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número 15setembro de 2006

revista da abem

abem

Associação Brasileira de Educação Musical

revistada

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número 15setembro de 2006

revista daabem

Associação Brasileira de Educação Musical

abem

Revista da ABEM, n. 15, setembro 2006.Porto Alegre: Associação Brasileira deEducação Musical, 2000

SemestralISSN 151826301. Música: periódicos

Diretorias e Conselho Editorial da ABEM Biênio 2005-2007

DIRETORIA NACIONALPresidente: Prof. Dr. Sérgio Luiz Ferreira de Figueiredo – UDESC, SC

[email protected]: Profa. Dra. Cristina Grossi – UnB, DF

[email protected] de Honra: Profa. Dra. Jusamara Souza – UFRGS, RS

[email protected]ário: Prof. Dr. José Nunes Fernandes – UNIRIO, RJ

[email protected]: Profa. Dra. Regina Cajazeira – UFAL, AL

[email protected]

DIRETORIA REGIONALNorte: Profa. Ms. Sônia Blanco – UEPA, PA

[email protected]: Prof. Dr. Luis Ricardo Queiroz – UFPB, PB

[email protected]: Profa. Dra. Ilza Zenker Joly – UFSCAR, SP

[email protected]: Profa. Dra. Rosane Araújo, UFPR, PR

[email protected]: Profa. Dra. Cássia Virgínia Coelho de Souza (UFMT)

[email protected]

CONSELHO EDITORIALPresidente: Profa. Dra. Cláudia Bellochio – UFSM, RS

[email protected]: Profa. Dra. Cecília Torres – UERGS, RS

[email protected] do Conselho Editorial:

Profa. Dra. Isabel Montandon – UnB, [email protected]

Profa. Dra. Lia Braga – UFPA, [email protected]

Profa. Dra. Maura Penna – UEPB, [email protected]

Projeto gráfico e diagramação: MarcaVisualRevisão: Trema Assessoria Editorial

Fotolitos e impressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.Tiragem: 500 exemplaresPeriodicidade: Semestral

É permitida a reprodução dos artigos desde que citada a fonte.Os conceitos emitidos são de responsabilidade de quem os assina.

Indexação: LATINDEX - Sistema Regional de Información enLínea para Revistas Científicas de América Latina, el Caribe,España y Portugal; Edubase (Faculdade de Educação/UNICAMP - Campinas/SP - Brasil)

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SumárioEditorial ..................................................................................................................................................... 5

Cecilia TorresCláudia BellochioSergio Figueiredo

Espaços e ações profissionais para possíveis educações musicais ..................................................... 7Cristina Tourinho

Pesquisa em educação musical: situação do campo nas dissertações e tesesdos cursos de pós-graduação stricto sensu brasileiros ........................................................................ 11

José Nunes Fernandes

Música na educação infantil: um mapeamento das práticas e necessidadesde professoras da rede municipal de ensino de Porto Alegre ........................................................... 27

Lélia Negrini DinizLuciana Del Ben

O canto espontâneo da criança de zero a seis anos:dos balbucios às canções transcendentes ........................................................................................... 39

Maria Betânia Parizzi

Os saberes docentes na formação do professor:perspectivas teóricas para a educação musical .................................................................................. 49

Liane HentschkeMaria Cristina de Carvalho C. de AzevedoRosane Cardoso de Araújo

Professores de música falando sobre… música: a análise retórica dos discursos ........................... 59Mônica de A. DuarteTarso Bonilha Mazzotti

Do discurso utópico ao deliberativo: fundamentos, currículo e formação docentepara o ensino de música na escola regular ......................................................................................... 67

Cecília Cavalieri França

Repensando o ensino-aprendizagem de piano do Curso Técnico em Instrumento doConservatório Estadual de Música Padre José Maria Xavier de São João del-Rei (MG):uma reflexão baseada em Foucault ..................................................................................................... 81

Maria Amélia de Resende Viegas

Ensaio a respeito do ensino centrado no aluno: uma possibilidadede aplicação no ensino do piano ......................................................................................................... 91

Scheilla GlaserMarisa Fonterrada

Batalhas culturais: educação musical, conhecimento curricular e cultura popularna perspectiva das teorias críticas em educação ..............................................................................101

Eduardo Luedy

Autores ...................................................................................................................................................109

Normas para publicação ....................................................................................................................... 113

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número 15setembro de 2006

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ContentsEditorial ..................................................................................................................................................... 5

Cecilia TorresCláudia BellochioSergio Figueiredo

Professional actions and spaces for possible musical education ....................................................... 7Cristina Tourinho

Research on post-graduation on musical education: the situation of the field indissertations and thesis in Brazilian stricto sensu post-graduation courses ...................................... 11

José Nunes Fernandes

Music in infant’s education: a mapping of practices and needs of teachersfrom the municipal schools of Porto Alegre ........................................................................................ 27

Lélia Negrini DinizLuciana Del Ben

Spontaneous singing in the zero to six-year-old child: from babies’ babblingto transcendent songs ............................................................................................................................ 39

Maria Betânia Parizzi

Teaching knowledge in the formation of the teacher:theoretical perspectives for music education ..................................................................................... 49

Liane HentschkeMaria Cristina de Carvalho C. de AzevedoRosane Cardoso de Araújo

Music teachers talking about... music: rhetorical analysis of discourses ......................................... 59Mônica de A. DuarteTarso Bonilha Mazzotti

From utopic to deliberative discourse: teachers’ fundaments, curriculumand formation for music teaching in regular school .......................................................................... 67

Cecília Cavalieri França

Rethinking the piano teaching-learning process in the Instrument TechnicalCourse (Piano) of the State Conservatory of Music “Padre José Maria Xavier”located at São João del-Rei (MG): a Foucault-based reflexion ........................................................ 81

Maria Amélia de Resende Viegas

Essay on student-centered teaching: a possibility of application in piano teaching ...................... 91Scheilla GlaserMarisa Fonterrada

Cultural battles: music education, curricular knowledge and popular culturein the perspective of critical theories on education ..........................................................................101

Eduardo Luedy

Authors ...................................................................................................................................................109

Notes for contributors ............................................................................................................................ 113

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Editorial

TORRES, Cecília; BELLOCHIO, Cláudia; FIGUEIREDO, Sergio. Editorial. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 13, 5-6, mar. 2006.

É com muita satisfação e alegria que lançamos a Revista da ABEM número 15, nomesmo ano em que comemoramos o 15º aniversário da Associação. Gostaríamos de

destacar o quanto as publicações da ABEM contribuem para o crescimento da área no país,sendo referência de produção científica para graduandos, pós-graduandos e professores deeducação musical. Neste percurso, destacamos o trabalho das várias comissões editoriais

que sempre tiveram o cuidado de, gradativamente, aprimorar a produção da Revista daABEM, dando visibilidade qualificada à área, fato que justifica sua avaliação Qualis como

Nacional A pela CAPES.

A produção da Revista da ABEM envolve o trabalho conjunto de muitaspessoas, de autores a pareceristas, da comissão editorial à revisão e editoração. Muitosesforços são compartilhados até que as duas edições anuais cheguem ao leitor. Nosso

esforço tem sido pelo aumento da circulação da Revista, buscando que o avanço daeducação musical seja compartilhado com nossos leitores.

Nestes quinze anos de ABEM, e na 15ª edição da “Revista da ABEM”,agradecemos a todos que contribuíram com o processo de existência deste importante meio

de divulgação científica da educação musical brasileira. Nosso agradecimento aos autores,às comissões editoriais, aos avaliadores ad-hoc, aos revisores e editores. De modo especial,

agradecemos aos leitores, receptores críticos da produção gerada. Esperamos que muitomais ainda possa ser realizado para que o avanço da educação musical no país seja

constante.

O artigo de abertura deste número, intitulado Espaços e ações profissionaispara possíveis educações musicais, faz parte dos textos dos convidados dos Fóruns do XIV

Encontro Anual da ABEM, realizado em Belo Horizonte, e a autora é Cristina Tourinho.

O texto seguinte, de José Nunes Fernandes, constitui-se em “um estudo acercada produção discente em educação musical dos cursos de pós-graduação stricto sensu

brasileiros”, apresentando uma listagem de teses e dissertações produzidas até o ano de2001.

Os dois artigos a seguir abordam questões musicais relacionadas ao espaço daeducação infantil. No primeiro deles, Lélia Negrini Diniz e Luciana Del Ben trazem dados de

uma investigação realizada com professoras de educação infantil do Município de PortoAlegre acerca da presença da música neste segmento da educação. No segundo artigo, a

autora Maria Betânia Parizzi focaliza e apresenta dados relativos à “trajetória do cantoespontâneo da criança” de zero a seis anos, englobando dos “balbucios às canções

transcendentes”.

Já Liane Hentschke, Maria Cristina de Carvalho C. de Azevedo e RosaneCardoso de Araújo apresentam o texto Os saberes docentes na formação do professor:perspectivas teóricas para a educação musical, com foco nas discussões teóricas que

subsidiam os saberes docentes que permeiam a profissão de professor.

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No artigo seguinte, Mônica de A. Duarte e Tarso Bonilha Mazzottiabordam aspectos da análise retórica do discurso e trazem dados de entrevistasrealizadas com professores de música a respeito da representação de “música”

construída pelos entrevistados.

O texto Do discurso utópico ao deliberativo: fundamentos, currículo eformação docente para o ensino de música na escola regular, de autoria de CecíliaCavalieri França, propõe um debate relacionado “à prática da educação musical na

escola regular”, envolvendo a proposta de um currículo semi-aberto.

No próximo texto, Maria Amélia de Resende Viegas nos traz o tema daspráticas pedagógicas pianísticas do “ensino-aprendizagem de piano em um Curso

Técnico em Instrumento”, a partir de uma reflexão baseada em pressuposto do filósofoMichel Foucault.

O artigo seguinte, escrito a quatro mãos por Scheilla Glaser e MarisaFonterrada, analisa questões do ensino de piano centrado no aluno, com ênfase nas

obras e idéias de Carl Rogers.

Encerrando esta edição, apresentamos o texto Batalhas culturais:educação musical, conhecimento curricular e cultura popular na perspectiva das

teorias críticas em educação, no qual Eduardo Luedy focaliza cenas de um curso degraduação em música.

Finalizamos este número 15 ressaltando mais, uma vez o desejoespecial de comemorarmos os 15 anos da ABEM. Esta comemoração é de todos

aqueles que têm participado de diversas formas, seja contribuindo com a realização detarefas da diretoria, seja através da participação de eventos promovidos pela ABEM, ou

seja, pela divulgação dos materiais publicados pela Associação.

É com este espírito de comemoração que convidamos a todos os leitorespara a leitura de mais esta publicação, a Revista da ABEM número 15.

Cecilia TorresEditora

Cláudia BellochioPresidente do Conselho Editorial

Sergio FigueiredoPresidente da ABEM

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Espaços e ações profissionaispara possíveis educações

musicais

Cristina TourinhoUniversidade Federal da Bahia (UFBA)

[email protected]

Resumo. Escolhi comentar sobre alguns aspectos abordados no texto de Abel Moraes, escritoespecialmente para o Fórum II do XIV Encontro Nacional da Abem. Escolhi aspectos próximos dalinha de pesquisa em que atualmente trabalho, “Metodologias aplicadas ao ensino de instrumentomusical”, refletindo sobre a formação do professor, que não atua mais somente no ensino público,privado ou em aulas tutoriais. O profissional hoje é requisitado para outros espaços e saberes, queexigem competências além de ensinar técnica e repertório com leitura musical.

Palavras-chave: metodologia, formação do professor de música, espaços profissionais

Abstract. I choose to comment about some aspects approached by the text of Abel Moraes, writtenspecially for the II Forum of the XIV National Encounter of Abem. I prefer talk about some topics thatare near of my own research, “Applied methodology to teach musical instrument” reflecting aboutthe teacher formation, which does not act more only in the private classes, public education or intutorial classes. The professional today is requisitioned for others spaces that require competencesbeyond teach technique and repertoire with music reading.

Keywords: methodology, music teacher formation, professional fields

O mundo pós-moderno e suas implicações

Estes são tempos de velocidade, onde tudoparece acontecer cada vez mais depressa e simulta-neamente. Estamos imersos em informações quechegam a toda hora e por todos os sentidos, estímu-los que, além da audição e da visão, acionam olfato,paladar e tato. A sensação constante é de que não émais possível “saber tudo” na própria área de conhe-cimento específico. O virtual alterou o cotidiano, oestilo de falar e escrever, a forma de perceber a soci-

edade onde se vive. Gergen (1991) usou a palavra“multifrenia” para se referir a esta ampliação de for-mas de condutas e às múltiplas virtualidades que seabrem ao indivíduo na sociedade contemporânea.Professores de música, enquanto profissionais atu-antes e engajados, estão envolvidos constantemen-te por esta sensação, tentando absorver e acompa-nhar (e nem sempre conseguindo) o que se passaao redor e diz respeito à nossa profissão e campo

TOURINHO, Cristina. Espaços e ações profissionais para possíveis educações musicais. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 15,7-10, set. 2006.

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de atuação. A multifrenia também provoca a reaçãooposta nos professores de música, o confinamentoa guetos e redutos onde profissionais, atordoados,se isolam, na tentativa de escapar à avalanche deinformações.

Os educadores musicais estão, segundoJorgensen (2003, p. xiii), engajados em uma missãofundamentalmente social, política e cultural, cujodesafio é inerentemente complexo, muitas vezespouco confortável, e muitos, se pudessem escolher,prefeririam que as coisas ficassem como estão.Quando propõe uma “educação musical transforma-dora”, Jorgensen (2003) está desafiando o educadora repensar a sua trajetória, a sua cultura e a suaformação de professor, o destino que vai dar aosconhecimentos que adquire e como será a sua atu-ação profissional.

A formação do profissional em música estáocupando uma parte da discussão dos projetos polí-tico-pedagógicos das escolas brasileiras, que estãorepensando e reformulando seus currículos, de acor-do com o plano decenal que começou em 1996. Aoganhar consciência da formação profissional do mú-sico objetivado pelos novos currículos dos cursos,estariam transversais aos conhecimentos curricularesa inclusão da consciência de uma formação cujoprincípio é o da autonomia e responsabilidade, acapacidade de recriação e transformação do cotidia-no, as adaptações a novas situações. Assim, o pro-fessor acrescentaria a doação também da sua ex-periência em campos sócio-afetivos, para permitir queo educando avance a partir de bases que possui, emtodos os níveis e situações, compartilhando desseconhecimento e aprendendo também.

O professor de instrumento, como alertaMoraes, nem sempre se considera educador, e sesitua ainda mais distanciado da escola regular. Oensino de instrumento está alijado ainda mais porausência de condições adequadas para o ensino deinstrumentos musicais nas escolas. Por conseguin-te, modelados de acordo com os ensinamentos re-cebidos, muitos profissionais se sentem incapacita-dos para lidar com a diversidade e adversidade demuitas realidades simultâneas, como é o exemplodo ensino de instrumento na escola de música regu-lar. Tomo o exemplo citado por Santos (2001, p. 44),entrevistando um licenciado, que declarou: “[eu] nãosei ser professor ali”. O “ali” era a escola e o “nãosei” revelava a insegurança de recriar o aprendizadopara uma situação nova, que, por ser desconhecida,passa de desafiadora a adversa.

Mercado de trabalho para o músico hoje:como anda a formação profissional?

O campo de atuação também em outras pro-fissões vem transcendendo o espectro dos cursosde formação que haviam sido estabelecidos até ametade do século passado. Em analogia com ou-tras profissões temos cursos híbridos como os deadministração escolar e engenharia de tráfego, sópara citar alguns, que não seriam sequer menciona-dos há algumas décadas. Em uso constante de umfiltro para os estímulos e informações, é preciso terum objetivo profissional claro para não sucumbir pe-rante os desafios e poder transformar as ofertas detrabalho em uma boa possibilidade de crescimentopessoal.

Novas opções e possibilidades estão surgin-do e a resiliência molda novas formas de agir paraocupar novos espaços profissionais. Embora recen-temente aplicado à educação, este termo, empres-tado da física, diz que: a resiliência é a capacidadeque os corpos possuem, depois de submetidos aum esforço-limite (como uma vara de bambu que severga sem quebrar), de voltar à forma original. Aindaque não seja exatamente igual quando se aplica aosseres humanos, porque ao enfrentar situações-pro-blema, aprender e enfrentar desafios, o homemacresce à experiência anterior o novo aprendizado,além de ser capaz de “dar a volta por cima”, enfren-tando e resolvendo situações difíceis, a resiliênciatem sido bastante mencionada por educadores parase referir a profissionais que não sucumbem às ad-versidades e desafios da profissão (Gehringer, 2005;Helvécia, 2005).

Na prática, as atuações profissionais deveriamser consoantes com os quatro pilares da educaçãopropostos por Jacques Delors:1 aprender a conhe-cer, aprender a fazer, aprender a viver junto, aprendera ser. Dada a diversidade na formação profissional,muitos conseguem atuar de forma diversificada e di-ferenciada, enquanto outros têm muita dificulda-de de se adaptar às situações e contornar os proble-mas que sabemos peculiares à atuação profissionalem música. O esforço da Abem para divulgar essaspráticas tem sido a tônica das suas publicações,que, sem esquecer as bases sólidas da fundamen-tação e da pesquisa, têm procurado divulgar práti-cas de sucesso no Brasil. Em pesquisa realizadaem Salvador com licenciados egressos da Escolade Música da Universidade Federal da Bahia, Braga(2005, f. 40) verificou que “dentre mais de dez pes-

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1 Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, coordenada por Jacques Delors. Orelatório está publicado em forma de livro no Brasil, com o título Educação: um Tesouro a Descobrir (Unesco; MEC, 1999).

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soas contatadas, só havia uma professora licencia-da em Música pela Ufba que estava lecionando narede municipal”. Esse dado, considerado alarmantepelo pesquisador, reforça a suspeita de que os licen-ciados não ocupam os seus espaços na escola re-gular, o que contribui para a idéia de Moraes (2005)acerca do pouco desenvolvimento da música comoforma de conhecimento nas escolas e do reforço damúsica como atividade de lazer e complemento paraoutras disciplinas. Onde atuam os licenciandos gra-duados pela universidade?

A escola superior mantém cursos de licencia-tura, prepara músicos e regentes para atuarem emorquestras, corais, solistas, compositores e canto-res líricos. Mas sabemos que muitos músicos, come sem formação escolar, hoje atuam como técnicosde gravação, músicos de studio, produtores, arranja-dores, transcendendo os espaços tradicionalmentepensados. Outros músicos atuam como professo-res/educadores em muitos espaços não formais,onde as relações também estão situadas em “laçosafetuais e não necessariamente em contratos de tra-balho” (Santos, 2001, p. 42). Nesse caso estão oscentros sociais, igrejas, clubes e outras agremiaçõesonde se pratica música em que o profissional res-ponsável nem sempre é remunerado ou tem forma-ção definida por uma escola ou, se tem, está usan-do-a de forma diferenciada. Freire (2001) e Oliveira(2001) listaram sugestões para os cursos de licenci-atura e competências para professores em uma lis-ta que, se não exaustiva, é representativa e signifi-cativa para os educadores musicais. São os novosespaços que surgiram nos últimos cinco anos. Acres-cento a estes possibilidade de atuação de músicos

na educação à distância (EaD), com o lançamentodo Edital ProLic pelo MEC, que inclui habilitação emmúsica, uma maneira diferente de pensar o ensinode música para pessoas que já atuam na rede públi-ca. E, como conseqüência da EaD, a necessidadeda inclusão digital e do manejo básico dos instru-mentos tecnológicos como ferramentas de acessoao conhecimento, como na disciplina ministrada porMenandro Ramos (Ufba, Faced).

Como será o amanhã?

Idealmente, pretende-se que o processo edu-cacional prepare indivíduos capazes de lidar com adiversidade e que obtenham conhecimentos atravésde uma atitude de reflexão crítica, como sugere Ra-mos ([s.d.]). Ao mesmo tempo, é preciso abandonara idéia de uma pedagogia definida a partir de umalinha ideal imaginada, porque, como diz Souza(1998), o ideal não existe. O centro do processo edu-cativo é o ser humano integral, construído através deuma atitude de autoconhecimento e questionamento.O professor que trabalha hoje pensando no amanhãorienta, estimula, mostra o caminho e conscientizapara as verdades transitórias, usando música paraensinar música. O pretenso sentido musical neutrodeixa de existir, vamos assumidamente fazer esco-lhas e explicar porque as fazemos, acolhendo maismúsicas. As conexões com o mundo plural, multifrê-nico, étnico, eclético precisam vir abertamente, é pre-ciso aprender a ser resiliente, a dizer “não sei,mas sei onde buscar”, uma atitude de descobri-mento que cria alternativas que englobam não sóo conhecimento em si, mas sentimentos, socie-dade, inclusão e imaginário.

Referências

BRAGA, Paulo David Amorim. O desenvolvimento de competências para o ensino musical em 4as séries de escolas municipais deSalvador: um estudo a partir da realidade de três professoras. Dissertação (Mestrado em Música)–Escola de Música, UniversidadeFederal da Bahia, Salvador, 2005.FREIRE, Vanda Lima Bellard. Educação musical, música e espaços atuais. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DEEDUCAÇÃO MUSICAL, 10., 2001, Uberlândia. Anais… Uberlândia: Abem, 2001. p. 11-18.GEHRINGER, Max. A comédia corporativa. Você S/A, São Paulo, n. 87, p. 38, setembro 2005.GERGEN, Kenneth. The saturated self: dilemmas of identity in contemporary life. New York: Basic Book, 1991.HELVÉCIA, Heloisa. Para conhecer. Folha Online, 26 jul. 2005. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/cgi?html=fsp2005&banner=bannersarqfolha>. Acesso em: 20 set. 2005.JORGENSEN, Estelle R. Transforming music education. Indiana: Indiana University Press, 2003.MORAES, Abel. Multifrenia na educação musical: diversidade de abordagens pedagógicas e possibilidades para as profissões demúsica. Revista da Abem, n. 13, p. 55-64, março 2005.OLIVEIRA, Alda de Jesus. Múltiplos espaços e novas demandas profissionais na educação musical: competências para desenvolvertransações musicais significativas. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 10., 2001,Uberlândia. Anais… Uberlândia: Abem, 2001. p. 19-40.RAMOS, Menandro. Educação e Tecnologias Contemporâneas: EDC287- T01/T04. [s.d.]. Disponível em: <http://www.faced.ufba.br/~edc287/t01/inicio.htm>. Acesso em: 10 out. 2005.

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SANTOS, Regina Márcia Simão. A formação profissional para os múltiplos espaços de atuação em Educação Musical. In: ENCONTROANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 10., 2001, Uberlândia. Anais… Uberlândia: Abem, 2001. p. 41-74.SOUZA, Jusamara. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino fundamental e médio, políticas e ações para o ensino de música nasescolas. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 7., 1998, Recife. Anais… Recife: Abem,1998. p. 17-26UNESCO; MEC. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 1999.

Recebido em 30/06/2006

Aprovado em 29/07/2006

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Pesquisa em educação musical:situação do campo nas

dissertações e teses dos cursosde pós-graduação stricto sensu

brasileiros

José Nunes FernandesUniversidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

[email protected]

Resumo. Este estudo é referente à produção discente em educação musical dos cursos de pós-graduação stricto sensu brasileiros, pertencendo, assim, ao campo da pesquisa em educaçãomusical no Brasil. Tem como objetivo apresentar listagem de dissertações e teses de educaçãomusical, produzidas em cursos de pós-graduação brasileiros de diversas áreas (autor, título, datada defesa e orientador) até 2001, dando continuidade aos trabalhos anteriores, as publicações deFernandes (2000), Oliveira e Souza (1997) e Ulhôa (1997), e analisar quantitativamente o materiallevando. O método utilizado foi o estatístico/catalográfico. Os resultados apontam para: 1) com oaumento dos cursos de pós-graduação em música houve um significativo crescimento na produçãodiscente; 2) há uma considerável produção discente em cursos de outras áreas; 3) o menor índicede trabalhos continua sendo no campo da educação musical especial.

Palavras-chave: pesquisa em educação musical, teses e dissertações, pós-graduação emeducação musical

Abstract. This study is related to the student’s production in strictu sensu post-graduation musicaleducation in Brazilian courses, belonging, thus, to the research field of musical education in Brazil.Its goal is to present listing of musical education dissertations and thesis, produced in post-graduationBrazilian courses in several areas (author, heading, date of the defense and person who orientates),giving continuity to the previous works, publications of Fernandes (2000), Oliveira and Souza(1997) and Ulhôa (1997), and to, quantitatively, analyze the material leading. The method employedwas the statistic/catalographic. The outcome points to: 1) with the increase of the courses of musicpost-graduation there is a significant growth of the student’s production; 2) there is considerableamount of student’s production in other-areas courses; 3) the smallest works index is still on thespecial musical education field.

Keywords: research in musical education, thesis and dissertations, post-graduation in musiceducation

Introdução

Este estudo tem a finalidade de: I) apresentarlistagem de dissertações e teses de educação mu-sical, produzidas em cursos de pós-graduação bra-sileiros de diversas áreas (autor, título, data da defe-sa e orientador), referentes aos anos anteriores a

1998 e de 1998 a 2001;1 e II) analisar quantitati-vamente o material considerando as especialidadesda subárea, da área Música, Educação Musical doCNPq (Nogueira, 1997): 1) Filosofia e Fundamentosda Educação Musical; 2) Processos Formais e Não-

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1 Em outra publicação mostraremos a listagem referente aos anos de 2002 a 2005, que completa, então, o total de 267 trabalhos.

FERNANDES, José Nunes. Pesquisa em educação musical: situação do campo nas dissertações e teses dos cursos de pós-graduação stricto sensu brasileiros. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 15, 11-26, set. 2006.

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Formais da Educação Musical (educação básica eeducação especializada); 3) Processos Cognitivosna Educação Musical; 4) Administração, Currículose Programas em Educação Musical; 5) EducaçãoMusical Instrumental (conjuntos, bandas, orquestra,fanfarra, etc.); 6) Educação Musical Coral; 7) Edu-cação Musical Especial.

Os antecedentes deste estudo são as publi-cações de Fernandes (2000), Oliveira e Souza (1997)e Ulhôa (1997). Embora consideremos tambémcomo Estado da Arte, na área da educação musical,os “Índices de Autores e Assuntos”, organizados porBeineke e Souza (1998) e Hentschke e Souza(2003), tratando das publicações da Abem, de 1992-1997 e 1998-2002, respectivamente. Os outros arti-gos e trabalhos existentes não fazem uma listageme uma análise de materiais produzidos, mas apenasdiscutem, amplamente, a produção do campo daeducação musical.

Esclarecemos que este Estado da Arte res-tringe-se à produção discente dos cursos de pós-graduação stricto sensu brasileiros de diversas áre-as. Ele não tem objetivo de mostrar e analisar a pro-dução da pesquisa em educação musical do Brasilde uma forma geral, como, por exemplo, em livros,revistas, produção acadêmica, etc., envolvendo,como já foi dito, somente a produção discente, dis-sertações e teses, em diversos programas/cursosde pós-graduação.

Este é um trabalho que não integra aslistagens já publicadas (Fernandes, 2000, Oliveira eSouza, 1997; Ulhôa, 1997), portanto, há necessidadede consultar as listagens anteriores, que são um com-plemento para esta listagem, e assim o leitor terá umavisão integral da produção brasileira até 2001.

Este estudo é importante para a área na me-dida em que ajudará os pesquisadores e alunos doscursos de pós-graduação, interessados na subáreada educação musical, a conhecerem como se en-contra o campo da pesquisa em educação musicalno Brasil, no que se refere às dissertações e tesesdos diversos cursos de pós-graduação stricto sensubrasileiros. Além disso, a importância deste estudoé a questão do acesso, ou melhor, da divulgação doque foi produzido na área; além de uma necessida-de, há inexistência de tal tipo de levantamento atual.Além disso, ele se justifica pela continuação de es-tudos realizados em 1997 e 2000, sendo, assim, umaatualização destes. Posteriormente publicaremos alistagem de 2002 a 2005.

A metodologia usada para a coleta foi a se-guinte: utilizamos o portal da Capes (Banco de Te-ses)2 para localizar o material, buscando por quatropalavras-chave: música, ensino da música, musica-lização e educação musical; assim, as teses e dis-sertações que não apresentem tais palavras no títu-lo, nas palavras-chave ou no resumo não foram cap-tadas. O portal apresenta somente dissertações/te-ses de 1997 a 2004.

Uma observação deve ser feita aqui. Muitas dis-sertações e teses são dos anos anteriores a 1998,pois não constavam nos artigos anteriores, já citados.

No Brasil temos 2285 cursos de pós-gradua-ção sctricto sensu (todas as áreas) e 3524 progra-mas de pós-graduação (todas as áreas). São, se-gundo a Capes, 7 programas de pós-graduaçãostricto sensu em artes, 11 programas em música e78 programas em educação.3 Estes são os três pro-gramas em que mais encontramos a possibilidadede se desenvolverem pesquisas em educação musi-

Dissertações/teses/ano Quantidade Até 1998 54 1999 21 2000 25 2001 25 2002 37 2003 44 2004 45 20055 16 Total 267

Tabela 1. Distribuição da produção por ano (até 2005)4

_____________________________________________________________________________________________________________

2 <http://www.capes.gov.br/capes/portal/conteudo/10/Banco_Teses.htm>, acesso em maio de 2005.3 Ver em <http://www.capes.gov.br/capes> a listagem dos cursos, acesso em maio de 2005.4 Esta tabela compreende os anos de 1998 a 2005, embora alguns trabalhos sejam de anos anteriores a 1998, pois eles nãoconstavam nas listagens já publicadas.5 Corresponde somente às universidades: Unirio, Ufrgs, Uerj, UFMG, Fasm e UFPB.

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cal. Mas encontramos muitos trabalhos em outroscursos, conforme mostraremos posteriormente.

A produção discente brasileira até 2005 émuito grande, devido, além do aumento dos cursos

Como na análise anterior (Fernandes, 2000),a maioria dos trabalhos está na especialidade (2)Processos Formais e Não-Formais da EducaçãoMusical. Comparando com a análise anterior feitapor Fernandes (2000), houve um aumento do núme-ro de trabalhos nas especialidades (5) EducaçãoMusical Instrumental (conjuntos instrumentais) e (6)Educação Musical Coral, mas que não foi significati-

_____________________________________________________________________________________________________________

6 Os dados desta tabela serão analisados em publicação futura.7 Observação: na especialidade (2) incluímos os processos de ensino, formais, não-formais e informais de instrumentos musicaise canto, bem como os relativos à educação básica, deixando para a especialidade (5) somente os conjuntos (bandas, orquestra,grupos de percussão, fanfarra, etc.).

de pós-graduação em música, à produção de traba-lhos de educação musical em outros cursos.

A produção discente nas especialidades daEducação Musical (CNPq), da produção total, cons-tante na Tabela 1, é a seguinte:6

Tabela 3. A produção discente e as especialidades da subárea, da área Música, Educação Musical do CNPq (até2001, sem incluir as listagens publicadas anteriormente) (Nogueira, 1997)

Tabela 2. A produção discente e as especialidades da subárea, da área Música, Educação Musical do CNPq (até2005, sem incluir as listagens publicadas anteriormente) (Nogueira, 1997)7

vo, e uma diminuição na especialidade (3) Proces-sos Cognitivos na Educação Musical. O menor índi-ce continua sendo na especialidade (7) EducaçãoMusical Especial. Isso, talvez, se deve pelo fato dopouco interesse dos pesquisadores pelo tema. Acre-ditamos que com a inclusão de pessoas com ne-cessidades especiais na escola regular, o númerode pesquisas nessa especialidade aumente.

Especialidade da educação musical Quantidade de dissertações e teses (1) Filosofia e Fundamentos da Educação Musical 14 (2) Processos Formais e Não-Formais da Educação Musical (educação básica e educação especializada)

201

(3) Processos Cognitivos na Educação Musical 18 (4) Administração, Currículos e Programas em Educação Musical

7

(5) Educação Musical Instrumental (conjuntos: banda, orquestra, etc.)

9

(6) Educação Musical Coral 14 (7) Educação Musical Especial 4 Total 267

Especialidade da educação musical Quantidade de dissertações e teses (1) Filosofia e Fundamentos da Educação Musical 5 (2) Processos Formais e Não-Formais da Educação Musical (educação básica e educação especializada)

102

(3) Processos Cognitivos na Educação Musical 2 (4) Administração, Currículos e Programas em Educação Musical

4

(5) Educação Musical Instrumental (conjuntos: bandas, orquestra, etc)

5

(6) Educação Musical Coral 5 (7) Educação Musical Especial 2 Total 125

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Considerações finais e recomendações

Como recomendação primordial, segundo aliteratura consultada, os programas de pós-gradua-ção em música/educação musical devem buscar umamaior articulação entre a formação de professores demúsica a área da pesquisa, pois é preparando um bompesquisador que se prepara o bom professor.

Nota-se, nesta análise, o aumento do númerode cursos de pós-graduação em música e, conse-qüentemente, o aumento da quantidade de trabalhosproduzidos pelos discentes de pós-graduação emmúsica, em relação aos levantamentos anteriores.Mas torna-se relevante apontar aqui que existe umagrande produção de trabalhos em outros cursos quenão são de música. Daí ser fundamental para os alu-nos e pesquisadores conhecerem a situação do cam-

Referências

BEINEKE, Viviane; SOUZA, Jusamara (Org.). Publicações da Associação Brasileira de Educação Musical: índice de autores eassuntos: 1992-1997. Santa Maria: UFSM, 1998. (Séries Perspectivas 1).FERNANDES, José Nunes. Pesquisa em educação musical: situação do campo nas dissertações e teses dos cursos de pós-graduação stricto sensu em educação. Revista da Abem, Porto Alegre, n. 5, p. 45-57, setembro 2000.HENTSCHKE, Liane; SOUZA, Jusamara (Org.). Publicações da Associação Brasileira de Educação Musical: índice de autores eassuntos: 1998-2002. Porto Alegre: UFRGS, 2003.NOGUEIRA, Ilza. Estrutura da Área da Música na Tabela de Classificação do Conhecimento. Relatório junto ao CNPq. ENCONTRO DAASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA, 10., 1997, Goiânia. Anais… Goiânia, 1997. p. 327.OLIVEIRA, Alda; SOUZA, Jusamara. Pós-Graduação em Educação Musical (resultados preliminares). Revista da Abem, PortoAlegre, ano 4, n. 4, p. 61-98, setembro 1997.ULHÔA, Martha (Org.). Dissertações de mestrado defendidas nos cursos de pós-graduação stricto sensu em música e artes/música até dezembro de 1996. Opus: Revista da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música-Anppom, ano 4, n.4, p. 80-94, agosto 1997.

Recebido em 10/06/2006

Aprovado em 07/08/2006

po, não só para contextualizarem seus objetos deestudo, conhecendo seus antecedentes, mas paraproduzir conhecimento novo.

Quanto aos temas abordados, sugere-se aquique os programas de pós-graduação em música cri-em linhas de pesquisa que estejam ligadas às espe-cialidades mais carentes, apontadas não só aqui,mas também no levantamento anterior, ou seja, prin-cipalmente a (7) Educação Musical Especial, bemcomo as demais, exceto a especialidade (2) Pro-cessos Formais e Não-Formais da Educação Musi-cal. Esta última parece exercer grande fascínio en-tre os pesquisadores, embora não possamosdesconsiderar que uma grande quantidade de temase subtemas estejam nela presentes, o que faz comque abarque um número de áreas e campos maiorque as outras especialidades.

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Apêndice

Teses e dissertações de educação musical dos cursos brasileiros de pós-graduação stricto sensu emmúsica, educação, artes e outros (até 2001)

ALVES, Cristiano Siqueira. Uma Proposta de Análise do Papel Formador Expresso em Bandas de Músicacom enfoque no Ensino da Clarineta.Defesa: 01/07/1999Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro – MúsicaOrientador: Antonio José Jardim e Castro

ALVES, Vera Alice Pexe. O Ensino Interdisciplinar na 5ª Série do 1º Grau do Colégio Master: a ComunidadeTradicional de Bom Sucesso Numa Perspectiva Ambiental.Defesa: 01/05/1997Mestrado. Universidade Federal de Mato Grosso – EducaçãoOrientadora: Ermelinda Maria De-Lamonica-Freire

ANDRADE, Margaret Amaral de. Avaliação em Execução Musical: Estudo Sobre Critérios Utilizados por Re-gentes de Grupos Corais Escolares.Defesa: 01/12/2001Mestrado. Universidade Federal do Paraná – EducaçãoOrientadora: Tânia Maria Figueiredo Braga Garcia

ARAÚJO, Rosane Cardoso de. O Ensino da Música nas Séries Iniciais das Escolas Municipais de Curitiba, noAno de 2000.Defesa: 01/12/2001Mestrado. Universidade Tuiuiti do Paraná – EducaçãoOrientadora: Dorothy Rocha

ARROYO, Margarete. Representações Sociais Sobre Práticas de Ensino e Aprendizagem Musical: um EstudoEtnográfico Entre Congadeiros, Professores e Estudantes de Música.Defesa: 01/08/1999Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – MúsicaOrientadora: Maria Elizabeth da Silva Lucas

ASSUNÇÃO, Fernando Maia. Shart-Web: um Sistema Tutor de Harmonia Tradicional na Web.Defesa: 01/08/2001Mestrado. Universidade Federal da Paraíba/Campina Grande – InformáticaOrientador: Evandro de Barros Costa

AVERSA, Sérgio de Martinho. Aplicações Pedagógicas da Suíte das 5 Notas para Piano de Lorenzo Fernandez.Defesa: 01/02/2001Mestrado. Universidade do Rio de Janeiro – MúsicaOrientadora: Ingrid Barancoski

ÁVILA, Marli Batista. O Método Kodaly Como Instrumento de Musicalização no Contexto Educacional Brasileiro.Defesa: 01/06/1993Mestrado. Universidade de São Paulo – Artes (Teatro, Cinema e Artes Plásticas)Orientadora: Maria Stella Orsini

BARRADAS, Fernando da Conceição. MPB (Música Popular Brasileira) e Educação Escolar: Dificuldades ePossibilidades de Ensino.Defesa: 01/11/2001Mestrado. Universidade Federal de Uberlândia – EducaçãoOrientadora: Selva Guimarães Fonseca

BARROS, Guilherme Antonio Sauerbronn de. O Pianista Brasileiro: do “Mito” do Virtuose à Realidade doIntérprete.Defesa: 01/07/1998Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro – MúsicaOrientadora: Vanda Lima Bellard Freire

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BASTOS, Maria Bernadete Berno. O Educador e o Processo de Musicalização Através de Teclados Acústico eEletrônico.Defesa: 01/09/1999Mestrado. Conservatório Brasileiro de Música – MúsicaOrientadora: Helena Rosa Trope

BEINEKE, Viviane. O Conhecimento Prático Pessoal do Professor de Música: Três Estudos de Caso.Defesa: 01/06/2000Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – MúsicaOrientadora: Liane Hentschke

BELOCHIO, Claudia Ribeiro. A Educação Musical nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental: Olhando eConstruindo Junto às Práticas Cotidianas do Professor.Defesa: 01/03/2000Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – EducaçãoOrientadora: Esther Sulzbacher Wondracek Beyer

BERNARDES, Virginia. A Música nas Escolas de Música: a Linguagem Musical sob a Ótica da Percepção.Defesa: 01/08/2000Mestrado. Universidade Federal de Minas Gerais – EducaçãoOrientadoras: Angela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben; Aparecida Paiva

BOGDANOW, Elny. Repensando o Ensino do Piano – uma Análise da Pedagogia e dos Métodos de Iniciaçãoao Piano.Defesa: 01/12/1998Mestrado. Conservatório Brasileiro de Música – MúsicaOrientadora: Cecília Fernandez Conde

BORGES, Maria Helena Jayme. O Ensino do Piano e o Desenvolvimento da Autonomia: uma ExperiênciaInovadora.Defesa: 01/06/2001Doutorado. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Araraquara – Educação EscolarOrientador: Durlei de Carvalho Cavicchia

BORGES, Thaís Veiga. Rondó uma Forma de Educação Instrumental: a Iniciação ao Instrumento Musical.Defesa: 01/11/1997Mestrado. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – ArtesOrientadora: Maria Helena Maestre Gios

BOTELHO, Flávia Pereira. O Currículo do Bacharelado em Piano da Escola de Música da UFMG – 1990/2000:da Formação do Solista à Prática Social.Defesa: 01/07/2001Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro – MúsicaOrientadora: Vanda Lima Bellard Freire

BOZZETTO, Adriana. O Professor Particular de Piano em Porto Alegre: uma Investigação Sobre ProcessosIdentitários na Atuação Profissional.Defesa: 01/02/1999Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – MúsicaOrientadora: Jusamara Vieira Souza

BREIDE, Nadge Naira Alvares. A Produção Sonora Como Elemento Básico na Formação de um Principiantede Piano.Defesa: 01/08/1990Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro – MúsicaOrientador(es): nome não informado

BREIM, Ricardo. Para uma Aprendizagem Musical Integrada.Defesa: 01/10/2001Mestrado. Universidade de São Paulo – LingüísticaOrientador: Luiz Augusto de Moraes Tatit

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CALDAS, Rosa Maria. Vivências Musicais Ressignificando o Ensino da Música.Defesa: 01/10/2001Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – EducaçãoOrientadora: Leda Lísia Franciosi Portal

CAMPELO, Regina Celia Lopes. O Coro como Fator Musicalizador na Igreja Presbiteriana do Brasil.Defesa: 01/10/1999Mestrado. Conservatório Brasileiro de Música – MúsicaOrientador: Eduardo Henrique Passos Pereira

CARNEIRO DA CUNHA, Mariana. Transmissão de Saberes na Bateria de Escola de Samba Mocidade Inde-pendente de Padre Miguel.Defesa: 01/06/2001Mestrado. Universidade do Rio de Janeiro – MúsicaOrientador: José Nunes Fernandes

CARVALHO, Nilce Helena Pippi. Análise do Desempenho Rítmico Musical em Adultos de Prática de Ensino deEducação Artística.Defesa: 03/03/1982Mestrado. Universidade Federal de Santa Maria – EducaçãoOrientadora: Tânia Catarina Aita Zevallos

CASTRO, Maria Tereza Mendes de. O Uso de Mediadores na Aquisição/Construção Inicial da LinguagemMusical.Defesa: 01/11/1999Mestrado. Universidade Federal de Minas Gerais – EducaçãoOrientador: Eduardo Fleury Mortimer

CAUDURO, Vera Regina Pilla. Percepção Auditiva Musical e a Alfabetização.Defesa: 19/02/1976Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – EducaçãoOrientadora: Euza Maria Rezende Bonamigo

CHAVES, Carlos Antonio Gomes da Costa. Análise dos Processos de Ensino-Aprendizagem do Acompanha-mento do Choro no Violão de Seis Cordas.Defesa: 01/04/2001Mestrado. Universidade do Rio de Janeiro – MúsicaOrientador: José Nunes Fernandes

CHEVITARESE, Maria José. A Questão da Afinação no Coro Infantil Discutida a Partir do “Guia Prático” deVilla-Lobos e das “20 Rondas Infantis” de Edino Krieger.Defesa: 01/10/1996Mestrado. Universidade do Rio de Janeiro – MúsicaOrientadora: Salomea Gandelman

CHIAMULERA, Valentina. Pedagogia da Sonoridade – O Método de Heitor Alimonda para o Ensino de Piano.Defesa: 01/08/1992Mestrado. Universidade Federal do Paraná – EducaçãoOrientadora: Zelia Milleo Pavao

COHEN, Sara. A Obra Pianística de Ernesto Nazareth: uma Aplicação Didática.Defesa: 01/11/1988Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro – MúsicaOrientador(es): nome não informado

COSTA, Claudia da Silva. Educação Musical: Práticas Avaliativas e Organização do Trabalho Pedagógico.Defesa: 01/03/1996Mestrado. Universidade de Brasília – EducaçãoOrientadora: Benigna Maria de Freitas Villas Boas

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COSTA FILHO, Moacyr Silva. Os Cursos de Graduação em Canto no Brasil: Dois Estudos de Caso.Defesa: 01/02/2000Mestrado. Universidade Federal da Bahia – MúsicaOrientadora: Alda de Jesus Oliveira

CUNHA, Elisa da Silva e. A Apreciação Musical: uma Análise Comparativa Entre Dois Métodos de Avaliação.Defesa: 01/12/1998Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – MúsicaOrientadora: Liane Hentschke

CURI, Lilian Zamorano. Ensinando Habilidades Musicais Básicas ao Cantor de Coral: Avaliação de umPrograma de Ensino.Defesa: 01/07/1997Mestrado. Universidade Federal de São Carlos – EducaçãoOrientadora: Maria Benedita de Lima Pardo

DAMAS, Maria Valeria. Educação Musical Especial na Intercomunicação com Crianças Autistas.Defesa: 01/08/1991Mestrado. Universidade Metodista de São Paulo – Comunicação SocialOrientador: Onesimo de Oliveira Cardoso

DEL BEN, Luciana Marta. Concepções e Ações de Educação Musical Escolar: Três Estudos de Caso.Defesa: 01/05/2001Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – MúsicaOrientadora: Liane Hentschke

DELTREGIA, Cláudia Fernanda. O uso da Música Contemporânea Brasileira na Iniciação ao Piano.Defesa: 01/07/1999Mestrado. Universidade Estadual de Campinas – ArtesOrientadora: Maria Lucia Senna Machado Pascoal

DUARTE, Cristiano Lages. Juvenal Dias da Silva: um Virtuoso da Flauta em Minas Gerais.Defesa: 01/05/2001Mestrado. Universidade do Rio de Janeiro – MúsicaOrientador: José Nunes Fernandes

