m e l h o r t r a b a l h a d a . Ve r n e H a r r i s a r g u m e n t a : “ E u d i s c u t i r i a a n o ç ã o d e u m a f i l o s o f i a q u e e m a n a d a n a t u re z a d a m í d i a . N e n h u m re g i s t ro f a l a p o r s i . S u a ‘ f a l a ’ é m e d i a d a p o r i n d i v í d u o s , i n s t i t u i ç õ e s , d i s c u r s o s e t c . E n t ã o , é m e l h o r d i z e r : u m a f i l o s o f i a q u e e m a n a d a s m e d i a ç õ e s e s p e c í f i c a s a o a u d i o v i s u a l ” .
| 49Fundamentos48 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
2.2 As profissões de coleta e conservação
2.2.1 A arquivística audiovisual é uma das profissões pertencentes ao
grupo geral das profissões chamadas de coleta e conservação. A
nomenclatura difere de um país para outro mas, de maneira geral,
essas profissões incluem:
p a biblioteconomia
p a arquivística
p a conservação de materiais
p a documentação
p a ciência da informação
p a museologia, a curadoria de arte e seus subconjuntos.
Essa lista não é exaustiva!
Conceitos padrão2.2.2Os conceitos padrão tendem à simplificação. Nesse sentido, o arqui-
vista é a pessoa que cuida de arquivos e localiza papéis ou registros.
O bibliotecário é a pessoa que fica atrás de um balcão de empréstimo
ou organiza livros em uma estante. O arquivista de som ou arquivista
de filmes talvez ainda não possua uma imagem tão clara e definida
na consciência coletiva.
2.2.3A forma como os profissionais se definem a si mesmos para go-
vernos, autoridades ou diante de seus colegas pode ser importante
para os profissionais, mas as sutilezas da definição têm importân-
cia apenas em círculos restritos. Os arquivistas audiovisuais, en-
quanto grupo, carecem de uma imagem pública de maior clareza.
Nos círculos profissionais, têm a necessidade e o direito de ser
reconhecidos como diferentes dos arquivistas e de não se tornarem
vítimas da semântica11.
2.2.4Algumas vezes, a identidade manifesta-se a nível institucional e
está estreitamente ligada ao caráter, finalidade e filosofia da ins-
tituição em que opera. É o caso das bibliotecas, arquivos e mu-
seus nacionais. Algumas vezes, manifesta-se em nível de um setor
dentro de um quadro maior, onde a profissão coexiste com outras
mas mantém sua própria integridade e filosofia. Nesse caso estão
as bibliotecas de galerias ou museus de arte, arquivos de manus-
critos em vários tipos de instituição, e arquivos internos de orga-
nizações comerciais.
2.2.5Acima dessas considerações, o arquivista audiovisual opera como
um profissional nesses contextos, utiliza suas competências, co-
nhecimentos e filosofia nesses diversos contextos. A autonomia
profissional – ou seja a liberdade de expressar sua identidade
e integridade profissionais, aplicar suas competências e agir de
forma ética e responsável, independentemente das circunstân-
cias – pode ser mais fácil em alguns lugares do que em outros,
mas é relevante em todos.
1 1 . A o d a r u m n o m e , e m 1 9 9 8 , p a r a s e u n o v o c u r s o d e a rq u i v í s t i c a a u d i o v i s u a l , a S c h o o l o f I n f o r m a t i o n , L i b r a r y a n d A rch i ve S tud ies (S i l as ) da U n i v e r s i t y o f N e w S o u t h Wa l e s e o N a t i o n a l F i l m a n d S o u n d A rc h i v e d a A u s t r á l i a d e c i d i r a m - s e s o b re o t e r m o “ g e s t ã o a u d i o v i s u a l ” . E m b o r a n ã o s e j a u m a s o l u ç ã o i d e a l p a r a o d i l e m a d a n o m e n c l a t u r a , n a é p o c a o t e r m o e v i t o u a c o n f u s ã o c o m o s c u r s o s d e a rq u i v o s e b i b l i o t e c o n o m i a q u e ex is t i am na S i l as , c r i ando u m t e rc e i ro c u r s o c o m s t a t u s e q u i v a l e n t e a o d a q u e l e s .
| 51Fundamentos50 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
2.3 Valores
2.3.1A arquivística audiovisual compartilha valores com as profissões
de coleta e conservação e com os programas, recomendações e
convenções da Unesco relativos à proteção e acesso ao patrimô-
nio documental e cultural, sobretudo a Convenção para a salvaguar-
da do patrimônio imaterial (2003), Memória do mundo: diretrizes para a
salvaguarda do patrimônio documental (2002) e a Recomendação para a
salvaguarda e preservação das imagens em movimento (1980). Expomos, a
seguir, os valores característicos da profissão. Aspectos éticos serão
tratados no Capítulo 7.
2.3.2Os documentos audiovisuais são tão importantes – em alguns ca-
sos mesmo mais importantes – quanto outros tipos de documentos
e artefatos. A relativa novidade de sua invenção, seu caráter fre-
quentemente popular e sua vulnerabilidade às rápidas mudanças
tecnológicas não diminuem sua importância. Consequentemente,
sua conservação e o acesso a eles devem ser garantidos, assim como
os recursos necessários para isso.
2.3.3Os arquivistas audiovisuais, entre outras responsabilidades, preci-
sam garantir a autenticidade e a integridade dos materiais sob seus
cuidados, que precisam ser protegidos de danos, de censura ou de
alterações intencionais. Sua seleção, proteção e acesso em nome
do interesse público devem ser orientados por diretrizes objetivas
e não submetidas a pressões políticas, econômicas, sociológicas ou
ideológicas como, por exemplo, noções do que seja num determi-
nado momento considerado politicamente correto. O passado é
fixo. Ele não deve ser alterado.
2.3.4Os documentos audiovisuais são muitas vezes efêmeros por sua
própria natureza. Desta forma, as ações de coleta e preservação
podem exigir vigilância e presteza.
2.3.5Num contexto em que a propriedade e a exploração dos direitos
patrimoniais têm grande importância comercial, os arquivistas au-
diovisuais procuram um equilíbrio entre a legitimidade de tais di-
reitos e o direito universal de acesso à memória coletiva. Este inclui
o direito de assegurar a perenidade de uma obra editada sem neces-
sariamente ter de levar em conta aqueles direitos patrimoniais. Esse
valor inspirou o conceito de depósito legal, aplicado amplamente a
livros e outros suportes escritos, conquistado pelas bibliotecas e que
vem sendo progressivamente estendido para a área audiovisual.
2.3.6Comoadequadoaumaprofissãonovaerelativamentepoucodesen-
volvida, ligada a uma indústria de dimensões mundiais, existe entre os
arquivistas audiovisuais uma consciência internacional: a perspectiva
da produção audiovisual local e nacional com relação a um patrimô-
nio internacional. Têm também a consciência do contexto histórico
no qual recursos e oportunidades foram distribuídos desequilibrada-
mente entre o “primeiro mundo” e o “terceiro mundo”, o que resul-
tou na perda da memória audiovisual em muitas partes do planeta12.
1 2 . A D e c l a r a ç ã o d e S i n g a p u r a , a d o t a d a p e l a c o n f e r ê n c i a c o n j u n t a d a I a s a e S e a p a v a a d e 2 0 0 0 , e s c l a re c e : “ A I a s a e a S e a p a v a a a p o i a m o p r i n c í p i o d o d e s e n v o l v i m e n t o a d e q u a d o e e q u i t a t i v o d a s p r á t i c a s e d a s i n f r a e s t r u t u r a s d e a rq u i v í s t i c a a u d i o v i s u a l e m t o d o s o s p a í s e s d o m u n d o . A m e m ó r i a aud iov isua l do sécu lo XX I d e v e r i a s e r v e rd a d e i r a e e q u i l i b r a d a m e n t e o re f l e x o d e t o d o s o s p a í s e s e d e t o d a s a s c u l t u r a s . O f r a c a s s o d o s é c u l o X X e m a s s e g u r a r e s s a m e m ó r i a e m m u i t a s p a r t e s d o m u n d o n ã o p o d e s e re p e t i r. E s t e p r i n c í p i o e s t á e m c o n s o n â n c i a c o m o d e s e n v o l v i m e n t o d e a p o i o e e s t í m u l o m ú t u o s q u e s ã o p a r t e d a r a z ã o d e s e r d e a m b a s a s i n s t i t u i ç õ e s ” .
| 53Fundamentos52 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
2.3.7Boa parte do trabalho dos arquivistas audiovisuais não pode ser
controlada ou validada. Os riscos de conflitos de interesse são, por-
tanto, consideráveis. Por isso, o exercício da profissão demanda
um rigoroso senso de ética e de integridade pessoais. Elementos
integrantes dessa postura são a clara demonstração de trabalhos
executados, a transparência, a honestidade e a precisão.
2.3.8Os arquivistas audiovisuais trabalham em contextos comerciais e
não comerciais. Esses contextos não são mutuamente exclusivos e
os arquivistas precisam muitas vezes conciliar julgamentos de va-
lor cultural com imperativos de uso comercial. Algumas empresas
comerciais levam o trabalho dos arquivos audiovisuais a sério: ao
proteger seu próprio patrimônio audiovisual estão também agindo
em seu próprio interesse. Outras dão pouca relevância ao assunto.
O contexto cria suas próprias questões éticas e práticas.
2.3.9Na coleta e no uso de materiais de acervo, os arquivistas audiovi-
suais, como outros profissionais de coleta e conservação, operam
numa área onde regras, relacionamentos e propriedades nem sem-
pre estão claras, e a privacidade e o sigilo devem ser respeitados.
Espera-se que o arquivista tenha a capacidade de merecer a con-
fiança nele depositada e mantenha sua discrição.
2.3.10O trabalho do arquivista audiovisual raramente compartilha o
charme e o prestígio das indústrias das quais protege a produção.
Ele não recebe todos os recursos de que necessita, não é ampla-
mente conhecido, e a maior parte das vezes seu trabalho demanda
tempo e energia. Ele atrai e conserva pessoas motivadas por um
sentimento de vocação, para as quais o trabalho realizado repre-
senta a própria recompensa.
2.4 A arquivística audiovisual como profissão
2.4.1Ao afirmar o status profissional da atividade do arquivista audiovi-
sual, é necessário definir o conceito aplicado na prática às atuais
profissões de coleta e conservação. Para a construção de uma defi-
nição, propomos que as características de uma profissão incluam:
p um corpo de conhecimentos e uma literatura
p um código de ética
p princípios e valores
p terminologia e conceitos
p perspectivas ou paradigmas gerais
p uma filosofia codificada por escrito
p procedimentos, métodos, padrões e códigos das melhores
práticas
p fóruns de discussão, de estabelecimento de padrões e de
resolução de problemas
p normas de formação e de verificação de conhecimentos
compromisso: membros utilizam seu próprio tempo perseguin-
do os melhores interesses em prol de sua atividade.
| 55Fundamentos54 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
Profissionais são, por definição, pagos por seu trabalho. O amador,
também por definição, dedica-se por puro amor a uma tarefa ou a
um campo de atividade mas é possível que o trabalho e a motiva-
ção de ambos sejam os mesmos.
2.4.2Como demonstrará este documento, esses elementos participam
efetivamente da definição da arquivística audiovisual, mesmo que
um ou dois deles – sobretudo as normas de verificação de conheci-
mentos – ainda estejam em embrião13. Antes de discutir esses ele-
mentos, convém destacar alguns pontos de história e percepção.
2.4.3A arquivística audiovisual originou-se de vários contextos institu-
cionais. Na falta de alternativas, foi, e ainda é, natural que os que
a praticam encarem e interpretem seu trabalho à luz de suas dis-
ciplinas formadoras ou de suas instituições-mães. Essas disciplinas
incluem, em sua variedade, formação em biblioteconomia, museo-
logia, ciência de arquivos, história, física e química, administra-
ção e as práticas técnicas envolvidas nas atividades de rádio e
teledifusão, registro de imagens e sons. Podem excluir também
algum tipo de treinamento formal, ou seja, podem ser fruto uma
formação autodidata e entusiasta14. Pressionado a especificar sua
filiação profissional, o arquivista audiovisual pode amparar-se
em sua qualificação formal – se ele a tiver – ou identificar-se
com os termos arquivista ou conservador de sons, de filmes, au-
diovisual, de televisão, ou similares. Alguns podem mencionar
suas relações com uma ou mais federações como prova de seu
status profissional.
1 3 . A s n o r m a s d e v e r i f i c a ç ã o d e c o n h e c i m e n t o s p o d e m i n d e p e n d e r d e q u a l i f i c a ç õ e s a c a d ê m i c a s . N o c a m p o d a s a r t e s e d a c o n s e r v a ç ã o d e m a t e r i a i s , p o r e x e m p l o , a s s o c i e d a d e s p ro f i s s i o n a i s e s t a b e l e c e r a m s e u s p r ó p r i o s e x a m e s d e c e r t i f i c a ç ã o a n t e s d o s u r g i m e n t o d o s c u r s o s u n i v e r s i t á r i o s . N o c a m p o d a a rq u i v í s t i c a a u d i o v i s u a l , o p ro c e s s o s e r á i n v e r s o .
1 4 . A t í t u l o d e re g i s t ro , o a u t o r t e m u m d i p l o m a d e p ó s - g r a d u a ç ã o e m b i b l i o t e c o n o m i a , o b t i d o e m 1 9 6 8 , q u a n d o a a t i v i d a d e d e a rq u i v a m e n t o d e f i l m e s e r a re s p o n s a b i l i d a d e d a i n s t i t u i ç ã o e m q u e t r a b a l h a v a , a B i b l i o t e c a N a c i o n a l d a A u s t r á l i a . C o n t u d o , a t e o r i a e a p r á t i c a d a a rq u i v í s t i c a a u d i o v i s u a l f o i u m a c o n q u i s t a a u t o d i d a t a – o u , m a i s p re c i s a m e n t e , d e s c o b e r t a – n a p r á t i c a d e m u i t o s a n o s .
2.4.4Ou seja, os arquivistas audiovisuais – coletivamente ou em suas res-
pectivas especialidades – ainda estão longe de ter uma identidade
profissional clara e sem ambiguidades. Contudo, muitos profissio-
nais com formação universitária que ocupam cargos de responsa-
bilidade têm a firme convicção de que não são bibliotecários, arqui-
vistas generalistas ou museólogos, e isso inclui mesmo aqueles que
tiveram educação formal nessas áreas. A frequente identificação
pessoal com frases como arquivista de filmes ou arquivista de som é uma
forma de afirmar uma identidade percebida.
2.4.5Quando é, então, que um novo campo de atividade torna-se uma
profissão válida e deixa de ser – ou de ser encarada como – parte
de alguma outra coisa? Na falta de circunstâncias externas que o
definam, em último caso a resposta pode estar na imagem e na
própria afirmação disso: nós somos o que acreditamos ser, o que
dizemos que somos e demonstramos que somos. Num mundo em
que a produção audiovisual explode, os arquivistas audiovisuais es-
tão hoje em boa posição para serem ouvidos e reconhecidos como
um grupo diferente de todas as profissões análogas.
2.4.6Uma parte do processo consiste em responder às reações de pessoas e
degruposprofissionaisexistentesquediscordamdequeaarquivísti-
caaudiovisualsejaumaprofissãoàparte.Odebateélegítimoepode
terefeitosbenéficoseesclarecedoresparaambasaspartes,quandose
buscaaverdade.Umanovaprofissãoinevitavelmentemudaasitua-
ção existente e deixa claro que antigas analogias não se aplicam a um
| 57Fundamentos56 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
novomodelo.Osadversáriospoderãoafirmarocontrário,etentar
adequar as novas realidades a um modelo existente. Algumas vezes,
essespontosdevistapodemserabertamentediscutidos;outrasvezes,
o “novo” pode ser caracterizado como um desvio do “ortodoxo” e
ser discutido nesses termos15. Nossa posição é que os arquivistas au-
diovisuais deveriam defender objetivamente seu modelo e avaliar os
argumentos com objetividade. É inevitável que aqui haja questões de
princípio mas também questões políticas envolvidas.
Especializações16
2.4.7Como também acontece nas outras profissões de coleta e conser-
vação, a especialização em temas ou suportes é uma característica
tradicional dos arquivistas audiovisuais, e isso continuará aconte-
cendo, tanto em razão de preferências individuais quanto da ne-
cessidade de atender carências e objetivos institucionais. Em conse-
quência disso, há arquivistas de filmes, de som, de televisão e de rádio que
encontram nesses termos sua identidade profissional básica. Há
pessoas que se especializam em determinadas áreas de conteúdo,
em uma combinação de mídias, em áreas de difusão ou de técnicas
específicas. Essas especializações têm a ver com preferências e com
necessidades. Num campo de conhecimentos tão vasto e que se ex-
pande rapidamente não há lugar mais para especialistas universais.
2.4.8Os exemplos são inúmeros, mas basta citar alguns. Os arquivistas
de som podem se especializar em sons da natureza, documentos et-
nológicos, história oral ou em alguns gêneros musicais. Arquivistas
defilmespodemescolhergênerosdefilmesdelongametragem,do-
1 5 . P o r e x e m p l o , o c a p í t u l o “ M a n a g i n g re c o rd s i n s p e c i a l f o r m a t s ” , i n E l l i s , J . ( e d . ) K e e p i n g a rc h i v e s ( D . W. T h o r p e / A u s t r a l i a n S o c i e t y o f A rc h i v i s t s , 1 9 9 3 ) , d i s c u t e a “ s e p a r a ç ã o d o s s u p o r t e s ” e m o p o s i ç ã o a u m a a b o rd a g e m d o “ a rq u i v o t o t a l ” , n o q u a l t e r m o s c o m o “ a rq u i v o d e f i l m e s ” , “ a rq u i v o d e s o m ” e “ a rq u i v i s t a d e s o m ” s ã o s i s t e m a t i c a m e n t e c o l o c a d o s e n t re a s p a s . Q u a n d o s e re f e re a e s t e s , a n o t a q u e s e t r a t a “ q u a s e d e u m a d i s c i p l i n a à p a r t e , [ c o m i n t e r s e c ç õ e s ] c o m a g e s t ã o d e a rq u i v o s e a b i b l i o t e c o n o m i a ” .
1 6 . U m t e m a m u i t o d e b a t i d o é a q u a l i f i c a ç ã o o u f o r m a ç ã o d o s d i re t o re s e v i c e - d i re t o re s d e a rq u i v o s a u d i o v i s u a i s . A l g u n s d e f e n d e m q u e t a i s p e s s o a s d e v e r i a m s e r p ro f i s s i o n a i s t re i n a d o s n a á re a e t e r u m d i p l o m a a d e q u a d o o u e x p e r i ê n c i a c o m o t é c n i c o s o u h i s t o r i a d o re s o u c u r a d o re s o u e s p e c i a l i s t a s n o a s s u n t o , e , c o n s e q u e n t e m e n t e , t e r u m a d e q u a d o q u a d ro d e re f e r ê n c i a s p a r a a s t a re f a s a d m i n i s t r a t i v a s . A l g u n s s e p re o c u p a m c o m a c re s c e n t e t e n d ê n c i a d e i n d i c a r c o m o d i re t o re s d e a rq u i v o s a d m i n i s t r a d o re s s e m n e n h u m a e s p e c i a l i d a d e n a á re a .
cumentais,animação.Áreasespecíficasderádioetelevisãoincluem
ficção,noticiário,atualidades,publicidade.Restauraçãofísica,copia-
gem e revelação, tratamento de materiais de áudio e vídeo, restau-
ração óptica ou digital, manutenção de equipamentos são algumas
das especialidades técnicas. Habilidades gerenciais e administrativas
na área de prestação de serviços, incorporação e gestão de acervo,
difusão e comercialização constituem outros tipos de especialização.
Reconhecimento2.4.9A obtenção de reconhecimento formal por parte de organismos de
âmbito acadêmico, governamentais e industriais é um importante
sinal de maturidade e um processo ainda em curso. Até que isso
seja conseguido junto à administração pública de diferentes paí-
ses, os arquivistas audiovisuais, por exemplo, devem ser assimila-
dos, por analogia, à categoria mais próxima17. As situações podem
variar muito, e isso eventualmente resulta em assimilações inade-
quadas que desqualificam a complexidade e a responsabilidade do
trabalho, ou exigem que os arquivistas audiovisuais tenham quali-
ficações formais inapropriadas ou desnecessárias (excluindo com
isso quadros potencialmente valiosos).
Bibliografia e conhecimentos2.4.10 Há vinte e cinco anos, a bibliografia específica de um arquivista
audiovisual ocuparia pouco espaço numa estante: alguns manuais e
estudostécnicos,enadamais.Atualmente,umabibliografiabásica
que cresce exponencialmente está além da capacidade de ser domi-
nada por uma única pessoa. Uma grande variedade de questões de
1 7 . To d o s t ê m s u a s a n e d o t a s p re d i l e t a s . E i s a m i n h a : e m 1 9 1 3 , o g o v e r n o a u s t r a l i a n o n o m e o u s e u p r i m e i ro o p e r a d o r c i n e m a t o g r á f i c o o f i c i a l , p o s t o i n é d i t o . C o m o c l a s s i f i c á - l o ? F á c i l : e l e re c e b e r i a o m e s m o s a l á r i o d e u m a g r i m e n s o r, p o rq u e a m b o s u s a v a m t r i p é s .
| 59Fundamentos58 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
história, teoria e prática está documentada e é debatida em uma
série enorme de monografias, manuais e compêndios, bases de da-
dos técnicos, dissertações, guias e normas da Unesco, bem como
em jornais e boletins profissionais. Entre esses últimos estão as pu-
blicações das principais federações.
2.4.11A disseminação da Internet estimulou muito a expansão do conhe-
cimento ao tornar disponível para consulta (aos que têm acesso à
rede) uma grande quantidade de catálogos, sites, bases de dados e
outros recursos. Além disso, o crescente número de servidores de
listas18 consolidou o sentimento de comunidade profissional, esti-
mulou a tomada de consciência, multiplicou muito a velocidade da
troca de informações e da resolução de problemas.
2.4.12A enorme bibliografia e a soma de conhecimentos das profissões de
coleta e conservação estão disponíveis aos arquivistas audiovisuais
e são importantes nas áreas de habilidades e necessidades comuns,
como as atividades de conservação de materiais, catalogação e ad-
ministração de acervos. Os arquivistas audiovisuais também po-
dem contribuir para essa massa de conhecimentos, sobretudo em
áreas de sua atividade que têm aplicação em contextos mais tradi-
cionais, como é o caso por exemplo da preservação de microfilmes
e de registros de história oral.
2.4.13Os vastos domínios de estudos sobre cinema, televisão, rádio e som
valem-se muito dos recursos e serviços dos arquivos audiovisuais.
1 8 . A q u a n t i d a d e e a e s p e c i a l i z a ç ã o d o s s e r v i d o re s d e l i s t a s c re s c e m s e m p a r a r e i n c l u e m l i s t a s o p e r a d a s p e l a s f e d e r a ç õ e s e p o r v á r i a s s o c i e d a d e s p ro f i s s i o n a i s . Ta l v e z a m a i o r e m a i s a t i v a d e l a s s e j a a d a A m i a , q u e a p re s e n t a d i a r i a m e n t e d ú z i a s d e m e n s a g e n s n o v a s (w w w. a m i a n e t . o r g ) .
Os profissionais desses arquivos, por sua vez, contribuem cada vez
mais com monografias e periódicos19 que formam hoje uma litera-
tura abundante e distinta de seus campos correlatos.
2.4.14Deve-se reconhecer, contudo, que a riqueza desses conhecimentos
não é igualmente disponível para todos. Como a maior parte deles
é escrita em inglês, profissionais que não dominam esse idioma
estão em desvantagem.
2.5 A formação de arquivistas audiovisuais
2.5.1A existência de cursos universitários credenciados é uma das carac-
terísticas de uma profissão. Existem, há muito tempo e no mundo
inteiro, cursos universitários que preparam profissionais de coleta
e conservação de documentos, e muitas instituições exigem um di-
ploma de graduação ou de pós-graduação para a contratação de
profissionais. A titulação acadêmica também é necessária para a
afiliação a algumas associações profissionais que oferecem fóruns
de discussão, debates e aperfeiçoamento profissional e defendem os
interesses coletivos de seus membros.
2.5.2Os arquivistas audiovisuais evoluíram num contexto muito diferen-
te.Oriundosdeformaçãodiversificada,nemsemprediplomadosem
disciplinas de coleta e de conservação, em geral foram obrigados
1 9 . A b a s e d e d a d o s P i p m a n t i d a p e l a F i a f i n d e x a m a i s d e 2 0 0 p u b l i c a ç õ e s re l a t i v a s a c i n e m a e t e l e v i s ã o d e t o d o o m u n d o .
| 61Fundamentos60 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
a aprender seu trabalho em condições que exigiam que se pri-
vilegiassem os aspectos práticos de funcionamento do arquivo e
se relegasse para segundo plano sua dimensão teórica. Cursos e
seminários de curta duração ofereceram a possibilidade de com-
partilhar uma capacitação teórica a pessoas que já exerciam a pro-
fissão, e continuaram a fazê-lo20. Esses cursos respondem a uma
necessidade fundamental mas, por sua própria natureza, não po-
derão nunca proporcionar uma base global de conhecimentos de
amplitude profissional.
2.5.3Os cursos de nível universitário em arquivística audiovisual, que
se multiplicaram a partir de meados da década de 1990, vieram
preencher uma lacuna21. Oferecem uma formação prática e teórica
que, ao final de um ou dois anos, é consagrada por um diploma.
Paralelamente, cursos mais gerais em biblioteconomia e arquivísti-
ca começaram a incorporar elementos audiovisuais à medida que
estes passaram a ocupar um lugar cada vez maior nas coleções ge-
rais das bibliotecas, dos arquivos e dos museus. Evidentemente, aos
olhos dos potenciais empregadores, uma especialização desse tipo
constitui vantagem para os que aspiram trabalhar nesse campo. A
obrigatoriedade de possuir uma qualificação na área será em breve
definitiva para qualquer pessoa que quiser ocupar um lugar dentro
de um arquivo audiovisual.
2.5.4Todo arquivista audiovisual deveria adquirir, numa carreira aca-
dêmica ou assemelhada, uma bagagem elementar que englobasse,
entre outros, os seguintes domínios do conhecimento:
2 0 . O s c u r s o s d e v e r ã o o r g a n i z a d o s p e l a F i a f e m 1 9 7 3 , n o S t a a t l i c h e s f i l m a rc h i v d e r D D R , e m B e r l i m , i n a u g u r a r a m u m c o n c e i t o q u e c o n t i n u a a s e r a p l i c a d o a t u a l m e n t e e q u e , s o b o s a u s p í c i o s d a U n e s c o o u d e d i v e r s a s f e d e r a ç õ e s , o u p o r i n i c i a t i v a d e s e r v i ç o s d e a rq u i v o s , re ú n e m e s p e c i a l i s t a s i n t e r n o s e e x t e r n o s .
2 1 . U m e s t u d o d a U n e s c o i n t i t u l a d o C u r r i c u l u m d e v e l o p m e n t f o r t h e t r a i n i n g o f p e r s o n n e l i n m o v i n g i m a g e a n d re c o rd e d s o u n d a rc h i v e s e s t a b e l e c e u u m p ro g r a m a “ m o d e l o ” d e u m c u r s o u n i v e r s i t á r i o . B o a p a r t e d o s c u r s o s o r g a n i z a d o s s e g u i u e s s e m o d e l o e m e s t a b e l e c i m e n t o s d e e n s i n o s u p e r i o r, m a s e x i s t e t a m b é m u m c u r s o à d i s t â n c i a p e l a I n t e r n e t . A l i s t a d e c u r s o s e x i s t e n t e s f i g u r a n o f i n a l d e s s a p u b l i c a ç ã o d a U n e s c o .
a história do audiovisual
as tecnologias de registro utilizadas pelos diferentes suportes
audiovisuais
as estratégias e políticas de gestão de acervos
as técnicas fundamentais de conservação e acesso
aos acervos
a história dos arquivos audiovisuais
a física e a química básicas dos suportes audiovisuais
um panorama da história contemporânea.
2.5.5Como ocorre com outras profissões, um conhecimento amplo e
diversificado constitui base prévia para uma especialização poste-
rior e permite aos arquivistas audiovisuais localizarem-se no con-
junto dos profissionais especializados na coleta e conservação de
documentos. Os conhecimentos de história são essenciais para a
compreensão e a apreciação pessoal da importância social dos do-
cumentos – para responder à pergunta: “para o que serve o que es-
tou examinando?” A natureza dos documentos audiovisuais exige
uma formação técnica universal;deoutramaneiraseriaimpossível
entender o acervo com o qual se ocupa e explicá-lo para os outros.
Um conhecimento da história contemporânea em geral e de seu
próprio país em particular fornecerá um quadro para avaliar fil-
mes, programas e gravações. A capacidade de apreciar, criticar e
julgar a qualidade dos materiais dá coerência a todo esse conjunto.
2.5.6A formação de arquivistas audiovisuais tem relações intrínsecas com
a informática e a arquivística, a conservação e a museologia, de modo
| 63Fundamentos62 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
que os cursos existentes nessas áreas são parte inerente de suas ne-
cessidadesdeconhecimento.Alémdisso,asnecessidadesespecíficas
da arquivística audiovisual exigem conhecimentos especializados. Por
outrolado,comaconvergênciadastecnologias,asprofissõestradicio-
nais de coleta e de conservação de documentos devem adaptar-se a
novas necessidades. A história, porém, demonstra que elas possuem
um caráter conservador e resistente às mudanças tecnológicas.
2.6 As associações profissionais
2.6.1 Diferentemente das outras profissões de coleta e conservação, que
possuem um único organismo central internacional, o campo da
arquivística audiovisual é fragmentado22. Federações ou associa-
ções internacionais de arquivos de filmes (Fiaf), de televisão (Fiat),
de arquivos e arquivistas de som (Iasa), de profissionais individuais
que trabalham com arquivos de imagens em movimento (Amia),
todos têm origens históricas diferentes. Paralelamente a elas, as-
sociações regionais atendem uma diferente área de interesses. Es-
tas incluem a Seapavaa, a Association of European Cinemathe-
ques (Ace), a Association for Recorded Sound Collections (rsc) e
o Council of North American Film Archives (cnafa). Alguns são
fóruns de organizações, outros de profissionais individuais, outros
ainda de ambos. Embora essa fragmentação tenha uma série de
causas, a mais importante talvez se deva às mudanças de percep-
ção. O que antes foi visto como mídias diferentes, que exigiam
tipos de organização e campos de experiência diferentes, com o
tempo encontraram um terreno comum. A mudança tecnológica e
2 2 . O I n t e r n a t i o n a l C o u n c i l o f A rc h i v e s ( I c a ) , I n t e r n a t i o n a l F e d e r a t i o n o f L i b r a r y A s s o c i a t i o n s ( I f l a ) e I n t e r n a t i o n a l C o u n c i l o f M u s e u m s ( I c o m ) s ã o a s O N G s re c o n h e c i d a s p e l a U n e s c o p a r a a s t r ê s p ro f i s s õ e s t r a d i c i o n a i s . N o c a m p o d a a rq u i v í s t i c a a u d i o v i s u a l , a U n e s c o t e m a t u a l m e n t e re l a ç õ e s d i re t a s c o m a F i a f , I a s a , F i a t e S e a p a v a a . J u n t o c o m a A m i a , o I c a e a I f l a , e s s e s o r g a n i s m o s f o r m a m a C C A A A .
a evolução dentro dos próprios arquivos reorientaram as percep-
ções e as focou nas semelhanças, não nas diferenças.
2.6.2As federações proporcionam fóruns de debate, cooperação e de-
senvolvimento, e tomam parte na definição da identidade do ar-
quivista audiovisual. Nenhuma delas, contudo, tem ainda o papel
de credenciar arquivistas individuais. O assunto está em debate.
Talvezumadas federações existentes assumaessepapel; talveza
CCAAA estimule a criação de alguma outra estrutura. O papel
e o potencial desse organismo central como porta-voz de toda a
profissão ainda estão se definindo ao mesmo tempo que se procura
superar as limitações da tradicional fragmentação sem perder os
benefícios de sua diversidade.
2.7 Produtores e difusores
2.7.1Dependendo da natureza de seus acervos e de suas atividades, os
arquivos audiovisuais podem ter relações de trabalho muito pró-
ximas com vários setores das indústrias audiovisuais. Na verdade,
eles existem por causa dessas indústrias, ainda que não comparti-
lhem da sua influência e poder de penetração.
2.7.2As indústrias de difusão, registro, cinema e relacionadas, como ou-
tras indústrias, não são monolíticas nem fáceis de definir, de forma
que qualquer esquema que se queira aplicar a elas será sempre
| 65Fundamentos64 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
arbitrário e inevitavelmente incompleto. A título simplesmente in-
dicativo, sugerimos o modelo abaixo:
Radiodifusores e difusores: estações e redes de rádio e de televisão,
seja por emissão, cabo ou satélite, e suas subsidiárias
Companhias produtoras: as empresas que produzem filmes,
registros sonoros, documentários, séries de rádio e de televisão
Gravadoras e produtoras de vídeo: empresas que produzem e
comercializam cds, dvds e vídeos
Distribuidores: os intermediários – companhias que ad-
ministram a comercialização, as vendas e o aluguel de filmes de
cinema, registros de som e de vídeo e séries de televisão
Exibidores: os cinemas
Provedores de serviços via Internet: oferecem música e vídeos
para downloads
Varejistas: lojas de venda ou de locação de discos e vídeos
Fabricantes: de equipamentos e fornecedores de material
de consumo
Estúdios e outras instalações de produção: incluem empre-
sas especializadas, grandes ou pequenas
Infraestrutura: o enorme conjunto de serviços de apoio à in-
dústria – os laboratórios de processamento de película, ser-
viços de publicidade, fabricantes de computadores, especia-
listas em tecnologia de informática, fabricantes de trans-
parências para publicidade cinematográfica e até os fabri-
cantes de cadeiras para os cinemas
Agências governamentais: organismos de apoio, financiamento
e promoção, autoridades de censura e regulamentação, or-
ganismos de formação
Associações e fóruns: corporações e associações profissionais,
sindicatos, grupos de pressão
O “setor amador”: realizadores e produtores amadores de fil-
mes, vídeos e programas, cineclubes
O “setor cultural”: grupos, revistas e boletins, festivais,
universidades.
Os arquivos podem se relacionar com várias das categorias acima.
2.7.3A indústria também pode ser descrita, de outro ponto de vista,
como abrangendo as seguintes atividades e áreas de trabalho (em
ordem decrescente de pertinência):
p Atividade criativa (artistas, escritores, diretores etc.)
p Programação (conteúdo e linha editorial)
p Promoção (comercialização, vendas, imagem)
p Serviços técnicos (engenharia, operações)
p Administração (produção, planejamento, políticas)
p Serviços de apoio (administração, finanças).
2.8 Reflexão
2.8.1Por que, embora a arquivística audiovisual exista há um século,
apenas recentemente colocaram-se as questões relativas à identida-
de, à filosofia e à teoria profissionais, bem como as relativas à for-
mação universitária e seus atestados? Em um campo inicialmente
6766 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
desbravado por individualistas apaixonados, a evolução das menta-
lidades foi lenta e as teorias e estruturas formais adotadas muito
gradualmente. O desenvolvimento de arquivos institucionais en-
cerra a época em que prevaleciam a intuição, a personalidade dos
arquivistas, a improvisação e a aprendizagem prática, assim como
práticas não viáveis a longo prazo. A era do individualista apaixo-
nado termina, enquanto se abre a do indivíduo apaixonado. Apenas
mediante a colaboração entre indivíduos poderemos construir ins-
tituições estáveis e sólidas, necessárias para garantir a longo prazo
a proteção e o acesso ao patrimônio audiovisual.
3 | Definições e terminologia
3.1 A importância da precisão
3.1.1 A arquivística audiovisual tem sua própria terminologia e seus pró-
prios conceitos, mas eles são frequentemente usados – e mal usados
– com pouco cuidado para com a precisão, de forma que a comuni-
cação nem sempre é clara. Este capítulo estuda esses pontos de refe-
rênciafundamentaisepropõeumasériededefiniçõeseprincípios.
3.1.2O Anexo I contém um glossário com alguns termos comuns. Glos-
sários maiores podem ser encontrados em algumas outras publica-
ções.Nemtodossãoconcordes;alémdisso,aterminologiavariade
acordo com os idiomas. Nem todos os conceitos – sobretudo os abs-
tratos – podem ser traduzidos com precisão. Estimulamos o leitor
a abordar com cuidado esse tópico, tanto ao analisar os conceitos
quanto ao aplicá-los no curso de seu trabalho cotidiano.
| 69Definições e terminologia68 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
3.1.3 A terminologia e a nomenclatura transmitem mensagens, intencio-
nal ou não intencionalmente. As palavras têm conotações e cargas
afetivas, significam coisas diferentes para diferentes pessoas. Pen-
sem, por exemplo, nas várias conotações que tem, para diferentes
grupos sociais, a simples palavra “arquivo”. Devemos ter muito
cuidado ao empregar termos, com o mais completo entendimento
de como serão interpretados.
