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  • 7/29/2019 ABDEL MONEIM o Ciborgue Zapatista

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    ESTUDOS FEMINISTAS 39 1/2002

    SARAH GRUSSING ABDEL-MONEIM

    Macalaster College

    O Ciborgue Zapatista: tecendo aO Ciborgue Zapatista: tecendo aO Ciborgue Zapatista: tecendo aO Ciborgue Zapatista: tecendo aO Ciborgue Zapatista: tecendo apotica virpotica virpotica virpotica virpotica virtual de resistncia notual de resistncia notual de resistncia notual de resistncia notual de resistncia no

    Chiapas cibernticoChiapas cibernticoChiapas cibernticoChiapas cibernticoChiapas ciberntico

    RRRRResumo:esumo:esumo:esumo:esumo: A circulao global, entre 1994 e 2001, do neo-zapatismo e do ativismo solidriono-indgena como smbolos de resistncia no ciber-espao sugere a necessidade de novasformas de leitura dos movimentos sociais na era digital. Uma leitura feminista do binarismolocal/global do espao discursivo em torno da rebelio maia em Chiapas tanto afirma quantocontesta teorias predominantes ps-modernas sobre a relao entre corpo humano etecnologias cibernticas. Esse espao hbrido transgride e confirma fronteiras entre ator/atrize audincia, escritor/a e leitor/a, humano e mquina. A relao entre o teatro da resistnciamaterial na Zona de Conflito e o crescimento da resistncia virtual no Ciber-Chiapas ilustra anatureza ciborgue material/tecnolgica da rebelio de Chiapas.PPPPPalavras-chave:alavras-chave:alavras-chave:alavras-chave:alavras-chave: zapatista, Chiapas, Mxico, Internet, feminismo, movimentos sociais.

    A circulao de ativistas de solidariedade neozapatistase no-indgenas como smbolos de resistncia no espaociberntico durante os ltimos sete anos sugere a necessidadede mtodos novos para entender os movimentos sociais nestaera virtual. Esta monografia1 parte de um estudo maior sobreimplicaes tericas do papel da tecnologia na criao eexpanso desse espao discursivo e do teatro global daresistncia associada recente rebelio indgena em Chiapas,Mxico.2

    Eu gostaria de concentrar-me aqui na des-locaodos corpos e das vozes indgenas de Um lugar chamadoChiapas (como o documentrio de Nettie Wild o classificou)ao sul do Mxico para um espao incorpreo. Como que osindgenas engajados na resistncia so deslocados da zonamaterial de conflito em Chiapas (de fato um no-lugar vistode uma perspectiva antes de 1994) para uma zona semfronteiras e sem dimenses, que simultaneamente em lugarnenhum e em todo lugar? Quais so as contradies

    envolvidas quando rebeldes maias, de um movimento queprocura ligao com outros movimentos sociais globais, viajampelo espao ciberntico como cones de multimdia? Apesar

    1 Uma verso preliminar maisreduzida deste trabalho foipublicada na edio deoutono1999 do boletim

    Feministas Unidas sob o ttuloVirtual Voices, ElectronicBodies: Women and thePoetics of Resistance in Cyber-Chiapas.2 Ver Sarah GRUSSING, 2000.

    Coyright 2002 by RevistaEstudos Feministas

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    ANO 10 40 1 SEMESTRE 2002

    SARAH GRUSSING ABDEL-MONEIM

    do modelo militar do Exrcito Zapatista de Libertao Nacional(EZLN), embora invertido, ser que a digitalizao do movimentorebelde d caminho, paradoxalmente, transcendncia desuas origens militares enquanto tecida uma rede globaldescentralizada de solidariedade? Ser que a tecedura dessa

    rede de solidariedade tambm se qualifica como ato deresistncia que se apropria do prprio espao ciberntico espao esse que teve sua origem como arma militar de defesae que se encontra atualmente dominado pelo capital global?

    Parte das sries de desplazamientos a que me refiroenvolve a representao e a participao das mulheres nesseespao tecnologicamente mediado, como, tambm, arelevncia do feminismo para a anlise desse espao. Atecnologia muitas vezes tem sido representada como aspectodo domnio e da autoria masculinos da cultura moderna e,

    de fato, ps-moderna, em que o agenciamento da mulher mal recebido e mesmo visto como no natural. Apesar de tudo,a terica feminista Sadie Plant nos lembra que a computaoe a rede de computadores seguem o modelo de atividadetradicionalmente feminina da tecedura. Sadie Plant tambmnos lembra que uma mulher, Ada Lovelace, foi uma pioneirade destaque no processo de inveno do primeiro prottipode computador no sculo XIX.3 Com as afirmaes dessa autoraem mente, eu gostaria de explorar a questo de como as teoriasfeministas, ao estabelecer relaes entre tecnologias

    emergentes e os modelos para visualizao de articulaespolticas radicais, podem fornecer insights teis quanto aofenmeno de Chiapas e quanto ao sucesso da tecedura deum espao alternativo para novas formas de visualizaes erealizaes de polticas locais e globais. De suma importnciapara esse ato de tecer espao so os vrios processos de des-locao dos indgenas e dos corpos das mulheres enquantoviajam pelo espao ciberntico, assim como a des-locaoexperimentada pelos agentes no-indgenas e pelo pblicona produo de textos multimdia de solidariedadetransnacionais.4 Tomando por emprstimo as idias daspesquisadoras feministas Donna Haraway e Anne Balsamo,discutirei como o fenmeno dos Zapatistas no espaociberntico ao mesmo tempo afirma e contesta teorias ps-modernas prevalecentes sobre a relao entre o corpo humanoe as tecnologias cibernticas. Antes de dar incio exploraodessas questes tericas, porm, fornecerei um breve sumriosobre a rebelio indgena em Chiapas e a rede nacional eglobal de solidariedade, a qual emerge em resposta quelarebelio e que vem produzindo, ativamente, matrias para aimprensa convencional e multimdia em apoio s demandas

    dos/as rebeldes por justia e dignidade.

    3 Sadie PLANT, 1995, p. 45.

    4 Um formato tradicional de

    impresso no possui oalcance ilustrativo de umdocumento multimdia dehipertexto eletrnico, e poressa razo convido os/as lei-tores/as a visitar alguns doswebsites dedicados cons-cientizao sobre a crise emChiapas. Um bom ponto departida a extensa bibliogra-fia de links da Accin Zapa-tista, no Zapat istas in

    Cyberspace: An AnnotatedGuide to Resources andAnalysis.

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    ESTUDOS FEMINISTAS 41 1/2002

    O CIBORGUE ZAPATISTA

    De nenhuma parDe nenhuma parDe nenhuma parDe nenhuma parDe nenhuma parte para toda parte para toda parte para toda parte para toda parte para toda parteteteteteNo dia de Ano Novo em 1994, um exrcito de homens e

    mulheres maias autodenominado Exrcito Zapatista deLiberao Nacional (EZLN) emergiu de nenhum lugar para

    tomar posse de vrias vilas e centros de comunicao emChiapas, no mesmo dia em que entrou em vigor o NAFTA(Acordo de Livre Comrcio entre Mxico e Estados Unidos). Nocontexto dos acordos de livre comrcio, a emenda adicionadapelo presidente Salinas ao Artigo 27 da Constituio mexicanaps um fim s diretrizes de diviso de terras tradicionais semresolver a crise agrria sofrida pelas comunidades camponesase indgenas do Mxico e sem, tampouco, gerar suficientesoportunidades para que esses setores da sociedade pudessemlevar uma vida com dignidade. No discurso do EZLN, as medidas

    do plano de ao neoliberal so vistas como produtos da NovaOrdem Mundial, que baseada na injustia social, econmicae poltica, apesar da retrica democrtica usada para apoi-la.

    O smbolo de Zapata, h muito tempo cooptado peloPartido Revolucionrio Institucional (PRI) , tem sido sempre umelemento-chave na disputa pelo sentido da RevoluoMexicana. Por defender a causa em prol de um novosignificado, embora historicamente ligado luta zapatista e luta do Mxico por uma democracia inclusiva geral, o discursoneozapatista re-apropria-se do significado do herirevolucionrio campons martirizado, assim como de outrossmbolos culturais em circulao. A significncia excessivadesses smbolos muitas vezes subverte sua interpretao pelasinstituies mexicanas. por essa razo, entre outras, que euchamo de neozapatista essa nova forma de resistncia, paraque a possamos diferenciar do movimento zapatista originalda Revoluo Mexicana.

    A rebelio neozapatista est profundamente enraizadana histria mexicana; entretanto, seu programa de demandase a viso de mundo que a orienta esto bem ligados ao

    contexto mundial atual. A arma mais efetiva dos neozapatistas o seu convite para a re-articulao da identidade mexicana e da identidade humana atravs da busca por dignidade,democracia, e justia social e econmica. Depois dos primeirosdias de conflito armado, o EZLN, na maioria das vezes, utiliza-se de estratgias no-violentas; uma delas uma chamada solidariedade da sociedade civil mexicana e do pblicointernacional. Um elemento importante para o sucesso dos/dasrebeldes em resistir s tentativas do exrcito que os queresmagar a circulao efetiva de comunicaes via e-mail e

    websites, assim como a divulgao de informaes sobre acrise atravs do apelo s organizaes no-governamentais(ONGs) que produzem boletins de ao urgente e publicam

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    SARAH GRUSSING ABDEL-MONEIM

    casos de abusos de direitos humanos na Internet. Tais iniciativasde contatos atravs do espao ciberntico ajudam a transmitirnotcias de minuto a minuto que complementam, corrigem econtradizem as reportagens mais comuns e convencionais.