DURÃO, Mauro Akcelrud. Contribuição para a Prática dos Instrumentos de Palheta Simples (IPS) em Sibemol(Eb) e Mibemol (Eb): Aspectos Históricos e Técnicos Relativos à Digitação e Aspectos Pedagógicos.Defesa: 01/11/2000Mestrado. Universidade do Rio de Janeiro – MúsicaOrientador: José Nunes Fernandes

FEITOSA, SEBASTIÃO GONÇALVES. Vídeo Toque. uma Proposta Metodológica para a Formação Continuadaa Distância em Música.Defesa: 01/12/1999Mestrado. Universidade de Brasília – EducaçãoOrientador: Gilberto Lacerda dos Santos

FELIZ, Julio da Costa. Consonâncias e Dissonâncias de um Canto Coletivo: a História da Disciplina CantoOrfeônico no Brasil.Defesa: 01/10/1998Mestrado. Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – EducaçãoOrientadora: Eurize Caldas Pessanha

FINCK, Regina. O Fazer Criativo em Música: um Estudo Sobre o Processo da Construção do Conhecimentoa Partir da Criação Musical.Defesa: 01/06/2001Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – EducaçãoOrientadora: Esther Sulzbacher Wondracek Beyer

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FORATO, Mara Inês. A Educação Musical: uma Abordagem Construtivista.Defesa: 01/09/1997Mestrado. Universidade Metodista de São Paulo – Psicologia da SaúdeOrientadora: Vera Maria Barros de Oliveira

FREDERICO, Renata Oliveira Pavaneli. Uma Proposta de Musicalização: Processo de Ensino-Aprendizagemda Escrita e Leitura Musical.Defesa: 01/03/2001Mestrado. Universidade Federal de São Carlos – EducaçãoOrientadora: Emília Freitas de Lima

GALÍCIA, Mara Aline Ribeiro. O Som da Educação.Defesa: 01/10/1998Mestrado. Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – EducaçãoOrientador: Sandino Hoff

GALINDO, João Mauricio. Instrumentos de Arco e Ensino Coletivo: a Construção de um Método.Defesa: 01/07/2000Mestrado. Universidade de São Paulo – ArtesOrientador: George Olivier Toni

GARBIN, Elisabete Maria. www.identidadesmusicaisjuvenis.com.br: um Estudo dos Chats Sobre Música daInternet.Defesa: 01/08/2001Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – EducaçãoOrientadora: Rosa Maria Hessel Silveira

GARCIA, Eda do Carmo Pereira. Proposta para uma Vivência Musical: um Estudo de Caso em EducaçãoMusical Comportadores da Síndrome de Down.Defesa: 01/06/1998Mestrado. Universidade Federal de Santa Maria – EducaçãoOrientadora: Valeska Maria Fortes de Oliveira

GILIO, Anésia Maria da Costa. “Pra Que Usar de Tanta Educação Para Destilar Terceiras Intenções?”: Jovens,Canções e Escola em Questão.Defesa: 01/09/1999Mestrado. Universidade Federal Fluminense – EducaçãoOrientadora: Cecília Maria Goulart Pacheco

GLANZMANN, Jose Honorio. Expert Piano: um Ambiente de Auxílio à Aprendizagem Musical.Defesa: 01/03/1995Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro – Engenharia de Sistemas e ComputaçãoOrientadora: Ana Regina Cavalcanti da Rocha

GOBBI, Valeria. A Educação Estética Através da Apreciação Musical uma Experiência.Defesa: 01/12/1999Mestrado. Universidade de Passo Fundo – EducaçãoOrientadora: Maria Helena Camara Bastos

GOMES, Celson Henrique Sousa. Formação e Atuação de Músicos das Ruas de Porto Alegre: um Estudo aPartir dos Relatos de Vida.Defesa: 01/11/1998Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – MúsicaOrientadora: Jusamara Vieira Souza

GUERRA, Carlos Gustavo Marcante. Transdisciplinariedade Como (Re)Ligação Entre Ciência e Cultura: daAntiga China à Informática Educativa e Musical.Defesa: 01/08/1996Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina – EducaçãoOrientador: Ubiratan D’Ambrósio

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GUIMARÃES, Betânia Maria Monteiro. Compassos e Descompassos na Educação Musical – um Estudo noConservatório Musical de São João Del-Rei.Defesa: 01/09/2000Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – EducaçãoOrientadora: Hermengarda Alves Ludke

GUIMARÃES, Giovanni Horácio. Canto e Ocupação no Jardim de Infância Anexo à Escola Normal de SãoPaulo nas Primeiras Décadas de República.Defesa: 01/03/1999Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Educação: História, Política, SociedadeOrientadora: Maria Helena Bittencourt Granjo

HERTEL, Cynthia Regina. Execução Pianística: uma Avaliação Qualitativa dos Alunos de Sexto e sétimo Anosdo Curso Intermediário da EMBAP.Defesa: 01/08/2000Mestrado. Universidade Federal do Paraná – EducaçãoOrientadora: Bernadete Zagonel

HIGINO, Sarah. Banda Escolar um Processo de Desenvolvimento Musical Educativo e Social.Defesa: 01/12/1994Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro – MúsicaOrientadora: Maria de Fatima G. Tacuchian

JOLY, Ilza Zenker Leme. Um Processo de Supervisão de Comportamentos de Professores de MusicalizaçãoInfantil para Adaptar Procedimentos de Ensino.Defesa: 01/02/2000Doutorado. Universidade Federal de São Carlos – EducaçãoOrientadora: Olga Mitsue Kubo

JORDÃO, Maria de Fátima Marinho. Musicalização Infantil na Creche Berta Lutz.Defesa: 01/04/1997Mestrado. Conservatório Brasileiro de Música – MúsicaOrientadoras: Helena Rosa Trope; Vera Maria Ramos de Vasconcelos

KLEBER, Magali Oliveira. Teorias Curriculares e suas Implicações no Ensino Superior de Música: um Estudode Caso.Defesa: 01/12/2000Mestrado. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – ArtesOrientadoras: Jusamara Vieira Souza; Marisa Trench de Oliveira Fonterrada

KRUGER, Susana Ester. Desenvolvimento, Testagem e Proposta de um Roteiro para Avaliação de Softwarepara Educação Musical.Defesa: 01/07/2000Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – MúsicaOrientadoras: Liane Hentschke; Rosa Maria Viccari

LAZZARIN, Luis Fernando. Possibilidades de Atribuição de Significado na Apreciação Musical: um EstudoExploratório.Defesa: 01/02/2000Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – EducaçãoOrientadora: Esther Sulzbacher Wondracek Beyer

LIMA, Paulo Costa. O Ensino de Composição Musical: a Pedagogia de Ernst Widmer.Defesa: 01/01/1999Doutorado. Universidade Federal da Bahia – EducaçãoOrientador: Sérgio Coelho Borges Farias

LOUREIRO, Alícia Maria Almeida. O Ensino da Música na Escola Fundamental: um Estudo Exploratório.Defesa: 01/12/2001Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – EducaçãoOrientadora: Ana Maria Casasanta Peixoto

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MANCINI, Orlando Marcos Martins. O Estudo de Elementos Teóricos-Musicais com o Auxílio doMicrocomputador.Defesa: 01/10/2001Mestrado. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – ArtesOrientadora: Maria de Lourdes Sekeff Zampronha

MARQUES, Eduardo Frederico Luedy. Discurso e Prática Pedagógica na Formação de Alunos de Licenciaturaem Música, em Salvador, Bahia, 1998.Defesa: 01/02/1999Mestrado. Universidade Federal da Bahia – MúsicaOrientadora: Alda de Jesus Oliveira

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MELO, Oscar Daniel Morales. Educação, Música e Investigação: Produzindo o Sorriso na Escola.Defesa: 01/04/1999Mestrado. Universidade Federal de Santa Maria – EducaçãoOrientador: Nedison Faria

MENDES, Joseane Nazare de Alcantara. O Controle Auditivo na Aprendizagem Pianística.Defesa: 01/05/1995Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro – MúsicaOrientador: Heitor Alimonda

MEYER, Aci Taveira. Fantasia para Criança e Escola: uma Proposta de Restabelecimento do Ensino deMúsica nas Escolas de Ensino Fundamental.Defesa: 01/04/2000Doutorado. Universidade Estadual de Campinas – EducaçãoOrientadora: Martha Rosa Pisani Destro

MONTEIRO, Mônica de Freitas. Registro Gráfico e Produção Musical: um Estudo junto a Crianças e Adultos.Defesa: 01/07/1998Mestrado. Universidade de Brasília – PsicologiaOrientadora: Maria Helena Fávero

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MORAES, Maria Izaira Silvino. Arte no Processo de formação do Educador – Estratégias de Aquisição eExperiência Compartilhada da Sensibilidade Artística e de Linguagem Musical.Defesa: 01/03/1993Mestrado. Universidade Federal do Ceará – EducaçãoOrientador: Andre Haguette

MORAES, Zeni Oliveira de. Influências do Folclore Local, em um Programa de Alfabetização Musical, Sobrea Alfabetização do Idioma.Defesa: 01/09/1977Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – EducaçãoOrientador: Ray Arthur Chesterfield

MÜLLER, Vânia Beatriz. “A Música é, bem Dizê, a Vida da Gente”: um Estudo com Crianças e Adolescentesem Situação de rua na Escola Municipal de Porto Alegre – EPA.Defesa: 01/06/2000Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – MúsicaOrientadora: Jusamara Vieira Souza

OLIVEIRA, José Zula de. O estereótipo do Músico: um Estudo Comparativo a Partir do Julgamento de Musicistase Leigos à Prática Musical.Defesa: 01/12/1996Mestrado. Universidade de São Paulo – Psicologia (Psicologia Experimental)Orientador: Klaus Bruno Tiedemann

OLIVEIRAS FILHO, Geraldo Leão das. A Opção por uma Educação Musical Norteada pelo Princípio de “Platôs”.Defesa: 01/10/1998Mestrado. Universidade do Rio de Janeiro – MúsicaOrientadora: Regina Márcia Simão Santos

PAREJO, Enny José Pereira. Contribuições do Desenvolvimento Expressivo-Musical Multimodal para o Pro-cesso de Formação de Professores e sua Prática Pedagógica.Defesa: 01/05/2001Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Educação (Currículo)Orientador: Marcos Tarciso Masetto

PEREIRA, José Antonio. A Banda de Música: Retratos Sonoros Brasileiros.Defesa: 01/12/1999Mestrado. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – ArtesOrientadora: Maria Helena Maestre Gios

PEREIRA, Lucia Helena Pena. Decodificação Crítica e Expressão Criativa: Seriedade e Alegria no Cotidianoda Sala de Aula.Defesa: 01/12/1992Mestrado. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – EducaçãoOrientadora: Ester Maria de Magalhaes Arante

PRASS, Luciana. Saberes Musicais em uma Bateria de Escola de Samba: uma Etnografia Entre os “Bambasda Orgia” (acompanha CD e vídeo).Defesa: 01/12/1998Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – MúsicaOrientadora: Maria Elizabeth da Silva Lucas

PROSSER, Elisabeth Müller Seraphim. Sociedade, Arte e Educação: a Criação da Escola de Música e BelasArtes do Paraná (1948).Defesa: 01/03/2001Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Paraná – EducaçãoOrientadora: Maria Elisabeth Blanck Miguel

RAFAEL, Maurílio Jose Albino. Imagens Mentais no Ensino do Piano: um Estudo Descritivo.Defesa: 01/02/1999Mestrado. Universidade Federal da Bahia – MúsicaOrientadora: Alda de Jesus Oliveira

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REIS, Carla Silva. A Obra de Lorenzo Fernandez e a Aprendizagem Pianística na Infância.Defesa: 01/06/2000Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro – MúsicaOrientadora: Miriam Grosman

REIS, Sandra Loureiro de Freitas. Elementos de uma Filosofia da Educação Musical em Theodor WiesengrundAdorno.Defesa: 01/08/1995Mestrado. Universidade Federal de Minas Gerais – FilosofiaOrientador: Rodrigo Antonio de Paiva Duarte

RIBEIRO, Sônia Tereza da Silva. Licenciatura em Música: Elementos da Cultura e da Ideologia para Repensaro Currículo.Defesa: 01/08/1999Doutorado. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Araraquara – SociologiaOrientadora: Dulce Consuelo Andreatta Whitaker

RODRIGUES, Cláudia Maria Leal. Institucionalizando o Ofício de Ensinar: um Estudo Histórico sobre aEducação Musical em Porto Alegre (1877-1918).Defesa: 01/07/2000Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – MúsicaOrientador: Maria Elizabeth da Silva Lucas

ROMANELLI, Guilherme Gabriel Ballande. O Carnaval de Antonina: um Estudo sobre os Sambas-Enredo daEscola de samba Filhos da Capela, com Vistas a uma Aplicação Didática.Defesa: 01/08/2000Mestrado. Universidade Federal do Paraná – EducaçãoOrientadora: Bernadete Zagonel

SALES, José Albio Moreira. Fortaleza Anos 50: uma História da Arte como História da Cidade.Defesa: 01/12/2001Doutorado. Universidade Federal de Pernambuco – HistóriaOrientador: José Luiz da Mota Menezes

SAMPAIO, Algeir Prazeres. Acionador Percussivo Inteligente – Ritmusrob.Defesa: 01/08/1999Mestrado. Universidade Federal da Paraíba/Campina Grande – InformáticaOrientadores: José Homero Feitosa Cavalcanti; Pablo Javier Alsina

SAMPAIO, Marcelo Almeida. Métodos Brasileiros de Iniciação ao Piano: um Estudo sob o Ponto de VistaPedagógico.Defesa: 01/12/2001Mestrado. Universidade do Rio de Janeiro – MúsicaOrientadora: Salomea Gandelman

SANTANA, Carlos. O Efeito das Estruturas de Ensino com Modelo Musical no Ensino.Defesa: 01/02/2000Mestrado. Universidade Federal da Bahia – MúsicaOrientadores: Alda de Jesus Oliveira; Joel Luís da Silva Barbosa

SANTOS, Ana Maria Souza. Expressão Corporal a Partir do Ritmo Musical: um Caminho para Interpretação naMúsica Coral.Defesa: 01/02/2001Mestrado. Universidade Federal da Bahia – MúsicaOrientadora: Alda de Jesus Oliveira

SANTOS, Fátima Carneiro dos. Escutando Paisagens Sonoras: uma Escuta Nômade.Defesa: 01/04/2000Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Comunicação e SemióticaOrientador: Silvio Ferraz Mello Filho

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SANTOS, José Henrique Nogueira dos. Educação Musical – Caminhos do Passado e do Presente.Defesa: 01/11/1998Mestrado. Conservatório Brasileiro de Música – MúsicaOrientadora: Helena Rosa Trope

SANTOS, Wilson Rogério dos. Orquestras-Escola, Estudo e Reflexão.Defesa: 01/12/2001Mestrado. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – ArtesOrientadora: Dorotéa Machado Kerr

SENNA NETO, Caio Nelson de. Improvisação e Composição: sua Utilização na Didática do Instrumento.Defesa: 01/12/1994Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro – MúsicaOrientadora: Marisa Barcellos Rezende

SILVA, Ana Cristina Ribeiro da. Teoria Musical em seu Tom Original.Defesa: 01/09/1998Mestrado. Conservatório Brasileiro de Música – MúsicaOrientador: Eduardo Henrique Passos Pereira

SILVA, Helena Lopes da. Música no Espaço Escolar e a Construção da Identidade de Gênero – um Estudo deCaso.Defesa: 01/06/2000Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – MúsicaOrientadora: Jusamara Vieira Souza

SILVA, Maria de Lourdes Souza da. Samba: Alma do Povo e Seus Reflexos no Cotidiano Escolar na Perspec-tiva das Representações.Defesa: 01/09/1998Mestrado. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – EducaçãoOrientadora: Mary Therezinha Simen Rangel

SIQUEIRA, Egle Maria Luz Braga Zamarian de. Música: da Casa à Escola de Educação Infantil e EnsinoFundamental.Defesa: 01/08/2000Mestrado. Universidade Estadual de Campinas – ArtesOrientadora: Niza de Castro Tank

SMOLINSKI, Ricardo Miguel Kolodivic. A Música na Escola Pública: Indefinição ou Desafinação.Defesa: 01/09/1999Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Norte – EducaçãoOrientadora: Maria Salonilde Ferreira

SOUSA, Ricardo Pamfilio de. A Música na Capoeira: um Estudo de Caso.Defesa: 01/02/1998Mestrado. Universidade Federal da Bahia – MúsicaOrientador: Manuel Vicente Ribeiro Veiga Junior

SOUZA, Andréa Carneiro de. Viola – do Sertão para as Salas de Concerto: a Visão de Quatro Violeiros.Defesa: 01/05/2001Mestrado. Universidade do Rio de Janeiro – MúsicaOrientador: José Nunes Fernandes

SOUZA, Paulo Ricardo Freire de. Música Popular na Escola.Defesa: 01/10/1999Mestrado. Universidade Metodista de Piracicaba – EducaçãoOrientador: Bruno Pucci

STAHLSCHMIDT, Ana Paula Melchiors. Brincando de Fazer Arte – a Música e Outras Manifestações Artísticas:a Inserção Social da Criança com Dificuldades de Aprendizagem.Defesa: 01/04/1998Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PsicologiaOrientadora: Juracy Cunegatto Marques

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STEIN, Marília Raquel Albornoz. Oficinas de Música: uma Etnografia de Processos de Ensino e AprendizagemMusical em Bairros Populares de Porto Alegre.Defesa: 01/12/1998Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – MúsicaOrientadora: Maria Elizabeth da Silva Lucas

STUMP, Sandra Maria Dotto. Didática dos Diferentes Usos do Computador na Transcrição e no Aprendizadoda Teoria Musical.Defesa: 01/11/1990Doutorado. Universidade de São Paulo – Engenharia ElétricaOrientador(es): nome não informado

SUBIETA, Loria Cira Pereira. Abordagem Construtivista Para Iniciação ao Estudo da Clarineta.Defesa: 01/12/1998Mestrado. Universidade Federal do Rio De Janeiro – MúsicaOrientadora: Vanda Lima Bellard Freire

TORINO, Paulo Muccillo. Rádio Educativo: Relações Entre Legislação e Programação – Estudo das Emisso-ras Educativas da Região Metropolitana de Porto Alegre.Defesa: 01/09/2001Mestrado. Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Ciências da ComunicaçãoOrientador: Antonio Fausto Neto

ULHOA, Rachel Tupynambá de. Educação Musical e Enação: uma Perspectiva Autopoética do Processo deEnsino-Aprendizagem da Música Popular.Defesa: 01/12/1998Mestrado. Conservatório Brasileiro de Música – MúsicaOrientador: Eduardo Henrique Passos Pereira

UNGLAUB, Regina da Rocha. O Ensino da Música e sua Importância no Processo Educativo: Implicações eDesdobramentos nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental.Defesa: 01/02/2000Mestrado. Universidade Estadual de Campinas – EducaçãoOrientadora: Lucila Schwantes Arouca

URICOECHEA, Ana Sheila Moreira. Construindo Sons e Suas Ressonâncias.Defesa: 01/09/1997Mestrado. Conservatório Brasileiro de Música – MúsicaOrientador: Eduardo Henrique Passos Pereira

VARRIALE, Ana Lucia Louro. Reprodução de Canções, Processos Cognitivos na Interação com as EstruturasMusicais.Defesa: 01/10/1995Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – MúsicaOrientadora: Esther Sulzbacher Wondracek Beyer

VASQUEZ, Ana Lúcia Pazos. Aprender a Amar a Música: as Alunas da EMBAP Durante os Anos 50 e 60.Defesa: 01/11/2000Mestrado. Universidade Federal do Paraná – HistóriaOrientador: Luiz Geraldo Santos da Silva

VIANA, Alexandre Bezerra. Sistema Inteligente para o Ensino do Dedilhado Pianístico.Defesa: 01/06/1998Mestrado. Universidade Federal da Paraíba/Campina Grande – InformáticaOrientador: José Homero Feitosa Cavalcanti

VIDAL, Mirna Rubim de Moura. Pedagogia Vocal no Brasil: uma Abordagem Emancipatória para o Ensino-Aprendizagem no Canto.Defesa: 01/10/2000Mestrado. Universidade do Rio de Janeiro – MúsicaOrientadora: Regina Márcia Simão Santos

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VIEIRA, Lia Braga. A construção do Professor de Música – o Modelo Conservatorial na Formação e na Atuaçãodo Professor de Música em Belém do Pará.Defesa: 01/03/2000Doutorado. Universidade Estadual de Campinas – EducaçãoOrientadora: Letícia Bicalho Canedo

WROBEL, Vera Bloch. A Educação Musical na Educação Infantil sob uma Abordagem Construtivista.Defesa: 01/10/1999Mestrado. Conservatório Brasileiro de Música – MúsicaOrientadora: Helena Rosa Trope

ZAGURY, Sheila. A Harmonia Criativa: uma Descrição dos Procedimentos Didáticos de Luiz Eça.Defesa: 01/10/1996Mestrado. Universidade do Rio de Janeiro – MúsicaOrientador: Antonio José Jardim Castro

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Música na educação infantil: ummapeamento das práticas e

necessidades de professorasda rede municipal de

ensino de Porto Alegre

Lélia Negrini DinizSecretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (Smed-POA)

[email protected]

Luciana Del BenUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

[email protected]

Resumo. Este artigo consiste em um relato de pesquisa que teve como objetivo investigar apresença da música nas práticas pedagógicas de professoras de educação infantil. As perspectivasque nortearam a investigação foram a legislação brasileira sobre educação infantil, bem comoestudos sobre a formação e atuação dos professores unidocentes. O método escolhido foi o surveyde desenho interseccional, sendo que os dados foram coletados por meio de questionário. Participaramda pesquisa 123 professoras das 33 escolas de educação infantil e 7 jardins de praça da RedeMunicipal de Ensino de Porto Alegre. Os resultados descrevem as práticas pedagógico-musicaisdas professoras, as bases que sustentam essas práticas, bem como as necessidades dasprofessoras para desenvolver o ensino de música na educação infantil. As considerações finaisapontam para a necessidade de investir na formação musical continuada das professoras e deestabelecer parcerias e ações entre governos e instituições educacionais para o fortalecimento doensino de música na educação infantil.

Palavras-chave: educação musical na educação infantil, formação de professores unidocentes,necessidades dos professores de educação infantil

Abstract. This paper reports a research that aimed to investigate the presence of music in thepedagogical practices of infant school’ teachers. The Brazilian Educational Law and studies ongeneralist teachers’ education and practice constituted the theoretical framework that guided thework. The method and the technique chosen to carry out the investigation were the cross-sectionalsurvey and the questionnaire, respectively. 123 teachers from 40 infant schools of the municipaleducational system of Porto Alegre, south of Brazil, took part in the research. The results describeteachers’ pedagogical practices in music, the basis that sustain their teaching practices, as well asthe needs felt by them to develop music teaching in infant schools. Final considerations point to theneed to invest in teachers’ continuous music education and to establish partnerships and collectiveactions between government and schools in order to better develop music education in infantschools.

Keywords: music teaching in infant schools, education of the generalist teacher, needs of infantschools’ teachers

DINIZ, Lélia Negrini; DEL BEN, Luciana.Música na educação infantil: um mapeamento das práticas e necessidadesde professoras da rede municipal de ensino de Porto Alegre. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 15, 27-37, set. 2006.

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Introdução

Nas últimas décadas, a educação infantil, istoé, a educação de crianças de 0 a 6 anos realizadaem creches e pré-escolas, adquiriu uma nova ordemno âmbito das políticas e das teorias educacionais.Mudanças no mundo do trabalho, aliadas a pesqui-sas no campo da educação, tanto no panorama in-ternacional quanto nacional, impulsionaram a cria-ção de normas que assegurassem o direito das cri-anças pequenas à educação.

A Constituição Brasileira aprovada em 1988,no Art. 208, declara que “o dever do Estado com aeducação será efetivado mediante a garantia de aten-dimento em creche e pré-escola às crianças de zeroa seis anos de idade” (Brasil, 1988). Além da Cons-tituição, as crianças estão contempladas no Estatu-to da Criança e do Adolescente (Brasil, 2001) e naLei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, naqual a educação infantil passa a ser a primeira etapada educação básica. Consta ainda, no Art. 26, que oensino da arte constituirá componente curricular obri-gatório, nos diversos níveis da educação básica, deforma a promover o desenvolvimento cultural dos alu-nos (Brasil, 1998a).

O processo de implantação da LDBEN foicomplementado com a publicação, pelo Ministérioda Educação (MEC), do Referencial Curricular Naci-onal para a Educação Infantil (RCNEI), que tem porobjetivo auxiliar o professor na “realização do seutrabalho educativo diário junto às crianças peque-nas” (Brasil, 1998b, p. 5). A música, nesse docu-mento, é definida como uma das linguagens a se-rem desenvolvidas, garantindo, assim, espaço à edu-cação musical nesse nível de ensino.

Várias críticas foram feitas ao RCNEI, dentreas quais destacamos aqui aquela que questiona sea proposta consegue atingir os professores, já queexiste, entre eles, uma diversidade regional, cultu-ral, socioeconômica e, principalmente, de formação(ver, entre outros, Beyer, 1998, 2003; Formosinho,2002; Leite, 2002; Maffioletti, 1998; Silva et al., 2002).

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Edu-cacionais (Inep), por exemplo, indicam que o índicede docentes com formação superior e licenciaturaatuando na pré-escola era de 22,5% em 2002 (Bra-sil, 2003, p. 22). Nas creches, “14% das funçõesdocentes tinham formação inferior ao ensino médio”(Brasil, 2003, p. 21).

Como se observa, em muitas instituições, ahabilitação mínima exigida por lei não é atingida. Alémdisso, as propostas de educação infantil, tanto naci-onal quanto estaduais e municipais, defendem a

necessidade de um professor que pense na criançade uma forma integrada e que tenha domínio em di-versas áreas do conhecimento, como sinaliza oRCNEI (Brasil, 1998b, p. 41). Nesse sentido, Kishi-moto (2002, p. 109) questiona o espaço destinadoao ensino das artes nos cursos de formação de pro-fessores de educação infantil:

[...] como justificar que, na maioria dos cursos deformação profissional, a arte está ausente ou ficarestrita às artes visuais? Onde estão a música, a dança,o teatro, ou melhor, qual o espaço destinado àslinguagens expressivas?

Figueiredo (2001) aponta que, na região Sul,a formação musical do pedagogo é insuficiente ouinexistente. Essa formação insuficiente ocorre aolongo do ensino fundamental e médio, bem comonos cursos de pedagogia, a que os estudantes che-gam, muitas vezes, sem ter tido um contato maisformal com a música. Esse fato, segundo o autor,pode ser visto nas práticas musicais dos pedagogos,causando insegurança para atuar no ensino de mú-sica para as crianças.

Paralelamente aos estudos e pesquisas liga-dos à formação musical dos professores que atuamou irão atuar na educação infantil, vários trabalhostêm investigado o desenvolvimento musical de crian-ças pequenas, procurando contribuir para retroali-mentar as práticas pedagógico-musicais na educa-ção infantil (ver, entre outros, Beyer, 2004; Ilari;Broock, 2004; Ilari et al., 2002). Entretanto, temasrelacionados à prática de educação musical desen-volvida nas escolas de educação infantil têm sidopouco investigados. Mudanças importantes aconte-ceram na legislação respaldando a educação infantilcomo primeira etapa da educação básica, buscandoque o professor desse nível tenha a formação neces-sária e garantindo à música o seu espaço nos currí-culos escolares. Porém, existem professores que jáestavam em serviço quando essas políticas educa-cionais foram construídas. Não se sabe se essesprofessores incorporaram as mudanças nas suaspráticas e se consideram a música como uma lin-guagem a ser desenvolvida com crianças de 0 a 6anos de idade.

Sendo assim, conduzimos uma pesquisa como objetivo de investigar a presença da música naspráticas pedagógicas de professoras de educaçãoinfantil. Mais especificamente, buscamos mapear asatividades musicais desenvolvidas pelas professoras,identificar os recursos disponíveis nas escolas paraa realização das atividades musicais, bem comoidentificar as necessidades das professoras paradesenvolver o ensino de música na educação infan-til. Neste trabalho, após apresentar uma síntese das

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atividades realizadas pelas professoras e dos recur-sos utilizados, destacaremos as bases que susten-tam essas atividades e as necessidades apontadaspelas professoras.

Metodologia da pesquisa

Tendo em vista que os objetivos da pesquisabuscaram caracterizar uma situação de formaabrangente, o método escolhido foi o survey. Os da-dos foram todos coletados num período determina-do de tempo, distinguindo a pesquisa como umsurvey interseccional (Babbie, 2003).

A amostra caracterizou-se como não-probabilística do tipo intencional ou por julgamento.A amostra não-probabilística é

[...] composta a partir de intervenções intencionais dopesquisador; os elementos da população não possuema mesma possibilidade de ser selecionados e suaschances de serem-no não são conhecidas. (Laville;Dionne, 1999, p. 331).

Quanto à amostragem do tipo intencional,Babbie (2003, p. 492) a define como aquela em queo pesquisador “seleciona as unidades a serem ob-servadas com base no seu próprio julgamento sobrequais delas serão mais úteis ou representativas”.

Os critérios adotados para a seleção das pro-fessoras de educação infantil que participaram dapesquisa serão descritos a seguir. Primeiramente,foi considerada a legislação educacional. A educa-ção infantil está submetida à normatização do Sis-tema Municipal de Ensino, o que nos levou a delimi-tar a pesquisa ao Sistema Municipal de Ensino dePorto Alegre. Dentre as instituições de educaçãoinfantil que fazem parte desse sistema, foram esco-lhidas aquelas mantidas pelo poder público munici-pal, isto é, a Rede Municipal de Ensino, mais espe-cificamente, a de Porto Alegre (RME-POA).

Na RME-POA a educação infantil é atendi-da nas escolas de educação infantil em turno in-tegral, nos jardins de praça, assim denominadospor atenderem os alunos por meio turno, e juntoàs escolas de ensino fundamental e médio. Paraa pesquisa foram consideradas as professoras queatuavam somente nas escolas de educação in-fantil e nos jardins de praça. As primeiras escolassão em número de 33, e as demais em número desete. A escolha dessas escolas se deu pelo fatode elas terem sido concebidas para um públicoespecífico, com características próprias, e serematendidas pela professora unidocente. As esco-las de ensino fundamental e médio, que tambématendem à educação infantil, muitas vezes, con-tam com professores especialistas e também têm

estrutura e características diversas que estão re-lacionadas aos outros níveis de ensino.

Definidas as escolas, foram consideradas paraa pesquisa somente as professoras que atuavam emsala de aula com crianças de 0 a 6 anos de idade,sendo excluídas da amostra aquelas professoras queexerciam outras funções nas escolas ou que esta-vam em licença-saúde. Chegou-se, então, ao núme-ro de 176 professoras que desempenhavam a fun-ção docente nas escolas de educação infantil e jar-dins de praça da RME-POA.

Diante do número de professoras atuantes emsala de aula, o questionário mostrou ser o instru-mento mais adequado para a coleta de dados, tendoem vista que esse instrumento “permite alcançar rá-pida e simultaneamente um grande número de pes-soas” (Laville; Dionne; 1999, p. 184).

O questionário, construído com base naque-les desenvolvidos por Araújo (2001) e Del Ben (2003),foi dividido em três partes que contemplaram as se-guintes questões: 1a) dados de identificação da pro-fessora, incluindo formação geral, formação musicale tempo de atuação; 2a) nível(eis) de atuação, práti-cas pedagógico-musicais realizadas, repertório, fre-qüência de realização das atividades, recursos dis-poníveis, a proposta de música do RCNEI e sua uti-lização em sala de aula e possíveis dificuldades dasprofessoras para realizar o ensino de música; e 3a)observações pessoais que a professora desejasseacrescentar.

Do total de 176 questionários enviados, 123questionários foram devolvidos pelas professoras, oque corresponde a um percentual de 69,89%. ParaBabbie (2003, p. 253), “a taxa de 70% ou mais émuito boa”. Pode-se deduzir que houve um interes-se significativo por parte das professoras de respon-der sobre essa temática.

Resultados

A presença da música na educação infantil

Conforme mostram os dados obtidos a partirdos 123 questionários devolvidos, a música está pre-sente nas práticas pedagógicas de 99,19% das pro-fessoras, sendo citada como regular por 89,43%.Isso significa que elas garantem espaço à músicanesse nível de ensino.

Foi possível identificar uma diversidade de ati-vidades musicais que as professoras realizam comas crianças, como audição de músicas, canto, dan-ça, jogos cantados e músicas para formação de há-bitos. Também foram citados o repertório e o espaço

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físico utilizados na realização das atividades musi-cais. O repertório, segundo as professoras, é diver-sificado, incluindo canções infantis, canções folcló-ricas, música instrumental e erudita, além de canti-gas de ninar, sons da natureza e trilhas de filmes.Algumas citaram que procuram contemplar o reper-tório que as crianças trazem, buscando ampliá-lo.

Os espaços utilizados para a realização dasatividades musicais não se restringem somente àsala de aula, confirmando um pensamento contem-porâneo de educação infantil (ver Kishimoto, 2000).As professoras salientam que os espaços são osmais variados possíveis, dentre eles, a sala de aula,o pátio e o parque.

Ainda existe um predomínio das atividades queenvolvem o canto. É importante ressaltar que a pri-mazia das atividades de canto não é uma caracte-rística específica da educação infantil, conformemostra a literatura de educação musical (Fernandes,2004; Fuks, 1993; Souza et al., 2002; Tourinho,1993a). Vários fatores podem estar ligados ao pre-domínio do canto. Um deles está relacionado à for-mação musical das professoras.

Em relação à formação geral, os dados en-contrados contrariam pesquisas realizadas em todoo Brasil. A grande maioria das professoras (94,31%)possui curso de graduação, sendo que, dessas,75,86% em pedagogia. Os cursos de pós-gradua-ção foram realizados por 70,73% das professoras,sendo a ênfase em educação infantil. Isso demons-tra que as professoras investigadas atendem às nor-mas profissionais que a legislação propõe.

Quanto à formação musical, 59,35% das pro-fessoras afirmam ter passado por algum tipo de en-sino formal. Entretanto, mesmo com esse percentual,as professoras destacam a necessidade de cursosde formação continuada para que possam expandirseus conhecimentos musicais e pedagógico-musi-cais e, assim, realizar um ensino de música maisconsciente. Vale lembrar que a pesquisa não exami-nou a qualidade ou as concepções sobre o ensinode música dos cursos de formação pelos quais pas-saram as professoras. Além disso, muitas delasmostraram interesse em tocar um instrumento mu-sical ou ter um professor especialista que possibiliteàs crianças o contato com diferentes formas de fa-zer música.

Um segundo fator, possivelmente relacionadoao predomínio do canto, refere-se aos recursos. Osrecursos freqüentemente mencionados nos depoimen-tos das professoras são o aparelho de som, a televi-são e o videocassete. Poucas professoras relata-ram poder contar com recursos mais específicos para

as atividades musicais, como instrumentos. No en-tanto, cabe questionar de que forma as professorasutilizariam esses instrumentos musicais, já quemuitas afirmam não ter formação musical.

As bases para o ensino de música

A partir do levantamento sobre as práticaspedagógico-musicais das professoras, percebe-seque são várias as formas de realizar o ensino demúsica. Essas formas parecem ter relação com osdiferentes contextos em que as professoras atuam,bem como com sua formação. Além disso, algumasprofessoras destacaram que orientam as suas práti-cas de diferentes modos: com base em propostasoficiais e em suas próprias experiências e concep-ções sobre o ensino de música.

A música no contexto da educação infantiladquiriu respaldo oficial quando foi incluída na pro-posta do RCNEI e em propostas estaduais e munici-pais. No entanto, somente 35,77% das professorasdisseram conhecer o RCNEI, e 30,08% utilizam ape-nas alguns aspectos da mesma nas suas práticaspedagógico-musicais. Isso parece demonstrar queo documento não atingiu aos seus propósitos, istoé, servir de referência para os professores que estãoem sala de aula. Vários motivos podem estar envol-vidos no desconhecimento dessa proposta. Dentreeles, a forma de divulgação do documento, a lingua-gem utilizada, a formação musical das professoraspara entender a proposta de música e a estrutura dodocumento, a qual pode levar as professoras a pen-sar em um trabalho por disciplinas. Na educaçãoinfantil, se propõe a unidocência como base do tra-balho.

Além de documentos oficiais como o RCNEI,o trabalho desenvolvido pelas professoras tambémparece ser respaldado nas suas próprias justificati-vas para o ensino de música na educação infantil.Os argumentos utilizados pelas professoras parajustificar a importância da música nesse nível deensino são vários, com base nos quais elas atribu-em à música diferentes funções. Esses argumentosforam analisados tomando-se como referência ascategorias construídas por Souza et al. (2002), a di-zer: música como terapia, música como auxiliar nodesenvolvimento de outras disciplinas, música comomecanismo de controle, música como prazer, diver-timento e lazer, música como meio de transmissãode valores estéticos, música como meio de traba-lhar práticas sociais e valores e tradições culturaisdos alunos e música como disciplina autônoma.

As professoras investigadas apresentaramargumentos semelhantes aos encontrados por Sou-za et al. (2002). Ressaltamos que as categorias não

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aparecem isoladas. As professoras justificam o en-sino de música na educação infantil utilizando argu-mentos referentes a mais de uma categoria, geral-mente relacionando-a ao desenvolvimento da expres-são, do lúdico e das relações afetivas.

Quando concebida como terapia, a músicaseria uma forma de tranqüilizar as crianças e de “in-tegrar os sentimentos dos alunos como parte do tra-balho pedagógico, além de desenvolver aspectosexpressivos e afetivos de suas vidas consideradosnegligenciados” (Souza, et al., 2002, p. 60), comosugerem os depoimentos a seguir.

Para essa faixa etária a música acontece diariamente,é lúdico, tranqüiliza, as crianças se expressam comnaturalidade e envolvimento.

Com música a vida fica bem melhor e o trabalho commúsica na educação infantil é rico e atinge todos osníveis e faixas etárias, desenvolve a expressão, a auto-estima e o autoconhecimento. “Vida é música.”

A música como auxiliar de outras disciplinasé a “tendência de usar a música como uma atividadeque serve para ilustrar ou clarificar assuntos de ou-tras disciplinas e atividades curriculares” (Souza etal., 2002, p. 61-62). Nessa perspectiva, ela poderáser utilizada como auxiliar em outras áreas de co-nhecimento, assim como nas tarefas rotineiras daeducação infantil. Os depoimentos a seguir apon-tam para essa categoria:

A música faz parte da vida e do contexto da educaçãoinfantil e é aproveitada em todos os momentos da rotina,desenvolvendo as áreas do conhecimento.

Por proporcionar prazer nas crianças e educador, amúsica é utilizada em todos os momentos da rotinadiária, não só como meio de percepção musical, masno desenvolvimento da linguagem, expressão e ritmo,entre outros.

Beyer (2001, p. 46) salienta que, nesses ca-sos, a música é considerada “importante coadjuvan-te”, sendo “utilizada para que [as crianças] apren-dam os conteúdos propostos mais rapidamente”, oque, para a autora, não significa, necessariamente,educação musical.

Algumas professoras também afirmaram quea música, na educação infantil, poderia ser utilizadapara a formação de hábitos. Para Souza et al. (2002,p. 65), baseadas em Tourinho (1993b), a música,nesses casos, é “concebida como um meio de con-trolar comportamentos, porém de uma forma maisamena”. Essa concepção é exemplificada nos de-poimentos a seguir:

Os meus alunos, por serem pequenos, necessitam damúsica, ou seja, canções infantis para saberem o quevamos fazer, onde, e o que mais temos para nossa

manhã ou tarde de trabalho; eles sabem que desde asaída da sala até a entrada novamente, eles precisamdas referências para o que iremos fazer.

Compreendo que, através da música, conseguimosaprender, organizar, poder de integração e trabalhofísico, pois realizamos movimentos ritmados.

Beyer (2001) destaca que o uso da músicacomo forma de organizar as crianças é comum nes-se nível de ensino. Segundo Barbosa (2000, f. 158),“uma estratégia muito utilizada nas rotinas para fa-zer essas transições entre as atividades é a de utili-zar as canções”. A autora destaca que, de acordocom a música que a professora começa a cantar, ascrianças “sabem que é hora de interromper o queestão fazendo e mudar de atividade” (Barbosa, 2000,f. 158). Segundo ela, há um vasto repertório de can-ções que são ensinadas às crianças e que têm comofinalidade marcar a transição entre as atividades. Eladestaca ainda que

Os tempos de transição são, normalmente, poucopensados pelos educadores, embora contemplem umaquestão importante que é o atribuir uma significaçãoaos acontecimentos, isto é, retirar as atividades de umrol de ações fragmentadas para um continuum. É precisocompreender como uma atividade articula-se com aoutra, como uma atividade iniciada hoje pode sercomplementada amanhã se for necessário mais tempopara a sua execução do que fora anteriormenteplanejado. (Barbosa, 2000, f. 158-159).

Uma outra justificativa encontrada entre asprofessoras investigadas foi a que concebe a músi-ca como “prazer, divertimento e lazer”. Para Souzaet al. (2002, p. 67), essa categoria sugere que a edu-cação musical “parece não ter conteúdos próprios aserem desenvolvidos; não há ensino e aprendizagemde música, mas recreação e lazer”:

Meu contexto de sala de aula aborda a música comoum elemento gostoso, prazeroso que envolve e encanta,e baseia-se na minha história de vida que também é aminha história profissional.

Nos depoimentos abaixo, a música está rela-cionada ao prazer, além de exercer a função de au-xiliar em diferentes aspectos do desenvolvimento dascrianças. Vale ressaltar que os aspectos salienta-dos pelas professoras também poderiam ser traba-lhados em outras áreas do conhecimento.

Acredito que a música tem que fazer parte do contextodiário ou, no mínimo, em aulas permanentes durante asemana; pois, além de proporcionar alegria às crianças,trabalha com outras questões como o ritmo, freioinibitório, tons de voz, linguagem.

A música é muito importante em qualquer nível, naeducação. Tudo que se deseja desenvolver: atenção;prazer; concentração; participação; memória, etc., é amúsica o elemento fundamental, é o convite irresistível.

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A música também foi considerada por umadas professoras como um “meio de transmissão devalores estéticos” (Souza et al., 2002, p. 67). O de-poimento destaca que a música, além de desempe-nhar função auxiliar para outras áreas e deixar oambiente mais alegre, desenvolve o “gosto pela arte”.

Utilizo a música no meu trabalho diário, pois acreditoque, através dela, posso desenvolver e enriquecerconteúdos dados, permitindo, assim, tornar a escolaum ambiente mais lúdico, mais prazeroso para aaquisição de novos conhecimentos e novasaprendizagens significativas. Também desenvolver noaluno o gosto pela arte e sobretudo pela música.

Para as professoras a seguir, a música pare-ce ser concebida como uma linguagem específicaou “autônoma” (Souza et al., 2002), com valor em simesma, na qual se busca o desenvolvimento musi-cal das crianças.

A linguagem musical é uma forma de organizar os sons,estabelecendo relações e gerando significados. […] Eé justamente a autoria o que me chama mais atençãona música, ou seja, a possibilidade do aluno criar e serinventor de outros possíveis. Acredito, porém, quemuitos professores não têm clareza de que a músicatrabalha a emoção, a percepção, a expressão e acriação poética, a partir da improvisação, interpretação,imitação e composição, onde o aluno passa por váriasetapas de desenvolvimento nessa construção.

Procuro garantir momentos prazerosos, divertidos navivência e exploração das diferentes músicas, explo-rando aspectos relacionados à música, ampliando orepertório das crianças, a escuta/fazer musical (canto,apreciação, improvisação…).

Nos depoimentos a seguir, as professoras tra-tam a música como linguagem específica e, ao mes-mo tempo, a relacionam, respectivamente, à possi-bilidade de desenvolver aspectos afetivos e a fun-ções terapêuticas.

Procuro trabalhar a música como elemento de, digo,como mais uma das linguagens infantis e como umaforte possibilidade de integração e estreitamento devínculos entre criança e professor e entre as própriascrianças. Considero a música uma forma de expressãoda criança (e do adulto também).

Utilizamos a música considerando-a como meio deexpressão, linguagem, como meio para desenvolverauto-estima, integração social e autoconhecimentoatravés da produção e apreciação.

Segundo Souza et al. (2002, p. 71), “buscar odesenvolvimento da capacidade musical dos alunosnão exclui, necessariamente, tratar a música sob aperspectiva da inter/multi/transdisciplinaridade oucomo meio de desenvolver outras capacidades”. ParaZabalza (1998, p. 52),

embora o crescimento infantil seja um processo globale interligado, não se produz nem de maneira homogêneanem automática. Cada área de desenvolvimento exige

intervenções que o reforcem e vão estabelecendo asbases para um progresso equilibrado do conjunto. [...]Sem dúvida, todas essas capacidades estãovinculadas (neurológica, intelectual, emocionalmente),mas pertencem a âmbitos diferentes e requerem,portanto, processos (atividades, materiais, orienta-ções, etc.) bem diferenciados de ação didática. Isso,obviamente, não impede que diversas dessas ativi-dades especializadas estejam reunidas em uma ativi-dade mais global e integradora: em um jogo podemosincorporar atividades de diversos tipos: uma unidadedidática ou um projeto reunirá muitas atividades dife-renciadas, etc.

Muitas professoras destacaram a importân-cia da música relacionando-a a argumentos que po-deriam ser transversais às demais áreas do conhe-cimento, com as quais a música também poderiadialogar. Elas parecem ter uma visão global de dife-rentes aspectos a serem desenvolvidos na educa-ção das crianças dessa faixa etária, como sugere odepoimento a seguir.