3.2 Terminologia e nomenclatura
3.2.1 Arquivo, biblioteca ou museu?
3.2.1.1 O título desta publicação define a profissão como arquivísti-
ca audiovisual. O que significam estas duas palavras? O adjetivo qua-
lificativo audiovisual será analisado mais abaixo. Primeiro devemos
dar atenção à palavra arquivística.
3.2.1.2 A palavra arquivo origina-se do latim archivum, que significa
“edifício público” e “registro”, e do grego archeion, literalmente “lu-
gar ocupado pelo archeon [magistrado superior]”. Ambas, por sua
vez, originam-se da palavra arche que tem múltiplos significados
incluindo “origem”, “poder” e “começo”.
Em chinês, a palavra utilizada para designar arquivo é ziliaoguán
(資料館) que poderia ser traduzida como “sala onde se organizam
os bens”. Cada caractere que forma o vocábulo tem uma série de
significados alternativos que, em alguns casos, enriquecem sua sig-
nificação. Dessa forma, atualmente, o vocábulo “arquivo” contém
em si uma grande variedade de conotações dentro de um mesmo
idioma e cultura e que variam entre idiomas e culturas23. Arquivo
pode significar:
um edifício ou parte de um edifício onde são guardados e
ordenados documentos históricos e registros públicos –
um depósito
um receptáculo ou contêiner no qual são guardados
documentos físicos, como um móvel para pastas suspensas
ou uma caixa
uma localização digital, como um lugar num diretório de com-
putador, onde os documentos do computador são armazenados
os próprios registros e documentos, quando deixam de ser
de uso corrente, mas podem ter relações com atividades,
direitos, posses etc. de uma pessoa, de uma família, corpo-
ração, comunidade, nação ou outra entidade
a agência ou organização responsável pela coleta e guarda
de documentos.
3.2.1.3 Os termos registro e documento são tratados abaixo. O verbo
arquivar também pode, por extensão, ter uma grande variedade de
significados que incluem a colocação de documentos num receptá-
culo,numalocalizaçãoounumdepósito;aguarda,aorganização,
amanutençãoearecuperaçãodessesdocumentos;eaadministra-
ção do organismo ou do lugar onde os documentos são guardados.
3.2.1.4 Arquivística audiovisual é, portanto, um campo que abarca todos
os aspectos da guarda e recuperação de documentos audiovisuais,
2 3 . A s f o n t e s d e re f e r ê n c i a d o a u t o r p a r a e s t a s e ç ã o i n c l u e m T h e C o n c i s e O x f o rd D i c t i o n a r y ( 1 9 5 1 ) , T h e M a c q u a r i e D i c t i o n a r y ( 1 9 8 8 ) , T h e O x f o rd p a p e r b a c k S p a n i s h D i c t i o n a r y ( 1 9 9 3 ) , R o g e r ’s T h e s a u r u s ( 1 9 5 3 ) . O e n s a i o “ I n s t i t u i ç õ e s d e a rq u i v o ” , d e A d r i a n C u n n i n g h a m , i n c l u í d o e m R e c o rd k e e p i n g i n S o c i e t y ( e d . M i c h a e l P i g g o t t e t a l , Wa g g a Wa g g a , C h a r l e s S t u r t U n i v e r s i t y P re s s , 2 0 0 4 ) , a c o m p a n h a a e v o l u ç ã o d o c o n c e i t o d e s d e a a u ro r a d a h i s t ó r i a e s c r i t a .
| 71Definições e terminologia70 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
a administração dos locais onde eles são guardados e das organi-
zações responsáveis pela execução dessas tarefas. Ela adquiriu suas
próprias gradações particulares à medida que se desenvolveu e à
medida que os termos preservação e acesso, no seu âmbito, ganharam
significados particulares.
3.2.1.5 Tendo em vista o exposto, é importante nos referirmos a
dois outros termos, também centrais para as profissões de coleta e
conservação: biblioteca e museu, cada um deles com seu próprio mun-
do de significados. Na tradição greco-romana, biblioteca originou-se
do grego biblionthiki, depósito de livros. Museu é uma palavra latina
derivada do grego mouseion, o lugar das Musas, ou lugar de estudos.
O conceito moderno de biblioteca talvez seja o de uma fonte de
referências ou de estudos composta de materiais publicados numa
grande variedade de formatos e não apenas livros. O de museu, um
local para a guarda, estudo e exibição de objetos de valor histórico,
científico ou artístico.
3.2.1.6 Foi por motivos históricos que nossa atividade escolheu
identificar-se fundamentalmente com o termo genérico arquivo
mais do que com as duas alternativas (ver, contudo, 3.2.4). Os três
termos, entretanto, são poderosos e evocativos, e sugerem sua vin-
culação com profissões, padrões e identidades de âmbito mundial,
e com a guarda, a responsabilidade e a continuidade culturais.
3.2.2 Descritores de suportes e de mídias
3.2.2.1 Uma ampla gama de termos é usada para descrever os itens
físicos das coleções ou acervos dos arquivos audiovisuais que con-
têm imagens em movimento e sons gravados. Alguns termos estão
em evolução, outros são específicos de instituições ou de determi-
nados países. Abaixo estão alguns termos-chave.
3.2.2.2 Referimo-nos em geral aos itens físicos discretos – discos,
rolos de teipe ou de filme, cassetes etc. – como suportes. O material
específico usado – vinil prensado, filme fotográfico, videoteipe etc.
– é a mídia. Uma coleção típica compõe-se de uma grande varie-
dade de mídias de formas, configurações e dimensões – formatos –
diferentes.
3.2.2.3 Filme refere-se, em termos físicos, à tira perfurada de nitra-
to, acetato ou poliéster na qual se inscrevem imagens sequenciais
e/ou trilhas sonoras. Engloba também as várias formas de negativo
ou positivo transparente usadas em fotografia fixa.
3.2.2.4 Teipe significa a tira de poliéster com uma camada magne-
tizada na qual se inscrevem informações de áudio ou de vídeo. É
usada numa grande variedade de tipos de carretéis abertos ou em
cassetes.
3.2.2.5 Disco refere-se a uma vasta gama de formatos de suporte
de som e/ou imagem desenvolvidos há mais de um século e que
engloba dos registros analógicos de som de 78rpm [rotações por
minuto] aos atuais formatos de discos compactos digitais (cd) e dis-
cos digitais de vídeo (dvd).
3.2.2.6 Alguns suportes são mais conhecidos por acrônimos co-
muns ou patenteados, como cd, cd-r, dvd, vcd,vcr, vhs.
| 73Definições e terminologia72 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
3.2.2.7 Grupos de suportes tecnicamente idênticos relacionados
entre si para formar um todo coerente – como os diversos rolos de
filme que compõem o negativo de imagem de um longa-metragem
– são algumas vezes chamados de elementos ou componentes.
3.2.3 Descritores conceituais
3.2.3.1 Há diversas maneiras de descrever conceitualmente as
imagens em movimento e os sons gravados. De novo, as gra-
dações de termos particulares variam em função de cada país,
idioma e instituição.
3.2.3.2 O termo audiovisual – dirigido aos sentidos da visão e da
audição – ganhou uso crescente como uma palavra simples, con-
veniente para abarcar todos os tipos de imagens em movimento
e de sons gravados. Com alguma variação de conotação, é usada
no nome de alguns arquivos e associações profissionais da área. É
o termo adotado pela Unesco para reunir os campos de atividade
dos arquivos de filme, de televisão e de som que, embora de origem
diversa, encontram cada vez mais pontos comuns em virtude das
mudanças tecnológicas.
3.2.3.3 Originalmente, documento aplicava-se à palavra escrita – um
registro de informação, comprovação, atividade criativa ou intelec-
tual. No século xx, tendo em vista sobretudo os trabalhos audiovi-
suais, seu âmbito ampliou-se para incluir a apresentação factual de
acontecimentos, atividades, pessoas e lugares reais – o documentário
é um tipo específico de filme, de programa de rádio ou de televisão.
O programa Memória do Mundo da Unesco estabelece que os do-
cumentos – inclusive os audiovisuais – possuem dois componentes:
o conteúdo da informação e o suporte no qual esta se inscreve. Ambos
são igualmente importantes24.
3.2.3.4 Registro é um termo conexo e também pode ser aplicado a
qualquer mídia e a qualquer formato. É tradicionalmente usado
na arquivística com o sentido de comprovação duradoura de tran-
sações, decisões, compromissos ou processos, frequentemente na
forma de documentos originais únicos25.
3.2.3.5 Filme foi o termo original usado para descrever o suporte
transparente de nitrato de celulose ao qual se aplicava a emulsão
fotográfica (filme fotográfico). O significado do termo ampliou-se
para abarcar as imagens em movimento em geral, assim como de-
terminados tipos de obras, como por exemplo filmes de longa metra-
gem, independentemente do seu suporte. As produções televisivas
utilizam alguns termos cinematográficos como metragem e filmagem.
Termos conexos como cine, cinema, imagem em movimento, tela e vídeo,
em graus variados, compartilham o mesmo território.
3.2.3.6 Som é, literalmente, a sensação produzida no ouvido pela
vibração do ar circundante. Ele pode ser gravado e reproduzido de
forma a recriar essas sensações.
3.2.3.7 Radiodifusão diz respeito à televisão e ao rádio, independen-
temente de a transmissão ser feita pelo ar ou através de cabos. Es-
sas duas mídias possuem em comum a capacidade de transmissão
ao vivo – por exemplo, em noticiários, atualidades, conversas te-
lefônicas e programas de entrevistas –, o que não é, nem pode ser,
2 4 . P a r a u m a d i s c u s s ã o m a i s e x t e n s a s o b re o s t e r m o s d o c u m e n t o e p a t r i m ô n i o d o c u m e n t a l , v e r M e m ó r i a d o m u n d o : d i re t r i z e s p a r a a s a l v a g u a rd a d o p a t r i m ô n i o d o c u m e n t a l ( U n e s c o , 2 0 0 2 ) w w w. u n e s c o . o r g /w e b w o r l d / m d m .
2 5 . E m i n g l ê s , o t e r m o re c o rd – v e r b o e s u b s t a n t i v o – re l a c i o n a -s e t a m b é m à s g r a v a ç õ e s s o n o r a s d e q u a l q u e r t i p o e a o s o b j e t o s d e l a s re s u l t a n t e s : o s d i s c o s .
| 75Definições e terminologia74 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
característica das criações estudadas, como as gravações de mú-
sica, os filmes de longa metragem ou os programas documentais.
3.2.3.8 Vídeo pode significar uma imagem em movimento eletrô-
nica (em oposição à fotográfica) exibida numa televisão ou numa
tela de computador, ou ser uma abreviação para uma mídia ou um
formato relacionado, como registro de vídeo, videoteipe ou videocassete.
3.2.3.9 Materiais especiais, não-livros, não-texto e outros termos seme-
lhantes são habitualmente usados para identificar suportes audiovi-
suais no jargão das bibliotecas e às vezes em arquivos tradicionais.
Do ponto de vista do arquivista audiovisual, esses termos não são
úteis e, dependendo do contexto, podem mesmo ser pejorativos e
ofensivos (ver 2.1.7).
3.2.4 Descritores institucionais
3.2.4.1 Na medida em que os arquivos audiovisuais são instituições
ou parte de instituições, eles são habitualmente identificados por
um descritor. O descritor é algumas vezes neutro (por exemplo:
organização, instituto, fundação), mas, com mais frequência, é um
termo específico da profissão, como arquivo, biblioteca ou museu.
Isso tem o efeito de dar a conhecer a natureza da instituição (ou do
departamento competente) e, ao mesmo tempo, declarar os valores
associados a ela.
3.2.4.2 Em alguns países, os arquivos audiovisuais utilizam um tipo
específicodedescritororiginadodostermosfrancesesouespanhóis
para biblioteca (bibliothèque, biblioteca). Daí, cinémathèque (cinemateca, si-
nematek, kinemathek)paraarquivosdefilmes,phonothèque ou discoteca para
arquivos de som, médiathèque para arquivos de mídias audiovisuais26.
3.2.4.3 Pelo mesmo motivo, a palavra museu é empregada por inúme-
ros arquivos. Há, por exemplo, vários museus de cinema na Europa. Em
alguns, mas não em todos, há uma ênfase na coleção e exibição de arte-
fatoscomofigurinos,objetosdecenaeequipamentostécnicosantigos.
3.2.4.4 Como unidade administrativa dentro de uma organização
maior, um arquivo audiovisual pode às vezes ser chamado de cole-
ção – literalmente, um grupo de objetos ou documentos colocados
juntos. Dependendo do contexto, o termo pode ter diversas cono-
tações, inclusive o sentido de itens selecionados individualmente de
acordo com uma política, em oposição a um fundo de arquivo, ou a
um grupo de registros relacionados que forma um todo orgânico.
Em termos de organização, a palavra enfatiza a dependência com
relação a uma organização ou conceito maiores, mais do que suge-
re uma organização com direitos próprios.
3.2.5 Nomes de instituições
3.2.5.1 Os nomes institucionais dos organismos públicos de coleta e
conservação preenchem várias funções importantes, entre as quais:
descrever a instituição, declarar seu caráter profissional,
seu status, sua missão e eventualmente outros atributos
informarecomunicar;sãoumpontodereferênciaatravés
do qual a instituição é encontrada (em catálogos, pesquisas
na Internet etc.)
2 6 . F o i p ro v a v e l m e n t e a C i n é m a t h è q u e F r a n ç a i s e , u m d o s p r i m e i ro s a rq u i v o s d e f i l m e s d o m u n d o , q u e d e u o r i g e m a e s s a t e n d ê n c i a , n a d é c a d a d e 1 9 3 0 .
| 77Definições e terminologia76 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
posicionar a instituição em face de órgãos do mesmo tipo,
nacionais e internacionais, e demarcar seu “território”
evocar qualidades intangíveis, como valores profissionais,
responsabilidade e prestígio
exercer uma função simbólica, possuída e valorizada por
um grupo de apoio, e que representa suas relações, sua his-
tória e seus sentimentos
em consequência, são bens valiosos pois têm o duplo valor
de “marca” da instituição e de declaração de sua identida-
de. A formalização dos nomes através de uma legislação
reconhece sua significação a longo prazo e serve para inibir
mudanças precipitadas.
3.2.5.2 De acordo com essas funções, os nomes institucionais ten-
dem a compartilhar certas características:
não são ambíguos mas únicos e autoexplicativos
são traduzíveis e seguem um padrão estabelecido (ver abaixo)
são estáveis: a mudança é rara e, quando acontece, é pau-
latina – a menos que haja uma transformação fundamental
no caráter ou no status da instituição (como uma fusão ou
uma mudança de papel ou de status).
3.2.5.3 O padrão habitual consta de um descritor profissional
(biblioteca, arquivo, museu) e um qualificativo (de som, de filme, au-
diovisual etc.) – ou de uma palavra que combine ambos (cinemate-
ca, phonogrammarchiv) – mais um definidor de status (governamental,
nacional, universitário etc.) e/ou o nome de um país ou de uma
região. Exemplos:
p Cinémathèque Française
p National Film, Video and Sound Archives (África do Sul)
p Ucla (University of Califórnia, Los Angeles) Film and
Television Archive
p Österreichische Phonogrammarchiv
p The National Library of Norway/Sound and Image
Archive
p Gosfilmofond (da Rússia)
p New Zealand Film Archive / Kaitiaki o Nga Taonga
Whitiahua27
p National Archives of Malaysia / National Centre for
Documentation and Preservation of Audiovisual Material
p Nederlands Filmmuseum
p Discoteca di Stato (da Itália)
p Library of Congress: Motion Picture, Broadcasting and
Recorded Sound Division.
Nomes institucionais, como outros nomes, são muitas vezes abre-
viados. Isso pode resultar numa sigla útil, especialmente se for um
nome eufônico e fácil de ser lembrado. Por definição, a sigla indica
a existência de um nome mais extenso e convida à sua descoberta.
3.2.5.4 Alguns arquivos, bancos de imagens para venda e outras
instituições usam marcas ou razões sociais, ou recebem o nome de
pessoas (como o de um antigo benfeitor). Exemplos:
p Walt Disney Archives
p George Eastman House / International Museum of
Photography and Film
2 7 . O t í t u l o e m m a o r i p o d e s e r l i t e r a l m e n t e t r a d u z i d o p o r “ g u a rd i õ e s d o s t e s o u ro s d e l u z ” .
| 79Definições e terminologia78 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
p Smithsonian Institution
p Filmworld [um banco de imagens]
p Archimedia [um programa de ensino para arquivistas
audiovisuais]
p Memoriav [uma associação de arquivos audiovisuais suíços]
p Steven Spielberg Jewish Film Archive
p ScreenSound Australia [arquivo nacional de cinema e som]28.
Nomes e marcas corporativas são em geral impostos pela orga-
nização superior, sobretudo no caso de arquivos comerciais. Eles
também podem ser usados quando um nome descritivo é muito
difícil de ser encontrado, ou quando o contraste é proposital. Uma
limitação das marcas pessoais ou corporativas é que elas não são
autoexplicativas: elas necessitam de explanações e da construção
de uma imagem29.
3.2.6 Preservação e acesso30
3.2.6.1 A preservação e o acesso são as duas faces de uma mesma
moeda. Por comodidade, esses conceitos serão examinados separa-
damente, mas guardam entre si uma relação de interdependência,
pois o acesso é parte integrante da preservação.
3.2.6.2 A preservação não é um fim em si. Ela é necessária para
assegurar o acesso permanente e careceria de sentido sem esse ob-
jetivo. Os dois termos possuem, não obstante, uma ampla gama de
significados e os profissionais tendem a dar-lhes diferentes sentidos
segundo o contexto em que trabalham. Além disso, a natureza re-
lativamente frágil e efêmera dos suportes e das tecnologias audio-
2 8 . P a r a u m a a n á l i s e d a s c o n f u s õ e s p ro v o c a d a s p e l o u s o d e u m a m a rc a c o m e rc i a l p o r u m a i n s t i t u i ç ã o p ú b l i c a , v e r m e u a r t i g o “ A C a s e o f m i s t a k e n i d e n t i t y : G o v e r n a n c e , g u a rd i a n s h i p a n d t h e S c re e n S o u n d s a g a ” i n A rc h i v e s a n d M a n u s c r i p t s , J o u r n a l o f t h e A u s t r a l i a n S o c i e t y o f A rc h i v i s t s , v o l . 3 0 , n . 1 , m a i o 2 0 0 2 , p . 3 0 - 4 6 . h t t p : / / w w w.a f i re s e a rc h . r m i t . e d u .a u / a rc h i v e f o r u m /p d f s _ n e w / C a s e _ o f _M i s t a k e n _ I d e n t i t y. p d f .
2 9 . E x i s t e m u i t a l i t e r a t u r a s o b re a c o n s t r u ç ã o e a a d m i n i s t r a ç ã o d e m a rc a s . U m b o m p o n t o d e p a r t i d a p o d e s e r w w w.b r a n d c h a n n e l . c o m .
3 0 . O a u t o r a g r a d e c e a K a re n F. G r a c y p o r s u a t e s e d e d o u t o r a d o T h e I m p e r a t i v e t o p re s e r v e : c o m p e t i n g d e f i n i t i o n s o f a v a l u e i n t h e w o r l d o f f i l m p re s e r v a t i o n ( U n i v e r s i t y o f C a l i f o r n i a , L o s A n g e l e s , 2 0 0 1 ) e e m p a r t i c u l a r a s u a a n á l i s e a p ro f u n d a d a d a d e f i n i ç ã o d o t e r m o “ p re s e r v a ç ã o ” .
visuais, assim como as restrições jurídicas e comerciais que pesam
sobre o acesso, colocam essas funções no centro da gestão e da
cultura dos arquivos audiovisuais.
3.2.6.3 Podemos dizer que a preservação abarca o conjunto de opera-
ções necessárias para perenizar o acesso a documentos audiovisuais
no maior grau de sua integridade. Ela pode englobar um grande
número de procedimentos, de princípios, de atitudes, de equipa-
mentos e de atividades. A preservação engloba, por exemplo, a con-
servação e a restauraçãodesuportes;areconstituição de uma versão ori-
ginal;acopiagem e o processamento do conteúdo visual e/ousonoro;a
manutenção dos suportes em condições adequadas de armazenamen-
to; a recriação ou imitação de procedimentos técnicos obsoletos, de
equipamentosedecondiçõesdeapresentação;apesquisaeacoleta
de informações para conduzir a bom termo todas essas atividades.
3.2.6.4 Em inglês, por razões históricas, o termo preservation (preser-
vação) é utilizado amplamente, mesmo pelos arquivistas, num sen-
tido muito restrito, como sinônimo de reprodução ou duplicação31.
Infelizmente, isso tende a reforçar a ideia errônea segundo a qual
a reprodução de um suporte em perigo coloca um ponto final na
questão, quando na verdade essa é apenas uma primeira etapa. A
preservação não é uma operação pontual mas uma tarefa de gestão
que não acaba nunca. A manutenção a longo prazo da integridade
dos registros ou dos filmes – quando sobrevivem – depende da cor-
reção e do rigor da política de preservação levada a cabo ao longo
dos anos por sucessivos gestores. Nunca se termina de preservar
umaobra;namelhordashipóteses, ela está sempreemprocesso
de preservação.
3 1 . I ro n i c a m e n t e , e s s e s e n t i d o t e m s u a o r i g e m t a l v e z n u m a c a m p a n h a p ú b l i c a d e s e n s i b i l i z a ç ã o re a l i z a d a h á b a s t a n t e t e m p o p e l o s a rq u i v o s c i n e m a t o g r á f i c o s . E s s a c a m p a n h a d i f u n d i a a m e n s a g e m c l a r a e e n f á t i c a s e g u n d o a q u a l a ú n i c a m a n e i r a d e p re s e r v a r ( o u s e j a , s a l v a g u a rd a r ) o s f i l m e s d e n i t r a t o e m p e r i g o e r a c o p i á - l o s n u m s u p o r t e d e a c e t a t o : “ n i t r a t e w o n ’ t w a i t ” ( o n i t r a t o n ã o e s p e r a ) . Tr a t a v a - s e d e u m g r i t o d e a l e r t a p e r t i n e n t e n a é p o c a e q u e d e u re s u l t a d o s . S a b e m o s h o j e q u e a re a l i d a d e é b e m m a i s c o m p l e x a e , c o n s e q u e n t e m e n t e , m a i s d i f í c i l d e s e r e x p l i c a d a . A s i d e i a s a n t i g a s n ã o d e s a p a re c e m c o m f a c i l i d a d e .
| 81Definições e terminologia80 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
3.2.6.5 O uso impróprio do termo preservação, aliado ao desconhe-
cimento dos aspectos práticos da preservação, coloca problemas de
comunicação aos arquivistas, porque também é suscetível de explo-
ração comercial. Por exemplo: a utilização da expressão “remas-
terização digital” escrita em embalagens de dvds e de vhss sugere
uma operação muito mais elaborada do que a simples reprodução
que sem dúvida foi feita. Os serviços que oferecem a “preservação”
de filmes domésticos em Super 8mm através de sua copiagem em
dvd insinuam muito mais do que a simples mudança de formato
que efetivamente oferecem.
3.2.6.6 A palavra acesso possui igualmente um amplo leque de sig-
nificados. Ela designa qualquer forma de utilização das coleções,
dos serviços ou dos conhecimentos de um arquivo, notadamente a
leitura em tempo real de sons e imagens em movimento e a consul-
ta de fontes de informação sobre o material sonoro e de imagens
em movimento, bem como sobre os campos de conhecimento a
que se referem. O acesso pode ter um caráter ativo (de iniciativa da
própria instituição) ou passivo (de iniciativa dos usuários da institui-
ção). Num estágio posterior, podem-se fornecer cópias de materiais
selecionados, em atendimento a demandas do usuário.
3.2.6.7 A imaginação é o único limite para uma política ativa de
acesso. Ela inclui a difusão regular no rádio ou na televisão de do-
cumentospertencentesaosacervosdosarquivos;asprojeçõespú-
blicas; o empréstimo de cópias ou a produção de registros desti-
nadosaapresentaçõesforadosarquivos;apreparaçãodeversões
reconstruídas de filmes ou programas que existem apenas em ver-
sõesparciaisoudeterioradas;acriaçãodeprodutosinspiradosnas
coleções (cd, dvd, vídeo) para permitir o acesso universal aos mate-
riais;adigitalizaçãoeadisponibilidadededocumentospelaInter-
net;exposições,conferências,apresentaçõesdequalquernatureza.
O papel do curador é fundamental em todas essas atividades, por-
que cabe a ele interpretar e contextualizar os documentos. O uso
inadequado de itens do acervo, sem nenhuma mediação (como, por
exemplo, a difusão ou a venda de cópias de má qualidade ou a prá-
tica comum de incluir em documentários de televisão sequências
de materiais antigos projetados a velocidade errada), desvaloriza
o próprio acervo e gera impressões errôneas sobre sua natureza e
sua importância.
3.2.6.8 Os arquivos audiovisuais devem, mais ainda do que as ou-
tras instituições de coleta e preservação, articular sua política de
acesso levando em conta as realidades comerciais ligadas aos direi-
tos de autor. Para facilitar o acesso aos acervos geralmente é neces-
sário obter o acordo prévio do titular dos direitos e frequentemente
pagar aluguéis e percentuais. Muitos filmes e gravações são pro-
dutos comerciais suscetíveis de gerar consideráveis receitas (para o
titular dos direitos, não para os arquivos) e os arquivos devem estar
alertas para não violar aqueles direitos. O assunto fica mais com-
plexo devido às mudanças tecnológicas e os arquivos devem contar
com uma assessoria jurídica sistemática.
3.2.6.9 No âmbito da preservação e do acesso, as perspectivas de
um arquivo não comercial são diferentes das de um arquivo comer-
cial. No primeiro caso, as coleções são consideradas bens culturais: o
propósito de conservar o material e facilitar o acesso obedece a con-
siderações baseadas no valor cultural e nas demandas de pesquisa,
| 83Definições e terminologia82 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
conceitos que influem amplamente no estabelecimento de priori-
dades. No segundo, os arquivos praticam uma espécie de gestão
de ativos e as prioridades de preservação são determinadas por
imperativos de comercialização, como cronogramas de lançamen-
to de cd, dvd e pelas televisões a cabo.
3.3 Conceitos fundamentais
3.3.1 Definição de patrimônio audiovisual
3.3.1.1 Os documentos audiovisuais – gravações, filmes, programas
etc., como definido em 3.3.2 abaixo – são parte de um concei-
to mais amplo que pode ser chamado de patrimônio audiovisual. As
conotações e o alcance deste conceito variam de acordo com as
culturas, os países e as instituições, mas sua essência é que os ar-
quivos precisam contextualizar seus acervos de gravações, progra-
mas e filmes através da coleta e da formação de uma série de
itens, informações e competências a eles associadas. Propomos a
seguinte definição32:
O patrimônio audiovisual inclui (mas não se limita a) os seguintes componentes:
Sons gravados, produções radiofônicas, cinematográficas, televisivas, videográ-
ficas e outras que contenham imagens em movimento e/ou sons gravados, des-
tinados prioritariamente ou não à veiculação pública.
Objetos, materiais, trabalhos e elementos imateriais relacionados
a documentos audiovisuais, considerados do ponto de vista téc-
nico, industrial, cultural, histórico ou qualquer outro. Isso inclui
3 2 . B a s e a d a n a d e f i n i ç ã o o r i g i n a l m e n t e p u b l i c a d a e m T i m e i n o u r h a n d s ( N a t i o n a l F i l m a n d S o u n d A rc h i v e d a A u s t r á l i a , 1 9 8 5 ) , e re v i s t a p o r B i r g i t K o f l e r e m L e g a l q u e s t i o n s f a c i n g a u d i o v i s u a l a rc h i v e s ( P a r i s : U n e s c o , 1 9 9 1 , p . 8 - 9 ) .
materiais relacionados aos filmes, indústrias de radiodifusão e de
gravação de sons, como publicações, roteiros, fotografias, cartazes,
material de publicidade, manuscritos e artefatos como equipamen-
tos técnicos ou figurinos33.
Conceitos como a perpetuação de procedimentos e ambientes em
vias de desaparecimento associados à reprodução e à apresenta-
ção34 desses documentos
Materiais não bibliográficos ou gráficos, como fotografias, mapas, manuscritos,
transparências e outros trabalhos visuais, selecionados por seu próprio valor.
3.3.1.2 Em consequência, a maior parte dos arquivos audiovisuais,
se não todos, deveria ajustar essa definição a seus parâmetros par-
ticulares de forma a adaptá-la a sua situação – por exemplo, a uma
qualificação geográfica (isto é, o patrimônio de um país, de uma
cidade ou de uma região), a uma limitação temporal (por exemplo,
o patrimônio da década de 1930) ou a uma especialização temática
(por exemplo, o patrimônio radiofônico como fenômeno social an-
tes do surgimento da televisão).
3.3.2 Definição de mídias, documentos e materiais audiovisuais
3.3.2.1 Há muitas definições e outras tantas hipóteses a propósito
destes termos que podem, em combinações variadas, abarcar (a)
imagens em movimento, tanto em película quanto eletrônicas, (b)
projeções de transparências acompanhadas de sons, (c) imagens
em movimento e/ou sons gravados em vários formatos, (d) rádio e
3 3 . O u t r a re d a ç ã o p a r a a s e g u n d a p a r t e d e s s a c l á u s u l a f o i s u g e r i d a p o r Wo l f g a n g K l a u e : “ ( . . . ) i s s o i n c l u i m a t e r i a i s re s u l t a n t e s d a p ro d u ç ã o , g r a v a ç ã o , t r a n s m i s s ã o , d i s t r i b u i ç ã o , e x i b i ç ã o e r a d i o d i f u s ã o d e d o c u m e n t o s a u d i o v i s u a i s t a i s c o m o ro t e i ro s , m a n u s c r i t o s , p a r t i t u r a s , d e s e n h o s , d o c u m e n t o s d e p ro d u ç ã o , f o t o g r a f i a s , c a r t a z e s , m a t e r i a i s d e p u b l i c i d a d e , c o m u n i c a d o s p a r a a i m p re n s a , d o c u m e n t o s d e c e n s u r a , a r t e f a t o s c o m o e q u i p a m e n t o s t é c n i c o s , c e n á r i o s , a c e s s ó r i o s , e l e m e n t o s d e f i l m e s d e a n i m a ç ã o e d e e f e i t o s e s p e c i a i s , f i g u r i n o s ” .
3 4 . K l a u e s u g e re a q u i “ p ro d u ç ã o , re p ro d u ç ã o e a p re s e n t a ç ã o ” .
| 85Definições e terminologia84 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
televisão, (e) fotografias e gráficos fixos, (f) video games, (g) CD-Roms
multimídias, (h) qualquer coisa projetada em uma tela, (i) todos os
anteriores. Damos em nota alguns exemplos de definições. Existem
muitas outras. As enumeradas o são a título meramente ilustrativo
da diversidade de perspectivas. Não endossamos nem comentamos
nenhuma delas35.
3.3.2.2 O leque vai de qualquer coisa com imagens e/ou sons, de
um lado, a imagens em movimento com som ou uma apresentação
sonorizada de transparências, de outro. Em seus respectivos con-
textos essas definições podem ser úteis. Mas em termos práticos e
filosóficos, os arquivos audiovisuais precisam de uma definição que
se ajuste à realidade de seus trabalhos e que afirme claramente o
caráter das mídias audiovisuais por seu próprio valor.
3.3.2.3 Palavras como mídia, material ou documento tendem a ser usa-
das de forma intercambiável. Em seu sentido mais comum, entre-
tanto, mídia e material sugerem sobretudo suporte. Documento, como é
usado pela Unesco, tem o duplo significado de suporte e de conteú-
do deliberadamente criado.
3.3.2.4 Em consequência do exposto, propomos a seguinte defini-
ção profissional de documentos audiovisuais:
Documentos audiovisuais são obras que contêm imagens e/ou sons reprodutí-
veis reunidos em um suporte36 e que
em geral exigem um dispositivo tecnológico para serem registrados,
transmitidos, percebidos e compreendidos
3 5 . D e f i n i ç ã o 1 – D o c u m e n t o s a u d i o v i s u a i s s ã o :– re g i s t ro s v i s u a i s ( c o m o u s e m t r i l h a s o n o r a ) i n d e p e n d e n t e m e n t e d e s e u s u p o r t e f í s i c o e d o p ro c e s s o d e re g i s t ro u t i l i z a d o , c o m o f i l m e s , d i a p o s i t i v o s , m i c ro f i l m e s , t r a n s p a r ê n c i a s , f i t a s m a g n é t i c a s , q u i n e s c ó p i o s , v i d e o g r a m a s ( v i d e o t e i p e s , v i d e o d i s c o s ) , d i s c o s a l a s e r d e l e i t u r a ó p t i c a ( a ) d e s t i n a d o s à re c e p ç ã o p ú b l i c a p e l a t e l e v i s ã o , p o r p ro j e ç ã o e m u m a t e l a o u p o r q u a i s q u e r o u t ro s m e i o s , ( b ) d e s t i n a d o s a s e r c o l o c a d o s à d i s p o s i ç ã o d o p ú b l i c o .– re g i s t ro s s o n o ro s i n d e p e n d e n t e m e n t e d e s e u s u p o r t e f í s i c o e d o p ro c e s s o d e re g i s t ro u t i l i z a d o , c o m o f i t a s m a g n é t i c a s , d i s c o s , t r i l h a s s o n o r a s o u re g i s t ro s a u d i o v i s u a i s , d i s c o s a l a s e r d e l e i t u r a ó p t i c a ( a ) d e s t i n a d o s à re c e p ç ã o p ú b l i c a p o r r a d i o d i f u s ã o o u p o r q u a i s q u e r o u t ro s m e i o s , ( b ) d e s t i n a d o s a s e r c o l o c a d o s à d i s p o s i ç ã o d o p ú b l i c o .To d o s e s s e s m a t e r i a i s s ã o d o c u m e n t o s c u l t u r a i s .E s s a d e f i n i ç ã o o b j e t i v a e n g l o b a r o m á x i m o d e f o r m a s e f o r m a t o s . ( . . . ) A s i m a g e n s e m m o v i m e n t o ( . . . ) c o n s t i t u e m a f o r m a c l á s s i c a d o d o c u m e n t o a u d i o v i s u a l e s ã o a p r i n c i p a l f o r m a e x p l i c i t a m e n t e i n c l u í d a n a R e c o m e n d a ç ã o d a U n e s c o d e 1 9 8 0 . ( . . . )
o conteúdo visual e/ou sonoro tem duração linear
o objetivo é a comunicação desse conteúdo e não a utilização da tecno-
logia para outros fins.
3.3.2.5 A palavra obra supõe uma entidade que resulta de um ato
intelectual deliberado, e poderia se contestar que nem todos os fil-
mes ou registros de vídeo ou som possuem um conteúdo ou uma
intenção intelectual deliberada – por exemplo, a gravação dos sons
de uma rua, onde o conteúdo é incidental. (O contrário também
poderia ser contraposto: que a intencionalidade – o mero ato de
colocar uma câmara ou um microfone para fazer um registro – é
em si uma prova suficiente da intenção intelectual.)
3.3.2.6 A noção de que uma obra audiovisual só pode ser feita
e percebida diacronicamente – ao longo de uma duração de
tempo – é difícil de ser definida, especialmente quando a obra
pode ser percebida como parte de uma página da Internet ou
de um cd-rom onde o usuário escolhe a ordem segundo a qual
quer que o conteúdo seja mostrado. Entretanto, os registros de
imagem e de som, por mais curtos que sejam, são lineares por
sua própria natureza: eles não podem ser percebidos de manei-
ra instantânea.
