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Web-Revista SOCIODIALETO www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 Volume 5 Número 13 julho 2014 Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 90 A VARIAÇÃO DAS VOGAIS PRETÔNICAS E SEUS REFLEXOS NA SALA DE AULA 1 Shirley Vieira (UERJ) 2 [email protected] RESUMO: O presente artigo objetiva a retomada da dissertação de mestrado da autora, que analisou o comportamento das vogais médias pretônicas no estado do Espírito Santo, a fim de observar a aplicação desse trabalho em sala de aula. Essa variante foi objeto de estudo de vários pesquisadores por todo o país. Em contexto pretônico, tais vogais podem apresentar pelo menos três variações: a vogal baixa aberta como em Plé e blota; a vogal alta, como em cruja e prigo; ou ainda manter-se a pronúncia tal qual como na escrita, como em mlhor e bneca. Observamos que no estado em questão, raramente presenciamos a realização da variante aberta, e sim a coocorrência da manutenção e do alteamento (alçamento) da vogal média em contexto pretônico. Com base nisso, ressaltamos a necessidade do profissional da educação em conhecer a realidade linguística da comunidade na qual trabalha, buscando assim, minimizar o preconceito linguístico, infelizmente, ainda forte no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: variação linguística; dialetologia; sociolinguística; vogais pretônicas; ensino. ABSTRACT: This article aims to recover the master thesis of the author, which examined the behavior of pretonic vowels in the state of Espírito Santo, in order to observe the application of this work in the classroom.This variant has already studied by several researchers across the country. In pretonic context, those vowels may have at least three variations: a low open vowel as in Pand blota; high vowel, as in cruja and prigo; or keeping the pronunciation exactly as in writing, as in mlhor and bneca. We note that, at the state studied, we rarely encountered open variant completion, but the co- occurrence of maintaining and raising of average vowel in pretonic context. Based on these results, we emphasizes the need for the professional to meet the linguistic reality of the community that works, minimizing linguistic bias, unfortunately, still present in Brazil. KEYWORDS: linguistic variation; dialectology; sociolinguistic; pretonic vowels; education. 1 Introdução Num país de tamanha extensão, como é o caso do Brasil, é comum encontrarmos grandes diferenças no modo de falar entre habitantes do sul, do norte, nordeste, sudeste e centro-oeste. Tais diferenças apresentam-se no nível da fonética/fonologia, do léxico, 1 Agradeço à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro FAPERJ pelo suporte. 2 Mestre em Linguistica pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutoranda em Língua Portuguesa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 90

A VARIAÇÃO DAS VOGAIS PRETÔNICAS E SEUS REFLEXOS

NA SALA DE AULA1

Shirley Vieira (UERJ)2

[email protected]

RESUMO: O presente artigo objetiva a retomada da dissertação de mestrado da autora, que analisou o

comportamento das vogais médias pretônicas no estado do Espírito Santo, a fim de observar a aplicação

desse trabalho em sala de aula. Essa variante foi objeto de estudo de vários pesquisadores por todo o país.

Em contexto pretônico, tais vogais podem apresentar pelo menos três variações: a vogal baixa aberta

como em Plé e blota; a vogal alta, como em cruja e prigo; ou ainda manter-se a pronúncia tal

qual como na escrita, como em mlhor e bneca. Observamos que no estado em questão, raramente

presenciamos a realização da variante aberta, e sim a coocorrência da manutenção e do alteamento

(alçamento) da vogal média em contexto pretônico. Com base nisso, ressaltamos a necessidade do

profissional da educação em conhecer a realidade linguística da comunidade na qual trabalha, buscando

assim, minimizar o preconceito linguístico, infelizmente, ainda forte no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: variação linguística; dialetologia; sociolinguística; vogais pretônicas; ensino.

ABSTRACT: This article aims to recover the master thesis of the author, which examined the behavior

of pretonic vowels in the state of Espírito Santo, in order to observe the application of this work in the

classroom.This variant has already studied by several researchers across the country. In pretonic context,

those vowels may have at least three variations: a low open vowel as in Plé and blota; high vowel,

as in cruja and prigo; or keeping the pronunciation exactly as in writing, as in mlhor and

bneca. We note that, at the state studied, we rarely encountered open variant completion, but the co-

occurrence of maintaining and raising of average vowel in pretonic context. Based on these results, we

emphasizes the need for the professional to meet the linguistic reality of the community that works,

minimizing linguistic bias, unfortunately, still present in Brazil.