Acho [que esta] é a questão central para todas asáreas do conhecimento, estabelecer relações econstruir conhecimentos, a partir de um contexto signi-ficativo. Para construir conhecimento a criança precisaser desafiada a buscar, a descobrir, a levantar hipó-teses, a buscar soluções, a inventar outros possíveise, finalmente, a ser autora.

Essa visão parece estar relacionada à forma-ção das professoras e ao seu papel como unidocen-tes. Para Bellochio (2000, f. 119-120), o professorunidocente precisa trabalhar na perspectiva

[...] de organizar os conhecimentos, potencializar aeducação escolar e ensinar a criança a pensar e tomardecisões, considerando os entornos sociais dos locaisde aprendizagem. Para tanto impõe-se a esse profis-sional a tarefa de ser um mediador ativo e conhecedorcrítico dos percursos epistemológicos que orientam osaprendizados iniciais de seus alunos nos várioscampos do conhecimento. Não significa pensá-lo como“um sujeito” isolado em seus processos de decisãoprofissional, que não problematiza as práticaseducativas, tornando-se apenas cumpridor de cargahorária e de currículos construídos por outros.

Todavia, o conhecimento musical específicodas professoras parece não ser suficiente para queelas, na sua maioria, possam justificar a presençada música também com argumentos baseados emelementos específicos da música. Como salientadopor Souza et al. (2002, p. 72),

as professoras, em sua maioria, reconhecem a músicacomo área ou disciplina específica. Entretanto, parecemnão possuir condições de justificar suasespecificidades e defini-las em termos de valores,conteúdos, tarefas e propósitos próprios.

Das necessidades à busca de parcerias

As professoras parecem ter uma formaçãosólida em educação infantil, tanto em nível de gradu-

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ação quanto de pós-graduação. Entretanto, em mú-sica, elas apontaram para a necessidade de obteruma formação mais aprofundada. As professoras si-nalizaram para alguns aspectos que consideram re-levantes para desenvolver o ensino de música de for-ma mais fundamentada. Assim, elas destacam al-gumas necessidades, alguns obstáculos e propõemalternativas para melhorar o seu trabalho junto àscrianças pequenas.

Ao serem questionadas se encontravam al-guma dificuldade para realizar o ensino de música,47,15% das professoras disseram que sim, enquan-to que 44,72% disseram não encontrar dificuldades.Entretanto, 65,04% das professoras investigadasderam seus depoimentos sobre essa questão. Den-tre as dificuldades, 55% das professoras citaram afalta de formação musical, 26%, a falta de recursos,e 16%, a falta do professor especialista para subsi-diar seu trabalho e para atuar diretamente com ascrianças. Elas citaram alguns obstáculos que difi-cultam a realização de um trabalho mais diversifica-do e específico em música.

Os percentuais acima demonstram que a for-mação musical parece ser o maior obstáculo encon-trado pelas professoras. Elas sentem falta de co-nhecimentos teóricos e práticos. Isso faz com que,muitas vezes, as professoras sintam insegurançapara realizar o ensino de música, pois elas não têmcerteza se a forma como o realizam está correta.Assim, fazem da “forma que sabem”, como demons-tram os depoimentos abaixo:

A falta de conhecimento do que fazer e o medo deerrar são dois entraves.

Não tenho formação musical para trabalharadequadamente. Procuro me esforçar para trabalharmúsica.

Eu não tenho curso específico ou formação para tal,faço da forma mais instintiva e artesanal, de acordocom o que conheço.

Me sinto despreparada para explorar o potencial dascrianças.

Em relação aos conhecimentos musicais, al-gumas professoras (39,65%) sentem necessidadede ter tido, durante a sua formação, um ensino sis-tematizado. Elas destacam a necessidade de sabero significado de conceitos específicos da linguagemmusical e da sua aplicação no contexto de aula,como é relatado nos depoimentos a seguir.

Gostaria de ter mais conhecimento em relação aquestões teóricas referentes à música: ritmos, timbres,escalas, etc…

Pelo pouco aprofundamento na parte teórica, fica um

pouco difícil desenvolver melhor o trabalho envolvendoritmo, intensidade... e outras atividades de exploraçãoda música.

As professoras salientam que, além do co-nhecimento de elementos musicais, faltou, na suaformação musical, a prática tanto vocal quanto ins-trumental.

Às vezes sim, [enfrento dificuldades], por faltar umconhecimento mais aprofundado referente aoselementos da linguagem musical e também por não“cantar” ou tocar instrumentos musicais; isto é, pelofato de não ter uma formação específica em música.

Não tenho voz (fui excluída do coral por desafinar).Tenho dificuldade de colocar determinada músicadentro de uma letra.

A falta de conhecimento musical sistematiza-do faz com que as professoras encontrem dificulda-des para estabelecer conteúdos e objetivos musi-cais e, assim, ampliar e diversificar as atividades querealizam.

Falta de subsídio para trabalhar com a música de umamaneira mais sistematizada, um projeto de música, porexemplo.

Falta o embasamento para saber a importância de cadaitem trabalhado.

Falta de embasamento teórico sobre música. Então asatividades ficam limitadas às mesmas de sempre [...]Acredito que a música também esteja relacionada aomovimento do corpo e nas escolas faltam recursos econhecimento para relacionar.

Faltam idéias de atividades específicas para a faixaetária.

Algumas professoras destacaram que neces-sitam, além dos conhecimentos musicais, de recur-sos para a realização do ensino de música. Dentreeles, foram citados instrumentos musicais, recursosfinanceiros e bibliografia específica. Cabe ressaltarque o primeiro foi o mais citado.

O espaço físico para as aulas de música tam-bém foi citado como uma necessidade pelas profes-soras. Uma delas ressaltou que falta “espaço ade-quado” para as atividades musicais, sendo que ou-tra acrescentou que a escola poderia ter “uma saladestinada à educação musical”.

Finalmente, duas professoras salientaram quegostariam de contar com recursos financeiros paraviabilizar a saída das crianças para assistir a espe-táculos musicais. Quanto à bibliografia sobre o ensi-no de música na educação infantil, uma professorarelatou que “a bibliografia é muito restrita”. Outraacrescentou que a dificuldade está “em encontrar, àvenda ou amplamente divulgados, bons trabalhos(músicas) para crianças”.

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Ao mesmo tempo em que as professorasapontam suas dificuldades para a realização do en-sino de música na educação infantil, elas sinalizamalguns caminhos que poderiam contribuir para redu-zir as lacunas deixadas na sua formação musical,assim como para qualificar o ensino de música naeducação infantil. Nesse sentido, a maioria das pro-fessoras enfatiza a necessidade de cursos de for-mação continuada.

Os depoimentos a seguir apontam vários as-pectos da formação inicial que poderiam ser minimi-zados em cursos de formação continuada. As pro-fessoras sugerem temas considerados relevantespara subsidiar as suas práticas. Um deles é o reper-tório.

Participar de oficinas específicas nessa área, para serenovar o repertório e aprofundar melhor a influênciada música no desenvolvimento infantil.

Falta atualização, aprender novas músicas e jogoscantados para trabalhar com as crianças.

Foi ressaltado que seria importante que oscursos de formação, como “oficinas de canto”, pu-dessem contribuir para a melhoria da saúde vocaldas professoras e, como conseqüência, para o seudesempenho em sala de aula. A prática instrumentaltambém foi citada por uma das professoras:

Trabalho em uma escola de educação infantil e perceboque a assessoria da Smed [Secretaria Municipal deEducação] não costuma oportunizar aos profissionaiscursos (oficinas) de educação musical, o básico (umaflautinha), algo mais específico para os interessados.

Para haver continuidade no processo de for-mação musical, as professoras sugeriram que aSmed deveria oferecer cursos e assessoria para ori-entar as suas práticas pedagógico-musicais.

Não existe uma orientação especializada dentro daSmed.

Não temos assessoramento ou cursos, seminários,etc., nesse sentido, nessa área. Antigamente haviaformação para as professoras infantis.

Acho que a nossa secretaria poderia nos ajudar aprogramar encontros, como nos anos 79/80 em que,uma vez por mês, trabalhávamos com sucatas, músicase atividades corporais. Nós que somos dessa épocanos sentíamos muito mais capacitadas, pois a trocaera grande. Os encontros sempre foram muito bemaproveitados.

Além dos cursos de formação, algumas pro-fessoras salientaram que o professor de música po-deria subsidiar as suas práticas pedagógico-musi-cais, sugerindo um trabalho compartilhado entreunidocente e especialista, como é apontado nos re-latos a seguir.

[Ter] pessoas especializadas que pudessem nos darapoio. Nosso trabalho é muito solitário!

Falta um especialista em música na escola que orienteos educadores.

Para algumas professoras, o professor espe-cialista em música poderia abordar questões espe-cíficas que, talvez, não tenham sido contempladasna sua formação, tais como a execução vocal e ins-trumental, ampliando, assim, o repertório das crian-ças. Também foi salientado que o especialista pode-ria atuar no ensino de música junto às crianças.

Gostaria de mais experiências com profissionais demúsica que pudessem trabalhar diretamente com ascrianças.

Acho que seria importantíssimo ter um profissional daárea de música para trabalhar semanalmente questõesespecíficas com os alunos.

[Gostaria] que as crianças tivessem a oportunidade deter uma profissional na área para trabalhar com osmesmos.

Cabe destacar que alguns educadores musi-cais vêm discutindo, principalmente nas séries inici-ais, a quem cabe ensinar música, se ao professorespecialista ou ao unidocente. Bellochio (2000), porexemplo, acredita que se deva investir na formaçãomusical do professor unidocente. Defende ainda quedeve haver parceria, em que unidocente e professorespecialista desenvolvam um trabalho compartilhado.

[O professor unidocente] “deve” trabalhar com músicano cotidiano de suas atividades, com possibilidades elimites, sob pena de perder-se o espaço garantido naforma da Lei e a sua representação mediadora noprocesso de desenvolvimento de seus alunos. (Bellochio,2000, f. 365).

Souza et al. (2002) também destacam que épreciso investir na formação musical do professorunidocente, potencializando o trabalho colaborativoentre o especialista e o unidocente, o que poderácontribuir para a construção de práticas pedagógi-cas mais significativas aos alunos e para um maiordesenvolvimento da educação musical nas escolas.O trabalho integrado entre unidocente e especialistapode ser mais abrangente, pois o primeiro “medeia oprocesso de ensino junto aos seus alunos” (Bellochio,2000, f. 119), enquanto que o segundo tem o conhe-cimento voltado às especificidades da música.

As professoras também destacaram que épreciso articulação por parte das instituições paraque elas possam realizar um trabalho que ultrapas-se os limites da escola, como salienta a professoraa seguir:

Deveria existir um intercâmbio maior entre as insti-tuições, como teatros, Ospa [Orquestra Sinfônica de

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Porto Alegre], orquestras, bandas, corais, estudantesde música, conjuntos irem às escolas ou convidar asescolas para participar.

Além de sinalizar alguns caminhos que pode-riam contribuir para enriquecer o ensino de músicana educação infantil, as professoras procuram sub-sídios, dentro das suas possibilidades, para minimizaras carências tanto dos conhecimentos pedagógico-musicais quanto de recursos.

Em minha formação tive educação musical somente nomagistério, porém tenho buscado subsídios em livros[e com] colegas.

Uma vez que não contamos com um professorespecializado de música, falta o embasamento para sabera importância de cada item trabalhado. Utilizo materiaisque possam me subsidiar da Internet, livros, etc.

A escola possui um bom acervo de CDs e aparelho desom. Sempre funcionando. Através das “trocas” comoutros professores e de leituras posso “inovar” orepertório musical.

Tenho sentido mais segurança após a formação doprojeto Poema,1 onde preciso planejar um projeto eatividades específicas.

Em função de ter participado de oficinas e grupos quepropõem atividades e momentos de sensibilização damúsica [não encontro dificuldades para realizar oensino de música].

Os depoimentos das professoras sugeremque elas gostariam de ter mais autonomia em relaçãoàs práticas musicais na educação infantil. Por isso,tantas citam a formação como meio de suprir assuas dificuldades. Assim, a professora a seguirdestaca:

A maioria dos professores que conheço procuratrabalhar com música, mas vejo neles o que acontececomigo: gostar não é o suficiente. Os cursos nãopreparam; desde cedo, a criança precisa sentir que oeducador gosta de cantar, de se envolver com a música.

Conforme relata uma professora, a “carênciade cursos de qualificação para professores ‘empo-brece’ as possibilidades” de trabalho na educaçãoinfantil.

Considerações finais

A partir dos depoimentos das professoras,percebe-se que as elas gostariam de ter mais segu-rança para realizar o ensino de música na educaçãoinfantil. Nesse sentido, elas citam, nesta ordem, anecessidade de formação, de parcerias com profes-sores de música e de mais recursos para ampliar aspossibilidades de realização de um trabalho mais

amplo e diversificado com as crianças.

No entanto, para qualificar e fortalecer a edu-cação musical na educação infantil é necessário queaconteçam ações mais abrangentes. As professo-ras se mostram disponíveis e buscam parcerias. Osdois depoimentos a seguir mostram que talvez nãosejam as atividades isoladas que farão com que essequadro se modifique:

Acredito que deveríamos ter uma política de educaçãoinfantil que contemplasse a música com contato comprofessores, músicos fazendo uma parceria com asescolas infantis e até formações de musicalização paraprofessores.

Acho importante a música para o desenvolvimentocognitivo, emocional e estético da criança; para isso énecessário um especialista nesta área. Percebo, assim,a necessidade de uma política educacional voltada parao desenvolvimento musical, principalmente na educaçãoinfantil.

Ao manifestar desejo de ampliar seus conhe-cimentos musicais e preocupação com políticas deeducação musical, as professoras também demons-tram interesse em melhorar suas práticas. Mesmoencontrando dificuldades quanto à formação ou emrelação aos recursos disponíveis para a realizaçãodas práticas pedagógico-musicais, a maioria dasprofessoras demonstra que quer e pode assumir amúsica na educação infantil. Isso não significa de-fender que o professor unidocente substituirá o es-pecialista em música. Como destaca Figueiredo(2004, p. 60), ambos “poderiam ser preparados paraentender a escola nas suas múltiplas perspectivas”.

Os resultados revelam que as professoras têmbuscado subsídios de várias formas, por iniciativaprópria. Elas procuram fundamentar seu trabalhoampliando sua formação, mas o fazem isoladamen-te. Entretanto, o professor é um componente de umsistema educacional que tem princípios comuns paraum grande grupo. Portanto, para melhorar e fortale-cer a educação musical na educação infantil é ne-cessário que aconteçam ações abrangentes. O PNE(Brasil, 2000) destaca que, “além da formação aca-dêmica prévia, requer-se a formação permanente,inserida no trabalho pedagógico, nutrindo-se dele erenovando-o constantemente” (Brasil, 2000). É nes-se sentido que Bellochio (2004, p. 76) sustenta se-rem necessárias “ações políticas e educacionaisconcretas que valorizem a formação e a profissão doprofessor, possibilitando dignidade na execução datarefa educativa na escola”.

_____________________________________________________________________________________________________________

1 Poema: Projeto Ospa [Orquestra Sinfônica de Porto Alegre] de Educação Musical Aplicada, desenvolvido no ano de 2004 ecoordenado pela professora Dra. Liane Hentschke.

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Isso aponta para a necessidade de organiza-ção de parcerias e ações entre governos e institui-ções educacionais. Essa parceria, que valorize e leveem conta as práticas pedagógico-musicais das pro-fessoras, poderia contribuir, de forma mais efetiva,para a construção de um conjunto de políticas envol-vendo a formação de professores e a elaboração depropostas para esse nível de ensino.

Esperamos que, ao identificar a formaçãomusical como a principal necessidade das profes-soras, este trabalho possa contribuir para repensaro papel da música nos currículos dos cursos de pe-dagogia, assim como os cursos de formação conti-nuada para os professores unidocentes.

Referências

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Recebido em 28/02/2006

Aprovado em 03/04/2006

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O canto espontâneo da criançade zero a seis anos: dos balbucios

às canções transcendentes

Maria Betânia ParizziUniversidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)

[email protected]

Resumo. Este artigo apresenta um estudo detalhado da trajetória do canto espontâneo da criança,desde os balbucios, típicos dos bebês, até aqueles denominados neste trabalho como cançõestranscendentes, característicos de crianças de cinco e seis anos de idade. A ampla revisãobibliográfica indicou que o canto espontâneo, até em torno dos seis anos, parece ter um cursoevolutivo previsível, análogo ao desenvolvimento cognitivo e musical da criança. Após este período,torna-se fundamental o papel do educador musical e de um ambiente sociocultural pleno depossibilidades para que a criança continue seu processo de desenvolvimento musical.

Palavras-chave: canto espontâneo, educação musical, desenvolvimento cognitivo

Abstract. This paper presents a detailed study of children’s spontaneous singing, starting fromsmall babies’ babbling, to transcendent songs, typical of five and six year old children. Our literaturepointed out a predictable evolutionary course for children’s spontaneous singing, which indicates itspossible relationship with their cognitive and musical development. After this period, the musiceducator plays an important role in children’s musical development, as well as the social and culturalenvironment.

Keywords: spontaneous singing, music education, cognitive development

Conceituação

O canto espontâneo é uma das mais impor-tantes formas de expressão da criança, tão signifi-cativa quanto o desenho, a gestualidade e o comporta-mento infantil (Parizzi, 2005a, p. 445). No entanto,ao contrário do que acontece com o desenho e comos modos infantis, essa forma de manifestação nãoconseguiu ainda assumir um papel de igual relevân-cia na comunidade científico-acadêmica.

[…] enquanto os jogos sociodramáticos infantis e outrasformas de brincar das crianças já têm sido objeto deextensas pesquisas, o jogo musical, entretanto,continua sendo negligenciado nesse sentido. O estudoda música da criança como um gênero próprio distintodo mundo adulto ainda é raro. (Gluschankov, 2002, p.39, tradução minha).

O fato de ser a música uma manifestação ar-tística exclusivamente temporal contribui de formadecisiva para que a produção musical da criança sejapouco conhecida. Associada muitas vezes ao atode brincar (Parizzi, 1987, p. 448), essa música fluirapidamente, sendo complexo registrá-la ou mesmoobservá-la, como afirma Dowling (1984, p. 148, tra-dução minha): “A música da criança é fugaz na me-dida em que ela ocorre muitas vezes de maneiraimprevisível, podendo ser interrompida pela criançasob qualquer pretexto, o que dificulta o seu registro.”

Um aspecto fundamental que caracteriza ascomposições de crianças até seis anos é que elas

PARIZZI, Maria Betânia. O canto espontâneo da criança de zero a seis anos: dos balbucios às canções transcendentes. Revistada ABEM, Porto Alegre, V. 15, 39-48, set. 2006.

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são profundamente diferentes da música produzidapor crianças mais velhas e da produção musical dosadultos (Parizzi, 1986, p. 24). Essas diferenças e oestranhamento que causam justificam porque mui-tos não as consideram como música. Gluschankov(2002, p. 38) acredita que isso acontece porque osadultos tendem a ouvir a música da criança pequenaatravés dos mesmos padrões perceptivos com osquais se relacionam à produção musical de pesso-as adultas (Moorhead; Pond, 1942 apud Gluschan-kov, 2002, p. 38). Etnomusicólogos como Blacking(apud Gluschankov, 2002), Campbell (1998), Nettl(1983) e Glover (apud Gluschankov, 2002, p. 38) con-sideram de suma importância que a música produzi-da por crianças pequenas seja considerada um gê-nero musical distinto, pois ela tem característicaspróprias e não deve ser, portanto, considerada umaimitação incompetente e frágil da música produzidapelos adultos.

São muitos os termos utilizados pelos auto-res para se referirem à produção musical da criança.Swanwick (1988, p. 60) define como “composição”desde os balbucios iniciais dos bebês até as cria-ções vocais ou instrumentais mais elaboradas com-postas por crianças maiores. Sloboda (1985, p. 202)e Hargreaves (1986, p. 67) utilizam o termo “cantoespontâneo” para se referirem à música vocal produ-zida pela criança a partir de um ano e meio de idade.Devido à maior especificidade desse termo, optamospor utilizá-lo neste trabalho.

Origem e evolução do canto espontâneo

Durante o seu primeiro ano de vida, o bebêproduz “balbucios musicais” (Moog apud Sloboda,1985, p. 201) muito semelhantes aos sons utiliza-dos por ele em sua comunicação pré-verbal. Váriosautores afirmam que existem relações profundasentre a fala e os sons musicais produzidos pelosbebês, o que torna difícil a distinção entre estes doismodos vocais (Moog apud Dowling, 1984, p. 145;Papousek, H., 1996, p. 42). Da mesma forma, é difí-cil afirmar qual dessas duas categorias emerge pri-meiro na evolução humana (Papousek, H., 1996, p.42). O que se tem observado é que a criança aonascer já dispõe de um trato vocal que lhe permite, apartir de uma motivação intrínseca, explorar e brin-car com os sons, bem antes de ser capaz de falar(Papousek, M., 1996, p. 88).

Os sons musicais podem ser alterados demuitas formas para finalidades musicais ou de co-municação, principalmente através de mudanças detimbre, altura, intensidade e duração (Papousek, H.,1996, p. 42). O bebê brinca com sua voz provavel-mente com o objetivo de explorar todas essas pos-

sibilidades (Dowling, 1984, p. 145). A fala humanaacrescenta qualidades fonéticas que possibilitam aprodução de consoantes e sílabas, as quais sãoconcatenadas de acordo com regras gramaticais,próprias da cultura vigente (Papousek, H., 1996, p.42). Analogias entre a fala e a música vocal constitu-em importantes referências para estudos sobre am-bos os assuntos e podem fornecer indícios significa-tivos a respeito de suas origens evolucionárias. Umaligação óbvia entre a linguagem e a música vocal é otrato vocal humano, que funciona como órgão da falae como um instrumento musical. Segundo Sloboda(1985, p. 18), o meio natural para a fala e a música éo “auditivo-vocal”. Ambas são percebidas como se-qüências de sons e produzidas através de movimen-tos vocais. Estudos têm priorizado a compreensãoda maneira como são processados e produzidos ossons melódicos que acontecem nos primeiros me-ses de vida da criança e a influência fundamental depais e cuidadores nesse processo (Papousek, H.,1996, p. 37), assunto tratado a seguir.

O papel dos adultos no desenvolvimentomusical e na capacidade de comunicação dacriança

Hanus Papousek (1996, p. 38) enfatiza queestudos realizados no contexto sociocultural dascrianças têm elucidado a importante atuação dospais e cuidadores (caregivers) como “professorescompetentes” da língua materna e como mediado-res das influências culturais. Essa atuação, impres-cindível para o desenvolvimento da capacidade decomunicação da criança, ocorre de forma inconsci-ente, através de intervenções intuitivas.

[…] os meios de adaptação evolucionária de umaespécie são fundamentados em uma co-evolução depredisposições universais existente entre pais efamiliares, as quais emergem durante a ontogenia esão controladas por sistemas inconscientes deregulação de comportamento. (Papousek, H., 1996, p.38, tradução minha).

A forma como pais e cuidadores alteram suaforma de falar quando se dirigem aos bebês é umexemplo típico desta predisposição inconsciente.Desde cedo, pais e bebês compartilham de um “al-fabeto pré-lingüístico”, utilizando alterações de tim-bres, altura e contornos melódicos; mudanças deintensidade e de acentuações; padrões temporais erítmicos específicos. Todos esses recursos, tão pró-prios da música, são utilizados tanto na fala dirigidaaos bebês quanto nos sons vocais produzidos poressas crianças (Papousek, M., 1996, p. 90).

Pais e cuidadores demonstram propensão intuitiva parafalar ao recém-nascido e para lhe propiciar o primeirocontato com a educação musical. Eles ajustam os

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estímulos vocais, visuais, gestuais e táteis de forma air ao encontro das capacidades perceptuais e cognitivasdo bebê, enquanto respeitam as preferências elimitações da criança. Essa atuação facilita e colaborapara o desenvolvimento das primeiras competênciasmusicais da criança. (Papousek, M., 1996, p. 90,tradução minha).

Pais e cuidadores utilizam sua voz num re-gistro bem mais agudo (até duas oitavas acima doseu registro normal), falam mais devagar e criampausas entre as frases, as quais são usualmentemais curtas e ritmadas (Fernand; Simon, 1984 apudPapousek, M., 1996, p. 90). Estudos realizados pelocasal Papousek revelam que existe universalidadenas formas e nas funções dos elementos musicaisutilizados por pais e bebês em sua comunicaçãopré-verbal (Papousek, M., 1996, p. 90). Pais ecuidadores das mais diversas culturas apresentamaos bebês modelos de sons vocais, estimulam aimitação desses sons, recompensam os bebês porsua atuação e, didaticamente, ajustam essa inter-venção às possibilidades de vocalização da criançanaquele momento. Essa universalidade aponta parauma predisposição biológica comportamental de paise bebês, ao invés de tendências de comportamentotransmitidas através da cultura (Papousek, M., 1996,p. 92).

Os balbucios musicais e a comunicação pré-verbal dos bebês

Três níveis de expertise vocal emergem,gradativamente, durante o desenvolvimento pré-ver-bal dos bebês, como conseqüência da predisposi-ção inconsciente de pais e cuidadores (Papousek,H., 1996, p. 44). O primeiro nível, observado em tor-no dos dois meses de idade, ocorre quando avocalização inicial do bebê, dependente de seu pa-drão respiratório, evolui para sons eufônicos prolon-gados. A criança torna-se capaz de produzir e demodular, através de vogais, seus primeiros sonsmelódicos vocais. A fala dos pais direciona, de for-ma intuitiva, a vocalização dos bebês nesse senti-do. Hanus Papousek (1996, p. 44) afirma que essessons são muitas vezes interpretados como “merasexpressões de mudanças de humor da criança”, masque, entretanto, eles representam um indício impor-tante do seu desenvolvimento cognitivo. Essa novaforma de vocalização através de modulações meló-dicas constitui-se num importante recurso para asbrincadeiras vocais, típicas dos bebês, e, um poucomais tarde, para a aquisição da fala (Papousek, H.,1996). Essas modulações melódicas permanecemno repertório vocal das crianças, incentivadas intuiti-vamente por pais e cuidadores, mesmo após a aqui-sição da fala. Segundo Dowling (1984, p. 54), elaspermitem que as crianças, durante seu segundo ano

de vida, sejam capazes de esboçar vocalizações dis-tintas da fala e reconhecidas nitidamente como can-ções. Esse assunto será tratado mais adiante.

A segunda fase de expertise inicia-se por vol-ta dos quatro meses de idade, sendo caracterizadacomo um “jogo exploratório” através do qual o bebêexpande seu repertório vocal (Papousek, M., 1996,p. 104). Ele passa a ser capaz de produzir consoan-tes (utilizando o trato vocal superior), de brincar coma voz, utilizando alturas, intensidades e timbres dife-rentes (Papousek, M., 1996, p. 104). Essa fase éparticularmente relevante em relação às competên-cias musicais iniciais da criança, pois envolve suacapacidade criativa intrínseca. Segundo Moog (apudSwanwick, 1988, p. 59), o “balbucio musical”, típicodessa fase, está relacionado ao fascínio da criançapelo som e ao prazer de dominá-lo e de controlá-lo.Nesse período, os bebês parecem usar sua voz comoseu brinquedo favorito e passam a ser capazes derepetir sons descobertos por acaso e de repetir oumodificar, com alegria, sua própria produção vocal(Papousek, M., 1996, p. 105). Os balbucios dos be-bês nessa fase são caracterizados por “glissandosmicrotonais”, que percorrem suavemente uma exten-são melódica (Sloboda, 1985, p. 200), e pelo fato de“não guardarem relação de altura ou de ritmo com orepertório musical tocado em casa” (Moog, 1976, p.62, tradução minha).

Pais e cuidadores também participam intuiti-vamente desse jogo vocal. Eles tendem a imitar ossons emitidos pelos bebês e a fornecer modelos vo-cais, repletos de alterações de andamento, de in-tensidade, altura, de timbre, os quais serão rapida-mente absorvidos pela criança (Papousek, M., 1996,p. 105). O jogo vocal atinge seu ponto culminantepor volta do sexto ou sétimo mês de vida, mas con-tinua durante as fases subseqüentes do desenvolvi-mento vocal do bebê, constituindo-se também numpré-requisito importante para a aquisição da fala eda capacidade de cantar. Segundo Trevarthen (2004,p. 22), os relacionamentos iniciais entre pais e be-bês se desenvolvem de forma semelhante a uma “nar-rativa”, cujos significados são intersubjetivos econstruídos mutuamente, o que contribui decisiva-mente na construção das memórias e da identidadedo indivíduo. O comportamento musical do bebê coma intenção de chamar a atenção das pessoas podeser considerado uma forma inicial de manifestaçãode sua identidade social como membro de um grupo– “um grupo cujos hábitos, experiências e habilida-des são valorizados pelos laços que eles represen-tam e reforçam” (Trevarthen, 2004, p. 22, traduçãominha). A exploração da musicalidade intrínseca éuma forma de demonstração da aceitação de umamigo ou de um grupo.

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Quando um bebê de seis ou sete meses de idadereconhece uma canção e se movimenta com ela é comose ele estivesse sendo identificado por seu nome, comose ele estivesse mostrando seu “eu social” no âmbitoafetivo de sua convivência familiar. (Trevarthen, 2004,p. 22, tradução minha).

O terceiro nível de expertise é caracterizadopela capacidade da criança de reproduzir o que HanusPapousek (1996, p. 44-45) e Mechthild Papousek(1996, p. 102-106) denominam “balbucios canônicos”,os quais se caracterizam pela repetição de sílabas,como “mamama ou dadada”. Locke (1990, p. 621)afirma que essas sílabas canônicas são comuns atodas as línguas do mundo e representam as “unida-des mínimas rítmicas e universais” de todas as lín-guas faladas (Oller; Eilers, 1992, p. 174-191). Essafase, considerada um marco importante para o de-senvolvimento da fala, inicia-se por volta dos setemeses, prolongando-se até em torno dos onze me-ses de idade. Para dar início a esse processo, paise cuidadores tendem a substituir a estratégia utiliza-da na fase anterior pela repetição de sílabas ritmica-mente regulares, apresentadas aos bebês em formade melodias e não através da fala. Essa nova estra-tégia vem normalmente acompanhada de atividadesmotoras envolvendo movimentos rítmicos regulares(Thelen, 1981, p. 237-257). Moog (apud Sloboda,1985, p. 201), constatou que bebês a partir de seteou oito meses de idade, ao serem estimulados pelaaudição de obras vocais e instrumentais, costumamreagir a este estímulo sonoro balançando o corpo deum lado para o outro, quando assentados, e movimen-tando-se para cima e para baixo, se estiverem de pé.

Observa-se que nesse nível de expertise paise cuidadores atribuem um significado denotativo aoque é dito (Parizzi, 2003), pois eles passam, intuiti-vamente, a atribuir significados às sílabas articula-das pelos bebês, nomeando pessoas, objetos e even-tos próprios do ambiente da criança. Esses sonsproduzidos pelos bebês, portanto, vão se transfor-mando em palavras.

Quando o bebê consegue falar as primeiras palavrasdistintas, os pais passam a interpretá-las, utilizandoexplicações racionais; a influência cultural e o pensa-mento racionalista tornam-se cada vez mais evidentesna atuação dos pais, que têm como objetivo o desenvol-vimento da competência de seus filhos para falar.(Papousek H., 1996, p. 45, tradução minha).

Após completar um ano de idade, as vocali-zações dos bebês começam a trilhar dois caminhosdistintos, visando ora a fala, ora o canto, como vere-mos a seguir.

O surgimento do canto espontâneo nosegundo ano de vida

Os sons emitidos pelos bebês para falar e para

cantar vão se diferenciando progressivamente duranteseu segundo ano de vida (Dowling, 1984, p. 145).Segundo Sloboda (1985, p. 202), essa grande mu-dança pode ser nitidamente observada a partir deum ano e meio de idade. A fala passa a ser utilizadapela criança com a finalidade de comunicação e asvocalizações passam a ser claramente percebidascomo cantos espontâneos. Esses cantos iniciais sediferenciam da fala pela utilização de vogais canta-das com afinação instável, pela reprodução de inter-valos melódicos distintos e pela utilização de pulsostendendo à regularidade, no âmbito de cada frase(Dowling, 1984, p. 145). Segundo Gardner (apudSloboda, 1985, p. 200), a reprodução de intervalosmelódicos distintos somente acontece a partir dos18 meses de idade. Os intervalos mais freqüentesnessa faixa etária são os de segunda e terça, maio-res e menores. A afinação errática, não temperada,que caracteriza os cantos dessas crianças, tende asoar como “desafinada” aos ouvidos dos adultos(Dowling, 1984, p. 145). Segundo Koellreutter (apudParizzi, 1986), essa afinação não temperada estárelacionada ao fato de que a criança pequena aindanão divide racionalmente o tempo (passado, presen-te e futuro) e o espaço; assim, ela não é capaz deseparar os sons a ponto de obter uma afinação tem-perada.

É também importante enfatizar que os pulsosregulares observados por Dowling (1984) acontecemnormalmente em forma de impulsos rítmicos, comotambém aponta Koellreuter (1984). Este autor refe-re-se a essa manifestação como “pulso mágico vi-tal”. Sloboda (1985, p. 203) recorre à palavra “primiti-va” para se referir a essa mesma forma de manifes-tação rítmica. Segundo este autor, a criança, comfreqüência, utiliza em seus cantos a repetição su-cessiva de sons com a mesma duração. As interrup-ções do fluxo melódico, muito comuns nessa faixaetária, parecem estar relacionadas à respiração dacriança, e não a uma necessidade de se criar dife-renciações rítmicas. Segundo Dowling (1984, p. 146),a regularidade desses impulsos rítmicos seria, nes-se momento, uma importante característica no sen-tido de diferenciar o canto espontâneo da fala.

Outro fato importante é que, apesar de a cri-ança após completar um ano de vida já ter começa-do a falar, raramente utiliza palavras em seu cantoespontâneo (Sloboda, 1985, p. 202). Moog (apudSloboda, p. 202) observou que uma única palavra oupartes de palavras podem ocorrer “espalhadas emum fluxo de sílabas sem sentido”, ou no início de umcanto espontâneo, o qual normalmente se desenvol-ve apenas com a repetição de uma única sílaba des-sa palavra.

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Moog (apud Swanwick, 1988, p. 59) identifi-cou outra mudança importante que pode ocorrer, apósa criança completar um ano e meio. Ela passa aadequar seus movimentos corporais ao pulso damúsica que estiver ouvindo. Swanwick (1988, p. 59,tradução minha) argumenta que, apesar de nem to-das as crianças reagirem dessa maneira, esse fatopode ser considerado “um primeiro presságio de res-posta ao caráter expressivo da música”. Segundoeste autor, é observada “uma imitação física de ges-tos e de caráter que, embora se torne cada vez me-nos freqüente ao longo da infância, pode ser consi-derada uma das primeiras respostas imitativas dacriança” (Swanwick, 1988, p. 59, tradução minha).Porém, a imitação da melodia e dos ritmos de can-ções conhecidas somente deverá ocorrer por voltados dois anos, como veremos adiante.

É possível identificar variações em torno deum mesmo canto espontâneo produzido por umacriança durante alguns dias ou semanas. Porém,após esse período, os padrões utilizados tendem adesaparecer e são substituídos por outros (Dowling,1984, p. 145). Dowling (1984) relata nunca ter obser-vado padrões recorrentes que durassem mais do queseis semanas em cantos espontâneos de criançasantes de dois anos de idade. Este autor observoutambém que esses cantos ainda não guardam se-melhança com o repertório básico conhecido pelascrianças. Dowling chegou a essas conclusões a partirde um importante estudo longitudinal do canto es-pontâneo de suas duas filhas, realizado no períodoem que elas tinham entre um e três anos e meio deidade.

O canto espontâneo da criança dos dois aostrês anos

O canto espontâneo da criança sofre profun-das modificações durante seu terceiro ano de vida.Ele torna-se mais longo e começa a mostrar umacerta organização interna (Sloboda, 1985, p. 203).Repetições melódicas e rítmicas, aparentementeintencionais, começam a ser notadas. SegundoSloboda (1985, p. 204, tradução minha),

em torno dos dois anos e meio, a criança parece tercompreendido que a música é construída em torno deintervalos preestabelecidos e que a repetição depadrões rítmicos e melódicos é a pedra fundamental dofenômeno musical.

Porém, as relações hierárquicas, capazes decriar uma direção para esses padrões rítmicos emelódicos, não foram ainda absorvidas pela criança.Seus cantos, nessa idade, são “errantes”, pois po-dem continuar durante um longo tempo, sem nenhu-ma previsibilidade quanto ao seu final. A decisãoquanto ao momento de finalizá-los é inteiramente

arbitrária (Sloboda, 1985, p. 204). Essa imprevisi-bilidade é enfatizada por Swanwick (1988) como umaimportante característica da música produzida no nívelsensorial do Modelo Espiral.

Em suas melodias, a criança pode utilizar,além dos intervalos de segunda e terça, intervalosde quarta e quinta, porém ainda com afinação apro-ximada (Sloboda, 1985, p. 202). É importante obser-var que, embora não exista ainda um centro tonalestável, às vezes certa coerência tonal no âmbito decada frase pode ser observada.

Segundo Hargreaves (1986, p. 69-70), os can-tos espontâneos criados por crianças em torno dedois ou três anos de idade tendem a soar como “es-boços” de canções. O que se percebe é que elas jápossuem alguma idéia do que seja uma canção, masnão se atêm a detalhes como a precisão das rela-ções de alturas e de duração. Essas canções seri-am análogas às primeiras tentativas da criança dedesenhar seres humanos, representados normalmen-te por um círculo de onde emergem quatro traçosque seriam os braços e as pernas (Hargreaves, 1986,p. 69). Também de forma análoga, entre dois e trêsanos de idade, a criança tende a criar “esboços” dehistórias, constituídas apenas de início e fim (Mandler;Johns apud Davies, 1992, p. 23). Porém, os finaissão imprevisíveis e arbitrários, como confirmaSloboda (1985, p. 204).

Outra conquista apontada por Moog (1976),Gardner et al. (1981) e Sloboda (1985) é que a crian-ça, a partir de dois anos, passa a fazer tentativas deimitar canções que escuta em seu meio ambiente.O primeiro aspecto a ser imitado são as partes maisevidentes de algumas palavras repetidas ao longoda canção. O que se percebe é que essas palavras,ou seus fragmentos, ao serem repetidos indefinida-mente, vão sendo progressivamente incorporados aocanto espontâneo da criança (Sloboda, 1985, p. 204).Outro aspecto imitado nessa fase são alguns pa-drões rítmicos e melódicos de canções próprias dacultura da criança, ainda mantendo a tendência deimitar contornos melódicos e não as alturas exatas(Sloboda, 1985, p. 204-205). É importante enfatizarque neste processo imitativo as crianças vão, aospoucos, se tornando capazes de transcender osmodelos musicais que lhes são oferecidos (Dowling,1984, p. 157). Em um processo análogo ao da aqui-sição da linguagem, a criança não copia os modelossimplesmente, mas desenvolve formas de represen-tação mental cada vez mais sofisticadas em res-posta à música de sua cultura (Dowling, 1984, p.157). Davies (1992, p. 23) e Donaldson (apud Davies,1992, p. 23) enfatizam a importância dessa habilida-de da criança de abstrair idéias rítmicas e melódi-

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cas e usá-las apropriadamente em outros contex-tos. Sobre essa questão, McKernon (1979, p. 57,tradução minha) afirma que “a criatividade musicaltem pelo menos uma de suas raízes nas experimen-tações utilizadas pelas crianças em seus cantosespontâneos”.

O canto espontâneo da criança de três anos equatro anos

A partir dos três anos de idade, a criança ad-quire a capacidade de reproduzir ou de imitar inteira-mente canções de sua cultura. O ritmo e o contornomelódico são apreendidos mais rapidamente. Porém,a afinação precisa dos intervalos e a permanêncianuma mesma tonalidade somente devem ocorrer maistarde, como veremos (Sloboda, 1985, p. 205). O re-flexo imediato da aquisição dessa capacidade deimitação na produção musical da criança é que seuscantos espontâneos tornam-se mais longos. Essacaracterística é amplamente confirmada porSwanwick (1988) quando este autor afirma que, nonível manipulativo do Modelo Espiral, as criançasdemonstram um grande prazer de repetir procedi-mentos musicais já dominados tecnicamente por ela,o que acaba por favorecer produções musicais maislongas. Segundo Swanwick (1988), o nível manipu-lativo e os demais níveis localizados ao lado direitode seu modelo caracterizam-se por serem aco-modativos. Portanto, eles se referem ao que a crian-ça apreende do mundo exterior, através da subordina-ção de seu pensamento a modelos externos, ou seja,à música de sua cultura. Reforçando o pensamentode Swanwick, Moog (apud Sloboda, 1985, p. 205)acrescenta que, embora nessa idade os cantos es-pontâneos possam durar vários minutos, eles ocor-rem com menor freqüência, pois a criança está muitomais interessada em cantar as canções que aprendepor imitação do que em criar as suas próprias.

Uma inovação significativa que ocorre por vol-ta dos três ou quatro anos de idade é a modalidadede canto espontâneo, denominada por Moog (1976,p. 115) “pot-pourri”, criada a partir de fragmentos decanções conhecidas. Em outras palavras, a criançacria sua música “colocando numa mesma cançãopartes de canções conhecidas”, elaborando sua pró-pria versão dessas canções. Palavras, linhas meló-dicas e células rítmicas são “misturadas, alterna-das, separadas e unidas novamente de uma novamaneira, constituindo-se assim uma idéia original”(Moog apud Sloboda, 1985, p. 205, tradução minha).

Próximo aos quatro anos de idade, surge tam-bém outra forma de canto espontâneo, a canção “ima-ginativa ou narrativa”, através da qual a criança con-ta suas próprias histórias (Moog, 1976, p. 115). Qual-

quer palavra ou trecho de canções conhecidas podeser incorporado às canções imaginativas, desde quese encaixem na história. Moog relaciona os “pot-pourris” e as “canções imaginativas” à forma comoas crianças brincam nesse período de suas vidas.“Os brinquedos e demais objetos podem ser arranja-dos e rearranjados de várias maneiras, de acordocom as possibilidades criadas pelo jogo. Assim, namúsica, a criança analogamente arranja e rearranjaeventos no tempo” (Moog apud Davies, 1992, p. 22,tradução minha).

Essas duas modalidades de canto espontâ-neo foram interpretadas por Swanwick e Tillman (1986,p. 310, tradução minha) como “indícios do jogo ima-ginativo, os quais emergem das novas relações es-truturais formadas a partir de fragmentos de cançõesjá absorvidas previamente pela criança”. Em outraspalavras, no jogo imaginativo, as crianças estabele-cem “as regras para seu mundo” (Swanwick apudFrança, 1998, f. 97), utilizando os esquemas jáinternalizados, portanto já assimilados por ela(Wadsworth, 1993, p. 52-53).

Portanto, nessa fase, ao mesmo tempo emque a criança já é capaz de imitar inteiramente ascanções que escuta em seu meio ambiente, demons-trando grande interesse em fazê-lo, ela adquire ahabilidade de reorganizar todas essas idéias musi-cais, criando assim sua própria música, num pro-cesso contínuo de assimilação e acomodação.

O período de maior produção de “pot-pourris”e canções “imaginativas” acontece durante os três equatro anos de idade, apresentando depois umdeclínio progressivo, como veremos a seguir (Moogapud Davies, 1992, p. 22).

O canto espontâneo da criança de cinco e seisanos

A partir dos cinco anos, a freqüência do cantoespontâneo diminui ainda mais, exceto quando ascrianças são incentivadas nesse sentido (Sloboda,1985, p. 206). A criança já tem o domínio da lingua-gem verbal, mas o seu desenvolvimento musical,entretanto, não evolui com a mesma intensidade:

[…] o processo musical da criança por volta dos quatroou cinco anos de idade está longe de atingir o mesmonível de desenvolvimento de sua linguagem,provavelmente porque a criança recebe estímulos dosadultos para falar e não para fazer música.(Swanwick,1988, p. 60, tradução minha).

Sloboda (1985, p. 206, tradução minha) afir-ma que nessa idade “a criança tem uma maior cons-ciência de si e está preocupada em evitar erros e emser precisa nas suas imitações”. Moog lembra que

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crianças nessa faixa etária gostam de ouvir as mes-mas canções e histórias durante muitas semanas ecostumam também repetir os mesmos desenhos ecantar as mesmas músicas durante um longo perío-do (apud Sloboda, 1985, p. 206).

As crianças nessa idade passam a serdetalhistas e tendem a abandonar a fase anterior,caracterizada pela imprecisão (Gardner; Wolf, 1981apud Sloboda, 1985, p. 206). Quando a criança émais nova, ela opera principalmente com relaçõesaproximadas de tamanho e forma. Em seu desenho,por exemplo, ela não se preocupa em ilustrar o nú-mero correto de dedos da mão. Mais tarde, já nesseestágio caracterizado pela precisão, as criançaspassam a se preocupar com a quantificação e coma classificação. A criança começa a detalhar o queantes ela apenas esboçava. Os detalhes anatômicosde uma pessoa correndo, por exemplo, tornam-semais importantes do que a idéia de movimento emsi. As histórias que a criança inventa passam a sermais ricas em detalhes, apresentando agora princí-pio, meio e fim. Sloboda (1985, p. 206) considera deextrema riqueza a analogia dos cantos espontâneoscom as histórias criadas pela criança. A estrutura deuma história, composta de um início declarativo,seguido de período de turbulência que conduz a umaresolução é análoga à estrutura formal de muitoscantos espontâneos produzidos por crianças a par-tir dos cinco anos.