3.3.2.7 Aceita a impossibilidade de chegarmos a uma definição
exata, propomos uma definição formulada de maneira a categori-
camente incluir os registros convencionais de som e imagem, ima-
gens em movimento (sonoras ou silenciosas) e programas de radio-
difusão, publicados ou inéditos, em todos os formatos. Formulada
também de maneira a categoricamente excluir materiais de texto
n a re a l i d a d e , e l a s i n c l u e m n e c e s s a r i a m e n t e t a m b é m o s re g i s t ro s s o n o ro s . ( K o f l e r, B i r g i t , L e g a l q u e s t i o n s f a c i n g a u d i o v i s u a l a rc h i v e s , p . 1 0 - 1 3 . )D e f i n i ç ã o 2 – [ U m a o b r a a u d i o v i s u a l ] d e s t i n a - s e a o m e s m o t e m p o a s e r o u v i d a e v i s t a e c o n s i s t e d e u m a s é r i e d e i m a g e n s re l a c i o n a d a s , a c o m p a n h a d a s d e s o n s re g i s t r a d o s n u m s u p o r t e a d e q u a d o ( Wo r l d I n t e l l e c t u a l P ro p e r t y O r g a n i z a t i o n /W i p o , G l o s s a r y o f t e r m s o f t h e L a w o f C o p y r i g h t a n d N e i g h b o u r i n g R i g h t s ) .D e f i n i ç ã o 3 – [ O p a t r i m ô n i o a u d i o v i s u a l ] e n g l o b a o s f i l m e s p ro d u z i d o s , d i s t r i b u í d o s , d i f u n d i d o s o u d e q u a l q u e r o u t r a f o r m a c o l o c a d o s à d i s p o s i ç ã o d o p ú b l i c o . ( . . . ) [ D e f i n e - s e f i l m e c o m o ] u m a s é r i e d e i m a g e n s e m m o v i m e n t o f i x a d a s o u a r m a z e n a d a s s o b re u m s u p o r t e ( q u a l q u e r q u e s e j a o m é t o d o d e re g i s t ro e a n a t u re z a d o s u p o r t e u s a d o i n i c i a l o u p o s t e r i o r m e n t e p a r a i s s o ) , c o m o u s e m a c o m p a n h a m e n t o s o n o ro q u e , q u a n d o p ro j e t a d a , d á u m a i l u s ã o d e m o v i m e n t o ( . . . ) . ( P r i m e i r a v e r s ã o d o p ro j e t o d a D r a f t C o n v e n t i o n f o r t h e P ro t e c t i o n o f t h e E u ro p e a n A u d i o - v i s u a l H e r i t a g e , re d i g i d a p e l o C o m i t ê d e E s p e c i a l i s t a s e m C i n e m a n o C o n s e l h o d a E u ro p a , e m E s t r a s b u r g o . )
3 6 . U m a o b r a i n d i v i d u a l p o d e e s t a r c o n t i d a e m u m o u e m v á r i o s s u p o r t e s ; a l g u m a s v e z e s u m ú n i c o s u p o r t e p o d e c o n t e r m a i s d e u m a o b r a .
| 87Definições e terminologia86 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
em si, independentemente do suporte utilizado (papel, microfilme,
formatos digitais, gráficos ou transparências de projeção etc. – a
distinção é mais conceitual do que técnica, embora em grande me-
dida também exista uma diferença tecnológica). A definição proposta
exclui também a conotação popular do termo mídia, que inclui jornais as-
sim como as atividades de radiodifusão. Programas de rádio e de
televisão – inclusive noticiários – estariam, claro, incluídos na defi-
nição de documentos audiovisuais.
3.3.2.8 Entre esses dois grupos, obviamente, existe um largo espec-
tro de materiais e obras que são menos automaticamente a preo-
cupação dos arquivos audiovisuais e que, dependendo da percepção
de cada um, podem ou não se enquadrar plenamente na definição
acima. Eles incluem fotografias, multimídias em CD-Rom, rolos
de música de pianos automáticos e música mecânica, assim como
o “audiovisual” tradicional composto de transparências copiadas
em fitas magnéticas. Os cd-roms, video games, portais da Internet
e outras criações digitais são, por definição, não-lineares em sua
construção, e a possibilidade de “embaralhar” ou fazer a exibi-
ção aleatória do conteúdo de arquivos de áudio ou de vídeo é um
aspecto padrão dessa tecnologia. Mesmo assim, os fragmentos de
imagem e som resultantes, não importa quão curtos sejam, perma-
necem lineares em si, e uma sequência – intencional ou não – de
fragmentos também é linear.
3.3.2.9 Variantes culturais também precisam ser consideradas.
Em alguns lugares da América Latina, por exemplo, o termo au-
diovisual tende a designar um leque amplo de documentos visuais
não literários como mapas, fotografias, manuscritos, páginas da
Internet e outros tipos de imagens, reunidos por sua própria qua-
lidade e por sua relação aos documentos audiovisuais tal como
definidos em 3.3.2.4 (ver também a definição anterior de patrimô-
nio audiovisual). Na Europa, ao contrário, a tendência é reduzir o
âmbito do adjetivo.
3.3.3 Definição de arquivo audiovisual
3.3.3.1 Talvez por razões históricas, não existe em uso nenhuma
definição sucinta e padronizada do que seja um arquivo audiovi-
sual. Os estatutos da Fiat, Fiaf e Iasa descrevem muitas caracte-
rísticas e expectativas de tais organismos para com seus membros,
mas não fornecem nenhuma definição relativa ao que deve ser a
instituição em si. Os estatutos da Seapavaa (1996) definem os ter-
mos audiovisual e arquivo a partir dos requisitos para a filiação a ela.
É interessante citá-los:
Artigo 1b: Entende-se aqui audiovisual por imagens em movimento
e/ou sons gravados, registrados em filmes, fitas magnéticas, discos ou
quaisquer outros suportes existentes ou que venham a ser inventados.
Artigo 1c: Entende-se aqui arquivo como uma organização ou unida-
de de uma organização que se ocupa em coletar, administrar, preservar
e facilitar acesso a ou uso de uma coleção de materiais audiovisuais e
relacionados. O termo inclui instituições governamentais e não gover-
namentais, comerciais e culturais que cumpram essas quatro funções.
As regras [dos estatutos] podem exigir a aplicação estrita desta
definição na determinação da elegibilidade do candidato.
| 89Definições e terminologia88 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
3.3.3.2 Como ponto de partida, em decorrência do exposto, propo-
mos a seguinte definição:
Um arquivo audiovisual é uma organização ou um departamento de
uma organização cuja missão, eventualmente estabelecida por lei, con-
siste em facilitar o acesso a uma coleção de documentos audiovisuais
e ao patrimônio audiovisual mediante atividades de reunião, gestão,
conservação e promoção.
3.3.3.3 Esta definição leva em consideração o que foi exposto
no ponto 3.2.6 e responde à ideia de que a preservação não
é um fim em si, mas uma maneira de atingir uma finalidade,
que é o acesso permanente. Também estabelece que a coleta,
a gestão, a conservação, a promoção e o acesso ao patrimônio
audiovisual são funções principais e não uma atividade de menor
importância entre várias outras. A palavra que importa aqui
é e não ou: o arquivo faz todas essas coisas, não apenas algu-
mas. Isto por sua vez supõe que reúne materiais, ou pretende
reuni-los, nos diferentes formatos apropriados tanto para sua
preservação quanto para sua consulta.
3.3.3.4 Esta definição deve ser aplicada de forma criteriosa e não
dogmática. Por exemplo, a atividade de preservação de um arquivo
audiovisual não pode ser confundida com a de uma distribuidora
de filmes, vídeos ou gravações sonoras cuja missão é o acesso e não
a preservação. Na prática, esse segundo tipo de instituição pode
se converter com o tempo em uma instituição do primeiro tipo, se
sua coleção for preciosa ou única, e sua perspectiva se transformar.
Repetindo: embora as coleções privadas não sejam organizações –
ou não sejam consideradas como tal –, se forem geridas de acordo
com a definição indicada, na prática serão arquivos.
3.3.3.5 A tipologia dos arquivos audiovisuais (ver próximo capítu-
lo) indica que nesta definição incluem-se numerosas categorias e
preocupações. Por exemplo, alguns arquivos audiovisuais dedicam-
se a uma determinada mídia, como filmes, programas de rádio e
detelevisão,ougravaçõessonoras;outrosenglobamváriasmídias.
Alguns se ocupam de conteúdos variados enquanto outros se dedi-
cam a conteúdos específicos ou especializados. Finalmente, podem
ser públicos ou privados, e ter ou não finalidades comerciais. O
que importa é o caráter predominante das funções, não as políticas que
orientam essas funções. Por exemplo, alguns arquivos audiovisuais
de empresas não permitem o acesso público, pois sua política é
atender apenas “clientes internos”. Alguns arquivos públicos ou
institucionais, por outro lado, optam por facilitar o acesso a usuá-
rios não comerciais, sem objetivo de lucro. Nos dois casos, a função
de possibilitar acesso, em si, é a mesma.
3.3.4 Definição de arquivista audiovisual
3.3.4.1 Embora termos como arquivista de filmes, arquivista de sons e
arquivista audiovisual sejam de uso comum na área e em sua biblio-
grafia, parece não haver uma definição oficial desses termos adota-
da pelas associações profissionais, pela Unesco ou mesmo entre os
profissionais. Tradicionalmente, são conceitos subjetivos e flexíveis
que evidentemente significam coisas diferentes para pessoas dife-
rentes: uma afirmação de percepção e identidade pessoais mais do
que uma qualificação formal.
| 91Definições e terminologia90 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
3.3.4.2 Para exemplificar: nota-se que a afiliação à Amia é aberta
a “qualquer pessoa, instituição, organização ou corporação inte-
ressada”, sem outras especificações37. A categoria de membro indi-
vidual efetivo da Iasa é aberta a “pessoas profissionalmente enga-
jadas no trabalho de arquivos e outras instituições que preservam
documentos sonoros ou audiovisuais ou a pessoas que têm um inte-
resse sério nos objetivos explícitos da Associação”38 (o termo arquivo
não é definido com mais precisão). A Seapavaa oferece afiliação
individual àqueles que “compartilhem os objetivos da Associação e
respeitem seus estatutos”. Os candidatos devem fornecer informa-
ções sobre a instituição à qual estão ligados, um currículo e uma
referência de apoio de um membro (institucional) pleno39. A Fiat
não estabelece nenhuma condição para a candidatura de membros
individuais. A Fiaf não os aceita.
3.3.4.3 Cursos universitários estão atualmente formando gradua-
dos em cinema, imagens em movimento e arquivos audiovisuais.
Embora o número seja relativamente pequeno, cresce a cada ano.
Para esses graduados, a identidade é uma questão de qualificação
formal mas também de imagem que têm de si próprios.
3.3.4.4Levandoemcontaoexposto,propomosaseguintedefinição:
Um arquivista audiovisual é uma pessoa formalmente qualificada ou
credenciada como tal, ou que exerce, num arquivo audiovisual, uma
atividade profissional voltada para o desenvolvimento, a gestão, a con-
servação ou a possibilidade de acesso ao acervo, bem como para o
atendimento de uma clientela.3 9 . S e a p a v a a : E s t a t u t o e re g i m e n t o a d o t a d o s a 2 0 d e f e v e re i ro d e 1 9 9 6 .
3 7 . A m i a 2 0 0 2 , D i re t ó r i o d e m e m b ro s .
3 8 . I a s a : E s t a t u t o d a I a s a a d o t a d o a 8 d e d e z e m b ro d e 1 9 9 5 .
3.3.4.5 Os arquivistas audiovisuais em atividade provêm de
vários campos de formação. Alguns são universitários, outros
aprenderam sua profissão na prática de muitos anos. A longo
prazo, contudo, a proporção daqueles dotados de qualificação
formal na área vai crescer, e a questão do credenciamento formal
dos arquivistas em atividade por parte das federações deverá ser
enfrentada, da mesma forma que o foi em outras profissões de
coleta e conservação: parece lógico que um título de pós-gra-
duação ou experiência equivalente seriam um mínimo adequado
para esse credenciamento.
3.3.4.6 Aqui é necessário analisar o significado do termo profissio-
nal, amplamente utilizado. Para um bibliotecário tradicional, um
arquivista ou um museólogo, o termo supõe uma titulação aca-
dêmica e a possibilidade de credenciamento e afiliação a uma as-
sociação profissional. Numa estrutura menos consolidada como
é a do audiovisual, o termo pressupõe um nível equivalente de
treinamento, experiência e responsabilidade – incluindo tomadas
de decisão qualitativas e de julgamento em qualquer área de ope-
ração do arquivo.
3.3.4.7 Como os arquivistas em geral, os bibliotecários e os museó-
logos, os arquivistas audiovisuais deveriam poder seguir quaisquer
especializações correspondentes a suas oportunidades, preferên-
cias ou conhecimentos temáticos, e identificar-se de acordo com
eles. Dessa forma poderiam, por exemplo, compartilhar uma base
comum em teoria, história e conhecimento técnico, mas escolher
seguir carreiras como arquivistas de som, de cinema, de televisão,
de radiodifusão, de multimídia ou de documentação.
93
3.3.4.8 Deveriam também poder escolher as áreas de administra-
ção, promoção e gerenciamento. Existe um debate eterno sobre se
“gerenciamento” e uma disciplina profissional como a arquivística
audiovisual são habilidades distintas, mesmo mutuamente exclusi-
vas. É mais fácil treinar um administrador a partir de um arquivis-
ta, ou um arquivista a partir de um administrador? Muitos da área
(inclusive este autor) acreditam que as habilidades executivas de
gerenciamento, promoção, captação de recursos e administração
são partes inseparáveis da visão de mundo e da bagagem profis-
sional dos arquivistas audiovisuais, e não distintas dela. Existem
muitas provas para atestar que as instituições de arquivo são admi-
nistradas com muito sucesso por profissionais de arquivo.
4 | Arquivos audiovisuais
4.1 Histórico
4.1.1 Nãoexisteumadataoficialparaonascimentodaarquivísticaau-
diovisual. Ela surgiu de fontes difusas, em parte sob os auspícios de
uma ampla variedade de instituições de coleta e conservação, de uni-
versidades e de outras, como uma extensão natural do trabalho que
realizavam. Desenvolveu-se paralelamente, embora com bastante
atraso, ao crescimento da popularidade e alcance das próprias mí-
diasaudiovisuais.Arquivosdesom,defilmes,derádioedepoisdete-
levisão tenderam a ser, a princípio, institucionalmente diferentes uns
dosoutros,refletindoocaráterdistintoe individualdecadamídia
e das indústrias a elas associadas. A partir de 1930, ganharam uma
identidademaisvisívelaoseorganizaremassociaçõesprofissionais
internacionaisquerepresentavamcadamídiaemespecífico40. Com
o decorrer do tempo, foram também reconhecidos pelas organiza-
ções internacionais de arquivos gerais, museus e bibliotecas.
4 0 . E m b o r a n o m i n a l m e n t e a F i a f , a F i a t e a I a s a re p re s e n t e m re s p e c t i v a m e n t e a rq u i v o s d e f i l m e s , d e t e l e v i s ã o e d e s o m , o s p a p é i s re l a t i v o s s ã o m a i s c o m p l e x o s . A F i a t , c o m e f e i t o , é u m a a s s o c i a ç ã o d a i n d ú s t r i a d a t e l e v i s ã o . A F i a f é u m f ó r u m p a r a a rq u i v o s n ã o - c o m e rc i a i s d e f i l m e s e d e t e l e v i s ã o q u e d e s e m p e n h a m u m p a p e l m a i s a u t ô n o m o c o m o i n s t i t u i ç õ e s p ú b l i c a s e d e p o s i t á r i o s c u l t u r a i s . O q u a d ro d e a f i l i a d o s d a I a s a i n c l u i o r g a n i z a ç õ e s i n t e re s s a d a s e m s o m e , m u i t a s v e z e s , o u t r a s m í d i a s a u d i o v i s u a i s . A l g u n s a rq u i v o s p e r t e n c e m a v á r i a s f e d e r a ç õ e s . A I C A e a I f l a p ro m o v e m f ó r u n s p a r a a rq u i v o s a u d i o v i s u a i s q u e t ê m re l a ç õ e s c o m o s m u n d o s d a b i b l i o t e c o n o m i a e d a a rq u i v í s t i c a e m g e r a l .
| 95Arquivos audiovisuais94 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
4.1.2Os arquivistas audiovisuais, enquanto grupo profissional, também
não têm um nascimento oficial. À medida que a área se desenvol-
veu, atraiu profissionais de muitos campos: as profissões de coleta
e conservação, a universidade, as indústrias cinematográficas, de
radiodifusão e de som, as ciências e as artes. Alguns tinham titula-
ção formal em seus campos de origem, outros não. O que parecia
reuni-los era provavelmente um sentimento de perda e catástrofe,
e uma motivação, em alguns casos um zelo missionário, da neces-
sidade de deter a maré.
4.1.3Nos primeiros anos do século XX, não era de modo algum eviden-
te que os registros sonoros e as imagens em movimento tivessem
qualquer valor permanente. Embora sua invenção tenha sido, em
grande parte, resultado da curiosidade e do empenho científicos,
seu rápido desenvolvimento deveu-se à sua explosão como forma
de entretenimento popular.
4.1.4Algumas tentativas pioneiras foram feitas para que instituições
especializadas reconhecessem o valor dos materiais audiovisuais.
Por exemplo, em Viena, em 1899, a Österreichische Akademie der
Wissenschaften estabeleceu um Phonogrammarchiv com a finali-
dade de recolher registros etnográficos sonoros (provavelmente o
primeiro arquivo sonoro estabelecido no mundo com essa finali-
dade expressa, arquivo até hoje em funcionamento)41. Ao mesmo
tempo, em Londres, o British Museum esboçou uma coleção de
imagens em movimento de valor histórico, enquanto em Washin-
4 1 . D e s d e s e u i n í c i o , o o b j e t i v o e r a a s s e g u r a r a p e r m a n ê n c i a d o s re g i s t ro s , c r i a r u m a d o c u m e n t a ç ã o d e a p o i o à p e s q u i s a e d e s e n v o l v e r u m p ro g r a m a . I s s o v a i a o e n c o n t ro d a d e f i n i ç ã o d e a rq u i v o a u d i o v i s u a l e x p re s s a e m 3 . 3 . 3 . 2 .
gton, a Library of Congress perguntava-se o que fazer com as
cópias em papel dos primeiros filmes recebidos para registro de
direitos autorais.
4.1.5Um jornal britânico da época expressou o dilema:
O filme não era nem um impresso nem um livro – na verdade, qualquer
um poderia dizer o que ele não era, mas ninguém podia dizer o que ele
era. O objeto não tinha uma categoria na qual se encaixasse. O verdadeiro
problema era que ninguém sabia dizer a que categoria ele pertencia (The
Era, 17 outubro 1896).
Alguns meses depois, a Westminister Gazette via a questão da se-
guinte forma:
...a atividade cotidiana da sala de gravuras do British Museum está com-
pletamente atrapalhada pela coleção de fotografias animadas que foram
despejadas em cima dos funcionários atarantados (...) a degradação da
sala consagrada a Dürer, Rembrandt e outros mestres (...) [onde o pessoal]
cataloga de má vontade O Derby do príncipe, A Praia de Brigh-
ton, Os Ônibus de Whitehall e outras cenas atraentes que deliciam
os olhos do público dos cafés-concerto... Falando seriamente: essa coleção
de porcarias não está se tornando uma bobagem absurda?
4.1.6Os suportes audiovisuais não se enquadraram facilmente nos pres-
supostos de trabalho das bibliotecas, arquivos e museus do começo
do século XX e, embora houvesse exceções42, seu valor cultural era
4 2 . C o m o o I m p e r i a l Wa r M u s e u m i n g l ê s q u e d e s d e 1 9 1 9 e f e t i v a m e n t e c o l e t o u f i l m e s .
| 97Arquivos audiovisuais96 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
amplamente desconsiderado43. Em 1978, o pioneiro arquivista de
filmes Rod Wallace, da National Library da Austrália, recordava a
década de 1950:
As atitudes públicas para com os materiais históricos eram então muito di-
ferentes, em especial no mundo cinematográfico. Nós éramos olhados como
doidos, e em muitas ocasiões isso nos era dito. Nunca vou esquecer uma
vez que uma sala de projeções cheia de gente da indústria cinematográfica
assistiu um programa de filmes antigos recuperados pela Biblioteca e um
homem me disse que nós deveríamos ter jogado tudo fora. E as outras
pessoas concordavam com ele!
4.1.7Os arquivos de filme, como organizações distintas das instituições
tradicionais de coleta e conservação, apareceram primeiro na Eu-
ropa e na América do Norte – fenômeno que se nota a partir dos
anos de 193044 –, enquanto os arquivos de som, sob uma grande
variedade de formas institucionais, desenvolveram-se em separa-
do. Depois da Segunda Guerra Mundial, o movimento espalhou-se
para o resto do mundo – país a país, instituição por instituição, de
forma irregular. Lentamente, e por estágios, o valor cultural dos
suportes audiovisuais adquiriu legitimidade e ampla aceitação. O
desenvolvimento do rádio, de 1920 em diante, com a posterior gra-
vação e distribuição de programas por redes, criou tipos de mate-
riais inteiramente novos para uma potencial preservação, enquanto
a popularização da televisão a partir de 1940 fez o mesmo para um
outro tipo de imagens em movimento. Aliás, fez também algo mais:
trouxe de volta ao público conteúdos esquecidos das coleções dos
estúdios e sensibilizou uma geração para a importância de preser-
4 4 . A rq u i v o s p i o n e i ro s i n c l u e m o A rq u i v o C e n t r a l d e C i n e m a d a H o l a n d a , q u e c o m e ç o u a f u n c i o n a r e m 1 9 1 7 , e o s q u a t ro m e m b ro s f u n d a d o re s d a F i a f , q u e s u r g i u n a d é c a d a d e 1 9 3 0 .
4 3 . U m f a t o r c h a v e p a r a o d e s p re s t í g i o c o m q u e o g ro s s o d a s b i b l i o t e c a s e a rq u i v o s e n c a r a v a o s m a t e r i a i s a u d i o v i s u a i s e r a a ê n f a s e q u e d e d i c a v a m a o d o c u m e n t o t e x t u a l . O s c a n a d e n s e s Te r r y C o o k e J o a n S c h w a r t z e s t ã o e n t re o s p e s q u i s a d o re s d e s s e f e n ô m e n o .
var do desaparecimento o patrimônio cinematográfico. A mudança
de formatos de registros sonoros e da película virgem de nitrato
de celulose para triacetato de celulose reforçou as crescentes preo-
cupações quanto à sobrevivência e a garantia de acesso futuro.
4.1.8Foi a ação deliberada dos arquivos audiovisuais, frequentemente
diante da indiferença – quando não da oposição direta – dos produ-
tores de cinema, televisão e discos temerosos de que materiais dos
quais detinham os direitos patrimoniais ficassem em outras mãos
que não as suas, que resultou afinal em inesperados ganhos para
os mesmos produtores. Isso começou a acontecer quando as redes
de televisão e em seguida os distribuidores de áudio e vídeo para
os mercados de consumidores começaram a explorar as riquezas
do mundo dos arquivos de cinema e de som, demonstrando assim
o princípio da justificativa econômica da preservação audiovisual.
4.1.9O panorama hoje é bastante complexo, como a tipologia abaixo in-
dica. O arquivamento audiovisual acontece numa ampla gama de
tipos de instituição e está em constante desenvolvimento à medida
que se expandem as possibilidades de distribuição, como o cabo, o
satélite e a Internet. Um crescente número de produtoras e de re-
des de radiodifusão compreende hoje o valor comercial de proteger
seu patrimônio e criam seus próprios arquivos.
4.1.10 A história da preservação audiovisual difere muito de país para país
e está muito distante de ter sido pesquisada ou registrada (tarefa
| 99Arquivos audiovisuais98 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
muito além dos objetivos deste documento). Em países geográfica
e culturalmente tão diversos como (por exemplo) a Áustria, a In-
glaterra, a China, a Índia, os Estados Unidos e o Vietnã, há insti-
tuições e programas há muito tempo estabelecidos. Em outros paí-
ses igualmente diversos, essas iniciativas são recentes; emoutros,
o trabalho ainda deve ser iniciado. Até o presente, o patrimônio
audiovisual da América do Norte e da Europa está em condições
relativamente melhores do que no resto do mundo, tanto em ter-
mos de conservação quanto de acesso.
4.1.11São vários os motivos para esse desenvolvimento desigual da área.
Entre eles estão as circunstâncias políticas, históricas e econô-
micas de determinados países e suas indústrias audiovisuais, as
realidades climáticas (os materiais audiovisuais deterioram com
mais rapidez em zonas tropicais) e as considerações culturais. A
ampla aceitação do valor da preservação cultural aliada à von-
tade política é essencial para o desenvolvimento da preservação
audiovisual. Mas em seus princípios exigiu – e ainda exige –, con-
tra todas as opiniões, pioneiros dedicados. Felizmente eles ainda
continuam a aparecer.
4.2 Campo de atividades
4.2.1Os arquivos audiovisuais, em seu conjunto, desenvolvem muitas
das atividades executadas por outras instituições de coleta e con-
servação. As tarefas de reunir, documentar, administrar e conservar
um acervo são centrais, e delas decorrem a natural consequência e
o desejo de que a coleção seja tornada acessível.
4.2.2O âmbito e o caráter do acervo serão definidos por uma política
– de preferência escrita, embora políticas sempre existam, mesmo
quando não estão escritas. Tipos de conteúdo, de suporte, descrição
técnica, origem, limites cronológicos, gênero e situação de direitos
estão entre os muitos elementos que podem definir o âmbito de um
acervo. Sua documentação, conservação, gestão física e acordos de
acesso devem ser providenciados. Embora a administração seja de
responsabilidade do arquivo, o acervo pode estar armazenado em
um edifício que não esteja sob controle do arquivo: a guarda pode
eventualmente ser contratada junto a uma empresa.
4.2.3A conservação também será responsabilidade do arquivo embora
novamente algumas atividades ou processos – como a duplicação –
possam ser contratados com prestadores de serviços especializados.
Quando isso acontece, é dever do arquivo exercer um sistema de
controle de qualidade para assegurar que os padrões que estabele-
ceu sejam observados.
4.2.4Estabelecida a partir dessas atividades, encontra-se uma legião de
outros processos que pode variar de arquivo para arquivo, suas po-
líticas, prioridades e circunstâncias, mas que são, não obstante, ex-
pressões de seu caráter essencial. Eis uma relação deles:
| 101Arquivos audiovisuais100 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
p instalações públicas para pesquisa, biblioteca e
serviços
p projeção pública, instalações para exposições e debates
p catálogo on-line
p programa de história oral
p programa de ensino profissional
p comercialização de produtos elaborados a partir
do acervo
p programa de publicações
p empréstimo de materiais e objetos para projeções e expo-
siões externas
p programa de eventos públicos: conferências, aulas, festi-
vais, exposições
p instalações públicas: loja, café, pontos de encontro.
4.3 Tipologia45
4.3.1 Esclarecimento
4.3.1.1 Os arquivos audiovisuais abarcam uma grande diversidade
de modelos, tipos e interesses institucionais. Embora reconheça-
mos que toda organização é única e que qualquer tipologia tem
um grau de arbitrariedade e artificialismo, a categorização é uma
forma útil de tentar dar alguma forma ao campo.
4.3.1.2 Como proposta para isso, listamos abaixo vários pontos de
referência contra os quais qualquer arquivo pode ser “posicionado”:
4 5 . E s t a s e ç ã o a p ro v e i t a m a t e r i a i s d o a r t i g o “ A b r i e f t y p o l o g y o f s o u n d a rc h i v e s ” , d e G r a c e K o c h ( P h o n o g r a p h i c B u l l e t i n n . 5 8 , j u n h o 1 9 9 1 ) e o u t r a s f o n t e s d e p e s q u i s a c i t a d a s n e s s e a r t i g o , b e m c o m o n a t i p o l o g i a d e a rq u i v o s d e f i l m e p ro p o s t a p o r P a o l o C h e rc h i U s a i e m s e u l i v ro B u r n i n g p a s s i o n , L o n d re s : B r i t i s h F i l m I n s t i t u t e , 1 9 9 4 [ N T: a m p l i a d o e re e d i t a d o c o m o S i l e n t c i n e m a . B F I , 2 0 0 0 . ]
p com ou sem finalidades lucrativas
p grau de autonomia
p status
p clientela
p amplitude de mídias e capacidades
p caráter e ênfase.
4.3.1.3 Nenhuma das categorias dessa tipologia coincide com
as exigências de quaisquer das associações profissionais, embo-
ra representem fatores que algumas levam em consideração ao
admitir ou não a afiliação. Muitos arquivos não pertencem a ne-
nhuma associação.
4.3.2 Com ou sem finalidades lucrativas
4.3.2.1 A atividade de preservação audiovisual começou como um
movimento culturalmente motivado, a conservação dos materiais,
por seus valores intrínsecos independentemente de seu potencial
comercial – agindo algumas vezes, na verdade, contra um princí-
pio comercial predominante que exercia a destruição de filmes e
registros “ultrapassados” e aparentemente sem interesse. Esse va-
lor altruísta fundamental continua muito importante, embora nesse
como em outros campos da preservação cultural, a atividade não
seja economicamente autossuficiente e dependa de dotações públi-
cas e particulares.
4.3.2.2 Cada vez mais, arquivos sem finalidades lucrativas estão
sendo complementados por um outro modelo: o arquivo autos-
suficiente, capaz de sustentar-se através da geração de recursos
| 103Arquivos audiovisuais102 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
provindos de seu acervo, através de licenciamentos, segmentação,
reutilização e outras formas de exercer direitos patrimoniais, seus
próprios ou de cedentes. Tais arquivos são geralmente subcon-
juntos de vastos empreendimentos produtores como indústrias de
disco, estúdios de cinema ou redes de televisão. A proliferação da
demanda por materiais antigos de repertório tornou novamente
valiosos bens até então negligenciados.
4.3.2.3 Um arquivo nacional gerido pelo governo é o exemplo clás-
sicodomodelosemfinalidadeslucrativas;oarquivodeumarádio
ou de uma televisão o do modelo com finalidades lucrativas. O
primeiro persegue objetivos altruístas que são publicamente reco-
nhecidos como meritórios, a despeito de seu retorno financeiro.
O segundo administra seus ativos com vista à geração de lucros,
em dinheiro ou espécie. Essas diferentes perspectivas e valores in-
terferem em tudo, da política de seleção e serviços de acesso aos
padrões e métodos de preservação.
4.3.2.4 A diferença é fundamental para a estrutura da área e
suas associações profissionais. A Fiaf, por exemplo, não aceita
instituições com finalidades lucrativas como membros, enquanto
a Iasa e a Amia estão abertas para organismos com ou sem finali-
dades lucrativas. Desde que os dois tipos de arquivos participam
de uma mesma tarefa – assegurar a sobrevivência do patrimônio
audiovisual – existem pontos em comum e esferas de coopera-
ção. Arquivistas individuais podem se mover entre os dois tipos
ao longo de sua carreira, e as questões e as tensões criadas pelos
dois conjuntos de valores são uma área importante para as dis-
cussões profissionais.
4.3.2.5 As duas abordagens não são mutuamente exclusivas. Ar-
quivos sem finalidades de lucro enfrentam a realidade que os acer-
vos e os programas crescem numa velocidade maior do que os
orçamentos. A consequência é que eles se engajam em atividades
comerciais (como a comercialização de direitos ou o lançamento
de CDs ou DVDs baseados em materiais do acervo) ou de capta-
ção de recursos de patrocínio como forma de suplementar suas
dotações – e, ao fazer isso, aprendem as úteis habilidades e pers-
pectivas do empresário comercial. Por outro lado, os arquivos com
finalidades lucrativas podem ser capazes de introduzir um grau de
altruísmo na implementação de suas políticas de coleção, talvez
executando um delicado processo de educação interna nas organi-
zações de que fazem parte.
4.3.3 Grau de autonomia
4.3.3.1 Alguns arquivos são organizações independentes no mais
amplo sentido do termo: são legalmente constituídos como tal, têm
dotação assegurada, estatutos e acordos de gestão que permitem
que prestem contas a um conselho e à sua base de apoio, e têm
completa autonomia profissional na execução de suas funções. Ou-
tros são claramente setores integrantes de instituições maiores, com
dotações restritas e âmbito limitado de autonomia profissional. A
maior parte dos arquivos situa-se entre esses dois extremos.
4.3.3.2 A autonomia é um atributo muito valorizado, e um nível
mínimo de autonomia profissional é fundamental se o arquivo qui-
ser funcionar com eficiência e ética. O grau de autonomia tam-
bém não é imediatamente evidente: há instituições aparentemente
| 105Arquivos audiovisuais104 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
independentes que podem ser departamentos de organismos maio-
res e ter pouca autonomia legal e prática. Departamentos de or-
ganismos maiores, ao contrário, podem algumas vezes gozar de
considerável independência de facto.
4.3.4 Status
4.3.4.1 A palavra não tem aqui um sentido pejorativo ou elitista: é
unicamente um descritor prático e um componente essencial dos
termos de referência do arquivo.
4.3.4.2 Status geográfico define o território que o arquivo cobre ou
representa. Um arquivo nacional tem um âmbito de coleta e de ser-
viços mais amplo, mas talvez menos detalhado do que um arquivo
que opera em nível regional, estadual ou local. Pode também ter
outras funções pertinentes à escala nacional como, por exemplo,
um papel de coordenação ou de formação.
4.3.4.3 Muitos arquivos governamentais ou semigovernamentais têm
status oficial: seu papel e mandato são reconhecidos de alguma forma
pelo governo, ou através de uma legislação ou de disposições admi-
nistrativas práticas. Esse status pode estar expresso através de meca-
nismos de apoio financeiro (uma subvenção governamental anual
fixa),mecanismosdeprestaçãodecontasecontrolepúblicos.Podem
beneficiar-sedodepósitolegaledeoutrasdisposiçõescompulsórias.
4.3.4.4 Os arquivos consolidam seu status e autoridade com o pas-
sar do tempo. Isso pode se dever aos efeitos conjugados da idade
institucional, do prestígio do acervo, do âmbito de atividades, da
visibilidade geral e da liderança de personalidades que participam
de seus trabalhos. Também pode se dever ao papel desempenhado
pelo arquivo no mundo profissional e pelo efeito percebido de sua
atuação no campo em geral.
4.3.5 Clientela
4.3.5.1Osarquivos sãodefinidospelospúblicosqueatendem.Nes-
se sentido, cabe estabelecer uma diferenciação paralela à dicotomia
com/semfinalidadesdelucroestabelecidaacima.Osarquivosdere-
des de radiodifusão, por exemplo, podem servir prioritariamente às
necessidades e estratégias internas de produção da organização maior
e,emcertograu,estãointegradosaofluxoprodutoretécnicocotidia-
no da empresa. Também podem fornecer materiais para uma cliente-
lamaior,emtermosquereflitamosobjetivosdelucro,naeventualida-
de provável de que a emissora controle também direitos patrimoniais.
Oacessoinclusivepodesernegadoseestiveremconflitocomalgum
planejamento (por exemplo, uma estratégia de relançamentos).
4.3.5.2 O arquivo sem finalidades lucrativas será motivado por
valores de interesse cultural e público, mas mesmo dentro desses
parâmetros existe um amplo espectro de clientes. Arquivos ligados
a universidades, por exemplo, podem conscientemente voltar-se
para o usuário acadêmico, com o desenvolvimento do acervo e de
serviços orientado pelos currículos. Outros podem estar sintoni-
zados com as necessidades da indústria de produção audiovisual,
com a cultura cinematográfica, com a pesquisa, com o turismo, por
exemplo. Quanto maior o arquivo e o âmbito de sua coleção, maior
será a variedade de públicos que poderá atender.
| 107Arquivos audiovisuais106 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
4.3.6 Amplitude de mídias e capacidades
4.3.6.1 Embora a maioria das instituições de coleta e conservação
detenha atualmente uma gama ampla de mídias, muitos arqui-
vos audiovisuais (e suas associações profissionais) têm uma histó-
ria de especialização em cinema, televisão, rádio ou som que é
tanto conceitual e cultural quanto prática. Enquanto as mídias
audiovisuais convergem tecnologicamente, o âmbito de especia-
lizações práticas e de conteúdo no mínimo aumenta. O reparo e
a restauração da película são operações diferentes da restauração
acústica de discos de acetato ou dos primeiros registros em fita.
Uma especialização na história da ópera chinesa é um campo de
conhecimento diferente do filme de animação feito em Hollywood
antes do surgimento da televisão.
4.3.6.2 Os arquivos variam muito não apenas em suas áreas de
foco e especialização mas também em suas instalações e capaci-
dades. Existem arquivos grandes, com locais adequados para o
armazenamento das coleções, laboratórios de processamento de
áudio, vídeo e película, salas e auditórios bem equipados, sistemas
de armazenamento digital em massa, instalações públicas de pes-
quisa etc. Por outro lado, há arquivos pequenos que têm poucas
ou nenhuma dessas coisas, mesmo que aspirem por elas, e que
dependem da contratação de serviços para o armazenamento do
acervo, duplicação e outros trabalhos, seja de empresas comerciais
seja de outros arquivos ou instituições. Nesse último caso, devem
desenvolver um sistema de controle de qualidade para assegurar a
aplicação dos padrões que estabeleceram.
4.3.6.3 Como cada arquivo evoluiu em circunstâncias econômicas,
políticas e culturais específicas, seu âmbito de atividades e suas ca-
pacidades são fruto tanto do pragmatismo quanto do idealismo. O
que é executado por uma única instituição nacional em um país
pode estar distribuído por várias em outro, e há as questões políti-
cas entre as instituições bem como dentro de cada uma.