    Alm disso, a agenda dos/das rebeldes tem despertado o

    interesse de uma grande variedade de indivduos e grupos,tais como ativistas de direitos humanos, acadmicos, artistas,msicos populares, jornalistas progressistas e gruposecumnicos em prol da justia social, que tm realizadoprodues simblicas pela Internet. A Guerra da Tinta e daInternet do EZLN, como chamada,5 tem sido to triunfanteque os atos da fala dos neozapatistas ressoam dentro docontexto do discurso global de direitos humanos. O crescenteacesso e manipulao da Internet, com as suas possibilidadesutpicas e democratizantes, resulta na criao e na expanso

    contnua de um espao dinmico e discursivo em que aspalavras, imagens e atos de resistncia diria nas comunidadesde base zapatistas na Zona de Conflito adquirem numerososnveis de significncia.

    A luta das comunidades autoproclamadas autnomasem Chiapas ressoa profundamente em muitos setores dasociedade civil mexicana que tambm esto tentandorearticular uma identidade nacional que no mais exclua osgrupos que historicamente ocuparam e continuam ocupandoposies marginalizadas. Os/as rebeldes mascarados dentro

    dessa colnia interna6

    na fronteira sul tm convidado o seupblico no Mxico e no estrangeiro para participar do processode exposio da imagem ilusria do Mxico como nao quepretende entrar para o Primeiro Mundo, uma imagem que temsido projetada para solicitar investimento internacional. Aodesconstruir o mito de uma nao democrtica e inclusiva erevelar o outro Mxico, os/as rebeldes tambm encorajam aconstruo de alianas atravs das fronteiras de etnia, gneroe classe da sociedade civil de maneira que possam promovero nascimento de instituies sociais e polticas maisdemocrticas e justas.

    Apesar dos esforos do Estado e do exrcito mexicanospara limitar a rebelio a uma pequena Zona de Conflitoatravs da conteno fsica das comunidades rebeldes, arebelio armada de Chiapas ironicamente abriu um espaodiscursivo que vai muito alm do nvel local. A subversoneozapatista de esquemas estabelecidos de dilogo entre osindgenas e o Estado comeou com o pedido do EZLN pelamediao por parte da sociedade civil nesse dilogo, natentativa de achar alternativas de paz para a resoluo doconflito armado. Esse convite zapatista sociedade civil,

    atraente para grupos e agentes to diversos quanto ossindicatos trabalhistas, ativistas de direitos homossexuais, gruposem defesa de direitos indgenas, ativistas lutando por reformas

    5 O conflito armado emChiapas uma guerra de tin-ta, de palavra escrita, umaguerra na Internet. Chiapas,anote por favor, um lugaronde no houve um disparonos ltimos 15 meses. Os

    disparos duraram dez dias, edesde ento a guerra temsido uma guerra da palavraescrita, uma guerra pela Inter-net (um byte sonoro freqen-temente citado de um discur-so proferido em 25 de abril de1995 por Jos Angel Gurria,ento secretrio de RelaesExteriores do Mxico, no WorldTrade Center).

    6

    Para mais detalhes sobre aidia de Chiapas como umacolnia interna, sobre ahistria de lutas pela cons-cientizao e sobre a sofis-ticada organizao polticana dcada de 1970 entre ascomunidades de campe-sinos, ver George COLLIER,1994.

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    ESTUDOS FEMINISTAS 43 1/2002

    O CIBORGUE ZAPATISTA

    eleitorais, estudantes, artistas e escritores/as, jornalistas, homense mulheres de partidos polticos, msicos populares e at mesmoos setores desarticulados de classe mdia, resultou em umamediao fsica entre o Estado e os rebelados atravs daformao de um cinturn de paz durante as primeiras fases

    de negociao. O convite tambm inspirou a criao e ofortalecimento de novas organizaes polticas e sociais quese dedicam a vrios aspectos da luta pela democracia, justiae pluralidade, e que fazem presso por reformas polticas. Loszapatistas abrieron la puerta, y nosotros nos estamos metiendo,disse Arturo Sanabria, diretor da Gestin de Servicios de Salud,uma organizao que ajuda a desenvolver alternativascentradas nas comunidades para limitar os servios mdicosoferecidos pelo exrcito mexicano como parte de suaestratgia de guerrilha de baixa intensidade.7 Essa abertura

    realizada pelo discurso neozapatista reflete uma transformaoradical nos velhos processos da mediao cultural.

    TTTTTecendo a teia da Internetecendo a teia da Internetecendo a teia da Internetecendo a teia da Internetecendo a teia da InternetEm um artigo publicado em janeiro de 1999 por um jornal

    mexicano,La Jornada, Fabrizio Meja Madrid assim resumiu atrajetria da rebelio em Chiapas desde que esta apareceuem janeiro de 1994: La histria de estos cinco aos va delagrarismo tradicional a la penosa contruccin de um lugar enel que nadie ha estado, de ocupacin de tierras a la identidad

    sin territorio definido.Comunidades indgenas em resistncia em Chiapas tm

    adquirido importncia transnacional dentro do contexto daglobalizao dos projetos neoliberais. Comunidadesautnomas, situadas em uma das mais isoladas emarginalizadas regies de Mxico, agora se encontram nocentro de um espao discursivo que vem transgredindo muitasfronteiras. Nesse espao, o futuro dos direitos humanos discutido, assim como so as questes de autonomia cultural,o enfraquecimento ou desaparecimento de tradicionais

    fronteiras geogrficas, econmicas, polticas e culturais, e apossibilidade de construo de comunidades locais e globais.Atravs da produo de milhares de textos eletrnicos einterativos, imagens de zapatistas circulam como smbolos daspossibilidades subversivas de rearticulao de um sentido dacomunidade contestatria do modelo IBM de Vila Global.

    Nos textos de mediao do contraditrio mas efetivoporta-voz no-indgena do EZLN, o subcomandante Marcos,assim como no discurso de muitos ativistas polticos eorganizaes de direitos humanos mexicanos e transnacionais,a palavra Chiapas representa o modelo de dignidade queinspira tentativas de articulao de modelos novos de justiasocial e ligao com outros modelos. No vem ao caso se aestrutura de poder utpico popular do EZLN e das suas

    7 Arturo Sanabria, represen-

    tante do Mxico junto ONGGestin de Servicios de Salud,em conferncia proferida noFrente del Norte, uma orga-nizao de solidariedade aoszapatistas sediada emMinneapolis, Minnesota,Estados Unidos.

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    SARAH GRUSSING ABDEL-MONEIM

    comunidades de base realmente funciona de modo to ideal,como Marcos e outras vozes neozapatistas o descrevem; elatem causado o aparecimento de esquemas descentralizadosde solidariedade e comunicao. Talvez seja principalmentea mediao eficiente do maia-de-honra Marcos, entre os vrios

    discursos culturais e intelectuais em nveis locais, nacionais eglobais, a razo pela qual os neozapatistas tm recebido tantaateno de todo o mundo, e pela qual o Chiapas, como signomediador, tem adquirido importncia em outras lutas porautonomia ou justia social em outras partes do mundo. Porm,o convite dos neozapatistas para novas visualizaes tornoupossvel a formao de articulaes discursivas que refletem aestrutura descentralizada das ligaes hipertextuais no espaociberntico. O slogan Todos somos Marcos; todos somos ndios;todos somos Chiapas repetido no s no Mxico, mas

    tambm na Irlanda, no Japo, na Holanda, na Itlia, nos EstadosUnidos, e em muitos outros lugares onde os/as leitores/as ou opblico dos textos ou performances multimdia, realizados porou sobre os neozapatistas, tambm se tornam escritores/as eatores/atrizes no teatro global da resistncia virtual contra arepresso das minorias, o neocolonialismo dos Estados e aexpanso dos planos de ao neoliberais.

    O uso de tecnologias emergentes na amplificao dasvozes indgenas, assim como na criao e distribuio de textosem que os/as rebeldes neozapatistas circulam como smbolos

    multifacetados da resistncia, tem sido fundamental no novoprocesso de mediao entre as vozes indgenas e as culturashegemnicas de um Mxico mestio e de uma vila globaldesde 1994. Por exemplo, internautas em visita ao website daComisso Nacional pela Democracia no Mxico podemcomprar camisetas que dizem soy Zapatista. Galerias de fotosna Internet exibem cenas do dia-a-dia nas comunidadesautnomas e correntes de mulheres e crianas indgenas noarmadas tentando impedir, com seus prprios corpos, quesoldados de tropas de choque entrem nas suas vilas eplantaes de milho. Especialmente desde o massacre de maisque 40 pacifistas indgenas (principalmente mulheres ecrianas) de um grupo chamado Las Abejas, em dezembro de1997, muitos websites promovem vdeos que documentamviolaes de direitos humanos e entrevistam vtimas e militanteslocais. Em alguns sites, vrios videoclipes e filmes de entrevistasesto disponveis para serem vistos on-line. O site da AccinZapatista, patrocinado pela comisso de solidariedade em

    Austin, Texas, ostenta uma impressionante bibliografia anotadade websites sobre os/as rebeldes, ilustrados com a rendiogrfica de Marcos como ciberpunk, uma produo

    embelezada por tcnicas eletrnicas de uma foto verdadeirado subcomandante do EZLN. Muitos outros desses websites so

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    ESTUDOS FEMINISTAS 45 1/2002

    O CIBORGUE ZAPATISTA

    conjuntamente mantidos por ativistas mexicanos einternacionais.