A preocupação da criança nessa idade com aprecisão e com a repetição tem como importanteconseqüência a incorporação de questões musicaisfundamentais, como a aquisição da tonalidade e dotempo métrico (Sloboda, 1985, p. 206), conforme umestudo realizado por Donaldson e McKernon (1981apud Sloboda, 1985). Estes autores ensinaram al-gumas canções folclóricas a crianças de quatro ede cinco anos de idade e constataram diferençassignificativas na forma como elas aprendiam a can-tar através da imitação. As crianças de cinco anoseram capazes de manter uma única tonalidade, co-meçando e retornando à mesma tônica, mesmo queas notas da melodia não fossem lembradas individu-almente. Entretanto, Hargreaves (1986, p. 77) acres-centa que parece ser mais fácil a permanência emuma mesma tônica quando a criança canta as can-ções que aprende. Na pesquisa de Donaldson eMcKernon, as crianças de cinco anos conseguiamtambém manter um pulso regular durante toda a exe-cução. Por outro lado, as crianças de quatro anostendiam a cantar com uma tônica “flutuante” e nãomantinham um pulso estável durante sua performance(Donaldson; McKernon apud Sloboda, 1985, p. 206).Esses procedimentos são confirmados por Swanwick(1988, p. 78). Segundo o autor, crianças, a partir de

cinco anos de idade, começam a utilizar em suasmúsicas convenções musicais típicas de sua cultu-ra, o que vem caracterizar o nível vernacular de seuModelo Espiral (1988, p. 78).

Coral Davies (1992, p. 19-48) também reali-zou importante estudo de cantos espontâneos pro-duzidos por 32 crianças de cinco a sete anos, aolongo de um ano e meio. Dentre suas constatações,ela verificou a ocorrência de um grande número decanções “imaginativas ou narrativas”, já descritas porMoog (1976, p. 115). Algumas delas não narravampropriamente histórias, mas eventos relacionados às“novidades” recentes na vida da criança, embora hou-vesse algumas narrativas com um desenvolvimentobem definido. A autora observou que as criançasdemonstravam se preocupar mais com o texto doque com música, pois pareciam pensar “verbalmen-te e não musicalmente” (Davies, 1992, p. 25). Asmelodias eram, algumas vezes, menos elaboradas,apresentando uma pequena extensão melódica eafinação imprecisa, o que sugeriu uma certa regres-são a estágios anteriores. Davies (1992, p. 25) ima-gina que talvez seja complexo para algumas crian-ças nessa idade inventar um texto e uma música aomesmo tempo.

Entretanto, o que mais chamou a atenção daautora foi o senso de conclusão, evidente em todosos cantos estudados.

Embora eu reconheça que a estrutura organizada comprincípio, meio e fim não seja universal em música, elaprevaleceu nos cantos espontâneos dessas crianças,a ponto de afirmamos que o senso de conclusão sejapara elas um aspecto fundamental para a unicidade desua música (Davies, 1992, p. 25, tradução minha).

As crianças raramente utilizavam cadênciaspara finalizarem seus cantos. Elas recorriam a ou-tras estratégias, como: frases específicas – “isso éo que temos por hoje”, repetição de palavras, movi-mentos melódicos descendentes (Davies, 1992, p.26). Davies (1992) observou também a grande inci-dência de cantos estruturados em quatro frases, àsemelhança das canções infantis mais conhecidasdas crianças. A autora considerou intrigante a apa-rente correspondência entre a estrutura musical e otexto de alguns dos cantos estudados. Normalmen-te o momento de maior expressividade musical, cor-respondente ao momento de maior tensão no texto,acontecia na terceira das quatro frases (Davies, 1992,p. 26). Davies (1992, p. 46) refere-se também a can-ções mais comumente sem letra, nas quais as cri-anças parecem experimentar ritmos irregulares enovos timbres, criando dessa maneira contrastes e“elementos-surpresa”. Como a literatura levantada nãoaponta um nome específico para esse tipo de can-ção, adotaremos aqui o nome de “canção transcen-

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dente”, pois as crianças, mesmo sendo capazes delidar com características da música de sua cultura,demonstram habilidade para transcendê-las. Daviesmenciona também as canções com “lá, lá, lá” comosendo outra modalidade comum entre crianças decinco e seis anos.

Davies (1992) concluiu que crianças nessafaixa etária recorrem a processos cognitivos, já iden-tificados por Serafine (1988 apud Davies, 1992), paracriarem suas músicas. A forma como indivíduos “pen-sam musicalmente ou organizam a música no tem-po”, segundo Serafine (apud Davies, 1992, p. 20, tra-dução minha), é um processo cognitivo. Os eventosmusicais podem ser agrupados em frases, repeti-dos, alternados, variados, transformados, gerando,como conseqüência, a sensação de coerência eunidade da obra musical. Todo esse processo éestruturado hierarquicamente e, com isso, algunseventos passam a ser percebidos como mais impor-tantes que outros (Serafine, 1988 apud Davies, 1992,p. 20). Assim, para Davies, o estudo isolado dos pro-cessos através dos quais as crianças identificamaltura, intensidade, duração e timbre não é suficien-te para compreendermos como elas “pensam a mú-sica” (Davies, 1992, p. 19). É, pois, imprescindívelque se considere a maneira como a criança organi-za e relaciona os eventos musicais no tempo. Amúsica poderá ser compreendida como um atocognitivo somente se considerarmos o fenômeno dotempo: “Nossa experiência com o tempo coincidecom a própria consciência de estarmos vivos” (Davies,1992, p. 19, tradução minha). A música, “represen-tação simbólica da vida emocional dos seres huma-nos” (Langer apud Davies, 1992, p. 19-29, traduçãominha), nos possibilita a sensação de sermos capa-zes de “controlar o tempo, impondo-lhe ordem e co-erência. Podemos criar conclusões e vivenciar acompletude de uma obra musical; podemos voltarao começo e passar pela experiência novamente.”(Davies, 1992, p. 19, tradução minha).

Assim, os cantos espontâneos estudados porDavies revelam que crianças nessa idade são capa-zes de ter idéias musicais iniciais, de incorporaroutras idéias a suas músicas e de organizar todosesses eventos no tempo. Elas tendem a agrupar ossons em unidades ou frases, normalmente estrutu-radas em dois ou quatro compassos, procedimentoencontrado na maioria das canções que a criançaescuta. Segundo Davies (1992) e Swanwick (1988),padrões de alternâncias e repetições, como ostinatosrítmicos e melódicos, também ocorrem com muitafreqüência. Essa repetição pode ser imediata ou asidéias podem ser abstraídas de seu contexto origi-nal e aparecerem em outros momentos da canção(Davies, 1992, p. 46). Dessa forma, relações são

estabelecidas entre eventos musicais semelhantes,agora separados no tempo.

A criança em torno de seis anos também écapaz de transformar idéias musicais ao criar seuscantos espontâneos. Davies (1992), da mesma ma-neira que Dowling (1984), acredita que, para realizaressas transformações, a criança “toma empresta-do” materiais utilizados em canções conhecidas,porém, “sem simplesmente imitá-los”. As criançasabstraem desse material não apenas suas caracte-rísticas superficiais, mas também sua estruturasubjacente. Há indícios de que elas já possuam umsenso de hierarquia: às vezes o material sonoropode variar, enquanto as frases de quatro com-passos são mantidas, como se constituíssem “ins-tâncias superiores” (Davies, 1992, p. 46). Esseprocedimento levou a autora a crer que as crian-ças buscam uma estrutura formal para suas mú-sicas, mesmo quando ainda não têm domínio com-pleto da tonalidade, da fluência melódica e de umvocabulário musical específico.

Para Davies (1992, p. 47), elaborações com-plexas, como as citadas acima, são possíveis atra-vés de um “conhecimento intuitivo” da criança. A cri-ança ainda não é capaz de explicitar através da pala-vra sua compreensão sobre o fenômeno musical,mas em seu canto espontâneo ela organiza even-tos sonoros no tempo (Davies, 1992). Isso nossugere que as crianças parecem compreender “osentido, a significância e a estrutura da músicacomo uma imagem do tempo” (Davies, 1992, p.47, tradução minha).

Considerações finais

Os vários autores aqui estudados apontampara um curso evolutivo previsível da música vocalproduzida pela criança. Os “balbucios musicais”(Moog apud Sloboda, 1985, p. 201), típicos dos be-bês, aos poucos vão se transformando em cantoespontâneo, no segundo ano de vida. Essa manifes-tação vocal vai assumindo diferentes características,de forma análoga ao desenvolvimento cognitivo dacriança: os “esboços” de canções (Hargreaves, 1986,p. 69-70) evoluem para as canções “pot-pourri” e paraas formas “narrativas” de canto espontâneo (Moog,1976, p. 115), podendo chegar ao que denominamosneste trabalho como canções “transcendentes”. Ascrianças incorporam à sua música as característi-cas musicais da cultura vigente (Swanwick, 1988),organizando intuitivamente eventos sonoros no tem-po (Davies, 1992, p. 47). Nessa fase, a criança, já“imersa nos meios simbólicos”, parece participar ati-vamente do processo artístico de sua cultura(Gardner, 1997, p. 239).

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Assim, através do estudo da evolução do can-to espontâneo da criança, é possível inferir que odesenvolvimento musical, até em torno dos seis ousete anos, acontece de forma espontânea e intuiti-va, através, principalmente, de experiências senso-riais e afetivas, provenientes de estímulos e inte-rações da criança consigo mesma e com seu ambi-ente sociocultural (Parizzi, 2005b, f. 138). Acredita-mos, portanto, que a educação musical nesse perí-odo da vida deve procurar enfatizar a estimulação dacriança através de experiências musicais plenas eprazerosas, capazes de motivá-la a levar adiante seuentusiasmo e alegria com relação à música. A

verbalização e a conceituação do conhecimento sãodesnecessárias e talvez até indesejáveis nesse pe-ríodo. No entanto, a partir dos sete anos, o que eratão espontâneo e intuitivo passa a requisitar umaorganização formal para continuar seu processoevolutivo (Gardner, 1997, p. 240-241). A criança pre-cisa não apenas de um educador musical sensível ecompetente, como também de um ambiente sociocul-tural pleno de possibilidades, para dar continuidadeao seu desenvolvimento musical.

Gardner parece ter razão… A maioria dosadultos desenha da mesma maneira como faziaaos sete anos de idade…

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Recebido em 26/02/2006

Aprovado em 03/04/2006

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Os saberes docentes naformação do professor:

perspectivas teóricas para aeducação musical

Liane HentschkeUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

[email protected]

Maria Cristina de Carvalho C. de AzevedoUniversidade de Brasília (UnB)

[email protected]

Rosane Cardoso de AraújoUniversidade Federal do Paraná (UFPR)

[email protected]

Resumo: O presente artigo apresenta um tema discutido na formação de professores: os saberesque definem a profissão de professor. Tal temática tem sido abordada, especialmente, porpesquisadores da área da educação e, recentemente, por profissionais da educação musical, osquais têm buscado nos estudos sobre saberes docentes os referenciais teóricos para muitaspesquisas. Neste artigo, buscamos situar as discussões teóricas sobre os saberes docentes naformação de professores, abordando as características e tipologias desenvolvidas por Shulman(1987), Tardif (2002), Gauthier et al. (1998) e Pimenta (1999). Em seguida, apresentamos pesquisasem educação musical que, de forma direta ou indireta, se relacionam com a perspectiva teórica dossaberes docentes do professor de música. As investigações emergentes na área pedagógico-musical demonstram a abrangência e relevância do tema para o debate sobre a profissionalizaçãodo professor de música.

Palavras-chaves: saberes docentes, formação de professores de música, profissionalização

Abstract: This paper presents a well discussed subject within teacher education: the teachingknowledge base that defines the teaching profession. This subject has been approached anddeveloped especially by researches in the education discipline and recently by music educatorswho have used these studies as a theoretical framework to ground their research. In this chapterwe will discuss the theoretical contributions of Shulman (1987), Tardif (2002), Gauthier et al. (1998)and Pimenta (1999). In a sequence we will present some researches in music education that in adirect or indirect form are related with the knowledge base for teaching. The new researches inmusic education demonstrates the branches and the relevance of these studies for theprofessionalization of the music teacher.

Keywords: teacher knowledge base, music teacher education, teacher’s professionalization

HENTSCHKE, Liane; AZEVEDO, Maria Cristina de Carvalho C. de; ARAÚJO, Rosane Cardoso de. Os saberes docentes na formaçãodo professor: perspectivas teóricas para a educação musical. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 15, 49-58, set. 2006.

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Introdução

Os saberes docentes, nos últimos 20 anos,têm se estruturado como campo de pesquisa na for-mação de professores. Esse novo olhar sobre o tra-balho docente é fruto de uma concepção educacio-nal que relaciona a qualidade da educação com aqualificação da formação docente. Esses estudosforam impulsionados a partir do debate sobre adesqualificação profissional dos docentes; odistanciamento entre os saberes dos pesquisado-res e os saberes dos professores; e a valorizaçãodos saberes gerados no trabalho docente pelos pro-fessores. O interesse pela temática se intensificapor meio de debates internacionais sobre a configu-ração do trabalho docente, qualificação profissionaldo professor e a implantação de políticas de desen-volvimento profissional docente. Nesse cenário, osrelatórios sobre o ensino desenvolvidos por pesqui-sadores norte-americanos influenciaram e direcio-naram as reformas político-formativas em vários paí-ses na década de 1990. Os relatos Tomorrow’sTeachers, do Holmes Group, e A Nation Prepared:Teachers for the 21st Century, do Carnegie TaskForce, divulgados em 1986, relacionam os proble-mas educacionais do país com a má qualificaçãodos docentes, e apresentam proposições para refor-mar a formação de professores (Borges, 2001;Gauthier et al., 1998; Shulman, 1987; Tardif, 2002).O texto do Holmes Group, por exemplo, defende“melhorar a formação dos futuros professores eprofissionalizar muito mais o magistério” (Gauthieret al., 1998, p. 58).

Nesse contexto de “profissionalização do ofí-cio de professor”, os saberes docentes que funda-mentam e caracterizam a docência – knowledge basefor teaching – tornam-se foco de pesquisa, com oobjetivo de se caracterizar um corpo de saberes ine-rentes à profissão de professor, considerada até en-tão uma semiprofissão (Gauthier et al., 1998; GimenoSacristán, 1995). Assim, da mesma forma que osadvogados, os médicos, os arquitetos (entre outrosprofissionais) possuem um conjunto de saberes queorientam a sua formação profissional, também osprofessores devem explicitar os saberes necessári-os para a constituição de seu ofício. Os saberesdocentes, portanto, configuram um debate histórico,epistemológico e político sobre a profissionalização1

docente. Essa profissionalização, segundo Gauthieret al. (1998, p. 60), implica a constituição de um

repertório de conhecimentos específicos para o en-sino, que deverão ser socializados profissionalmen-te, ou seja, “levará os educadores que partilham omesmo conjunto de experiências e saberes a forma-rem uma comunidade de pensamento”.

As pesquisas desenvolvidas na perspectiva deprofissionalização do ofício de professor direcionamo olhar dos pesquisadores para os contextos educa-cionais (locus efetivo da prática docente), os atoresenvolvidos no processo educacional e os professo-res como profissionais que mobilizam, articulam eproduzem saberes. Nesse sentido, as investigaçõespropõem um diálogo com os professores em serviçoe em formação, com a finalidade de compreender eidentificar os saberes profissionais, para legitimar aprofissão de professor e contribuir na formação denovos profissionais.

Neste texto, portanto, pretendemos situar asdiscussões teóricas sobre os saberes docentes naformação de professores, destacando as abordagensdesenvolvidas por Shulman (1987), Tardif (2002),Gauthier et al. (1998) e Pimenta (1999). Em segui-da, apresentamos pesquisas em educação musicalque, de forma direta ou indireta, se relacionam comessa linha teórico-investigativa. Nosso intuito é apon-tar perspectivas temáticas para a pesquisa em edu-cação musical que possam contribuir para a carac-terização dos saberes docentes do professor demúsica. As investigações emergentes na área peda-gógico-musical demonstram a abrangência e rele-vância do tema para o debate sobre a profissionali-zação do ofício de professor de música.

Os saberes docentes como referencial teórico:conceituação e caracterização

Na formação de professores, os estudos so-bre os saberes docentes têm se desenvolvido, prin-cipalmente, a partir da década de 1980. No Brasil,de acordo com Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003),essa abordagem teórico-investigativa começa a serconhecida a partir de 1990, quando são difundidosnovos discursos visando à profissionalização do pro-fessor e à implantação de programas de formaçãode professores.

Gauthier et al. (1998, p. 333) afirmam que ointeresse em conhecer “o que os professores sa-bem para ensinar” não é tema recente nas pesqui-sas sobre formação de professores, e remonta ao

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1 O termo “profissionalização docente”, segundo Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003, p. 50), é entendido como “o desenvolvimentosistemático da profissão, fundamentada na prática e na mobilização/atualização de conhecimentos especializados e no aperfeiçoamentodas competências para a atividade profissional”.

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século XIX; os autores, com base em uma metanálisedas sínteses de pesquisas norte-americanas2 sobreo ensino, os professores e seus saberes, apontamuma diversidade de abordagens teóricas emetodológicas que “de maneira explícita ou somen-te nas entrelinhas, […] tratam de perto ou de longeda questão do saber dos professores”.3 Nessa siste-matização se destacam, entre outros, os estudossobre: as competências do professor; o professorespecialista; o pensamento dos professores; o pro-fessor prático reflexivo; a profissionalização docen-te; e o repertório de conhecimentos do ensino. Por-tanto, de forma convergente ou não, essas linhasinvestigativas buscam responder a questão “o que oprofessor deve saber, ou sabe para ensinar”.

No âmbito dos saberes docentes, o termo “sa-ber” está relacionado a uma forma de racionalidadede natureza argumentativa e social, ou seja, a no-ção de saber é entendida com relação “aos discur-sos e às ações cujos sujeitos estão em condiçõesde apresentar uma justificação racional” (Gauthier etal., 1998, p. 336). Nesse sentido, o saber é racionalsem ser científico, é um saber “prático implicado naação” e caracterizado por uma dimensão pessoal esocial cuja mobilização se dá no contexto do traba-lho docente. A partir dessa concepção de saber,Gauthier et al. consideram pertinente e relevante adeterminação de um reservatório de conhecimentospara o ensino, na medida em que os professoressão reconhecidos como sujeitos capazes de “racio-nalizar sua própria prática”, justificando seus discur-sos e ações.

Nesse sentido, o reservatório de conhecimen-tos4 dos professores corresponde a um conjunto de

saberes relacionados especificamente com o ofíciode ensinar, que envolvem: a formação universitáriaespecífica; a socialização profissional a partir de umaprática docente; o contexto específico de trabalho –a escola; a ação pedagógica e uma tradição de en-sino como pano de fundo (Gauthier et al., 1998, p.344). Assim, os saberes docentes, como perspecti-va teórico-investigativa para a profissionalização doprofessor, são definidos como uma diversidade deconhecimentos, competências e habilidades quecaracterizam e devem ser inerentes ao profissionalprofessor (Gauthier et al., 1998; Shulman, 1986,1987;5 Tardif, 2002). Considerando que toda profis-são necessita de um corpo de saberes que a carac-terize, identificar a natureza dos saberes docentes eo seu “repertório de conhecimentos” é relevante paraa valorização epistemológica, social e política daprofissão de professor. A seguir, destacamos comoos estudos sobre os saberes docentes estão sendoabordados por pesquisadores norte-americanos – LeeShulman, Clemont Gauthier e Maurice Tardif – e pelabrasileira Selma Pimenta.

Lee Shulman (1986, 1987) se destaca comoum dos precursores da pesquisa sobre os saberesdocentes (knowledge base). Seus estudos estãorelacionados com os processos cognitivos de apren-dizagem docente e com o desenvolvimento de políti-cas de formação e avaliação de professores. Nessesentido, o autor pretende identificar que saberes sãoinerentes à profissão docente; quais são suas ca-racterísticas; quais são suas fontes sociais; e comose processa na mente dos professores a relaçãoentre conhecimento da matéria e conhecimento pe-dagógico. Seus estudos questionam as pesquisaseducacionais norte-americanas centradas, principal-

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2 Gauthier et al. (1998) classificam as pesquisas norte-americanas na área de formação de professores em três grandes paradigmasde investigação: processo-produto, cognitivismo e interacionismo-subjetivista. Esses paradigmas apresentam metodologiasdiferenciadas de investigação e resultados distintos quanto à análise do fenômeno estudado. As pesquisas processo-produto têmuma perspectiva de observação comportamental que associa o processo de ensino do professor com o produto de aprendizagemdos alunos. Seus resultados se baseiam, principalmente, em dados quantitativos. As pesquisas cognitivistas abrangem um leque detemáticas fundamentadas na psicologia cognitivista e nos processos mentais de ensino e aprendizagem (do professor e do aluno).O interacionismo-subjetivista aglutina diferentes paradigmas teórico-investigativos, como a fenomenologia, a etnometodologia, ointeracionismo simbólico e a etnografia. Essas abordagens teóricas adotam metodologias de pesquisa qualitativa, onde a subjetividadesdo indivíduo e as interações sociais são objeto de investigação.3 É importante destacar que cada uma das linhas teórico-investigativas citadas se dividem em várias temáticas de pesquisa e têm seaperfeiçoado e desenvolvido ao longo do tempo. Elas não são fechadas em si mesmas e apresentam resultados que se complementame que aprofundam a discussão sobre a formação de professores. Para aprofundar o tema, consultar literatura específica.4 Gauthier et al. (1998) adotam o termo “reservatório de conhecimentos” para especificar os saberes docentes em um sentido amplo,correspondente ao conceito anglo-saxônico de knowledge base for teaching. O termo “repertório de conhecimentos”, tambémcunhado pelos autores, é menos abrangente e é empregado para designar os saberes dos professores restritos à ação pedagógica,ou seja, saberes que “remetem diretamente aos resultados das pesquisas sobre o gerenciamento da classe e o gerenciamento doconteúdo” (Gauthier et al., p. 18). Os autores afirmam que “o repertório de conhecimentos representa um subconjunto do reservatóriogeral de conhecimentos do professor e tem origem nas pesquisas realizadas nas salas de aula” (Gauthier et al., 1998, p. 18, grifonosso).5 Segundo Shulman (1987, p. 4), os defensores da profissionalização docente acreditam existir uma base de conhecimentos parao ensino (knowledge base) que corresponde a um conjunto codificado ou codificável de conhecimento, habilidade, compreensão,e tecnologia, de ética e disposição, e de responsabilidade coletiva, como também um meio de representá-lo e comunicá-lo.

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mente, na conduta e atitudes do professor, e defen-dem a integração entre o conhecimento da matériae o conhecimento pedagógico, o que ele denominoude conhecimento pedagógico do conteúdo (Shulman,1986). Segundo Borges (2001, p. 66), o trabalho deShulman destaca a “compreensão cognitiva dos con-teúdos das matérias ensinadas e das relações entreestes conteúdos e o ensino”. Essa compreensão doconteúdo a ser ensinado, as metáforas e analogiasutilizadas pelo professor para compreender e trans-mitir o conteúdo para os alunos é foco de interessede Shulman como análise de eficiência docente.

A partir de suas pesquisas, o autor desenvol-ve sua teoria sobre os saberes docentes (knowledgebase) que contempla as seguintes tipologias e ca-racterísticas: 1) três tipos principais de saberescentrados no conteúdo: conhecimento da matéria,conhecimento pedagógico geral e conhecimentocurricular (o pesquisador observa que outros conhe-cimentos estão integrados a esses três conhecimen-tos básicos, como o conhecimento sobre os alunos,sobre fins e objetivos da educação e sobre o contex-to educacional); 2) a ênfase no conhecimento peda-gógico do conteúdo, que representa um amálgamade conhecimento da matéria e conhecimento peda-gógico; 3) três formas de representação desses sa-beres:6 conhecimento proposicional, conhecimentode caso e conhecimento estratégico; e 4) o proces-so de razão e ação pedagógica, que englobam asseguintes fases cíclicas: compreensão, transforma-ção (preparação, representação, seleção e adapta-ção), instrução, avaliação, reflexão e nova compre-ensão. O trabalho de Shulman é criticado por enfatizara relação do professor com o conhecimento da ma-téria a ser ensinada, numa perspectiva tradicionalis-ta, não considerando outras instâncias e variáveisinerentes à prática docente, como o contexto políti-co e social da educação (Gauthier et al., 1998;Zeichner, 1993).

O trabalho do canadense Clemont Gauthier ede seus colaboradores (Gauthier et al., 1998), porsua vez, propõe a sistematização do repertório de

conhecimentos do professor com fins a elaborar umanova teoria da pedagogia, como sugere o título doseu livro publicado no Brasil: Por uma Teoria da Pe-dagogia: Pesquisas Contemporâneas Sobre o Sa-ber Docente. A argumentação teórica dos autoresdefende a existência de um repertório de conheci-mentos dos professores, construído no trabalho do-cente e nas interações sociais, caracterizando umsaber que é social, plural e fundamentado numa ra-zão prática. Nesse sentido, Gauthier et al. defen-dem os professores como produtores de conheci-mento e como sujeitos capazes de argumentar eracionalizar a sua ação pedagógica. Os pesquisa-dores afirmam que os professores devem desenvol-ver uma racionalidade prática que é deliberativa edirecionada para a ação docente.

Nessa linha argumentativa, Gauthier et al.enfatizam o saber da ação pedagógica,7 que se ma-nifesta a partir da reflexão sobre a prática docente ede sua socialização, ou seja, “é o saber da experi-ência do professor a partir do momento que se tornapúblico e que é testado através das pesquisas reali-zadas em sala de aula”8 (Gauthier et al., 1998, p.33). Gauthier et al. (1998, p. 34) consideram o saberda ação pedagógica essencial para a profissio-nalização do ensino: “não poderá haver profissiona-lização do ensino enquanto esse tipo de saber nãofor mais explicitado, visto que os saberes da açãopedagógica constituem um dos fundamentos da iden-tidade profissional do professor”. Esse saber estru-tura o que os autores denominam de repertório deconhecimento do professor.

O pesquisador Maurice Tardif (2002) trabalhana mesma linha investigativa de Gauthier et al. (1998),e defende o estudo da natureza dos saberes docen-tes como fundamento de uma epistemologia da prá-tica dos professores. Nessa perspectiva, concordan-do com Gauthier et al. (1998), o autor considera queos saberes dos professores apresentam determina-das características que englobam o trabalho docen-te e suas interações sociais. Assim, os saberes dosprofessores se configuram num corpo de conheci-

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6 Shulman (1986) entende que as três grandes categorias de saberes docentes (matéria, pedagógico e curricular) estão organizadase estruturadas nessas três formas de conhecimento: conhecimento proposicional, que corresponde aos princípios, normas evalores que orientam as práticas docentes; conhecimento de caso, fruto de um estudo, de uma compreensão, de uma explicaçãoe de uma interpretação de um caso prático; e o conhecimento estratégico, que se manifesta nas situações de conflito entreprincípios ou entre casos práticos, e que exige do professor um julgamento e uma ação deliberativa.7 Gauthier et al. (1998) reconhecem a seguinte tipologia de saberes: disciplinar, curricular, das ciências da educação; da tradiçãopedagógica, experiencial e da ação pedagógica. Esses saberes compreendem o reservatório de conhecimentos do professor, ouknowledge base.8 Para Gauthier et al. (1998), as pesquisas em sala de aula estão relacionadas com a própria reflexão sobre a prática docente, numaperspectiva de racionalização da mesma. Os autores defendem o desenvolvimento da investigação, da argumentação e dajustificação da ação docente. Contudo, é importante que essas pesquisas sejam comunicadas e divulgadas no meio educacional eacadêmico. Nesse sentido, os saberes da experiência devem ser analisados criticamente e transformados em saberes da açãopedagógica compartilhados socialmente (Gauthier et al., 1998, p. 332-349).

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mentos, competências e habilidades que, apesar deespecífico a cada professor, se mostra relacional edialógico com a sociedade. Seu argumento estácentrado na idéia de que o saber é social, plural,temporal e contextual. Isso porque: 1) é partilhadocoletivamente; 2) é subordinado e pertencente a umsistema; 3) seus “objetos são objetos sociais, istoé, práticas sociais”; 4) é vinculado a um processohistórico cultural; e 5) é adquirido no contexto deuma “socialização profissional” (Tardif, 2002). Naspalavras do autor o saber dos professores não é de“foro íntimo”

[…], mas um saber sempre ligado a uma situação detrabalho com outros (alunos, colegas, pais, etc.), umsaber ancorado numa tarefa complexa (ensinar),situado num espaço de trabalho (a sala de aula, aescola) enraizado numa instituição e numa sociedade.(Tardif, 2002, p. 15).

Em sua tipologia dos saberes docentes, Tardif(2002) aponta quatro categorias básicas: os sabe-res disciplinares; os saberes da formação profissio-nal (pedagógicos e das ciências da educação); ossaberes curriculares; e os saberes experienciais. Oautor enfatiza que sua classificação está baseadana origem social dos saberes e na sua integraçãono magistério, onde a experiência cotidiana tem pa-pel primordial na mobilização desses saberes.

Os saberes experienciais ou práticos, contu-do, são analisados e compreendidos pelo autor comoos saberes produzidos pelos professores com baseno seu trabalho cotidiano e no conhecimento de seumeio. Tardif (2002) afirma que esses saberes “se in-corporam à experiência individual e coletiva sob aforma de habitus9 e de habilidades de saber-fazer ede saber-ser.

Não estão sistematizados em doutrinas ou teorias. Sãosaberes práticos (e não da prática: eles não sesuperpõem à prática para melhor conhecê-la, mas seintegram a ela e dela são partes constituintes enquantoprática docente) e formam um conjunto de repre-sentações a partir das quais os professores inter-pretam, compreendem e orientam sua profissão e suaprática cotidiana em todas as suas dimensões. Elesconstituem, por assim dizer, a cultura docente em ação.(Tardif, 2002, p. 49).

Em sua dinâmica cotidiana, os saberes expe-rienciais agem sob situações concretas e inusita-das do dia-a-dia, que não são passíveis de soluçõesacabadas, mas exigem improvisação e habilidadepessoal. Contudo, esses saberes são também com-

partilhados na relação com outras pessoas. Nessaperspectiva, os saberes experienciais têm comoobjeto de interação: os seus pares e demais atoresno campo de sua prática; as diversas obrigações enormas a que está submetida sua prática; a institui-ção como meio organizador e composto por funçõesdiversificadas (Tardif, 2002, p. 50).

No Brasil, os estudos sobre os saberes do-centes começaram a ser desenvolvidos após a pu-blicação de artigo de Tardif, Lessard e Lahaye em1991.10 Dentre as publicações nacionais, os estu-dos de Selma Pimenta (1999) são referência e ana-lisam o papel da pedagogia e da didática para a for-mação de professores. Na opinião da pesquisadora,a pedagogia, enquanto conhecimento da e para aprática profissional, deve dotar o professor de umaanálise reflexiva sobre sua ação docente. Nessesentido, Pimenta (1999) enfatiza os saberes peda-gógicos na formação dos professores, afirmando quepara se viabilizar a transformação da prática docen-te é importante ampliar a consciência dos professo-res sobre sua própria prática. Baseada nesses prin-cípios, Pimenta (1999) considera como saberes dadocência: os saberes da experiência (como aluno ecomo professor), os saberes do conhecimento e ossaberes pedagógicos.

Os saberes pedagógicos, ênfase de seus es-tudos, são os saberes relacionados com a didáticae com o saber ensinar. Eles englobam a reflexãosobre a ação, num diálogo teórico-prático paraconscientização da prática docente e produção deconhecimento. A prática docente é vista, pela auto-ra, como lugar de excelência para se desenvolver oconhecimento pedagógico, pois lá encontramos ele-mentos importantes, como

[…] a problematização, a intencionalidade paraencontrar soluções, a experimentação metodológica,o enfrentamento de situações de ensino complexas,as tentativas mais radicais, mais ricas e mais sugestivasde uma didática inovadora que ainda não estáconfigurada teoricamente. (Pimenta, 1999, p. 27).

Assim, Pimenta (1999) reafirma a relevânciada dimensão crítico-reflexiva e de pesquisa da práti-ca docente, destacando a importância de sua arti-culação com a teoria, para que o professor possaser autor e ator de sua profissionalidade.

Ao analisar as concepções teóricas sobre ossaberes docentes desenvolvidas por Shulman (1987),

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9 Habitus, conceito utilizado por Bourdieu que se refere “a esquemas interiorizados que organizam as experiências sociais e permitegerá-las” (Tardif, 2002, p. 71).10 Desde então, artigos teóricos e relatos de pesquisas vêm sendo publicados na área da educação em anais de congressos (Anpede Endipe) e periódicos nacionais, como o dossiê Os Saberes Docentes e sua Formação, da revista Educação & Sociedade.

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Tardif (2002), Gauthier et al. (1998) e Pimenta (1999),podemos observar que essas concepções conver-gem para um aspecto comum: a valorização dossaberes relacionados com a ação docente propria-mente dita, ou seja, a ação pedagógica que é viven-ciada no cotidiano educacional. Esses saberes, sis-tematizados pelos autores, caracterizam o ato deensinar e se configuram como um saber plural,“sincrético”, contextual e temporal, onde teoria e prá-tica, conteúdo e didática se integram. Não é possí-vel isolá-los na ação docente, pois estão amalgama-dos na prática do professor.

Essa breve síntese não esgota a complexida-de dos elementos envolvidos na prática docente, masapresenta o campo teórico-investigativo dos sabe-res docentes, que consideramos referência teóricasignificativa para a caracterização da profissão deprofessor de música.

A pesquisa em educação musical sob aperspectiva teórica dos saberes docentes

Parafraseando Gauthier et al. (1998), pode-mos afirmar que, também, na educação musical, atemática dos saberes docentes tem sido abordadadireta ou indiretamente em diferentes pesquisas. Noprimeiro caso, de forma direta, o tema tem sido es-tudado em trabalhos que adotam o referencial teóri-co dos saberes docentes para discutir a natureza ecaracterísticas do conjunto de conhecimentos, com-petências e habilidades que são mobilizados peloprofessor de música em seu trabalho docente. Deforma indireta, a temática aparece em pesquisas soboutros enfoques teóricos, como: o pensamento doprofessor; o professor como prático-reflexivo; as com-petências docentes; o conhecimento prático dos pro-fessores; a identidade profissional dos professoresde música; e outras investigações relacionadas coma formação inicial e continuada de professores demúsica. Esses estudos retratam a diversidade depesquisas na área e apresentam tendências teóri-cas que visam conhecer e qualificar a formação eatuação do professor de música.

Portanto, investigar a natureza dos saberesdocentes e a forma como eles se manifestam nasáreas específicas do conhecimento humano é ques-tão central para a profissionalização docente. Nes-se sentido, o estudo sobre os saberes aborda ele-mentos significativos para a compreensão da profis-são de professor de música, pois considera as vári-

as dimensões do seu trabalho docente, como: 1) adiversidade de contextos músico-educacionais; 2) assuas especificidades músico-pedagógicas; 3) asinterações sociais entre os atores envolvidos no pro-cesso de ensino e aprendizagem musical; 4) a soci-alização profissional; 5) as implicações episte-mológicas, sociais e políticas para a educação mu-sical como área de conhecimento. Nessa direção,apresentamos alguns trabalhos em educação musi-cal que têm investigado, de alguma forma, essatemática em âmbito internacional e nacional.

Na literatura internacional, Liora Bresler (1993,1994/95), analisando as transformações temáticase metodológicas ocorridas na pesquisa educacionalnorte-americana nas décadas de 1980 e 1990, pro-cura identificar as influências dessas mudanças napesquisa em educação musical. Ela destaca a utili-zação de uma visão “interna”11 do conhecimento dosprofessores em oposição à abordagem “externa” uti-lizada nas pesquisas experimentais. Em sua análi-se, a autora enfatiza que a pesquisa sobre os sabe-res docentes, em educação musical, apresenta no-vas abordagens metodológicas, sendo influenciadapela pesquisa qualitativa. Ela considera que a pes-quisa sobre o conhecimento dos professores écontextual e interativa, envolvendo o cenário do tra-balho docente (sala de aula, escola, política educa-cional) e as interações sociais inerentes a esse con-texto (professores, alunos, administradores e pais).Nesse sentido, as pesquisas apresentadas pelaautora adotam metodologias distintas, como surveys,estudos de caso, pesquisa ação, entre outras. Astemáticas abordadas, por sua vez, relacionam ossaberes docentes dos professores de música com oseu pensamento prático reflexivo, a eficiência docentee o desenvolvimento profissional.

Os trabalhos de Lennon (1997), Raiber (2001)e Stegman (1996), por exemplo, têm em comum aanálise da prática reflexiva do professor sobre suasatividades músico-pedagógicas, enfocando, respec-tivamente, as práticas docentes de: professores depiano, professores de instrumento e professores decanto coral. Esses estudos, a partir de diferentesmetodologias de pesquisa, apresentam resultadosque apontam para: a importância do conhecimentotácito do professor, o reconhecimento da atitude re-flexiva e da experiência como elemento prognósticoda eficácia do ensino, e a constatação de que asimagens dos professores, traduzidas por meio de

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11 Liora Bresler (1993, 1994/95) destaca a contribuição da pesquisa qualitativa na valorização do conhecimento dos professoressobre sua prática docente, privilegiando uma referência interna do sujeito envolvido no processo (postura êmica), em oposição aosestudos experimentais que privilegiavam a perspectiva do especialista, numa atitude de análise dos comportamentos e atitudesobserváveis (postura ética).

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suas percepções, seus pensamentos interativos,suas reflexões e sua ação na prática, guiavam eestruturavam suas interações com os alunos na salade aula.

De forma semelhante, os trabalhos de Coleman(1999), Broyles (1997), Schmidt (1994, 1998), Snyder(1996) e Drafall (1991) (apud Rideout; Feldman, 2002)também enfatizam a importância da reflexão sobre aprática docente. Esses estudos tomam como refe-rência o estágio curricular supervisionado na forma-ção do professor de música e destacam o desenvol-vimento da prática docente dos licenciandos, consi-derando as percepções dos estagiários sobre serprofessor, sobre o conteúdo da matéria a ser ensina-do e sobre as interações sociais na sala de aula.

As pesquisas internacionais citadas apresen-tam a necessidade de se considerar, na formaçãodocente e na prática pedagógico-musical, um exer-cício analítico e crítico que proporcione o desenvolvi-mento profissional do trabalho docente. Nesse sen-tido, observamos que a ênfase em investigações quedestaquem os processos de aquisição dos saberes,especialmente os saberes da experiência, e a suaanálise crítico-reflexiva podem trazer significativa con-tribuição para o reconhecimento dos processos deconstrução profissional dos professores de música.

No Brasil, os temas investigados nas pesqui-sas em educação musical têm, também, apresenta-do diferentes abordagens metodológicas e temáticasque apresentam uma relação, direta ou indireta, como referencial teórico dos saberes docentes. O traba-lho de Requião (2002a, 2002b), especificamente,procurou identificar os saberes e competências de-senvolvidas pelos professores de música das esco-las alternativas do Rio de Janeiro: os músico-profes-sores. Os resultados da investigação apontam para:1) a valorização dos saberes práticos ou experienciais(Tardif, 2002), relacionados com “a ‘especialidade’do músico-professor e fruto de sua atividade artísti-co-musical” (Requião, 2002b, p. 430); 2) a necessi-dade de sistematização de saberes que integrem oconhecimento musical e o cotidiano profissional doestudante de música; e 3) a ausência de articulaçãodos saberes das IES de música com os saberes docotidiano profissional do músico. Portanto, para aautora, os saberes desenvolvidos pelos docentes dasescolas alternativas são saberes profissionais espe-cíficos, que vêm a atender às necessidades deprofissionalização do músico popular e estão direta-mente relacionados com o “saber-fazer” do músico-professor.

Os saberes docentes dos professores de pia-no, por sua vez, foi investigado por Araújo (2005),

que propôs o reconhecimento dos saberes quenorteiam a prática pedagógica de professores de pi-ano ao longo do desenvolvimento da carreira profis-sional. Sua proposta foi executada por meio de umestudo multicasos, orientado por um estudo de de-senvolvimento de corte transversal, no qual partici-param três professoras de piano em diferentes eta-pas da carreira. Nesse estudo, o reconhecimentodos saberes teve como principal elemento norteadora dimensão temporal no processo de aquisição eformatação dos mesmos. A discussão sobre os sa-beres docentes dos professores de piano conside-rou a seguinte tipologia: saberes disciplinares – oriun-dos da formação inicial e emergente; saberescurriculares; saberes da função educativa; e sabe-res experienciais. Em suas análises, a autora apon-tou para o papel fundamental que a temporalidadedesempenha no processo de consolidação do reper-tório de saberes, destacando, especialmente, a fun-ção dos saberes experienciais nesse processo.

Na educação básica e em escolas de músi-ca, Bellochio (2003) pretende identificar, no depoi-mento de professores de música, quais são os sa-beres docentes considerados importantes no exer-cício de suas práticas profissionais. Para Bellochio(2003), o relato de indivíduos que estão atuando fa-vorece, particularmente, o reconhecimento dos co-nhecimentos práticos, que por sua vez são alicer-çados em argumentos que justificam as suas toma-das de decisões, caracterizando uma racionaliza-ção prática da docência (Gauthier et al., 1998). Apesquisa, que vem sendo realizada na cidade deSanta Maria (RS) com professores de música licen-ciados ou não, tem como um dos objetivos compre-ender as relações efetuadas pelo educador entre oconhecimento musical e o conhecimento pedagógi-co, bem como a articulação dos mesmos na suaprática profissional. Os resultados preliminares apon-tam para a predominância dos saberes experienciais,especialmente no caso dos professores que não ti-veram uma formação pedagógico-musical.

Outro foco de pesquisa investiga a formaçãoinicial de professores de música, e busca compre-ender a relação entre a formação e a prática docentedos licenciandos, bem como os problemas e dile-mas freqüentemente vivenciados em seu processoformativo. Cereser (2003) discute, sob a ótica doslicenciandos de música, a adequação de sua forma-ção em relação às demandas pedagógico-musicaisda atuação do professor de música. A pesquisa ou-viu alunos formandos de três universidades federaisdo Rio Grande do Sul, e observou que a formaçãodos alunos reflete as perspectivas acadêmica, téc-nica e prática com enfoque tradicional, segundo

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categorização de Pérez-Gómez. Essas categoriasformativas valorizam os conhecimentos teóricos aserem reproduzidos na prática docente e favorecemo distanciamento entre a formação e a realidade pe-dagógico-musical. A pesquisa aponta, pois, para aformação docente que privilegie a reflexão sobre açãopedagógica e a articulação entre os saberesvivenciados e adquiridos pelos alunos em formação.

A pesquisa desenvolvida por Mateiro (2003a,2003b), por sua vez, investiga como se articulam ascondições curriculares, organizativas e pessoais noestágio curricular supervisionado (practicum), a par-tir do relato de três estagiárias do curso de Licenci-atura em Música no Estado de Santa Catarina. Asestagiárias relatam dificuldades em articular os co-nhecimentos pedagógicos, curriculares e disciplina-res, adquiridos no curso de formação de professo-res, com as situações de ensino e aprendizagemexperenciadas em suas práticas docentes. Tais difi-culdades, para a pesquisadora, seriam de ordem di-dático-pedagógica, e estão relacionadas com o de-senvolvimento dos saberes da ação pedagógica naarticulação entre teoria e prática. Em sua análise,Mateiro (2003a, 2003b) defende a formação pedagó-gica articulada com práticas docentes contextua-lizadas; a integração teoria e prática; a reflexão so-bre a ação pedagógica; o desenvolvimento do co-nhecimento pedagógico do conteúdo; e a realizaçãode projetos de pesquisa relacionados, especificamen-te, com a prática docente dos licenciandos.

Os estudos apresentados demonstram a na-tureza plural, sincrética, temporal, pessoal e socialdos saberes docentes, e representam uma nova pers-pectiva teórico-investigativa para as pesquisas so-bre e do professor de música no Brasil. Contudo,também revelam a abrangência temática e as possi-bilidades investigativas desse referencial. Nesse sen-tido, é importante o incentivo à realização de pesqui-sas e indagações que identifiquem e delimitem oreservatório de conhecimentos do professor de mú-sica, como um meio de estruturar e validar os sabe-res do professor sobre sua prática pedagógico-mu-sical.

Considerações finais

Consideramos que as pesquisas baseadas noreferencial teórico dos saberes docentes possibili-tam a observação de características específicas parao reconhecimento da prática músico-pedagógica.Tais características podem incluir, dentre outras, asseguintes temáticas: 1) os saberes profissionaisespecíficos do professor de música; 2) o estudo dasfontes sociais de aquisição desses saberes; 3) osignificado da experiência e da temporalidade no

desenvolvimento da carreira profissional docente; 4)as diferentes especialidades da profissão de profes-sor de música; 5) as lacunas e a falta de articulaçãoentre a formação docente e a atuação profissionaldo músico.

Quanto à primeira temática apontada, os sa-beres profissionais específicos do professor de mú-sica, reconhecemos que é urgente e relevante dis-cuti-los e identificá-los na formação de professoresde música. Para isso, devemos considerar as ca-racterísticas singulares da atividade pedagógico-musical, que ocorre em múltiplos contextos educa-cionais, configurando múltiplos saberes. Portanto, aidentificação de um repertório de saberes profissio-nais poderia oferecer contribuições teórico-pedagó-gicas tanto para os processos de reestruturaçãocurricular dos cursos de graduação em música nasuniversidades brasileiras quanto para as discussõessobre profissão e contexto laboral.