4.3.7 Caráter e ênfase
4.3.7.1 Com o risco de aplicar rótulos simplistas, o que vai abaixo
é uma proposta de agrupamento de arquivos tendo em vista suas
características e objetivos prioritários. Alguns arquivos perten-
cem a dois ou mais desses grupos. Alguns começaram pequenos
e cresceram mediante seleção e coleta sistemáticas, baseadas em
políticas concretas. Alguns começaram incorporando um grande
acervo privado ou empresarial. Alguns carregam a marca de uma
personalidade fundadora cujas preferências conformaram a cole-
ção e o caráter do arquivo.
4.3.7.2 Arquivos de emissoras: armazenam prioritariamente coleções
de programas selecionados de rádio e/ou televisão e gravações co-
merciais, guardadas para preservação (habitualmente como ativos
empresariais) e como fontes de emissão e produção. Com algumas
exceções significativas, muitos são departamentos de organizações
de radiodifusão, de grandes redes a pequenas estações públicas de
rádio e televisão, enquanto outros têm graus variados de indepen-
dência. As coleções podem incluir também material “bruto”, como
entrevistas e efeitos sonoros, bem como materiais acessórios como
roteiros e documentação relacionada aos programas.
| 109Arquivos audiovisuais108 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
4.3.7.3 Arquivos de programação:algunsarquivosdefilmesoudetelevi-
são caracterizam-se particularmente por um bem pesquisado e cui-
dadosamente preparado programa de projeções em seus próprios
cinemas ou salas de exibição de acesso público. As projeções podem
conter elementos como uma apresentação verbal, acompanhamento
musicalaovivoparafilmessilenciosos,folhetosdeprogramação,a
tentativa de projetar cópias da melhor qualidade e excelência geral
das apresentações. Como muitos desses arquivos operam cinemas
especializados, capazes de projetar formatos obsoletos e recriar uma
atmosfera contemporânea ao material que exibem, estão aptos a
cuidar da arte da projeção e da importante dimensão do contexto,
cada vez menos disponíveis nos cinemas comerciais. A característica
é a ênfase na natureza artística do cinema46.
4.3.7.4 Museus audiovisuais: a ênfase dessas organizações é a conservação
e a exposição de artefatos como câmaras, projetores, fonógrafos, carta-
zes, publicidade e outros materiais, roupas e objetos de recordação, e a
apresentação de imagens e sons num contexto de exibição pública com
propósitos educativos e de entretenimento. Artefatos como lanternas má-
gicas e brinquedos ópticos – o prelúdio do advento do registro sonoro e
do cinema – são muitas vezes incluídos para ilustrar o contexto histórico.
Nesta categoria, os museus de cinema formam um grupo reconhecido
e crescente, enquanto outros enfatizam a mídia radiofônica ou o som
gravado. Existem algumas coleções e exposições grandes e espetaculares.
Como a maioria dos arquivos audiovisuais, em certo grau, mantém tec-
nologia em obsolescência, eles são museus audiovisuais que funcionam.
4.3.7.5 Arquivos audiovisuais nacionais: são organizações de âm-
bito amplo, frequentemente grandes, que operam em nível na-
4 6 . D e a c o rd o c o m a ê n f a s e o p e r a c i o n a l d a p ro v á v e l m a t r i z d o t e r m o , a C i n é m a t h è q u e F r a n ç a i s e , t a i s a rq u i v o s s ã o m u i t a s v e z e s – e m b o r a n ã o c o m e x c l u s i v i d a d e – t r a d i c i o n a l m e n t e c o n h e c i d o s c o m o c i n e m a t h è q u e s o u v i d e o t h è q u e s . M a i s re c e n t e m e n t e , e n t re t a n t o , e s s e s t e r m o s f o r a m u t i l i z a d o s p o r o u t r a s o r g a n i z a ç õ e s q u e , e m b o r a n ã o a rq u i v o s e m s i , a p re s e n t a m p ro g r a m a s d e p ro j e ç ã o d e f i l m e d e re p e r t ó r i o o r g a n i z a d o s e m m o s t r a s .
cional, com a missão de documentar, preservar e tornar publi-
camente acessível o conjunto, ou uma parte significativa, do
patrimônio audiovisual de um país. São frequentemente finan-
ciados pelo estado e nesta categoria estão incluídos os maiores
e mais conhecidos arquivos de filmes, de televisão e de som do
mundo. Se mecanismos de depósito legal funcionam no país
em questão, esses arquivos são muito provavelmente os deposi-
tários desse material. Os serviços de acesso podem ser amplos
e cobrir todo o espectro da exibição pública, comercialização,
apoio profissional e serviços privados de pesquisa. Podem in-
cluir serviços e assessoria técnica especializados: muitas vezes
prestam serviços e coordenam as atividades de preservação au-
diovisual de outras instituições do país. O papel é análogo ao
das bibliotecas, arquivos e museus nacionais – em alguns casos
esses arquivos são departamentos de tais organizações, em ou-
tros casos são instituições independentes, com estatura e auto-
nomia comparáveis às daqueles.
4.3.7.6 Arquivos universitários e acadêmicos: em todo o mundo, exis-
tem numerosas universidades e instituições acadêmicas que abri-
gam arquivos de som, de filmes, de vídeos ou audiovisuais em ge-
ral. Alguns foram fundados pela necessidade de servir os cursos
acadêmicos, outros para preservar o patrimônio da localidade
geográfica ou da comunidade onde funciona a instituição. Al-
guns fazem ambos. Muitos se desenvolveram com o passar do
tempo e se transformaram em instituições de projeção nacional
e internacional. Alguns diversificaram suas fontes de recursos e
estabeleceram importantes programas de conservação, restaura-
ção e promoção. Alguns seguiram a trilha da “programação” e se
| 111Arquivos audiovisuais110 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
especializaram nesta área. Outros permaneceram pequenos, foca-
dos numa área específica, da qual aprofundam o conhecimento47.
4.3.7.7 Arquivos temáticos e especializados: este é outro grande e va-
riado grupo de arquivos que não lidam com o patrimônio audio-
visual em geral, mas que optaram por uma especialização clara e
às vezes altamente delimitada. Esta pode ser um tema ou um as-
sunto, uma localidade, um período cronológico em particular, um
formato específico de filme, vídeo ou áudio. Podem ser materiais
relativos a grupos culturais específicos, disciplinas acadêmicas ou
campos de pesquisa. Exemplos são coleções de história oral, de
música folclórica, de materiais etnográficos. A maioria são prova-
velmente departamentos de organizações maiores, embora alguns
sejam independentes. A característica é a ênfase no atendimento
de pesquisas privadas ou acadêmicas.
4.3.7.8 Arquivos de estúdios: algumas grandes empresas de produção,
como por exemplo na indústria cinematográfica, tiveram consciên-
cia da necessidade de preservar seus próprios produtos e estabele-
ceram setores ou divisões de arquivo em suas organizações. Como
no caso da maioria dos arquivos de emissoras, o propósito funda-
mental é habitualmente o gerenciamento de ativos no serviço dos
objetivos empresariais maiores, mas esses arquivos algumas vezes
têm recursos significativos para dedicar à restauração e à recons-
trução de filmes, programas e registros percebidos como possibili-
dades potenciais de comercialização48.
4.3.7.9 Arquivos regionais, municipais e locais: há muitos arquivos
que operam em nível abaixo do nacional. Sua formação pode
4 7 . N ã o n o s re f e r i m o s a q u i à s c o l e ç õ e s d e f u n d o s a u d i o v i s u a i s q u e a s u n i v e r s i d a d e s p o s s u e m , s e m i n t e n ç ã o d e c o n s t i t u i r u m a rq u i v o .
4 8 . U m e x e m p l o b e m c o n h e c i d o é a re s t a u r a ç ã o d i g i t a l d o c l á s s i c o d e D i s n e y S n o w W h i t e / B r a n c a d e N e v e , h á c e rc a d e d e z a n o s . O i n v e s t i m e n t o f o i re c u p e r a d o p e l o p ro p r i e t á r i o c o m o s a c o rd o s d e re l a n ç a m e n t o . O c u s t o d a re s t a u r a ç ã o t e r i a s i d o p ro i b i t i v o p a r a u m a i n s t i t u i ç ã o p ú b l i c a .
ter origem em circunstâncias administrativas ou políticas parti-
culares – como uma descentralização de programas de governo
– e seus objetivos tendem a ter um enfoque específico. Eles têm
a vantagem particular de serem capazes de mobilizar apoios e
interesses das comunidades locais, que podem se relacionar com
as atividades do arquivo de uma forma que não poderiam fazê-lo
no caso de instituições especializadas nacionais, mais distantes.
Como resultado, materiais inestimáveis, oriundos sobretudo de
fontes privadas, podem se tornar conhecidos e encontrar seu ca-
minho para um arquivo. Tais arquivos são abrigados em uma
grande variedade de instituições simpáticas às suas atividades,
como bibliotecas, instituições culturais, educativas, ou departa-
mentos municipais.
4.3.7.10 Arquivos, bibliotecas e museus em geral: talvez a maior categoria
de todas. Muitas instituições possuem quantidades significativas de
materiais audiovisuais destinados à guarda permanente. Algumas
vezes eles podem ter sido adquiridos como parte integrante de uma
determinada coleção ou fundo. Contudo, pode não existir nenhum
departamento audiovisual ou mesmo qualquer funcionário que en-
tenda do assunto, oumesmo locais adequados para sua guarda;
assim, a longo prazo, a preservação e o acesso ao material repre-
sentam um problema.
| 113Arquivos audiovisuais112 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
4.4 Visão de mundo e paradigma49
4.4.1 Introdução
4.4.1.1Umacaracterísticadeterminantedasdiversasprofissõesdeco-
leta e conservação de documentos é a perspectiva, o paradigma ou
visãodemundoespecíficosquelançamsobreaenormequantidadede
materiais suscetíveis de interessá-las e que lhes permite, de forma sig-
nificativa, selecioná-los, descrevê-los, organizá-los e disponibilizá-los.
Essasprofissõestêmmuitostraçosemcomum;aconstituiçãodeacer-
vos, a gestão e a conservação dos materiais coletados e os mecanis-
mos de acesso para os usuários são elementos básicos. Há uma ética e
motivaçõesculturaisquetranscendemomecânicoeoutilitário;háo
gerenciamento de demandas simultâneas frente a recursos escassos. As
diferenças surgem na maneira de responder a essas funções.
4.4.1.2Emborainfluenciadaspelatradiçãoepelahistória,essaspers-
pectivas não são em essência determinadas pelo suporte material dos
documentos: bibliotecas, arquivos, museus e arquivos audiovisuais,
todos abrigam, por exemplo, suportes em papel, suportes audiovisuais
e suportes informatizados, e cada vez mais transmitirão e receberão
materiaispelaInternet.Apesardoriscodeumasimplificaçãoexcessi-
va, propomos abaixo algumas comparações50. Além dos comentários
que fazemos, elas demandam uma análise mais aprofundada.
4.4.2 Bibliotecas
4.4.2.1 As bibliotecas, onde tradicionalmente se depositam escritos
e impressos, também fornecem informações sob as mais variadas
4 9 . P a r a e s s a s e ç ã o , u t i l i z a m o - n o s d e J . E l l i s , K e e p i n g A rc h i v e s , D . W. T h o r p e / A u s t r a l i a n S o c i e t y o f A rc h i v e s , 1 9 9 3 .
5 0 . A o b r a c i t a d a a c i m a f o r n e c e u m a g r a d e d a s p r i n c i p a i s d i f e re n ç a s e n t re a rq u i v o s , b i b l i o t e c a s e m u s e u s e i n s p i r a m o - n o s n e l a p a r a o q u a d ro d o A n e x o 2 , e s t a b e l e c e n d o u m a c o m p a r a ç ã o c o m o s a rq u i v o s a u d i o v i s u a i s .
formas. Ocupam-se de materiais que, na maioria dos casos, foram
publicados ou criados para serem difundidos com o propósito espe-
cíficodeinformar,persuadir,emocionaroudivertir.Aunidadebá-
sica de uma biblioteca é o livro, o periódico, o programa, o registro,
o mapa, a imagem, o vídeo etc. Ainda que um mesmo livro possa
figuraremcentenasdebibliotecasdiferentes,cadacoleçãotemum
caráterúnicoquerefletesuaclientela,suasresponsabilidadesenor-
mas de funcionamento, bem como a qualidade de suas competências
naseleçãodomaterial.Acatalogaçãoeabibliografiapropiciamo
controle e a consulta desses materiais e as informações pertinentes
são o editor, o autor, os temas, a data e o local de publicação.
4.4.3 Arquivos
4.4.3.1 Os arquivos ocupam-se de registros acumulados de atividades
sociais ou institucionais. Trata-se essencialmente de materiais não
publicados, embora hoje em dia formem um conjunto mais comple-
xo. Seu interesse concentra-se sobretudo em documentos que cons-
tituem traços coletivos de uma atividade, mais do que em obras ex-
pressamente criadas para publicação. Esse material inscreve-se num
contexto preciso: a ligação com seu autor, uma atividade ou outros
domínios conexos são as considerações prioritárias. E as coleções são
constituídas, ordenadas e consultadas segundo esses critérios. Um
dossiê de correspondência arquivado, por exemplo, pode fazer parte
deumasérieespecífica,criadaporumórgãogovernamentalemcir-
cunstâncias ou época particulares. Conhecer esses detalhes e utilizar
o material dentro de um determinado contexto é essencial para sua
compreensão plena e correta. Os instrumentos de pesquisa, mais do
que os catálogos, são os pontos de apoio do usuário.
| 115Arquivos audiovisuais114 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
4.4.4 Museus51
4.4.4.1 Pode-se dizer que os museus, em sua missão de coleta, pes-
quisa, documentação e exposição, ocupam-se mais de objetos do
que de documentos ou publicações. A conservação tem neles uma
posição central, e a capacidade técnica de expor ao público seu
acervo contextualizando-o com finalidades educativas é sua razão
de ser fundamental. O uso de técnicas audiovisuais em exposições
é cada vez mais habitual.
4.4.5 Arquivos audiovisuais
4.4.5.1 Todos os arquivos audiovisuais possuem certos traços dos
três modelos precedentes. O material de que se ocupam, por exem-
plo, pode ser publicado ou inédito: a diferença não é sempre fá-
cil nem importante; o conceito de “original” (negativo de filme,
matriz sonora) também é relevante. A catalogação e o inventário
são atividades tão essenciais para os arquivos audiovisuais quanto
para as bibliotecas, os museus e os arquivos convencionais. Como
o material coletado é um suporte tecnológico, torna-se impossível
separar conceitualmente a tecnologia de seu produto, e por isso as
disciplinas da museologia também são pertinentes. Mecanismos e
formas de acesso, para particulares ou grupos grandes ou pequenos
de pessoas, são múltiplos. Alguns traços diferenciadores ligam-se
sobretudo à natureza dos documentos (ver seção seguinte).
4.4.5.2. Neste amálgama, há aspectos das disciplinas tradicionais
que são menos pertinentes. Por exemplo, os conceitos arquivísticos
de registro, ordem original e respeito aos fundos podem se revelar res-
5 1 . S e g u n d o o I c o m ( C o n s e l h o I n t e r n a c i o n a l d e M u s e u s ) , “ m u s e u é u m a i n s t i t u i ç ã o p e r m a n e n t e , s e m f i n s l u c r a t i v o s , a s e r v i ç o d a s o c i e d a d e e d e s e u d e s e n v o l v i m e n t o , a b e r t a a o p ú b l i c o , e q u e f a z p e s q u i s a s re l a c i o n a d a s c o m o s t e s t e m u n h o s m a t e r i a i s d o h o m e m e d e s e u a m b i e n t e ; c o n s e r v a - o s , c o m u n i c a -o s e s o b re t u d o o s e x p õ e , c o m f i n a l i d a d e d e e s t u d o , d e e d u c a ç ã o e d e l a z e r ” ( h t t p : / / i c o m .m u s e u m / d e f i n i t i o n . h t m l ) .
tritivos para os arquivos audiovisuais e nem sempre pertinentes a
suas necessidades. Os conceitos de informação e de gestão de cole-
ções, utilizados em biblioteconomia, têm limitações. Os serviços de
consulta podem ser caros e o princípio de acesso público gratuito,
tradicional em arquivos e bibliotecas, pode se revelar inviável e de
difícil manutenção frente a aspectos práticos e políticos colocados
pelos direitos de autor.
4.4.5.3 As comparações são instrutivas e merecem atenção. Um
exemplo fictício serve de ilustração. Um programa de televisão
pode ocupar posição legítima nos quatro tipos de instituição que
descrevemos. Numa biblioteca, ele tem um papel informativo, de
registro histórico ou de criação intelectual ou artística. Num arqui-
vo, ele seria um dos registros de uma determinada organização, o
resultado de um processo. Num museu, ele constituiria uma obra
de arte, um objeto suscetível de ser exposto. Cada um desses con-
ceitos é legítimo e adequado em seu contexto. A mesma obra pode
ser considerada sob diferentes ângulos, de acordo com a disciplina
envolvida, e tratada segundo diferentes procedimentos. Os arqui-
vos audiovisuais veem as coisas de uma maneira diferente52, legí-
tima dentro de sua cosmovisão, adequada à qualidade de síntese
dessas disciplinas.
4.4.6 O paradigma dos arquivos audiovisuais53
4.4.6.1 Os arquivos audiovisuais encontram-se em posição de consi-
derar aquele hipotético programa de televisão enquanto ele mesmo e não
enquanto componente de uma outra coisa.Nãoclassificarãoemprincípio
esse programa como uma informação ou um documento histórico
5 2 . O re a l i z a d o r r u s s o e t e ó r i c o d o c i n e m a S e r g u e i M . E i s e n s t e i n c o n s i d e r a v a o c i n e m a c o m o “ a s í n t e s e d e t o d a s a s a r t e s ” .
5 3 . E s t e p a r a d i g m a é f r u t o d e n o s s a a n á l i s e p e s s o a l m a s n ã o n e g a e m a b s o l u t o a p o s s i b i l i d a d e d e o u t r a s o p i n i õ e s o u m o d e l o s c o n c e i t u a i s q u e a l i m e n t e m u m d e b a t e q u e d e v e t e r p ro s s e g u i m e n t o . E n t re a s re c e n t e s p u b l i c a ç õ e s s o b re o a s s u n t o , p o d e m o s c i t a r o e n s a i o d e J a c q u e s D e r r i d a e B e r n a rd S t i e g l e r, É c o g r a p h i e s d e l a t é l é v i s i o n , P a r i s : G a l i l é e , 1 9 9 6 .
| 117Arquivos audiovisuais116 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
ou uma obra de arte ou um documento institucional, mas o consi-
derarão como uma transmissão de televisão que é tudo isso e ao mesmo tempo
muito mais do que isso–eessaclassificaçãodeterminaráseusmétodos
e ações. O caráter dos meios audiovisuais e seus produtos é o pon-
to de referência primordial que os arquivos audiovisuais levam em
conta, da mesma forma que, há séculos, a própria natureza do livro
impresso, enquanto fenômeno, foi o ponto de referência primordial
das bibliotecas tais como hoje as conhecemos.
4.4.6.2 Avançando mais, pensemos em como os arquivos audio-
visuais tratam, por exemplo, os materiais em papel – revistas,
cartazes, fotografias, roteiros etc. Na maior parte dos casos, esses
materiais não são entendidos em si mesmos mas pelo valor que
acrescentam aos registros, filmes ou programas a que se referem.
Num arquivo audiovisual, um cartaz de filme tem valor muito
por causa do filme com o qual se relaciona. Numa galeria, pode-
ria ter valor artístico54.
4.4.6.3 A medida pela qual esse modelo se traduz em práticas varia
segundo as circunstâncias e as decisões dos arquivos. Os arquivos
audiovisuais independentes (quer se consagrem a um ou a vários
suportes), dotados de um status e de uma autonomia comparáveis
aos das grandes bibliotecas, arquivos ou museus, encontram-se em
posição mais adequada para colocar em prática esse modelo: os
documentos audiovisuais têm neles o mesmo valor cultural que os
artefatos produzidos por técnicas mais antigas. Os arquivos audio-
visuais pertencentes a organizações maiores em geral encontram
um meio termo entre este modelo e a óptica dos organismos dos
quais dependem. Evidentemente, os documentos audiovisuais con-
5 4 . I s s o n ã o s i g n i f i c a q u e o s a rq u i v o s a u d i o v i s u a i s i g n o re m a d i m e n s ã o a r t í s t i c a d a m e s m a f o r m a q u e u m a b i b l i o t e c a , p o r e x e m p l o , n ã o i g n o r a o v a l o r c o m o a r t e f a t o o u o b r a d e a r t e d e u m l i v ro o u u m m a n u s c r i t o r a ro . S i m p l e s m e n t e i s s o re v e l a a ó p t i c a p a r t i c u l a r q u e c a r a c t e r i z a a c o l e ç ã o e f i x a s u a s p r i o r i d a d e s .
servam sua própria natureza, qualquer que seja o contexto institu-
cional em que estão inseridos. A questão é saber como esse contex-
to pode ou deve refletir a totalidade dessa natureza. (Bibliotecários,
arquivistas e curadores de museus que fazem parte de organizações
maiores confrontam-se com problemas semelhantes.)
4.5 Principais perspectivas dos arquivos audiovisuais
4.5.1 Traços definidores
4.5.1.1 Toda profissão lança sobre o mundo um olhar que lhe é
específico, tem seu próprio ponto de vista sobre o universo e as
questões particulares que lhe dizem respeito, e isso a diferencia
do restante da sociedade. Essa perspectiva específica pode ser sutil
ou rígida. Os arquivos audiovisuais não são exceção a esta regra.
Ao examinarmos os traços distintivos apresentados abaixo, o leitor
poderá compará-los com os de outras profissões relacionadas com
a coleta e a preservação e observar as diferenças que os distinguem.
4.5.2 A indústria audiovisual
4.5.2.1 A indústria: os arquivos audiovisuais pertencem ao mundo
das instituições de coleta e conservação de documentos e estão
conscientes das responsabilidades sociais e da ética de serviço públi-
co que os caracteriza. Mas participam também, em graus variados,
de outro universo: o das indústrias internacionais do audiovisual
| 119Arquivos audiovisuais118 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
e de sua cultura. Eles recrutam seu pessoal nesse universo, falam
sua língua, respondem a suas necessidades, refletem seu espírito
empresarial e sua paixão pelos meios de comunicação. Ao mes-
mo tempo, sobretudo para os arquivos audiovisuais que pertencem
a uma organização com finalidades lucrativas, o imperativo por
exemplo de gerar receitas ou de atender a prioridades da empresa
de que fazem parte pode prevalecer sem questionamento sobre as-
pectos mais altruístas relacionados com o interesse público.
4.5.2.2 ...e sua história. Exceto por alguns exemplos notáveis, a expe-
riência demonstra que as indústrias audiovisuais são tão ocupadas
com sua produção corrente que têm pouco tempo, recursos ou in-
clinação para se voltar para a história da empresa e sua produção
passada, seja do ponto de vista cultural, histórico ou às vezes mes-
mo comercial. Seus interesses tampouco coincidem sempre ou são
compatíveis com os dos arquivos públicos. Frequentemente, tomam
consciência tarde demais do valor de seus ativos para que possam
preservá-los. Assim, cabe aos arquivos e aos arquivistas audiovi-
suais, qualquer que seja sua filosofia e seu contexto institucional,
adotar e promover uma visão mais ampla e de longo prazo se o ob-
jetivo for preservar a memória coletiva e manter acessível a cultura
“popular” (em oposição à cultura “elevada”). Isso pode ser fonte de
muitas dificuldades e tensões.
4.5.3 A cultura profissional
4.5.3.1 A fragilidade e o caráter efêmero dos documentos audio-
visuais, o pioneirismo da arquivística audiovisual, a frequente
falta de recursos e a insegurança no emprego, a rápida evolu-
ção da paisagem tecnológica e empresarial, a carência de pessoal
diante da enormidade da tarefa, dão aos arquivos e aos arqui-
vistas audiovisuais um sentimento de urgência: “Tanta coisa a
fazer num tempo tão curto...” Eles confrontam-se permanente-
mente com as consequências de suas intervenções, omissões e
limitações;precisampersuadir,transformaratitudes,moldarseu
próprio entorno.
4.5.3.2 Os arquivistas audiovisuais que decidem exercer sua pro-
fissão apesar desse contexto são movidos por uma vocação, e às
vezes por uma paixão, para um domínio ainda novo e que luta
para obter condições, reconhecimento oficial, estruturas de for-
mação, credenciamento e associações de defesa de seus interesses
profissionais semelhantes aos conquistados pelos profissionais de
ramos vizinhos da coleta e da conservação. A arquivística audiovi-
sual não propicia nos dias de hoje nem fama nem riqueza apesar
de sua relação com um setor que o público associa intimamente
com essas qualidades. Também não se beneficia do quadro jurídi-
co estabelecido há muito para o mundo do mercado editorial e da
burocracia governamental que cerca as bibliotecas e os arquivos
nacionais. Os arquivistas audiovisuais movem-se no terreno escor-
regadio de uma indústria com regras comerciais e jurídicas pouco
definidas e que se preocupa sobretudo em controlar seus direitos
de propriedade.
4.5.3.3 Por esse motivo, a versatilidade é frequentemente um traço
característico do arquivista audiovisual. As competências humanas
são primordiais em um domínio que depende muito das relações
pessoais formais e informais. O arquivista audiovisual precisa reunir
| 121Arquivos audiovisuais120 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
as qualidades do político e do advogado. Trabalhar no mundo do
espetáculo exige o domínio da arte da encenação, mostrar-se cria-
tivo e audacioso em sua maneira de pensar e de agir, saber vestir
a pele de um produtor de televisão ou de um cineasta. A pessoa
que não se sente verdadeiramente atraída pelos meios audiovisuais
nunca chegará a compreender a natureza íntima nem a se identifi-
car com aqueles que consagram sua carreira à criação, exploração
e reunião de obras audiovisuais.
4.5.3.4 Essas qualidades complementam os elementos mais tradi-
cionais e teóricos da cultura das instituições de coleta. Uma base
técnica geral e o conhecimento da história do audiovisual e da ar-
quivística audiovisual, por exemplo, constituem bagagem indispen-
sável, qualquer que seja o domínio de sua especialização indivi-
dual. Uma ética exigente e escrupulosa é essencial em um domínio
no qual se manejam constantemente informações comerciais con-
fidenciais, no qual o acesso e as transações de incorporação podem
colocar em jogo somas consideráveis, no qual é necessário a todo o
momento realizar julgamentos, e no qual muitos depositantes im-
portantes (os colecionadores privados, por exemplo) confiam muito
mais no indivíduo do que na instituição.
4.5.4 Preservação
4.5.4.1 Já enfatizamos a importância central da preservação (seção
3.2.6). A tensão entre preservação e acesso existe na maioria das
instituições que gerenciam acervos. O acesso comporta riscos e
custos, grandes ou pequenos, mas a preservação sem o acesso não
teria razão de ser. Nota-se, apesar disso, que a preservação é con-
siderada, em muitas instituições, como um “extra” em relação ao
funcionamento da organização, quando na verdade trata-se con-
ceitualmente da missão prioritária dos arquivos audiovisuais.
4.5.4.2 Como as obras audiovisuais baseiam-se na tecnologia, as
realidades da preservação impregnam o conjunto das atividades
dos arquivos, integram seu funcionamento cotidiano. A preserva-
ção determina as percepções e as decisões do arquivo: a consulta
ao material tem sempre consequências tecnológicas e econômicas
maiores ou menores. As modalidades de acesso são inúmeras, des-
de retirar uma fita de uma estante, fazer uma cópia nova de um
filme à reserva de uma sala por diversas horas para sua projeção.
Qualquer que seja a opção, a consulta nunca pode expor a obra a
um risco inaceitável55. Se o custo for excessivo, a consulta deverá ser
adiada enquanto não se puder assumi-lo ou enquanto ela não for
considerada decididamente prioritária.
4.5.4.3 Em razão de sua base tecnológica, os arquivos audiovisuais
apresentam-se frequentemente como centros de conhecimento e
de equipamentos técnicos especializados, onde se guardam e se
utilizam tecnologias e procedimentos obsoletos, para que se pos-
sam restaurar e reproduzir materiais audiovisuais de qualquer tipo
e formato. Não se pode prever a longo prazo por quanto tem-
po isso continuará sendo assim, porque os arquivos dependem de
infraestruturas industriais de grande porte para o fornecimento
de matéria-prima, como a película, ou de peças de reposição. Os
arquivos audiovisuais devem também enfrentar imperativos éti-
cos e econômicos à medida que as opções analógicas e digitais se
diversificam e novos formatos proliferam. Sem dúvida, o efeito de
5 5 . “ I n a c e i t á v e l ” é u m c o n c e i t o re l a t i v o . A l g u n s a rq u i v o s a u d i o v i s u a i s f i x a m , p a r a s e u s m e c a n i s m o s d e a c e s s o , re g r a s e s t r i t a s q u e s e re v e s t e m r a p i d a m e n t e d e u m c a r á t e r a b s o l u t o . E n t re t a n t o , n ã o e x i s t e n a d a d e a b s o l u t o n o m u n d o , a p e n a s g r a u s d e r i s c o . C a d a a rq u i v o d e c i d e p o r s i p r ó p r i o a m a n e i r a c o m o g e re n c i a o s r i s c o s l i g a d o s a o a c e s s o , e o s c r i t é r i o s e s c o l h i d o s s u b o rd i n a m -s e a c o n s i d e r a ç õ e s p o l í t i c a s e e s t r a t é g i c a s , t é c n i c a s e e c o n ô m i c a s . E s s e s c r i t é r i o s p o r t a n t o m o d i f i c a m - s e c o m o t e m p o .
| 123Arquivos audiovisuais122 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
inércia ligado ao fato de guardar, conservar e reproduzir quanti-
dades cada vez maiores de documentos audiovisuais em formatos
obsoletos desencoraja julgamentos apressados quanto ao futuro.
Por outro lado, as competências estéticas, os conhecimentos histó-
ricos e os julgamentos éticos exigidos pelo trabalho de preservação
são inerentes ao próprio caráter dos documentos audiovisuais e
sempre serão necessários56.
4.5.4.4 Outra característica decorrente da importância central
da preservação é o espírito técnico dos arquivistas audiovisuais. Ou
seja, sua capacidade de pensar a permanência em termos tanto
técnicos quanto estéticos, de explorar todo um conjunto de equi-
pamentos técnicos, de apreender as consequências diretas sobre
o material de um armazenamento inadequado ou de um erro
de manipulação ou de utilização de equipamentos. Isso significa
que os arquivistas que vão ao cinema, assistem televisão ou es-
cutam um registro sonoro percebem imediatamente as caracte-
rísticas técnicas do que veem ou escutam: as imagens digitais da
televisão, a dinâmica do registro sonoro, a qualidade visual e o
estado da cópia do filme.
4.5.5 A abordagem prática
4.5.5.1 De forma lógica e justificada, os arquivos audiovisuais
aplicam métodos e princípios de incorporação e de administra-
ção de acervos, de documentação e de prestação de serviços que
resultam da própria natureza do documento audiovisual e de seu
contexto físico, estético e jurídico. Em consequência disso, os mé-
todos podem diferir, em grau ou natureza, das abordagens cor-
5 6 . E s s a q u e s t ã o s u s c i t a u m d e b a t e é t i c o e p r á t i c o . U m a d u p l i c a ç ã o d i g i t a l p o d e s u b s t i t u i r u m o b j e t o o r i g i n a l ? P o d e - s e re c r i a r a e x p e r i ê n c i a o r i g i n a l d e v i s ã o e d e a u d i ç ã o ? Q u a i s s ã o , a l o n g o p r a z o , o s l i m i t e s d o d i g i t a l ?
rentes em outras profissões de coleta e conservação. Isso parece
evidente mas, em decorrência do fato de que a arquivística audio-
visual derivou dessas profissões, algumas premissas divergentes (e
às vezes incompatíveis) foram aplicadas, por analogia automática,
ao domínio do audiovisual.
4.5.5.2 Um exemplo simples57 é a prática (felizmente abandona-
da) dos bibliotecários de catalogar os filmes segundo o título en-
contrado nas pontas ou nos primeiros fotogramas dos créditos, ou
escrito na lata. Os catalogadores dos arquivos audiovisuais tiveram
de batalhar muito para que se admitisse que os filmes devem ser
classificados segundo o que efetivamente são e que a pesquisa per-
mite determinar – a ponta de um filme pode ter sido emendada
num rolo trocado, ou o rolo pode ter sido colocado na lata de um
outro filme. Esse era um território inteiramente desconhecido para
profissionais habituados a trabalhar com objetos com sua página
de rosto devidamente encadernada.
4.5.5.3 A necessidade de voltar aos princípios originais manifes-
tou-se algumas vezes mais tarde e, para muitos, tudo ainda parece
novidade. Por exemplo, as diferentes abordagens da arquivística e
da biblioteconomia em matéria de organização e de descrição de
coleções foram aplicadas ao arquivamento de materiais audiovi-
suais. Muitos arquivos, porém, desenvolveram procedimentos que,
embora relacionados às disciplinas anteriores, repousam sobre
premissas distintas e conduzem a práticas diferentes. Um método
corrente, por exemplo, consiste em inventariar as coleções usando
uma planilha de catalogação, o que permite dissociar as atividades
de registro das de descrição intelectual.
5 7 . E x e m p l o t i r a d o d a e x p e r i ê n c i a d o a u t o r n u m a b i b l i o t e c a o n d e d u r a n t e a l g u m t e m p o t e n t o u - s e o r g a n i z a r a s c o l e ç õ e s d e f i l m e s e m 1 6 m m s e g u n d o a c l a s s i f i c a ç ã o d e c i m a l D e w e y. O s v i d e o c a s s e t e s , o s c d s e o s d v d s , c u j a f o r m a é b a s t a n t e p r ó x i m a à d o s l i v ro s , s ã o f a c i l m e n t e i n t e g r a d o s a e s s e s i s t e m a o r i e n t a d o p a r a o a c e s s o d i re t o .
| 125Arquivos audiovisuais124 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
4.5.6 O desenvolvimento dos acervos
4.5.6.1 A exemplo das bibliotecas, os arquivos audiovisuais ad-
quirem materiais de diversas maneiras e aplicam a seus acervos
políticas e mecanismos de seleção e de avaliação. Os mecanis-
mos de incorporação incluem a compra, a troca, a doação e, em
alguns casos, regulamentos em matéria de depósito legal. Mas a
constituição dos acervos audiovisuais apresenta alguns aspectos
específicos. Pode-se mencionar, por exemplo, o sistema de depó-
sito voluntário (o arquivo tem a guarda do objeto mas não sua
propriedade ou os direitos de autor), o registro de programas no
momento de sua transmissão, a produção de registros, a pesquisa
e a descoberta de materiais efêmeros cuja vida comercial me-
de-se por semanas muito mais do que por dezenas de anos. As
investigações metódicas, as “caças ao tesouro” em lugares susce-
tíveis de guardar materiais antigos são por vezes a única maneira
prática de encontrá-los. Os arquivos audiovisuais devem buscar
materiaisdeformaativaeseletiva;elesnãosãomerosreceptores
passivos de materiais58.
4.5.6.2. – Os particulares, sobretudo os colecionadores, consti-
tuem uma fonte importante de documentos e as relações que os
arquivos mantêm com eles são fundamentais. As próprias indús-
trias audiovisuais confiam muito no contato pessoal. A capacidade
de estabelecer e manter relações pessoais e de inspirar confiança
é essencial num domínio onde as sensibilidades se exacerbam e a
confiança se perde com facilidade. As questões éticas relativas ao
direito de propriedade e de uso estão frequentemente em jogo e
exigem muita cautela.
5 8 . E s s e e s q u e m a v a r i a s e g u n d o a e s t r u t u r a e a p o l í t i c a d o o r g a n i s m o d o q u a l d e p e n d e m . A l g u n s a rq u i v o s a u d i o v i s u a i s s e l e c i o n a m p o u c o e re c o r re m m e n o s à p e s q u i s a a t i v a . É o c a s o , p o r e x e m p l o , d o s a rq u i v o s n a c i o n a i s , q u e re c e b e m o b r i g a t o r i a m e n t e a s p ro d u ç õ e s d e o u t ro s o r g a n i s m o s p ú b l i c o s .