KEYWORDS: linguistic variation; dialectology; sociolinguistic; pretonic vowels; education.

1 Introdução

Num país de tamanha extensão, como é o caso do Brasil, é comum encontrarmos

grandes diferenças no modo de falar entre habitantes do sul, do norte, nordeste, sudeste

e centro-oeste. Tais diferenças apresentam-se no nível da fonética/fonologia, do léxico,

1 Agradeço à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro –

FAPERJ – pelo suporte. 2 Mestre em Linguistica pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutoranda em Língua Portuguesa

pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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da sintaxe, da morfologia, da semântica e mesmo nos níveis pragmático-discursivos.

Contudo, apesar dessas diferenças, um falante do norte do Brasil, por exemplo,

consegue entender com relativa facilidade o que diz um falante do sul.

Dentre todas as variações que podem ocorrer em qualquer língua, a mais

perceptível é aquela que acontece no nível fonológico. Isso pode ser aferido por meio de

comentários de falantes, que identificam com facilidade, mesmo sendo iletrados, as

diferenças de pronúncia, ou sotaque. Quanto essa diferença dialetal, Coutinho (1976), já

observava que:

É palpável (...) a diferença entre a fala cantada do nortista e a fala descansada

do sulista. No léxico são grandes as diferenças que se notam entre os diversos

Estados do Brasil; basta comparar um livro de Alfredo; Rangel, por exemplo,

com um de Monteiro Lobato. (Coutinho, 1976, p. 328)

Nesse sentido, os estudos dialetológicos e sociolinguísticos são primordiais para

a caracterização e delimitação dos dialetos brasileiros. Esses estudos, além de

enriquecer o cenário linguístico do Brasil, devem também, de alguma forma, contribuir

para os estudos no setor educacional.

Antenor Nascentes (1922), muito citado nas pesquisas dialetais, admitia a

existência de quatro subdialetos no Brasil: o nortista, o fluminense, o sertanejo e o

sulista. Porém, após percorrer todo o país, observa que o Brasil apresenta dois grandes

grupos de dialetos: o do Norte e o do Sul. O grupo do Norte compreende dois subfalares

– o amazônico e o nordestino. O grupo do Sul abrange quatro subfalares – o baiano; o

fluminense; o mineiro e o sulista.

O estado do Espírito Santo está situado por Nascentes, no subfalar fluminense.

No estado em questão, também está delineado uma faixa imaginária, que divide os

falares do Norte e do Sul.

Lembramos ainda que ao dividir as áreas linguísticas no Brasil, Nascentes

também se utilizou das vogais pretônicas para delimitar os falares do país: nos falares

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no norte prevalece a realização de vogais abertas e ; enquanto nos falares do sul

há tendência à realização das vogais médias fechadas e .

Utilizando dados dos Atlas Linguístico do Espírito Santo (ALES) e do Atlas

Linguístico do Brasil (ALiB), Vieira (2010) apresentou um trabalho acerca do

comportamento das vogais médias pretônicas no estado do Espírito Santo. Tal pesquisa

visou analisar a realização, por exemplo, de p[i]pino por p[e]pino, de g[u]rdura por

g[o]rdura, etc.

Retomamos aqui esse trabalho, objetivando relacionar alguns dos resultados

obtidos ao ensino de português nas escolas e ainda refletir sobre o ensino das variáveis

fonológicas estudadas.

2 A variação linguística

A Dialetologia e a Sociolinguística surgiram da necessidade de se inscrever a

língua em seu contexto social, registrando a língua falada em determinado espaço e

tempo. Essas áreas de estudos linguísticos muito contribuem para o conhecimento da

realidade linguística do Brasil.

De acordo com Travaglia (2007), os estudos sobre a variação linguística

registram pelo menos seis variáveis: a territorial, a social, a de idade, a de sexo, a de

geração e a de função. Dialetos na dimensão territorial representam a variação que

acontece entre pessoas de diferentes regiões em que se fala a mesma língua (p. 41). Em

relação à variação geográfica ou regional, assim também chamada, tal fato ocorre

normalmente pelas influências de cada região em seu processo de formação e/ou porque

os falantes que formam uma comunidade de certo modo limitada em termos políticos,

econômicos ou culturais, desenvolvem um comportamento linguístico que os diferencia

da sociedade em geral.