O estudo das fontes sociais de aquisição dossaberes, segunda temática apresentada, implicacontribuição significativa para analisar os processossócio-interativos envolvidos na aquisição emobilização dos conhecimentos para o exercícioprofissional. Essa temática valoriza, portanto, a ne-cessidade de se considerar os diferentes contextosenvolvidos na configuração e formatação dos sabe-res docentes. Nesse processo estariam incluídastodas as vivências formativas do sujeito associadasao exercício de sua atividade docente, ou seja, au-las particulares, o conservatório, a graduação, a pós-graduação, os diversos cursos realizados, como tam-bém as experiências adquiridas nos contatos soci-ais: seu ambiente familiar, sua comunidade, seuspares profissionais, seus alunos, entre outros.

A terceira temática apontada, significado daexperiência e da temporalidade no desenvolvimentoda carreira profissional docente, envolve os estudosque focalizam a carreira profissional como instrumen-to de reconhecimento e legitimação dos processosde aquisição dos saberes experienciais. Tais pro-cessos podem gerar, também, a validação e forma-tação de saberes adquiridos na formação docenteou na experiência docente, bem como subsidiar, jun-to a outros fatores, o desenvolvimento profissionaldo professor de música.

As diferentes especialidades da profissão deprofessor de música, quarto enfoque de nossa análi-se, representa um desdobramento da pesquisa à luzdos estudos sobre os saberes docentes. Essas in-vestigações trariam em sua discussão a necessida-de de reconhecimento de diversos e diferentes re-pertórios de saberes referentes às inúmeras possi-

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bilidades de exercício profissional do docente demúsica no Brasil. Estudar essas especialidades eespecificidades da profissão do professor de músicaé relevante para reconhecer os saberes profissionaisnecessários à atuação docente, e contribuiria nãoapenas com a orientação profissional, mas tambémcom a discussão epistemológica sobre a formaçãoe atuação profissional do professor de música.

Por fim, acreditamos que essas temáticas depesquisa possam contribuir de forma significativa paraas discussões sobre as lacunas encontradas na fal-ta de articulação entre a formação e a atuação pro-fissional, quinta temática apresentada. Nesse senti-do, o estudo dos saberes docentes do professor demúsica seria norteador do processo de formaçãodocente, que englobaria não apenas os conhecimen-tos vinculados aos saberes disciplinares, curriculares,das ciências da educação (entre outros), mas tam-bém aos saberes experienciais. Estes últimos sa-beres, em nossa opinião, favoreceriam especialmentea articulação entre os processos de formação do-cente e a atuação profissional.

Defendemos a necessidade de ampliar o le-que de pesquisas sobre os saberes docentes para amelhor compreensão e otimização dos processosde formação, atuação e desenvolvimento da carreirade professores de música. A defesa de uma profis-são implica, necessariamente, a identificação de seusfundamentos para reconhecê-la como tal. No entan-to, nossa compreensão sobre os saberes docentesdo professor de música ainda é incipiente, e a dis-cussão sobre a profissão de professor de música, àluz desse referencial, poderá nos fornecer subsídios

para aprofundar e compreender a prática pedagógi-co-musical.

Nessa perspectiva de investigação, a práticadocente contextualizada é o grande foco de inte-resse. No ato de ensinar o professor não somentemobiliza saberes, mas efetivamente constrói novossaberes. Esses saberes não devem permanecerobscuros e restritos à sala de aula do professor, masdevem emergir da pesquisa, da reflexão sobre a prá-tica, do diálogo entre os pares, do trabalhocolaborativo entre pesquisadores e professores. Naaproximação entre teoria e prática e entre pesquisae ação docente, os saberes da ação pedagógica ouda experiência – conforme categorização de Tardif(2002) – apresentam uma nova dimensão profissio-nal, e devem ser sistematizados, conhecidos, difun-didos e compartilhados.

Conhecer o “repertório de conhecimentos” doprofessor de música pressupõe valorizar profis-sionalmente saberes que identificam a sua açãodocente, o qualificando como profissional. Dessemodo, poderemos falar de uma práxis docente que érefletida e dialógica, pois é discutida entre os paresnum processo de socialização profissional. Assim,concluímos afirmando que o debate científico torna-se fundamental para o desenvolvimento de progra-mas formativos sólidos, comprometidos com a reali-dade educacional brasileira. Tal debate, embasadono estudo sobre os saberes docentes, vem contri-buir, de forma significativa, para o desenvolvimento,aperfeiçoamento e valorização do conceito deprofissionalidade na docência em música.

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Recebido em 29/06/2006

Aprovado em 21/07/2006

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A produção de discursos expressa processosde significação. Chegamos a esse pressuposto pormeio de trabalhos de investigação que desenvolve-mos há alguns anos com os fundamentos da teoriadas representações sociais tal como foi apresenta-da e desenvolvida na França por Serge Moscovici(1978; 1985) e Denise Jodelet (2001). A teoria enfatizao papel da interação social na produção dos signifi-

Professores de música falandosobre… música: a análise retórica

dos discursosMônica de A. Duarte

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)[email protected]

Tarso Bonilha MazzottiUniversidade Estácio de Sá

[email protected]

Resumo. Neste artigo, apresentamos o resultado de análise retórica dos discursos sobre música,recolhidos por meio de entrevistas aplicadas a 20 professores de música, atuantes em escolas domunicípio do Rio de Janeiro. Explicitaremos as figuras de linguagem presentes nesses discursos,entendidos como epítomes de linhas de raciocínio ou de processos de significação. Por meio dessaanálise, apreendemos a representação de “música” construída pelos professores entrevistados.Depreendemos um forte consenso entre todos os professores entrevistados: o caráter românticoda definição de música, convergindo para a metáfora /música é VIDA/. A concepção romântica naconstituição do sentido de música como expressão das emoções não deixa espaço para a interaçãoentre os homens no processo de significação, apenas para algo transcendente que opera atravésdos homens. Essa maneira de ver nega a negociação presente em qualquer trabalho de produçãode conhecimento e nega, também, as situações argumentativas próprias deste trabalho.

Palavras-chave: música, representação social, ensino fundamental

Abstract. In this article, we present the result of the speeches rhetorical analysis on music,collected through interviews applied to twenty music teachers, who are active in schools of Rio deJaneiro district. We will evidence the figures of speech present in those speeches, understood asepitomes of reasoning lines or significance processes. Throughout that analysis, we apprehendedthe representation of “music” built by the interviewed teachers. We inferred a strong consent amongall the interviewed teachers: the romantic character of the music definition, converging on themetaphor /music is LIFE/. The romantic conception in the constitution of the music sense as expressionof emotions doesn’t give space for the human beings interaction in the significance process, but forsomething that is transcendent and that operates through the human beings. This way of thinkingdenies the negotiation present in any work of knowledge production and denies, also, the argumentativesituations proper to this work.

Keywords: music, social representation, elementary and middle education

cados ou representações (Duarte, 1997, 1998, 2002a;2005a, 2005b, 2005c; Duarte; Alves-Mazzotti, 2001;Duarte; Mazzotti, 2004a, 2004b, 2004c, 2005). Essaênfase é reforçada com a sistematização do que fi-cou conhecido como A Virada Retórica da Filosofia(Perelman; Olbrechts-Tyteca, 2000; Carrilho, 1994a,1994b; Meyer, 2002; Reboul, 2000), que retoma arelação clássica da retórica para compreender a pro-

DUARTE, Mônica de A.; MAZZOTTI, Tarso Bonilha. Professores de música falando sobre… música: a análise retórica dos discursos.Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 15, 59-66, set. 2006.

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dução de significados ou representações: ethos-pathos-logos ou orador-auditório-discurso encontram-se unidos de maneira inextrincável no processo designificação (Meyer, 2002). Sendo assim, a aborda-gem teórico-metodológica apresentada nos estudosda Virada Retórica é adequada para a explicitaçãodos significados ou representações e do processode sua construção. Os argumentos das pessoas sãojustificativas para as escolhas e/ou tomadas de de-cisão e encontram-se epitomados em figuras ou emtropos apresentados nos discursos. A metáfora, aquientendida como figura do pensamento, é o funda-mento para a construção dos epítomes dos argu-mentos (Fahnestock, 1999).

Neste artigo, apresentamos o resultado deanálise retórica dos discursos sobre música, reco-lhidos por meio de entrevistas1 aplicadas a 20 pro-fessores de música, atuantes em escolas do muni-cípio do Rio de Janeiro. Explicitaremos as figuras delinguagem presentes nesses discursos, entendidoscomo epítomes de linhas de raciocínio ou de pro-cessos de significação. Por meio dessa análise,entendemos termos apreendido a representação de“música” construída por esses professores.

Os excertos das falas dos professores sãotratados aqui como exemplos ou “provas pelo dis-curso”, no quadro da indução (Wolff, 1993), das li-nhas de raciocínio epitomadas pelas figuras de lin-guagem. Esse é o modo de argumentar que esco-lhemos para, então, chegar à metáfora que permeiao trabalho da significação do ensino de música naescola.

Para o tratamento das argumentações, segui-mos os seguintes passos: analisamos os argumen-tos, identificando as figuras de linguagem, buscan-do sua estrutura semântica e encontrando os as-pectos recorrentes em todo o material, constituindo,assim, a base para o agrupamento do resultado daanálise em categorias. Uma vez que buscamos iden-tificar o processo de significação que pode ter funda-mentado a construção dos argumentos por meio dasfiguras de linguagem, verificamos que um mesmoprofessor apresentou argumentos que foram agrupa-dos em mais de uma categoria.

Os excertos dos discursos, apresentadosneste artigo, serão seguidos pela indicação da or-dem em que cada professor foi entrevistado (P1,P2,…).

Música é linguagem

Como já expusemos em Duarte; Mazzotti,(2004a, 2004b), agrupamos os argumentos dos pro-fessores entrevistados em três categorias. A primei-ra, que compreende a maioria dos argumentos apre-sentados (19 professores), é sustentada pelo enten-dimento de que música é linguagem, veículo para aexpressão dos sentimentos e comunicação do ho-mem com o mundo:

Eu diria que música é uma das formas de comunicação,de expressão. A música nos põe em contato conoscomesmos, com o universo, ela expressa emoções,idéias, ela comunica sentimentos também. Eu acho quea música, se a gente pudesse resumir, seria uma formade comunicação e expressão, ela é emoção. (P19).

Nessa fala, pela gradação,2 P19 amplifica osentido de música: de meio ou veículo de comunica-ção e expressão, no início da argumentação, elapassa a ser apresentada, ao final da série, como aprópria emoção. A amplitude do campo de atuaçãoda música como veículo de “comunicação e expres-são” também é expressa pela gradação: a músicaatingiria desde o âmbito mais íntimo da pessoa (“nospõe em contato conosco mesmo”) até todo o “uni-verso”.

Música não é só uma linguagem, é uma linguagem quesensibiliza. (P13).

A figura depreendida no exemplo acima tam-bém é a gradação, mas nessa série os membros sesobrepõem. Séries justapostas são usadas paraestabelecer relações e cadeias causais, são usa-das para dissolver diferenças estabelecidas entrecategorias ou então para reconfigurar um domínioconceitual, substituindo diferenças de qualidade pordiferenças de intensidade. P13, por meio do seu dis-curso, busca veicular a hierarquia da música sobreas demais linguagens por sua maior capacidade desensibilizar as pessoas. Além disso, se houvessealgum antagonismo entre linguagem e sensibilização,ele é anulado pela adjetivação da música como “lin-

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1 As entrevistas foram desenvolvidas por nossos alunos da disciplina Prática de Ensino, do curso de Licenciatura em Música, daUniversidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), no segundo semestre de 2002. Nossos alunos desenvolveram aentrevista como uma das tarefas curriculares da disciplina, visando conhecer os “saberes profissionais” dos professores demúsica e compreender como eles utilizam e mobilizam esses saberes no seu trabalho cotidiano em escolas públicas localizadas nacidade do Rio de Janeiro. As escolas em que esses professores atuam fazem parte da rede oficial de ensino, tanto do âmbitomunicipal quanto estadual e federal. Para mais informações sobre os aspectos da metodologia desenvolvida, coerentes com a teoriaque embasa esse trabalho, ver Duarte; Mazzotti (2004c).2 A gradação é figura de linguagem que se faz por meio de uma seqüência cujos elementos compartilham um atributo em graucrescente ou decrescente (Reboul, 2000).

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guagem que sensibiliza”. Os professores entrevista-dos, ao categorizarem música como linguagem,3

entendem-na como comunicação e expressão dossentimentos e das emoções das pessoas.

Acho que a gente pode fazer várias leituras de mundosob várias formas. E através da música. Essa é umaforma. Música é uma forma de fazer uma leitura demundo e de se comunicar com esse mundo. E aí temtoda uma perspectiva reflexiva e crítica em cima dessautilização da música como um instrumento decomunicação. (P1).

Por meio da gradação, P1 busca persuadir oauditório para a sua definição: “Música é comunica-ção”. Percebemos a tática argumentativa de cons-truir etapas no raciocínio para se chegar à conclu-são, corroborando aquela definição. Cada elementosubseqüente da série é embutido em inclusões su-cessivas: existem muitas maneiras de se fazer lei-turas de mundo; a música é uma delas; com a músi-ca estabelecemos comunicação com o mundo; en-tão, a música é um instrumento de comunicação.

A concepção da arte como expressão e co-municação, com bases românticas, já estava pre-sente no Parecer 540/77, que regulamentava o de-senvolvimento da disciplina Educação Artística, a qualenglobava a educação musical.4 Pela faixa etária dosprofessores entrevistados, de 25 a 45 anos, inferi-mos que muitos deles cursaram a disciplina Educa-ção Artística como parte de Comunicação e Expres-são, podendo, ainda hoje, construir conceitos sobremúsica fundados nessa concepção.

Pelo menos até a Resolução 06/86 – CFE (de novembrode 86), que “reformula o núcleo comum para oscurrículos de 1o e 2o graus”, resgatando “Português”como matéria em lugar de “Comunicação e Expressão”,a Educação Artística vinculava-se correntemente a estaárea de estudo, de modo que muitas vezes os livrosdidáticos de Comunicação e Expressão traziam tantoconteúdos e atividades de língua portuguesa quantode artes. (Penna; Alves, 1997, p. 71, nota 23).

Além disso, a Resolução 23/73, que dispõesobre os cursos de licenciatura na área, “entrecruzaas noções de arte como expressão e comunicaçãoe como linguagem” (Penna; Alves, 1997, p. 70). PelaResolução 23/73, ficaram estabelecidas, como ma-térias do currículo do curso de Licenciatura em Edu-cação Artística, “Fundamentos da Expressão e Co-

municação Humanas” (disciplina ainda hoje ofereci-da no curso de Licenciatura em Música da Unirio5),“Linguagem e Estruturação Musicais”, entre outras.

Penna e Alves (1997, 2001) desenvolvem umacrítica acerca da concepção de música como comu-nicação e expressão de emoção. Segundo os auto-res, o entendimento de arte como expressão e co-municação de sentimentos, com ênfase na emoção,na imaginação e na sensibilidade inventiva, é relativoao movimento romântico que surge a partir do finaldo século XVIII (Penna; Alves, 2001, p. 62).

E Todorov (1996), ao tratar da derrocada daretórica em prol da estética, faz considerações per-tinentes ao que estamos tratando. Para o autor, noromantismo a relação das pessoas na produção dealgo entendido como objeto de estudo da estéticanão é fundada, tal como na retórica, na interaçãoentre as pessoas, mas no conceito de belo em si.

Numa democracia, a palavra podia ser eficaz. Numamonarquia (para ser breve), ela já não o pode ser (opoder pertence às instituições, não às assembléias);seu ideal necessariamente mudará: a melhor palavraserá agora aquela que se julgar bela. […] a vagaromântica […] teve conseqüências bem maisprofundas: ela suprimiu igualmente a necessidade deregulamentar os discursos, uma vez que agora qualquerum pode, aproveitando-se da sua inspiração pessoal,sem técnica nem regras, produzir obras de arteadmiráveis; já não há nem divórcio nem mesmo distinçãoentre o pensamento e a expressão; já não há, em suma,necessidade de retórica. A poesia pode dispensá-la.(Todorov, 1996, p. 70, 87).

Para Todorov (1996), portanto, a recusa daretórica teria sua origem na falta da liberdade própriados regimes democráticos.

A construção do conhecimento é uma dasquestões da prática pedagógica de P2, que estabe-lece, no entanto, uma oposição entre a definição queé construída por seus alunos durante as aulas demúsica e a definição que P2 constitui a partir desuas leituras ou em outros momentos que não es-tão ligados diretamente às atividades da escola.

O que vem à minha cabeça são todas as coisas que eutenho lido sobre musicologia e etnomusicologia. Eu soucompositor também, estou fazendo mestrado emcomposição e é uma questão que está sempre nacabeça. […] Agora, não é assim que eu defino para

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3 Para uma discussão sobre a concepção de arte como linguagem, ver Penna e Alves (1997, 2001), Penna (1997) e Borges Neto(2005).4 Com a Lei 5692/71, estabelece-se como obrigatória a prática integrada do ensino da Arte (Música, Artes Cênicas, Artes Plásticas).5 Para a formação dos professores da disciplina Educação Artística, é criado o curso de Licenciatura em Educação Artística, quesubstituiu as antigas licenciaturas em Música. Mas, em algumas universidades brasileiras, como na Universidade Federal da Bahia(Ufba) e na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), o curso de Licenciatura em Música manteve-se com essadenominação e não promove a formação polivalente dos professores (Hentschke; Oliveira, 2000).

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meus alunos ou no processo de musicalização, ondeeu procuro buscar junto com os alunos a definição, oque é música que, aliás, é um ponto muito importantedesse processo todo. (P2).

Em sua fala, P2 explicita, por meio da antíte-se, o seu entendimento de que há práticas voltadasespecificamente a cada situação: aquelas que sãooportunas para o espaço de FORA da escola, e ou-tras que são oportunas para o espaço de DENTROda escola.

Até aqui, pelas argumentações dos professo-res, música e homem não se confundem, pois estetem a autonomia para utilizá-la como veículo de ex-pressão dos seus sentimentos, emoções e para pro-piciar sua comunicação com o mundo à sua volta. Aseguir, trataremos da representação de música en-quanto condição para a existência social do grupode professores.

Música é a vida dos professores

A segunda categoria agrupa os argumentosde seis professores que apontam a música comocondição existencial desse grupo no âmbito social,colocando-a no mundo vivido, não sobrenatural nemtranscendente.

A música resume sua própria vida, pois emtodos os momentos, desde os mais cotidianos, elaestá presente. A música está no mundo vivido pelosprofessores, encontra-se nas relações pessoais esociais, é condição de sua existência social (Duarte;Mazzotti, 2004a, 2004b).

A música pra mim é minha vida, porque eu trabalho commúsica, meu lazer é música, quando eu estou triste oque me ajuda é a música, então ela está presente emtodos os momentos. (P16).

Na fala acima, encontramos a epanalepse, fi-gura de repetição (Reboul, 2000, p. 247), quesedimenta a “música” no argumento construído ereforça a sua importância na vida de P16. Por meioda epanalepse, busca-se transmitir um tipo de ten-são ou emoção patética (para o pathos ou auditório)voltada para o sentido da presença da música navida dos professores. Nos exemplos a seguir, aepanalepse será muito freqüente.

Dos seis professores, quatro fizeram uma ana-logia entre a música e o corpo e suas sensações.

A música é minha vida… A música afeta e mexe comtodos os meus sentidos, ela me estrutura, medesestrutura, me provoca, às vezes sinto-me deliciada,com momentos de intensa felicidade ou de tristeza, deixa-me empolgada, ou seja, com ela sinto-me viva. (P3).

Percebemos uma gradação crescente dassensações trazidas pela música, que chegam aoclímax – com a música “sinto-me viva” –, constituídoa partir de uma antítese dupla: “com música, sinto-me viva” versus “sem música, sinto-me morta”.

Música é tudo, eu respiro música, eu transpiro música.(P13).

Verificamos a repetição da palavra “música”no ritmo de uma gradação em ordem decrescente,do todo para as partes que sustentam a vida: a argu-mentação parte do todo, passando para os limitesexpressos pelo corpo, a respiração (movimento damúsica para dentro do corpo) e a transpiração (movi-mento da música para fora do corpo).

Ai… acho que essa é a pergunta mais difícil de res-ponder. Na verdade eu prefiro responder mais ampla-mente do que no sentido mais técnico. Na verdade,música pra mim é tudo. Toda a minha família respiramúsica, minha mãe é professora de música, eu resolviestudar música e a minha profissão é música. Ouço efaço e ensino música o tempo inteiro. E agora, com omeu filho é a mesma coisa… (P1).

Também identificamos a gradação na ênfaseno caráter histórico da relação de P1 com a música,desde a sua relação com um grupo social mais am-plo (“toda a minha família) até a relação mais próxi-ma (“com o meu filho é a mesma coisa”) a músicaestá presente. Parece-nos que P1 entende que es-sas relações são sustentadas pela música, poisenfatiza a escolha profissional como um resultadode escolhas familiares, passando um sentido de rela-ção quase genética com a música, e esta é apresen-tada como o elemento integrador do grupo familiar.

Na concepção romântica de arte, parte-se doprincípio de que, “para que o sentimento e a emoçãosejam expressos, deve-se criar um símbolo para oscorporificar, para atuar como veículo de sua comuni-cação, sendo a arte definida, então, como a ativida-de de criar estes símbolos para a expressão emoci-onal” (Penna; Alves, 2001, p. 70, grifo meu). É prová-vel que, ao compartilhar de tal concepção, os pro-fessores sintam-se como o canal corporificante damúsica, pelo qual ela se expressa, como o artistaque concretiza/corporifica o inefável, o inexprimívelpela linguagem conceitual (Duarte Jr., 1983 apudPenna; Alves, 2001, p. 73). A música, sendo o Todo(valor absoluto6), é encarnada pelo homem (valorconcreto). Esse é um argumento de autoridade quebusca enaltecer o caráter genial do artista.

Trataremos, agora, da tendência holística naconstrução dos argumentos dos professores, na qual

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6 Do que existe em si e por si, sem limites ou fronteiras no espaço e no tempo.

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música, mundo e homem são feitos da mesma es-sência. É expressiva a analogia entre música e vida,dessa vez no sentido sobrenatural.

Música é como força criadora do universo

A terceira categoria, na qual se encontram osargumentos de cinco professores, agrupa as respos-tas que afirmam que música é “essência”, esta en-tendida no sentido sobrenatural, para além do hu-mano vivido.

Esta pergunta me deixou um pouco desconcertado.Bom, música… você pode… tem tantas abordagensné? Você pode pensar que é a arte das musas, asmusas criadas através do amor de Zeus comMenemosyne, criadas para cantar as glórias dosdeuses. Então, nesse sentido, a música seria uma artealegórica, do espírito trágico, espírito dramático. Maseu vejo a música como um mais essencial na vida, querdizer, mais essencial não no essencial, no sentido deque é essencial fazer isso ou aquilo, mas essencial nosentido de que ela faz parte da própria essência damatéria, da vida. Se você pensar na música comovibrações, seqüências… bom, a gente vai chegar noponto em que a própria matéria, a matéria é feita demúsica, é feita de vibrações, e ela organiza todo ouniverso. Então eu vejo nesse sentido. Tem duas coisasque eu acho que unem os elementos do mundo. Um éEros, o velho Eros, não o Eros cupido, pintado mais naversão romana, mas na questão grega, antiga, clássica,antes do Clássico, e a outra é a música que eu achoque une os elementos do mundo. Eu penso a músicaassim. Você pode pensar a música de uma maneiramais formal; a música é desde os ruídos até ossons mais bem elaborados, sei lá… Mas eu gostode ver a música como uma coisa ampla que abrangetudo e o que tem vida tem música, e uma pedra temvida. Af inal de contas, ela tem átomos, tempartículas, tá em ação. (P14).

Essa fala é exemplar do trabalho de constru-ção do sentido. P14 apresenta o desenvolvimentodo processo de significação em etapas que coinci-dem com a produção de representações sociais:seleção, descontextualização, formação decognições centrais e naturalização dos elementosque considera pertinentes para definir música a par-tir de um quadro conceitual determinado – mitologiagrega. Nem todos os elementos da mitologia gregaestão presentes no seu discurso, apenas aquelesque considera importantes para apresentar uma de-finição de música. Mas, por meio da prolepse7 –“Você pode pensar que… Mas…” –, P14 rejeita adefinição, em suas palavras, “mais formal” em proldo holismo. Assim, entendemos que P14 desenvol-veu uma definição oratória, “uma figura da escolha,

pois utiliza a estrutura da definição, não para forne-cer o sentido de uma palavra, mas para pôr em des-taque certos aspectos de uma realidade que correri-am o risco de ficar no último plano da consciência”(Perelman; Olbrechts-Tyteca, 2000, p. 195). Buscan-do valorizar ou pôr em destaque para seu auditório oseu conhecimento sobre as definições de música(por meio da mitologia e de uma definição “mais for-mal”), P14 constrói um argumento de autoridade (oseu valor profissional está no conhecimento que apre-senta). Todavia, esse conhecimento é desprezadoem prol de uma visão holística, quase religiosa, demúsica – a música é a melhor representação daessência da matéria e do homem, está na origem detodas as coisas.

A opção pelo holismo pressupõe um argumen-to de dupla hierarquia, como no exemplo retirado deAristóteles (apud Reboul, 2000, p. 179):

O que pertence ao melhor ser é o preferível; por exemplo,o que pertence a um deus é preferível ao que pertencea um homem; o que pertence à alma é preferível ao quepertence ao corpo.

P14 hierarquiza a definição holística de músi-ca como superior às demais possibilidades de defi-nição por entender que Deus/essência (música) estáacima ou além dos homens, pois se “o que tem vida,tem música”, então a música é condição para a vida,é algo que antecede o próprio ser vivo, é a Essênciaque está em tudo. A música é vida, é absoluta8 nosentido de em si e por si. É, também, entendidacomo o próprio princípio que “organiza todo o univer-so”, “que une os elementos do mundo”. Encontra-mos, portanto, na escolha de P14, a priorizaçãodos valores abstratos (o princípio que rege o mun-do) como apontados por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000, p. 88).

Em nenhum lugar se observa melhor esse vaivém dovalor concreto aos valores abstratos, e inversamente,do que nos raciocínios referentes a Deus, considerado,a um só tempo, valor abstrato absoluto e Ser perfeito.Deus é perfeito por ser a encarnação de todos osvalores abstratos? Uma qualidade é perfeição porquecertas concepções de Deus permitem conceder-lha?É difícil determinar, nessa matéria, uma prioridadequalquer. […] Num grande número de pensadores, Deusé o modelo que é preciso seguir, em todos os pontos.Assim, Keneth Burke pôde fornecer uma lista bastantelonga de todos os valores abstratos que encontraramseu fundamento no Ser perfeito. Ideologias que nãoqueriam reconhecer em Deus o fundamento de todosos valores foram obrigadas a recorrer a noções, de

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7 Figura que antecipa o argumento do adversário para melhor combatê-lo (Reboul, 1984, 2000).8 Nesse caso, não está o sentido clássico da música absoluta como ideal de música “pura” e cujo sentido não depende da poéticaletrada ou de associações programáticas, a música entendida com estrutura objetiva sem conteúdo expressivo (Hanslick, 1992).Trata-se de absoluta no sentido do que existe em si e por si.

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outra ordem, como o Estado ou a humanidade. Taisnoções, por sua vez, podem ser concebidas, quer comovalores concretos do tipo da pessoa, quer como aconclusão de raciocínios baseados nos valoresabstratos.

A música, tal como Deus, oscila como valorconcreto – quando é tornada um ente vivo (“quandoestou triste, o que me ajuda é a música”) – ou comovalor abstrato – quando fundada pelo valor daunicidade.

Observamos a incidência da música como valorabstrato também nas falas a seguir.

Bom, música? Pra mim é a arte mais completa, quepode unir, abranger todas as artes, tanto a arte cênicaquanto a imagem e eu acho que música pra mim é tudo,ela é universal, pode atingir níveis invisíveis na parte,aqui, física, que a gente vê, a parte material daqui, aténíveis espirituais que eu acredito que tem amusicoterapia, né? Que trabalha a música em termosde cura, né? Acredito que é um universo completo.Música é uma arte milenar. (P20).

Por meio da hipérbole, P20 sublinha e ampli-fica, pelo exagero, um caráter universal da música.Para o mesmo fim, apresenta elementos em série,de forma a buscar demonstrar, pelo exemplo damusicoterapia, a aplicação da música ou a exten-são da sua influência tanto no campo de atuação(do nível material até o nível espiritual) quanto nocampo temporal (“é uma arte milenar”).

A música é a expressão mais… uma das expressõesmais… uma, não, acho que é a mais primeva, maisprimeira, mais originária do ser humano. Porque a gente,quando está em contato com o mundo, a gente tá emcontato com o mundo sonoro, o mundo todo é cheio deruídos. A gente, quando se expressa, mesmo noprocesso de história da linguagem do homem, isso veiodo quê? Através de sons, né? A gente sabe que hálínguas que são tonais, que dependendo da maneiracomo você entoa uma determinada sílaba muda designificado. Quer dizer, então, a música tá na própriaessência do homem, a música é, assim, de certa forma,uma das coisas que caracteriza a própria essência dohomem. (P18).

O uso da hipérbole (“é a mais primeva…”),também como observamos nas duas falas acima,evidencia o entendimento de P18 sobre o lugar ex-clusivo da música na constituição da essência hu-mana. Além disso, a música não é entendida comoum veículo para a expressão do homem, mas é aprópria expressão. Partindo do lugar da ordem (“amúsica é a origem do ser humano”), P18, por meioda ilustração, busca fornecer um caso particular (aslínguas tonais) que deve esclarecer o enunciado ge-ral que também parte dos lugares da essência e daordem (a música está na essência humana). Obser-

vamos, também, a perissologia9 numa gradação, pois“primeva”, “primeira” e “originária” são palavras em-pregadas com o mesmo sentido e coordenadas emsérie na frase para reforçar o papel da música naorigem do homem, chegando ao clímax: “a músicaestá na essência do homem”.

Ainda na concepção holística de música, en-contramos a fala a seguir:

Música é vida. Porque música é uma manifestaçãoartística que compreende a exposição do indivíduo, umdesprendimento do eu interior, é uma coisa muito, muitoampla. Então, por isso que eu digo que é vida, porqueela reflete a sua maneira de pensar, de agir, remete aseus conhecimentos, né? Seu grau de cultura, o seuconhecimento cultural. É tudo, então a música é vida.(P15).

P15 chega à conclusão de que música é vida,sem deixar de passar a idéia de “desprendimento doeu interior”. Esse argumento funda-se no valor ro-mântico da unicidade (a pessoa é única em sua ex-pressão), do valor do gênio, “da mais pura esponta-neidade – que desconhece qualquer norma exterior– e que gera a criação genial. […] Neste quadro, é aexaltação à genialidade do artista e à sua produçãoimaginativa que sustenta as noções de expressão ecomunicação da arte” (Penna; Alves, 2001, p. 63). A“norma”, nos valores românticos apontados porPerelman e Olbrechts-Tyteca (2000), não é o normalnem o preestabelecido – associação estabelecidapelo lugar da quantidade que privilegia o conheci-mento acumulado pela experiência –, mas o origi-nal, o único de cada momento.

Conclusão

Para os professores entrevistados, a músicaé entendida como a linguagem pela qual as pessoasexpressam e comunicam emoções, é linguagem“que sensibiliza”, colocada hierarquicamente superi-or às demais “linguagens” como veículo mais ade-quado para a expressão das emoções.

Já no caso da música entendida como a con-dição para a vida dos professores na sociedade, es-tes tomam a si próprios como o canal corporificanteda música. Tais argumentos coincidem com aque-les, no campo dos discursos sobre música, que bus-cam enaltecer o caráter genial do artista, aquele que“recebe” a intuição, pois todos são argumentos deautoridade.

E a argumentação que defende a música comoforça criadora do universo, para além do humano vivi-do, no sentido sobrenatural, é construída sobre um

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9 “Repetição da mesma idéia com termos diferentes” (Reboul, 2000, p. 251).

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sentido holístico, quase religioso. Nesse sentido, amúsica é vista como acima ou além dos homens,representa o princípio que “organiza todo o univer-so”, “que une os elementos do mundo”. Essa é uma“cosmovisão religiosa” ou “mística” da música. Defato, a música, no discurso desses professores, éanáloga à divindade: inefável, está em tudo, como osopro divino que move o homem e toda a matéria. Aocaracterizar a música como uma manifestação ar-tística idealizada, relativa à “existência do todo”, aestética romântica é privilegiada. A música é em si epor si (absoluta), sem limites ou fronteiras no espa-ço e no tempo, também é universal, pois se encon-tra em todas as coisas, na essência dos homens.Todos esses argumentos expressam valores român-ticos: unicidade (“a música é tudo”, “a música estáem tudo”), essência (“a música é a que melhor ex-pressa a essência do homem”, “é a linguagem artís-tica que melhor expressa os sentimentos”) e ordem(“a música está na origem do homem”).

Depreendemos um forte consenso entre to-dos os professores entrevistados, a despeito dasvariações que propiciaram a categorização das res-postas: o caráter romântico da definição de música,como verificamos ao longo da exposição. Todas ascategorias convergem para uma mesma metáfora:música é VIDA.

O que funda a argumentação dos professo-res, em todos os momentos da nossa pesquisa, é,portanto, um essencialismo apriorístico, como oessencialismo da ciência medieval baseado em ver-dades necessárias a priori. O essencialismo, pordestacar a essência, concentra-se em forjar aspec-tos transcendentais do conhecimento. O conheci-mento brota da essência, o conceito é entendido

como substância e existem necessidades que sãoirredutíveis à linguagem.

Também a noção romântica de comunicaçãosubordinada à de expressão é uma constante nasargumentações dos professores; uma vez que a co-municação é vista como resultado da intuição, dacomunhão com a essência do artista (Penna; Alves,2001), então o significado será construído na comu-nhão entre a pessoa e a sua essência criativa, aque-la que predispõe a própria pessoa para a criação.

Estamos no campo do inefável, e, nesse sen-tido, cabe ao professor unicamente descobrir, des-velar, a essência criativa do aluno. Se a música é aessência que une todas as coisas do mundo, bastaentrar em “contato” com essa essência, pois ela pres-cinde dos homens. Na construção dos significadosdas ocorrências à sua volta, a relação que a pessoaestabelece é, então, com a sua essência, não comos grupos sociais, pois é a “essência” do homemque lhe proporciona o caráter (predicado) singular. Oser dotado da essência criativa, ou consciente dela,sabe o que é belo e bom, atinge-o por si a “verdade”de algo, só ele pode expressá-la. Essa maneira dever nega a negociação presente em qualquer traba-lho de produção e nega, também, as situaçõesargumentativas próprias desse trabalho.

Na representação dos professores, pela qualdefendem, por meio de suas argumentações, esco-lhas e tomadas de posição, a concepçãoessencialista e romântica na constituição do senti-do de música como expressão das emoções, nãohá lugar para os homens, apenas para algo trans-cendente que opera através dos homens, seja ela aessência criativa ou a própria música, tomada comovalor absoluto, assim como Deus.

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Recebido em 30/06/2006

Aprovado em 23/07/2006

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Do discurso utópico aodeliberativo: fundamentos,

currículo e formação docente parao ensino de música na escola

regular

Cecília Cavalieri FrançaUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

[email protected]

Resumo. Este ensaio discorre sobre a transposição de preceitos “utópicos” da educação musicalpara as deliberações curriculares, discutindo-se os conceitos fundantes da disciplina e aspossibilidades do fazer musical na escola regular. Como partir de uma concepção de currículorizomática para uma proposta curricular concreta sem que se perca o sentido da flexibilidade, daoportunidade e do encontro? O artigo pretende contribuir para o debate acerca das questõesrelativas à prática da educação musical na escola regular propondo um modelo de currículo semi-aberto, cujos conteúdos são declarados em uma matriz curricular experimental. Esta é ilustrada pormeio de relatos e está sendo testada em um programa de formação continuada para professores demúsica não especialistas que atuam em escolas regulares.

Palavras-chave: currículo de música, música na escola, Projeto Maria Fumaça

Abstract. This paper argues about the transposition between “utopian” principles for music educationand curricular decisions, discussing the funding concepts of the discipline and the possibilities ofmusic making in schools. How to jump from a rhizomatic conception of curriculum to a concretecurricular proposal without losing the sense of flexibility, opportunity and encounter? It aims atcontributing to the debate about questions related to the practice of music education in schoolsproposing a semi-opened model of curriculum, which contents are declared in an experimentalcurriculum matrix. This is illustrated by reports and is being tested in a non-specialist in-serviceteacher training program.

Keywords: music curriculum, music in schools, Maria Fumaça Project.

A música enquanto disciplina curricular enfren-ta cotidianamente o desafio de (re)construir sua iden-tidade e resgatar sua credibilidade, ambas abaladasdesde a Lei 5692/71. Embora a Lei de Diretrizes eBases 9394/96 (Brasil, 1996) tenha trazido a pro-messa da volta do ensino da Arte na educação bási-ca, é improvável que algumas distorções sejamcorrigidas em curto prazo. Observamos um sonoro

descompasso entre a concepção teórica dos docu-mentos oficiais e a prática da educação musicalenquanto disciplina no contexto das escolas regula-res. Questões relativas à qualificação do corpo do-cente e aos pressupostos teóricos e metodológicosnorteadores dessa prática são amplamente discuti-das na literatura recente (Abem, 2004; Beineke, 2004;Bellochio, 2003; Figueiredo, 2004; Hentschke; Del

FRANÇA, Cecília Cavalieri. Do discurso utópico ao deliberativo: fundamentos, currículo e formação docente para o ensino de músicana escola regular. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 15, 67-79, set. 2006.

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Ben, 2003; Santos, 2005, entre outros). Enquantoisso, vemo-nos em longos “compassos de espera”por concursos e contratação de corpo docente es-pecialista. Paralelamente, crescem, tanto em númeroquanto em vitalidade, as iniciativas independentespor parte de diretores e professores unidocentes comformação musical de nível médio que tomam para sia responsabilidade de colocar a música no contextoescolar.

Em sintonia com essa realidade, concebemoso Projeto Cultural Maria Fumaça,1 um programa deformação continuada que tem como meta contribuirpara otimizar a prática pedagógico-musical de pro-fessores não especialistas que atuam em progra-mas musicais nas escolas regulares. O projeto éconjugado com uma pesquisa observacional exten-siva nas escolas e cujos dados deverão iluminar todoo programa. Nossa meta de médio prazo é delinearum modelo semi-aberto de currículo respaldado porfundamentos conceituais e teóricos contemporâne-os. Ao longo do curso serão elaborados e testadosestratégias, atividades e repertórios potencialmentecapazes de promover experiências musicalmentesignificativas que possam otimizar a aprendizagemdos alunos. A partir da definição de princípios e fun-damentos que subsidiem a ação educacional, osprofessores serão encorajados a traçar planejamen-tos contextualizados e comprometidos com o de-senvolvimento de seus alunos, partindo da apropria-ção do seu ambiente sociocultural para a ampliaçãodos seus horizontes musicais.

O projeto fundamenta-se em uma triangulaçãoteórica entre contribuições da filosofia da educação(Walsh, 1993), da educação musical (Swanwick,1999) e da metodologia da educação musical (Fran-ça, 2003a; Swanwick, 1979; Swanwick; Taylor, 1982).Esse referencial, que representa a concepção ideo-lógica, artística e pedagógica do projeto, é apresen-tado a seguir.

O modelo de Walsh como referencialfilosófico-educacional

Paddy Walsh (1993, p. 52-62), filósofo da edu-cação, propõe uma teoria educacional que sistema-tiza diferentes perspectivas a partir das quais pode-mos abordar e refletir sobre a educação. Em ummodelo teórico multidisciplinar, o autor distingue qua-tro formas de discurso2 em torno da ação educacio-nal: o utópico e o deliberativo, correspondentes à

fase prescritiva do processo, e o avaliativo e o cien-tífico, relativos à sua fase descritiva.

Os níveis utópico e deliberativo, que compõema fase prescritiva do planejamento educacional, des-crevem a educação como ela deveria ser. O discur-so utópico define-se como idealista, pois parte dareflexão sobre qual modelo de educação seria prati-cado em condições de trabalho ideais. Com o res-paldo da filosofia, psicologia e sociologia são vis-lumbrados objetivos gerais que projetam o pleno de-senvolvimento humano. Esse nível de discursodesconsidera – propositalmente – a viabilidade dese concretizar tais objetivos, pois apenas os projetacomo desejáveis para todos os indivíduos. Umreferencial assim distanciado do contexto específi-co de ação permite que a prática educacional senorteie por ideais mais elevados.

Ao se aproximar da prática, deve-se entãoconsiderar a viabilidade de se atingir aqueles ideaisdelineados anteriormente. Aportamos no níveldeliberativo, onde são traçadas diretrizes educacio-nais mais imediatas. Aqui é preciso adaptar aquelereferencial utópico às condições reais do contextoonde ocorrerá a ação educacional, perguntando-se“o que é (o melhor) possível (a) ser feito neste con-texto específico?” Esse nível de discurso, compro-metido, portanto, com a realidade da sala de aula, éde caráter mais pragmático e circunstancial. O dis-curso utópico agora é filtrado pelas peculiaridadescontextuais, adquirindo tantas formas quantas práti-cas existam. Estas serão incorporadas nas propos-tas curriculares e nos programas e planejamentosde ensino específicos.

Poder-se-ia questionar a legitimidade do dis-curso utópico, uma vez que este dificilmente seráatingido em sua plenitude. Sabemos que, na maio-ria das vezes, as condições de trabalho são bemdiferentes daquelas idealizadas. Entretanto, não épossível delinear um planejamento transformador nonível deliberativo sem aquela referência utópica. Esseplano idealizado deve permanecer em perspectiva,como um ponto de fuga para onde nossos esforçosdeverão ser dirigidos. Sem esse ideal claro em men-te, esvazia-se o sentido da luta pela melhoria daeducação em todos os níveis: acostumamo-nos coma noção de menos-valia e acomodamo-nos às pre-cárias condições em que se encontra a nossa disci-plina nas escolas. O discurso utópico não é alheio àrealidade. Ao contrário, projeta a realidade ideal, aque-

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1 Curso de Extensão “Projeto Cultural Maria Fumaça: Educação Musical na Escola Regular”, da Escola de Música da UFMG.2 Define-se discurso como uma forma de investigação, discussão e exposição (Walsh, 1993, p. 52-53) que apresenta característicaspróprias e inerentes ao seu respectivo campo teórico.

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la que acreditamos ser o direito de todos e o deverdos provedores da educação. Portanto, esses doisníveis prescritivos, utópico e deliberativo, sãosimbióticos e complementares: enquanto o primeiroé mais distanciado, o segundo é mais orientado paraa ação em contextos específicos.

A contrapartida dos níveis prescritivos éestabelecida através de contínua reflexão e avalia-ção dos resultados alcançados, tarefa dos níveisdescritivos do discurso educacional: o avaliativo e ocientífico. Se os níveis prescritivos descrevem a edu-cação como ela deveria ser, os níveis descritivos aapresentam como ela é. O avaliativo analisa e julgaa ação educacional dentro do seu contexto, tendoem vista sua aferição imediata. É conectado ao níveldeliberativo, no qual são traçados os objetivos a se-rem alcançados; esses dois níveis interagem e seredefinem continuamente. Já o discurso científico écomprometido com a busca de explicações para osresultados atingidos (ou não) na transação educaci-onal. Aqui têm lugar os estudos sistematicamenteconduzidos acerca de situações de ensino problema-tizadas, em busca de respostas e (re)direcio-namentos. Essas duas formas de discurso, avaliativoe científico, descrevem a ação educacional de ma-neiras diferentes: o primeiro, vinculado ao contextoda ação educacional; o segundo, de forma mais dis-tanciada e objetiva.

Os quatro níveis de discurso sobre a educa-ção propostos por Walsh (1993) são inter-relaciona-dos e se realimentam dinamicamente. Paulatinamen-te, contribuições filosóficas reiteram ou redefinem osideais educacionais do nível utópico. Fracassos per-cebidos no nível avaliativo provocam revisões no ní-vel deliberativo. Descobertas no nível científico po-dem mudar o curso dos níveis prescritivos – e assimpor diante. Somente a clareza quanto às diferentesformas de se pensar a educação permite-nos con-ceber um projeto educacional mais consistente e,ao mesmo tempo, considerar contextos específicospor meio do estabelecimento de objetivos construídosreflexiva e coletivamente. No nosso projeto de aper-feiçoamento profissional, cada professor será desa-fiado a reavaliar sua prática a partir do entendimentode fundamentos e princípios gerais que norteiam aeducação musical contemporânea (discurso utópi-co), procurando contextualizar tal embasamento,formatando seu planejamento cotidiano (níveldeliberativo) de forma crítica e criativa.

Este presente texto se concentra na etapaprescritiva do processo educacional, uma vez queos níveis descritivos – avaliativo e científico – cons-tituirão objeto de estudo no decorrer da pesquisa.Partimos de algumas reflexões sobre o currículo,

discutimos os conceitos fundantes da disciplina eas possibilidades do fazer musical na escola. Emseguida apresentamos uma matriz curricular experi-mental para o ensino fundamental, ponto de partidano nosso projeto. Posteriormente, a metodologia detrabalho é exemplificada. Não pretendemos abarcartodos os problemas conceituais ou procedimentaisda disciplina, mas, antes, contribuir para o debateacerca de alguns questionamentos que nos cercam.