4.5.7 A gestão dos acervos
4.5.7.1 Por sua própria natureza, diversos suportes audiovisuais
são caros e sensíveis ao ambiente. Na medida dos recursos dispo-
níveis, os arquivos audiovisuais mantêm sistemas de armazena-
mento com temperatura e umidade controlados e utilizam proce-
dimentos de verificação do estado dos documentos no momento
de sua incorporação e, depois, a intervalos regulares. Os sistemas
de controle do tipo inventário, que permitem a cada unidade da
coleção ser identificada separadamente, e que cada material seja
classificado por forma, categoria e dimensão, são aspectos especí-
ficos dos sistemas de gestão dos arquivos audiovisuais. O estabele-
cimento de uma ficha técnica detalhada por unidade é necessário
para acompanhar as condições de conservação ao longo do tempo
e aplicar, quando for preciso, um tratamento apropriado. Nesse
quadro, a unidade-chave é o suporte individual59, associado a uma
obra identificada por um título. Essa abordagem, em sua teoria e
aplicação, emana da natureza material e conceitual dos documen-
tos audiovisuais.
4.5.8 O acesso
4.5.8.1 Dada a própria natureza dos documentos audiovisuais, exis-
tem muitas formas de acesso, reais e potenciais, seja do tipo “pas-
sivo” – como a pesquisa e a consulta individuais –, seja do tipo
“ativo” – como a exposição pública, a projeção, a transmissão,
a comercialização de produtos etc. As competências e conheci-
mentos exigidos nesse setor são, por isso mesmo, muito diversos:
por um lado, é necessário possuir sólidos conhecimentos técnicos,
5 9 . I s s o s i g n i f i c a a m e n o r u n i d a d e f í s i c a : b o b i n a d e f i t a m a g n é t i c a , ro l o d e f i l m e , d i s c o , c a s s e t e , e t c . U m a o b r a p o d e e x i s t i r e m d i v e r s o s s u p o r t e s i n d i v i d u a i s , d e t i p o s d i f e re n t e s . U m f i l m e p o d e s e r c o n s t i t u í d o d e d i f e re n t e s e l e m e n t o s : u m c o n t r a t i p o d e i m a g e m , u m n e g a t i v o d e s o m , u m p o s i t i v o i n t e r m e d i á r i o , u m a c ó p i a c o m b i n a d a e t c . C a d a u m d e s s e s e l e m e n t o s p o d e c o r re s p o n d e r a v á r i a s u n i d a d e s . I n v e r s a m e n t e , m u i t a s o b r a s p o d e m e x i s t i r e m u m ú n i c o s u p o r t e i n d i v i d u a l – p o r e x e m p l o , a s d i v e r s a s f a i x a s d e u m c d .
| 127Arquivos audiovisuais126 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
profundo conhecimento dos acervos, do conteúdo e da história e,
por outro, a capacidade de organizar e proteger as coleções, ter es-
pírito empreendedor, dons para criar e organizar exposições. Essa
bagagem deve ser consolidada pelo domínio da legislação relativa
aos direitos de autor e dos direitos contratuais. O acesso a uma
grande parte dos acervos de todos os arquivos é, na verdade, limi-
tado pelas restrições legais derivadas da titularidade de direitos de
autor, direitos de distribuição e de difusão.
4.5.8.2 Paradoxalmente, numa época em que se pode facilmente
contornar a legislação sobre os direitos de autor pelo registro de
um documento no momento de sua difusão ou capturando-o pela
Internet, e em que a pirataria adquiriu amplitude internacional,
os arquivos – que conservam grande parte desses materiais – de-
vem com o maior escrúpulo respeitar esses direitos. Na prática, o
acesso é limitado pela necessidade de obter constantemente au-
torizações para os diversos tipos de utilização de documentos do
acervo suscetíveis de lesar os titulares dos direitos de autor. Em
numerosos casos, em particular com relação aos materiais antigos,
é difícil, às vezes impossível, estabelecer com precisão a identidade
do proprietário desses direitos. Os arquivos devem, nesses casos,
medir os riscos que correm ao facilitar o acesso público a um filme
ou registro.
4.5.8.3 Podemos folhear um livro ou uma série de manuscritos.
Não podemos folhear, pelo menos da mesma forma, um registro
sonoro, um filme, um vídeo ou um objeto. O controle intelectual que
as entradas de catálogo, às vezes muito detalhadas, permitem é
muitas vezes um meio bastante eficaz para o usuário. Como a ca-
talogação exige muito trabalho e dinheiro e numerosas coleções
ainda não estão catalogadas, o conhecimento acumulado que os
próprios arquivistas têm sobre o acervo é outra fonte fundamental
de informação. Encontrar um equilíbrio justo entre o catálogo e
o conhecimento pessoal continua sendo um dilema. Como muitas
instituições descobriram, às suas próprias custas, as pessoas podem
morrer ou ir embora de repente, levando consigo o seu saber. Como
o uso de instalações de audição e de visionamento e a pesquisa dos
documentos podem se revelar dispendiosos, o acesso “gratuito” é
frequentemente impossível.
4.5.8.4 O acesso limitado à informação pode ser um fato, mas certa-
mente não é o objetivo dos arquivos audiovisuais. As novas tecnolo-
gias ampliam rapidamente as possibilidades de consulta pela Internet
a bases de dados, a documentos sonoros e visuais (mediante autori-
zação do titular dos direitos de autor) e essas possibilidades criam,
em contrapartida, novas demandas. O catálogo tradicional está em
processo de mudança. O texto das entradas enriquece-se com ícones,
imagens e sons. Também é possível realizar pesquisas simultâneas em
múltiplas bases de dados. Esses sistemas, cada vez mais aperfeiçoados,
revolucionarão as práticas de catalogação e de acesso dos arquivos
audiovisuais, e oferecerão ao usuário maiores possibilidades e opções.
4.5.9 A contextualização
4.5.9.1 O contexto no qual as imagens e os sons foram concebidos
constitui um elemento fundamental para sua apreciação. Trata-se
aqui talvez da tarefa mais difícil que os arquivos audiovisuais de-
vem realizar.
| 129Arquivos audiovisuais128 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
4.5.9.2 Ler um livro numa edição encadernada ou em brochura é
quase a mesma coisa. Examinar um arquivo de texto em versão im-
pressa, em suporte digital ou microforma também não muda muito
a maneira pela qual se apreende o conteúdo ou a importância de um
documento. A integridade e o valor informativo quase não variam,
mesmo quando se consulta o documento em formatos variados e nos
ambientes mais diversos. No caso dos documentos audiovisuais, po-
rém,ocontextodesempenhaumpapelextremamentesignificativo.
4.5.9.3 Assistir um longa-metragem ou um cinejornal na tela de
uma televisão numa sala iluminada ou numa cabine de visiona-
mento constitui uma experiência muito diferente da de assistir à
projeção do mesmo filme em 35mm numa sala de cinema escura,
da mesma época em que a obra foi realizada. A obra foi concebida
para ser vista neste contexto e não no anterior. Não é simplesmente
uma questão da qualidade de imagem e som, ainda que esses sejam
elementos importantes. Trata-se também das técnicas empregadas
e do entorno correspondente. Por igual motivo, os arquivos con-
servam os fonogramas e os gramofones. Uma cópia em cd de um
documento sonoro, tocado num aparelho de leitura moderno, si-
mulará mas nunca substituirá a experiência de ver e ouvir registros
reproduzidos em sua tecnologia original.
4.5.9.4 A conservação e o acesso às imagens em movimento e aos
registros sonoros implicam mais cedo ou mais tarde sua reprodu-
ção ou transferência para novos suportes. Isso não é um ato neutro.
A qualidade e a natureza da cópia dependem de julgamentos técni-
cos e de intervenções físicas (tais como o reparo manual). Corre-se
o risco de distorcer, mutilar ou manipular a história através dos
julgamentos e das escolhas feitas, assim como pela qualidade do
trabalho realizado. Documentar os procedimentos utilizados e as
decisões tomadas ao se copiar de uma geração para outra é funda-
mental para preservar a integridade de uma obra. Trata-se, talvez,
do equivalente audiovisual dos conceitos arquivísticos de respeito
ao fundo e à ordem original. A mesma lógica vale para a restau-
ração e a reconstituiçãodemateriais audiovisuais; apenas coma
documentação das escolhas pode-se julgar adequadamente, em seu
contexto, a “nova” versão. Quando o próprio autor da obra retra-
balha sua produção original60 é necessário adquirir e preservar a
documentação relativa a esta revisão.
4.6 Base de apoio
4.6.1Como outras instituições de coleta e conservação, todo arquivo
audiovisual possui uma base de apoio, um conjunto de “amigos”
e pessoas preocupadas com o sucesso da missão do arquivo e que
podem, em graus variados, exigir uma prestação de contas. A
composição dessa base de apoio varia de um arquivo para ou-
tro e inclui, naturalmente, a instituição ou organização à qual o
arquivo está ligado. Contudo, na maioria dos casos esse grupo
inclui outras pessoas pois os arquivos de maior eficiência conse-
guem diversos tipos de ajuda, patrocínio e promoção de caráter
voluntário e, frequentemente, representam determinados valores,
sentimentos e ideais compartilhados pela sociedade em seu con-
junto. A base de apoio pode ser integrada por usuários, doadores,
6 0 . G e o r g e L u c a s re n o v o u a p r i m e i r a v e r s ã o d a t r i l o g i a S t a r w a r s / G u e r r a n a s e s t re l a s , a c re s c e n t a n d o s e q u ê n c i a s e e f e i t o s .
| 131Arquivos audiovisuais130 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
colaboradores, associações profissionais, patrocinadores efetivos e
potenciais, pelo mundo acadêmico, por setores da indústria do
cinema, do rádio, da televisão, organizações de “amigos”, outras
instituições de coleta e de conservação, organismos culturais e, às
vezes, políticos e formadores de opinião dos mais diversos tipos.
Ela pode portanto ser considerada como um subconjunto da co-
letividade que é servida pelo arquivo e que tem um interesse ativo
em seu bom desempenho.
4.6.2Os arquivos audiovisuais estão, ou pelo menos sentem que estão,
abaixo das outras instituições de coleta e de conservação mais tra-
dicionais na lista de prioridades de financiamento ou de ajuda dos
poderes públicos. Devem, por isso, defender seus interesses com
habilidade e persuasão e, como sua legitimidade e a importância
de suas necessidades nem sempre são reconhecidas, nunca devem
considerar seus problemas resolvidos. Como qualquer outra com-
petência, a arte de sensibilizar e mobilizar também pode ser apren-
dida e supõe essencialmente a criação de oportunidades e a perfei-
ta compreensão da posição da outra parte. É imprescindível dar a
seu interlocutor uma razão persuasiva e convincente para que você
seja colocado no centro de suas prioridades, e enfatizar as soluções
possíveis muito mais do que os problemas existentes.
4.6.3As bases de apoio podem ser ampliadas através da publicidade, de
modo que um número cada vez maior de pessoas saiba da existên-
cia do arquivo e conheça a natureza de sua missão. Os arquivos
audiovisuais relacionam-secomas indústriasdamídia;naverda-
de, eles “são notícia” e têm à sua disposição todos os mecanismos
de publicidade gratuita, como entrevistas no rádio e na televisão,
editoriais de imprensa, artigos em revistas e na Internet. A arte da
encenação faz parte da profissão e normalmente os próprios arqui-
vistas são os defensores mais eloquentes e eficazes de seu trabalho
em razão de seus conhecimentos, sua convicção e sobretudo seu
entusiasmo. As técnicas publicitárias também são aprendidas e se
baseiam em princípios fundamentais de bom senso sobre a simpli-
cidade e a clareza da comunicação, às quais se alia a compreensão
dos pontos fortes e fracos da mídia que se utilize.
4.6.4“Quanto mais amigos melhor” é uma resposta famosa dos quadri-
nhos do Peanuts61. Os arquivos negligenciam essa obviedade como
se não lhes dissesse respeito. Um círculo de amizades pode ser mais
amplo do que parece à primeira vista e incluir diversas associações
internacionais e seus membros, entre os quais podem figurar pes-
soas de autoridade dispostas a se identificar a uma causa ou a uma
necessidade concreta. Muitos arquivos audiovisuais tiveram sua
fortuna marcada por esse tipo de circunstância. Várias ações cole-
tivas, como cartas e abaixo-assinados conseguiram evitar o fim de
uma instituição ou a destruição de um acervo. Uma das vantagens
da Internet é que as necessidades podem ser informadas pronta e
amplamente através de e-mails e de listas e as respostas recebidas
podem ser rápidas e em grande quantidade62.
4.6.5É necessário cultivar esses apoios. Os simpatizantes precisam que
alguém simpatize com eles e é necessário cultivá-los no melhor
6 1 . R e s p o s t a d a d a e m n u m e ro s a s o c a s i õ e s p e l o h e r ó i c o n s t a n t e m e n t e a n g u s t i a d o C h a r l i e B ro w n , d o s q u a d r i n h o s d e C h a r l i e M . S c h u t z , c o m a q u a l a m a i o r p a r t e d e s e u s l e i t o re s s e i d e n t i f i c a .
6 2 . G r u p o s d e p re s s ã o , p a r t i c u l a re s e h o m e n s p ú b l i c o s u n i r a m - s e e m 2 0 0 3 e 2 0 0 4 n a A u s t r á l i a p a r a d e f e n d e r o N a t i o n a l F i l m a n d S o u n d A rc h i v e [ N T: o a u t o r re f e re - s e a q u i a o q u a s e d e s a p a re c i m e n t o d o N F S A q u a n d o d e s u a i n c o r p o r a ç ã o à A u s t r a l i a n F i l m C o m m i s s i o n ] . E s s a a ç ã o s e r i a a s s u n t o p a r a u m e s t u d o d e c a s o i n t e re s s a n t e . [ N T: o a s s u n t o é a m p l a m e n t e a n a l i s a d o p o r R a y E d m o n s o n e m s u a t e s e d e d o u t o r a d o – N a t i o n a l F i l m a n d S o u n d A rc h i v e : t h e q u e s t f o r i d e n t i t y – , d e f e n d i d a e m 2 0 1 1 j u n t o à U n i v e r s i t y o f C a n b e r r a . ]
| 133Arquivos audiovisuais132 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
sentido da palavra. Não se trata apenas de realizar estudos de
mercado mas sobretudo de construir a longo prazo as relações
bilaterais. Os amigos devotados à causa de uma instituição mere-
cem e têm necessidade de receber mais do que boletins de infor-
mação e comunicados de imprensa. Eles querem saber se sua con-
tribuição é apreciada e querem ser consultados sobre problemas
importantes, através de mecanismos práticos de consulta. Suas
ideias e críticas devem ser solicitadas, escutadas e levadas a sério.
A experiência mostra que os esforços investidos nos amigos são
largamente recompensados. É o meio mais eficaz de se prevenir
contra a estreiteza de visão e a arrogância que facilmente tendem
a caracterizar as instituições e pode inclusive ser decisivo para a
sobrevivência de um arquivo.
4.7 Governo e autonomia
4.7.1 Contexto prático
4.7.1.1 Na maior parte dos países, as estruturas de gestão das em-
presas, instituições beneficentes e outros organismos não governa-
mentais devem cumprir determinadas obrigações legais a respeito
da prestação de contas, transparência, autonomia e competência
administrativas. Os textos que regulam as modalidades de gestão
dessas organizações definem seus objetivos, poderes e estrutura bá-
sica. O poder decisório e as responsabilidades emanam em última
instância, geralmente, de um conselho ou de um comitê que repre-
senta as pessoas interessadas na organização.
4.7.1.2 As instituições públicas de coleta e de conservação de do-
cumentos são, idealmente, dotadas de disposições equivalentes. A
missão, os poderes e a natureza das bibliotecas, dos museus e ar-
quivos nacionais são normalmente definidos por um instrumento
jurídico, uma lei ou algo semelhante, que fixa as disposições rela-
tivas à sua modalidade de gestão. Devem prestar contas aos pode-
res públicos mas beneficiam-se, em contrapartida, de segurança
e autonomia profissional no exercício de sua missão. Essas dispo-
sições podem compreender cláusulas relativas ao depósito legal,
o que impõe uma responsabilidade pública concreta à instituição
e lhe confere certo reconhecimento. Em outros âmbitos, no das
bibliotecas ou arquivos universitários, por exemplo, pode haver
dispositivos análogos estabelecidos por uma autoridade máxima,
no caso a reitoria, o conselho universitário ou outro órgão direti-
vo da universidade.
4.7.1.3 Talvez em razão de sua existência relativamente recente,
os arquivos audiovisuais movem-se com frequência num contexto
menos definido e mais instável. Apenas alguns deles beneficiam-se
de um nível de autonomia ou de reconhecimento jurídico compa-
ráveis em escala nacional. A existência e as atividades de muitos
arquivos dependem da boa vontade da instituição ou organismo
ao qual pertencem e não têm senão pouca ou nenhuma garantia
de autonomia profissional. A maioria dos arquivos com finalidades
não lucrativas ocupa uma situação intermediária entre esses dois
polos. Quanto aos arquivos que fazem parte de organizações maio-
res, com finalidades comerciais, eles estão naturalmente sujeitos
aos seus princípios de gestão, o que significa que em geral gozam
de muito pouca autonomia.
| 135Arquivos audiovisuais134 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
4.7.2 A semiautonomia como mínimo desejável
4.7.2.1 Levando-se em conta que os dispositivos de gestão aos quais
os arquivos devem se adaptar estão longe dos ideais – quais as con-
dições essenciais mínimas a preencher?63 em que se baseiam essas
condições? –, a experiência sugere que os pontos abaixo consti-
tuem uma lista de requisitos mínimos.
4.7.2.2 O arquivo deve ser uma entidade identificável. Deve ter um
nome explícito, uma localização física, estrutura organizacional,
quadro de pessoal, acervo, equipamentos e instalações. Deve dis-
por de um estatuto, seja ele uma pessoa jurídica de direito próprio
ou um departamento ou programa de uma organização maior. Na
ausência desses elementos básicos, os grupos de apoio ao arquivo
não terão nada concreto com que se relacionar.
4.7.2.3 O arquivo deve possuir documentos públicos sobre seu siste-
madegestãonosquaisestejamdefinidossuanatureza,seupapele
missão, sua condição e âmbito de responsabilidades. Esses documen-
tos serão a garantia essencial da seriedade institucional perante os
usuários, os patrocinadores, o pessoal, e serão promulgados ou re-
ferendados pela autoridade máxima competente (um parlamento,
conselho diretor de uma empresa, reitoria de uma universidade etc.).
4.7.2.4 O arquivo deve divulgar publicamente suas políticas relativas,
no mínimo, às atividades de constituição do acervo, preservação e
acesso. Essas políticas baseiam-se nos documentos de gestão e, de acor-
do com a evolução das circunstâncias, serão periodicamente discutidas
e atualizadas mediante consultas e discussões com os funcionários e
6 3 . A t é h á p o u c o t e m p o , o s e s t a t u t o s e re g u l a m e n t o s d a F i a f e x i g i a m u m a l t o g r a u d e a u t o n o m i a i n s t i t u c i o n a l c o m o c o n d i ç ã o n e c e s s á r i a p a r a a a f i l i a ç ã o d e a rq u i v o s . E m 2 0 0 0 e s s e c r i t é r i o f o i u m p o u c o a t e n u a d o e a ê n f a s e c o l o c a d a n a a d e s ã o f o r m a l a u m n o v o c ó d i g o d e é t i c a . O s c a n d i d a t o s à a d e s ã o d e v e m f o r n e c e r, n ã o o b s t a n t e , m u i t a s i n f o r m a ç õ e s s o b re o g r a u d e a u t o n o m i a p ro f i s s i o n a l d e q u e g o z a m .
com grupos interessados. As políticas serão observadas na prática e cons-
tituirão os critérios de avaliação do trabalho realizado. Na falta de uma
cultura baseada em normas corre-se o risco de que o arquivo constitua
e gerencie seu acervo de forma arbitrária e sem nenhum controle.
4.7.2.5 O arquivo terá controle sobre a constituição e a gestão de
seu acervo. Os critérios profissionais relativos à seleção, incorpo-
ração, descrição, conservação e acesso serão exercidos de forma
autônoma, sem que nenhuma autoridade superior interfira nas de-
cisões do arquivo. Sem essa condição, não há nenhuma segurança
de que as normas profissionais sejam respeitadas.
4.7.2.6 O arquivo será representado por seus próprios profissionais
quando tratar com seus grupos de interesse, compreendidos neles
os meios de comunicação, outras instituições de coleta e conserva-
ção, e fóruns profissionais de âmbito nacional e internacional. Terá
acesso direto ao conselho de administração ou ao diretor da orga-
nização à qual pertence e, idealmente, dependerá dessa instância
superior de forma direta. Essa condição é fundamental para garan-
tir a clareza de comunicação e a capacidade do arquivo em relacio-
nar-se com seus parceiros profissionais e seus grupos de interesse.
4.7.2.7 O arquivo terá fundamentos éticos e filosóficos escritos e
disponíveis ao público, seja sob a forma de compromissos expressos
de adesão a códigos ou declarações profissionais existentes seja sob
a forma de documentos que fixem suas próprias linhas de conduta.
Tanto os grupos de apoio quanto os membros do quadro pessoal
terão direito de conhecer os valores que guiam a ação do arquivo e
pelos quais se podem cobrar suas responsabilidades.
| 137Arquivos audiovisuais136 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
4.7.2.8 Os financiamentos que o arquivo receber serão concedidos
sem condições. As prioridades serão fixadas por avaliações profis-
sionais internas e não ditadas por agentes externos como patro-
cinadores, autoridades ou pela organização de que o arquivo faz
parte. (Essa condição é, na verdade, problemática pois os arquivos
dependem de múltiplas fontes de financiamento, de patrocinadores
e de mecenas institucionais que muitas vezes impõem suas próprias
condições e prioridades.)
4.7.2.9 Se o arquivo não for gerido por seu próprio conselho ou
comitê diretor deverá contar pelo menos com um órgão consultivo
ou com mecanismos de consulta equivalentes, mediante os quais
manterá contato com as opiniões e as necessidades da coletividade
a que serve e garantirá a confiança de sua base de apoio.
4.7.2.10 O arquivo será dirigido por um diretor ou uma equipe
executiva com experiência profissional no campo dos arquivos au-
diovisuais. Isso garantirá um quadro de referência adequado à ges-
tão do arquivo.
4.7.3 ...e além da prática
4.7.3.1 O arquivo deveria ter, idealmente, outras características
que lhe garantissem a autonomia, a continuidade e a viabilidade.
4.7.3.2 Possuir personalidade jurídica própria definida por um
texto legislativo, uma constituição, uma carta, um ato constitutivo
ou equivalente. Tal documento seria a melhor garantia de con-
tinuidade, estabilidade e sistema de gestão responsável. Quando
preparados com cuidado, documentos desse tipo contribuem para
garantir que o órgão diretivo do arquivo seja composto por pessoas
capacitadas e representativas de seu domínio profissional e que as
coleções estejam protegidas pelo princípio de “sucessão perpétua”:
se o arquivo deixar de existir enquanto instituição, um organismo
de princípios afins assumirá a tutela do acervo.
4.7.3.3 O ideal de uma dotação orçamentária estável, utilizada
apenas mediante as decisões profissionais do arquivo nem sempre é
uma condição possível64. Em todo caso, o arquivo que conseguisse
compor seu orçamento com a maior parte de recursos oriunda dos
poderes públicos, naquelas condições, complementada com recur-
sos de patrocinadores e organismos de apoio mediante projetos,
aproximar-se-ia desse ideal.
4.7.3.4 A liberdade profissional para estabelecer e aplicar políticas
também é um ideal. Embora muitas instituições acreditem gozar
dessa liberdade, o certo é que com muita frequência promulga-se
uma política mas sua aplicação fica sujeita às numerosas restrições
que constrangem os arquivos. Ou seja, as políticas enunciadas nem
sempre são aplicadas na prática.6 4 . O p re s i d e n t e d a A m i a , S a m K u l a , f o r m u l o u e s s a i d e i a d e m a n e i r a e x p re s s i v a : “ O l e m a ‘ d ê - m e d i n h e i ro e m e d e i x e e m p a z ’ s e r i a m u i t o b o n i t o n u m a b a n d e i r a ( o s a n a rq u i v i s t a s p o d e r i a m o c u p a r- s e d o a s s u n t o ) m a s n ã o é p ro v á v e l q u e e n c o n t r a s s e b o a a c o l h i d a n a s a l t a s e s f e r a s ” . A m i a , N e w s l e t t e r n º 6 1 , v e r ã o d e 2 0 0 3 , p . 2 .
139
5. Preservação: características e conceitos
5.1 Princípios objetivos e subjetivos
5.1.1Nesta seção estudaremos as características definidoras dos suportes
audiovisuais que, por sua vez, conformam a profissão de arquivista
audiovisual e os próprios arquivos audiovisuais.
5.1.2Os documentos audiovisuais apresentam-se sob diversos supor-
tes físicos característicos (atuais e obsoletos) cujos formatos estão
profundamente enraizados na consciência coletiva. O disco de
vitrola e a película perfurada constituem ícones concretos, re-
conhecíveis e universais, ainda que também se registrem sons
e imagens sobre suportes cuja identidade visual é menos mar-
cante, a exemplo das fitas magnéticas e dos discos rígidos de
computador. Em todo caso, as tecnologias associadas a eles são
| 141Preservação: características e conceitos140 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
representadas com a ajuda de ícones visuais fáceis de reconhe-
cer, como o pavilhão do gramofone, o alto-falante, a bobina de
filme, o projetor e o raio de luz que ilumina a tela.
5.1.3As imagens em movimento e os sons contidos nesses suportes físicos
não têm existência objetiva. As imagens em movimento são na ver-
dade percebidas como tais em função do fenômeno da persistência
retiniana – a sucessão rápida de imagens fixas cria, a partir de uma
certa cadência, uma impressão de continuidade. Da mesma forma,
o som é produto de uma série de deslocamentos do ar que nossos
órgãos auditivos percebem e interpretam como música, fala ou ruído.
5.1.4Enquanto fenômeno óptico e acústico percebido pelos canais subjeti-
vos dos olhos e dos ouvidos de uma pessoa, o documento audiovisual
compartilha alguns traços com os documentos visuais estáticos – como
afotografiaeapintura–masdifereradicalmentedosdocumentosde
base textual, cuja transmissão repousa sobre um código interpretado
pelo intelecto65. A percepção dos documentos audiovisuais exige a in-
termediação de dispositivos tecnológicos entre o suporte e o especta-
dor/auditor.Nãosepodeouvirumdiscoouumafitaobservando-os,
nemassistirumfilmeapalpando-oouodesenrolando66.
5.1.5Devido a suas características físico-químicas próprias, muitos su-
portes audiovisuais são vulneráveis a temperaturas e índices de
umidade inadequados, efeitos de poluição atmosférica, mofo e dife-
rentes tipos de degradação e distorção que afetam sua integridade
6 5 . N ã o e n t r a re m o s a q u i n a s s u t i l e z a s a n a l i s a d a s p e l a s e m i o l o g i a ( e s t u d o d o s c ó d i g o s ) e a s e m i ó t i c a ( e s t u d o d o s s i g n o s ) . A s o b r a s a u d i o v i s u a i s g e r a r a m c ó d i g o s e c o n v e n ç õ e s i n t e r n a s p r ó p r i a s q u e s e g e n e r a l i z a r a m a t é o p o n t o d e n o r m a l m e n t e n ã o n o s d a r m o s c o n t a d e s u a e x i s t ê n c i a . P o r e x e m p l o , o s p r i m e i ro s f i l m e s e r a m a p e n a s p l a n o s ú n i c o s , e s t á t i c o s e s e m i n i n t e r r u p ç ã o . A e m e n d a e a j u s t a p o s i ç ã o d e p l a n o s ( a m o n t a g e m ) e a d e s c o b e r t a d o s d i v e r s o s t i p o s d e m o v i m e n t o d e c â m a r a p a r a a p re s e n t a r d i f e re n t e s p o n t o s d e v i s t a f o r a m e l e m e n t o s d e s t a c a d o s d a e v o l u ç ã o d a g r a m á t i c a c i n e m a t o g r á f i c a . O l e i t o r p o d e c o n s u l t a r a s o b r a s d e U m b e r t o E c o , F e rd i n a n d d e S a u s s u re e o u t ro s a u t o re s s o b re o a s s u n t o .
6 6 . D i f e re n t e m e n t e d e o u t ro s s u p o r t e s a u d i o v i s u a i s , o f i l m e é s u s c e t í v e l d e l e i t u r a h u m a n a d i re t a , m a s c o m o s e q u ê n c i a d e f o t o g r a f i a s f i x a s . A s e n s a ç ã o d e m o v i m e n t o , e n t re t a n t o , c o n t i n u a d e p e n d e n t e d a i n t e r m e d i a ç ã o d e u m p ro j e t o r o u d e u m a p a re l h o s e m e l h a n t e .
material e a qualidade da informação visual e sonora que contêm.
Alguns possuem duração de vida limitada a algumas décadas ou
ainda menos, enquanto a experiência demonstra que outros são
surpreendentemente resistentes67. Os arquivos procuram armaze-
nar suas coleções a baixas temperaturas e umidade, condições que
permitem reduzir ao mínimo a degradação e maximizar a duração
de conservação dos materiais bem como ganhar tempo68.
5.1.6A tecnologia de registro e de leitura é, em muitos sentidos, ainda mais
vulnerável do que os suportes. A rapidez com que as tecnologias
caem em desuso caracteriza o campo do audiovisual. Os formatos
mudam sem parar e os suportes – conservados em boas condições
– podem sobreviver à existência industrial da tecnologia de repro-
dução, da qual depende o acesso a eles69. Todos os arquivos enfren-
tam o problema da manutenção de tecnologias obsoletas, desconti-
nuadas pelas indústrias audiovisuais.
5.1.7A sobrevivência dos suportes audiovisuais corre perigos aleatórios
superiores aos que correm outros suportes mais antigos. A indús-
tria que os cria nem sempre é sensível aos valores e à dimensão
prática da conservação. Nem sempre existem muitas cópias de
um mesmo material. Enormes quantidades de filmes foram re-
cicladas e suportes de gravação em laca foram utilizados na pa-
vimentação de rodovias. Os suportes magnéticos (fitas de áudio,
vídeo, disquetes) são de fácil reutilização e a sobrevivência de
um programa pode estar constantemente ameaçada por motivos
práticos e econômicos.
6 7 . O t e m p o d e c o n s e r v a ç ã o p o d e s e l i m i t a r a a l g u n s a n o s , c o m o é o c a s o , d e m o n s t r a d o p e l a e x p e r i ê n c i a , d e c e r t o s f o r m a t o s d e c d o u d e c a s s e t e s , m a s p o d e s e r i n f i n i t a c o m o o s u g e re m o s d i s c o s e m 7 8 ro t a ç õ e s . O s m a t e r i a i s m a i s t r a d i c i o n a i s , t a i s c o m o o p a p e l , a t e l a , a s e d a e o p e r g a m i n h o p a re c e m p o d e r s e c o n s e r v a r e m b o m e s t a d o p o r s é c u l o s .
6 8 . E x i s t e m m u i t o s e s t u d o s e s p e c i a l i z a d o s n a c o n s e r v a ç ã o q u e a n a l i s a m a s p r á t i c a s e l o c a i s d e a r m a z e n a m e n t o e a g e s t ã o g e r a l d o s a c e r v o s .
6 9 . O s f i l m e s s ã o e x c e ç ã o à re g r a . O s f i l m e s e o s p ro j e t o re s d e 3 5 m m n u n c a s e t o r n a r a m o b s o l e t o s . O m e s m o n ã o s e p o d e d i z e r d e a l g u n s f o r m a t o s d e m e n o r l a r g u r a e d e s e u s p ro j e t o re s o u l e i t o re s , d i f i c i l m e n t e e n c o n t r á v e i s e m b o m f u n c i o n a m e n t o n o m e rc a d o .
| 143Preservação: características e conceitos142 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
5.1.8
Ainda que as coleções estejam bem armazenadas e bem orde-
nadas nem por isso prescindem de constante supervisão. Na
ausência de controle das condições de armazenamento, os fe-
nômenos de degradação, como a “síndrome do vinagre”, provo-
cam reações em cadeia ao se propagar para materiais contíguos.
As alterações bruscas e constantes de temperatura e umidade
colocam em risco todo o acervo. Mofo e fungos alimentam-se
das partes orgânicas dos suportes. Os documentos audiovisuais
deterioram-se com o tempo e exigem medidas ativas de salva-
guarda que equivalem, mais cedo ou mais tarde, à adoção de
medidas institucionais.
5.2 Degradação, obsolescência e duplicação
5.2.1
Em função da inevitável degradação dos suportes e da irresistível
alteração dos formatos, os conteúdos sonoros e visuais sobrevivem e
permanecem acessíveis apenas graças a procedimentos de migração,
isto é, cópia ou transferência de um suporte para outro. Essa cons-
tatação inspirou aos arquivos audiovisuais a criação de programas
de duplicação empreendidos ao longo das últimas sete décadas.
Esses programas têm como objetivo a transferência do conteúdo
dos filmes em nitrato para suportes em acetato ou em poliéster, a
copiagem do conteúdo sonoro de discos ou cassetes deteriorados
para suportes analógicos ou digitais, a migração de dados de supor-
tes obsoletos para suportes mais recentes, ainda que os anteriores
continuem em bom estado.
5.2.2Esse princípio aparentemente simples coloca problemas comple-
xos. Existe com frequência uma defasagem considerável entre a du-
ração de conservação de um suporte e a duração da vida comercial
da tecnologia a ele associada. Na prática, o processo de migração
traz em si alguma perda e degradação da informação sonora e vi-
sual além de uma modificação da experiência de percepção auditi-
va e óptica. As decisões nessa matéria fundam-se necessariamente
em conhecimentos insuficientes. A experiência posterior nem sem-
pre confirma as previsões.
5.2.3Os arquivos tentaram resolver esses problemas de diferentes ma-
neiras. Primeiro armazenando em condições apropriadas e geren-
ciando suas coleções de forma a aumentar a duração de vida dos
materiais e adiar sua copiagem. Procuraram também formas de
manter em funcionamento tecnologias obsoletas e modos adequa-
dos de operação técnica, o que permite prolongar o acesso aos ma-
teriais e reescalonar os programas de migração. Ao adotar medidas
de conservação, acumularam conhecimentos a partir da experiên-
cia prática, o que levou à modificação de estratégias.
5.2.4Amudançanaestratégiadeconservaçãodosfilmesemnitratodece-
luloseconstituiilustraçãoclássicadoproblema.Ofilmeemnitratotor-
nou-sesuportepadrãodocinemaprofissionalnofinaldoséculoXIX,
apesardesuainflamabilidade.Issoporqueeraumapelícularesistente,
flexível,transparenteerelativamentebarata.Poucosesabiasobresua
estabilidade a longo prazo e a questão não parecia se colocar, mesmo
| 145Preservação: características e conceitos144 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
que algumas hipóteses fossem levantadas sobre sua viabilidade. Quan-
doficouevidenteatendênciadeosfilmesemnitratodegradarem-se
quimicamente, os arquivos fílmicos começaram a providenciar cópias
depreservaçãoemsuportedetriacetatonãoinflamávelnacrençade
que essa película podia se conservar por séculos.
5.2.5Na década de 1950, os fabricantes de filme virgem abandonaram
paulatinamente a produção de filmes em nitrato em favor dos
filmes em triacetato, por motivos tanto práticos quanto econô-
micos. Os filmes em nitrato foram considerados cada vez mais
perigosos, o que suscitou a inquietude, às vezes o pânico, em
instituições e autoridades que estimularam sua destruição. A
maioria dos arquivistas acreditava que todos os filmes em nitrato
estariam decompostos antes do ano 2000 e que urgia realizar
campanhas de coleta e duplicação do material ainda existente.
Considerações de ordem prática e política incentivaram arqui-
vos e companhias cinematográficas a destruir os filmes em ni-
trato após copiá-los em acetato, eliminando assim os custos de
seu armazenamento.
5.2.6Hoje sabemos que essa política de destruição foi um erro. Na déca-
da de 1980, os filmes em triacetato começaram, com as primeiras
manifestações da “síndrome do vinagre”, a dar sinais da possibili-
dade de sua própria autodestruição. Ao mesmo tempo, ficou evi-
dente que os filmes em nitrato, quando corretamente guardados e
gerenciados, conservam-se por muito mais tempo do que se acredi-
tava a princípio (alguns rolos com mais de cem anos ainda estão em
bom estado). Graças ao aperfeiçoamento constante das tecnologias
de duplicação de filmes, obtêm-se hoje resultados muito melhores
do que há uma década. Materiais em nitrato que foram conserva-
dos estão frequentemente em melhor estado do que suas cópias em
triacetato, realizadas há apenas vinte ou trinta anos. É necessário
mudar a percepção pública sobre a durabilidade dos filmes em ni-
trato – considerados extremamente frágeis há até bem pouco tem-
po em consequência das campanhas de sensibilização realizadas
por arquivos com a melhor das intenções70.
