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A VARIAÇÃO DAS VOGAIS PRETÔNICAS E SEUS REFLEXOS
NA SALA DE AULA1
Shirley Vieira (UERJ)2
RESUMO: O presente artigo objetiva a retomada da dissertação de mestrado da autora, que analisou o
comportamento das vogais médias pretônicas no estado do Espírito Santo, a fim de observar a aplicação
desse trabalho em sala de aula. Essa variante foi objeto de estudo de vários pesquisadores por todo o país.
Em contexto pretônico, tais vogais podem apresentar pelo menos três variações: a vogal baixa aberta
como em Plé e blota; a vogal alta, como em cruja e prigo; ou ainda manter-se a pronúncia tal
qual como na escrita, como em mlhor e bneca. Observamos que no estado em questão, raramente
presenciamos a realização da variante aberta, e sim a coocorrência da manutenção e do alteamento
(alçamento) da vogal média em contexto pretônico. Com base nisso, ressaltamos a necessidade do
profissional da educação em conhecer a realidade linguística da comunidade na qual trabalha, buscando
assim, minimizar o preconceito linguístico, infelizmente, ainda forte no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: variação linguística; dialetologia; sociolinguística; vogais pretônicas; ensino.
ABSTRACT: This article aims to recover the master thesis of the author, which examined the behavior
of pretonic vowels in the state of Espírito Santo, in order to observe the application of this work in the
classroom.This variant has already studied by several researchers across the country. In pretonic context,
those vowels may have at least three variations: a low open vowel as in Plé and blota; high vowel,
as in cruja and prigo; or keeping the pronunciation exactly as in writing, as in mlhor and
bneca. We note that, at the state studied, we rarely encountered open variant completion, but the co-
occurrence of maintaining and raising of average vowel in pretonic context. Based on these results, we
emphasizes the need for the professional to meet the linguistic reality of the community that works,
minimizing linguistic bias, unfortunately, still present in Brazil.
KEYWORDS: linguistic variation; dialectology; sociolinguistic; pretonic vowels; education.
1 Introdução
Num país de tamanha extensão, como é o caso do Brasil, é comum encontrarmos
grandes diferenças no modo de falar entre habitantes do sul, do norte, nordeste, sudeste
e centro-oeste. Tais diferenças apresentam-se no nível da fonética/fonologia, do léxico,
1 Agradeço à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro –
FAPERJ – pelo suporte. 2 Mestre em Linguistica pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutoranda em Língua Portuguesa
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
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da sintaxe, da morfologia, da semântica e mesmo nos níveis pragmático-discursivos.
Contudo, apesar dessas diferenças, um falante do norte do Brasil, por exemplo,
consegue entender com relativa facilidade o que diz um falante do sul.
Dentre todas as variações que podem ocorrer em qualquer língua, a mais
perceptível é aquela que acontece no nível fonológico. Isso pode ser aferido por meio de
comentários de falantes, que identificam com facilidade, mesmo sendo iletrados, as
diferenças de pronúncia, ou sotaque. Quanto essa diferença dialetal, Coutinho (1976), já
observava que:
É palpável (...) a diferença entre a fala cantada do nortista e a fala descansada
do sulista. No léxico são grandes as diferenças que se notam entre os diversos
Estados do Brasil; basta comparar um livro de Alfredo; Rangel, por exemplo,
com um de Monteiro Lobato. (Coutinho, 1976, p. 328)
Nesse sentido, os estudos dialetológicos e sociolinguísticos são primordiais para
a caracterização e delimitação dos dialetos brasileiros. Esses estudos, além de
enriquecer o cenário linguístico do Brasil, devem também, de alguma forma, contribuir
para os estudos no setor educacional.
Antenor Nascentes (1922), muito citado nas pesquisas dialetais, admitia a
existência de quatro subdialetos no Brasil: o nortista, o fluminense, o sertanejo e o
sulista. Porém, após percorrer todo o país, observa que o Brasil apresenta dois grandes
grupos de dialetos: o do Norte e o do Sul. O grupo do Norte compreende dois subfalares
– o amazônico e o nordestino. O grupo do Sul abrange quatro subfalares – o baiano; o
fluminense; o mineiro e o sulista.
O estado do Espírito Santo está situado por Nascentes, no subfalar fluminense.
No estado em questão, também está delineado uma faixa imaginária, que divide os
falares do Norte e do Sul.
Lembramos ainda que ao dividir as áreas linguísticas no Brasil, Nascentes
também se utilizou das vogais pretônicas para delimitar os falares do país: nos falares
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no norte prevalece a realização de vogais abertas e ; enquanto nos falares do sul
há tendência à realização das vogais médias fechadas e .