Rizomas e matrizes

A celebrada imagem do rizoma é uma notávelmetáfora da contemporaneidade. O termo, empres-tado da botânica (um tipo de caule que cresce hori-zontalmente passando por diferentes pontos subter-râneos) e ampliado pelos filósofos Deleuze e Guattari(1996), passou a integrar vários dialetos, do cinemaà cibernética e – por que não – à música (Borges;Fontes, 2005; Kreinz, 2004, entre outros).

A metáfora do rizoma tem como fundamentoa multiplicidade. Sugere uma rede de idéias com inú-meras possibilidades que podem se conectar a ou-tras em direções múltiplas conforme oportunidadeslhe apareçam. É antes um processo que um produ-to, aberto, alterável, modificável, sempre em cons-trução. Acima de tudo, comporta diferentes entra-das e permite fazer conexões criativas, uma vez queum ponto pode conduzir a qualquer outro, sem obe-decer a uma direção fixa ou previsível.

Trazida para a educação, essa imagem proje-ta um currículo flexível, apto a aceitar diversas confi-gurações pedagógicas. Ou seja, rizoma simbolizauma concepção curricular aberta. Ao contrário da vi-são do ensino como uma “árvore do saber”, queengessa os conteúdos em listas hierárquicas e cris-talizadas, compartimentalizando-os, o pensamentorizomático provoca ligações não lineares entre osconteúdos, convidando à experimentação.

A idéia do rizoma acabou ancorando na praiada educação musical. Weichselbaum (2002) e San-tos (2001) discutem questões curriculares a partirde incursões ao pensamento rizomático. A chama-da do XI Simpósio Paranaense de Educação Musi-cal, em 2005, intitulado “Por uma Educação MusicalRizomática”, propôs uma reflexão sobre um “currí-culo aberto, que se deixa revelar nas brechas, naslinhas de fuga, e que faz emergir possibilidades queescapam a qualquer controle”.

Mas se por um lado um currículo fechadoameaça engessar o planejamento, por outro, umapostura radicalmente rizomática pode esvaziar umprograma educacional. Temo que a nova moda, senão compreendida na sua essência, faça dos pro-

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fessores sujeitos errantes, nômades em um mar derizomas, perdidos. Enquanto educadores musicais,trabalhamos incansavelmente no sentido de cons-truir nossa identidade epistemológica. Nossa disci-plina tem conteúdos, técnicas e procedimentos pró-prios, consistentes e coerentes. É preciso ter algumnorte, ou ficaremos a vagar sem propósito num ema-ranhado vale-tudo. É preferível pensar não em umcurrículo instável, mas em um flexível, arejado. Nãoum professor nômade, mas alerta o suficiente paraaproveitar oportunidades de aprendizado em todolugar. Não em controle, mas direção, para assegurara aprendizagem de conteúdos e procedimentos fun-damentais da nossa disciplina.

Dessas questões decorrem importantes im-plicações curriculares e metodológicas. Como partirdesta concepção rizomática (utópica) para uma pro-posta curricular (deliberativa) sem perder o sentidoda flexibilidade, da oportunidade, do encontro? Acre-dito ser possível achar um ponto de equilíbrio entreambas. No nosso projeto de formação de professo-res, os diversos elementos musicais são apresenta-dos através de uma metodologia que parte da per-cepção corporal, sensorial e afetiva, da reação, rea-lização e criação, para posterior representação (grá-fica, contemporânea e tradicional) e abstraçãoconceitual e teórica, legado de expoentes comoDalcroze, Willems, Orff e Schafer. Às citadas contri-buições, agregamos a matriz que Swanwick (1994,p. 161) apresenta ao final de seu Musical Knowledge,adaptada na Figura 1, abaixo.

des de planejamento didático, denotando que é pos-sível transitar livremente – rizomaticamente – pelospontos de interseção entre as modalidades e os con-ceitos fundantes a partir de vários pontos de entrada(esse processo será ilustrado nas atividades descri-tas mais adiante). Através do envolvimento ativo comobras musicais próprias ou da literatura, os alunosdesenvolvem progressivamente a sua compreensãomusical, bem como competências funcionais (técni-cas) que viabilizam a participação musical ativa.

Os conceitos fundantes

Materiais sonoros, caráter expressivo e formaconstituem as dimensões primordiais e cumulativasdo discurso musical (Hentschke, 1993; Swanwick,1994). Nesta presente reflexão, optamos por nos refe-rir a esses elementos como conceitos fundantes dadisciplina. Pela centralidade que estes assumem naliteratura contemporânea, entendemos que podem serconsiderados pilares de uma proposta curricular – ouseja, os seus conceitos estruturadores. Freqüente-mente observamos programas de educação musicalresumidos aos tradicionais “parâmetros” musicais (leia-se: altura, duração, timbre, intensidade), tidos comoponto de partida e chegada de todo um trabalho depercepção, raramente musical. Dentro de programasassim constituídos, poucas são as oportunidades queos alunos têm de avançar além de uma mera execu-ção soletrada de tais elementos.

Uma vez dominados os ditos padrões, suaspossibilidades expressivas devem ser vivenciadas naapreciação de peças estrategicamente selecionadase em propostas de criação e performance (França,2003a). Nessas ocasiões, aqueles elementos ga-nham vida através das transformações metafóricassugeridas por Swanwick (1999). Materiais sonorossão organizados em gestos (motivos ou frases) queincorporam diferentes nuanças de caráter expressi-vo. Este é determinado por escolhas no que tange aregistros, intervalos, forma e tamanho das frases,andamento, agógica, articulação, métrica, textura eoutros (Swanwick; Taylor, 1982, p. 11). Essas esco-lhas implicam mudanças de clima, atmosfera, emo-ção ou impressão. Tais motivos são então organiza-dos em estruturas através dos mecanismos de re-petição ou contraste e seus derivados. Os gestosexpressivos se encadeiam com outros gestos, esta-belecendo relações de monotonia ou expectativa pormeio de variações, contrastes, superposições e si-multaneidades, que determinam a articulação estru-tural da peça (Swanwick; Taylor, 1982). Experimen-tando música nesse nível, os alunos poderão, fortui-tamente, compreender seu valor simbólico individuale coletivo (Swanwick, 1994).

MODALIDADES DO FAZER MUSICAL

Composição Apreciação Performance

Forma O O O

Caráter expressivo O O O

CO

NC

EIT

OS

FUN

DA

NTE

S

Materiais sonoros O O O

Figura 1: Matriz de Swanwick: “Uma estrutura para ocurrículo de música”

Adaptado de Swanwick (1994, p. 161).

Nessa matriz é possível visualizar as inter-seções entre as atividades de composição, apre-ciação e performance e a aprendizagem decorrentedestas: “sensibilidade e controle” de materiais sono-ros, caráter expressivo e forma (Swanwick, 1994).No original, a coluna da esquerda é intitulada “produ-tos da aprendizagem”, que substituímos pela termi-nologia conceitos fundantes, que será explicitada emseguida. Essa matriz inspira inúmeras possibilida-

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Composição, apreciação e performance naescola

Um dos fundamentos da educação musicalcontemporânea celebra a primazia do fazer musicalativo através das modalidades de composição, apre-ciação e performance (Fernandes, 2004; França,2003a; Gamble, 1984; Paynter, 1992; Preston, 1994,Swanwick, 1979 e outros). Cada uma delas envolveprocedimentos e produtos específicos, promovendoinsights complementares em relação à música en-quanto discurso simbólico. A natureza peculiar decada modalidade promove diferentes níveis deengajamento cognitivo e afetivo. Além disso, asmodalidades envolvem os processos psicológicos dojogo imaginativo (enfatizado na composição), imitativo(na apreciação) e do domínio (na performance)(Swanwick, 1983). Enquanto compõe, o indivíduo de-senvolve o pensamento abstrato, pois cria mundosimaginários, estruturando os sons conforme sua in-tenção expressiva. Ao ouvir música, ele é levado aacomodar-se àquelas combinações sonoras, imitan-do-as internamente. Quando realiza uma performancemusical vocal ou instrumental, coloca em ação umconjunto de habilidades sensoriais, físicas e intelectu-ais. Integrar essas modalidades na educação musi-cal significa equilibrar atividades de tendênciasimitativas e imaginativas, contribuindo para o desen-volvimento integral do aluno. Estudos científicosapresentam mais uma razão para incluí-las e integrá-las no currículo: elas constituem “janelas” que po-dem ser indicadores singulares da compreensãomusical do indivíduo (França; Swanwick, 2002; Fran-ça Silva, 1998).

Swanwick (1994, p. 138) relata que tal abor-dagem já é observada como “princípio organizador”de inúmeros programas de ensino efetivos. Acredita-se que as três modalidades são, de alguma forma,interativas, podendo se enriquecer e iluminar reci-procamente e fomentar o desenvolvimento musicaldos alunos (Swanwick, 1979). Compor a partir deum determinado elemento musical ou técnico, porexemplo, pode promover uma performance mais con-sistente e coerente (Swanwick, 1979, p. 49). Tal con-cepção apóia-se no pressuposto de que a compre-ensão, dimensão conceitual ampla sobre o funcio-namento das idéias musicais, é transferida entreaquelas modalidades (França Silva, 1998;Hargreaves; Zimmerman, 1992). Essa integração ésistematizada no Modelo C(L)A(S)P de Swanwick(1979, p. 46), que inclui, além da composição – C,apreciação – A – e performance – P, modalidadesperiféricas ou de suporte (por isso entre parênteses),os “estudos acadêmicos” ou “literatura” – (L) – e ashabilidades técnicas – (S).

Transpor esses preceitos (discurso utópico)para o currículo (discurso deliberativo) é um desafio.O desenvolvimento técnico é um dos pontosnevrálgicos da educação musical na escola regular.Portanto, é preciso balizar conceitualmente cada umadessas modalidades no contexto de ensino nãoespecialista e coletivo. Em classes numerosas, acomposição pode ser viabilizada em pequenos gru-pos, dentro dos quais os alunos podem tomar deci-sões musicais – naturalmente, a performance e aapreciação crítica também se fazem presentes emtais atividades de composição. Diferentemente daprática de natureza especialista, compor, assimcomo tocar, inclui desde a realização musical maissimples até a mais elaborada. Esse dimensiona-mento não significa, entretanto, uma permissividadeou um descompromisso com a qualidade daperformance e com o produto da composição. Qua-lidades artísticas podem e devem ser buscadas des-de o nível mais elementar. Pois se o aluno não écapaz de realizar uma peça simples de uma manei-ra musical, com fraseado, articulação e dinâmica, oserá com peças progressivamente complexas?

Igualmente, a performance instrumental ouvocal pode promover o desenvolvimento musical atra-vés de propostas acessíveis sobre as quais os alu-nos tenham a oportunidade de tomar decisões ex-pressivas e criativas. Figuram no repertório canções,folclóricas ou não, arranjos de percussão instrumen-tal e corporal e peças diversas de fácil compreensãoe realização. Alguns contextos podem viabilizar umaprática instrumental diferenciada em grupos meno-res, especialmente no caso da flauta doce. Experi-ências bem sucedidas de ensino de cordas geral-mente têm seu lugar como atividades extracurri-culares. É importante que no conjunto do repertóriohaja, ao mesmo tempo, diversidade e coerência. Pordiversidade entenda-se pluralidade de estilos; porcoerência, que haja princípios artístico-culturais epedagógicos norteando tais escolhas. Não se limi-tar ao conhecido, nem temer o desconhecido. Nãonegar o comercial, nem mitificar o erudito. O mesmovale para a apreciação: escutar atenta, ativa e anali-ticamente. Nunca preconceituosamente, mas sem-pre criticamente. Focalizar, desvendar e, quandopossível, apropriar-se de técnicas, elementos e “arti-manhas” musicais que produzam resultados sono-ros interessantes e, oportunamente, procurar utilizá-los nas atividades de criação individuais e coletivas.

Matriz curricular experimental para o ensinofundamental

Apoiados nos referenciais explanados e man-tendo a matriz de Swanwick em perspectiva, conce-

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bemos uma matriz curricular experimental para oensino fundamental de música (1a à 4a série). En-quanto a primeira é sintética, econômica e de natu-reza procedimental, a nossa expressa um exercícionecessário no dia-a-dia da escola: explicitar, de for-ma detalhada, habilidades cognitivas (expressas nosverbos “identificar”, “associar”, “reconhecer”, “criar”,etc.) e conteúdos a elas associados. Não a procla-mamos exaustiva, nem definitiva ou original. Espe-ramos, sim, provocar o diálogo, admitindo revisões eeventuais mudanças de curso. A matriz representaum mapa de possibilidades e deve ser encarada apartir de uma concepção rizomática, pois permitemúltiplas entradas e linhas de fuga – tanto quanto amatriz de Swanwick. Os diversos tópicos se entrela-çam e se encadeiam, permitindo incursões recípro-cas. A matriz está organizada em seis temas que sedesdobram em vários tópicos. Essa organização émeramente didática e permite, especialmente aoprofessor iniciante, visualizar o território da nossadisciplina. Colabora para traçar percursos que visi-tem os diversos conteúdos sem compartimentalizá-los. Isso é especialmente favorecido mediante a ado-ção da estratégia de projetos, que consistem ematividades que se desdobram em várias etapas queconectam rizomaticamente diferentes tópicos, ex-plorando diversos aspectos dos conceitos fundantes.

MATRIZ CURRICULAR PARA O ENSINOFUNDAMENTAL DE MÚSICA (1a à 4a SÉRIE)

TEMA 1: DURAÇÃO

Tópico 1: Curto e longoDiferenciar entre sons curtos e longos, não pro-porcionais e proporcionais.Realizar sons curtos, longos e silêncio sob re-gência.Registrar graficamente seqüências de sons cur-tos, longos e silêncio.Realizar sons curtos, longos e silêncio a partirda notação gráfica.Identificar sons curtos e longos presentes no co-tidiano e na natureza.Reconhecer padrões de sons curtos, longos esilêncio e associá-los à notação gráfica.Reconhecer padrões de sons curtos e longos norepertório de apreciação e de performance.Criar peças explorando sons curtos, longos e si-lêncio.Criar audiopartituras utilizando notação gráfica desons curtos e longos, não proporcionais e pro-porcionais.

Tópico 2: Modos rítmicos básicos e noçõesde compassoPerceber e realizar o pulso.Diferenciar entre música com e sem pulso regular.Identificar e realizar o acento métrico (apoio).Classificar o acento métrico como binário, ternárioou quaternário.Distinguir entre músicas com e sem anacruse.Perceber e realizar a divisão do pulso.Diferenciar entre divisão binária e ternária do pulso.Perceber e realizar o ritmo real.Produzir gráficos proporcionais de ritmo real.Identificar o ritmo real a partir da notação gráfica.Distinguir entre os modos rítmicos básicos.Reconhecer os modos rítmicos básicos no re-pertório de apreciação e de performance.Criar arranjos a partir dos modos rítmicos.

Tópico 3: TempoIdentificar e realizar variações de andamento.Associar andamentos variados a eventos, obje-tos, fenômenos naturais, animais e outros.Classificar eventos e objetos do meio social e danatureza conforme o andamento.Identificar e realizar variações de agógica.Associar variações de andamento a mudançasde caráter e à forma.Criar climas expressivos a partir de indicaçõesde andamento.

Tópico 4: Padrões rítmicos básicosDiferenciar e realizar pulsos de som e de silêncio.Associar pulsos de som e de silêncio à repre-sentação gráfica.Identificar figuras rítmicas e suas pausas.Associar gráficos de som e de silêncio às se-qüências rítmicas.Reconhecer e realizar seqüências rítmicas comsemínima e pausa de semínima.Compreender e realizar a relação de dobro e dedivisão do pulso.Reconhecer e realizar seqüências rítmicas comduas colcheias, semínima, mínima e suas pausas.Identificar o número de pulsações contido nasseqüências rítmicas (base semínima).Reconhecer padrões rítmicos conhecidos no re-pertório de apreciação e de performance.Criar frases musicais com os padrões rítmicosbásicos.

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Tópico 5: Compasso (base semínima)Identificar compassos binários, ternários equaternários.Realizar a estrutura de compassos binários,ternários e quaternários com movimentos corpo-rais e/ou instrumentos.Associar seqüências rítmicas à fração de com-passo.Completar compassos.Reconhecer métrica regular e irregular.

TEMA 2: ALTURA

Tópico 1: Direcionalidade sonoraDistinguir entre movimento sonoro ascendente edescendente.Realizar padrões de movimento sonoro (subidas,descidas, som constante, contínuos edescontínuos) sob regência.Registrar graficamente seqüências de sons as-cendentes, descendentes ou constantes, contí-nuos e descontínuos.Realizar padrões de movimento sonoro (subidas,descidas, som constante, contínuos edescontínuos) a partir da notação gráfica.Reconhecer padrões de movimento sonoro eassociá-los à notação gráfica.Identificar padrões de movimento sonoro no meiosocial e na natureza.Reconhecer padrões de movimento sonoro norepertório de apreciação e de performance.Criar peças utilizando padrões de movimento so-noro.Criar audiopartituras utilizando notação gráfica demovimento sonoro.

Tópico 2: Grave, médio e agudoCompreender os conceitos “grave” e “agudo”.Discriminar entre sons a) graves e agudos e b)graves, médios e agudos.Realizar seqüências de sons a) graves e agudose b) graves, médios e agudos sob regência.Registrar graficamente seqüências de sons gra-ves e agudos.Realizar seqüências de sons a) graves e agudose b) graves, médios e agudos a partir da notaçãográfica.Reconhecer seqüências de sons graves, médiose agudos e associá-las à notação gráfica.Identificar sons graves, médios e agudos no meio

social e na natureza.Classificar objetos e fontes sonoras diversas con-forme o seu registro.Relacionar a conformação física de objetos e ins-trumentos musicais com os registros grave, mé-dio e agudo.Reconhecer os registros grave, médio e agudono repertório de apreciação e de performance.Criar peças a partir da exploração dos registrosgrave, médio e agudo.Criar audiopartituras utilizando notação gráfica dosregistros grave, médio e agudo.

Tópico 3: Padrões melódicos básicosIdentificar e realizar (entoar) padrões escalares.Identificar e realizar (entoar) arpejos.Criar frases musicais a partir de padrões escala-res e arpejos.Reconhecer padrões melódicos conhecidos norepertório de apreciação e de performance.Compreender o conceito de acorde.Criar acompanhamentos explorando acordes bá-sicos e/ou inventados.

Tópico 4: ModoCompreender a diferença entre tríade maior emenor.Distinguir entre tríade maior e tríade menor.Reconhecer modo maior e modo menor no reper-tório de apreciação e de performance.

TEMA 3: TIMBRE E INTENSIDADE

Tópico 1: TimbreCompreender o conceito de timbre.Realizar diferentes timbres vocais e corporais.Identificar timbres instrumentais variados.Reconhecer timbres diversos da paisagem sono-ra, da natureza e outros.Reconhecer auditivamente diferentes paisagenssonoras.Associar timbres a contextos e estilos musicaisespecíficos.Conhecer as principais famílias dos instrumen-tos (cordas, sopros, percussão).Sonorizar fotos, quadros, histórias e/ou poemasexplorando timbres.Criar paisagens sonoras utilizando voz, corpo eoutras fontes sonoras.

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Tópico 2: IntensidadeDiscriminar entre sons fortes e piano.Classificar sons do meio social e da naturezaconforme a intensidade.Realizar sons fortes, piano, crescendos edecrescendos sob regência.Realizar sons fortes, piano, crescendos edecrescendos a partir da notação gráfica.Identificar variações de dinâmica e associá-las àrespectiva grafia.Associar gráficos de sons fortes e fracos à métri-ca binária, ternária e quaternária.Reconhecer variações de intensidade no repertó-rio de apreciação e de performance.Criar peças explorando variações de intensidade.Criar audiopartituras utilizando variações de in-tensidade.Reconhecer indicações de dinâmica.

TEMA 4: CARÁTER EXPRESSIVO E CON-TEXTO

Tópico 1: Caráter expressivoIdentificar o caráter expressivo de peças do re-pertório de apreciação e de performance.Associar o caráter expressivo a variações de an-damento, intensidade e outros elementos.Criar peças a partir da indicação do caráter ex-pressivo.

Tópico 2: Estilo, contexto e cultura musicalDiferenciar entre música erudita, folclórica e po-pular.Identificar estilos musicais variados.Associar estilos musicais a contextos, grupossociais e formações instrumentais.Identificar características e instrumentos de dife-rentes estilos.Distinguir auditivamente entre música tonal eatonal.Nomear compositores expoentes.Reconhecer e nomear obras musicais relevantesdo contexto escolar e do cotidiano.

TEMA 5: ESTRUTURAÇÃO MUSICAL

Tópico 1: FormaPerceber e delimitar frases e seções.

Reconhecer repetição de eventos e frases musi-cais, estruturas ABA e seus derivados no reper-tório de apreciação e de performance.Criar peças com repetições e seções contras-tantes.Identificar e realizar o procedimento de perguntae resposta (antecedente e conseqüente).Identificar e realizar cânones.Identificar e realizar ostinatos e pedais.Criar peças utilizando ostinatos e pedais.Identificar variações de um tema.Criar variações a partir de um tema.Associar a articulação estrutural a mudanças decaráter e organização do material sonoro.

Tópico 2: Elementos do discursoCompreender o conceito de melodia.Compreender o conceito de acompanhamento.Associar melodias e acompanhamentos aosparâmetros musicais.Explorar e criar acompanhamentos em estilosvariados.Diferenciar entre texturas simples e complexas.Compreender e explorar a relação texto-música.Criar texturas instrumentais e vocais.

TEMA 6: NOTAÇÃO MUSICAL

Tópico 1: Grafia contemporâneaIdentificar signos básicos da grafia contemporâ-nea (pontos, linhas, clusters e glissandi).Associar padrões sonoros à grafia contemporânea.Registrar padrões sonoros utilizando signos dagrafia contemporânea.Realizar gráficos e audiopartituras com voz, cor-po e outras fontes sonoras.Reconhecer padrões sonoros da escrita contem-porânea no repertório de apreciação e deperformance.Criar audiopartituras temáticas e abstratas.

Tópico 2: Notas musicaisListar, completar e ordenar seqüências de notasvizinhas (segundas).Distinguir entre seqüências de segundas ascen-dentes e descendentes.Associar seqüências de notas vizinhas à escritagráfica.

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Listar e ordenar seqüências de terças.Distinguir entre seqüências de terças ascenden-tes e descendentes.Associar seqüências de terças à escrita gráfica.

Tópico 3: Leitura relativa no pentagramaAssociar o pentagrama a padrões de movimentosonoro e planos de altura.Compreender a estrutura do pentagrama.Identificar as linhas e os espaços do pentagrama.Associar a escrita no pentagrama a gráficos demovimento sonoro.Nomear seqüências de segundas e terças nopentagrama (leitura relativa, sem clave).

Tópico 4: Leitura absolutaCompreender o significado de clave.Identificar as claves de sol, dó e fá.Conhecer os números das oitavas e localizá-lasna pauta musical.Posicionar notas musicais na pauta musical apartir da indicação de clave.Realizar leitura absoluta.Criar trechos musicais utilizando software de no-tação musical.

Embora essa matriz pareça extensa, muitostópicos contêm itens (chamados descritores) extre-mamente simples e diretos como, por exemplo, “Dis-criminar entre sons graves e agudos”. No entanto,um mesmo descritor pode pressupor níveis progres-sivos de complexidade – no caso citado, desde osextremos dos registros grave e agudo até intervalosmelódicos bem pequenos. Tais elementos,vivenciados através da escuta, criação ouperformance, admitem conexões as mais diversascom outros pontos da matriz, conforme será demons-trado posteriormente. Alguns tópicos são seqüenciaise devem ser desdobrados ao longo das séries doensino fundamental, como é o caso de “Padrões rít-micos básicos”, “Padrões melódicos básicos” e “Lei-tura absoluta”. Mas a maioria dos conteúdos permi-te combinações múltiplas. Seqüências de sons cur-tos e longos, por exemplo, podem ser associadas avariações de registro, andamento, intervalos, inten-sidade, timbre ou ataque, determinando o caráterexpressivo e a forma, conectando rizomaticamentediversos elementos da matriz. Insistimos na nãolinearidade de diversos temas e tópicos devido àcumulatividade dos conceitos fundantes (materiaissonoros determinam o caráter expressivo dos ges-

tos ou motivos que se encadeiam em estruturas maiscomplexas). Gradualmente, conteúdos apreendidosvão conduzindo a novos conteúdos, as conexões setornam mais consistentes e as atividades mais ela-boradas tecnicamente.

Enfim, acreditamos em um currículo semi-aberto que se apóie em fundamentos claros, quetenha conteúdos declarados e ao mesmo tempopermita uma multiplicidade de traçados possíveis,contextualizados e essencialmente musicais, pro-movendo ampla vivência dos conceitos fundantes.Essa compreensão é determinante para manter avitalidade da matriz curricular, bem como afirmar sualegitimidade. Para ilustrar as idéias aqui apresenta-das – os conceitos fundantes, a integração das moda-lidades de composição, apreciação e performance, amatriz de Swanwick (1994) e a abordagem rizomáticada nossa matriz curricular, relataremos agora dois pro-jetos transcorridos em sala de aula.

Projeto 1: Maria Fumaça

Este primeiro projeto tem como eixo a can-ção Maria Fumaça, do nosso CD e respectivo livroPoemas Musicais – Ondas, Meninas, Estrelas e Bi-chos (França, 2003b). Na canção, os conceitosfundantes podem ser vivenciados de maneira forte-mente integrada. A melodia é formada por umpentacorde maior em movimentos ascendentes edescendentes. A harmonia é ricamente elaborada,com empréstimos modais e modulações. A escritarítmica explora o contraste de duração entre sonscurtos (padrões de quatro semicolcheias) e longos(semínimas). O ritmo também é trabalhado no seuaspecto expressivo, com alterações de andamentoe agógica associadas à temática da canção. Amacroforma apresenta introdução, repetições queexploram detalhes do arranjo e de textura, e coda.São explorados timbres instrumentais (violoncelo,piano e percussão) e não instrumentais, incluindo oapito do trem e sino, que sinalizam a partida da es-tação. O tema da canção convida a exploraçõesinterdisciplinares através da contextualização histó-rico-geográfica do trem de ferro, e pode conduzir àapreciação de obras como O Trenzinho do Caipira,de Villa-Lobos. A Figura 2 apresenta um trecho dacanção (França, 2003b).

O projeto permite abordar de uma maneiraextremamente musical dois temas da nossa matrizcurricular: a direcionalidade sonora e a ordenação(falada e solfejada) de segundas, os graus conjun-tos ou “vizinhos”. Portanto, para que o projeto sejabem aproveitado, é importante que tais conteúdossejam trabalhados paralelamente. O automatismo daordenação dos nomes das notas pode ser trabalha-

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do através de atividades com bola, batimentos cor-porais, jogos com cartões e cartelas (Mares Guia;França, 2005), exercícios orais e escritos. A direcio-nalidade sonora também deve ser vivenciada primei-ramente de forma sensorial, através de movimentoscorporais conjugados com a vocalização e percep-ção de subidas e descidas, cuja grafia será desco-berta pelos alunos. Em seguida, esta será trabalha-da através de atividades e jogos de leitura e reco-nhecimento (Mares Guia; França, 2005). A aprecia-ção de peças que exploram subidas e descidas nasua escrita – como Rapsody in Blue, de Gerswhin,Odeon, de Nazareth, o terceiro movimento do Quin-teto em Mi Bemol, de Schumann, e outras – é funda-mental para a compreensão das possibilidades ex-pressivas desses elementos. Da mesma forma, acriação a partir desses elementos possibilita suaaplicação musical imediata. Oportunamente, os doistemas – nomes de notas e alturas – são associadosna performance de canções como O Sabiá, deCarmem Mettig, e Minha Canção, de Chico Buarque,que preparam o caminho para a percepção do perfilmelódico da canção Maria Fumaça.

O relato que se segue é derivado da nossapesquisa observacional em uma turma de segundasérie (atualmente correspondente à terceira) de uma

escola regular. Iniciamos o projeto Maria Fumaça coma proposta de sonorização de uma “viagem de tremde ferro” a partir da visualização de uma foto. Diver-sos timbres vocais, corporais e de outras fontes so-noras foram combinados em texturas variadas. Ex-ploramos a questão expressiva dos andamentos lentoe rápido, do acelerando e do rallentando, conjuga-dos com a movimentação corporal. Em seguida,apresentamos a canção (o arranjo original do CD) epassamos à aprendizagem e performance da mes-ma. No primeiro momento, focalizamos os aspectosestruturais e expressivos do arranjo: a forma (intro-dução, repetições, com destaque para a modulação,e coda), as variações de andamento, o caráter vi-brante e ao mesmo tempo doce da peça.

Conduzimos, então, uma apreciação maisanalítica na qual os alunos foram provocados a per-ceber timbres, texturas, melodia e acompanhamentoe a descobrir o movimento melódico ascendente edescendente de cada frase da melodia. Em segui-da, pedimos que registrassem no quadro o gráficode cada frase (habilidade já trabalhada anteriormen-te), a partir do qual realizamos atividades de leitura ereconhecimento. A etapa seguinte consistiu da en-toação da melodia com os nomes das notas e comdiferentes tônicas3 e da escrita e leitura relativas no

Figura 2: Trecho da canção Maria Fumaça

_____________________________________________________________________________________________________________

3 Lembramos que a utilização de diferentes “chefes” (tônicas) não é possível dentro da metodologia de solfejo do “Dó Móvel”.

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pentagrama. A percepção rítmica foi trabalhada sen-sorial e graficamente a partir da diferenciação entreos padrões de sons curtos e longos. Após essa eta-pa analítica, retornamos à performance da canção,iluminada pela compreensão dos diversos elemen-tos musicais que transformaram um mero pentacordeem uma “viagem” ricamente musical. Complementa-mos o projeto com a apreciação de outras peçasque tinham em comum essa temática, incluindo OTrenzinho do Caipira, de Villa-Lobos.

Inúmeros temas e tópicos da nossa matrizcurricular foram trabalhados: curto e longo, tempo,direcionalidade sonora, timbre, caráter expressivo,cultura musical, forma, textura, melodia e acompa-nhamento, notação gráfica e notas musicais (inclu-indo solfejo relativo). O projeto permitiu trabalhar osconceitos fundantes de forma integrada, partindo dacriação (sonorização) para a apreciação e perfor-mance da canção. Esse processo pode ser visualizadona matriz de Swanwick (1994) – Figura 3, abaixo.

unânime foi “achei chato”. Tal reação negativa dosalunos desencadeou decisões pedagógicas que pro-piciaram uma experiência muito mais rica do que aproposta inicial de apreciação, e que se desdobrouem um projeto que se estendeu por várias aulas.

Coincidentemente, o motivo inicial da peça éformado por um familiar “fá#, ré, si, sol, mi”, terçasdescendentes correspondentes às notas nas cincolinhas da clave de sol – essa foi a porta de entradapara a obra de Brahms. Os alunos “tiraram” essemotivo de ouvido e o escreveram no pentagrama.Constatada a familiaridade com o tema de Brahms,passaram a trabalhar numa composição a partir da-quelas cinco notas. Delas derivaram dois acordes:si menor (“si, ré, fá#”) e mi menor (“mi, sol, si”). Umaaluna, ao piano, encontrou dificuldade para deslocara mão entre os dois acordes. Assim sendo,(rizomaticamente) aprenderam sobre inversão deacordes: “mi, sol, si” transformou-se em “si, mi, sol”;dessa forma, a pequena pianista manteria o mesmobaixo (si) para os dois acordes. Estes foram alterna-dos sob a melodia das cinco notas descendentes,repetidas duas vezes, finalizando-se com acordestambém no registro agudo. O caráter dessa peque-na criação era quase tão intimista e dramático quan-to o Intermezzo, devido ao andamento, à tonalidadee à dinâmica piano com crescendos imponentes. Sepor um lado a percepção do caráter dá-se de formaintuitiva, por outro são decisões objetivas no níveldos materiais sonoros que determinam o clima ex-pressivo da peça. Trêmolos no xilofone (“mi-fá#”) eshakes no pandeiro reiteravam esse caráter. O temaaparece na Figura 4.

Na aula seguinte, os alunos criaram duas va-riações para esse tema. Na primeira, a direção damelodia foi invertida para “mi, sol, si, ré, fa#”. O cará-ter era mais rítmico, com uma célula sincopada rea-lizada pelo pandeiro e alternada com a flauta doce.Após algumas repetições, os dois instrumentos jun-tos aceleravam até um corte abrupto. A segunda va-riação era mais sombria e mais lenta, com a melo-dia iniciando no grave e subindo uma oitava a cadarepetição. O trêmolo do tema reaparecia nos acor-des e no xilofone, no início de cada entrada da melo-dia. Realizamos, então, a performance completa dotema e suas variações. Os alunos puderam vivenciarintegralmente a transformação daquelas cinco no-tas em um motivo de caráter marcante, organizadoem um tema pequeno, mas coerente. A proposta foiestendida com a criação das variações e a organiza-ção dos três trechos em uma estrutura mais longa econsistente.

Algumas semanas depois, colocamos nova-mente o Intermezzo de Brahms. É impossível trans-

Figura 3: Percurso do Projeto Maria Fumaça

Adaptado de Swanwick (1994, p. 161).

MODALIDADES DO FAZER MUSICAL

Composição Apreciação Performance

Forma 1 2 e 6 3

Caráter expressivo 1 2 e 6 3

CO

NC

EIT

OS

FUN

DA

NTE

S

Materiais sonoros 1 4 e 6 3 e 5

Projeto 2: Homenagem a Brahms

Para ilustrar a versatilidade da matriz curricular,relatamos agora um projeto transcorrido em umaescola de música especializada em Belo Horizonte,em uma turma de nove alunos de dez anos de idade.Nesse contexto (quase utópico), os conteúdos fo-ram trabalhados em um nível tecnicamente mais re-finado do que no projeto anterior, transcorrido emescola regular.

Estávamos trabalhando terças, tríades earpejos, alternando o automatismo falado, cantadoe auditivo com a apreciação de peças que continhamterças caracterizando a escrita – o prelúdio La Filleaux Cheveux de Lin, de Debussy; as Sonatas KV545, 570 e 576, de Mozart; Águas de Março, de TomJobim, entre outras. Na seqüência, levamos oIntermezzo op. 119, n. 1, de Brahms. Para nossasurpresa, quando a peça terminou, o comentário

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mitir através do texto o vigor da experiência e o im-pacto causado em todos nós. Aquela primeira im-pressão negativa foi transmutada pela compreensãoe apropriação de um dicionário expressivo intimista,delicado, quase dramático. A experiência de compo-sição com as mesmas notas utilizadas por Brahms,não obstante a simplicidade técnica composicionale instrumental empregada, construiu uma relaçãoafetiva e de empatia com aquela obra e seu criador,de quem os alunos quiseram aprender sobre a vida,obra e estilo. Nosso Tema e Variações foi batizadoem sua homenagem.

al das cinco notas, com o qual passamos à compo-sição (2) com caráter expressivo semelhante ao doIntermezzo. Finalizado o tema, passamos à criaçãodas variações (3), que foram organizadas em umaestrutura mais complexa, que rendeu várias experi-ências de performance, entre ensaios e apresenta-ções (4). Retornamos a Brahms (5), culminando coma poderosa experiência do (re)conhecimento, a sen-sação de ouvir as “nossas” terças se desdobrandoem longas em profundas melodias.

Praticamente todos os temas e tópicos danossa matriz curricular foram visitados nesse proje-to: modos e padrões rítmicos, tempo, compasso,direcionalidade sonora, grave e agudo, padrões me-lódicos, modo, timbre, intensidade, caráter expres-sivo, estilo, forma e outros descritores como melo-dia e acompanhamento, acorde e inversão, terças,escrita e leitura absoluta. Vale lembrar que, comose trata de uma escola especializada, os conteúdospuderam ser trabalhados em um nível tecnicamentemais elaborado.

Continuaremos explorando caminhos e cone-xões, acreditando que, quando se tem um norte, émais fácil aventurar-se, deixar-se levar pela frutíferae imprevisível interação música-sujeitos. Por issofundamentos são importantes, e princípios, impres-cindíveis.

Figura 4: Tema Homenagem a Brahms

Adaptado de Swanwick (1994, p. 161).

MODALIDADES DO FAZER MUSICAL

Composição Apreciação Performance

Forma 3 5 4

Caráter expressivo 2 e 3 1 e 5 4

CO

NC

EIT

OS

FUN

DA

NTE

S

Materiais sonoros 2 1 e 5 4

Figura 5: Percurso do Projeto Homenagem a Brahms

Na Figura 5 pode-se visualizar o percurso des-se projeto na matriz de Swanwick (1994). Da apreci-ação da peça de Brahms (1) extraímos o tema inici-

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Recebido em 27/02/2006

Aprovado em 10/04/2006

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Grupo de Pesquisa
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Repensando o ensino-aprendizagem de piano do Curso

Técnico em Instrumento doConservatório Estadual de Música

Padre José Maria Xavier de SãoJoão del-Rei (MG): uma reflexão

baseada em Foucault

Maria Amélia de Resende ViegasConservatório Estadual de Música Padre José Maria Xavier (CEMPJMX)

[email protected]

Resumo. Este artigo é resultado de uma investigação inicial para dissertação de mestrado, arespeito das práticas pedagógicas pianísticas desenvolvidas no Curso Técnico em Instrumento(Piano) do Conservatório Estadual Padre José Maria Xavier de São João del-Rei (MG). Através deuma reflexão baseada em alguns pressupostos do pensamento do filósofo Foucault, como o conceitode genealogia, a noção de onipresença do poder e a questão da disciplinarização, resgatamos umpouco da história da formação dos conservatórios mineiros e de seus saberes instituídos para, numsegundo momento, entender como e por que se perpetuam algumas práticas que, no nosso entender,servem mais como cerceamento do indivíduo do que como busca de sua expressividade. Nessesentido, descobrimos o quão importante é estar desperto para a realidade institucional em queestamos inseridos, para, através de sua análise, buscarmos novos caminhos, mais condizentescom a formação de um homem livre, ativo e consciente de sua expressividade artística.

Palavras-chave: pedagogia do piano, filosofia, história das instituições musicais

Abstract. This article is the result of some initial research for my Master’s degree on pedagogicalpianistic practices developed at the Instrument Technical Course (Piano) of the State Conservatoryof Music “Padre José Maria Xavier” located at São João del-Rei, state of Minas Gerais. Throughreflection based upon some of the philosopher Foucault presupposed ideas, such as the concept ofgenealogy, the notion of the omnipresence of power and the question of disciplinarization, we havetried to recover a little of the constitution of conservatories and of their institutionalized knowledge,in order to understand at a second moment how and why some practices became eternal which, aswe understand it, work more as a kind of restriction to the person than as the search forexpressiveness. In this meaning we find how important is the fact of being attentive to the institutionalreality in which we are inserted in order that we can through its analysis look for new ways whichsuit better with the formation of a free man, active and conscious of his own artistic expressiveness.

Keywords: piano pedagogy, philosophy, history of musical institutions

VIEGAS, Maria Amélia de Resende. Repensando o ensino-aprendizagem de piano do Curso Técnico em Instrumento do ConservatórioEstadual de Música Padre José Maria Xavier de São João del-Rei (MG): uma reflexão baseada em Foucault. Revista da ABEM, PortoAlegre, V. 15, 81-90, set. 2006.

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Passos preliminares

Ao iniciar o curso de Mestrado, em março de2005, na Universidade Federal do Estado do Rio deJaneiro (Unirio), eu acalentava a esperança de po-der, talvez, encontrar uma solução adequada, certa,quase “ideal” para os problemas com que me depa-rei na minha prática pedagógica como professora depiano. Há mais de dez anos lecionando no CursoTécnico de Piano do Conservatório Estadual de Mú-sica Padre José Maria Xavier de São João del-Rei(MG) – CEMPJMX –, nos últimos cinco anos venhopercebendo que os resultados avaliativos não têmsido nada favoráveis e o nível de repetência dos alu-nos tem permanecido superior ao de aprovação. Foia partir desse incômodo com uma prática desgastadapelos seus efeitos infrutíferos que resolvi buscar umsuporte e uma realimentação teórica como alternati-vas para otimizar o processo pedagógico. Motivada,portanto, a descobrir as variáveis que estavam con-tribuindo para o alto índice de repetência do cursomencionado, me ocupei primeiramente dos proble-mas institucionais que conformavam esse campo.Nesse sentido, foram levantadas algumas questõesnorteadoras, provocadas principalmente peloaprofundamento no pensamento do filósofo Foucault,das quais destacamos duas: qual a história do con-servatório, e qual a “origem” dos saberes musicaisaí legitimados e instituídos como válidos? Como es-ses saberes repercutem hoje na elaboração dos pro-gramas propostos, ensejados pelos professores, comtoda a sua disposição espaço-temporal preestabe-lecida? Essa volta ao passado não é mera contextua-lização histórica; trata-se de uma releitura do pre-sente, a partir do passado. Ela visa compreendercomo nos tornamos o que hoje somos, não no sen-tido de descobrirmos e afirmarmos nossa identida-de. Como cita Veiga-Neto (2004a, p. 46, grifo do au-tor): “[…] o que importa é perguntarmos como che-gamos a ser o que somos, para, a partir daí, poder-mos contestar aquilo que somos. É de tal contesta-ção que se pode abrir novos espaços de liberdade.”

Este artigo pretende, pois, à luz de conceitosdo filósofo Michel Foucault, empreender uma críticaao modelo institucional do Curso Técnico doCEMPJMX, investigando as marcas deixadas pelapedagogia moderna, traçando uma genealogia dossaberes musicais. Alguém poderia se perguntar oporquê dessa digressão filosófica para problemas doâmbito musical. A questão é que qualquer práticapedagógica se norteia por determinados princípiosfilosóficos. Não há uma prática neutra, que não es-teja vinculada a certa correlação de forças sociais, acerta ideologia; mesmo aquelas que se intitulamimparciais estão permeadas pelas relações de po-der. O próprio Foucault, citado por Gallo (2004), vê a

filosofia como uma “caixa de ferramentas”: “Para ele,[…] aí encontramos os instrumentos e equipamen-tos necessários para resolver os problemas que nossão colocados pela realidade que vivemos.” (Gallo,2004, p. 80).

Dessa forma, a crítica que aqui desenvolvere-mos como compreendida pelo pensamentofoucaultiano não é uma crítica “salvacionista”, nemtampouco uma indicação de um novo modeloinstitucional. Na verdade, é uma tentativa de enten-der a estruturação do conservatório enquanto espa-ço educacional e social, no qual se perpetuam práti-cas “tradicionais” de ensino e do fazer musical, “cris-talizadas” e já naturalizadas. Assim, essa críticadesmistifica as práticas estabelecidas, ao mesmotempo em que tenta inserir demandas trazidas pelaatualidade discente, seu pensar, e suas expectativas.

Aportes teóricos foucaultianos: a genealogia,a construção dos saberes e a onipresença dopoder

Entender o que é, para Foucault, o processogenealógico, passa por desprender-se de todo umpensamento “inteligível” a que já estamos habitua-dos. Aliás, utilizar-se do pensamento deste autor é,de certo modo, subverter toda uma lógica do pensar,para instaurar a dúvida, a desconfiança e a autocríticaa todo o momento.

Nesse sentido, para Foucault, a genealogia éum resgate da história na sua contramão. O proces-so genealógico mostra a contingência e a historici-dade de nossas vivências e de nossa constituiçãocomo seres humanos. Como cita Larrosa (2002, p.84, grifo meu),

Os procedimentos que fabricam os estereótipos denosso discurso, os preconceitos de nossa moral, e oshábitos de nossa maneira de conduzir-nos nos mostramque somos menos livres do que pensamos quandofalamos, julgamos ou fazemos coisas. Mas nosmostram também sua contingência. E a possibilidadede falar de outro modo, de julgar de outro modo, deconduzir-nos de outra maneira.

Essa idéia da realidade como contingência éfundamental para não estabelecermos nenhumparâmetro universalizante de verdade, para não re-corrermos às teorias essencialistas e teleológicas,que elegem uma razão ou valor transcendental comoguia para a reflexão filosófica. A própria realidade esua problematização é que se apresentam comoprimeiras.

Ternes (2004) considera que desde o séculoXIX não há como conceber o homem destituído detemporalidade: “Desde Kant, Nietzsche, os primei-ros biólogos, a medicina anátomo-patológica, as

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novas físicas, a cultura ocidental tem consciênciade que não há verdades absolutas, eternas. Que averdade é nossa invenção.” (Ternes, 2004, p. 157,grifo do autor).

Assim, Foucault se encontra na contramãoda história, por romper com a preconização dessesmodelos e “regimes de verdade” que, como colocamLopes e Veiga-Neto (2004), nos atravessam e nosconformam. Se genealogia, entendida no seu senti-do mais comum, é a pesquisa das origens e de nos-sos antepassados, para o filósofo a pesquisagenealógica tem um sentido mais de desconstruçãodo que de reconstrução. A esse respeito diz o pró-prio Foucault (2005a, p. 34, grifo meu), em Microfísicado Poder:

A história genealogicamente dirigida não tem por fimreencontrar as raízes de nossa identidade, mas aocontrário, se obstinar em dissipá-la; ela não pretendedemarcar o território único de onde nós viemos, essaprimeira pátria à qual os metafísicos prometem que nósretornaremos; ela pretende fazer aparecer todas asdescontinuidades que nos atravessam.

Podemos depreender dessa citação dois pon-tos importantes do pensamento de Foucault: a idéiade desconstrução (dissipação da identidade), nosentido de desmistificação e desnaturalização dopresente (via método genealógico), e da história comoprocesso descontínuo.