    Des-locar e re-colocar os corposDes-locar e re-colocar os corposDes-locar e re-colocar os corposDes-locar e re-colocar os corposDes-locar e re-colocar os corpos

    A circulao das vozes e dos corpos indgenas comosmbolos de resistncia nos textos multimdia do espaociberntico envolve vrios processos de des-locamento dosatores e do pblico nesse teatro global. Embora esse des-locamento afete a todos aqueles que participam dessarepresentao interativa, podemos argumentar que os vriosnveis de des-locamento que as mulheres indgenasexperimentam quando se juntam luta nesse espaotecnologicamente mediado de Chiapas so os mais visveis.Embora eu queira me concentrar aqui nos desplazamientosdevido mediao tecnolgica, tambm importante indicarque o des-locar dos corpos das mulheres indgenas comeano no espao ciberntico, mas na prpria Zona de Conflito,nos altiplanos de Chiapas. A ocupao de Chiapas peloexrcito mexicano produziu milhares de refugiados internos, aquem a imprensa e os grupos de direitos humanos se referemliteralmente como os deslocados. Mulheres fugindo daameaa de violncia de militares e paramilitares tentam sesustentar e cuidar das famlias em acampamentos temporriosou nos esconderijos nas montanhas. Por outro lado, a imprensaconvencional imediatamente interessou-se pelo curioso fato

    de que muitos dos soldados zapatistas uniformizados, queparticiparam da captura de vrias vilas e centros decomunicao em janeiro de 1994, eram mulheres. O prpriomovimento rebelde deslocou, de suas casas e das estruturasfamiliares tradicionais, mulheres indgenas que se apresentaramcomo voluntrias para o combate junto ao EZLN e que forampara acampamentos militares de guerrilha uma mudanade identidade muitas vezes veiculada na imprensa atravs daimagem chocante das jovens maias rebeldes usando uniformesmilitares em vez de trajes tpicos e carregando armas em vez

    de bebs. Tanto a imprensa convencional como as fontes denotcias alternativas baseadas na Internet publicaram fotos demulheres maias das comunidades de apoio civil rebeldesusando trajes tpicos com bandanas cobrindo as faces. Elas seapresentaram desse modo em protestos pelas ruas de SanCristobal ou da Cidade do Mxico ou quando formavam umbloco humano contra as incurses do exrcito mexicano. Talvezo exemplo mais bem conhecido desse deslocamento seja ocaso da agente de polcia zapatista de fala mansa Ramona,que, mesmo sofrendo de uma doena terminal, aprendeu oespanhol para poder tomar de assalto a Cidade do Mxico eo espao ciberntico quando ali chegou pela primeira vezcomo delegada do EZLN. As mulheres das comunidades civis

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    SARAH GRUSSING ABDEL-MONEIM

    do EZLN tambm tm escrito e insistido na ratificao das LeisRevolucionrias das Mulheres por parte do EZLN, declarandoo seu direito de poderem escolher o seu esposo, determinar onmero de crianas que elas queiram ter e participarigualmente em todas as atividades polticas e decises da

    comunidade. Mulheres na Zona de Conflito tambmestabeleceram pequenas indstrias cooperativas, produzindotecelagem e outros artesanatos para obter sadas criativas parao seu isolamento econmico.

    Embora se possa argumentar que sejam subprodutosdo movimento autnomo indgena neozapatista original, asdistintas interpretaes das mulheres sobre o que deveriasignificar tal autonomia cultural em nvel comunitrio exerceminfluncias cada vez mais visveis no cenrio internacional. Aparticipao das mulheres na Zona de Conflito vem

    despertando o interesse de muitos envolvidos na rede globalde solidariedade criada em torno da rebelio. Livros edissertaes acadmicas sobre as mulheres zapatistas,8 jforam publicados grupos de solidariedade criados, tais comoo da Comisso Nacional por Democracia e o das Irms doMxico Alm das Fronteiras. Tambm vo se abrindo espaoscibernticos, como os websites interativos do Frum sobre asMulheres Zapatistas. As mulheres zapatistas e as mulheres no-indgenas, inspiradas pelos/as rebeldes neozapatistas daorganizao militar ou da base civil, tornaram-se importantes

    contatos na campanha internacional pelos direitos humanos epela democracia em Chiapas e, em geral, no Mxico. Porexemplo, a fundadora da Comisso Nacional pela Democraciano Mxico, Cecilia Rodrguez, uma cidad americana dedescendncia mexicana, tornou-se a embaixadora do EZLNpara os Estados Unidos, e a atriz e ativista mexicana OfliaMedina continua sendo uma lder vociferante junto aomovimento mexicano em apoio s comunidades rebeldes.Mulheres como Teresa Ortiz, da ONG binacional sediada emSan Cristobal, Cloudforest Initiatives, ajudam a patrocinarexcurses internacionais de palestrantes cujas vozes nopoderiam ser ouvidas de outro modo (assegurando, porexemplo, que a esposa indgena monolnge de um lderbilnge de Las Abejas o grupo alvo de um massacreparamilitar a civis em Acteal tambm tenha a oportunidadede falar durante a excurso internacional). Ajudam, tambm,a patrocinar um projeto de alfabetizao comunitria, ouprojetos alternativos de desenvolvimento econmico paracooperativas autnomas de mulheres na Zona de Conflito.

    Volto-me agora a duas questes: a funo da tecnologiaemergente na tecedura dos espaos globais de resistncia

    contra as injustias econmicas, polticas e sociais; e aspossibilidades que novas tecnologias podero fornecer paraa tecedura futura que conecte as lutas locais com os temas

    8 Ver, por exemplo, Rosa Rojas,Chiapas: y las mujeres qu?,originalmente publica-do emdois volumes em espanhol, noMxico, por La Correa Femi-nista, e agora disponvel online em ingls. Ver tambm ofilme Zapatista Women (deGuadalupe Miranda e MaraInes Roque, 1995, com ttulo

    em espanhol Las com-paeras tienen grado), degrande circulao no incioda crise.

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    O CIBORGUE ZAPATISTA

    globais. Ser que essas novas tecnologias vo nos alienar aindamais da nossa humanidade e de cada um de ns, ou vo nostornar mais unidos/as? Observou-se muitas vezes que aconstruo de auto-estradas nos Estados Unidoscorresponderam ao fim do sentido de comunidade que havia

    nos centros urbanos. O crescimento rpido da muito faladainformation superhighway, dominada pelos interessescorporativistas, poderia ter conseqncias semelhantes parao sentido da comunidade no espao ciberntico. Por outro lado,o modelo mais descentralizado da Internet, com as suaspossibilidades utpicas de construo de comunidades semfronteiras, contesta o modelo Al Gore/IBM/Microsoft dainformation superhighway. A disputa pela apropriao doespao ciberntico est atualmente baseada na oposioentre esses dois modelos danete dahighway. A information

    superhighwayno contesta estruturas de poder injustas, masem vez disso reproduz velhos modelos de explorao em nomeda democratizao. Construda para propsitos comerciais emilitares, a information surperhighwaytransforma seres humanosem uma base de dados. Alguns tericos at falam do estuprodos dados como sendo sua funo.9 Em contraste, o modeloda Internet baseado numa extenso virtual da humanidadeque permite a criao de novos modelos de conexo,comunidade e comunicao descentralizada, e em que ainda possvel sonhar com estruturas sociais alternativas.

    Vrias teorias ps -modernas sobre o futuro dahumanidade no contexto digital, assim como aquelasarticuladas por Arthur Kroker e Michael Weinstein no seu livro

    Data Trash, falam do desaparecimento, ou invaso, do corpohumano.10 Quando tais tericos tentam visualizar asmanifestaes do corpo no espao ciberntico, ondeparmetros fsicos no existem, eles falam da virtualizao docorpo: o corpo eletrnico. A idia do desaparecimento docorpo pode ser um conceito til quando analisamos espaosdiscursivos moldados pela tecnologia emergente. Seja comofor, a idia do desaparecimento do corpo no espaociberntico tambm pode ser problemtica. Talvez isso ocorradevido ao papel importante que o corpo humano continua ater quanto definio de idias de comunidade. No seu ensaioForms of Technological Embodiment, Anne Balsamo observaque

    A histria feminista do corpo ps-moderno comea com asuposio de que os corpos so sempre engendrados emarcados pela raa. O que falta [na idia de que o corpo uma abstrao idealista] uma dimenso material que levaem conta as marcas incorporadas da identidade cultural. [...]

    O corpo nem sempre pode ser construdo como uma entidadepuramente discursiva. Por outro lado, ele nunca pode serreduzido a um objeto puramente materialista. [...] O material e

    9 Arthur KROKER e MichaelWEINSTEIN, 1994.

    10 KROKER e WEINSTEIN, 1994.

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    ANO 10 48 1 SEMESTRE 2002

    SARAH GRUSSING ABDEL-MONEIM

    o discursivo so mutuamente determinantes e no-exclusivos.[...] O corpo material permanece um fator constante dacondio ps-humana, ps-moderna. Ele tem certasqualidades materiais inegveis que so, por seu turno,culturalmente determinadas e discursivamente governadas;

    qualidades que so ligadas sua psicologia e aos contextosculturais dentro dos quais ele faz sentido, tais como as suasidentidades de gnero e raa.11

    Enquanto reconhece o poder das observaes deKroker em relao cultura virtual e ao desaparecimento docorpo, Balsamo questiona a idia atualmente muito defendidade que vivemos em um mundo ps-corpo, onde o corpohumano apenas uma construo ps-moderna de dados.Ns podemos adicionar sua assero a observao de queos aspectos materiais e discursivos mutuamente determinantes

    do corpo continuam a funcionar enquanto as narrativas e ascontranarrativas da modernidade e da ps-modernidade sechocam e se intersectam nos espaos globais.

    Nos textos cibernticos que so encontrados no espaodiscursivo em Chiapas, podemos observar a circulaosimblica de corpos indgenas e/ou corpos femininos; isto ,corpos humanos marcados como outro no discursohegemnico cultural. Na literatura latino-americana, desde operodo colonial, o corpo feminino tem sido muitas vezesrepresentado como o lugar mediador de discursos da nao,da raa e da etnia, e do poder. Com a figura da mulata noCaribe e no Brasil, ou a figura de La Malinche no Mxico, porexemplo, os corpos das mulheres no-brancas servem comolugares de figurao da invaso de discursos culturais quetambm os definem, marcam e oprimem. Desde 1994, corposindgenas e corpos femininos marcados circulam comoentidades discursivas no espao discursivo de Chiapas, maso corpo eletrnico ou virtual como representao tambmdepende das condies materiais para ser transformado emsmbolo eficaz de resistncia s estruturas de poder opressor.