Sabemos que um dos principais frutos da Dialetologia são os Atlas linguísticos –

muitos já realizados no país. Uma das justificativas para a elaboração dos atlas é a

contribuição para políticas linguísticas, muitas vezes relacionadas às políticas de ensino.

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A própria metodologia de atlas mais recentes já possibilitam uma maior

orientação para o estudo da diversidade, explicitamente observada em sala de aula,

como bem observa Rasky (2006):

É preciso dizer que a amplitude da diversidade linguística flagrada, a partir

da adoção metodológica utilizada para a construção dos atlas, pode fornecer

ao professor uma orientação bastante complexa de como o português é falado

nas diferentes regiões brasileiras, informação que poderá ser aproveitada

durante as aulas. (Rasky, 2006, p. 114)

Alguns estudos já observam a influência da variação fonética na escrita dos

alunos. Dentre as muitas interferências na fala, percebemos nos textos, por exemplo, a)

alternância de /e, i / e /o, u/ (sentiu, sintiu; acostumado, acustumado); b) redução de

ditongos (peixe-pexe, louro-loro, mais-mas); c) troca de posição do /-r/ (partileira,

xicra), d) síncope nas proparoxítonas (lâmpada – lampa, fósforo – fosfru), dentre muitos

outros casos.

Desse modo, sabemos que a variação linguística, especialmente a das vogais

médias pretônicas, que é o foco de nossa análise, pode também interferir no período

escolar da criança, resultando, muitas vezes, em „distorções‟ na escrita de palavras

como menino – mininu; comprido – cumpridu; tomate – tumati, alimentando,

infelizmente, o velho preconceito linguístico existente no país.

3 O uso variável das vogais pretônicas

Segundo Silva (2002), as pretônicas , , , são, muitas vezes, pronunciadas

de maneira idêntica em todas as variedades do Português Brasileiro. Contudo, podem

ocorrer algumas variações dessas vogais, por exemplo, em relação à pronúncia de [i, u],

em vez de , : cbola, tmate; em relação à pronúncia de , , ao invés de ,

: bleza, clado; em relação à pronúncia de uma vogal central média baixa ao

invés de : bcxi, cma.

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Em um trabalho realizado acerca do comportamento das vogais médias no ES,

analisamos esse contexto em três registros de pronúncia:

a) Pronúncia elevada, na qual /e/ e /o/ são produzidas na forma e . Ex:

m[i]lhor, c[u]meço;

b) Pronúncia média-fechada, quando /e/ e /o/ permanecem na forma e . Ex:

m[e]lhor, c[o]meço;

c) Pronúncia abaixada, na qual /e/ e /o/ são pronunciadas na forma média-aberta

e . Ex: m[]lhor, c[]meço.

Claro que para um falante nato de nossa língua, essas questões parecem óbvias,

mas para um estrangeiro na condição de aprendiz do português, por exemplo, pode

parecer obscuro quando o /e/ poderia transformar-se em /i/ ou /o/ em /u/.

A variação do traço de altura das vogais em contexto pretônico é um fenômeno

bastante antigo na língua portuguesa, inclusive já relatado por Fernão de Oliveira (apud

Klunck, 2007). Também no Brasil, muitos autores já tiveram como foco o estudo desse

tipo de variação.

Cardoso, apud Klunck (2007), reforça a idéia da diversidade regional em relação

às pretônicas brasileiras, elaborando um quadro no qual compila um grande número de

trabalhos nas diversas localidades do Brasil. Observamos a seguir o quadro adaptado

por Vieira (2010), incluindo os resultados obtidos na pesquisa realizada no Espírito

Santo:

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Região Estados , , ,

Norte

Amazonas

Pará

Acre

Nordeste

Ceará

R. G. do Norte

Paraíba

Pernambuco

Alagoas

Sergipe

Bahia

Sudeste

Minas Gerais

Rio de Janeiro

São Paulo

Espírito Santo

Sul Paraná

R. G. do Sul

Centro-oeste M. G. do Sul

Goiás

Adaptado de Klunck, 2007, p.18

Esse quadro confirma que a variação das vogais médias pretônicas é fato

recorrente em todo o Brasil, podendo caracterizar, inclusive, a área dialetal do país,

segundo a distribuição de Antenor Nascentes.