E no reconhecimento dessa descontinuidadetambém encontramos a idéia de mutabilidade cons-tante das coisas. Ou seja, não há “porto seguro”,não há sujeito universal, nem um “ideal” a ser perse-guido. Como bem coloca Dussel (2004), a história éuma intensificação do poder. E, dessa forma, ossaberes se processam em determinado momentopara servir a determinada correlação de forças soci-ais (os saberes também não são universais!). Essasforças não se encontram nas mãos de determinadosoberano, ou grupo social, ou pastor, mas elas sedistribuem por todo o tecido social. O poder estádisseminado pela sociedade em forma de“micropoderes”. Como situa Gallo (2004), na pers-pectiva genealógica de Foucault, não há um lugarpara o poder, “já não se fala em soma zero do poder”(Gallo, 2004, p. 84), mas sim em onipresença dopoder. Por isso, ninguém o possui ou o perde, mastodos o exercem.

Nessa perspectiva, saber e poder estão impli-cados entre si. Como explicita Foucault (2005b), nãohá relações de poder sem relações correlatas desaber, e ao contrário o mesmo se verifica, não há umcampo do saber que não se vincule às conjunçõesdo poder.

A genealogia dos saberes educacionais: apedagogia moderna e as marcas deixadas porComenius

[…] pensar sobre a educação implica construir umadeterminada autoconsciência pessoal e profissional quesirva de princípio para a prática, de critério para acrítica e a transformação da prática, e de base para aauto-identificação do professor. (Larrosa, 2002, p. 50,grifo meu).

Neste tópico, pretendemos mostrar como ospensadores da educação têm realizado a genealogiados saberes educacionais, a fim de desnaturalizaras práticas que remetem a esses saberes, transfor-mando-as a partir de seu desvelamento. Para isso,nos utilizaremos principalmente de dois autores:Veiga-Neto (2004b) e Narodowski (2004), que proce-dem a esse empreendimento genealógico.

Veiga-Neto (2004b), contextualizando as mu-danças ocorridas na Idade Moderna, nos lembra queos séculos XV e XVI foram séculos de grandes eprofundas transformações econômicas, políticas esociais no continente europeu. O regime feudal en-contrava-se em declínio, e todos os valores sociaisa ele associados. Os valores espirituais do cristia-nismo, por exemplo, estavam sendo substituídos pelacrença no próprio Homem e na Razão. Assim, o pen-samento humanista e o desenvolvimento da ciênciamarcaram esse momento, altamente propício areformulações e novas proposições. Nesse contex-to assistimos ao surgimento dos princípios que seinstituíram como raízes da pedagogia moderna, con-formando-se em dispositivos que prevalecem até osdias atuais.

Narodowski (2004) situa a obra Didática Mag-na, do pensador Comenius, como marco inicial dapedagogia moderna. Nascido em 1592 na Morávia,de formação protestante, este pedagogo soube sin-tetizar algumas mudanças educacionais, que emer-giam na sua época como necessárias.

Não é que Comenius tenha inventado, ex nihilo, novodiagrama de normas e explicações no campo daeducação, mas, sim, que acima de tudo, ele conformaum novo mosaico a partir de alguns elementos jáexistentes, além de outros componentes de elaboraçãoprópria. (Narodowski, 2004, p. 14)

A Didática Magna é, no dizer de Narodowski(2004), a obra fundante do pensamento educacionalmoderno. Nesse compêndio sobre a educação,Comenius estabelece os princípios de uma “educa-ção moderna”. Procedendo a uma crítica à educa-ção da época, processada sem nenhuma ordena-ção e sistematização mais racional, Comenius vaiem busca de dois ideais tidos como prioritários paraele: o ideal pansófico e o ideal da ordenação. O ide-

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al pansófico está voltado para a idéia de que todosdevem saber tudo. A escola deve servir a todos, semexclusão de classes sociais ou sexo, devendo ensi-nar tudo a todos. E para concretizar tal empreendi-mento é preciso que se ordenem os saberes demaneira correta e bem clara, por um método racio-nal, acessível e também prazeroso.

No preâmbulo à sua Didática Magna,Comenius (2002, p. 12) escreve:

Que a proa e a popa da nossa didática sejam: buscar eencontrar um método para que os docentes ensinemmenos e os discentes aprendam mais; que nas esco-las haja menos conversa, menos enfado e trabalhosinúteis, mais tempo livre, mais alegria e mais proveito;que na república cristã haja menos trevas, menosconfusão, menos distensões, mais luz, mais ordem,mais paz e tranqüilidade.

A respeito da dicotomia que associa o saberà luz e a ignorância às trevas implícita na fala deComenius, Veiga-Neto (2004b) realiza uma reflexãoque nos mostra o quanto ela está associada ao pen-samento do filósofo grego Platão. A essas raízes pla-tônicas do pensamento comeniano, Veiga-Neto(2004b) chama de proveniências, diferenciando-asdas emergências,1 para utilizar o vocabuláriofoucaultiano. As emergências dos saberes educaci-onais já foram aqui discutidas, quando situamos ocontexto de transformações sociais na passagemda Idade Média para a Idade Moderna. Agora discor-reremos um pouco sobre as proveniências, locali-zando o ideal platônico expresso no pensamentocomeniano. Não é muito difícil enxergá-lo, como co-menta Veiga-Neto (2004b), se nos lembrarmos daalegoria da caverna, de Platão. O homem estariapreso às visões deturpadas da realidade: “[…] vive-mos originária e tragicamente mergulhados na igno-rância, como se estivéssemos acorrentados no inte-rior de uma caverna escura, nas paredes das quaissó veríamos sombras projetadas e distorcidas […]”(Veiga-Neto, 2004b, p. 7).

A pessoa indicada a conduzir o prisioneiro àluz seria o filósofo e, por extensão, o professor e opolítico. Aí encontramos a influência de Platão sobreo pensamento de Comenius, que associa as trevasà ignorância e a luz à sabedoria, como na citaçãoacima colocada.

Concluindo, com essa volta à história e àsraízes dos saberes educacionais, pretendemos ofe-recer um panorama amplo dos princípios que emba-sam nossa maneira atual de pensar a educação, para

que sirvam, como bem colocou Larrosa (2002) naepígrafe deste tópico, como critério de crítica e trans-formação para a prática.

Constituição, disciplinarização e conformaçãoespaço-temporal dos saberes

Uma outra contribuição que podemos extrairdo pensamento de Foucault para a educação é aque mostra e analisa a escola como aparelhoinstitucional disciplinar.

Em Vigiar e Punir, livro dedicado a estudar aconstituição histórica e social dos aparelhos disci-plinares e punitivos (prisões, hospitais, escolas eexército), na terceira parte, intitulada Disciplina,Foucault (2005b) mostra como a disciplinarizaçãodos corpos se processou através dos tempos, emsubstituição à repressão e à punição dos mesmos.Do suplício dos corpos e suas condenações, pas-sou-se à domesticação deles, feita através de umadisciplinarização metódica e recorrente. Analisandoas instituições citadas, o filósofo explica como essaforma de poder, que é a disciplina, se configurou comoutilitária e eficiente à sociedade. “O poder disciplinaré, com efeito, um poder que, em vez de se apropriare de retirar, tem como função maior adestrar […]”(Foucault, 2005b, p. 143). Aqui se substituem oscastigos físicos e as repressões pela ordenação dotempo e espaço rigidamente compostos, asseguran-do ao sistema um controle constante. É a partir dosséculos XVII e XVIII, principalmente, que se viramintensificar tais regimes disciplinares. Sobre o quesão esses regimes disciplinares, comenta Foucault(2005b, p. 118, grifo meu):

[…] implica numa coerção ininterrupta, constante, quevela sobre os processos da atividade mais que sobreo seu resultado e se exerce de acordo com umacodificação que esquadrinha ao máximo o tempo, oespaço, os movimentos. Esses métodos que permitemo controle minucioso das operações do corpo, querealizam a sujeição constante de suas forças e lhesimpõe uma relação de docilidade-utilidade, são o quepodemos chamar as “disciplinas”.

Esse esquadrinhamento do tempo, do espa-ço e dos movimentos é uma herança do século XVIIIda conformação dos quartéis, conventos e interna-tos. Toda configuração arquitetural está predispostaa obter uma ordenação em que se evitem as aglo-merações e os agrupamentos difusos. Tudo em proldo controle e vigilância dos indivíduos:

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1 As emergências e proveniências, como explica Veiga-Neto (2004b), são duas “ferramentas genealógicas”, que servem para dizercomo surgiram e de onde (raízes) se processaram os saberes constituídos.

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Importa estabelecer as presenças e as ausências,saber onde e como encontrar os indivíduos, instauraras comunicações úteis, interromper as outras, poder acada instante vigiar o comportamento de cada um,apreciá-lo sancioná-lo, medir as qualidades e osméritos. (Foucault, 2005b, p. 123).

O tempo é outro elemento que tem, na suadecomposição e regramento, o ideal disciplinar deutilidade e docilidade. O tempo escandido das ma-nobras militares do século XVIII, o tempo mesuradodas escolas religiosas do século XIX, o tempo regu-lamentado das fábricas. Foucault (2005b) mostraextensivamente como se delinearam historicamenteas organizações espaço-temporais, de forma a re-produzir os modelos disciplinares.

Cabe-nos salientar que todas essas confor-mações-invenções de uma época repercutem até hojeem nossa maneira de pensar, agir e, sobretudo, en-sinar. Por isso, iremos, a partir de agora, num diálo-go com o pensamento de Foucault, traçar o trajetogenealógico dos saberes musicais através do co-nhecimento do processo de institucionalização dasescolas de música, no nosso caso, dos conservató-rios de música de Minas Gerais, apresentando seusobjetivos primeiros e visualizando suas marcas dei-xadas nas práticas pedagógicas pianísticas atuais.

A institucionalização do ensino de música e osurgimento dos conservatórios de música noBrasil

[…] a institucionalização do ensino de música é umahistória que data de mais de duzentos anos, históriaessa que tem a marca da transposição – a passagemdo ensino de música de diálogo (mestre-aprendiz) asistema (professor-piano), a instituição-Conservatório.(Martins, 2005, p. 4).

O modelo do conservatório, que institui amodernidade e que sistematiza o ensino de músicano Brasil, tem suas origens no Conservatório deParis, criado com a Revolução Francesa. SegundoHarnoncourt (1988), antes da Revolução Francesa,o ensino musical se dava através da relação mestre-aprendiz, “[…] similar àquela que, durante séculos,houve entre os artesãos” (Harnoncourt, 1988, p. 29).O mestre ensinava ao aprendiz todos os aspectosde sua arte. No entanto, com a Revolução Francesae as transformações sociopolíticas processadas porela, “a relação mestre-aprendiz foi substituída porum sistema, por uma instituição: o Conservatório.”(Harnoncourt, 1988, p. 29).

No Brasil colonial, segundo Kiefer (1997), oaprendizado musical estava inicialmente a cargo dosjesuítas e era destinado principalmente aos indíge-nas. O repertório utilizado era todo de origem euro-péia, tendo como principal finalidade a catequese.

Ou seja, o ensino musical era dotado de umaconotação religiosa e salvacionista.

Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, o en-sino passa às mãos dos mestres de capela, perten-centes às irmandades e confrarias, que não eramnecessariamente religiosas. Segundo Kiefer (1997,p. 35), esse ensino “[…] correspondia, como foi tra-dição na Europa, àqueles Conservatórios – a Casado Mestre da Música – que recebia aprendizes elhes dava hospedagem, vestimenta completa, alimen-tação e ensino […]”. No entanto, observamos quetoda a formação educativa ainda tinha um cunhobastante assistencialista. Essas instituições, ape-sar de estarem voltadas para a formação profissio-nal de músicos que iriam atuar em orquestras oucoros (sendo a Igreja a principal empregadora), ain-da cumpriam outras funções que não eram musi-cais. Portanto, a educação musical ainda não eraespecializada. Além disso, o ensino não tinha umaordenação prévia e poderia também ser ministradona casa dos professores, como cita Kiefer (1997, p.23) a respeito do compositor Luís Álvares Pinto –mestre de capela e professor pernambucano nasci-do em 1719 – que costumava ministrar suas aulasem sua própria casa, “conforme costume da época”.Como certifica Villalta (1997, p. 357), “a instrução naColônia processava-se, assim, em grande parte noâmbito privado, preenchendo o vazio da escola pú-blica e semipública inexistente ou escassa […]”.

A institucionalização e oficialização das es-colas de música, com sua demarcação espaço-tem-poral e definição curricular, se efetuou somente coma criação do primeiro conservatório brasileiro em1841, fundado através da iniciativa de FranciscoManuel da Silva, no Rio de Janeiro. Sobre a impor-tância da criação desta instituição pública, o jornalO Brasil comenta (apud Kiefer, 1997, p. 71, grifo meu):

[…] a conveniência da instituição de um conservatóriode música, sob o ponto de vista econômico e político éincontestável: sob este ponto de vista ele deve serconsiderado uma indústria, e assim produzindo todasas vantagens de outra qualquer, prestando umaocupação honesta, civilizando por via do trabalho.

Esse modelo de conservatório compreendiaum repertório prioritariamente europeu, uma aborda-gem tecnicista e voltada para a formação de virtuoses.Afinal estamos no século XIX: época dos grandesromânticos, da comercialização e fabricação de ins-trumentos musicais, da edição de partituras, da cri-ação dos clubes musicais e sociedades afins, comoo Clube Beethoven (1882), a Sociedade de Concer-tos Clássicos (1883), todos no Rio de Janeiro, cen-tro cultural da época. Toda essa efervescência cultu-ral encontrava-se ligada, segundo Werneck Sodré

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(apud Kiefer, 1997, p. 65), à ascensão de uma pe-quena burguesia, que “[…] responde pela transplan-tação dos valores estéticos, oriundos do avanço daburguesia no ocidente europeu”.

Em Minas Gerais, centro cultural e musicaldesde o século XVIII, o processo de instituciona-lização do ensino musical não diferiu muito do res-tante do Brasil, apresentando apenas uma defasa-gem no tempo entre a criação do Conservatório doRio de Janeiro e os conservatórios mineiros.

Só para situarmos melhor o passado musicalde Minas Gerais, vamos aqui lembrar que esse es-tado foi detentor de uma verdadeira “escola” de com-positores e músicos (Kiefer, 1997). As cidades mi-neiras de Diamantina, Vila-Rica (atual Ouro Preto) eSão João del-Rei eram os principais núcleos musi-cais do estado no século XVIII. Nelas encontramoscorporações musicais que atendiam profissionalmen-te aos serviços musicais das solenidades religiosasdaquelas cidades (procissões, novenas, enterros,etc). Como exemplo temos a cidade de São Joãodel-Rei, – onde efetuamos a presente pesquisa –que mantém até hoje duas orquestras bicentenáriasem atividade ininterrupta: a Orquestra Lira Sanjoa-nense e a Orquestra Ribeiro Bastos.2 Além disso, acidade é dotada de diversas bandas, de criação maisrecente (início do século XX), mas também com asmesmas funções. Essas corporações foram, até acriação do conservatório, as únicas mantenedorasdo ensino musical na cidade. O surgimento deste,enquanto escola pública oficial de música, se deusomente na década de 1950.

Os Conservatórios Estaduais de Minas Ge-rais foram criados por decreto, pelo então governa-dor Juscelino Kubitschek de Oliveira (JK), no ano de1951. Inicialmente somente cinco cidades foram con-templadas, e, dentre elas, estava São João del-Rei.

A Lei no 811, do dia 14 de dezembro de 1951,criou essas instituições, e, simultaneamente, regu-lamentou seus objetivos, cursos e parâmetroscurriculares obrigatórios. Conforme publicação noJornal Minas Gerais (1951), os objetivos das esco-las recém-formadas seriam a formação de professo-res de música, de cantores e instrumentistas. OCurso de Instrumentistas estava destinado “[…] àformação de músicos executantes e virtuoses” (Jor-nal Minas Gerais, 1951, grifo meu). No currículo obri-gatório para instrumentistas deveriam constar asseguintes disciplinas: – Solfejo, Ditado e Teoria (trêsanos), – Violino, Violoncelo ou Piano (nove anos).

Observamos o quanto estão cravadas as mar-cas do tecnicismo e da formação de virtuoses: comoestá descrito, são músicos “executantes” e“virtuoses”. A formação curricular também não éampla, destina-se somente a oferecer as ferramentastécnicas e práticas para a profissionalização doinstrumentista. Esse fato é analisado por Gonçalves(1993), em pesquisa detalhada sobre as concepçõespedagógicas dos conservatórios mineiros, na épocade sua criação. Nos depoimentos recolhidos pelaautora, e na análise das mensagens e decretos queregulamentavam o ensino nos conservatórios, foi res-saltada a ênfase dada ao virtuosismo e à execuçãotécnica aprimorada (principalmente no que se refereà formação dos pianistas), influência atribuída àsescolas do Rio de Janeiro (Instituto Nacional deMúsica – atual Escola de Música da UFRJ) e deBelo Horizonte (Conservatório Mineiro de Música –atual Escola de Música da UFMG).

Ainda sobre as concepções ideológicas queembasam a criação dos conservatórios, pensamosque vale a pena transcrever o Art. 2o da Lei no 811,para notarmos o que está subentendido nessas li-nhas, dando a conhecer a mentalidade “moderna”(desenvolvimentista) e “democrática” que contribuiupara a criação dos conservatórios:

Art. 2o – Esses Conservatórios, mantidos pelo Estado,têm por objetivo formar professores de música,cantores, instrumentistas, bem como desenvolver acultura artístico-musical do povo, mediante exercíciospráticos e audições de alunos, audições e concertosde professores, nos quais sejam executadas as maisseletas composições musicais, antigas e modernas,de autores nacionais e estrangeiros. (Jornal MinasGerais, 1951).

Essa concepção do governo JK estava emsintonia com a ideologia liberal-democrática da épo-ca, propagando, através da Constituição de 1946, aeducação como direito de todos (Gonçalves, 1993).

Um salto no tempo: conformações estruturaisda atualidade – o conservatório hoje e aorganização do curso técnico em piano

Libertar-nos do escolarismo é libertar-nos da moralpedagógica dominante do mundo escolarizado, da suaforma de relacionar-se com o conhecimento e a cultura,bem como da sua regulamentação social e moral sobreaquilo que significa pensar. (Jódar; Gómez, 2004, p. 142).

Passados mais de 50 anos da criação doConservatório de São João del-Rei, a realidade queencontramos hoje é bem diversa quanto à configura-ção de suas leis, regulamentações e currículo. A úl-tima regulamentação, expedida em 2005, reestru-

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2 Essas orquestras atualmente são amadoras e continuam a exercer suas funções nas igrejas.

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turou (pelo menos no papel!) muito dos objetivos vi-gentes, concatenando-os à realidade social e à ques-tão do mercado de trabalho. No entanto, se obser-varmos os componentes curriculares obrigatórios, nãohá nenhuma mudança significativa quanto ao enfoquetecnicista. Vejamos quais são eles: História da Arte,História da Música e Apreciação Musical, Percep-ção Musical, Estruturação Musical, Folclore Regio-nal e Música Popular (Minas Gerais, 2005). Alémdisso, se nos referirmos às práticas pedagógicas,nesse terreno estamos ainda mais estagnados. Comrelação ao Curso de Piano, nosso objeto de estudo,os conteúdos programáticos ainda são preestabele-cidos de forma muito seqüencial e com enfoque naformação do pianista solista (Programa de Piano…,2004), duas heranças, uma, da pedagogia modernacomeniana, e outra, do ensino de piano do séculoXIX. Recordemos o ideal de ordenação proposto porComenius: “Nada é deixado ao azar, ao caos ou aolivre arbítrio dos inexperientes. São os caminhosmarcados e os passos calculados que farão comque a ordem impere nos corpos.” (Narodowski, 2004,p. 31). O repertório é outra herança da modernidadedo século XIX. Civilizar, desenvolver culturalmente,esse é o discurso da criação dos conservatórios, e,para tanto, é preciso fazer uso das músicas “sele-tas”. Por isso, o repertório predominante no progra-ma de piano ainda é o da música européia dos sécu-los XVIII e XIX. Nós naturalizamos esse discurso,como se ele não pertencesse a nenhum universohistórico e cultural. Não queremos aqui desconsiderartodo esse rico patrimônio cultural, mas a questãoque se coloca é que, como vimos anteriormente, nãohá “universalidade” dos saberes. Essa é uma idéiada modernidade. Esse repertório só se perpetua por-que aprendemos a valorizá-lo em detrimento de ou-tras linguagens musicais.

Vejamos no exemplo que se segue o progra-ma do 1o ano do Curso Técnico em Piano:

1o ano do Ensino Médio1o bimestre• Escalas em blocos com passagem de polegar(maiores e menores)• Beringer• Arpejos• Peça de autor brasileiro• Bartók vol. III• Leitura e preparação: 1o mov. Sonatina2o bimestre• Escalas em blocos• Peça brasileira• Bartók

• Leitura e preparação de um Bach (23 peçasfáceis)3o bimestre• Ler e começar a preparar o restante da Sonatina• Leitura de peça de autor estrangeiro• Escalas• Beringer• Leitura de um estudo técnico4o bimestre• Sonatina• Bartók• Estudo• Beringer• Grandes arpejos

Observemos como, além do repertório contarprioritariamente com autores europeus, e com técni-ca pura, todo conteúdo programático está escalonadoem divisões bimestrais.

É a conformação disciplinar regendo todaestruturação pedagógica: esquadrinhamento do tem-po, estabelecimento de conteúdos “universais” (re-pertório canônico), ordem fixa e preestabelecida, tudopara um bom e útil aproveitamento escolar.

Jardim (2002, p. 109), a esse respeito, comenta:

A verdade do modelo é sempre inquestionável eindiscutível; é seqüencial e linear, esquecendo-se deque não aprendemos o que quer que seja seqüencialnem linearmente, simplesmente porque não vivemosdesse modo.

Sobre as escolas oficiais de música brasilei-ras e seu modelo “conservatorial”, Jardim (2002) tececonsiderações que vale a pena mencionarmos. Paraesse autor, o modelo conservatorial possui as se-guintes características principais:

• Seqüencialidade, sucessividade e serialidadedos processos de ensino-aprendizagem.• Privilégio da exceção à média e preocupaçãocom a formação de solistas.• Privilégio dado à escrita, em detrimento do ouvire do fazer criativos.• Perspectiva etnocêntrica (repertório predominan-temente europeu).• Separação entre teoria e prática.

Essas características são também apontadaspor Vieira (2001), num estudo realizado em Belémdo Pará, sobre a constituição e manutenção domodelo conservatorial em instituições de ensinomusical.

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Assim, notamos como também as práticasde ensino do Curso Técnico de Piano do CEMPJMXestão ligadas às práticas ditas conservatoriais, rela-cionadas ao que analisamos anteriormente, na con-cepção de Foucault, como práticas disciplinares.

Foucault (2005b, p. 129) coloca:

O tempo medido e pago deve ser também um temposem impureza nem defeito, um tempo de boa qualidade,e durante todo o seu transcurso o corpo deve ficaraplicado a seu exercício. A exatidão e a aplicação são,com a regularidade, as virtudes fundamentais do tempodisciplinar.

Essa procura de exatidão, de disciplinarizaçãoe de um bom aproveitamento do tempo marcam aspráticas pedagógicas pianísticas desse curso muitomais do que a busca da expressividade ou da inter-pretação de uma obra, seja ela erudita ou popular.Analisemos o objetivo do curso:

Fazer com que o aluno execute o instrumento (piano)com desenvoltura, boa postura do corpo e mãos,técnica adequada com a observância do estilo daspeças em seu mais fiel caráter, interpretando-as deforma expressiva. (Programa de Piano…, 2004).

Somente no final é colocada a questão daexpressividade e da interpretação. A metodologiatambém não foge a esse pensamento disciplinar:

Solfejo e análise da partitura pelo aluno com auxílio doprofessor, com mãos alternadas. Observação e corre-ção no aluno, sempre que necessário, de postura docorpo, do relaxamento das mãos e mobilidade doscotovelos, bem como da leitura justa da partitura emtodos os seus aspectos. Na apresentação de peçanova, execução da mesma pelo professor para o devidoconhecimento e apreciação, por parte do aluno.(Programa de Piano…, 2004).

A nossa hipótese, portanto, é que essedistanciamento da realidade social a que estão su-jeitos os discentes, e essa disciplinarização “natu-ralizada” com a qual nos deparamos e que já incor-poramos e internalizamos como legítimas e nossas,estejam contribuindo para o alto nível de repetênciano Curso Técnico.

O problema aqui colocado não é a exclusãototal da “disciplina”, num “laissez-faire” pedagógico,que não implicaria mudança alguma. Trata-se de ta-refa mais difícil, ou seja, de como podemosdesnaturalizar essas práticas, não em busca de umnovo modelo, mas empreendendo pequenas ações(“micropoderes”) que poderiam de alguma forma es-tar dinamizando o ensino-aprendizagem pianística.

Considerações finais

A crítica implica uma analítica que não acusa nemlastima, uma vez que isso significaria pressupor, de

antemão, uma verdade, um mundo melhor, em relaçãoà qual a análise se daria. Se quisermos um mundomelhor, teremos de inventá-lo, já sabendo que conformevamos nos deslocando para ele, ele vai mudando delugar. À medida que nos movemos para o horizonte,novos horizontes vão surgindo, num processo infinito.Mas, ao invés de isso nos desanimar, é justamenteisso que tem de nos botar, sem arrogância e o quantoantes a caminho. (Veiga-Neto, 2004a, p. 31).

Este estudo pretendeu criticar o modeloconservatorial enquanto modelo institucional, semcontudo esgotar assunto tão vasto e complexo comoesse. Muito ainda se pode fazer para se aprofundarnesses aspectos históricos e institucionais aqui le-vantados. O importante a salientar é que esse pri-meiro passo dado, a partir das reflexões de Foucault,abre uma perspectiva para enxergar de uma novaforma a situação pedagógica e institucional dessecampo, e outros similares. Uma forma que desven-da essa realidade não como dada e imutável, mascomo um processo em permanente construção edesconstrução, pelo qual nós somos também res-ponsáveis.

E o que propomos aqui não aponta para umideal, mas para pequenas ações possíveis que de-sencadeiem pequenas mudanças estruturais. Lem-bremos que o poder não está na instituição, nas suasnormas, mas está disseminado entre nós, permeandotodos os espaços que percorremos. O importante éagir o quanto antes, na tentativa de dinamizar a apren-dizagem pianística do Curso Técnico de Piano doCEMPJMX, desinstalando as forças estruturais quese encontram estabelecidas, a fim de reconfiguraresse universo pedagógico, trazendo para ele novasalternativas. Uma delas seria a reformulação dos pro-gramas, que incluiria uma maior flexibilidade quantoao repertório e quanto à distribuição e organizaçãodos conteúdos. Como cita Koellreutter (1997a, p. 42):“[…] o passado é um meio e um recurso, de maneiranenhuma um dever. O futuro, porém, é.” Esse pen-samento está em sintonia com o pensamento deFoucault, que nos convida a olhar para o passado,através do presente, como contingência e não comoobrigatoriedade e ou valor universal. Assim como orepertório, também a compartimentalização dos con-teúdos torna-se desnecessária, quando compreen-demos de onde provém esta “racionalidade”, e todoo pensamento de ordenação dos saberes, ou seja,da herança comeniana que carregamos como umideal a ser praticado. Além disso, é necessário tam-bém que se inventem novos espaços constitutivosde abertura para a aprendizagem pianística: espa-ços de troca, de apreciação e crítica; espaços vivos,reflexivos e em permanente desconstrução e recons-trução. O espaço educacional não está restrito à salade aula, ele se amplia à medida que pensamos em

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uma educação mais abrangente. Isso poderia serequacionado com a criação de “oficinas de piano”,3

que cumpririam esse papel de ampliação do espa-ço-tempo escolar.

Mas isso já é assunto para outro momento;por hora, nos contentamos em diagnosticar o pre-sente para, conscientes de suas falhas e possibili-dades, e de nosso poder frente a elas, traçarmos

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novos caminhos mais condizentes com uma educa-ção mais aberta e constitutiva de um homem livre esujeito de si mesmo. Finalizando, fazemos nossasas palavras de Koellreutter (1997b, p. 53):

A estagnação do movimento, a rotina, a sistematizaçãorígida dos princípios, a proclamação do valor absolutosão a morte da escola. O espírito criador que, sempreduvidando, procura, investiga e pesquisa, é a sua vida.

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3 O projeto “Oficinas de Piano” foi apresentado este ano à direção do CEMPJMX, como alternativa de otimização da aprendizagempianística, compreendendo atividades ligadas à prática musical em conjunto, utilizando o piano como instrumento acompanhador,adotando repertório diversificado, desenvolvendo o trabalho pianístico através de atividades de apreciação, crítica e criação. Nomomento, aguardamos resposta da administração para darmos início a essa experiência.

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VILLALTA, Luiz Carlos. O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura. In: SOUZA, Laura de Mello (Org.). História da vidaprivada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. v. 1, p. 331-387.

Recebido em 27/02/2006

Aprovado em 10/04/2006

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Introdução

Na dissertação de mestrado Instrumentista &Professor: Contribuições para uma Reflexão Acercada Pedagogia do Piano e da Formação do Músico-Professor (Glaser, 2005), foram abordadas questõescomo a formação do músico-professor e possibilida-

Ensaio a respeito do ensinocentrado no aluno: uma

possibilidade de aplicação noensino do piano

Scheilla GlaserEscola Municipal de Música de São Paulo (EMM)

[email protected]

Marisa FonterradaUniversidade Estadual Paulista (UNESP)

[email protected]

Resumo. Este ensaio tece considerações a respeito da aplicação de conceitos oriundos do ensinocentrado no aluno, segundo Carl Rogers, no ensino do piano erudito. Trata-se de texto elaborado apartir de um dos segmentos do segundo capítulo da dissertação de mestrado Instrumentista &Professor: Contribuições para uma Reflexão Acerca da Pedagogia do Piano e da Formação doMúsico-Professor, defendida no Instituto de Artes da Unesp em 2005. A pesquisa abordou diversosângulos do ensino do piano erudito, da estrutura de cursos à formação do bacharel-professor,relacionando os resultados encontrados utilizando o Pensamento Sistêmico como arcabouço filosóficonorteador do estudo. Para o segmento em questão, estudou-se a obra de Carl Rogers disponível emlivros e consultaram-se especialistas em psicologia da educação, além da leitura de bibliografiaespecífica do ensino do piano. No contexto da pesquisa, o assunto se relaciona com propostasemergentes em escolas paulistas, verificadas em capítulo anterior.

Palavras-chave: ensino do piano, programas de curso, ensino centrado no aluno

Abstract. This article draws attention to the application of Carl Roger’s concepts of student-centredteaching to piano teaching. The text was taken from a segment of the second chapter of the thesisPerformer and Teacher: Contributions for a Reflection Upon the Pedagogy of piano and the Educationof the Performer-Teacher, presented at the Art Institute of Unesp in 2005 in order to obtain a master’sdegree. The research took into consideration different views of erudite piano teaching, from thestructure of the courses to the education of the teacher-performer. The results were then analysedusing the Systemic Thought as basis. To write the present segment, the author has studied CarlRoger’s works, interviewed experts in educational psychology and read the available books on pianoteaching. The subject of the research is linked to pedagogical propositions of music schools in SãoPaulo.

Keywords: piano teaching, course programmes, student-centred teaching

des de aproveitamento de conteúdo da área educa-cional no ensino do instrumento musical. O estudodemonstrou ser pertinente, pois uma enquete reali-zada em orquestras de São Paulo, a título de pes-quisa exploratória, apontou que 73,3% dos músicos

GLASER, Scheilla; FONTERRADA, Marisa. Ensaio a respeito do ensino centrado no aluno: uma possibilidade de aplicação no ensinodo piano. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 15, 91-99, set. 2006.

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instrumentistas consultados lecionam ou já leciona-ram seu instrumento. Esse é um percentual bastan-te significativo e permite afirmar que a prática peda-gógica está presente de forma relevante entre asopções profissionais dos instrumentistas musicais(eruditos) que trabalham na cidade de São Pauloatualmente.

O fato de os instrumentistas lecionarem comregularidade reflete não só a procura deles por alu-nos interessados em estudar instrumento, mas tam-bém espelha não existir uma separação acentuadaentre a atuação como instrumentista e como profes-sor de instrumento na vida do músico profissional.Isso quer dizer que, embora tocar e lecionar sejamatividades completamente diferentes, podem ser (esão) exercidas pelo mesmo profissional, o que é umapeculiaridade da área musical e permite afirmar quetodo instrumentista é potencialmente um professorde seu instrumento. Essa característica do perfil doprofessor de instrumento musical é corroborada pe-las palavras de Ana Lúcia Louro (1998, p. 106) quan-do, em seu artigo, afirma que esse profissional “de-safia a tradicional divisão entre Bacharelado e Licen-ciatura, uma vez que exigiria em sua formação abusca de um equilíbrio entre competências pedagó-gicas e músico-instrumentais”. Sendo o piano o ins-trumento da pesquisadora, este foi escolhido comoexemplo para a condução do estudo.

O corpo da pesquisa foi desenvolvido apoian-do-se no pensamento sistêmico da forma como apre-sentado por Maria José Esteves Vasconcellos (2002),e desdobrou-se em vários segmentos que aborda-ram a questão do ensino do piano e da formação doinstrumentista-professor sob diferentes ângulos.Nesse estudo, a situação que envolve o ensino doinstrumento musical foi pensada como um sistema,um todo organizado composto por elementos emestados de interação, em que as alterações em umdos elementos afetam os demais. Isso significa que,em uma escola de música, modificações que envol-vam professores, alunos ou programas de curso,dentre outros fatores possíveis, alteram a dinâmicaem sala de aula e podem provocar mudanças estru-turais nos cursos. O estudo concentrou sua aten-ção em mudanças provocadas por diferentesenfoques de pressupostos pedagógicos e, emboranão seja pretensão deste ensaio tratar de todas asquestões pedagógicas abordadas na dissertação,pretende-se, a título de exemplo e convite à refle-xão, apresentar alguns pontos desenvolvidos em umdos eixos da pesquisa: a transposição de princípios

associados ao ensino centrado no aluno, segundoCarl Rogers,1 para um curso de piano. Para isso,faz-se necessário um breve esclarecimento do con-texto em que esse eixo se insere na pesquisa.

Sobre o ensino de piano

O ensino do piano tem uma forte tradição emSão Paulo, ligada ao papel que teve na sociedadepaulista do início do século XX e também às origensdos conservatórios musicais brasileiros, criados apartir de modelos de conservatórios europeus. Poresse motivo, os programas de curso de piano elabo-rados no início do século XX continuaram a ser utili-zados, com poucas modificações, permanecendo nacidade um método de ensino adotado por institui-ções e professores particulares durante décadas eque, já há algum tempo, vem sofrendo questiona-mentos. Embora o modelo de ensino mais comumvenha sendo questionado, pelo fato de a formaçãodo instrumentista ainda não ter sido amiúde objetode reflexão, no que se refere ao processo de ensino-aprendizagem do instrumento, a tendência do músi-co-professor é repetir o modelo experienciado, o quena maior parte dos casos ainda representa o modeloconsiderado tradicional pelos próprios músicos.

Num primeiro momento da pesquisa, foi reali-zada a análise de um modelo de curso tradicional depiano, tendo como base recursos da área educacio-nal, na qual se buscaram os pressupostos pedagó-gicos que poderiam estar nele contidos. Pela análi-se, reconheceu-se no curso estudado uma concep-ção de ensino com características associadas àsabordagens behaviorista e tradicionalista, ou seja,uma proposta centrada no programa, com algunsprocedimentos centrados no professor. Dentre ascaracterísticas encontradas, pode-se mencionar:ensino centrado no programa; papel passivo do alu-no diante da programação; submissão do professorao programa, embora com poder decisório em al-guns aspectos em que há opção de escolha (comodefinição de obras de livre escolha, por exemplo);avaliação externa, entendida como reprodução doconteúdo estudado, papel da escola como transmis-sora de informações.

É preciso esclarecer que as abordagens deensino tradicional e behaviorista têm sido questiona-das há anos na área educacional, por não conside-rarem o fator emocional no processo de aprendiza-gem, enfatizarem o resultado (produto) e não o pro-cesso, e pelo fato de as decisões serem tomadas

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1 Carl Ransom Rogers (1902–1987). Psicólogo norte-americano, configurador da terapia centrada na pessoa e defensor do ensinocentrado no aluno. seu nome está associado à psicologia existencial humanista.

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para o aluno e não por ele (ou em conjunto, aluno eprofessor), além de a motivação ser consideradacomo fator externo ao aluno, não se aproveitando assuas experiências fora da sala de aula. Embora emcertos contextos apresentem resultados positivos,sua utilização sem reflexão crítica tem sido cons-tante objeto de discussões.

Em seqüência, foram pesquisadas quatro es-colas de música paulistas que estão propondo mu-danças recentes em seus cursos de piano erudito.Os principais denominadores comuns encontradosnas propostas foram: a eliminação de um programade curso com determinação rigorosa de obras, mé-todos e quantidade de estudos obrigatórios por perí-odo (semestral ou anual) e da estrutura que vinculaa aprovação do aluno à sua capacidade de reprodu-ção de todo o conteúdo previamente estabelecidopelo programa do curso. Essas modificações forammotivadas pelo desejo de afastamento da padroni-zação contida nos programas de ensino tradicionaldo piano em virtude da preocupação em atender àsnecessidades específicas de seus alunos, o quetraz, em decorrência, certa flexibilidade na elabora-ção de “programas”, permitindo que estes sejampersonalizados, isto é, adequados a cada um. O dis-curso dos entrevistados apresentava interesse nacentralização do curso no aluno.

Surgiu então a questão: como construir umprojeto de curso que seja efetivamente centrado noaluno? Quais são os pressupostos pedagógicos quenorteiam essa prática? Como a centralização docurso no aluno não faz parte da história das escolasde música erudita da cidade de São Paulo, a propo-sição de estudar o ensino centrado no aluno rogerianoteve por meta compreender que pressupostos peda-gógicos precisariam ser adotados, caso se quises-se, realmente, optar por ele, e que mudanças deve-riam ser implantadas na organização geral de umcurso com interesse nessa abordagem pedagógica.

O ensino centrado no aluno

Pelo fato de, na área da educação, Carl Rogersser considerado o autor mais representativo do ensi-no centrado no aluno, foi realizado, na pesquisa, umprofundo estudo de suas teorias, propondo-se, emseguida, a transposição de suas premissas para oscursos de piano erudito. Os conceitos do ensinocentrado no aluno segundo Rogers derivam “da teo-ria, também rogeriana, sobre personalidade e con-duta” (Mizukami, 2003, p. 37). Essa teoria, por suavez, é apresentada nos estudos da terapia centradana pessoa. Nessa abordagem, o terapeuta não diri-ge e nem aconselha o cliente, mas favorece sua

autodescoberta em um ambiente terapêutico que lheseja acolhedor, honesto e aceitante (ambientefacilitador). Algumas das bases de como Rogersentende o desenvolvimento humano podem ser re-sumidas nas seguintes afirmações:

• O ser humano apresenta uma tendência de de-senvolver todas as suas potencialidades em con-dições favoráveis.• Essas condições favoráveis incluem basicamen-te a existência de um ambiente acolhedor queofereça uma aceitação afetiva ao indivíduo comoele é, independentemente da concordância ou nãocom seu comportamento.• O conceito que a pessoa faz de si é influencia-do pela existência ou não dessas condições.Esse conceito que a pessoa faz de si influenciaa maneira como ela percebe e simboliza suasexperiências (atribuição de sentido), e o compor-tamento da pessoa está diretamente relacionadocom a percepção subjetiva que ela tem de si e domundo.• Quando experiências importantes não são sim-bolizadas (ou são simbolizadas distorcidamente)por uma rejeição do organismo, existe uma in-congruência, uma tensão, uma desadaptaçãopsicológica. Quando o conceito de si é tal quetodas as experiências importantes são assimila-das de forma simbólica “corretamente”, existe umestado de adaptação psicológica, uma harmoniainterna, uma coerência entre a experiência, suasimbolização e sua expressão: existe congruên-cia. A congruência é considerada um estado dematuridade psicológica.

Com base nesses pensamentos, Rogers afir-ma que “não podemos ensinar outra pessoa direta-mente; apenas podemos facilitar a sua aprendiza-gem” (Rogers, 1974, p. 381). Sob o ponto de vistaeducacional, o autor considera seu trabalho umacontinuação de princípios formulados anteriormen-te, citando especialmente Dewey e Kilpatrich. Eleafirma ser o objetivo da educação “ajudar os alunosa tornarem-se indivíduos” (Rogers, 1974, p. 380). Porindivíduos, entende pessoas psicologicamente ma-duras, responsáveis por suas ações, dotadas de ini-ciativa própria, adaptáveis a novas situações, capa-zes de resolver problemas a partir de suas própriasexperiências, cooperativas, flexíveis e dotadas deobjetivos próprios. Por isso, ele critica as propostasde educação que levam o estudante apenas a “re-produzir determinado material informativo”, propon-do, em vez disso, uma educação baseada na buscade uma aprendizagem significativa.

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O autor conceitua aprendizagem significativacomo

uma aprendizagem que é mais que uma acumulação defatos. É uma aprendizagem que provoca umamodificação, quer seja no comportamento do indivíduo,na orientação da ação futura que escolhe ou nas suasatitudes e na sua personalidade. É uma aprendizagempenetrante, que não se limita a um aumento deconhecimentos, mas que penetra profundamente todasas parcelas da sua existência (Rogers, 1987, p. 258).

Assim, a aprendizagem significativa é aquelaque não provoca apenas alterações intelectuais, mastem uma qualidade de envolvimento pessoal, queabrange a pessoa como um todo, em seus aspec-tos cognitivos e emocionais. “É uma aprendizagemauto-iniciada. Mesmo quando o ímpeto ou estímuloprovém do exterior, o senso de descoberta, deapreensão e compreensão, vem de dentro.”(Rogers, 1986, p. 29). E é em busca dessa apren-dizagem que Rogers elabora suas propostas paraa educação.

Algumas características que facilitam a apren-dizagem significativa são:

• colocar os interesses do aluno como ponto prin-cipal no eixo professor-programa-aluno;• considerar seu envolvimento emocional naaprendizagem;• criar um clima facilitador;• adaptar o currículo ao aluno;• compreender o processo de ensino/aprendiza-gem sob o ponto de vista do aluno (compreensãoempática);• privilegiar o aprendizado autodirigido;• valorizar a auto-avaliação.

Centrar o ensino no aluno representa colocarseus interesses e perspectivas como ponto princi-pal no eixo professor-programa-aluno, que move oprocesso de ensino-aprendizagem.

A abordagem educacional rogeriana se diferencia dasdemais sobretudo em relação à natureza de seuenfoque e sua finalidade, uma vez que é o estudante enão o “ensino” que será focalizado. Sua preocupaçãobásica não está em doar conteúdos programáticos,mas em facilitar as condições para que o aprendizpossa melhor “aprender a aprender” aquelesconhecimentos que lhe favoreçam uma plena integraçãocom o mundo, de forma autônoma, em favor de seucrescimento como pessoa. (Guedes, 1978, f. 1).

Em direção a um curso de piano centrado noaluno

Confirmando algumas de suas idéias, moder-nos estudos em pedagogia e psicologia apontam que

o desenvolvimento emocional e o relacionamentointerpessoal entre professor e aluno interferem dire-tamente no aprendizado. Em cursos longos, como éo curso de piano, a qualidade do relacionamentoacaba influenciando não só o aprendizado, mas tam-bém a formação do indivíduo. Nessa abordagem deensino, a relação professor-aluno adquire uma im-portância fundamental. Mesmo que a escola tenhacomo proposta oferecer um curso com característi-cas semelhantes ao ensino centrado no aluno, nãohá garantias de que isso se efetive, pois é o compor-tamento do professor em sala de aula que definiráou não essa proposta. Assim, não basta, simples-mente, que as instituições modifiquem suas estru-turas de programa de curso ou metas escolares seos professores que irão lidar com ela no cotidianonão reformularem sua maneira de pensar diante doprocesso. O primeiro passo depende da flexibilidadeda instituição e de um novo olhar para a configura-ção dos programas de curso.

Um curso de piano centrado no aluno teriacomo conseqüências:

• a substituição de um programa de curso rígidopor um conteúdo programático flexível ou umaorganização de metas;• a valorização da participação ativa do aluno naescolha do seu repertório e de suas atividadescomplementares;• o compartilhamento da responsabilidade e dopoder decisório;• a inclusão da auto-avaliação no processoavaliatório;• o estímulo ao estudo autodirigido.

Os programas de ensino tradicionais, habitu-almente, consistem em uma lista quantitativa deobras, a qual o aluno deve cumprir durante um tem-po (semestral ou anual) estabelecido pela institui-ção e cujo aprendizado determina sua aprovação paraa próxima etapa do curso. Uma perspectiva voltadapara o conteúdo programático é mais flexível, ofere-ce parâmetros do que deve ser trabalhado em salade aula, mas considera as bases propostas comoguia de objetivos pedagógicos a serem alcançados,que variam de acordo com as instituições e os pres-supostos pedagógicos por elas adotados.

Dentro dos princípios que regem o ensinocentrado no aluno, algumas críticas podem ser fei-tas à estrutura do programa tradicional: dificuldadede obter participação ativa do aluno; limitação acen-tuada de sua participação na escolha das obras aserem estudadas; falta de garantia de que o aluno,

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realmente, compreenda o conteúdo intrínseco dasobras (ou seja, do que se espera que ele compreen-da a seu respeito, além da capacidade de reproduzi-las); determinação do grau de dificuldade, a priori,sem se levar em consideração o processo de apren-dizado do aluno, que pode ser mais rápido ou maislento, em diferentes etapas. A diferença entre pro-grama e conteúdo programático aparece nos cursosque buscam se aproximar dos alunos, estudados napesquisa.