Utilizando dados dos Atlas Linguístico do Espírito Santo (ALES) e do Atlas
Linguístico do Brasil (ALiB), Vieira (2010) apresentou um trabalho acerca do
comportamento das vogais médias pretônicas no estado do Espírito Santo. Tal pesquisa
visou analisar a realização, por exemplo, de p[i]pino por p[e]pino, de g[u]rdura por
g[o]rdura, etc.
Retomamos aqui esse trabalho, objetivando relacionar alguns dos resultados
obtidos ao ensino de português nas escolas e ainda refletir sobre o ensino das variáveis
fonológicas estudadas.
2 A variação linguística
A Dialetologia e a Sociolinguística surgiram da necessidade de se inscrever a
língua em seu contexto social, registrando a língua falada em determinado espaço e
tempo. Essas áreas de estudos linguísticos muito contribuem para o conhecimento da
realidade linguística do Brasil.
De acordo com Travaglia (2007), os estudos sobre a variação linguística
registram pelo menos seis variáveis: a territorial, a social, a de idade, a de sexo, a de
geração e a de função. Dialetos na dimensão territorial representam a variação que
acontece entre pessoas de diferentes regiões em que se fala a mesma língua (p. 41). Em
relação à variação geográfica ou regional, assim também chamada, tal fato ocorre
normalmente pelas influências de cada região em seu processo de formação e/ou porque
os falantes que formam uma comunidade de certo modo limitada em termos políticos,
econômicos ou culturais, desenvolvem um comportamento linguístico que os diferencia
da sociedade em geral.
Sabemos que um dos principais frutos da Dialetologia são os Atlas linguísticos –
muitos já realizados no país. Uma das justificativas para a elaboração dos atlas é a
contribuição para políticas linguísticas, muitas vezes relacionadas às políticas de ensino.
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A própria metodologia de atlas mais recentes já possibilitam uma maior
orientação para o estudo da diversidade, explicitamente observada em sala de aula,
como bem observa Rasky (2006):
É preciso dizer que a amplitude da diversidade linguística flagrada, a partir
da adoção metodológica utilizada para a construção dos atlas, pode fornecer
ao professor uma orientação bastante complexa de como o português é falado
nas diferentes regiões brasileiras, informação que poderá ser aproveitada
durante as aulas. (Rasky, 2006, p. 114)
Alguns estudos já observam a influência da variação fonética na escrita dos
alunos. Dentre as muitas interferências na fala, percebemos nos textos, por exemplo, a)
alternância de /e, i / e /o, u/ (sentiu, sintiu; acostumado, acustumado); b) redução de
ditongos (peixe-pexe, louro-loro, mais-mas); c) troca de posição do /-r/ (partileira,
xicra), d) síncope nas proparoxítonas (lâmpada – lampa, fósforo – fosfru), dentre muitos
outros casos.
Desse modo, sabemos que a variação linguística, especialmente a das vogais
médias pretônicas, que é o foco de nossa análise, pode também interferir no período
escolar da criança, resultando, muitas vezes, em „distorções‟ na escrita de palavras
como menino – mininu; comprido – cumpridu; tomate – tumati, alimentando,
infelizmente, o velho preconceito linguístico existente no país.
3 O uso variável das vogais pretônicas
Segundo Silva (2002), as pretônicas , , , são, muitas vezes, pronunciadas
de maneira idêntica em todas as variedades do Português Brasileiro. Contudo, podem
ocorrer algumas variações dessas vogais, por exemplo, em relação à pronúncia de [i, u],
em vez de , : cbola, tmate; em relação à pronúncia de , , ao invés de ,
: bleza, clado; em relação à pronúncia de uma vogal central média baixa ao
invés de : bcxi, cma.
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Em um trabalho realizado acerca do comportamento das vogais médias no ES,
analisamos esse contexto em três registros de pronúncia:
a) Pronúncia elevada, na qual /e/ e /o/ são produzidas na forma e . Ex:
m[i]lhor, c[u]meço;
b) Pronúncia média-fechada, quando /e/ e /o/ permanecem na forma e . Ex:
m[e]lhor, c[o]meço;
c) Pronúncia abaixada, na qual /e/ e /o/ são pronunciadas na forma média-aberta
e . Ex: m[]lhor, c[]meço.
Claro que para um falante nato de nossa língua, essas questões parecem óbvias,
mas para um estrangeiro na condição de aprendiz do português, por exemplo, pode
parecer obscuro quando o /e/ poderia transformar-se em /i/ ou /o/ em /u/.