A fim de se verificar as evidências de Nascentes, diversos trabalhos sobre as

vogais médias pretônicas foram realizados no Brasil. Além das variantes linguísticas,

que muitas vezes interfere na pronunciação de algumas palavras, constatou-se em

trabalho como os de Freitas (2001); Rodrigues e Araújo (2007); Graebin (2008);

Postigo (2007), que fatores socioculturais, faixa etária e gênero também influenciam na

variação desse tipo de vogal.

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Como dissemos, as influências do dialeto são, muitas vezes, levadas para a

escola, e podem ter reflexos negativos no dia a dia do aluno, pela não representação da

língua praticada em seu idioleto. O estudo linguístico realizado no estado capixaba

objetivou observar a realidade linguística na região, registrando e, sobretudo, com vistas

a respeitar a ocorrência de tal variante.

4 As variáveis pretônicas no Espírito Santo

O trabalho realizado por Vieira (2010) acerca do comportamento das vogais

médias pretônicas Espírito Santo visou analisar o uso variável (manutenção,

abaixamento ou alçamento) das vogais nesse contexto. Pautados na Geografia

Linguística e na Sociolinguística, observou-se grande recorrência dos casos de

manutenção e, principalmente, de alçamento das vogais médias, indicando em graus

distintos, possíveis influências advindas dos estados limítrofes ao Espírito Santo.

Como parte dos resultados obtidos no referido trabalho, observamos, em relação

ao comportamento geral das vogais médias, altos índices de alçamento em regiões mais

centrais do Estado, como visto no mapa a seguir.

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Ocorrência geral da regra de alçamento no ES (Vieira, 2010, p. 143)

Conforme notado ao longo de nossa análise no referido trabalho, apesar da

predominância em todo o Estado, a regra de alçamento mostra-se mais relevante nas

regiões nordeste e sudoeste capixabas. A observação das vogais /e/ e /o/,

simultaneamente, ressaltam os dados obtidos até então na análise individual: no Espírito

Santo, a regra de alçamento, é característica marcante do dialeto, embora observemos

algumas particularidades em sua distribuição diatópica: nos extremos norte e sul, essa

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regra tende a ser menos flexível – fato que aponta para possíveis influências dos estados

que nos circundam.

Apresentamos, ainda em números gerais, a distribuição das ocorrências das

regras estudadas, confirmando que, assim como em diversas outras localidades

estudadas, seus usos estão presentes, embora de modo bastante diferenciado.

Panorama das vogais médias pretônicas no ES (Vieira, 2010, p. 146)

Ressaltamos a predominância, no estado, da regra de alçamento da vogal média

em contexto pretônico. Os casos de abaixamento representam um percentual

inexpressivo. Vale ressaltar, além disso, que o abaixamento se dá exclusivamente entre

os informantes do ALiB, ou seja, ocorre somente na área urbana – na capital, Vitória. A

título de curiosidade, cabe ainda destacar que as mulheres são as principais agentes da

regra de abaixamento: do total de 10 ocorrências da regra, 8 (80%) são realizadas por

mulheres e apenas 2 (20%) por homens.

Observada a distribuição espacial, pudemos deduzir possíveis influências

advindas dos estados vizinhos ao Espírito Santo, sendo ao norte, possível interferência

do estado da Bahia; a noroeste influência de algumas cidades mineiras e ao sudeste,

semelhança com o falar do Rio de Janeiro.

38,0%

58,5%

1,7%1,8%

Manutenção

Alçamento

Abaixamento

Outros

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Temos consciência de que este estudo realizado no estado do Espírito Santo, não

nos possibilita tachar tais influências. Para isso, deveríamos fazer investigações bem

mais aprofundadas, que se estenderiam muito além do curto período de uma dissertação

de mestrado. Expomos aqui apenas alguns indícios que mais tarde, com outros estudos,

esperamos ser possível explorarmos mais a fundo.

É fato, porém, que em maior ou menor intensidade, encontramos as três

variantes da vogal média pretônica, e que de modo algum, podemos desconsiderar. Em

sala de aula, é essencial que os professores de língua não descartem nenhuma

possibilidade de pronunciação dessa variante no estado, de modo a evitar o preconceito

linguístico tão comumente disseminado nas escolas.

Cabe aqui citar o trabalho de Benincá (2008) que observou “a fala dos

pomeranos no ES”, que sendo uma comunidade em que a primeira língua é o dialeto

pomerano, e que as crianças devem estudar em escolas normais da região, observa-se

muito preconceito em relação às “distorções” no aprendizado da segunda língua, ou seja

o português. Nessa pesquisa, a autora observou grande disparidade na pronúncia de

muitos fonemas do português, bem como os reflexos da fala na escrita dessas crianças.