5.2.7Os arquivos audiovisuais devem fazer frente todo tempo ao efeito de
inércia. De um lado, a pressão das necessidades práticas e das no-
vas ideias os impele a “modernizar” o acervo, transferindo-o para
formatos mais recentes (“Você ainda não digitalizou o acervo?” é
a pergunta mais frequente que os arquivistas escutam hoje.) De
outro, a transferência repetida da maior parte dos documentos é
não apenas materialmente impossível mas não tem, no plano eco-
nômico, o sentido que tem sua conservação. A tarefa dos arquivos
é cada vez mais complexa à medida que devem assegurar a viabili-
dade física dos acervos e, simultaneamente, preservar a tecnologia
e as competências técnicas antigas ou obsoletas que possibilitam o
acesso a eles, e sua manutenção. Produzir cópias de consulta nos
formatos digitais e ao mesmo tempo manter cópias de preservação
nos formatos mais antigos faz parte dessa equação.
5.2.8Ao longo da história, os arquivos audiovisuais adaptaram-se cons-
tantemente à evolução do mercado. Eles não formam um grupo
7 0 . T h i s f i l m i s d a n g e ro u s , p u b l i c a d o s o b a c o o rd e n a ç ã o d e R o g e r S m i t h e r e C a t h e r i n e A . S u ro w i e c – B r u x e l a s , F i a f , 2 0 0 2 – , t r a t a e m 7 0 0 p á g i n a s d e t o d o s o s a s p e c t o s d o f i l m e e m n i t r a t o e c o n s t i t u i h o j e a m e l h o r re f e r ê n c i a s o b re o a s s u n t o .
| 147Preservação: características e conceitos146 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
suficientemente importante para pesar nos programas de desen-
volvimento das indústrias audiovisuais. Podem fazer propostas e
assumir posições, e seus problemas às vezes são levados em conta
no aperfeiçoamento dos suportes e dos sistemas ou na manutenção
de uma assistência técnica mínima para tecnologias obsoletas. Em
última instância, em função de seu poder econômico e político li-
mitado, os arquivos e os arquivistas têm como opção adaptar-se o
melhor que podem às mudanças – situação que é fonte de pressões
e inseguranças enormes em matéria de planejamento e formação
de pessoal. A evolução dos formatos obedece a ditames comerciais,
não a necessidades dos arquivos. Além disso, essas mudanças histó-
ricas rápidas nem são tão necessárias nem significam que as tecno-
logias que triunfam no mercado sejam sempre as melhores.
5.3 Conteúdo, suporte e contexto
5.3.1Os documentos audiovisuais, como quaisquer outros, possuem dois
componentes: um conteúdo visual e/ou auditivo e um suporte sobre
o qual aquele se inscreve71. Esses componentes podem estar estrei-
tamente ligados, mas é importante que tenhamos acesso a ambos.
A transferência do conteúdo de um suporte para outro com fins
de preservação ou acesso pode ser necessária ou prática, mas a
operação envolve riscos de perda de informação e de significados
contextuais da maior importância.
5.3.2A crescente facilidade de copiar ou transferir um conteúdo para
um novo suporte faz com que se diminua a importância da relação
7 1 . Ve r a d e f i n i ç ã o c o m p l e t a d e d o c u m e n t o n a s e ç ã o 2 . 6 d e M e m ó r i a d o m u n d o : d i re t r i z e s p a r a a s a l v a g u a rd a d o p a t r i m ô n i o d o c u m e n t a l ( U n e s c o 2 0 0 2 ) .
entre eles. Muitos usuários de acervos audiovisuais querem acesso
a imagens e sons da maneira que mais lhes convenha e privilegiam
esse aspecto em detrimento de considerações de outra ordem. Por
exemplo, uma sequência de cinejornal filmada em 35mm pode ter
sido copiada várias vezes, em filme ou vídeo, antes de fazer parte
de um documentário de televisão. O documento utilizado às vezes
está na relação altura/largura errada, ou na velocidade incorreta,
ou fora de seu contexto e frequentemente não possui a nitidez
da imagem original. Mas isso não importa – a produção está sa-
tisfeita. Isso perpetua estereótipos como a aparência granulada e
esmaecida da imagem e a rapidez com que as pessoas andavam
nos“filmesantigos”;pioraindaquandoriscoseefeitosespeciais
são acrescentados eletronicamente para dar ao material a aparência
de “filme de arquivo”.
5.3.3A mudança de formato pode se traduzir também em mudança de
conteúdo. A perda de qualidade da imagem ou do som equivale
por definição a uma mudança de conteúdo. A manipulação do
conteúdo quando do processo de copiagem também pode mo-
dificar a natureza intrínseca da obra – a melhoria do som, a
colorização das imagens em preto-e-branco são exemplos disso.
Uma imagem em vídeo possui textura diferente da imagem do
filme do qual foi copiada, e vice-versa; um filmeCinemascope
rodado em película na relação altura/largura igual a 1:2,35 será
diferente quando formatado a 1:1,33 para ser difundido na te-
levisão ou distribuído em vídeo – na verdade ele perde metade
de seu conteúdo visual, e sua estrutura e composição visuais são
totalmente alteradas.
| 149Preservação: características e conceitos148 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
5.3.4Como outros objetos, os suportes audiovisuais são artefatos e os atri-
butos intrínsecos de um objeto não podem ser transferidos para um
novo suporte. Este, no melhor dos casos, comportará equivalências
com o objeto original. Podemos lembrar exemplos da primeira me-
tade do século XX, como as particularidades visuais das emulsões
cinematográficas com altos percentuais de prata, tingimentos e vi-
ragens introduzidas por substâncias químicas, alguns procedimen-
tos de cor obsoletos, como o Cinecolor, que usava emulsão dupla, e
o Technicolor, baseado na transferência de corantes, que só podem
ser devidamente apreciados com a projeção de cópias originais.
Os discos de gramofone feitos em laca ou vinil, e seus invólucros,
são objetos agradáveis ao toque, concebidos para ser olhados, além
de escutados. Informações discográficas fundamentais podem estar
escritas no suporte. A origem de uma película e as técnicas usadas
na sua produção, a montagem, o processamento químico, só po-
dem ser apreendidos quando examinamos o suporte original.
5.3.5 Poderíamos dizer que os suportes magnéticos, como os cassetes de
áudio e vídeo e os disquetes, têm menos valor enquanto artefatos
do que os cilindros de fonógrafo, os discos ou os filmes. Talvez isso
seja certo na medida em que eles não podem ser “lidos” direta-
mente, mas trata-se de uma diferença apenas de grau. Os suportes
magnéticos têm valor material porque são representativos de um
formato. Como foram concebidos para consumo, possuem também
valor visual e material como artefatos, da mesma forma que seus
antecessores. No caso de arquivos de sons e imagens baixados da
Internet, existe a mesma dicotomia suporte/conteúdo. O supor-
te éodisco rígidoouodisquete; o conteúdo,oquevemos e/ou
ouvimos, é mediado por um programa de computador e depende
das características da máquina que utilizamos. A constante evolu-
ção dos programas e dos equipamentos poderá modificar sensível
e mesmo radicalmente o conteúdo audiovisual que percebemos.
5.3.6As restrições de ordem prática a que estão submetidos os arquivos,
e em particular a ausência de curadores experientes, levam à elimi-
nação de suportes e de embalagens originais após a transferência
de seu conteúdo. Isso provoca algumas vezes a perda de informa-
ções importantíssimas relativas sobretudo à origem dos documen-
tos. Algumas películas originais, por exemplo, possuem inscritos na
borda códigos relativos a datas. Algumas informações descritivas
podem estar anotadas na embalagem original de um cassete ou em
etiquetas coladas nas bobinas.
5.3.7As obras audiovisuais não são produzidas no vácuo mas em uma
época e em um lugar concretos. Como tais, só poderão ser apre-
ciadas corretamente em seu devido contexto. A melhor maneira de
ouvir uma gravação em cilindros de Edison é reproduzi-la usan-
do a tecnologia original: um fonógrafo acústico. Para assistir um
longa-metragem sonoro da década de 1930, o melhor é projetar
uma cópia 35mm em uma sala de cinema de grandes dimensões e
reproduzir o som num sistema da época. Um programa de rádio
dos anos 1930 será mais bem apreciado num aparelho de rádio do-
méstico de grandes dimensões, do tipo daqueles que vinham com
seu próprio móvel, não num transistor compacto, aparelho que não
| 151Preservação: características e conceitos150 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
existia na época. Naturalmente, às vezes é difícil, ou pouco práti-
co, recriar o contexto original de apresentação, entre outras coisas
porque a vida de uma pessoa do século XXI é muito diferente da
vida de há cem ou cinquenta anos. Apesar dessa dificuldade, é im-
portante contextualizar a apresentação de uma obra, por exemplo,
através de explicações que preparem e eduquem o público.
5.3.8A disponibilidade de tecnologia original é elemento essencial na re-
criação do contexto, circunstância que a longo prazo coloca sérios
problemas para os arquivos. Quando os aparelhos de leitura ficam
obsoletos, sua manutenção torna-se cada vez mais difícil pois o
fornecimento de peças de reposição diminui e acaba desaparecen-
do. Para manter os equipamentos em funcionamento, os arquivos
devem recorrer a expedientes como, por exemplo, “canibalizar”
peças de máquinas inutilizadas ou achar formas de fabricarem
eles próprios as peças de reposição. Essa estratégia permite ganhar
tempo mas tem limites. As tecnologias dos projetores de filmes e
dos reprodutores mecânico-acústicos de discos são relativamente
simples e podem ser mantidas quase indefinidamente. A situação
é diferente no caso da tecnologia eletrônica, que depende da exis-
tência de infraestruturas industriais sofisticadas. A fabricação de
cabeças de gravação e reprodução de áudio e vídeo ou de unidades
laser para leitores de CD, por exemplo, ultrapassa a atual capacida-
de dos arquivos audiovisuais.
5.3.9Contudo, as tecnologias obsoletas, ainda quando funcionam, são
acessíveis apenas se dispusermos das competências necessárias para
fazê-las funcionar e mantê-las. Ao deixarem de ser necessárias na
indústria, essas competências tornam-se esotéricas e passam para o
âmbito de entusiastas particulares e dos arquivos audiovisuais. Con-
sequentemente, é uma boa estratégia que os arquivos cultivem essas
competências a nível interno e que mantenham contato com parti-
culares especialistas de seu círculo de conhecimento. Um número re-
duzido mas crescente de prestadores de serviços especializados man-
tém equipamentos e técnicas correspondentes para realizar trabalhos
de copiagem e restauração de suportes para os arquivos, sobretudo
os que dispõem de uma infraestrutura limitada. Além disso, alguns
arquivos grandes oferecem sua própria infraestrutura técnica para
instituições análogas menores. Fica cada vez mais evidente que esse
tipo de colaboração é a única solução para esses problemas.
5.3.10Asdificuldadesinerentesàintegridadecontextualnãonosdevemfa-
zer esquecer o contraste com a realidade. As obras audiovisuais apre-
sentadas em contextos modernos com frequência dizem coisas novas.
Comparemos filmes comoO Mágico de Oz e Os Esquecidos72 com as
obras de Shakespeare. Aqueles e estas são vistos hoje em contextos
muito diferentes daqueles para que foram destinados ou imaginados
por seus criadores. O público moderno os aceita como são, indepen-
dentemente de considerações de ordem contextual. Nesse sentido,
criam um novo contexto que lhes é próprio e veiculam provavelmente
novas mensagens para o público contemporâneo.
5.3.11O conteúdo é literalmente determinado pelo suporte e pelo contex-
to. Os criadores de páginas da Internet exploram as possibilidades
7 2 . T h e W i z a rd o f O z ( V i c t o r F l a m i n g , 1 9 3 9 ) , L o s O l v i d a d o s ( L u i s B u ñ u e l , 1 9 5 0 ) .
| 153Preservação: características e conceitos152 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
e os limites do suporte digital. As canções populares duram 3, 4
minutos porque essa era a duração de um cilindro Edison e dos
discos em 78 rotações. Os cinejornais sonoros não tinham mais do
que 12 minutos porque essa era então a duração máxima de um
rolo de película padrão em 35mm. Em muitas cenas cômicas de
filmes de longa metragem ou em desenhos animados há momentos
em que personagens dirigem-se aos espectadores da sala de proje-
ção, como atores em um teatro, e isso era uma convenção bem co-
nhecida do público. Fora de contexto, elas são incompreensíveis73.
Da mesma forma, o conteúdo de algumas gravações sonoras é de-
terminado pelo caráter material do disco com um furo central74.
Há muitos exemplos do tipo e o leitor com certeza terá alguns de
sua própria experiência.
5.3.12A ignorância pode ter consequências graves e embaraçosas. Con-
ta-se a história apócrifa de um acadêmico que escreveu um en-
saio erudito no qual apresentava uma teoria sobre mensagens
subliminares escritas por Serguei Eisenstein e inseridas em Bro-
nenosets Potyomkin/O Encouraçado Potemkin (1925). A tese baseava-
se em um postulado errôneo. O pesquisador não se dera conta
de que na realidade essas mensagens eram anotações curtas em
fotogramas brancos e continham instruções ao laboratório de
copiagem sobre as viragens desejadas pelo diretor. Se soubesse
alguma coisa sobre a origem da cópia ou do vídeo que utilizara
e sobre os métodos de trabalho dos laboratórios na década de
1920, ele não teria cometido esse erro. Mas a distância que o
separava da materialidade do suporte original levou-o a inter-
pretar incorretamente o que via.
7 3 . U m e x e m p l o c l á s s i c o é o d e s e n h o a n i m a d o d a Wa r n e r B ro s . D u c k a m u c k ( C h u c k J o n e s , 1 9 5 3 ) [ N T: c o m o p e r s o n a g e m D u f f y D u c k , c o n h e c i d o n o B r a s i l c o m o P a t o l i n o ] , n o q u a l t o d o s o s e f e i t o s e b r i n c a d e i r a s b a s e i a m - s e n o c a r á t e r m a t e r i a l d o f o t o g r a m a , n o p ro c e s s o d e c o r e n a m e c â n i c a p r ó p r i a d o s d e s e n h o s a n i m a d o s .
7 4 . N a v e r s ã o o r i g i n a l e m v i n i l , o d i s c o d o s B e a t l e s S g t . P e p p e r ’s L o n e l y H e a r t s C l u b B a n d ( E m i , 1 9 6 7 ) t e m u m s u l c o f i n a l n o l a d o B , f e i t o d e m o d o q u e o b r a ç o d o t o c a - d i s c o s re p e t e i n d e f i n i d a m e n t e o t e m a a t é q u e s e j a l e v a n t a d o . B r i n c a r c o m a m í d i a e c o m a m e c â n i c a d o d i s c o g i r a t ó r i o e n q u a d r a v a - s e p e r f e i t a m e n t e à í n d o l e p o u c o c o n v e n c i o n a l d o d i s c o . C o p i a d o e m D V D o u e m c a s s e t e , o e f e i t o p e rd e t o d o o s e n t i d o .
5.4 As tecnologias analógicas e digitais75
5.4.1Atualmente, o debate mais controvertido e transcendental na es-
fera dos arquivos audiovisuais gira em torno do impacto da digi-
talização. As tecnologias analógicas de vídeo e áudio soçobram
diante do avanço digital. A produção cinematográfica emprega
cada vez mais a tecnologia digital. Assistimos à morte da pelí-
cula cinematográfica? Encaminhamo-nos para o arquivamen-
to digital dos acervos em sistemas de armazenagem de grande
porte? Se a cópia de um documento digital para outro suporte
digital não pressupõe nenhuma perda, todos os problemas liga-
dos à preservação estarão definitivamente resolvidos? Esta é a
última palavra? Mais ainda: necessitaremos de arquivos audio-
visuais quando tudo, absolutamente tudo estiver reduzido a um
conteúdo digital que pode ser acessado mediante uma simples
conexão à Internet? Estas e outras perguntas semelhantes são de
candente atualidade76.
5.4.2Nosso campo de especialização deveria haver nos ensinado a tratar
com ceticismo qualquer previsão tecnológica. A única orientação
segura a nosso alcance é a experiência acumulada. Não é provável
que exista um formato “definitivo”. Orientados pela experiência
anterior, podemos supor que depois dos meios digitais surgirá algu-
ma outra coisa, seja o que for, ainda que atualmente não possamos
imaginá-la. Entretanto, o auge da digitalização, com as perspecti-
vas que abre e os problemas que coloca, convida-nos a examinar
alguns princípios filosóficos fundamentais.
7 5 . A c o n s e l h a m o s o l e i t o r a c o n s u l t a r a C a r t a e a s D i re t r i z e s p a r a a p re s e r v a ç ã o d o p a t r i m ô n i o d i g i t a l d a U n e s c o ( h t t p : / /u n e s d o c . u n e s c o . o r g /i m a g e s / 0 0 1 3 / 0 0 1 3 0 0 / 1 3 0 0 7 1 e . p d f )
7 6 . P a r a u m a a n á l i s e a u d a c i o s a , q u e a l g u n s q u a l i f i c a m c o m o a s s u s t a d o r a , s o b re a d i g i t a l i z a ç ã o e o f u t u ro d a p re s e r v a ç ã o c i n e m a t o g r á f i c a , c o n s u l t a r a o b r a d e P a u l o C h e rc h i U s a i , T h e d e a t h o f c i n e m a : h i s t o r y, c u l t u r a l m e m o r y a n d t h e d i g i t a l d a r k a g e , L o n d re s : B r i t i s h F i l m I n s t i t u t e , 2 0 0 1 .
| 155Preservação: características e conceitos154 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
5.4.3 Ainda que apenas pelo efeito de inércia, podemos supor que, num fu-
turo próximo, os arquivos gerenciarão acervos compostos de materiais
em todos os formatos históricos, bem como as tecnologias e competên-
cias a eles associadas. Isso seria verdade mesmo se amanhã as indús-
trias parassem de produzir suportes e se voltassem inteiramente para
o digital. Com o passar do tempo, os problemas de gestão tornar-se-ão
mais complexos e os programas de copiagem mais importantes. De
qualquer maneira, estaremos provavelmente mais atentos ao valor de
nossos acervos enquanto artefatos e à dimensão museológica de nosso
trabalho.Escutarregistrossonorosemaparelhosoriginaisouassistirfil-
mes silenciosos com um fundo musical apropriado é experiência que os
arquivoseasorganizaçõesafinssãoatualmentequaseosúnicosapoder
propiciar. Essas perspectivas e essas responsabilidades serão crescentes.
5.4.4A transferência do analógico para o digital provoca sempre alguma
perda de conteúdo. A copiagem de digital para digital em teoria não
supõe perda. Mas nem sempre é assim na prática. Arquivos e biblio-
tecasdetodoomundodeverãoemconjuntoenfrentarodesafiode
conservar um volume quase inconcebível de dados digitais. O digital,
ao oferecer possibilidades de preservação a longo prazo, coloca atual-
mente tanto questões quanto soluções. Num mundo em que os re-
cursos digitais, assim como outros recursos técnicos, são tão desigual-
mente divididos, um ponto de interrogação existe sobre o que será
viável e factível a longo prazo. Certamente deveremos nos confrontar
com problemas ligados, entre outros, à evolução dos programas de
computadoreaseussuportesfísicos,aoconflitoentreinteressepúbli-
co e interesse comercial, à sustentação econômica e à gestão de riscos.
5.4.5Os arquivos audiovisuais empregam cada vez mais a tecnologia di-
gital para facilitar o acesso a seus acervos, tanto através de conexões
via Internet como mediante cds, dvds, vcds e outros suportes digitais,
pois é sob essas formas que um crescente número de usuários dese-
jam consultá-los. Os conteúdos analógicos de suportes magnéticos de
áudio e vídeo em perigo são atualmente transferidos para formatos
digitaiscomfinalidadesdepreservaçãoeconsulta.Astecnologiasdi-
gitais são, além disso, empregadas para a restauração de conteúdos
sonoros,defilmesedeimagensemvídeo.Suportesanalógicosmais
estáveiscomofilmesediscosemvinilouemgoma lacacontinuam
também sendo conservados e consultados em seus suportes originais.
Dimensões filosóficas5.4.6No caso de os arquivos adotarem definitivamente, para o exercício
de sua missão de preservação, as tecnologias digitais e converterem
gradualmente o conjunto de seus acervos analógicos, cortaremos o
vínculo com os suportes suscetíveis de leitura humana direta – pra-
ticamente todos os documentos criados desde a aparição da escrita
até o século xx. As películas, os cilindros e os discos são suportes
relativamente estáveis e sua integridade pode ser controlada sem
o uso de tecnologias de reprodução. O mesmo não acontece com
os registros de áudio e de vídeo conservados em banda magnética
ou em arquivos de computador, não suscetíveis de leitura humana
direta. Seu acesso e sua existência dependem da manutenção de
tecnologias cada vez mais complexas, com os riscos que isso traz.
Esses riscos são aceitáveis? Quanto tempo essas tecnologias resisti-
rão ao inelutável processo de obsolescência?
| 157Preservação: características e conceitos156 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
5.4.7A digitalização rompe o laço com o suporte analógico e sua tecnologia.
Oconteúdodissocia-sedeseusignificadomaterialedeseucontexto
físico. Não há mais elemento material a explorar: não se poderá mais
apreender um documento pelo tato, manipulando-o ou examinando-o,
nem ter a experiência de sua reprodução pela tecnologia original. Nes-
se sentido, as experiências sensoriais e estéticas desaparecerão.
5.4.8Da mesma forma, não poderemos mais educar nossos sentidos
para distinguir um original analógico de uma cópia digital. Como
poderão as gerações futuras saber o que os diferencia, seja em ter-
mos de textura visual ou das sutilezas da qualidade sonora? Em que
medida é importante conhecer essas diferenças?
5.4.9Alguns dirão que os arquivos audiovisuais há muito abandonaram
qualquer rigor intelectual a respeito disso. Nenhum museu que se
preze exporia uma cópia romana de uma estátua grega como se
fosse a original. Não se imagina o Louvre expondo uma cópia di-
gital da Mona Lisa como se fosse o original analógico. Por que
os arquivos audiovisuais deveriam contentar-se em projetar cópias
digitais ou em acetato de um filme nitrato tingido sem explicar que
essas cópias são diferentes do original? O espectador não se impor-
ta com essa diferença? Talvez ele não saiba que existe uma diferen-
ça e que essa diferença é importante. Cabe aos arquivos, a exemplo
dos museus, fixarem regras éticas mínimas e promover uma política
ativa de sensibilização do público. De outra forma, privaríamos o
pesquisador do direito de acesso a uma informação relevante77.
7 7 . “ M e s m o a re p ro d u ç ã o m a i s p e r f e i t a d e u m a o b r a d e a r t e c a re c e d e u m e l e m e n t o : s e u c o n t e x t o t e m p o r a l e e s p a c i a l , s u a e x i s t ê n c i a ú n i c a n o l u g a r d e o r i g e m . ( . . . ) A p re s e n ç a d o o r i g i n a l é p r é - re q u i s i t o p a r a o c o n c e i t o d e a u t e n t i c i d a d e ” : Wa l t e r B e n j a m i n , A o b r a d e a r t e n a e r a d e s u a re p ro d u t i b i l i d a d e m e c â n i c a . A n o ç ã o d e o r i g i n a l , d e c ó p i a , d e s u b s t i t u t o e d e s i m u l a c ro é o b j e t o d e t e x t o s d e Wa l t e r B e n j a m i n , J e a n B a u d r i l l a rd e o u t ro s .
5.4.10O maior desafio colocado pela digitalização não é de ordem técni-
ca ou econômica, mas de ordem intelectual, educativa e ética. Os
pesquisadores e o público têm direito de ser educados e informados
sobre a relação entre conteúdo e suporte, e que lhes seja convenien-
temente explicado o contexto do que estão vendo e ouvindo. Por
isso é necessário que arquivos e arquivistas entendam perfeitamen-
te as diferenças de natureza e de textura dos diferentes suportes. O
impulso para a contextualização deve ser parte intrínseca de seu
quadro de valores.
5.5 O conceito de obra
5.5.1A gestão de acervos de qualquer tipo deve apoiar-se em uma base
conceitual lógica, que permita a definição de seus componentes.
No plano material, os acervos audiovisuais constam de uma série
de suportes diferentes. No plano intelectual e no que se refere ao
conteúdo, a unidade lógica básica é o conceito de obra.
5.5.2O conceito de obra individual – entidade intelectual independente
– é por tradição o conceito básico mais utilizado em arquivos au-
diovisuais para a catalogação e o controle dos acervos. Cada obra
é identificadaporumtítuloúnico–acompanhadoquandoneces-
sário de informações adicionais, como data de lançamento ou de
produção – que serve de ponto de referência para qualquer dado
suplementar: quantidade e estado de diferentes materiais, descrição
de conteúdo, detalhes sobre a forma de incorporação e detentores
| 159Preservação: características e conceitos158 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
de direitos, origem, documentação relacionada, anotação de exa-
mes e duplicações feitas, existência de cópias de consulta ou matri-
zes de duplicação etc. O volume de informações recolhidas sobre
cada obra depende dos recursos disponíveis e das prioridades do
arquivo. O conceito de obra é a expressão prática da capacidade
de um arquivo de individualizar um programa, um registro ou um filme e
de organizar as informações em torno deste conceito. O enfoque
demonstrou sua utilidade na resposta às necessidades de usuários e
às exigências concretas de gestão dos acervos.
5.5.3O assunto merece discussão. Uma obra pode assumir múltiplas
formas: sinfonia, canção popular, longa-metragem, programa de
televisão ou de rádio, documentário, propaganda radiofônica ou
televisiva, gravação oral sobre fatos históricos. Pode-se questionar
o sentido intelectual do termo ao se considerar como “obra”, por
exemplo, uma gravação em vídeo, com 24 horas de duração, das
imagens registradas pelo sistema de segurança de um edifício. Al-
guns objetos, como gramofones, projetores e roupas não são do-
cumentos audiovisuais mas fazem parte do acervo de muitos ar-
quivos e também nesse caso poderíamos dizer que são criações
intelectuais deliberadas.
5.5.4O conceito de obra individual constitui a unidade básica das ativi-
dades de catalogação e de organização dos acervos das bibliotecas,
além de ser o conceito-chave da legislação do direito de autor e do
direito de patentes. Um conceito diferente, o de fundo, é a base da
estrutura do acervo dos arquivos de documentos. Entende-se aqui
que um documento específico, uma carta por exemplo, é parte de
um conjunto de documentos – integra uma sequência de cartas
que forma um único dossiê de correspondência, o qual por sua vez
integra um grupo de dossiês semelhantes – e não uma entidade a
ser tratada individualmente. Em geral uma obra é algo publicado
ou publicável; o fundo não é geralmente publicado.Os arquivos
audiovisuais reúnem tanto documentos publicados quanto inéditos
e combinam elementos dos dois tipos.
5.5.5Nesse sentido, os arquivos catalogam os acervos segundo concei-
tos e normas inspirados na biblioteconomia, embora adaptados às
suas necessidades. Podem também agrupar os materiais em con-
juntos maiores vinculados a um determinado contexto (5.3.7). Es-
ses conjuntos maiores podem ser, por exemplo, coleções oriundas
de um doador específico, ou depositadas por um produtor que
impõe obrigações contratuais ou restrições de acesso, a obra de
um determinado realizador ou a produção de um estúdio, de uma
cadeia de televisão ou de rádio ou de um organismo oficial. Os
sistemas informatizados de controle do acervo facilitam a gestão
dos dois conceitos e a identificação das relações existentes entre
diferentes obras.
161
6 | Princípios de gestão
6.1 Introdução
6.1.1Os arquivos audiovisuais, como outras organizações, realizam seu
trabalho apoiados em filosofias, métodos e princípios de gestão.
Cada arquivo é diferente dos demais e seus princípios nem sempre
são formalmente enunciados. Tentaremos nesta seção definir al-
guns princípios fundamentais.
6.2 Políticas
6.2.1Os arquivos seguem políticas, mas elas nem sempre são enunciadas
e definidas com o mesmo grau de precisão. Sem falar nos casos em
que elas nunca foram definidas. Na ausência de políticas e regras
| 163Princípios de gestão162 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
claramente estabelecidas, a tomada de decisões corre o risco de se
tornar arbitrária, contraditória e escapar a qualquer controle. As
políticas servem de guias e estabelecem restrições, o que é dupla-
mente útil. Na falta de documentos que definam os princípios de
seleção, incorporação e preservação de um arquivo, o grupo que o
apoia não terá nenhuma garantia da competência do arquivo para
reunir e preservar seu acervo. Além disso, a formulação de políti-
cas permite aos arquivos avaliar suas próprias competências, assim
como suas práticas e seu rigor intelectual78.
6.2.2Disso decorre que todos os aspectos fundamentais do funciona-
mento de um arquivo – a constituição, a preservação, o acesso e a
gestão do acervo – deveriam estar apoiados em uma política explí-
cita. Essas políticas devem impregnar profundamente a cultura do
arquivo de forma que todo seu pessoal as entenda e as siga na prá-
tica. Elas são o motor que impulsiona o arquivo e estabelecem seu
estado de direito. Infelizmente isso nem sempre acontece. É muito
fácil redigir políticas que são, em essência, obras de ficção, desliga-
das da realidade da vida do arquivo, vagas e ambíguas, ao invés de
informativas e concretas. Nesse caso, tais documentos apresentam
uma imagem dos arquivos para o público, mas não revelam nada
das políticas realmente praticadas. Esta dicotomia pode ter efeitos
insidiosos do ponto de vista intelectual e ético.
6.2.3As políticas definem de maneira clara e lógica as posições, pers-
pectivas e intenções do arquivo. Elas compreendem em geral os
seguintes elementos:
7 8 . E x i s t e m m u i t o s p o n t o s d e re f e r ê n c i a d i s p o n í v e i s . F re q u e n t e m e n t e a s p o l í t i c a s d e i n s t i t u i ç õ e s re l a c i o n a d a s à c o l e t a e c o n s e r v a ç ã o e s t ã o e m s u a s p á g i n a s n a I n t e r n e t e a c o m p a r a ç ã o e n t re a s d i v e r s a s p o l í t i c a s i n s t i t u c i o n a i s v i g e n t e s é u m p o n t o d e p a r t i d a a d e q u a d o n o p ro c e s s o d e e l a b o r a ç ã o d e u m a p o l í t i c a d e s s e t i p o . C o m o i n d i c a d o n a s c l á u s u l a s 3 . 1 e 3 . 2 d o C ó d i g o d e É t i c a d o C o n s e l h o I n t e r n a c i o n a l d e M u s e u s – I c o m ( h t t p : / / i c o m . m u s e u m /t h e - v i s i o n / c o d e - o f -e t h i c s / ) a s p o l í t i c a s t ê m d i m e n s õ e s é t i c a s ( o q u e s e r á d i s c u t i d o n o C a p í t u l o 7 ) .
p definição da missão e dos objetivos explícitos do arquivo
menção a autoridades externas e a textos de referência,
como os estabelecidos pela Unesco ou pelas federações de
arquivos audiovisuais
p explicação dos princípios relevantes
p exposição das intenções, posições e escolhas do arquivo
baseadas nos fundamentos acima apresentados
p detalhamentos específicos, simples e concisos, para evitar
qualquer ambiguidade, destinados à preparação de normas
de trabalho voltadas ao pessoal (normas que, assim como a
política, devem ser públicas).
6.2.4As boas políticas são maleáveis. Resultam de avaliações adequadas
e de consultas aos interessados e devem ser periodicamente atuali-
zadas para que sejam práticas e eficazes.
6.3 A constituição das coleções: seleção, incorporação, exclusão e descarte
6.3.1A constituição de acervos é uma expressão ampla que abarca qua-
tro operações distintas:
p a seleção (operação intelectual que consiste em esco-
lher, ao final de uma avaliação, os documentos que
convém incorporar)
| 165Princípios de gestão164 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
p a incorporação (operação prática que pode ser constituída
de escolhas técnicas e físicas, negociações e transações con-
tratuais, expedição de materiais, seu exame e inventário)
p a exclusão (decisão motivada por considerações novas,
como por exemplo uma modificação na política de se-
leção) a eliminação (operação fundada sobre princípios
éticos e que consiste em se desfazer de itens de um acervo).
O arquivo poderá ter políticas diferenciadas para as quatro
operações ou uma política única, estabelecida num mesmo do-
cumento normativo.
6.3.2Ainda que o ideal talvez seja reunir e preservar sem nenhuma dis-
criminação, isso é frequentemente impossível por razões práticas
e econômicas. Não existe relação entre o volume da produção e o
orçamento dos arquivos. É necessário escolher o que será recolhido
ou não e, portanto, emitir julgamentos de valor. Como as opções de
seleção e incorporação são subjetivas, elas nunca são fáceis. É im-
possível julgar adequadamente o presente com os olhos do futuro.
De qualquer maneira, mais vale explicitar julgamentos fundados
em uma política do que fazer escolhas sem nenhuma norma79.
6.3.3Um ponto de partida é o princípio da perda80: “se houver algum mo-
tivo de forma, conteúdo ou relação externa para que se lamente
no futuro a perda de um material, sua preservação deve ser prio-
rizada”81. Trata-se aqui mais de uma advertência para se evitar
qualquer destruição irrefletida, do que de um critério fixo para
7 9 . S o b re s e l e ç ã o e i n c o r p o r a ç ã o , c o n s u l t a r o l i v ro d e S a m K u l a A p p r a i s i n g m o v i n g i m a g e s : a s s e s s i n g t h e a rc h i v a l a n d m o n e t a r y v a l u e o f f i l m a n d v i d e o re c o rd s , L a n h a m : T h e S c a re c ro w P re s s , 2 0 0 3 . E l e c o m e ç a c o m a s e g u i n t e a f i r m a ç ã o : “ N u m a rq u i v o , a ú n i c a c o i s a q u e i m p o r t a m e s m o é a q u a l i d a d e d o a c e r v o . To d o o re s t o é q u e s t ã o d e m a n u t e n ç ã o ” .
8 0 . O a u t o r re c o rd a - s e d e q u e e s t e p r i n c í p i o f o i e n u n c i a d o p e l a p r i m e i r a v e z p o r E r n e s t L i n d g re n , f u n d a d o r e c u r a d o r d o N a t i o n a l F i l m A rc h i v e d e L o n d re s , m a s n ã o c o n s e g u i u l o c a l i z a r a re f e r ê n c i a .
8 1 . P o d e m e x i s t i r r a z õ e s p a r a a c o n s e r v a ç ã o d e m u i t o s m a t e r i a i s , m a s n e m t o d o s t ê m o m e s m o g r a u d e p r i o r i d a d e .
adotar decisões concretas. É necessário levá-la em conta para to-
mar decisões de seleção fundamentadas, claras e justificáveis. Este
é um campo da preservação no qual espera-se que os arquivistas
audiovisuais exerçam sua responsabilidade profissional. Pode ser
necessário guardar tudo em alguns casos e mostrar-se seletivo em
outros: variar os materiais e os custos em função do conteúdo, da
importância percebida e da utilização prevista. (Por exemplo: dado
um mesmo custo financeiro, é preferível adquirir uma seleção de
materiais em formato de alta qualidade ou uma coleção completa
em formato de qualidade inferior?)
6.3.4Na prática, os arquivistas audiovisuais devem emitir julgamentos
qualitativos individuais. Nessa tarefa de especialistas, que deve ser
executada no momento apropriado, eles são influenciados pelos
conhecimentos artísticos, técnicos e históricos que tenham do do-
cumento em questão e pelo âmbito de sua especialidade, por sua
visão pessoal e por limitações práticas. A responsabilidade é enor-
me: pode acontecer de no futuro não ser mais possível recuperar
um documento a que não se deu a devida importância no presente.
Diferentemente do documento impresso, um documento audiovi-
sual pode ser exemplar único e não sobreviver o tempo suficiente
para ser recuperado.
6.3.5As políticas de seleção e incorporação fundamentam-se sobre di-
versos critérios. Um dos mais correntes e determinantes é o da pro-
dução nacional82. Qual o percentual da produção nacional preserva-
da? Para responder adequadamente essa pergunta, é necessário que
8 2 . C o n s u l t a r a R e c o m e n d a ç ã o s o b re a s a l v a g u a rd a e c o n s e r v a ç ã o d a s i m a g e n s e m m o v i m e n t o d a U n e s c o – 1 9 8 0 , d a q u a l é s i g n a t á r i a a m a i o r i a d o s p a í s e s . N e s t e d o c u m e n t o , p ro d u ç ã o n a c i o n a l é d e f i n i d a c o m o o c o n j u n t o d a s “ i m a g e n s e m m o v i m e n t o c u j o p ro d u t o r o u p e l o m e n o s u m d o s c o p ro d u t o re s t e n h a s e u d o m i c í l i o s o c i a l o u s u a re s i d ê n c i a h a b i t u a l n o t e r r i t ó r i o d o p a í s d e q u e s e t r a t a ” .
| 167166 | Princípios de gestãoFilosofia e princípios da arquivística audiovisual
a própria produção tenha sido recenseada a contento. Em alguns
países, relativamente poucos, os arquivos audiovisuais estabelecem
filmografias, discografias e outros repertórios nacionais, seme-
lhantes às bibliografias produzidas pela maior parte das bibliote-
cas nacionais. A informática permite a reunião de bases de dados
compatíveis, o que por sua vez permite que a massa de trabalho
representada pela catalogação da produção nacional seja dividida
por diferentes instituições. De qualquer modo, nem sempre os ar-
quivistas audiovisuais estão plenamente informados sobre todos os
setores da produção nacional que lhes compete.