A eliminação de rigidez nos programas favo-rece a criação de estratégias adequadas a cada alu-no. Edgar Morin (2003), filósofo contemporâneo, fazum comentário bastante elucidativo a respeito des-se assunto, que, embora se encontre em um textodirigido à organização empresarial, torna a analogiaperfeitamente plausível. A estratégia abandona oautomatismo padronizado do programa e permite acoexistência de diferentes meios de se chegar a obje-tivos estabelecidos como meta por uma instituição.

A noção de estratégia opõe-se à de programa. Umprograma é uma seqüência de ações pré-determinadasque deve funcionar nas circunstâncias que permitem oseu cumprimento. Se as circunstâncias exteriores nãosão favoráveis, o programa pára ou fracassa. […] Avantagem do programa é evidentemente uma grandeeconomia: não há que refletir, tudo se faz porautomatismo. Uma estratégia, pelo contrário, determina-se tendo em conta uma situação imprevista, elementosdiversos, mesmo adversários, e que foi levada amodificar-se em função das informações fornecidasdurante a operação, pode ter uma imensa maleabilidade.Mas uma estratégia, para ser conduzida por umaorganização, necessita então que a organização nãoseja concebida para obedecer à programação, masque possa tratar elementos capazes de contribuir paraa elaboração e para o desenvolvimento da estratégia.(Morin, 2003, p. 130).

Existe uma lógica interna na maneira pela quala disposição dos cursos tradicionais é organizada,que é comumente assimilada pelos professores.Essa lógica estabelece a disposição das obras mu-sicais a serem estudadas, organiza o grau de difi-culdade com que elas se sucedem na estrutura docurso e leva em consideração dificuldades motoras,de leitura e de compreensão musical. Entretanto,nem sempre o aluno percebe o que se quer atingircom essa organização antecipada das obras (ou sualógica implícita), e nem sempre seu progresso é si-multâneo e equivalente, nos três aspectos citados(técnica, leitura e maturidade musical). Assim, em-bora a estrutura básica do programa tradicional apre-sente uma coerência interna, no descompasso como aluno, o programa se torna incoerente. Cada alunotem um ritmo próprio de progresso em relação aodiferentes fatores presentes no aprendizado musicale, sem desconsiderar a estruturação básica que

acompanha a tradição do ensino do repertóriopianístico, pode-se propor maneiras diferentes decompreendê-la e utilizá-la.

Uma possível estruturação de programa se-gundo os princípios rogerianos é apresentada a se-guir. Trata-se de um exemplo sintético de uma orga-nização possível de conteúdos, de um curso de pia-no, utilizando como base um programa de curso tra-dicional. Essa transposição não é uma “receita” aser seguida, mas uma demonstração de que é pos-sível reorganizar o discurso, mesmo mantendo-se aestrutura interna de organização dos cursos tradici-onais. Trata-se, portanto, de um exemplo para facili-tar a compreensão do que está sendo explicado notexto, e não de um modelo a ser seguido, como sesua adoção bastasse para a configuração de umcurso de piano de base rogeriana.

Em um curso dirigido para o aluno, segundoRogers, é necessário que este conheça os objetivospropostos, de forma a se movimentar com maior li-berdade, para que possa atingi-los. Se o que se pre-tende é a compreensão dos motivos pelos quais asobras são escolhidas e não só sua reprodução, oestabelecimento da estrutura de conteúdo a seraprendido – em vez das próprias obras – estaria maisde acordo com a proposta rogeriana. Nesse caso,as obras a serem estudadas seriam escolhidas peloaluno ou, no caso de desconhecimento de repertó-rio, em conjunto, por aluno e professor.

Exemplo

Iniciação• Apresentação da linguagem musical.• Desenvolvimento da percepção auditiva para oinstrumento (rítmica e melódica).• Desenvolvimento da coordenação e independên-cia das mãos, tanto nas questões rítmicas bási-cas quanto na equalização da dinâmica.• Compreensão de pequenas frases musicais.

1o ano• Compreensão de frases e períodos musicais.• Compreensão de cadências facilmente reconhe-cíveis (como V-I).• Independência para leitura de trechos que nãoexijam deslocamento de mãos.• Compreensão da estrutura dos dedilhados dasescalas maiores.• Leitura com deslocamento das mãos com auxí-lio para a colocação de dedilhado.

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2o ao 4o ano• Introdução à compreensão dos diferentes esti-los musicais.• Introdução à linguagem não tonal (Bartók).• Ampliação da dissociação das mãos em res-peito a articulações e sonoridade.• Introdução ao uso dos pedais.• Memorização consciente de obras de pequenaduração.• Independência de leitura para trechos com des-locamento de mãos sendo fornecido o dedilhado.• Desenvolvimento de mecanismo (agilidade).• Domínio musical e técnico o suficiente para aexecução de uma pequena sonata clássica, depeça romântica de aproximadamente dois minu-tos e de obra moderna com foco em articulações.

5o ano• Compreensão da polifonia a duas vozes.• Compreensão de estruturas harmônicas.• Domínio do uso dos pedais.• Ampliação da percepção auditiva para a execu-ção de obras modernas/contemporâneas.• Independência de leitura e colocação de dedilhado.• Domínio musical e técnico para a execução deuma sonata clássica, de obra romântica de apro-ximadamente quatro minutos, de obra modernacom foco em dissonâncias e de invenções a duasvozes de J. S. Bach.

6o e 7o anos• Compreensão da polifonia a três vozes.• Compreensão harmônica de estruturas tonaismais complexas.• Domínio técnico para a execução do andamen-to allegro clássico.• Estudo mais aprofundado da sonoridade carac-terística dos impressionistas.• Desenvolvimento virtuosístico muscular para aexecução de obras de maior duração.

8o ano• Compreensão da polifonia a quatro vozes.• Domínio técnico para a execução do andamen-to allegro romântico.

• Domínio musical e técnico o suficiente para aexecução de uma sonata de Beethoven, obra ro-mântica de aproximadamente seis a oito minu-tos, de obra moderna com foco em sonoridades.

9o ano• Desenvolvimento virtuosístico muscular para aexecução de obras que exigem maior resistên-cia física.• Maturidade musical e técnica compatível com orepertório avançado.• Domínio musical e técnico para executar obrascom duração superior a oito minutos, sonatasromântica e moderna, e prelúdios e fugas de J.S. Bach.

Comentários e implicações

Esta é apenas uma possibilidade de organi-zação, que mantém a essência do conteúdo tradici-onalmente utilizado em um curso de piano comometa de conhecimento, excluindo, no entanto, noprograma geral, tanto a obrigatoriedade de númerode obras e exercícios a serem realizados por todosos alunos (da mesma forma e em um espaço detempo determinado) quanto a aplicação obrigatóriae conjunta de métodos.2 Nesse contexto, os progra-mas semestrais ou anuais seriam personalizados,adaptando-se a cada aluno em função de suas pos-sibilidades, potencialidades e interesses específicos,de forma que este estivesse sempre aprendendoobras que, com suficiente dedicação ao estudo, ti-vesse condições básicas de compreender e execu-tar satisfatoriamente. É claro que subsiste a flexibi-lidade na organização de uma proposta como essa,de modo que o professor possa criar metas adjacen-tes, tais como a inclusão de obras de diversos perí-odos musicais, mantendo sempre a perspectiva delevar o aluno a compartilhar a responsabilidade deescolhê-las e prepará-las. Delimitações podem sercriadas, com a intenção de favorecer o contato comobras de diferentes períodos: Barroco, Clássico,Romântico, Moderno e Contemporâneo, incluindoobras brasileiras. Esses limites podem sugerir, porexemplo, o desafio de estudar, no mínimo, uma peçade cada um desses períodos, anualmente.

A adoção do princípio de esclarecer os objeti-vos do conteúdo, em vez de programar obras anteci-padamente, também pode auxiliar a diversificar o

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2 O termo “método” está sendo apresentado no sentido comumente utilizado por músicos-professores: para designar os livrosadotados em cursos de instrumento.

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repertório do aluno, levando-o a pesquisar mais doque habitualmente faz e a conhecer autores e obrasvia de regra pouco executadas. Assim, a bibliografiamusical, em seu processo de estudo, pode ser am-pliada, não se limitando ao conhecimento das obrasmais famosas (como na perspectiva de transmissãode informações por meio do modelo, que ocorre napedagogia tradicional).

É preciso mencionar, também, que Rogersapresenta em um de seus livros (Rogers, 1986) umexemplo de curso considerado autodirigido, mas nempor isso não-diretivo. Trata-se de um exemplo inte-ressante, de um projeto realizado por uma professo-ra de sexta série, que demonstra a possibilidade deoferecer liberdade e compartilhar um ambientefacilitador, mesmo em situações de restriçãocurricular. Em seu relatório, a professora diz:

Prefiro o termo autodirigido a não direcional paradescrever o nosso programa. O programa é dirigido,no sentido de que temos de trabalhar dentro daestrutura do currículo, das unidades específicas deestudo. É autodirigido, no sentido que cada criança éresponsável por seu próprio planejamento, dentrodaquela estrutura básica (Rogers, 1986, p. 60).

O autor aproveita para ressaltar que a impor-tância de uma proposta de trabalho calcada naautodireção e na liberdade está no fato de não serum método a ser copiado, mas fruto de um“engajamento e convicção” do professor.

A maneira pela qual ela se ajustou às exigências de umcurrículo prescrito e à necessidade de emitir boletinsde aproveitamento desperta minha admiração. A maneirapela qual os alunos aceitaram essas exigênciasexternas não é, penso eu, surpreendente. As crianças,assim como os adultos, podem aceitar requisitosrazoáveis que lhes sejam pedidos pela sociedade oupor uma instituição. O importante é que dar liberdade eautodireção a um grupo torna mais fácil a seus membrosaceitarem as restrições que rodeiam a área psicológicaem que são livres. (Rogers, 1986, p. 63).

Quanto à avaliação, como visto, os limites nãosão, necessariamente, um problema no ensino diri-gido para o aluno, quando fazem parte da estruturaçãodo curso. No caso das escolas de música, quandonão podem abrir mão das provas, pode-se conside-rar que o limite estabelecido por elas é parte da es-trutura das instituições. Contudo, existem pelo me-nos duas considerações a serem feitas diante dasprovas: primeiro, seu caráter e sua forma de apre-sentação e conteúdo; e, segundo, o que essas pro-vas representam dentro do contexto do curso, istoé, seu significado para o aluno e para o professor, ese pode ou não ser considerada como a avaliaçãototal do semestre.

Aceitando-se o limite de uma situação de ava-liação (exames semestrais ou anuais), em que asnotas serão dadas por terceiros (o que, em cursosde música, pode ser justificado como preparaçãopara a performance pública e para a profissiona-lização, já que é uma situação presente nas sele-ções profissionais para músicos), resta, ainda, aquestão: como e por quem é escolhido o que seráexecutado nas provas? No caso de um curso queprivilegie o ensino dirigido para o aluno, a escolha doque tocar deveria ser dele. Na medida em que foiestabelecido um programa em conjunto com o pro-fessor e que a necessidade de apresentar-se em umaprova é conhecida, caberia ao aluno decidir que pe-ças executaria, o que seria uma maneira de demons-trar seu progresso, pois, nessa perspectiva de ensi-no, é esperado que ele desenvolva um comprometi-mento com o estudo e participe ativamente das op-ções existentes no processo. A escolha do repertó-rio da prova pode, nesse caso, ser mais um pontode trabalho conjunto com o professor a ser conside-rado e um índice indicativo da motivação do aluno,pois, de acordo com o modelo proposto, ele é res-ponsável pela escolha que faz. A intenção, também,seria fazer que a prova deixasse de ser consideradaum fim em si mesmo, tornando-se, apenas, uminstrumento de exposição do aluno a uma situa-ção de apresentação, inerente ao processo deaprendizagem.

No ensino centrado no aluno, a auto-avalia-ção é valorizada com base em dois pressupostos:1) “Há, dentro da pessoa humana, base orgânicapara um processo organizado de avaliação.” e 2)“Esse processo de avaliação, no ser humano, é efi-caz na realização do auto-engrandecimento, na me-dida em que o indivíduo se abre à experiência queestá correndo dentro de si.” (Rogers, 1978, p. 239).Portanto, ele defende a idéia de que, em compara-ção a uma situação em que exista apenas avaliaçãopor parte de terceiros, ao pensar e analisar seu pró-prio comportamento diante da necessidade de seauto-avaliar, o ser humano adquire maior consciên-cia do processo que vivencia e se torna mais capazde ajustar-se, em comportamentos e ações, na bus-ca de uma realização total.

Por princípio, uma auto-avaliação rogerianadeve seguir critérios estabelecidos pelo aluno (quepodem ser diferentes para cada um), mas sabe-seque, em um sistema escolar, isso pode ser bastantecomplexo. Por isso, Rogers não se posiciona contrao estabelecimento de alguns critérios por parte doprofessor, como “limites” próprios. No entanto, paraele, o processo de auto-avaliação é fundamental einerente à sua proposta.

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Nas escolas de música, embora se desejeformar instrumentistas independentes e autônomos,raramente são empregados processos de auto-ava-liação. Para que se possa considerar a possibilida-de de um curso de música privilegiar a proposta deensino centrado no aluno, e na impossibilidade dedissolução da prática dos exames, pode-se sugerirum sistema de avaliação misto, que consistiria emaliar os dois procedimentos – provas + auto-avalia-ção – em que o peso da avaliação externa (feita peloprofessor) e interna (realizada pelo aluno) fosse equi-valente. Rogers (1986) apresenta exemplos de práti-cas semelhantes em Liberdade para Aprender emNossa Década.

Muitas outras diferenças existentes entre aconcepção de ensino presente nos programas tradi-cionais dos conservatórios e a de um tipo de ensinodirigido para o aluno foram abordados na pesquisa,mas é impossível reproduzi-las neste artigo. Contu-do, acredita-se que essa breve “pincelada rogeriana”seja suficiente para chamar a atenção para os pres-supostos que organizam um tipo de ensino que leveem conta o aluno como eixo principal do processode ensino-aprendizagem.

Conclusão

Basicamente, para que uma aprendizagemsignificativa, realmente, ocorra, é preciso haver flexi-bilidade, a fim de que o professor desenvolva propos-tas capazes de permitir liberdade aos alunos, dentrodas condições possíveis; gradativamente, na medi-da em que alunos, professores e a instituição deensino sintam-se confortáveis com a situação, esseespaço de liberdade se ampliará, para experimenta-ção e busca de alternativas.

Com essas considerações, deve ficar claroque, nessa abordagem de ensino, é o programa quese submete ao aluno (em diálogo com o professor),e não o contrário. Pode-se cogitar que, em funçãodessa peculiaridade e do estabelecimento de me-tas, aspectos importantes do processo de aprendi-zado, como, por exemplo, o desenvolvimento dasensibilização aos diversos tipos de toque, a impor-tância de “se ouvir”, a busca da auto-suficiência(aprender a aprender) e a criatividade na execuçãopodem ser favorecidos. Esse favorecimento podeocorrer à medida que o aluno adquira cada vez maiorconsciência de suas próprias escolhas e invista emseu autodirecionamento, por tornar-se mais cônsciode si próprio e mais capaz de perceber e lidar comquestões subjetivas, como as mencionadas, do queno seu processo de aprendizagem num curso orga-nizado segundo outros princípios que não o da apren-

dizagem centrada no aluno. Essa busca pessoal aju-da o aluno a se envolver com a temática estudadatanto intelectual quanto emocionalmente, consuman-do-se, então, o que Rogers chama de aprendizagemsignificativa:

A aprendizagem significativa verifica-se quando oestudante percebe que a matéria a estudar se relacionacom os seus próprios objetivos. De maneira um tantomais formal, dir-se-á que uma pessoa só aprendesignificativamente aquelas coisas que percebeimplicarem na manutenção ou elevação de si mesmas.(Rogers, 1978, p. 160).

Como referido anteriormente, o aprendizadosignificativo é aquele que modifica o indivíduo, e emque ele descobre coisas enquanto, ao mesmo tem-po, se descobre no processo de aprender, tornando-se diferente. Esse aprendizado ocorre quando o pro-cesso faz sentido para o aluno. Esse “fazer sentido”pode vir de conceitos filosóficos e educacionais maisprofundos, ou da percepção de objetivos prazerososa curto e médio prazo, como o preparo para umaapresentação pública, ou o estudo da contextua-lização histórica de um compositor, ou da peça queestá tocando. Cada momento do estudo tem seusignificado próprio, e é relacionando esses objetivosimediatos aos seus objetivos mais íntimos, que oaluno consegue estabelecer um significado pessoala seu aprendizado.

Não se pode esquecer que, embora uma mu-dança de estrutura favoreça a participação maior doaluno, é o preparo do professor para lidar com essaperspectiva de ensino que definirá, na prática, queisso, realmente, ocorra. Isso porque é perfeitamentepossível ter-se uma postura autoritária ou condicio-nadora mesmo adotando um programa de curso fle-xível, o que trairia um dos princípios básicos da abor-dagem, que se caracteriza pela não diretividade, oupela autodireção. Além disso, mesmo dentro de umaproposta humanista e afetiva, o professor pode sercontrolador, pois “o humanista que usa persuasão,argumento, incentivo, emulação ou entusiasmo parafazer um estudante aprender, está controlando oestudante de maneira tão definitiva quanto a pessoaque planeja um programa ou uma máquina de ensi-nar” (Ivans apud Milhollan, 1978, p. 119). Por último,é preciso enfatizar que tudo o que foi consideradoneste texto depende da premissa de que o professordesenvolva seu trabalho a partir dos pressupostosda teoria rogeriana e seja capaz de adotar em salade aula uma postura de profunda confiança na capa-cidade do aluno.

Concluindo, exercícios de pensamento comoeste são convites para a procura de mudanças de

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olhar diante dos cursos de instrumento, com o obje-tivo de enriquecer cada vez mais nossa prática pe-dagógica como professores-instrumentistas. Indepen-dentemente da linha pedagógica escolhida, é ape-

nas com uma compreensão profunda dos princí-pios nela contidos que os professores se tornamcapazes de refletir criticamente a respeito de suaprática diária.

Referências

GLASER, Scheilla R. Instrumentista & professor: contribuições para uma reflexão acerca da pedagogia do piano e da formação domúsico-professor. Dissertação (Mestrado em Música)–IA-Unesp, São Paulo, 2005.GUEDES, Sulami Pereira. A teoria rogeriana da educação: premissas teóricas para a operacionalização da aprendizagem centradano aluno. Dissertação (Mestrado em Educação)–PUCSP, São Paulo, 1978.LOURO, Ana Lúcia. Formação do professor de instrumento: grades curriculares dos cursos de bacharelado em música. Fundamentosda Educação Musical, Salvador, v. 4, p. 106-109, 1998.MILHOLLAN, Frank; FORISHA, Bill E. Skinner x Rogers. 3. ed. São Paulo: Summus, 1978.MIZUKAMI, Maria da Graça. N. Ensino: as abordagens do processo. 13. reimp. São Paulo: EPU, 2003.MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.ROGERS, Carl R. O ensino centrado no aluno. In: ROGERS, Carl R. Terapia centrada no paciente. São Paulo: Martins Fontes, 1974.p. 377-416.______. Liberdade para aprender. 4. ed. Belo Horizonte: Interlivros, 1978.______. Liberdade para aprender em nossa década. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.______. Tornar-se pessoa. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987.VASCONCELLOS, Maria José Esteves de. O pensamento sistêmico: o novo paradigma daciência. Campinas: Papirus, 2002.

Recebido em 22/06/2006

Aprovado em 10/07/2006

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Introdução

O ponto de partida para elaboração do pre-sente trabalho é decorrente de inquietações equestionamentos diversos acerca das complexasrelações entre educação, cultura e sociedade quepassaram a me assaltar à medida que me familiari-

Batalhas culturais: educaçãomusical, conhecimento curriculare cultura popular na perspectiva

das teorias críticas em educaçãoEduardo Luedy

Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)[email protected]

Resumo. O presente trabalho busca articular questões pertinentes aos discursos e práticaspedagógicas institucionais em música com alguns dos recentes aportes teóricos críticos emeducação que lidam com nexos diversos entre educação, conhecimento, cultura e sociedade.Centrais a tais aportes críticos estão a noção de cultura como prática de significação e a consideraçãode processos educacionais-institucionais de legitimação do conhecimento, tais como as práticas eos discursos pedagógicos corporificados em seus currículos. Situações pedagógicas vividas numcurso de graduação em música e debates teóricos travados em torno das questões que envolvema consideração da música popular para fins acadêmicos são tomados como pretexto para demonstrarcomo concepções conservadoras de cultura e de educação podem implicar uma redução oulimitação de nossos campos discursivos em música e em educação musical.

Palavras-chave: teorização crítica em educação, educação musical, cultura popular

Abstract. This paper intends to articulate questions regarding pedagogical discourse and practicesin formal music education with those pertaining to recent constructs in critical theory in educationthat deal with the nexus between knowledge, culture and society. Central to those critical constructsare the notions of culture as a political practice of significance and the critical view of the curriculumas a process that legitimates knowledge. Pedagogical situations lived in a music undergraduatecourse, and theoretical debates about the academic relevance of considering popular culture toacademic purposes were taken as a means to demonstrate how conservative notions of cultureand education imply in a limitation or drastical reduction of our political and cultural possibilities inmusic and in music education.

Keywords: music education, popular culture, critical theory in education

zava com a chamada teorização educacional crítica(e seus desdobramentos posteriores, tais como ateorização pós-crítica ou pós-estruturalista em edu-cação). Inquietava-me o fato de haver na área deeducação brasileira, há pelo menos 20 anos, uma

LUEDY, Eduardo. Batalhas culturais: educação musical, conhecimento curricular e cultura popular na perspectiva das teoriascríticas em educação. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 15, 101-107, set. 2006.

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considerável produção bibliográfica decorrente de talteorização,1 em relação à qual a produção teóricaem música e educação musical parecia acompanharapenas timidamente.2

Mas o que vem a ser a teorização crítica emeducação? Definir a natureza do pensamento edu-cacional crítico, a partir de um mapeamento de suasgenealogias e filiações teóricas e filosóficas diver-sas, assim como de seus desdobramentos, fugiriaao escopo do trabalho. O que podemos apenas afir-mar, aqui, de modo um tanto amplo e genérico, éque a teorização crítica em educação refere-se a todauma geração de educadores e teóricos sociais queconstruíram o que se tem hoje como uma tradiçãode pensamento educacional que busca examinar asrelações entre processos pedagógicos diversos e asestruturas de poder da sociedade mais ampla, “abrin-do possibilidades para a construção de propostascurriculares informadas por interesses emancipa-tórios” (Moreira, 2003, p. 12).3

Pois bem, à medida que iniciava meu contatocom a literatura crítica e pós-crítica em educação,me perguntava de que maneiras a educação musi-cal institucionalizada – incluindo não apenas aescolarização básica, mas também a formação mu-sical acadêmica superior – poderia se valer, por exem-plo, da crítica de inspiração marxista em educação,com seus conceitos de habitus, capital cultural ereprodução social. Ou de que maneiras poderíamospensar numa educação musical que lidasse com aemergência dos Estudos Culturais e, portanto, coma noção de cultura como prática de significação. Queimplicações haveria para a educação musical osdebates que envolvem as noções de gênero, raça e

sexualidade, ou a viabilidade de um currículomulticulturalista em música que lidasse, por exem-plo, com a importância da cultura popular para odesenvolvimento de uma pedagogia musical crítica.

Obviamente, não tenho pretensões de respon-der a todas essas questões. Elas servem mais parachamar a atenção para possibilidades produtivas dediálogos teórico-epistemológicos entre a área deeducação – a partir de suas perspectivas críticas epós-críticas – e a de educação musical. Para tanto,irei me valer de certas situações pedagógicas quevivi, num curso de graduação em música, e de cer-tos debates teóricos que travei – verdadeiras bata-lhas culturais – em torno das questões que envol-vem a consideração da música popular para fins aca-dêmicos.

Mais particularmente, parto de críticas feitaspor membros de uma comunidade acadêmica con-tra a consideração das formas populares, enquantoreação conservadora, para discutir as noções decultura e teoria que se desvelam nos discursos aca-dêmicos dominantes acerca do que deve contar comoconhecimento válido em música. Parto, também, decertas práticas acadêmicas de educação musicalpara tentar demonstrar como concepções conserva-doras de cultura podem implicar uma redução ou li-mitação de nossos campos discursivos em músicae em educação musical.

O discurso da teoria como política cultural

Os trechos citados a seguir foram retiradosde mensagens enviadas por um dos membros dogrupo de Internet, denominado de “Bibliografia”, noqual, em meados de 2004, empreendemos, eu e

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1 Apesar de Paulo Freire, com a Pedagogia do Oprimido, em 1970, representar marco histórico pioneiro e fundamental numateorização educacional que rompia com o paradigma técnico, então dominante naquele período; e apesar do impacto que os teóricosfranceses, Bourdieu, Passeron, Althusser (para citar os mais evidentes), exerceram por aqui, também nesse período, assinalocomo momento de maior efervescência na produção educacional crítica brasileira o período que se inicia em meados dos anos de1980 até fins dos anos de 1990. Autores como Saviani, Libâneo, Gadotti, e, num momento posterior, Tomaz Tadeu da Silva, AntonioFlávio Moreira e, mais recentemente, Sandra Corazza, Marisa Vorraber Costa, Regina Leite Garcia e Alfredo Veiga-Neto (tambémpara citar apenas os mais evidentes por aqui) têm ocupado espaço significativo no meio educacional acadêmico e teórico brasileiro.Para uma revisão histórica mais acurada acerca da teorização crítica no Brasil, ver Berticelli (2003), Moreira (2003) e Silva (2004).2 Não obstante as recentes publicações dos grupos de pesquisa coordenados pelas professoras Jusamara Souza (Souza, 2000;Souza; Fialho; Araldi, 2005) e Liane Hentschke (Hentschke et al., 2002), que procuram compreender a relevância de práticasmusicais cotidianas para a educação musical, assim como a pesquisa de Cristina Grossi et al. (2001) sobre percepção musical emúsica popular, dentre outros tantos trabalhos que buscam articular propostas de educação musical com os saberes dos sujeitosenvolvidos em seus processos pedagógicos, tais trabalhos, regra geral, não têm politizado suficientemente a discussão acerca dalegitimação dos conteúdos em música. Ou seja, tais trabalhos não costumam ter como centro de suas preocupações a problematizaçãodas posições enunciativas privilegiadas (que estabelecem o que conta como conhecimento curricular em música, por exemplo)como uma função de relações assimétricas de poder.3 A teorização educacional crítica é tomada aqui de maneira inclusiva, ou seja, para abarcar também a teorização pós-crítica. Emoutros termos, considera-se aqui a teorização pós-crítica como um desdobramento das teorizações críticas. De fato, há maiscontinuidades do que rupturas entre ambas, apesar de suas diferenças epistemológicas. Para Boaventura de Souza Santos (apudPacheco, 2001), dentre os traços que lhe são característicos, encontramos: uma recusa da instrumentalização do conhecimentocientífico a serviço do poder político e econômico, uma concepção de sociedade que privilegia a identificação de conflitos einteresses e a busca de um compromisso ético que liga valores universais a processos de transformação social.

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outros de seus participantes, um interessantíssimodebate acerca da pertinência (ou não) de se consi-derar música popular como assunto acadêmico. Ogrupo foi criado em meados de 2000 por ManuelVeiga, professor emérito da Universidade Federal daBahia, e do qual constam, hoje, 179 participantes,entre professores, interessados diversos sobre asquestões de pesquisa em música e, sobretudo, alu-nos e alunas que participam ou que já participaramdos seminários de estudos bibliográficos, ministra-dos pelo professor Veiga no programa de pós-gradu-ação da Escola de Música da Ufba.4

[…] qualquer aluno que seja capaz de compreender ascomplexidades harmônicas e compositivas da Patética[de Beethoven] será também capaz de compreender acomplexidade da música do Mano Brown ou de qualqueroutra música popular. E se alguém acha que precisa“estudar” música popular é porque é muito idiota e nãoentendeu a coisa mais importante desta música, que éa espontaneidade com que é feita. Alguém que queiratocar esta música pode fazê-lo simplesmente ouvindo-a. Se não tiver bom ouvido, basta comprar umarevistinha de cifras e tocar. Se não souber ler cifras,pode ver as figurinhas que acompanham as cifras.(Mensagem 1413, grifo meu).5

O que eu posso agora dizer é que para mim é muitofácil compreender qualquer música (algumas dão maistrabalho, mas eu tenho ferramentas para compreendê-las). Eu gostaria de conhecer alguém que estudandoapenas música popular pudesse me dizer algo sobrematrizes rotativas, por exemplo. Se alguém nãocompreende alguma coisa de rap ou outra músicapopular pode me perguntar, eu prometo que respondo.(Mensagem 1429, grifo meu).

Não cabe aqui, neste momento, entrar nomérito da questão de se tomar ou não as formaspopulares como objetos legítimos de estudo acadê-mico. Deixemos isso um pouco para depois. Por ora,gostaria de me ater ao conteúdo crítico das posi-ções contrárias à cultura popular e ao que elas reve-lam, enquanto reação conservadora, principalmenteno que tange à noção de cultura que lhe serve defundamento.

É preciso, no entanto, que se diga que, sepor um lado a postura do missivista supracitado nãopode ser estendida a todos os participantes da lista– principalmente nos termos em que ela é manifes-tada – por outro, sua falta de parcimônia, ao mani-

festar seu desagravo publicamente, parece revelarum consenso em torno da legitimidade de tal reaçãoconservadora, não apenas contra a consideraçãoacadêmica das formas populares, como tambémacerca da noção de superioridade da “alta cultura”ocidental – tida como a razão primeira e incontestá-vel de toda consideração acadêmica institucional.6

Por isso, antes de ser tomada apenas comoa reação exagerada de alguém, é preciso situar oconteúdo discursivo de tal reação conservadora emfunção das concepções de cultura que lhe sãosubjacentes e, principalmente, das implicações po-líticas e pedagógicas de tal discurso.

Educação, currículos, culturas

Muito embora cultura e educação sejam umpar inseparável na teorização educacional convenci-onal – afinal, nesta perspectiva, a educação não ésenão uma forma institucionalizada de transmitir acultura de uma determinada sociedade – para ateorização crítica, diferentemente, os processos edu-cacionais não são considerados apenas como veí-culos de transmissão da cultura, mas sim como ins-tâncias envolvidas profunda e ativamente na produ-ção e criação de sentidos (Silva, 1996).

A teorização crítica em educação concebecultura numa perspectiva teórico-epistemológica –em grande medida devedora das conquistas da an-tropologia e da sociologia do conhecimento – quedifere radicalmente das concepções tradicionais ou“perfectivas” que a compreendem como “o conjuntodas disposições e das qualidades do espírito ‘culti-vado’”. Para a teorização crítica, interessa mais aacepção descritiva das ciências sociais contempo-râneas, ou seja, a que considera a cultura como “oconjunto dos traços característicos do modo de vidade uma sociedade, de uma comunidade ou de umgrupo” (Forquin, 1993, p. 11).

Na perspectiva crítica, a cultura não é tomadacomo um dado exterior a seus agentes, unificado ehomogêneo, ao qual caberia à educação manter etransmitir. Ao contrário, a cultura é considerada comoum campo dinâmico de produção de significados,desempenhando importante papel constituidor e não

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4 O grupo Bibliografia se encontra no Yahoo Groups, no seguinte endereço: http://br.groups.yahoo.com/group/bibliografia/ Seusarquivos são públicos e as mensagens encontram-se disponíveis para consulta. Devo dizer, no entanto, que tive a anuência doreferido missivista para utilizar os trechos citados.5 Mano Brown é cantor e compositor de rap. O grupo musical ao qual pertence, Racionais MC’s, constitui uma das principaisreferências do cenário do rap brasileiro contemporâneo e havia sido citado por mim, nos debates travados no grupo de Internet,como exemplo de manifestação musical-cultural que demandava outro tipo de abordagem teórico-interpretativa.6 O missivista citado é professor adjunto da Escola de Música da Ufba, compositor respeitado por seus pares e alunos devido à suacompetência e erudição.

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apenas determinado; sendo, por isso, tomada comoum campo contestado, palco de interesses conflitan-tes acerca da autoridade e da legitimidade da repre-sentação (Silva, 2003).

Uma das implicações importantes dessa pers-pectiva é a de buscar relativizar e questionar os mei-os tradicionais de representação e significação cul-tural, e, como conseqüência, considerar vozes di-versas que, historicamente, têm sido mantidas àmargem dos discursos hegemônicos em cultura eeducação. Por conta disso, a teorização crítica temse preocupado centralmente com as questõescurriculares e de legitimação do conhecimento. Ocurrículo, desde um ponto de vista crítico, segundoSilva (2003, p. 10),

[…] é o espaço onde se concentram e se desdobramas lutas em torno dos diferentes significados sobre osocial e sobre o político. É por meio do currículo,concebido como elemento discursivo da políticaeducacional, que os diferentes grupos sociais,especialmente os dominantes, expressam sua visãode mundo, seu projeto social, sua “verdade”.

Ora, na perspectiva de que um currículo é tam-bém uma forma de política cultural e, portanto, umaprática de significação, que significados poderiam,por exemplo, ser capturados no currículo de um cur-so de percepção musical?

Percepção e compreensão musical

Nas aulas de percepção musical – normal-mente concebida como uma disciplina instrumental,destinada primordialmente ao “treinamento” e desen-volvimento de habilidades de solfejo e de discrimina-ção auditiva – não costumamos nos perguntar acer-ca de possibilidades de percepção (e compreensão)musical que levem em conta outros aspectos paraalém das relações sonoras internas ou formais.

Práticas e objetivos alternativos na aula depercepção, tais como o estudo das relações entrepadrões sonoros significantes e a compreensão deseus ouvintes (como uma função de experiênciassociais) em manifestações musicais diversas – paraalém dos repertórios “eruditos” da chamada “altacultura” ocidental – são não apenas incomuns, comocostumam ser tidos como um uso indevido e malconcebido dos meios pedagógicos em música.

Ora, uma das implicações epistemológicassubjacentes, nas aulas de percepção, ao vincular-mos as atividades de perceber e compreender músi-

ca somente a determinadas práticas (e, nestas, so-mente a determinados aspectos e parâmetros), é ade que só se torna perceptível (e, portanto, inteligívele compreensível) aquilo que é passível de ser grafadono sistema de notação musical tradicional ocidental.

Em outros termos, a disciplina percepçãomusical ao limitar seus objetos de estudo àquilo quese tem como “aspectos perceptíveis” – primordial-mente, a organização das alturas, em suas dimen-sões “horizontal” e “vertical” – nos leva a crer, conse-qüentemente, que só poderemos “perceber” músi-cas que se estruturem em concordância com taisaspectos. Soma-se a isso a crença de que a músi-ca pode ser reduzida à sua representação gráfica,ou seja, à sua partitura.

Do mesmo modo, o que se depreende dostrechos do discurso do missivista do grupo de InternetBibliografia, citados anteriormente, é a mesma con-cepção, solipsística e etnocêntrica, de conhecimen-to em música. Temos, primeiramente, a crença deque a teoria musical ocidental não só dá conta deexplicar a música, como através dela podemoscompreender qualquer música. Em segundo lugar,temos a compreensão musical reduzida à compre-ensão de suas “complexidades harmônicas ecompositivas”. Algo que, para Christensen (2000),decorre do formalismo analítico típico de nosso meioacadêmico, e que se manifesta no predomínio deanálises a-históricas, presentistas e positivistas quetomam música, basicamente, como estruturas dealturas, dissociadas de seus contextos históricos eautorais.

Há também, nos trechos citados anteriormen-te, o preconceito contra as formas populares. Algoque talvez se justifique se considerarmos que, a par-tir da perspectiva teórico-epistemológica presente nodiscurso do nosso missivista, tudo aquilo que esca-pa às objetivações dos dispositivos teóricos e analí-ticos tradicionais em música, ou que não se podeequiparar à sofisticação formal das grandes obrasda musica ocidental erudita – como seria o caso dorap de Mano Brown – ou não é música ou é músicade má qualidade – ilegítima, portanto, de considera-ção acadêmica.7

Em outros termos, o modelo presentista/positivista de análise (e, portanto, a noção de com-preensão musical dele decorrente) implica, em últi-ma instância, uma desconsideração de valor de tudo

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7 É importante destacar que as concepções tradicionais e conservadoras de cultura encontram-se vinculadas a noções tradicionaisque compreendem arte como esfera exclusiva do belo e da transcendência estética, desimpedida e salvaguardada de interferênciasexternas. Para ambas, as formas populares mais contemporâneas representam uma anomalia, um desvio e, portanto, uma ameaça.

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aquilo que não pode ser tomado como objeto de aná-lise. Afinal, a produção de formas de inteligibilidadee os efeitos de significação do discurso teórico emmúsica valorizam e reificam certas práticas ao tem-po em que excluem outras.

Um exemplo disso são as considerações deGerling (1995, p. 50, grifo meu) acerca do despreparo dealunos recém-ingressos num curso superior de música:

O nível de conhecimentos específicos traduzidos emhabilidades de leitura, percepção e entendimento departituras musicais dos alunos ingressos no primeirosemestre dos cursos de música na UFRGS [Universi-dade Federal do Rio Grande do Sul] nos anos de 1993e 1994 foi considerado inadequado. Os alunos são nasua maioria analfabetos musicais.

Considerações que só podem ser compreen-didas na perspectiva de uma teorização educacio-nal, baseada numa concepção perfectiva e conser-vadora de cultura, que termina por reduzir as possi-bilidades de fazer/compreender música somenteàquelas da tradição ocidental erudita. E, mais ain-da, àquelas passíveis de serem notadas de acordocom seu sistema de notação musical. Algo que, re-gra geral e infelizmente, é ainda representativo damaneira como as instituições de ensino superior emmúsica encaram os conhecimentos e as experiênci-as prévias daqueles que ingressam em seus progra-mas de ensino.

A expressão “analfabetismo musical”, afinalde contas, pressupõe que os referenciais culturaisdaqueles indivíduos – ainda que estes não possuamou não façam uso de um sistema simbólico comple-xo de representação dos sons musicais, como é osistema tradicional de notação musical ocidental –sejam como que desprovidos de alguma “sintaxe”ou “gramática” musicais próprias.

Por uma educação musical crítica

A preocupação de demonstrar como nos dis-cursos educacionais conservadores podem se en-contrar implicados mecanismos de exclusão sociale cultural se faz necessária principalmente quandoatentamos para o fato de que muitos dos que costu-mam ingressar em cursos superiores de música sãooriundos do universo das práticas materiais e sim-bólicas da cultura popular – “aquele terreno de ima-gens, formas de conhecimento e investimentosafetivos” (Giroux; Simon, 2002, p. 105) que fazemparte predominante da vida cotidiana de muitos dosnossos alunos e alunas.

A respeito da importância de considerar taispráticas, desde um ponto de vista crítico, McLaren eLeonardo (1999, p. 206) nos alertam para o fato de que:

O modo como os estudantes vivem “o popular” recebepouquíssima atenção das escolas. Como resultado,alunas e alunos são privados da oportunidade deaprender como suas identidades foram constituídas emoldadas pelas forças e relações cotidianas, tantoideológicas quanto materiais. Sem espaço pedagógicopara o diálogo crítico sobre a semiótica do cotidiano…educadoras e educadores privam seus alunos demodos potencialmente transformadores pelos quaiseles e elas podem compreender sua vida cotidiana,trabalhando estrategicamente no sentido de questioná-los (os educadores) em termos das relaçõeshegemônicas e de espaços emancipadores.

Ora, se “a linguagem da teoria é crucial namedida em que esteja enraizada nas experiênciasde vida, nas questões e nas práticas reais”, se deve-mos buscar “analisar as questões e eventos que dãosentido à vida cotidiana” (Giroux, 1995, p. 97); e se“a pedagogia [enquanto educação sistematizada eintencional] representa um modo de produção cultu-ral implicado na forma como o poder e o significadosão utilizados na construção e organização de co-nhecimentos, desejos, [e] valores” (Giroux, 1995, p.100); então devemos buscar vincular o currículo àsexperiências que nossos estudantes trazem em seusencontros com o conhecimento institucionalizado.

Nesse sentido, é preciso destacar que asperspectivas conservadoras que vêem a crescenteesfera da cultura popular contemporânea como umaameaça a valores tradicionais e aos saberes erudi-tos, tidos como “universais” e supostamente superi-ores, possuem pressupostos estéticos e implicaçõesculturais que precisam ser seriamente questionados.E não só pelos motivos expostos anteriormente, mastambém porque de tais pressupostos derivam práti-cas pedagógicas desatentas ao fato de que as trans-formações sociais colocadas por essas formas cul-turais requerem novas atitudes interpretativas. Atitu-des que levem em conta outras formas importantesde conhecimento e saber que são próprias dessasmanifestações culturais. E que, segundo Silva (1996,p. 196),

[…] não podem ser caracterizadas absolutamente comodesvio, déficit, regressão, anomalia, patologia. Em vezdisso, elas devem ser compreendidas dentro de suaprópria lógica e ótica e não por referência a outrasformas e meios culturais, característicos de uma outraépoca. Elas implicam, sim, a produção de novascapacidades mentais, cognitivas e afetivas.

Seria, pois, a partir dessas novas capacida-des cognitivas que deveríamos buscar encontrar for-mas criativas, abertas e renovadas de pensar e de-senvolver práticas educativas, formas que superas-sem “os velhos binarismos da alta cultura vs. baixacultura, cultura de elite vs. cultura de massa” (Silva,1996, p. 196), em função primordialmente, no finaldas contas, do significado de um compromisso de-

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mocrático por parte de nossas práticas pedagógi-cas para com outros saberes e outras vozes.

Tomemos como exemplo, mais uma vez, adisciplina de percepção musical. Para além das im-plicações etnocêntricas já apontadas, essa discipli-na, por tomar os repertórios musicais tradicionais(tanto em termos de suas bases conceituais quantode seus contextos) como algo já dado – que aosestudantes caberia tentar aceder, por se confundircom a música, ou seja, com a cultura – incorre norisco de descuidar das práticas e saberes cotidia-nos da maioria de nossos alunos e alunas – seja porconsiderá-los ilegítimos, seja pelo silenciar que fazem relação a eles – o que, do ponto de vista educa-cional, significa muitas vezes aceitar que aquelesque têm melhor desempenho nas capacidades deli-mitadas e esperadas enquanto “percepção” (ou co-nhecimento em música) são mais “talentosos” ou“musicais” que outros. O baixo desempenho dos “ou-tros”, nessa perspectiva, não costuma ser problema-tizado em função das dificuldades que muitos cos-tumam enfrentar ao se deparar com bases conceituaispróprias de contextos musicais que lhes podem ser,quase sempre, estranhos.

Uma prática pedagógica em música, por ou-tro lado, que busque desenvolver uma compreensãoteórica das experiências prévias e cotidianas de nos-sos alunos e alunas, que busque articular os sabe-res envolvidos em tais experiências com os assimchamados saberes “eruditos”, poderia ser mais efetiva– tanto do ponto de vista do compromisso ético-demo-crático para com a diversidade cultural existente quantodo pedagógico, ou seja, do aprendizado.

A contribuição fundamental da teorização crí-tica, por ampliar nossas noções de cultura, conheci-mento e de teoria em música, para incluir tais práti-cas populares, não deveria ser vista, por fim, comouma atitude paternalista-tolerante, mas sim comouma obrigação ética de reconhecimento e valoriza-ção das múltiplas vozes e discursos musicais exis-tentes que necessitam igualmente ser apreciados ecriticados.

À guisa de conclusão

Não advogo, por parte da educação musical,uma adesão inquestionada e incondicional às pers-pectivas críticas e pós-críticas, como se pelo fato deque elas constituíssem a mais recente “novidade”,ou o mais novo “modismo” pedagógico, devêssemosaderir a elas para que parecêssemos mais“atualizados”. A minha crítica ao descompasso eà falta de diálogo entre as áreas de educação eeducação musical se dá mais no sentido de queperdemos muito ao não considerar o potencialheurístico de tais aportes críticos e pós-críticosem educação para se repensar os processos pe-dagógicos em música e suas implicações políti-cas, culturais e sociais.

O que busco aqui, fundamentalmente, é cha-mar a atenção para o fato de que a educação musi-cal ao se insular num campo discursivo supostamen-te neutro e desinteressado, ou estritamente “técni-co”, esteja não apenas perdendo a oportunidade decontribuir para os debates que envolvem educação,cultura e sociedade, mas, em última instância, con-tribuindo para processos de exclusão social. As si-tuações pedagógicas aqui descritas, bem como oteor dos debates acerca da pertinência acadêmicada cultura popular, são evidências de tais riscos.

Por fim, quero dizer que a teorização crítica(e pós-crítica) em educação não deve ser considera-da como panacéia capaz de apontar as soluções“mais corretas” para nossos problemas em educa-ção e em educação musical. Ceder à tentação depropor saídas ou apontar respostas únicas seria, afi-nal, uma contradição com a atitude fundamentalmen-te desconstrutiva e contestatória de tais aportes. Aposição aqui não é a de quem se crê vanguarda, apartir de uma perspectiva epistemológica superior,mas sim a do questionamento constante das rela-ções hierárquicas e das posições enunciativas privi-legiadas acerca do que vale como cultura e conheci-mento para a educação. A consideração acadêmicadas formas populares contemporâneas e do que elasrepresentam na vida de nossos alunos e alunas se-ria um bom ponto de partida para isso.

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Recebido em 25/06/2006Aprovado em 16/07/2006