A partir do trabalho de Benincá, julgamos ser bastante comum a influência na

escrita dos diversos dialetos existentes no Brasil. Porém, poucas vezes nos damos conta

desses casos de bilinguismo existente no país, fato que deve ser tratado ainda com mais

cautela no contexto escolar.

No caso do Espírito Santo, além dos pomeranos, existem outras áreas de

bilinguismo, como é o caso dos índios guarani, no município de Aracruz, que ainda hoje

aprendem a língua indígena, antes mesmo da língua oficial. Por esses e outros motivos,

devemos conhecer as diversas variantes dos fonemas de nossa língua, considerando

todas as possibilidades de variação que podem ocorrer no nosso estado.

Leite e Callou (2002) ressaltam que não existe variante boa ou má, língua rica ou

pobre, tampouco dialeto inferior ou superior. As autoras reconhecem que o que ocorre é

uma „variabilidade na produção‟ muitas vezes influenciada por fatores sociais. Convém

ainda observar que somente no meio do século ocorreu uma normatização do português

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no Brasil, visando ao chamado português “padrão”. Embora se reconheça que a língua

portuguesa no país seja intrinsecamente variada regional e socialmente, essa “norma”

passou a representar o bem falar e escrever da sociedade.

Esse movimento em prol do uso dessa variedade padrão, infelizmente convergiu

em um movimento de desprezo para com as demais variedades regionais brasileiras.

Apesar da crítica de muitos sociolinguistas a respeito do mito da homogeneidade

linguística no Brasil, muitos teóricos e até mesmo profissionais da educação privilegiam

a norma padrão, e, infelizmente, tentam simplesmente substituir a variedade trazida pelo

aluno por essa variedade, reservada à elite econômico-social do país.

É preciso, por fim, ressaltar que, de modo algum, devemos negar aos nossos

alunos o conhecimento da língua padrão, representada na escrita formal do português

brasileiro. Ainda segundo as autoras acima citadas, a educação cumpriria seu papel

democrático e igualitário, reconhecendo e trabalhando com a diversidade linguística, no

sentido de possibilitar a todos os usuários da língua o acesso às normas privilegiadas e

também às mesmas oportunidades sociais.

5 O reflexo no ensino

A variação linguística é admitida em todas as regiões do país, porém,

observamos que a nossa sociedade tem uma longa tradição em considerar a variação

numa escala valorativa, às vezes até moral, que leva a tachar os usos característicos de

cada variedade como certos ou errados, aceitáveis ou inaceitáveis.

Muitos autores defendem que nos encontramos diante de diferenças, não de

“erros”, como muitos educadores costumam tachar. A noção de “erro”, como afirma

Bagno no prólogo de Bortoni-Ricardo (2004),

nada tem de linguística – é um (pseudo)conceito estritamente sociocultural,

decorrentes dos critérios de avaliação (isto é, do preconceito) que os cidadãos

pertencentes à minoria privilegiada lança sobre todas as outras classes

sociais. (Bortoni-Ricardo, 2004, p. 10)

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Nesse sentido, a Dialetologia (na figura da Sociolinguistica e da Geografia

linguistica) pode auxiliar no processo de ensino/aprendizagem de nossa língua,

oferecendo instrumentos de reconhecimento e identificação da realidade falada em

territórios brasileiros, como mapas linguísticos e trabalhos no nível da variação vistos a

partir de uma perspectiva social.

Como já dissemos, a língua varia conforme a região, e, no processo de aquisição

da língua materna, a criança, obviamente, aprenderá e terá como referencial, o dialeto

de sua comunidade. Ao passo que entra na escola e inicia seu primeiro contato com a

escrita, seu modo de falar pode interferir diretamente nesse processo. Daí a necessidade

do professor responsável por esse importante processo, fazer um levantamento da base

linguística do estudante que chega à escola, com vistas a mostrar para tal aluno que

existem outras formas possíveis de pronuncias e que a sua variedade, de modo algum,

deve ser eliminada, ao contrário, ele tem o direito de aprender uma nova variedade.

Por outro lado, é preciso, de acordo com os preceitos da Sociolinguística,

mostrar ao aluno a modalidade escrita como outra forma da língua, não é preciso

substituir o dialeto que o estudante traz de sua comunidade, muitas vezes tachado como

“errado”, mas ensinar-lhe outra modalidade, a língua-padrão, que usará em

determinadas situações comunicativas.