6.3.6Um conceito complementar que engloba e vai além do de produ-
ção nacional é o que se poderia chamar de patrimônio audiovisual de
um país, em sentido amplo. Nenhum país vive isolado dos demais. O
conjunto de imagens em movimento e de sons gravados distribuído
e emitido em um país qualquer tem uma origem cada vez mais
internacional. Isso repercute sobre a cultura nacional e sobre a
memória coletiva, e influencia a produção nacional. Consequente-
mente, coloca-se com legitimidade a questão de seu arquivamento
e do acesso a ele. Numerosos arquivos consideram como sua tarefa
preservar e tornar acessível uma determinada parte desse patrimô-
nio mais amplo. Esse conceito internacional caracteriza, há muito
tempo, as políticas de seleção e incorporação de grandes bibliote-
cas e galerias de arte em todo o mundo.
6.3.7Quando o arquivo é beneficiário direto ou indireto das disposições
relativas ao depósito legal, deve aceitar tudo o que tem direito de
receber? Esta é uma questão legal. Um arquivo deve às vezes acei-
tar sem distinção e ainda cumprir a obrigação de garantir a preser-
vação do material recebido. Se o arquivo tem o direito de recusar,
torna-se possível aplicar uma política de seleção. A lei reconhece o
direito do arquivo de garantir a preservação do material (princípio
fundamental)83 e o arquivo formula um julgamento sobre o que deve
ser preservado (responsabilidade profissional). Quando o arquivo é
apenas beneficiário indireto do depósito legal – em alguns países,
por exemplo, as bibliotecas e arquivos nacionais são os depositá-
rios oficiais, enquanto os arquivos audiovisuais são os depositários
efetivos dos materiais e das competências técnicas –, o processo se
complica ainda mais.
6.3.8Com o passar do tempo, independentemente dos motivos que
presidiram a incorporação, pode haver necessidade de uma deci-
são de exclusão ou eliminação. Os motivos são diversos. Quando
se incorporam cópias melhores de uma determinada obra, as de
qualidade inferior podem ser descartadas; a missão ou a políti-
cadeseleçãodoarquivopodemmudar;aexperiênciapodepro-
vocar uma revisão dos critérios de incorporação. Seja qual for o
motivo, a decisão de exclusão tem a mesma importância, talvez
maior ainda, do que a decisão inicial de incorporação. Ela deve
ser documentada minuciosamente e endossada pela autoridade
máxima do arquivo. Também os processos de eliminação devem
ser realizados de maneira rigorosa e inquestionável do ponto de
vista ético. Iniciativas como a venda pública de materiais excluí-
dos podem parecer contraditórias junto ao público e prejudicar a
credibilidade do arquivo84.
8 3 . A R e c o m e n d a ç ã o s o b re a s a l v a g u a rd a e c o n s e r v a ç ã o d a s i m a g e n s e m m o v i m e n t o d a U n e s c o c o n s a g r a e s s e p r i n c í p i o .
8 4 . A s e ç ã o 4 d o C ó d i g o d e É t i c a d o I c o m i n s i s t e n e s s e p o n t o . O p ú b l i c o e m g e r a l i m a g i n a q u e o s a c e r v o s s ã o “ p e r m a n e n t e s ” , e a e x c l u s ã o e o d e s c a r t e d e m a t e r i a i s e m g r a n d e e s c a l a g e r a m d ú v i d a s s o b re a c o m p e t ê n c i a e a i n t e g r i d a d e d o s m é t o d o s d e f o r m a ç ã o d o s a c e r v o s d o s a rq u i v o s e n v o l v i d o s .
| 169Princípios de gestão168 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
6.3.9
Na maior parte dos casos, os arquivos audiovisuais coletam muito
mais materiais do que os produzem. Mas não há razão para que
seja exclusivamente assim. A produção de registros pelo próprio
arquivo, ou por sua iniciativa, pode servir para preencher lacunas
identificadas. A forma mais habitual de registro promovida por
arquivos é a entrevista, em versão sonora ou visual, sobre fatos
históricos. A questão de saber em que medida um arquivo pode
ser “produtor” e ao mesmo tempo “coletor” é um interessante
tema de debate. O registro de programas durante sua transmissão
também é uma prática corrente, mas nesse caso trata-se de uma
forma de incorporação.
6.4 Preservação, acesso e gestão dos acervos85
6.4.1O acesso permanente é o objetivo da preservação. Sem ele, a
preservação não teria sentido, a não ser como um fim em si
mesma. Embora existam restrições de ordem prática tanto à
preservação quanto ao acesso, essas restrições não podem ser
artificiais. Isso seria contrário à Declaração Universal dos Di-
reitos do Homem (1948) e ao Pacto Internacional Relativo aos
Direitos Civis e Políticos (1966) das Nações Unidas. Todos os
indivíduos têm direito a uma identidade e consequentemente
direito de acesso a seu patrimônio documental, entendido o pa-
trimônio audiovisual como parte dele. Isso engloba o direito de
conhecer o que existe e de saber como ter acesso a ele. Seguem
8 5 . O l e i t o r p o d e r á c o n s u l t a r o s p r i n c í p i o s d i re t o re s d o p ro g r a m a M e m ó r i a d o M u n d o d a U n e s c o (w w w. u n e s c o .o r g / w e b w o r l d / m d m ) e o C ó d i g o d e É t i c a d a F i a f . E s t a s e ç ã o i n s p i r a -s e p a rc i a l m e n t e n e s s e s d o i s d o c u m e n t o s .
abaixo os resumos de alguns pontos básicos da prática de preser-
vação e acesso inspirados em observações formuladas em seções
anteriores do presente documento.
6.4.2Documentação e controle rigorosos dos acervos – a “boa organização” é
condição prévia indispensável à preservação. Trata-se de uma ta-
refa que exige muita dedicação, mas que não é obrigatoriamente
cara. Consiste, em princípio, na criação de um inventário completo
dos acervos, levando em conta cada um dos materiais. Isso pode ser
feito de forma manual ou, de preferência, informatizada86. Outro
aspecto importante é a descrição e a documentação da natureza e
do estado dos materiais, de modo a racionalizar sua gestão e con-
sulta. A documentação e o controle dos acervos demandam tempo
e disciplina, mas evitam perdas desnecessárias e duplicação de ma-
nipulações (ver 5.3.7).
6.4.3As condições de armazenamento – temperatura, umidade, luz, eventual
presença de poluentes atmosféricos, animais e insetos, e a seguran-
ça física – devem, na medida do possível, ser tais que maximizem
a duração de vida dos materiais armazenados. Os requisitos ideais
variam bastante em função dos tipos de suporte. Por exemplo, os
diversos tipos de papel, os filmes, as fitas magnéticas e os discos
de áudio requerem diferentes níveis de temperatura e umidade.
Infelizmente, a maior parte dos arquivos atua em condições que
deixam muito a desejar. A questão se reduz a ganhar tempo, ou
seja, fazer o melhor possível com os meios disponíveis e procurar
melhorar as instalações no futuro. Fatores como infiltração de água
8 6 . O s f o r m a t o s n o r m a t i z a d o s c o m o o M a rc e o u t ro s re c o m e n d a d o s p o r o r g a n i s m o s p ro f i s s i o n a i s d e a rq u i v í s t i c a e d e b i b l i o t e c o n o m i a p e r m i t e m a e n t r a d a , o t r a t a m e n t o o r g a n i z a d o d e i n f o r m a ç õ e s e s e u i n t e rc â m b i o c o m o u t r a s i n s t i t u i ç õ e s . E x i s t e m v á r i o s s i s t e m a s s e m e l h a n t e s , e n t re e l e s a l g u n s p re p a r a d o s e s p e c i a l m e n t e p a r a a rq u i v o s a u d i o v i s u a i s . O u t r a p o s s i b i l i d a d e é a u t i l i z a ç ã o d o p ro g r a m a g r a t u i t o d a U n e s c o , o W i n I s i s , o u p re p a r a r u m s i s t e m a p r ó p r i o , b a s e a d o e m p ro g r a m a s d e a c e s s o p ú b l i c o . N a m e d i d a d a s p o s s i b i l i d a d e s , é ú t i l r e g i s t r a r a s i n f o r m a ç õ e s e m v á r i o s i d i o m a s , p a r a f a c i l i t a r o a c e s s o e o i n t e rc â m b i o e m e s c a l a i n t e r n a c i o n a l .
| 171Princípios de gestão170 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
pelo teto, janelas quebradas, instabilidade de fundações, sistemas
de detecção e extinção de incêndios, prevenção de sinistros e con-
trole ambiental também são aspectos importantes. Em todo caso,
métodos adequados de gestão e controle são passíveis de aplicação
ainda que as condições não sejam as ideais.
6.4.4O velho provérbio “melhor prevenir do que remediar” é uma verdade
patente no caso dos suportes audiovisuais. As práticas e técnicas
que diminuem a degradação e limitam as deteriorações resultantes
de sua manipulação são muito mais vantajosas do que não importa
quais tipos de operação de restauração, além de muito mais bara-
tas. Trata-se, em particular, de seguir métodos adequados de ar-
mazenamento, manipulação, colocação em prateleiras, segurança
e transporte.
6.4.5A conservação dos originais e a preservação de sua integridade garan-
tem que nenhuma informação se perca e não colocam em risco as
futuras possibilidades de preservação e acesso. Numerosos arqui-
vos lamentam ter destruído prematuramente originais depois de
havê-los duplicado. Muitas duplicações revelaram-se de qualidade
inferior e de longevidade mais reduzida. Independentemente do
número de cópias que tenha sido feito, os originais não deveriam
ser levianamente destruídos.
6.4.6A transferência de conteúdo ou sua copiagem em formato diferente é útil e
frequentemente necessária para finalidades de acesso. Entretanto,
como estratégia de preservação, a transferência de conteúdo de-
veria ser usada com cautela. Ela é necessária quando o suporte
original tornou-se instável, mas frequentemente traz consigo perda
de informações, reduz o campo de opções futuras, além de po-
der gerar, a longo prazo, consequências imprevisíveis no caso de a
tecnologia de reprodução utilizada cair em desuso. Essa advertên-
cia vale tanto para processos mais recentes, como a digitalização,
como para os mais antigos, como a reprodução fotográfica. Na
medida do possível, as novas duplicações de preservação devem ser
réplicas exatas do original e seu conteúdo não deve ser, de modo
algum, modificado.
6.4.7Comprometer a preservação a longo prazo de um material com a finalidade
de satisfazer demandas de acesso a curto prazo é sempre tentador
e às vezes necessário por razões políticas, mas devemos, na medida
do possível, evitar correr esse risco. Quando o original for frágil e
não existir nenhuma cópia de consulta é melhor dizer “não” do
que expor o documento a possíveis danos irreparáveis.
6.4.8Não há procedimento único. Os diferentes tipos de suporte necessitam
de condições de armazenamento específicas, mas também de di-
ferentes cuidados de manipulação, gestão e conservação. Cada
tipo de material requer um tipo de controle específico. O estabe-
lecimento de normas internacionais – por exemplo, as relativas à
transferência de dados digitais – raramente segue a velocidade das
mudanças tecnológicas mas, quando existirem normas reconheci-
das, elas devem ser respeitadas.
| 173Princípios de gestão172 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
6.4.9Nada substitui a consulta real e direta a um documento quando o
acesso ao suporte original e seu conteúdo, num contexto adequa-
do, for desejável e possível do ponto de vista prático e econômico.
Motivos de ordem geográfica, de conservação ou de ordem téc-
nica podem impedir isso. Alguns materiais de preservação, como
negativos originais ou fitas matrizes de estúdio, têm formatos que
não se prestam à projeção ou audição. As cópias de consulta são
feitas para reduzir a pressão sobre os materiais de preservação e
para superar limitações técnicas. Essa operação é conhecida como
acervo paralelo e, embora em teoria o ideal seja possuir cópias de
consulta de todos os materiais de preservação, isso nem sempre é
possível, tanto pelo efeito de inércia quanto por limitações de ordem
puramente econômica.
6.4.10As cópias de consulta, realizadas em um número cada vez maior
de formatos, constituem alternativa necessária mas devem, por
definição, ser substituíveis em caso de perda ou danos, embora
seu custo seja muito variável: uma cópia nova em 35mm é muito
mais cara do que um DVD, além de ter especificidades de arma-
zenamento e gestão. Com o crescente surgimento de novos for-
matos, será mais necessário do que nunca fornecer aos usuários
explicações de contexto que os esclareçam sobre as diferenças que
a cópia que veem/escutam tem da obra original. Adotados os
cuidados necessários, as cópias de acesso podem, em teoria, ser
enviadas a qualquer parte, seja por meio físico ou eletrônico. À
medida que os acervos se digitalizarem e se generalizar o acesso à
Internet, os documentos serão cada vez mais consultados na tela
ou nos alto-falantes dos computadores, com as vantagens corres-
pondentes de pesquisa em base de dados e de captura instantâ-
nea, mas também com as limitações de qualidade e de entorno
impostas por essa tecnologia.
6.4.11Quando se esgotam as possibilidades de acesso oferecidas pela
consulta às bases de dados, pode-se ainda apelar para o elemento
humano: solicitar a ajuda e os conselhos dos curadores dos arquivos,
bons conhecedores de seus acervos. Catálogos e bases de dados
nunca substituirão inteiramente esses profissionais. Os conheci-
mentos aprofundados e as reflexões originais que desenvolvem
sobre os acervos são, na verdade, insubstituíveis. Seu saber pode
ser comunicado à distância ou on-line, mas pressupõem, nos dois
casos, uma interação pessoal.
6.5 Documentação
6.5.1A exemplo de outras instituições de coleta e conservação, os arqui-
vos audiovisuais devem seguir normas severas no que concerne a
documentos sobre suas incorporações, consultas e outras transa-
ções, com o objetivo de registrar a seriedade de sua gestão. Devido
à complexidade dos acervos, a exatidão da informação é essencial.
A natureza dos materiais impõe, além disso, o estabelecimento de
uma documentação precisa sobre as operações realizadas interna-
mente com as coleções (ver 5.3.7).
| 175Princípios de gestão174 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
6.5.2Uma vez definidas as características técnicas e o estado de cada
material, essas informações devem ser registradas de maneira apro-
priada. Isso é muito importante sobretudo para os materiais de
preservação. Conceitos e terminologia devem ser precisos, a do-
cumentação específica e coerente para que se possa supervisionar,
a longo prazo, a deterioração de um sinal de áudio ou de vídeo
numa fita ou a perda das cores de um rolo de filme. Um erro pode
acarretar consequências sérias. Por exemplo, se a descrição técnica
de uma determinada película não for exata, isso pode fazer com se
aplique a ela um tratamento que a danifique irremediavelmente.
Muitos arquivos elaboraram sistemas de informação codificada efi-
cazes para registrar sem ambiguidade as informações.
6.5.3O armazenamento e a movimentação interna de cada material, bem
como os movimentos de empréstimo externo, quando for o caso, de-
vem ser administrados com rigor. Diferentes instituições de coleta
e conservação têm graus diversos de tolerância no tocante à perda
de materiais. Nos arquivos audiovisuais, a margem de tolerância é
mínima. Que explicação aceitável dar ao proprietário sobre a perda
deumrolodonegativodeumfilmeoudeumafitaoriginalqueesta-
vasobaresponsabilidadedoarquivo,quandoissosignificacolocar
emriscoaexploraçãocomercialdeumfilmeoudeumaobraque
perdeu sua integridade? Não se substitui o insubstituível.
6.5.4Em qualquer trabalho de copiagem, conservação e restauração
é fundamental documentar as operações e as decisões tomadas
com o objetivo de manter, a longo prazo, a integridade da obra.
Os curadores devem, algumas vezes, basear suas decisões sobre o
que fizeram seus antecessores. Poderá às vezes revogar decisões
tomadas por eles, quando for o caso do surgimento de melhores
soluções. Os princípios e a ética da conservação de materiais e de
fotografias são aplicáveis aos arquivos audiovisuais. Como sempre
se tomam decisões subjetivas, e duas pessoas que realizam a mes-
ma tarefa podem adotar soluções diferentes, ignorar essa etapa
equivale a reduzir ou negar ao futuro qualquer possibilidade de
realizar pesquisas87.
6.6 Catalogação
6.6.1A catalogação é a descrição intelectual do conteúdo de uma
obra, segundo regras coerentes e precisas. Como em outras ins-
tituições de coleta e conservação, o catálogo de um arquivo
audiovisual é o instrumento chave de acesso e ponto de partida
das pesquisas. Nas bibliotecas, as operações de catalogação e
registro de entrada são frequentemente simultâneas. Nos arqui-
vos audiovisuais, ao contrário, elas em geral são separadas. A
catalogação é posterior ao registro, pois os materiais não são fa-
cilmente consultáveis antes de serem inventariados. Pode acon-
tecer de os arquivos catalogarem uma obra muito tempo depois
de feito o registro. A razão é de ordem pragmática e se reduz a
uma questão de prioridades. As atividades de catalogação con-
centram-se prioritariamente em parcelas do acervo geradoras
de maior demanda.
8 7 . O C ó d i g o d e É t i c a e C o n d u t a d o A u s t r a l i a n I n s t i t u t e f o r C o n s e r v a t i o n o f C u l t u r a l M a t e r i a l – a i c c m c o n s t i t u i u m e n t re m u i t o s e x e m p l o s d e re f e r ê n c i a s o b re o a s s u n t o ( h t t p : / / w w w.a i c c m . o r g . a u / i n d e x .p h p ? o p t i o n = c o m _c o n t e n t & v i e w = a r t i c l e & i d = 3 9 & I t e m i d = 3 8 ) .
| 177Princípios de gestão176 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
6.6.2Como em bibliotecas e museus, a catalogação nos arquivos au-
diovisuais é uma atividade profissional. Os catálogos são elabo-
rados conforme normas profissionais internacionais e o ideal
é que esse trabalho esteja a cargo de pessoas capacitadas para
isso. As normas são frequentemente adaptadas das regras de ca-
talogação de imagens em movimento e de sons gravados elabo-
radas pela Fiaf, Iasa, Amia, Fiat e outras associações, em função
das necessidades dos arquivos e de seus usuários, bem como da
natureza dos acervos. Daí existirem variações na orientação, nas
normas, na profundidade e no conteúdo dos campos de infor-
mação. Em geral, os arquivos audiovisuais adaptam os padrões
internacionais segundo suas necessidades particulares ou con-
texto nacional, sobretudo a língua do país e considerações de
ordem cultural.
6.6.3A catalogação pode ser descrita como uma especialidade profissio-
nal que atravessa as diferentes disciplinas de coleta e conservação.
Existe uma abundante literatura sobre esta atividade e alguns pro-
fissionais consagram a ela toda sua vida profissional, como ocorre
em outras áreas de trabalho dos arquivos audiovisuais. Nesse sen-
tido, o catalogador, que precisa assistir e ouvir os diferentes mate-
riais para preparar a descrição de seu conteúdo, desenvolve muitas
vezes um profundo conhecimento sobre o acervo.
6.6.4A harmonização, no âmbito audiovisual, de diferentes normas de
catalogação – que têm origens históricas diversas – e a preparação
de manuais, de regras básicas e de padrões de metadados são ta-
refas a que se dedicam coletivamente profissionais de catalogação
de todo o mundo.
6.7 Aspectos jurídicos
6.7.1Os arquivos audiovisuais exercem suas atividades no âmbito do di-
reito contratual e da legislação dos direitos de autor. O acesso e, até
certo ponto, a preservação são regidos e limitados pelos direitos dos
titulares. Em geral, os arquivos não estão autorizados a exibir pu-
blicamente ou explorar materiais do acervo sem autorização prévia
dos respectivos titulares dos direitos de autor.
6.7.2O arquivo deve respeitar a lei no que se refere aos direitos dos
titulares das obras. Quando a titularidade dos direitos é clara, o
que acontece em geral no caso de produções recentes, o cumpri-
mento dessa obrigação não coloca complicações formais. Entre-
tanto, quanto mais antigos os documentos, mais sua situação legal
tende a ser pouco clara. À medida que os direitos são cedidos
ou vendidos, que empresas produtoras se dissolvem, que criadores
de obras desaparecem e seus bens passam para mãos de tercei-
ros, torna-se cada vez mais difícil identificar com clareza o titular
dos direitos de autor. Acontece às vezes de ninguém reivindicar
sua propriedade ou de pessoas que a reivindicam não dispõem de
nenhuma prova material que apoie suas pretensões. Os arquivos
| 179Princípios de gestão178 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
devem enfrentar essas ambiguidades levando em conta o interesse
das partes envolvidas, mas seus valores podem diferir daqueles dos
autores de tais reivindicações.
6.7.3Quando isso ocorre, os arquivos devem lembrar-se de sua missão,
que inclui em geral a obrigação de servir ao interesse público, per-
mitindo a consulta ao acervo. Alguns arquivos preferem não correr
riscos e restringir o acesso quando a titularidade dos direitos não
está clara. Outros optam por assumir conscientemente o risco, per-
mitindo o acesso a um determinado documento, depois de haver
tentado em vão descobrir a titularidade dos direitos. Se a opção
é posteriormente contestada, o que raramente acontece, podem
alegar que agiram de forma a atender o interesse público, e reem-
bolsar o titular dos direitos dos recursos financeiros eventualmente
obtidos com o acesso ao documento.
6.7.4Tendo em vista a complexidade crescente dessa área, todos os
arquivos têm necessidade de uma assessoria jurídica para guiá-
los nesse campo potencialmente minado. Mas devem também
confiar em sua própria capacidade de emitir juízos com conhe-
cimento de causa, baseados no que sabem sobre o funciona-
mento do setor audiovisual e nos contatos pessoais que tenham
estabelecido.
6.8 Nenhum arquivo é uma ilha
6.8.1Embora evidente, vale repetir que os arquivos audiovisuais depen-
dem mutuamente uns dos outros. Todos precisam dos serviços,
conselhos e apoio moral que lhes são prestados por seus congêne-
res e por associações internacionais. Mesmo as instituições mais
importantes sabem da necessidade de se relacionar entre si e de
compartilhar equipamentos e conhecimentos. Alguns arquivos de-
senvolvem especializações e podem prestar serviços rentáveis a ou-
tras instituições. Nenhum organismo pode dar-se ao luxo de viver
isolado. Os arquivos adquirem especial força graças ao intercâm-
bio de ideias propiciado por colóquios e visitas recíprocas.
6.8.2Existe igualmente uma relação de interdependência entre os ar-
quivos e as indústrias audiovisuais. Uns precisam dos outros. Essa
relação entre domínios com prioridades e concepções de mundo
muito diferentes pode parecer em desequilíbrio e desvantagem
para os arquivos. O certo, porém, é que os arquivos têm um papel
a desempenhar, estimulando trocas, influenciando prioridades das
indústrias e demonstrando-lhes sua utilidade e seu valor.
181
7 | Ética
7.1 Códigos de ética
7.1.1A ética de uma profissão é produto de seus valores e motivações
fundamentais (ver Capítulo 2). Alguns aspectos são específicos do
próprio campo de especialização. Outros baseiam-se em regras de
vida e de sociedade mais amplamente aceitas. Em geral, as pro-
fissões codificam suas normas éticas redigindo declarações que
servem de orientação para seus membros e de garantia para os
interessados em seu trabalho. Os organismos profissionais dispõem
com frequência de mecanismos disciplinares com o objetivo de fa-
zer com que as normas sejam cumpridas. A ordem dos médicos e a
dos advogados são os exemplos mais conhecidos.
7.1.2Noâmbitodasprofissõesdecoletaeconservação,inclusivenosar-
quivos audiovisuais, existem códigos de ética a nível internacional,
| 183Ética182 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
nacional e institucional. Esses códigos centram-se em condutas pes-
soais e na ética das instituições e enfatizam alguns temas comuns,
cujos principais são:
p proteção da integridade e preservação do contexto dos
documentos
p probidade nas operações de acesso, constituição de acervo
e outras
p direito ao acesso
p conflitos de interesse e proveito pessoal
p respeito à lei e tomada de decisões a partir de normas
p integridade, honestidade, responsabilidade e transparência
p confiabilidade
p ideais de excelência e desenvolvimento profissional
conduta pessoal, senso de responsabilidade e relações
profissionais.
Convidamos o leitor a aprofundar essas questões, reportando-se
aos códigos das principais associações da área88.Todos fornecem
interessantes pontos de referência para a elaboração do código ins-
titucional de um arquivo audiovisual. Como não é possível, nem
útil, examinar aqui esses temas comuns em termos gerais, enfatiza-
remos nessa seção os aspectos específicos dos arquivos audiovisuais.
7.1.3Até hoje, apenas uma federação de arquivos audiovisuais adotou
formalmente um código de ética. O código da Fiaf foi adotado
em 1998 e os membros da federação são obrigados a subscrevê-lo
(http://www.fiafnet.org). Outras federações adotaram posições
normativas em relação a questões concretas de índole ética.
8 8 . E n c o n t r a m - s e n a s p á g i n a s d o I c o m (w w w. i c o m . o r g ) , d a I c a (w w w. i c a . o r g ) e d a I f l a (w w w. i f l a . o r g ) c ó d i g o s i n t e r n a c i o n a i s a s s i m c o m o c ó d i g o s d e a s s o c i a ç õ e s n a c i o n a i s n o s c a m p o s d a m u s e o l o g i a , d a a rq u i v o l o g i a e d a b i b l i o t e c o n o m i a .
7.2 A ética na prática
7.2.1 Umcódigoescrito,deâmbitointernacionalouinstitucional,define
orientações gerais. Ele não prevê todas as situações, nem oferece
soluções prontas para problemas que exigem a formulação de julga-
mentosdevalor.Osprofissionaisaceitamemgeralaresponsabili-
dade de formular julgamentos na esfera ética, bem como em outras.
7.2.2Em âmbito institucional, os códigos só têm sentido e respeito quan-
do fazem parte integrante da vida do arquivo, são objeto de pro-
moção efetiva e são respeitados de forma transparente por todos
os escalões da hierarquia. Para isso, pode haver necessidade de um
processo de educação das equipes, mecanismos de acompanha-
mento e pesquisa, e implantação de práticas administrativas que
personalizem a aplicação do código no que respeita cada membro
do quadro. Assim, por exemplo, em algumas instituições prevê-se
que todos os empregados leiam o código interno e o debatam e
comentem, comprometam-se por escrito a observá-lo, e declarem
qualquer conflito de interesses existente ou hipotético. Quando não
se realiza esse tipo de aplicação ativa, os códigos institucionais são
puramente formais, observados apenas ao sabor das conveniências
ou utilizados apenas para exibir uma imagem pública do arquivo.
7.2.3Existe um ponto além do qual a ética pessoal não pode ser controla-
da e depende apenas da integridade e da consciência do indivíduo.
Isso acontece independentemente do rigor com que o organismo
| 185Ética184 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
empregador ou a associação profissional aplique suas próprias nor-
mas éticas. Dilemas pessoais são inevitáveis. Em certos casos, eles
colocam em risco as pessoas envolvidas e as isolam. Pode acontecer
de o indivíduo ter de adotar uma postura impopular, denunciar
práticas irregulares na instituição ou, num plano diferente, colocar
em risco a própria carreira89.
7.2.4Queira-se ou não, a preservação do passado e o acesso a ele é uma
afirmaçãodevalorese,comotal,umpontodevista;emoutroster-
mos: uma atividade essencialmente política.Debates de profissio-
nais, bem como o registro de destruições deliberadas do patrimônio
ocorridas ao longo dos séculos, demonstram amplamente que sem-
pre haverá indivíduos que, por diversos motivos, querem eliminar ou
destruir o que foi conservado. Os arquivistas enfrentam permanen-
temente as dimensões políticas da seleção, do acesso e da preserva-
ção e os problemas éticos que essas questões colocam90. A sobrevi-
vência do passado está constantemente à mercê do presente91.
7.3 Questões de ordem institucional
7.3.1 Os acervos
7.3.1.1 Além dos pontos abordados na seção anterior e dos princí-
pios expostos no código da Fiaf (muitos deles suscetíveis de aplica-
ção aos arquivos audiovisuais em geral), a gestão ética dos acervos
coloca outras questões.
8 9 . E x i s t e m c a s o s c o m p ro v a d o s d e a rq u i v i s t a s q u e p u s e r a m e m r i s c o a v i d a e a l i b e rd a d e p a r a s a l v a r d o c u m e n t o s d a d e s t r u i ç ã o . N ã o e x i s t e m a i o r p ro v a d e d e v o t a m e n t o p ro f i s s i o n a l . E m m e n o r g r a u , o a u t o r c o n f ro n t o u - s e p e s s o a l m e n t e , c o m o a l i á s m u i t o s c o l e g a s , c o m p ro b l e m a s é t i c o s m e n o s g r a v e s . A l g u n s d e s s e s p ro b l e m a s s ã o a n a l i s a d o s n o a r t i g o i n t i t u l a d o “ Yo u o n l y l i v e o n c e : o n b e i n g a t ro u b l e m a k i n g p ro f e s s i o n a l ” ( T h e M o v i n g I m a g e v. 2 n º 1 , p r i m a v e r a 2 0 0 2 , p . 1 7 5 -1 8 4 ) . E m a l g u n s p a í s e s , a d e n ú n c i a – e x p o r p r á t i c a s i n d e v i d a s à s a u t o r i d a d e s e a o p ú b l i c o – é h o j e p ro t e g i d a p o r l e i s n e m s e m p re re s p e i t a d a s n a p r á t i c a . W h i s t l e b l o w e r s A u s t r á l i a (w w w. w h i s t l e b l o w e r s .o r g . a u ) é u m a d a s n u m e ro s a s o r g a n i z a ç õ e s q u e d o c u m e n t a m e s s e t i p o d e i n f r a ç õ e s .
9 0 . A l e i t u r a d a p u b l i c a ç ã o d o p ro g r a m a d a U n e s c o , M e m ó r i a d o m u n d o : m e m ó r i a p e rd i d a – b i b l i o t e c a s e a rq u i v o s d e s t r u í d o s n o s é c u l o X X ( 1 9 9 6 ) é a s s u s t a d o r a . A re c e n t e e x p e r i ê n c i a s u l - a f r i c a n a e m m a t é r i a d a d i m e n s ã o p o l í t i c a d a p re s e r v a ç ã o e d o a c e s s o a o s a c e r v o s e s t á d o c u m e n t a d a n o e n s a i o d e We r n e r H a r r i s , “ T h e a rc h i v e i s p o l i t i c s : t r u s t , p o w e r s , re c o rd s a n d c o n t e s t a t i o n i n S o u t h A f r i c a ” , e f o i e x p o s t a
7.3.1.2 A constituição de acervos apoia-se na idéia de permanên-
cia. Em consequência disso, a decisão de exclusão de documentos
deveria ser muito pensada (6.3.7). Ela precisa ser tomada por uma
junta ou conselho do arquivo e não individualmente por um cura-
dor. Ao iniciar o processo de exclusão, convém primeiro levar em
conta os direitos e as necessidades de instituições de coleta que po-
deriam estar interessadas nos materiais em questão. Se, ao término
do processo, o material excluído for colocado em leilão público, é
necessário justificar esse ato para evitar que os motivos ou proce-
dimentos de tal ação sejam interpretados erroneamente. Nenhum
funcionário deve se beneficiar pessoalmente da decisão, nem pare-
cer que se beneficie92.
7.3.1.3 Tendo em vista as possibilidades de migração de conteú-
dos disponíveis hoje, e as pressões políticas e práticas para que se
contenham gastos e o crescimento do acervo, a manutenção dos
materiais originais enquanto dure sua vida útil – a despeito das có-
pias que deles tenham sido feitas – depende fundamentalmente da
integridade profissional do arquivo. As possibilidades de pesquisa
e de transferência futuras nunca deveriam ser prejudicadas pela
exclusão ou eliminação prematuras dos originais.
7.3.1.4 A natureza do digital abre perspectivas até hoje inéditas
para que a história seja falsificada, sem deixar pistas, através da
manipulação de sons e de imagens. Esse tipo de ação, que agride
a fibra mais íntima da atividade do arquivista, é intolerável. Os
arquivos devem tomar medidas preventivas com relação a isso e,
em particular, sensibilizar a atenção de suas equipes para evitar
esse tipo de ação.
9 1 . “ L o n g e d e s e re m t e s t e m u n h a s i m p e re c í v e i s d o p a s s a d o , o s a rq u i v o s d e m o n s t r a m c e r t a f r a g i l i d a d e , e s t a n d o p e r p e t u a m e n t e s u j e i t o s a o j u í z o d a s o c i e d a d e n o s e i o d a q u a l e x i s t e m . N e m t e m p o r a l n e m a b s o l u t a , a m e n s a g e m q u e v e i c u l a m p o d e s e r m a n i p u l a d a , m a l i n t e r p re t a d a o u s u p r i m i d a ( . . . ) o s a rq u i v o s d o p a s s a d o s ã o t a m b é m a s c r i a ç õ e s m u t á v e i s d o p re s e n t e ” . J u d i t h M . P a n i t c h , “ L i b e r t y, e q u a l i t y, p o s t e r i t y ? S o m e a rc h i v a l l e s s o n s f ro m t h e c a s e o f t h e F re n c h re v o l u t i o n ” ( A m e r i c a n A rc h i v i s t , v. 5 9 , i n v e r n o 1 9 9 6 , p . 4 7 ) .
9 2 . U m a b a s e d e d a d o s d e a c e s s o p ú b l i c o n a q u a l f i g u re m t o d o s o s d o c u m e n t o s e x c l u í d o s o u s u s c e t í v e i s d e e x c l u s ã o p re s t a r i a u m s e r v i ç o à s i n s t i t u i ç õ e s i n t e re s s a d a s n a a q u i s i ç ã o d e s s e s d o c u m e n t o s , e t a m b é m f a r i a c o m q u e o s a rq u i v o s p e s a s s e m b e m s u a s d e c i s õ e s .
n o C o n g re s s o “ P o l i t i c a l p re s s u re a n d a rc h i v a l re c o rd ” , U n i v e r s i t y o f L i v e r p o o l , L i v e r p o o l ( R e i n o U n i d o ) : j u l h o d e 2 0 0 3 .
| 187Ética186 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
7.3.1.5 Em virtude da natureza das indústrias audiovisuais, cole-
cionadores e outros particulares desempenham papel importante
na sobrevivência de materiais audiovisuais, frequentemente através
de meios pouco convencionais. Em função do supremo interesse de
garantir a preservação de materiais preciosos, os arquivos procura-
rão, com a discrição que se impõe, conciliar interesses divergen-
tes surgidos entre depositantes e legítimos titulares dos direitos de
propriedade intelectual ou material. Os arquivos nunca utilizarão
esses materiais à margem do estrito respeito às leis.
7.3.2 Acesso
7.3.2.1 Ainda que sua missão primordial seja a preservação dos
acervos, os arquivos públicos reconhecem ao público o direito de
acesso aos documentos (3.2.6). Na medida de suas possibilidades,
responderão aos pedidos de informação que lhes forem dirigidos
durante pesquisas e tomarão iniciativas para apresentar seus acer-
vos ao usuário, contextualizados, de acordo com as políticas de
acesso fixadas. Respeitarão em todas as circunstâncias, escrupulo-
samente, as prerrogativas dos titulares dos direitos de autor e ou-
tros interesses comerciais.
7.3.2.2Comafinalidadedeeducaropúblicoepermitir-lheacesso
ao acervo, os arquivos devem não apenas restaurar (isto é, diminuir
efeitos de degradação e envelhecimento) mas também reconstituirfil-
mes, programas e registros existentes apenas em versões incompletas,
para torná-los mais facilmente compreensíveis. Isso quer dizer reu-
nir elementos incompletos ou fragmentados provenientes de diversas
origens e combiná-los num todo coerente, o que implica às vezes
emsignificativamanipulaçãodesonseimagensparaqueeventuais
lacunas existentes no original sejam preenchidas. Os materiais assim
reconstituídos são, na verdade, novas obras destinadas ao público con-
temporâneoediferemàsvezessignificativamentedaobraoriginal.
7.3.2.3 As operações de reconstituição devem ser realizadas cons-
cienciosamente por especialistas responsáveis. Objetivos, princípios
e métodos da reconstituição devem ser comunicados publicamente
para que todos entendam seu caráter. Haverá preocupação explí-
cita na redação de relatórios de trabalho com exaustiva documen-
tação sobre as intervenções. A reconstituição não deverá compro-
meter a preservação dos documentos utilizados, que continuarão
guardados e potencialmente acessíveis sob sua forma original.