    As galerias virtuais de fotos de comunidades indgenas em

    territrios rebeldes colocadas na Internet por fotgrafos,jornalistas e ativistas ilustram a importncia que essas marcasde raa (e de gnero e etnia, j que as imagens favoritas dasmquinas fotogrficas parecem ser de mulheres vestidas emtrajes tpicos) adquirem em um contexto visual de pobreza eisolamento fsico (da selva ou das plantaes de milho) paracomunicar a luta neozapatista comunidade transnacional.Outras imagens favoritas so aquelas de soldados indgenasdo EZLN em botas de borracha levando espingardas demadeira falsas, tais quais acessrios de teatro, ou fotos de

    mulheres adolescentes das comunidades rebeldes, descalas,com bandanas cobrindo seus rostos e levando bebs s costas,repelindo as linhas militares com os seus braos nus e pardos.12

    11 Anne BALSAMO, 1995, p.219-220.

    12 Ver, por exemplo, a repro-duo da foto deLa Jornadana pgina Pastors for PeaceChiapas Organizing Infor-mation.

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    O CIBORGUE ZAPATISTA

    Ns no podemos desligar o corpo eletrnico que resiste noespao ciberntico das suas referncias s condies materiaisdo corpo fsico condies que so muitas vezes determinadaspela maneira como as questes de raa e/ou gnero soinscritas nas narrativas modernas de identidade.

    Direitos (ps)humanos e o corpo digitadoDireitos (ps)humanos e o corpo digitadoDireitos (ps)humanos e o corpo digitadoDireitos (ps)humanos e o corpo digitadoDireitos (ps)humanos e o corpo digitadoNo uma coincidncia que o discurso de direitos

    humanos, com o seu foco nas condies materiais de nossaexistncia, estruture os textos produzidos nesse espaoeletrnico. Na Internet, corpos femininos indgenas servem comosites de mediao eficazes, ou como pontes entre ascomunidades de resistncia indgenas isoladas em Chiapas eos espaos nacionais e globais, pois esses sites revelam, emum nvel material e simblico, as rupturas nos discursos do

    neoliberalismo e da globalizao econmica. Os indgenas e/ou corpos femininos circulam no setor Chiapas do espaociberntico no s como objetos de discurso intelectual, mastambm como sujeitos na performance multimdia do teatrode resistncia, que a vida diria na Zona de Conflito. Entrecentenas ou at milhares de tais atuaes rebeldesvirtualizadas em vrios dos websites mexicanos, norte-americanos, europeus e japoneses, um exemplo quandoIrma, uma agente do EZLN, em uma entrevista transmitida porQuicktime, fala sobre a sua falta de oportunidades ao crescer

    em uma comunidade empobrecida e isolada do altiplano, esobre as razes para unir-se ao exrcito rebelde.13

    Tradicionalmente, Irma era duplamente invisvel como indgenae como mulher, mas sua voz calma e digitalizada e seu corpotrajado de uniforme camuflado surgiram de nenhuma parteda selva Lacondan vizinha e ressonaram nas telas decomputadores em todo o mundo. Em videofilmagensespontneas, em jornais on-line, nas webpginas dasorganizaes no-governamentais nacionais e transnacionais,circulam imagens visuais e aurais de mulheres e crianas

    desarmadas que usam os seus corpos e vozes (gritando Fuerael ejrcito, fuera!)14 para impedir o exrcito mexicano deinvadir as suas comunidades. Grupos paramilitares, assim comoo exrcito mexicano, continuam usando a tortura e a violnciasexual como armas de guerrilha de baixa intensidade na Zonade Conflito. Mas as torturas e os estupros, estratgias de controlesocial que inscrevem a retrica do poder no corpo do outro,adquirem diferentes significados no Chiapas Virtual.Proclamando 500 anos de sofrimento, mulheres indgenascontam as suas histrias pessoais de opresso e violao, e osseus testemunhos so amplificados e circulados pelo espaociberntico juntamente com os testemunhos de mulheresativistas, figuras de mediao no-indgenas. O exrcito egrupos paramilitares tm atribudo a essas mulheres uma

    13 ACTLAB, 1999.

    14 Como conseqncia domassacre de dezembro,1997, em Acteal, voluntriosjunto Organizao ChiapasSchools trabalhavam naconstruo da primeiraescola secundria emterritrio rebelde e fizeram

    cinco horas de filmagem emtempo real de um confronto,em uma vila desarmada,entre mulhe-res e crianas eas tropas federais estas emnmero infinitamente superiorquele dos habitantes dacomuni-dade. Embora notenha sido oficialmentepublicado, esse vdeocirculou na sua impres-sionante forma original (semcortes) atravs da rede de

    solidariedade no Mxico enos Estados Unidos. Pude v-lo em maro de 1998. OutraONG, Cloudforest Initiatives,patrocinou a produo deum vdeo sobre o massacreem Acteal e suas conse-qncias, intitulado Victims ofthe War in Chiapas. As cenasforam tomadas por artistas devdeo locais. Muitas dzias depro-jetos similares tm

    circulado imagens de corposem con-fronto com as linhasmilitares e com a violnciaparamilitar.

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    SARAH GRUSSING ABDEL-MONEIM

    categoria indgena virtual por causa do seu ativismo mediadornos espaos discursivos e fsicos de Chiapas. Isso umamanifestao dos perigos e riscos que podem acompanhar aafirmao de solidariedade, muitas vezes repetida, de quetodos somos ndios; todos somos Chiapas. Por exemplo, Cecilia

    Rodriguez, a lder da Comisso Nacional por Democracia noMxico e representante do EZLN nos Estados Unidos, foi violadasexualmente em 1995 por paramilitares. O seu testemunhoescrito, marcado pela coragem e por contnuo ativismo esolidariedade para com as comunidades rebeldes, foireproduzido por listas de mala direta mundiais e ilustrou cartazesde solidariedade a Chiapas, distribudos de forma impressa etambm pela Internet, por conta da cooperativa de artistasResistant Strains, de Vermont, Estados Unidos.

    Houve muitos outros exemplos de violncia sexual sofrida

    por ativistas indgenas e no-indgenas na Zona de Conflito.No entanto, esses atos de intimidao e represso nosilenciaram suas vozes, mas, sim, resultaram na suaamplificao atravs da rede de solidariedade que continuaa crescer. Os testemunhos desses homens e dessas mulherestornam-se um smbolo de resistncia que inspira maissolidariedade e mais resistncia virtual fora da zona fsica deconflito. Embora seja importante distinguir entre atos fsicos deresistncia contra ocupao militar e aes paramilitares quepem corpos na linha de fogo (e outros tipos de resistncia

    que no o fazem), a resistncia virtual e a emergncia doespao discursivo de Chiapas tm sido importantes paralevantar o nvel de conscincia sobre as lutas daqueles corposresistentes e para articular simbolicamente tais lutas com outras,mundo afora. Muitas vezes, essas ligaes tornam-se mais doque simblicas. Espectadores(as)/leitores(as) de textoseletrnicos no espao de Chiapas acham que a sua interaocom esses textos torna-se o estmulo para aes futuras ligandodiscurso e prxis. Zonas da paz criados por observadoresinternacionais de direitos humanos tornam-se anteparoshumanos entre o exrcito e as comunidades em Chiapas,milhares de ativistas participam de Reunies para Humanidadee Contra Neoliberalismo nos nveis Continental,Intercontinental e Intergaltico patrocinados pelos/asrebeldes em Chiapas e no estrangeiro, e tribos indgenas dosEstados Unidos e Canad organizam peregrinaes para forados Estados Unidos e do Canad a fim de assinar os seus prpriosacordos comercias alternativos com os seus correlativos nascomunidades maias.

    Os processos de mediao no espao discursivo emChiapas tambm tm suas prprias contradies. O EZLN abriu

    esse espao para desconstruir instituies baseadas emestruturas de poder desigual e para promover a construo deoutros modelos mais inclusivos. Contudo, muitas feministas, assim

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    O CIBORGUE ZAPATISTA

    como outros crticos, indicam que o militarismo do EZLN reproduzvelhos modelos patriarcais de resoluo de conflito,constituindo-se, por isso, em um molde inautntico para aconstruo de novos modelos sociais e polticos. Outracontradio que, apesar das possibilidades de no-

    intermediao (amplificao mais direta das vozes indgenasvia Internet), a necessidade de mediao por parte deintelectuais no-indgenas no foi eliminada. Nas suas funesde intelectuais e/ou militantes e na sua produo simblicadentro e fora das fronteiras fsicas das comunidades autnomasindgenas em Chiapas, aqueles/as que participam na rede desolidariedade transnacional neozapatista ainda servem comomediadores/as entre as vozes indgenas e os espaos deprivilgio ao qual pertencem.