No caso da variação das vogais médias pretônicas, os estudos realizados no

estado do Espírito Santo, mostram a ocorrência das três possíveis realizações dessas

vogais no português brasileiro (manutenção, alteamento e abaixamento). Observamos,

porém, que a distribuição dessas ocorrências varia ao longo do território estadual,

portanto, é preciso considerar, globalmente, que as vogais médias pretônicas,

apresentam as três variações, o que nem sempre coincide com a representação gráfica

do dialeto escrito padrão.

Além da importante questão exposta acima, Cardoso, 2006, explicita que,

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A importância do conhecimento da variação diatópica, no nível fônico, tem

sobretudo, a função de contribuir para a eliminação de preconceitos

lingüísticos ainda hoje vigentes, reduzindo os estereótipos que se explicitam

em frases do tipo “r[e]cife, cidade d[e]cente”, “leit[e] quent[e] faz mal ao

dent[e]”, “uma can[u]a cheia de c[u]cós de p[u]pa a pr[u]a. (Cardoso, 2006,

p. 94)

Acreditamos que o conhecimento sobre os registros diatópicos das variações

auxilia os professores em sua tarefa de formação de indivíduos multidialetais, os quais

devem ser capazes de escolher o registro adequado às diversas situações de fala.

Sabemos também que a distância entre a grafia e a representação da pronúncia

tornar-se um problema no período escolar do aluno, visto que são muitas vezes

refletidas na produção de textos, assim, é preciso levar as crianças a compreender suas

variações dialetais e comparar sua pronúncia com a pronúncia e grafia padrão.

6 Conclusões

Temos ciência que a língua é usada de diferentes modos e em diversas situações

de fala, assim, não há porque realizar as atividades de ensino/aprendizagem utilizando

apenas uma das variedades – a norma culta.

Independente das variações encontradas no trabalho retomado neste artigo, deve

ser exposto ao aluno, a existência de todas as variantes linguísticas existentes em sua

região. A partir do trabalho realizado por Vieira, podemos, por exemplo, notar que, em

geral, falantes capixabas mais dificilmente pronunciariam a vogal aberta em uma

pretônica (como télhado ou sóbrinho), porém, não raro, encontraríamos a forma alteada

(como tumate), do mesmo modo, estigmatizado em alguns contextos.

É certo que esse breve estudo começa a instigar em nós o desejo de

conhecermos ainda mais a nossa realidade linguística. Muitas vezes, não temos

percepção do modo como falamos; como pronunciamos determinados fonemas, ou

como denominamos certos objetos ou comidas. Porém, é perfeitamente normal que,

estando em contato com pessoas de outras regiões, estas percebam algumas diferenças

no nosso modo de falar. É claro que essas diferenças são perfeitamente normais em

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nossa língua, e, cabe a nós, profissionais da educação, orientar nossos alunos sobre

essas variações da língua.

A partir desse breve estudo sobre as pretônicas, bem como o estudo de outras

variantes linguísticas que se tenha registro, podemos conhecer mais a fundo a realidade

da língua praticada no Espírito Santo. Acreditamos que tendo essa consciência,

principalmente nós professores, seremos capazes de transmitir, exemplificar e

conscientizar nossos discentes sobre questões tão rotineiras – a variação linguística no

Brasil -, mas muitas vezes tão discriminada em nosso dia-a-dia. Cabe ainda aos colegas,

na produção de materiais didáticos, observar a manipulação das variantes, já que,

infelizmente, são observados o uso de muitas dessas, quase que restrito a quadrinhos

humorísticos, o que implicitamente, acaba por contribuir na estigmatização da nossa

rica variedade linguística.

Por fim, acreditamos que no processo de ensino-aprendizagem da língua materna

caberá, pois, a exploração da variedade de usos da língua. Em meio a tantas variedades

de situações, perante as quais devemos adequar nossa linguagem, não devemos

promulgar no ambiente escolar, o uso de apenas uma variedade – a norma culta. É

preciso situar o falante no seu contexto linguístico e tornar evidente a sua capacidade

multidialetal, levando-o a entender, sem discriminação, a diversidade que o rodeia e na

qual se encontra, necessariamente, inserido.

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Recebido Para Publicação em 30 de junho de 2014.

Aprovado Para Publicação em 23 de julho de 2014.