7.3.2.4 Ao possibilitar o acesso aos acervos, os arquivos, na medida
de suas possibilidades, procurarão fornecer aos usuários informa-
ções contextuais, de forma a ajudá-los a compreender a forma e o
contexto originais da obra, e estimulando-os a utilizar com integri-
dade os materiais fornecidos. Os arquivos não serão cúmplices de
alterações propositais ou da apresentação pública equivocada dos
materiais, seja através da manipulação de seus conteúdos sonoros e
visuais, seja através de qualquer outra forma.
7.3.2.5 Ao conceber e propiciar contextos de apresentação pública,
os arquivos esforçar-se-ão em recriá-los com integridade. Resistirão
a pressões comerciais ou de qualquer outra natureza que procurem
subordinar os critérios, os estilos e os contextos de apresentação a
modismos ou imperativos de circunstância, e se manterão fiéis ao
espírito e à significação original da obra apresentada (5.3)93.
9 3 . I s s o d i z re s p e i t o , s o b re t u d o , à s s a l a s d e c i n e m a d o s a rq u i v o s e e s p a ç o s d e p ro j e ç ã o a t e n d i d o s p o r e l e s e c o l o c a q u e s t õ e s s o b re a re l a ç ã o c o r re t a a l t u r a / l a r g u r a d a i m a g e m , n o r m a s e p a d r õ e s e m m a t é r i a d e p ro j e ç ã o , m a s t a m b é m o u s o d e p u b l i c i d a d e c i n e m a t o g r á f i c a e m ú s i c a a m b i e n t e . S e r i a ú t i l q u e a s f e d e r a ç õ e s e o s d i f e re n t e s a rq u i v o s p re p a r a s s e m d i re t r i z e s a e s s e re s p e i t o . P o r e x e m p l o : e m b o r a u m a p u b l i c i d a d e c i n e m a t o g r á f i c a c o n t e m p o r â n e a p ro j e t a d a n a s a l a d e c i n e m a d e u m a rq u i v o p o s s a g e r a r re c u r s o s ( d e q u e o s a rq u i v o s s e m p re n e c e s s i t a m ) , e l a e s t a r á f o r a d e c o n t e x t o . É u m p o u c o c o m o s e c o l o c á s s e m o s u m l o g o t i p o c o m e rc i a l n a V ê n u s d e M i l o .
| 189Ética188 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
7.3.3 Ambiente
7.3.3.1 A cultura de um arquivo, bem como o ambiente que nele
reina, tem consequências sobre a qualidade com que são realizadas
todas as suas funções. Os arquivos devem se esforçar para desenvol-
ver uma cultura interna e um espírito de equipe nos quais se valori-
zem os conhecimentos pessoais, o rigor e a curiosidade intelectuais
e a capacidade de assumir responsabilidades de decisões de cura-
doria. Devem estimular também o desenvolvimento profissional da
equipe e cultivar a memória e a história institucionais.
7.3.3.2 A atividade do arquivo será regida pela precisão, honesti-
dade, questionamento, coerência e transparência. Ninguém contri-
buirá conscientemente para a divulgação de informações inexatas,
falsas ou enganosas, nem deixará sem resposta quaisquer perguntas
pertinentes. As decisões e posições normativas serão expostas por
escrito e de maneira convincente.
7.3.4 Relações
7.3.4.1 Os arquivos compartilharão generosamente seus co-
nhecimentos e experiências para a promoção da profissão, de
forma a contribuir para o desenvolvimento e o enriquecimen-
to dos demais, em espírito de colaboração. Eles reconhecem
que, ajudando-se mutuamente, fazem progredir o conjunto da
profissão. Sempre que possível, facilitarão a informação, o em-
préstimo de materiais de seu próprio acervo, a participação em
projetos conjuntos, o intercâmbio de pessoal e as visitas de co-
legas de outras instituições.
7.3.4.2 Quando autorizados, os arquivos negociarão acordos de
patrocínio, instaurando uma parceria equitativa e benéfica para as
partes. Os acordos serão redigidos por escrito, terão duração limi-
tada, serão compatíveis com a natureza dos arquivos, seu código de
ética e seus objetivos, e lhes trarão benefícios explícitos.
7.4 Ética pessoal
7.4.1 Motivação
7.4.1.1 O campo dos arquivos audiovisuais não é lucrativo. Em
comparação com outras profissões congêneres, ele é pouco desen-
volvido e não oferece grandes oportunidades de promoção, prestí-
gio, segurança e desenvolvimento profissionais. Os que se dedicam
à atividade devem estar motivados por fatores como a afinidade
com os meios audiovisuais e a paixão por sua preservação, valori-
zação e popularização, bem como pela satisfação de se dedicar a
abrir novos caminhos. Devem também ser motivados pelo desejo
de servir à criatividade, projetos e prioridades de terceiros.
7.4.2 Conflitos de interesse
7.4.2.1 A afinidade com o domínio audiovisual pode potencial-
mente gerar conflitos de interesses. Por exemplo, quando um ar-
quivista tem relações financeiras com empresas que fornecem bens
e serviços ao arquivo, quando comercializa materiais para colecio-
nadores, quando pertence a grupos cujos objetivos são conflitantes
| 191Ética190 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
com os do arquivo ou quando reúne uma coleção privada pessoal,
de maneira que esses interesses sejam ou pareçam ser inconciliáveis
com as atividades do próprio arquivo. Esses conflitos de interesses
podem ser mal interpretados e prejudicar gravemente a imagem
do arquivo. Quando não houver uma forma aceitável de conciliar
esses interesses, o arquivista deverá sem dúvida abandonar aquelas
atividades ou relações. O bom nome do arquivo se sobrepõe a tudo.
7.4.2.2 Outra possível fonte de conflitos é a assessoria ou avalia-
ção que, prestadas a título pessoal, podem ser interpretadas como
emitidas em caráter oficial. Pelo fato da pessoa estar intimamente
identificada a uma instituição, será difícil a ela escrever, ensinar ou
exprimir-sepublicamenteemseupróprionome;éinevitávelquese
interprete o contrário. Esses conflitos devem ser considerados em
si, e com o objetivo de evitar qualquer percepção errônea. Tam-
bém neste caso, serão privilegiados os interesses do arquivo.
7.4.2.3 As relações pessoais de mútua confiança que os arquivis-
tas estabelecem, por exemplo, com depositantes e colecionado-
res são para eles uma das melhores recompensas e uma de suas
principais obrigações. Tendo em vista que se prestam a abusos,
e que a tendência de alguns é confiar mais nas pessoas do que
na instituição, essas relações devem ser marcadas por honradez
absoluta, lealdade para com a instituição e renúncia a qualquer
proveito pessoal. Sérios problemas podem surgir quando, por
exemplo, alguém oferece presentes a um arquivista, com as me-
lhores intenções, e é necessário não magoar nem ofender quem
oferece. Nesses casos, o arquivista envolvido deverá examinar o
problema com um superior.
7.4.3 Conduta pessoal
7.4.3.1 O desempenho de uma tarefa em escrupulosa conformida-
de a normas profissionais é, em última instância, questão de honra
e probidade pessoais. Atividades como a manipulação cuidado-
sa de materiais do acervo para não danificá-los dependem dessas
qualidades. Se erros e danos não forem comunicados imediata-
mente para que se adotem as providências necessárias, pode acon-
tecer que não sejam descobertos senão anos depois. No desem-
penho de seu trabalho cotidiano, os arquivistas têm acesso a um
volume considerável de informações confidenciais. Isso pode ser,
por exemplo, o conteúdo de uma coleção privada que seu proprie-
tário não deseja ver divulgado ou segredos revelados em registros
orais cujo acesso público é restrito. Tal sigilo deve ser respeitado
sem nenhuma exceção.
7.4.3.3 O arquivista não deverá apropriar-se nem de documentos
nem de outros recursos do acervo com finalidade de uso ou provei-
to pessoal ainda que, na qualidade de servidor da instituição, possa
fazê-lo sem dificuldades. A importância desse ponto deriva tanto
do fato de haver uma infração quanto da mensagem que transmite:
nada justifica que um funcionário goze de acesso privilegiado a
bens de propriedade pública.
7.4.3.4 Os arquivistas audiovisuais reconhecem e assumem res-
ponsabilidades morais em relação aos povos indígenas, garan-
tindo que documentos relativos a eles sejam geridos e acessados
de acordo com modalidades compatíveis com as normas de suas
culturas. A única pessoa capaz de julgar se essas prescrições são
| 193Ética192 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
respeitadasé,frequentemente,opróprioarquivista;ésuainte-
gridade pessoal que está em jogo.
7.4.3.5 Enquanto guardiões do patrimônio audiovisual, os arquivis-
tas respeitarão a integridade das obras sob sua guarda e não as mu-
tilarão, nem as censurarão. Não falsearão sua apresentação, nem
limitarão indevidamente o acesso a elas. Não tentarão de nenhuma
maneira falsificar a história ou dificultar o acesso aos registros94.
Eles opor-se-ão às tentativas de outras pessoas nesse sentido. Esfor-
çar-se-ão em conciliar seus gostos pessoais, valores e julgamentos
críticos com a necessidade de proteger e desenvolver de forma res-
ponsável a coleção, de acordo com as políticas estabelecidas95.
7.4.4 Dilemas e desobediência96
7.4.4.1 Não há razão para aceitar doutrinas elaboradas para defen-
der os poderosos e privilegiados ou pensar que somos oprimidos por
leis sociais misteriosas e desconhecidas. Trata-se simplesmente de
decisões adotadas no seio de instituições submetidas à vontade hu-
mana e cuja legitimidade deve ser posta à prova. Se a prova lhes for
desfavorável, podem ser substituídas por outras instituições mais li-
vres e mais justas, como já aconteceu no passado (Noam Chomsky).
7.4.4.2Haveráocasiõesemqueoarquivistapercebaumconflitoen-
tre as instruções que recebe e o que julga ser responsável e ético.
Os exemplos não faltam: censura política (“destrua isso – isso nunca
aconteceu”), pressão econômica (“não podemos nos permitir guardar
todo esse material, faça-o desaparecer”), opções estratégicas, diretri-
zes arbitrárias e carentes de fundamento, acesso difícil ou proibido a
9 4 . E s s a s q u e s t õ e s s ã o f u n d a m e n t a i s e c o m p l e x a s . D e u m l a d o , d e v e - s e re s p e i t a r o l e g í t i m o d i re i t o d o s t i t u l a re s d o s d i re i t o s d e a u t o r e d a s c o m u n i d a d e s ( p o p u l a ç õ e s a u t ó c t o n e s , p o r e x e m p l o ) d e e x e rc e r c o n t ro l e s o b re o a c e s s o à s o b r a s , e s e u u s o d e v e s e r re s p e i t a d o ; p o r o u t ro , a c e n s u r a e o c o n t ro l e d o a c e s s o p o d e m re v e s t i r- s e d e f o r m a s i n s i d i o s a s ( a s e r v i ç o d e o r i e n t a ç õ e s p o l í t i c a s , d e i n t e re s s e s e c o n ô m i c o s e t c . ) P a r a u m a a n á l i s e d e s s a s q u e s t õ e s , v e r o a r t i g o d e R o g e r S m i t h e r, “ D e a l i n g w i t h t h e u n a c c e p t a b l e ” ( F i a f B u l l e t i n , n º 4 5 , o u t u b ro 1 9 9 2 ) .
9 5 . Q u a l q u e r a rq u i v o a u d i o v i s u a l d e a l g u m a i m p o r t â n c i a c o n t é m m a t e r i a i s q u e o f e n d e m p ro v a v e l m e n t e a l g u m a p e s s o a . É q u a s e c e r t o q u e o s a rq u i v i s t a s a u d i o v i s u a i s n ã o c o m p a r t i l h e m v a l o re s , re g r a s m o r a i s e p o n t o s d e v i s t a i n e re n t e s a p e l o m e n o s a l g u n s i t e n s d e s u a c o l e ç ã o . M a s o r a c i s m o , o s e x i s m o , o p a t e r n a l i s m o , a i m o r a l i d a d e , a v i o l ê n c i a , o s e s t e re ó t i p o s e t c . f a z e m p a r t e d a h i s t ó r i a d a h u m a n i d a d e e s e m a n i f e s t a m e m p ro d u t o s d a s o c i e d a d e , e n t re e l e s a s p ro d u ç õ e s a u d i o v i s u a i s . A q u e s t ã o é : p e r m i t i n d o a c e s s o a e s s a s p ro d u ç õ e s , e u e s t o u e n d o s s a n d o – o u p e l o m e n o s d a n d o a i m p re s s ã o d e e s t a r e n d o s s a n d o – o s v a l o re s
materiais “politicamente incorretos” ou “inconvenientes”. Um arqui-
vista pode considerar que uma prática é a tal ponto repreensível, ou
prejudicial à instituição, que se coloque o dever de denunciá-la.
7.4.4.3 Essas decisões constituem um dos dilemas mais árduos com
que pode confrontar-se um arquivista. Ele pode julgar que a melhor
atitude seja colocar numa balança os dois princípios opostos e apli-
car o mais importante (a salvaguarda dos documentos ameaçados
pode, por exemplo, representar o princípio mais importante numa
determinada situação). A situação, porém, pode ser complexa, as
soluções nem sempre claras e a desobediência e a denúncia gerem
graves consequências pessoais que devem ser cuidadosamente pe-
sadas. Além disso, ninguém é imparcial.
7.4.4.4 A resposta não é fácil, mas podemos adotar algumas me-
didas lógicas. Analisar a situação para identificar direitos, motivos
e pressupostos de todas as partes envolvidas pode ajudar a escla-
recer as próprias motivações e prioridades. Obedecer cegamente
e deixar-se levar pela corrente é sempre mais fácil, mas a história
demonstra que isso em geral é um erro. Qual a verdadeira priori-
dade? Quais os interesses pessoais em jogo, inclusive o meu? Estou
enganando ou encobrindo alguém? Sei a resposta correta, mas não
quero enfrentar as consequências?
7.4.4.5 Uma vez analisada a situação, podemos pesar os diferentes
argumentos, nas circunstâncias que lhe são próprias. Mas frequen-
temente é difícil discernir o que a moral reprova e o que tolera, e
pode acontecer de não haver nenhuma saída satisfatória, senão a es-
colha de um mal entre outros, a partir das informações disponíveis.
9 6 . N a r e d a ç ã o d e s t a s e ç ã o , i n s p i r a m o - n o s n o a r t i g o d e Ve r n e H a r r i s , “ K n o w i n g r i g h t f r o m w ro n g : t h e a rc h i v i s t a n d t h e p ro t e c t i o n o f p e o p l e ’s r i g h t s ” ( J a n u s , n º 1 9 9 9 . 1 , p . 3 2 - 3 8 ) .
q u e e l a s v e i c u l a m ? O u e s t o u e n d o s s a n d o o d i re i t o d e a c e s s o a e l a s ? ( v e r n o t a p re c e d e n t e ) .
| 195Ética194 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
7.4.4.6 Confrontar suas conclusões com amigos ou com colegas
merecedores de estima pode ajudar a esclarecer o problema. Eles
terão talvez uma visão mais objetiva da situação e podem enca-
rá-la sob ângulos novos. Talvez surja então uma solução vantajosa
para todos.
7.4.4.7 Por último, ao término dessa série de investigações, é ne-
cessário escutar sua consciência. É difícil confiar na própria ra-
zão ou no instinto quando a situação não nos conforta. É mais
fácil acomodar-se a dúvidas persistentes. Mesmo nesse estágio,
não pode haver certezas. Dois arquivistas, confrontados com um
mesmo dilema, ao considerar os mesmos problemas com o mesmo
rigor, podem chegar a conclusões distintas, ainda que procedendo
com tino e sinceridade. Somos todos seres subjetivos. Devemos
apenas nos fazer as seguintes perguntas: enquanto profissional,
que escolha me será possível aceitar? Qual saída, qual resultado
me parece inaceitável?
7.5 O poder
7.5.1Os arquivistas inclinam-se a considerar que são desprovidos de po-
der, à mercê de autoridades públicas e burocráticas ou de enormes
indústrias cujas decisões estratégicas (tomadas de uma óptica am-
pla mas que não se preocupa com as repercussões na esfera dos
arquivos) constantemente afetam suas tarefas e complicam seu tra-
balho. Entretanto, os arquivistas audiovisuais, como outros profis-
sionais de coleta e conservação, detêm um poder considerável bem
como pesadas responsabilidades para com a sociedade.
7.5.2Eles são os guardiões, os “arcontes” da memória do mundo97. De-
terminam os lugares, as instituições e as estruturas nas quais ela
será conservada; fazemas escolhas cruciais sobre o quedeve ser
ounãopreservado;decidemoprazopeloqualelaserámantidaea
forma sob a qual ela sobreviverá. Eles são os “conservadores” que
velam por seu bem estar e sua perpetuação.
7.5.3Também são eles que determinam o acesso à memória, estabele-
cem suas modalidades de organização e de conservação, definem a
forma e as características do catálogo ou de outros registros que fa-
cilitam o acesso, a ordem de prioridades no quadro desse trabalho
e que escolhem o que deve ser valorizado ou eliminado e a maneira
como a memória se apresenta.
7.5.4A memória reside nos objetos mas também nas pessoas: criadores,
distribuidores, técnicos, empresários, administradores, pesquisado-
res, historiadores e os próprios arquivistas. Eles determinam quais
relatos verbais serão registrados, quais relações serão estabelecidas,
quais informações são importantes.
7.5.5 Nem todo mundo aceitará passivamente a maneira pela qual os
arquivistas e outros profissionais de coleta e conservação exercem
9 7 . “ O s a rq u i v o s n ã o c o n s i s t e m a p e n a s n a s l e m b r a n ç a s , n a m e m ó r i a v i v a , n a a n a m n e s e , m a s t a m b é m n a c o n s i g n a ç ã o , n a i n s c r i ç ã o d e u m t r a ç o q u e c o n d u z a u m l u g a r e x t e r i o r – n ã o h á a rq u i v o s s e m u m l u g a r, i s t o é , s e m e s p a ç o e x t e r i o r. A rq u i v o s n ã o s ã o u m a m e m ó r i a v i v a , m a s u m l u g a r – é p o r i s s o q u e o p o d e r p o l í t i c o d o s a rc o n t e s é t ã o e s s e n c i a l p a r a a d e f i n i ç ã o d e a rq u i v o . A s s i m p o i s a e x t e r i o r i d a d e d o l u g a r é n e c e s s á r i a p a r a q u e s e t e n h a a l g u m a c o i s a p a r a a rq u i v a r ” . J a c q u e s D e r r i d a , “ A rc h i v e f e v e r i n S o u t h A f r i c a ” e m C a ro l y n H a m i l t o n e t a l , R e f i g u r i n g t h e a rc h i v e , C i d a d e d o C a b o : D a v i d P h i l i p , 2 0 0 2 . A p a l a v r a “ a rq u i v o ” v e m d o g re g o a rc h e i o n ( l o c a l d o m a g i s t r a d o o u a rc o n t e ) . O c o n t ro l e q u e o a rc o n t e e x e rc i a s o b re o s re g i s t ro s l e g i t i m a v a s e u p o d e r.
197196 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
suas prerrogativas. Os nazistas queimaram publicamente os maio-
res livros do mundo e nenhum poder os deteve. Os talibãs propu-
seram-seadestruir amemória culturaldeumanação;apesarde
riscos consideráveis, os arcontes usaram subterfúgios para que não
o conseguissem e foi seu poder que prevaleceu.
7.5.6Em todos os arquivos existem relações de poder a nível interno
e externo e as considerações éticas nem sempre predominam. Os
arquivistas audiovisuais têm diante de si a árdua tarefa de entender
seu poder e de exercê-lo de acordo com princípios éticos, no inte-
resse da sociedade, de seus colegas de profissão e para a preserva-
ção da memória do mundo.
8 | Conclusão
8.1Poucomaisdeumséculoapósosurgimentodoregistrosonoroedofilme
cinematográficoemenosdecemantesdodaradiodifusão,essastecno-
logias desempenham um papel dominante na comunicação, na arte e
no registro da história. As espetaculares mudanças acontecidas no século
XX – guerras, transformações políticas, conquista do espaço e globaliza-
ção–nãoforamapenasregistradas,difundidaseinfluenciadasporessas
tecnologias. Sem estas, aquelas não se teriam produzido. A memória co-
letiva passou do conceito manual para a dimensão tecnológica. Os meios
audiovisuais estão em toda parte: “a todo o momento irrompem todos
os lugares e o mundo inteiro no seio dos lares (...) essa intromissão per-
manente (...) do outro, do estranho, do que está longe, de outra língua”98.
8.2 A segunda edição do presente documento é bastante mais longa
do que a primeira. Os últimos anos foram ricos em mudanças e
9 8 . J a c q u e s D e r r i d a , B e r n a rd S t i e g l e r, É c h o g r a p h i e s d e l a t é l é v i s i o n , P a r i s : G a l i l é e , 1 9 9 6 .
198 | Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
aprendizagem. O processo continua porque o empreendimento é
semfim.Hámuitoadescobrirecompartilhar.Talvez,quandouma
outra versão, qualquer que seja, substitua a presente edição, haja
ficadoparatrásumapartedaatualdesigualdadenadistribuiçãode
recursos que afeta os arquivos audiovisuais e a tarefa esteja reparti-
da e apoiada de maneira mais uniforme em todo o mundo.
8.3Poderíamos esperar que a tarefa de preservação da memória au-
diovisual do mundo ocupasse um lugar destacado e dispusesse de
recursos à altura da importância de seu papel na história da huma-
nidade. Nada mais longe da realidade. O número de pessoas que
se encarrega dessa tarefa em todo o mundo chega a menos de 10
mil e talvez esteja abaixo dessa estimativa. Essa pequena comuni-
dade formada por profissionais tenazes e comprometidos, embora
exercendo um trabalho em grande medida desconhecido e carente
de reconhecimento, tem uma responsabilidade imensa. Enquanto
profissionais, ainda que reflitam pouco sobre a questão, os arqui-
vistas audiovisuais do mundo inteiro detêm um poder considerável.
A maneira como o exercem hoje determinará, em grande parte, o
que a posteridade conhecerá sobre nossa época.
“Não duvidem nunca que um pequeno grupo de indiví-
duos pensantes e determinados pode mudar o mundo. Na
verdade, é a única força que pode conseguir isso”99.
9 9 . M a r g a re t h M e a d ( 1 9 0 1 - 1 9 7 8 ) , a n t ro p ó l o g a .
| Anexos
203202
Anexo 1| Glossário e índice
acervo paralelo 6.4.9
acesso 3.2.6.6, 7.3.2
Amia Association of Moving
Image Archivists –
Associação de Arquivistas
de Imagens em Movimento
analógico 5.4
arquivo, arquivar 3.2.1
artefato 1.4.4, 5.3.4
Audiovisual 3.2.3.2, 3.3.1.9
- arquivística 3.2.1.4
- arquivista 3.3.4
- arquivo 3.3.3
- catalogação 6.6
- documento 3.3.1.4
- mídia 3.2.2.2
- paradigma 4.4.6
- patrimônio 3.3.2
- radiodifusão 3.2.3.7
- suporte 3.2.2.2, 4.5.7.1, nota 18, 5.3
Avapin Audiovisual Archiving
Philosophy Interest Netword
– Rede de Trabalho de
InteressadosnaFilosofiada
Arquivística Audiovisual – ver
Prefácio
biblioteca 3.2.1.5
CCAAA Co-Ordinating Council of
Audiovisual Archive
Associations – Conselho
Coordenador das
Associações de Arquivos
Audiovisuais
coleção 3.2.4.4, 7.3.1
componente 3.2.2.7
conflito de interesse 7.4.2
constituição 6.3
conteúdo 3.3.1.6, 5.3
descarte 6.3.8
desobediência 7.4
digitalização 1.4.2, 5.4
disco 3.2.2.5
documentação 6.5
documento 3.2.3.3
duplicação 5.2
efeito de inércia 5.2.7
elemento 3.2.2.7
exclusão 6.3.8
federações 1.2.2, 2.6
Fiaf Fédération Internationale
des Archives du Film –
Federação Internacional de
Arquivos de Filmes
Fiat/IFTA International Federation
of Television Archives –
Federação Internacional de
Arquivos de Televisão
filme 3.2.2.3, 3.2.2.5
filosofia 1.1, 1.5
formato 3.2.2.2
fundo 3.2.4.4
Ica International Council of
Archives – Conselho
Internacional de Arquivos
Icom International Council of
Museums – Conselho
Internacional de Museus
Ifla Internationl Federation of
Library Associations
– Federação Internacional
de Associações de Bibliotecas
incorporação 6.3
mídia 3.3.2.7
migração 5.2.1, 6.4.6
museu 3.2.1.5
obra 5.5
obsolescência 1.4.3
Peanuts [Minduim] 4.6.4
persistência retiniana 5.1.3
poder 7.5
princípio da perda 6.3.3
produção nacional 6.3.5
profissões de coleta 2.2
preservação 3.2.6.3
profissão 2.4
reconstituição 7.3.2.2, Anexo 3
registro 3.2.3.4
restauração 7.3.2.2
Seapavaa South East
Asia-Pacific Audio Visual
Archives Association –
Associação de Arquivos
Audiovisuais do Sudeste da
Ásia e do Pacífico
seleção 6.3
som 3.2.3.6
tecnologia 5.3.8
teipe 3.2.2.4
valores 2.3
vídeo 3.2.3.8
205204
Anexo 2 | Quadro comparativo: arquivos audiovisuais, arquivos generalistas, bibliotecas e museus
Arquivos
audiovisuais
Arquivos
generalistas
Bibliotecas Museus
O que
guardam?
Suportes de
imagem e som,
documentos
e artefatos
relacionados
Seleção de
documentos
antigos em qualquer
formato, em geral
únicos e inéditos
Materiais
publicados,
em qualquer
formato
Objetos, artefatos,
documentos
relacionados
Como o
material é
organizado?
Sistema
estabelecido,
compatível com
formatos,
condições e status
do material
Segundo a ordem
estabelecida
e usada pelos
criadores
Sistema de
classificações
estabelecido (por
exemplo Dewey,
Library
of Congress)
Sistema
estabelecido
compatível com
a natureza e
a condição dos
itens
Quem pode
ter acesso?
Depende da
política definida,
da disponibilidade
de cópias e
limitações
contratuais
Depende da
política da
instituição, da
legislação e das
condições definidas
pelo doador ou
depositante
Depende da
política aplicada,
do público ou
comunidade
atendidos
Depende da
política aplicada,
do público ou
comunidade
atendidos
Como você
acha o que
procura?
Catálogos, listas de
pesquisas, consulta
aos funcionários
Guias de pesquisa,
inventários, outros
documentos
Catálogos, pesquisa
livre nas estantes,
consulta aos
funcionários
Exposições,
consulta aos
funcionários
Como você
acha o que
procura?
Depende da política
estabelecida,
instalações e
tecnologia. No local
ou remoto
Nos locais da
instituição, sob
observação
Nas instalações
da biblioteca
ou (em caso de
empréstimo)
remoto
Nos locais de
exposição
Qual o
objetivo
deles?
Preservação
e acesso ao
patrimônio
audiovisual
Proteção a fundos
de arquivos, de seu
valor testemunhal
e informativo
Preservação e/ou
acesso a
materiais e
informação
Preservação
e acesso a artefatos
e informação
Por que você
os visita?
Pesquisa, educação,
lazer, negócios
Prova de transações
e atos jurídicos,
pesquisa, lazer
Pesquisa,
educação, lazer
Pesquisa,
educação, lazer
Quem
cuida dos
materiais?
Arquivistas
audiovisuais
Arquivistas Bibliotecários Curadores de
museus
Agradecimento: o conceito deste quadro, e uma parte de seu conteúdo foram
adaptados de J. Ellis (ed.) Keeping archives (segunda edição) D.W Thorpe/Australian
Society of Archivists, 1993.
207206
Anexo 3 | Relatório de reconstituição
A lista de pontos a seguir é um guia que recomendamos para a elaboração de
um relatório de reconstituição que documenta, tanto para o público quanto para
referência interna, o trabalho feito na criação de uma versão reconstituída de um
filme, um programa de rádio ou de televisão ou um registro sonoro.
DefiniçãoUma reconstituição é uma versão nova de um trabalho, realizada para agrupar
elementos fragmentados ou incompletos, a partir de múltiplas fontes, e ordená-los
num todo coerente, algumas vezes com muitas manipulações de imagens e/ou
sons e o uso de artifícios de articulação, com o objetivo específico de acesso e em
geral para apresentações públicas. Ela pode ser muito diferente de quaisquer ver-
sões originais da obra. Como seu alvo é um público contemporâneo, sua eficiência
pode diminuir com o tempo, pois os gostos da audiência mudam, a tecnologia
evolui e/ou novos materiais podem ser encontrados.
Uma reconstituição é diferente de uma restauração, que envolve a remoção de
acréscimo do tempo – como ruídos de superfície, riscos e danos – de uma cópia
de preservação, mas não envolve qualquer forma de manipulação de conteúdo.
A preservação dos elementos originais utilizados na reconstituição deve ser inte-
gral. Eles devem continuar a ser conservados em sua forma original.
ParâmetrosO relatório de reconstituição deve definir os parâmetros do projeto, incluindo
p Propósito e objetivos
p O público alvo e o uso pretendido da versão reconstituída
p Detalhes claros dos elementos originais, incluindo sua natureza, condi-
ção, números de registro e os nomes dos arquivos ou coleções onde
estão conservados
p Detalhes completos das manipulações feitas para a reconstituição
p Informações sobre os detentores de direitos ou das tentativas feitas
para localizá-los
p Identificação do(s) supervisor(es) do projeto
p Quadro temporal – datas de início, fim e etapas significativas
p Créditos completos de todos os participantes e as funções que
desempenharam
p Autorização e aprovação final da direção, conselho ou instância equiva
lente do arquivo.
ProcessoO relatório deve incluir a documentação exata do processo de reconstituição. Isso in-
clui todas as decisões técnicas e artísticas tomadas, pesquisas feitas, julgamentos con-
clusivose sua justificativa.Deveacrescentaroutras informaçõespertinentes,como
referênciasabibliografia,materiaisdepublicidadeeoutroselementosconsultados.
Informação públicaAs exibições públicas ou cópias de distribuição da reconstrução devem ser acom-
panhadas de informações contextuais completas que
p Identifiquem o trabalho como uma reconstituição
p Expliquem quais são as diferenças que tem do original
p Expliquem resumidamente o processo de reconstituição
p Forneçam o contexto histórico
p Informem existência do relatório de reconstituição e incentivem
sua consulta.
209208
Anexo 4| Bibliogafia selecionada
Baer, N.S. e Snickars, F. (ed.), Rational decision-making in the preservation of cultural
property. Berlim: Dahlem University Press, 2001.
Bradley, Kevin. Guidelines on the production and preservation of digital audio objects. Iasa, 2004.
Cunningham, Adrian. Archival institutions in Michael Piggott et al (ed.), Recordkeeping
in Society. Wagga (Austrália): Charles Stuart University Pres, 2004.
Cherchi Usai, Paolo. The death of cinema: history, cultural memory and the digital dark age.
Londres: British Film Institute 2001.
______. Silent cinema: an introduction. Londres: British Film Institute, 2003.
Coelho, Maria Fernanda Curado. A experiência brasileira na conservação de acervos au-
diovisuais: um estudo de caso. Dissertação de mestrado apresentada à Escola de Co-
municações e Artes/Universidade de São Paulo, 2009.
Derrida, Jacques e Stiegler, Bernard. Ecographies of television. Polity Press 2002.
Edmondson, Ray. National Film and Sound Archive: the quest for identity. Factors shaping
the uneven development of a cultural institution. Tese de doutorado apresentada à Fac-
ulty of Arts and Design/University of Canberra, 2011.
Ellis, J. (ed.). Keeping archives (segunda edição). Melbourne: D.W. Thorpe/Austra-
lian Society of Archivists, 1993.
Fossati, Giovanna. From grain to pixel: The archival life of film in transition. Amsterdã:
Amsterdam University Press, 2009.
Gracy, Karen F. Film preservation: competing definitions of value, use, and practice. Chi-
cago: The Society of American Archivists.
Haig, Matt. Brand failures: The truth about the 100 biggest branding mistakes of all time.
Londres e Sterling (Estados Unidos): Kogan Page, 2003.
Harrison, Helen (ed). Audiovisual archives: a practical reader (CH.97/WS/4), Paris:
Unesco, 1997.
______. Curriculum development for the training of personnel in moving image and recorded
sound archives (PGI.90/WS/9). Paris: Unesco, 1990.
Houston, Penelope. Keepers of the frame: the film archives. Londres: British Film In-
stitute, 1994.
Kofler, Birgit. Legal questions facing audiovisual archives (PGI.91/WS/5). Paris:
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Kula, Sam. Appraising moving images: assessing the archival and monetary value of film and
video records. Lanham (Estados Unidos): The Scarecrow Press, 2003.
National Film and Sound Archive Advisory Committee. Time in our hands. Cam-
berra: Department of Arts, Heritage and Environment, 1985.
Quental, José Luiz de Araújo. A preservação cinematográfica no Brasil e a construção de
uma cinemateca na Belacap: a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Dis-
sertação de mestrado apresentada ao Instituto de Artes e Comunicação Social/
Universidade Federal Fluminense, 2010.
Smither, Roger e Srowiec, Catherine A. (ed). This film is dangerous: a celebration of
nitrate film. Bruxelas: Fiaf, 2002.
Souza, Carlos Roberto de. A Cinemateca Brasileira e a preservação de filmes no Brasil.
Tese de doutorado apresentada à Escola de Comunicações e Artes/Universidade
de São Paulo, 2009.
Townsend, Robert. Further up the organization. Nova Iorque: Knopf, 1984.
Unesco. Recomendação para a salvaguarda e preservação de imagens em movimento. Adotada
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______. Memory of the World: General Guidelines to safeguard documentary heritage (CH-
95/WS-IIrev). Paris, 2002.
______. Memory of the World: Lost memory – libraries and archives destroyed in the twentieth
century (CII-96/WS/I). Paris, 1996.
211210
Anexo 5 | Mudança e obsolescência de alguns formatos
FormatoFilme Época de produção Status
70mm formato Imax poliéster
anos 1980 -atualidade Em uso
35mm nitrato 1891-1951 Obsoleto
35mm acetato 1910-atualidade Em uso
35mm poliéster 1955-atualidade Em uso
28mm acetato 1912-anos 1920 Obsoleto
22mm acetato c.1912 Obsoleto
17,5mm nitrato 1898-1920 Obsoleto
16mm acetato 1923-atualidade Em declínio
9,5mm acetato 1921-anos 1970 Obsoleto
8,75mm EVR anos 1970 Obsoleto
8mm standard acetato 1932-anos 1970 Obsoleto
8mm Super acetato/poliéster
1965-atualidade Em uso
Áudio analógico – suportes com sulcos Época de produção Status
Cilindro (duplicado ou moldado em cera)
1876-1929 Obsoleto
Cilindro (de gravação em ditafone)
1876-anos 1950 Obsoleto
Disco de sulco grosso (78rpm ou similar)
1888-c.1960 Obsoleto
Disco de transcrição anos 1930-anos 1950 Obsoleto
Disco de laca de gravação
anos 1930-anos 1960 Obsoleto
LP (long playing) vinil microssulco
anos 1950-atualidade Em uso
Áudio analógico – suportes magnéticos Época de produção Status
Fio metálico anos 1930- final anos 1950
Obsoleto
Teipe magnético de rolo 1935-atualidade Em declínio
Cassete compacto anos 1960-atualidade Em declínio
Cartucho anos1960- atualidade
Obsoleto
212
Áudio – suportes digitais Época de produção StatusDisco compacto (CD) 1980-atualidade Em uso
Rolo de piano (88 notas) 1902-atualidade Em declínio
DAT 1980-atulidade Em declínio
Vídeo Época de produção StatusQuadruplex 2 polegadas 1956-anos 1980 Obsoleto
Philips (1/2 polegada – rolo)
anos 1960 Obsoleto
U-Matic 1971-atualidade Obsoleto
Betamax 1975-anos 1980 Obsoleto
VHS anos 1970-atualidade Em declínio
Betacam 1984-atualidade Em declínio
1 polegada – formatos A, B, C, D
anos 1970-atualidade Obsoleto
Vídeo 8 1984-atualidade Obsoleto
Disco laser analógico anos 1980-atualidade Obsoleto
Disco de vídeo digital (DVD)
1997- Em uso
Disco de vídeo compacto (VCD)
anos 1990- Em declínio
Esta publicação foi composta na tipogra-
fia Baskerville, corpo 11/17, sobre papel
Polen Bold 80g/m (miolo) e Duo Design
300g/m (capa).
Filosofia e princípios da arquivística audiovisual
Ray Edmondson
Fil
osof
ia e
pri
ncí
pios
da
arqu
ivís
tica
aud
iovi
sual
associação brasileira de preservação audiovisualabpa