    Apesar do fato de que ativistas e escritores prolficos do

    espao ciberntico (como o professor da Universidade do TexasHarry Cleaver e seu grupo Accin Zapatista) afirmem que arede de solidariedade neozapatista seja um espaodescentralizado, em que relaes desiguais de poder globaisno so reproduzidas, h uma certa desigualdade que nopode ser apagada, mesmo em um espao ciberntico utpico.Ns podemos afirmar que h possibilidades utpicas para aconstruo de novas comunidades democrticas no espaociberntico, mas o fato que s os mais privilegiados tm oacesso direto a esse espao. A participao emA Revoluo

    Ir Ser Digitada,15

    o website interativo de alta tecnologia deActlab, no Zapnet, por exemplo, exige equipamento de ltimagerao e o mais recente software de busca do tipoplug-in.Nem todos os ndulos da rede de solidariedade so toexclusivos: h muitos grupos de notcias, quadros de aviso earquivos menos avanados tecnologicamente. De qualquermaneira, computadores so portas ao espao ciberntico, eem reas mais economicamente marginalizadas, comoChiapas, o acesso e o treinamento para o uso dehardwaregeralmente no existem. Comunidades indgenas dependemda mediao de estrangeiros e de alguns mexicanos ligados Internet para poder ter entrada no espao ciberntico. Ofato de as comunidades de resistncia em Chiapas solicitaremdoaes de mquinas fotogrficas e computadores indica, porparte dessas comunidades marginalizadas, o nvel deconscincia sobre o poder desses novos mtodos decomunicao. Com acesso a esse tipo de equipamento, osindgenas em Chiapas e outros grupos marginalizados domundo inteiro podem documentar os atos de resistncia dassuas vidas dirias. Assim foi que a organizao binacionalProjecto de Mdia Chiapas foi criado. Essa organizao, filiada

    Rede de Solidariedade do Mxico, patrocina delegaesdos Estados Unidos e do Mxico que incluem artistas de vdeoindgenas e outros mexicanos com experincia e treinamento

    15

    Todo o projeto de webinterativa est disponvel emformato CD-ROM e no site

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    SARAH GRUSSING ABDEL-MONEIM

    em projetos alternativos de mdia. Esses peritos mexicanostreinam os seus correlativos em Oventic e Morelia (no coraodo territrio neozapatista, na parte rural de Chiapas) eacompanham delegados internacionais que levamequipamentos doados. Esse programa permite a essas

    comunidades contarem as suas histrias, em suas prpriaspalavras, para poder contestar a imagem muitas vezes poucocorreta da realidade veiculada pela imprensa convencional imagem esta que ir influenciar tomadas de decises externascom impacto nas comunidades. Dentro do Projecto de MdiaChiapas, vdeos so mandados a estaes de televiso ou soenviados como cartas-vdeo para as comunidades indgenasou para outras reas do Mxico ou de outros pases. Em breve,as comunidades em Chiapas que participam do projetotambm podero registrar as violaes de direitos humanos e

    inseri-las na Internet em tempo-real.16

    O Ciborgue ZapatistaO Ciborgue ZapatistaO Ciborgue ZapatistaO Ciborgue ZapatistaO Ciborgue ZapatistaA idia de que essas comunidades marginalizadas

    podem, dentro do contexto de luta por autonomia, articular asrupturas no discurso de globalizao econmica e subverterprocessos de alienao ps-modernos, no sentido detransform-los em processos de rearticulao de comunidadee de realidade material em um nvel global, mostra osparadoxos presentes nesse espao discursivo tecno-

    logicamente mediado. Zapatistas virtualizados so umalembrana das condies materiais da vida humana. Corposindgenas e/ou femininos no espao discursivo do Chiapaseletrnico representam simbolicamente todos os grupos queso excludos dos projetos globais neoliberais; so corpos quese recusam a desaparecer sob a Nova Ordem Mundial. Oneozapatismo marca uma nova etapa na Revoluo Mexicana;um novo estgio de resistncia indgena sem fronteiras. Tambmsugere modelos subversivos inovadores que atravessamfronteiras para estabelecer ligaes intertextuais ou

    hipertextuais entre atos anteriormente isolados de produosimblica e de crtica cultural. Em vez de visualizar a rede globalneozapatista como um fenmeno relacionado ao corpo emdesapa-recimento, talvez seja mais produtivo v-la comoresultado do nascimento do Ciborgue Neozapatista, umconceito que ao mesmo tempo incorpora e atravessa fronteiras.

    Anne Balsamo observa que

    o ciborgue o ser humano-tecnolgico tornou-se umafigurao familiar do sujeito da ps-modernidade. Por qualqueroutra coisa que possa insinuar, esta juno conta com uma re-conceitualizao do corpo humano como figura de fronteirapertencendo simultaneamente a pelo menos dois sistemasanteriores de significados incompatveis o orgnico/naturale o tecnolgico/cultural. medida que o corpo re-

    16 CHIAPAS MEDIA PROJECT,1999.

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    ESTUDOS FEMINISTAS 53 1/2002

    O CIBORGUE ZAPATISTA

    conceitualizado no como uma parte fixa da natureza, mascomo um conceito de fronteira, ns testemunhamos uma lutade foras ideolgicas opostas entre sistemas de significaocontrrios que incluem e, em parte, definem as lutas materiaisdos corpos fsicos.17

    Tomada como uma coalescncia de muitas variaes/mutaes pelas quais tem passado no espao discursivo deChiapas, a figura de um zapatista com mscara de esquiador tal como (co)imaginada e diversamente definida em vrioscontextos inter e hipertextuais tornou-se um cone de ciborgue.

    A tenso constante entre a naturalidade visceral propriamentedita do discurso zapatista, o discurso ciberntico desolidariedade e a naturalidade tecnolgica/artificial do espaode Chiapas deram luz essa funo dinmica de ciborgue. Ociborgue atravessa fronteiras entre o material e o artificial, entre

    carne e mquina. Desde o aparecimento do ensaio inovadorde Donna Haraway A Cyborg Manifesto: Science, Technology,and Socialist Feminism in The Late Twentieth Century (um divisorde guas nos meados de 1980), o ciborgue, como smbolocultural, representa o potencial subversivo do que Harawaychama de acoplamentos produtivos de articulao polticaradical.18 O neozapatista como smbolo adquire a suaqualidade de ciborgue ao circular entre os textos multimdiamoldados por uma tecnologia emergente somente imaginadana poca em que o ensaio de Haraway foi escrito. O Ciborgue

    Zapatista um smbolo mediador cuja eficincia como signocontinua a adquirir camadas de significncia globalexatamente em funo desse tipo de associao que atravessafronteiras entre elementos muitas vezes contraditrios. A imagemde zapatista pode ter sido originalmente baseada nos corposdos/das rebeldes indgenas, mas esses corpos so desde entoescaneados e, depois, regenerados eletronicamente. Deixandode ser propriedade intelectual do EZLN, do subcomandanteMarcos, ou de qualquer jornalista, o Ciborgue Zapatista anti-copyrighttoma forma e adquire vida prpria ilegtima no seuprprio espao ciberntico. Entretanto, com o CiborgueZapatista, ns podemos ver que a observao de Anne Balsamoquanto ao corpo duplo material/discursivo em espaos ps-modernos verdadeira. No Zapnet, VR quer dizer Resistncia

    Virtual, assim como Realidade Virtual. O signo quixotesco dozapatista inclinado sobre moinhos de vento multinacionais noespao ciberntico continua a apontar para a existnciamaterial dos corpos que so deixados para trs no outro ladoda tela enquanto a Nova Ordem Mundial digitada.Resistncia virtual global atravs de e-mail e Internet torna-semais e mais sofisticada quando protestos interativos coordenam

    no s campanhas de inundao de e-mails dirigidos s figuraspolticas no Mxico, nos Estados Unidos ou nas Naes Unidas,mas tambm enormes protestos do tipo sit-ins eletrnicos nas

    17 BALSAMO, 1995, p. 215.

    18 O artigo de DonnaHARAWAY, publicado emportugus como Um mani-festo para os cyborgs:cincia, tecnologia e

    feminismo socia-lista nadcada de 80. In:HOLLANDA, Helosa Buarquede (Org.). Tendncias eimpasses: o feminismo comocrtica da cultura. Rio deJaneiro: Rocco, 1994. p. 243-288 (N. R.).

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    bolsas de valor. Essas campanhas procuram revelar e tornarpblica a cumplicidade multinacional corporativista diante darepresso militar no territrio rebelde, assim como expressarapoio resistncia dos/das rebeldes de Chiapas globalizaopolticas neoliberais.19

    Como o ciborgue de Haraway, os zapatistas no espaociberntico viraram criaturas da realidade social assim comocriaturas de fico.20 Os zaps so uma construo ficcional/retrica do espao discursivo de Chiapas, uma imagem geradapor computador extremamente significativa que atrai nossaateno em uma era de conexes rpidas na Internet e deuma rpida barragem de imagens multimdia, que nos apontapara aqueles/as deixados/as do outro lado da tela aqueles/as que so procurados/as em funo dos seus olhos atentos ededos rpidos em maquiladoras21 na fronteira dos Estados

    Unidos com o Mxico, naquela terra de ningum. Ser queZapnet uma cibermetafico ps-moderna, ou uma rede detestemunhos de direitos humanos que registra, precisamente,as vtimas de carne-e-osso da interseo de narrativasincompatveis da modernidade? Podemos sugerir que Zapnet ambas as coisas. O ciberzapatista funciona como o nossoguia para o Chiapas Virtual nos moldes da fico de Haraway,que mapeia realidade social e corprea.22

    O Ciborgue Zapatista como imagem retrica multimdia produto de um espao discursivo transnacional em torno das

    recentes e contnuas contendas por autonomia cultural,democracia, e justia social e econmica nas comunidadesindgenas no Mxico. Minha anlise do poder desse instrumentoretrico de nenhuma forma tenciona diminuir a ateno sobreos homens e as mulheres nas comunidades rebeldes emChiapas que continuam a dedicar os seus corpos e vozes slutas contnuas e dirias por dignidade. O Ciborgue Zapatistadeve a sua fora e a sua humanidade determinao dessesindivduos e suas comunidades. A resistncia indgena nas

    Amricas est firmemente enraizada em um sentido decontinuidade histrica, j que permanece contestandomodelos coloniais de injustia, excluso e opresso aindavigentes, embora mascarados pela retrica dos ps. O debateesotrico sobre a natureza do mundo ps-moderno muitasvezes parece desligado da realidade vivida nas comunidadesautnomas de Chiapas, ou em quaisquer outras comunidadescomprometidas com a resistncia contnua contra a opressocom base nas lutas modernas em torno da identidade, daformao nacional e do desenvolvimento. Mas Zapata e outrasinmeras testemunhas mortas dos 500 anos de resistnciaindgena tornaram-se os fantasmas na mquina. O

    ciberzapatismo como fenmeno transnacional deve a suacapacidade para transgresses frutferas de fronteiras aosmodelos transgressores23 originais da selva Lancondan. A

    20 HARAWAY, 1991, p. 149.

    21 Fbricas que explorammo-de-obra barata e ilegalnas zonas de fronteira entreEstados Unidos e Mxico (N.T.).

    22 HARAWAY, 1991, p. 150.

    23 O rtulo transgresores dela ley foi primeiro atribudoaos/s rebeldes pelo ex-presidente do Mxico,Salinas, em 5 de janeiro de1994, durante uma confe-rncia coletiva. Esse rtulo geralmente usado em refe-

    rncias governamentais aoEZLN e tambm foi apropri-ado para vantagens retricaspelos/as prprios/as rebeldes.

    19 Por exemplo, ver o arquivode artigos, descrio deaes de protesto, etc. emtorno do caso da reportagemdo Chase Manhattan Bank(1995), apelando para que o

    governo mexicano eliminas-se os zapatistas para a pro-teo de investimentosestrangeiros no Mxico. Estdisponvel no arquivoChiapas95 no endereo:< g o p h e r : / /mundo.eco.utexas.edu:70/1 m / m a i l i n g /chiapas95.archive/chase>

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    O CIBORGUE ZAPATISTA

    coalescncia de significados de Chiapas como signo desde odia 1 de janeiro de 1994, todavia, advm, em grande medida,da mediao desse embate dirio por meio da amplificaoe representao intertextual e hipertextual em uma produosimblica estruturada por tecnologias emergentes. O Ciborgue

    Neozapatista capaz de nos des-locar ao nos convidar aatravessar fronteiras geogrficas, tnicas e de classe, e aparticipar, na qualidade de leitores(as)/escritores(as)/espectadores(as)/atores(atrizes) de textos/performances de umaguerrilha multimdia, de esforos de resistncia virtual contraprojetos globais neoliberais. O Ciborgue Zapatista maiseficiente na sua habilidade para nos des-locar: para nos incitara afirmar e transgredir diferenas, e para entrever novas uniesradicais na busca de solidariedade com outros indivduos egrupos. O ciberzapatista nos convida a abandonar os nossos

    corpos em vos utpicos de imaginao sobre o futuro dahumanidade, mas ao mesmo tempo enraza profundamente asua retrica em um sentido de histria e de realidade materialque nos faz lembrar da nossa prpria localizao, bem comoda dos camponeses no Mxico, tal como elas so ditadas pelasrelaes de poder locais e globais.

    O meu uso do conceito de ciborgue para explorar ozapatista no espao ciberntico como signo de oposio tomauma grande dose de licena potica ao lidar com o instrumentoretrico de Haraway. O ciborgue de Haraway foi visualizado

    como um modelo para a formao de uma rede que iria cruzaras fronteiras entre feministas e fazer novas conexes parciaisentre outros grupos de oposio para poder se re-apropriar denovas tecnologias do complexo industrial militar que ameaouprovocar um armagedon nos meados da dcada de 1980.Mas a chamada original de Haraway para novos modelos demilitncia social que subverteriam vises totalizantes a partirda evocao de unies radicais continua sendo relevante.Como ela prpria explica, isto um sonho no de uma lnguacomum, mas de uma heteroglssia infiel poderosa... Significatanto construir como destruir mquinas, identidades, categorias,relaes, histrias de espao.24 Nos primeiros anos do sculo

    XXI, tal ciborgue de oposio procura transgredir fronteiras efazer ligaes ilegtimas para poder se re-apropriar do espaociberntico das suas origens militares e do seu controle pelocapital multinacional, que iria converter seres humanos embases de dados. O Ciborgue Zapatista um smbolo desobrevivncia na nossa era de globalizao e virtualizao.Esse ciborgue da oposio neozapatista transgride fronteirasglobais e locais no esforo de evitar, como Kroker e Weinsteinto eloqentemente disseram, a carcaas ao longo do

    information superhighway.25 A exploso do espao discursivoglobal des-centralizado ao redor da rebelio aponta para odesenvolvimento de novos modelos imaginativos na tecedura

    25 KROKER e WEINSTEIN, 1994,p. 8.

    24 HARAWAY, 1991, p. 181.

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    de conexes, os quais no s transcendem as origens militares(ou de defesa) da tecnologia que emoldura esse espao, mastambm vo alm da questo de identidade militar do EZLN.

    Kroker e Weinstein escrevem sobre interesses corporativosno information superhighwayque ameaam liquidar o aspecto

    pblico da internet. Por seu turno, de uma maneira queprefigurou o esforo atual sobre a apropriao do espaociberntico no fim dos anos 1990, Haraway sugere quenetworking ao mesmo tempo uma prtica feminista e umaestratgia da corporao multinacional tecelagem de teiascibernticas para ciborgues de oposio.26 Hoje, podemosver que a Internet um instrumento que est disponvel para osdois lados da luta. Muitos interesses procuram construir fronteirasno que imaginado por outros como espao utpico, semfronteiras. Organizaes militares e de segurana, como a

    Agncia de Inteligncia Area das Foras Armadas dos EstadosUnidos, patrulham o espao ciberntico e esto engajadas naguerra da Internet contra todos os usos subversivosperceptveis da mesma, incluindo as atividades conectorasdas ciberguerrilhas neozapatistas. Em desvantagem no jogoglobal da propaganda, o governo mexicano, ento dominadopelo Partido Revolucionrio Institucional (PRI), aprendeu com asua oposio e investiu intensamente para estabelecer a suaprpria presena eficiente e legtima na Internet, inclusive comsites especiais dedicados perspectiva do governo sobre o

    conflito em Chiapas. Esses sites contm textos completos derelatrios patrocinados pelo Estado sobre o massacre de Acteal(que contradizem os fatos descobertos por investigadoresexternos de direitos humanos) e vdeos de discursos dopresidente sobre campanhas de servio social e progressoeconmico em Chiapas. Assinaturas gratuitas dos comunicados imprensa do presidente Zedillo estiveram disponveis em e-mail.27 Embora a histrica derrota eleitoral do PRI possa terassinalado mudanas no clima poltico do pas, a administraopresente continua a expandir o ataque de Zedillo nova mdia.

    Movimentos transnacionais cibernticosMovimentos transnacionais cibernticosMovimentos transnacionais cibernticosMovimentos transnacionais cibernticosMovimentos transnacionais cibernticossociais: fico ciberpunk ou futurosociais: fico ciberpunk ou futurosociais: fico ciberpunk ou futurosociais: fico ciberpunk ou futurosociais: fico ciberpunk ou futuro(vir(vir(vir(vir(virtualmente) real?tualmente) real?tualmente) real?tualmente) real?tualmente) real?

    Os primeiros seis anos de rebelio neozapatista emChiapas e de minhas pesquisas sobre o espao discursivo dessarebelio coincidiram com o ciclo presidencial de seis anos noMxico. Os/as rebeldes mantiveram um cessar-fogo no verode 1994 para poder promover um esforo civil objetivandomudanas democrticas atravs de eleies limpas. Mas outra

    vitria do PRI naquelas eleies foi desanimadora para aqueles/as que procuravam uma grande abertura democrtica noMxico e uma mudana de direo atravs da urna. Com as

    26 HARAWAY, 1991, p. 170.

    27 Chiapas Press RoomSpecial Coverage:.

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    O CIBORGUE ZAPATISTA

    negociaes com o governo mexicano em uma crise perptua,o EZLN passou os anos seguintes tentando construir uma frentecivil, primeiro por meio de uma conveno nacionaldemocrtica a la Woodstock, em Aguascalientes, e, depois,atravs de conferncias para a humanidade e contra o

    neoliberalismo, tanto em territrio rebelde quanto noestrangeiro. Mas embora a Internet seja reconhecida como oelemento-chave que atrai a ateno do mundo para o discursoe a atuao neozapatistas, ela canalizou o que at ento sedelineava como um crescimento gratuito e quase orgnico doespao discursivo multimdia acerca das atividades rebeldes.Lderes rebeldes e ativistas que tentaram planejar confernciasna Internet e campanhas em nome da Frente Zapatista deLiberao Nacional acharam difcil controlar ou direcionar oque havia sido quase um fenmeno de gerao espontnea.

    Esse espao cresceu rapidamente porque era descentralizado,mas tal descentramento significava que a Frente Zapatista,centrada na sociedade civil, no podia impor a forma oupredizer a natureza das ligaes que iria fazer em torno daresistncia de Chiapas no espao ciberntico trs anos depoisque o fenmeno comeara. Muito se tem dito em relao manipulao da imprensa pelos/as rebeldes, porm, emboraMarcos fosse um perito ao se preparar para entrevistas e eventosda mdia, ele e outros ativistas tiveram dificuldade para dirigircom xito a circulao da imagem de rebelde no espao

    ciberntico. Aquela imagem ainda est em freqentecirculao, mas o website do EZLN continua sendo s um entremuitos websites que formam nodos em um espao discursivodescentralizado.

    Assim como os/as rebeldes correram o risco ttico deabrirem um espao cujos parmetros no podiam moldar, ecujo contedo no podiam predizer, eles tambm correram orisco de no patrocinar nenhum candidato poltico especficoem 1994 ou 2000, pedindo por um dilogo aberto e pelaconstruo de mais instituies democrticas que permitissem sociedade civil determinar o futuro do Mxico atravs dedebate e consenso. Mas se os/as rebeldes neozapatistas tinhamesperanas de que a queda do PRI atravs da presso civilpor reforma eleitoral e por democracia fosse necessariamenteindicar o triunfo da nova esquerda no Mxico, uma novaesquerda que colocasse a nao de volta no caminhoverdadeiro da revoluo, essa esperana foi destruda.Enquanto os/as rebeldes e a Frente Zapatista lutavam paradespertar nas pessoas uma conscincia de que a imagem doMxico como Primeiro Mundo era uma falsa realidade, eencorajavam aqueles/as para quem a realidade do Mxico

    era inaceitvel a sonhar com uma sociedade aberta e deinstituies democrticas, os/as eleitores/as mexicanos/as em2000 retiraram o PRI do poder, mas elegeram um candidato

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    com as maiores tendncias autocrticas Vicente Fox, ocandidato da ala direita do Partido de Accin Nacional (PAN).

    Enquanto el conflictoem Chiapas aparecia to amidenas manchetes em 1994 quanto as eleies nacionais, ou,muitas vezes, aparecia nas mesmas propores que as

    eleies, o mesmo no aconteceu ao final do ciclo eleitoralmexicano seguinte. O conflito em Chiapas era um dos maisurgentes assuntos discutidos pela poltica nacional durante ascampanhas eleitorais, mas no se tornou a mesma metforaque fora usada, em 1994, para mudanas (segundo alguns)ou para desastres (segundo outros) nas reas poltica, social eeconmica. A eleio que expulsou o PRI no assinalou que oMxico tivesse se tornado democrtico de um dia para o outro.Podemos ver que essas eleies fizeram parte de um processode transformao, um processo que permanece, at certo

    ponto, em aberto. Ao procurar fazer um balano dos primeirosseis anos de neozapatismo real e virtual que terminou coma eleio do primeiro presidente do Mxico revolucionrio nopertencente ao PRI, deparei-me, em vez disso, com o fin abierto,que to caracterstico da narrativa hipertextual.

    Ao escrever a rebelio como uma meta-rebelio, Marcosfez uma performance rebelde para o mundo como se fosseum teatro grego de mscaras e cones provocando umacatarse mundial. A solidariedade com Chiapas passou a serum meta-texto para militncia e transformao sociais, e,

    encorajando conexes com outras lutas, Marcos tambmcorreu o risco de apresentar a resistncia maia como smbolode tudo para todos uma misso impossvel que dever, aofinal, desencadear desiluso para alguns. Ao final, talvez umretrato mais fiel da rebelio em vez de um retrato de indivduosbuscando o re-encantamento da humanidade28 seraquele que manter o movimento pela autonomia indgenaem Chiapas vivo, sem transform-lo em um fiasco de sonhos epromessas irrealizados, de uma frouxa rede transnacional dealmas buscando salvao global. Por certo nenhum dospequenos grupos de marginalizados do Mxico rural deveresperar carregar nos ombros, para sempre, o peso simblicodos medos, das necessidades espirituais e das fantasias domundo. O slogan do EZLN Para nosostros, nada, para todos,todo poderia provar ser ironicamente apropriado, j que oexrcito continua a se infiltrar nos ltimos vestgios do territriozapatista, re-impondo as regras de velhas instituies, tirandoproveito das rupturas nas estruturas sociais, polticas eeconmicas da regio causadas pelo deslocamentopopulacional interno e pela violncia paramilitar, e tentandoimpedir a sobrevivncia e disseminao da resistncia atravs

    de estratgias de guerrilha de baixa intensidade.Assim como os altiplanos de Chiapas, o espao

    ciberntico tambm um no-lugar contestado, e no se sabe

    28 Termo usado por MurrayBOOKCHIN, 1996.

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    ESTUDOS FEMINISTAS 59 1/2002

    O CIBORGUE ZAPATISTA

    por quanto tempo a Internet permanecer aberta comoespao para resistncia. Com o crescente esforo corporativistae poltico contra o entrelaamento da rede e do sentido da

    Web, fica a dvida se o Ciborgue Zapatista continuar suasmutaes para poder oferecer um modelo relevante de

    oposio para a apropriao do ciberespao e a construode novos modelos de mediao e solidariedade global. Acirculao neozapatista no espao ciberntico possvelgraas energia s vezes descoordenada mas, mesmo assim,persistente de um movimento virtual que tem mantido seumomentum eletrnico transnacional por um perodo de tempocuja extenso talvez seja sem precedentes, mas que agoraparece estar sendo um pouco desacelerado, pois websites elistas de e-mails so atualizados com menor freqncia.Enquanto ativistas experientes e dedicados assumiram o desafio

    em prol da criao de uma rede de solidariedade globalarticulada pelos/as rebeldes, a visibilidade dos neozapatistastambm vem de um flerte quase ertico entre os/as rebeldes(geralmente atravs de Marcos) e cones pop e tambm figurasconhecidas de uma cultura literria mais elitizada.

    O perigo das causas apoiadas e transformadas emmodismos por celebridades da cultura pop, artistas e escritores/as no era desconhecido nos anos de 1980 e 1990campanhas pop a favor do uso de artefatos de plos artificiais,ou da libertao do Tibete, ou de denncia da pena de morte

    sentenciada a um prisioneiro inocente podiam ser vistas, porespectadores/as j um pouco insensibilizados/as, como umasrie de produtos oferecidos no mercado pela mdia do tipoClube da Causa do Ms, que se tornou vtima dasexcentricidades e superficialidades da moda. Com maiorvisibilidade na mdia pop, surge, ento, a vulnerabilidade, jque uma causa digna torna-se moda ultrapassada e outra maisquente. Essas causas, sem importar quo justas oumerecedoras de nosso apoio, tambm se tornam vtimas denossa fadiga de compaixo se elas no nos oferecem umafonte inovadora de espetculo.

    A narrativa de hipertexto global de solidariedade ecrtica aos/s rebeldes de Chiapas foi inspirada pelo apeloneozapatista de !No nos dejen solos! aps os primeiros diasde conflito armado em janeiro de 1994 e de retaliao e tticasantiinsurreio por parte dos militares. O slogan da ConvenoDemocrtica Nacional do EZLN Para nosotros nada, paratodos, todo suplicou-nos que acabssemos com aquelafadiga de compaixo atravs do argumento de que todas ascausas so somente uma causa, e que, de algum mododesconcertante, os ndios mascarados carregando AK-47,

    foices, ou apenas usando suas vozes, esto lutando por ns,seres desesperanados/as, e no o contrrio, ns por eles/elas.De certa forma nasce uma relao simbitica entre o Chiapas

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    ANO 10 60 1 SEMESTRE 2002

    SARAH GRUSSING ABDEL-MONEIM

    virtual e o Chiapas real. A idia lanada em comunicado apscomunicado, testemunho aps testemunho, que sem ociberzapatismo as comunidades neozapatistasdesaparecero, como tantos outros/as rebeldes invisveis aolongo da histria mas que, tambm, sem essas comunidades

    indgenas muitos de ns jamais teramos visto aquele lugar como qual sonhamos diante do arco-ris ciberntico, aquele espaoutpico hipertextual reservado para compartilharmos histriasespaciais e construir modelos virtuais de interao humana. Aligao efetiva do material e do virtual um modelo quereconhecemos atravs da fico (cientfica) e com o qualsonhamos em nossa vida real. No espao simbitico deChiapas, a morte do ciberzapatismo tambm poderliteralmente significar a morte dos/das rebeldes na Zona deConflito ocupada pelo exrcito e economicamente

    marginalizada. Essa relao simbitica d uma urgncia devida real ao pico de fico cientfica em busca daqueleelemento mstico que d vida s de dados.29

    No nenhuma novidade a idia de que apreocupao e a ao globais em torno de qualquermovimento social ou questo de direitos humanos dependemde como o assunto mantido vivo e promovido pela mdia.

    Ao final dos anos 1990 e nos primeiros anos do sculo XXI,porm, a relao simbitica entre resistncia virtual por meioda tecnologia ciberntica (com suas crescentes conexes com

    vrios tipos de mdia) e a presena fsica de militantes demovimentos sociais tornou-se ainda mais pronunciada. Noespao discursivo de Chiapas, com a ressonncia do apelono nos dejen solos, vemos que a resistncia virtual pelacirculao de lutas atravs de textos multimdia inspira efortalece os ativistas desse movimento fisicamente engajadosna resistncia, assim como esses ativistas inspiram e fortalecema resistncia virtual. Os guerrilheiros virtuais que manipulam amdia tm dado flego ao movimento rebelde na Zona deConflito em momentos em que maiores ajudas pareciam fteis,e a resistncia dos/das rebeldes, do mesmo modo, alimentouo movimento virtual em pocas em que a ateno mundial sevoltava para outros lugares. Resta-nos ver como que essavulnervel relao simbitica atuar nos prximos anos.

    PPPPProcessando os dados (mutantes)rocessando os dados (mutantes)rocessando os dados (mutantes)rocessando os dados (mutantes)rocessando os dados (mutantes)Os/as rebeldes so acusados de no possuir ideologia

    por se recusarem a formar um partido poltico de vanguarda.Por outro lado, a sociedade civil mexicana e global encorajada a fazer articulaes, consultar e formar alianasatravs das fronteiras de etnia, classe, gnero e geopolticaseguindo o modelo comunitrio de consulta (ampla edemocrtica) dos processos decisrios dos/das rebeldes aonvel local. Para a confuso de muitas pessoas de direita e de

    29 Nasci nos anos 1960 nosEstados Unidos e escrevo deum lugar com o privilgio (svezes questionvel) deacesso a programas Star Trekpara televiso, romances defico cientfica e filmesciberpunks de Hollywood.Enquanto que minhasnarrativas mestras ciberpunkspossam se diferen-ciar

    daqueles/as que lem deoutros lugares, a globaliza-o da mdia e da tecnocul-tura faz com que muitas dasnossas histrias espaciaiscompartilhem das mesmasnarrativas globais, com ape-nas pequenas variaes lo-cais. Compartilhar leiturasra-dicais dessas histriasespaci-ais sob perspectivaslocais po-deria ser umpoderoso instru-mento de

    resistncia poltica e social.Entretanto, aqui es-colhopassar por cima de al-gumasrepresentaes ques-tionveis de raa e gneronessas fices, de modo a ex-plorar algumas metforasbsicas que ilustraro nossomodelo de tecedura ciber-ntica social ra-dical. Nasformas de vida simbitica defico ciberntica, tal comoo personagem aliengena (no

    corpo hspede de umamulher bela) no popular pro-grama de tele-viso america-no Star Trek: Deep Space

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    ESTUDOS FEMINISTAS 61 1/2002

    O CIBORGUE ZAPATISTA

    esquerda, no se promoveu uma narrativa totalizante deidentidade nacional ou global. A fraqueza apontada na faltade uma viso totalizadora tornou-se uma das maiores forasde apelo do fenmeno neozapatista, j que os/as rebeldesadquirem capital simblico atravs da circulao de textos

    tradicionais e eletrnicos. A fora da rebelio neozapatista, ummovimento social difcil de definir por causa de seu duploparmetro material/virtual e de suas ligaes com outrosmovimentos, encontra-se no crescimento e evoluo do espaodiscursivo de Chiapas, em vez de situar-se no resultado exatoda Revoluo. A revoluo tem ocorrido no processo decriao e leitura da narrativa aberta em hipertexto dessaresistncia. Entretanto, esse espao, de conscientizao sociale de construo comunitria, depara-se com um futuro incerto,tal como ocorre com as comunidades indgenas autnomas

    em Chiapas, as quais instigaram sua criao.A vulnerabilidade dos movimentos sociais nutridos pelamdia, que mencionei anteriormente, algo que se podeobservar recentemente em muitos esforos organizacionaistransnacionais em torno de questes comuns no passadorecente. Margaret Keck e Kathryn Sikkink observam que talorganizao transnacional s vezes mais eficaz em algunsmomentos que em outros, dependendo do vigor dos nodos darede e da eficcia das conexes entre eles. Entretanto, taisredes so, por definio, no estagnadas, e, quando as

    atividades se desaceleram ou deixam de existir em torno deuma questo especfica, uma boa parte da rede pode serremodelada e reutilizada quando uma questo nova ourelacionada comea a circular. Podemos ver que o poder daevoluo das narrativas hipertextuais do ciborgue, articulandoquestes locais e globais, tem se tornado mais evidente nosltimos tempos. A evoluo/mutao do espao discursivo emtorno do neozapatismo e do conflito de Chiapas est provandoser uma lio eficaz em termos de ativismo social no contextoda globalizao. O processo de ligar o local ao global no Ciber-Chiapas vem inspirando uma nova gerao de ativistas e re-inspirando uma gerao mais idosa. Ofereo dois exemplosde testemunho pessoal, em que me vejo instruda por meus/minhas prprios/as alunos/as quanto ao significado dofenmeno Chiapas em relao ao processo de criao demovimentos que transgridem fronteiras. Um de meus alunos degraduao expressou uma sofisticada conexo entre seuapreo pelo modelo neozapatista de construo de coalizoinclusiva na sociedade civil e sua experincia comoambientalista gay numa comunidade rural do Pacfico Noroestedos Estados Unidos, onde cresceu. Essa comunidade era

    composta de lenhadores sem poder cujas crianas buscavamadquirir poder atravs de filiao a grupos extremistas dedireita.

    Nine, a fuso co-dependentede duas distintas entidadesvivas juntas define umaexistncia que, se sepa-rada,no pode sobreviver. OSeven-of-Nine da Star Trek

    Voyagertambm no podeviver sem seus implantesBorg,que lhe do habilidadessuperiores para processarinformao e ainda paraformar uma identidade decolmia com outros indi-vduos. No recente megas-sucesso de Hollywood, TheMatrix, o ferimento ou mortevirtual de rebeldes nas suasbatalhas em espao cibern-tico causa sangramento fsicoou morte de corpos recosta-dos. E, obviamente, o perso-nagem andride Data doStar Trek: The Next Generation a figura mxima deciborgue como mquina embusca de sua prpriahumanidade.

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    ANO 10 62 1 SEMESTRE 2002

    SARAH GRUSSING ABDEL-MONEIM

    Outra aluna voltou do agora infame protesto em Seattlecontra a Organizao Mundial de Comrcio depois de passaruma noite hospitalizada devido ao espancamento e a tiros debala de borracha recebidos da polcia quando fazia parte deuma corrente humana pacfica em volta do prdio onde se

    reunia a OMC. Pouco antes de partir para o protesto em Seattle,ela participara de uma sesso de debates no campus sobre acrise em Chiapas em que tentou explicar sua inspirao paraaes sociais e polticas. Afirmou que obtivera essa inspiraoao conversar com delegadas das comunidades zapatistas queconhecera durante uma conferncia sobre globalizaoeconmica em Washignton, D. C., alguns meses antes. EmSeattle, onde entrelaou os braos com desconhecidosrepresentantes de grupos de interesses especiais variados(lenhadores, ambientalistas, sindicalistas, feministas, advogados

    de direitos da criana, grupos religiosos, etc.), ela se lembrouda insistncia das mulheres maias de que a fora do seumovimento apoiava-se no processo por si prprio e no emqualquer objetivo predeterminado.

    A fora desse processo tambm foi demonstrada pelapresena macia de pessoas reunidas nos comcios de apoioe pelas boas-vindas aos/s rebeldes neozapatistas quemarcharam at a Cidade do Mxico, apesar do fato de que oMxico elegera uma administrao de direita vrios mesesantes. Com o seu avano, a f neozapatista na sabedoria da

    sociedade civil mexicana (e global) ainda poder provar-secorreta. Afinal, o poder das narrativas hipertextuais e suasmltiplas e criativas veredas de conexo global e local, materiale virtual, no poder ser melhor ilustrado do que por meio dessetipo de catalisador de uma massiva formao de coalizespr-resistncia que temos visto, recentemente, coalescer emprotestos de enormes propores.

    As contradies que encontramos nas narrat ivashipertextuais, como aquelas que minha aluna descobriu emcirculao na coalizo sociopoltica em Seattle, so sintomasdos acoplamentos radicais que determinam a naturezaciborgue de tais espaos discursivos. As contradies nohipertexto em que o Ciborgue Zapatista navega como, porexemplo, as tenses entre autonomia indgena e hibridismocultural ocorrem no em funo da integrao de narrativascontestadoras a uma nova narrativa mestra global, mas, sim,da dupla afirmao e transgresso de limites e fronteiras. Taistenses merecem mais anlises profundas no futuro do querecebem neste estudo. O uso da metfora do hipertextoreafirma a idia de analisarmos os movimentos sociais eidentidades nacionais ou tnicas como textos (epopia, teatro,

    narrativa, espetculo, etc., conceitos esses utilizados comometforas teis em minha pesquisa), ao mesmo tempo quereafirma a idia de transgredirmos as fronteiras entre os gneros

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    ESTUDOS FEMINISTAS 63 1/2002

    O CIBORGUE ZAPATISTA

    com o objetivo de abordar a natureza hbrida dos espaosdiscursivos multimdia estruturados e mediados por tecnologiasemergentes. O hipertexto tanto transgride como reafirma asfronteiras entre ator/atriz e espectadores/as, escritor/a e leitor/a, ser humano e mquina. A relao entre teatro de resistncia

    material na Zona (fsica) de Conflito e o crescimento do Ciber-Chiapas proporciona um exemplo da natureza hipertextual dosmovimentos sociais transnacionais contemporneos enraizadosem condies locais especficas. A luta de Chiapas nos deixaro legado de um novo processo de tecedura de teias digitaiscom resistncia material. Meu modelo de anlise do espaodiscursivo de Chiapas e dos deslocamentos e re-localizaesque nele ocorrem aqui apresentado com a esperana deque ser relevante s investigaes de outros movimentos deresistncia local ou global que, sem dvida, continuaro a ser

    emoldurados e instilados por tecnologia ciberntica demaneiras cada vez mais sofisticadas. Tanto nas anlises dehipertextos como nas narrativas hipertextuais, o meu fim poderser o seu princpio.

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    SARAH GRUSSING ABDEL-MONEIM

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    [Recebido em julho de 2001 e aceitopara publicao em novembro de 2001]

    The Zapatista CyborThe Zapatista CyborThe Zapatista CyborThe Zapatista CyborThe Zapatista Cyborg: Wg: Wg: Wg: Wg: Weaving a Vireaving a Vireaving a Vireaving a Vireaving a Virtual Ptual Ptual Ptual Ptual Poetics of Roetics of Roetics of Roetics of Roetics of Resistance in Cyberesistance in Cyberesistance in Cyberesistance in Cyberesistance in Cyber-----ChiapasChiapasChiapasChiapasChiapas

    Abstract:Abstract:Abstract:Abstract:Abstract: The global circulation of Neo-Zapatistas and non-Indigenous solidarity activists assymbols of resistance in cyberspace between 1994 and 2001 suggests the need for new waysto read social movements in the digital age. A feminist reading of the dual local/globalcharacteristics of the discursive space surrounding the Maya rebellion in Chiapas both affirmsand contests prevalent postmodern theories about the relationship between the human bodyand cybernetic technologies. This hybrid space both transgresses and affirms borders betweenactor and audience, writer and reader, human and machine. The relationship between thetheater of material resistance in the physical Conflict Zone and the growth of virtual resistancein Cyber-Chiapas illustrates the cyborg material/technological nature of the Chiapas rebellion.Keywords:Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Zapatista, Chiapas, Mexico, Internet, feminism, social movements.

    Traduo de Regina Borges e Drio Borim Jr.Reviso de Claudia de Lima Costa