A variação do traço de altura das vogais em contexto pretônico é um fenômeno
bastante antigo na língua portuguesa, inclusive já relatado por Fernão de Oliveira (apud
Klunck, 2007). Também no Brasil, muitos autores já tiveram como foco o estudo desse
tipo de variação.
Cardoso, apud Klunck (2007), reforça a idéia da diversidade regional em relação
às pretônicas brasileiras, elaborando um quadro no qual compila um grande número de
trabalhos nas diversas localidades do Brasil. Observamos a seguir o quadro adaptado
por Vieira (2010), incluindo os resultados obtidos na pesquisa realizada no Espírito
Santo:
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Região Estados , , ,
Norte
Amazonas
Pará
Acre
Nordeste
Ceará
R. G. do Norte
Paraíba
Pernambuco
Alagoas
Sergipe
Bahia
Sudeste
Minas Gerais
Rio de Janeiro
São Paulo
Espírito Santo
Sul Paraná
R. G. do Sul
Centro-oeste M. G. do Sul
Goiás
Adaptado de Klunck, 2007, p.18
Esse quadro confirma que a variação das vogais médias pretônicas é fato
recorrente em todo o Brasil, podendo caracterizar, inclusive, a área dialetal do país,
segundo a distribuição de Antenor Nascentes.
A fim de se verificar as evidências de Nascentes, diversos trabalhos sobre as
vogais médias pretônicas foram realizados no Brasil. Além das variantes linguísticas,
que muitas vezes interfere na pronunciação de algumas palavras, constatou-se em
trabalho como os de Freitas (2001); Rodrigues e Araújo (2007); Graebin (2008);
Postigo (2007), que fatores socioculturais, faixa etária e gênero também influenciam na
variação desse tipo de vogal.
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Como dissemos, as influências do dialeto são, muitas vezes, levadas para a
escola, e podem ter reflexos negativos no dia a dia do aluno, pela não representação da
língua praticada em seu idioleto. O estudo linguístico realizado no estado capixaba
objetivou observar a realidade linguística na região, registrando e, sobretudo, com vistas
a respeitar a ocorrência de tal variante.
4 As variáveis pretônicas no Espírito Santo
O trabalho realizado por Vieira (2010) acerca do comportamento das vogais
médias pretônicas Espírito Santo visou analisar o uso variável (manutenção,
abaixamento ou alçamento) das vogais nesse contexto. Pautados na Geografia
Linguística e na Sociolinguística, observou-se grande recorrência dos casos de
manutenção e, principalmente, de alçamento das vogais médias, indicando em graus
distintos, possíveis influências advindas dos estados limítrofes ao Espírito Santo.
Como parte dos resultados obtidos no referido trabalho, observamos, em relação
ao comportamento geral das vogais médias, altos índices de alçamento em regiões mais
centrais do Estado, como visto no mapa a seguir.
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Ocorrência geral da regra de alçamento no ES (Vieira, 2010, p. 143)
Conforme notado ao longo de nossa análise no referido trabalho, apesar da
predominância em todo o Estado, a regra de alçamento mostra-se mais relevante nas
regiões nordeste e sudoeste capixabas. A observação das vogais /e/ e /o/,
simultaneamente, ressaltam os dados obtidos até então na análise individual: no Espírito
Santo, a regra de alçamento, é característica marcante do dialeto, embora observemos
algumas particularidades em sua distribuição diatópica: nos extremos norte e sul, essa
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regra tende a ser menos flexível – fato que aponta para possíveis influências dos estados
que nos circundam.
Apresentamos, ainda em números gerais, a distribuição das ocorrências das
regras estudadas, confirmando que, assim como em diversas outras localidades
estudadas, seus usos estão presentes, embora de modo bastante diferenciado.
Panorama das vogais médias pretônicas no ES (Vieira, 2010, p. 146)
Ressaltamos a predominância, no estado, da regra de alçamento da vogal média
em contexto pretônico. Os casos de abaixamento representam um percentual
inexpressivo. Vale ressaltar, além disso, que o abaixamento se dá exclusivamente entre
os informantes do ALiB, ou seja, ocorre somente na área urbana – na capital, Vitória. A
título de curiosidade, cabe ainda destacar que as mulheres são as principais agentes da
regra de abaixamento: do total de 10 ocorrências da regra, 8 (80%) são realizadas por
mulheres e apenas 2 (20%) por homens.
Observada a distribuição espacial, pudemos deduzir possíveis influências
advindas dos estados vizinhos ao Espírito Santo, sendo ao norte, possível interferência
do estado da Bahia; a noroeste influência de algumas cidades mineiras e ao sudeste,
semelhança com o falar do Rio de Janeiro.
38,0%
58,5%
1,7%1,8%
Manutenção
Alçamento
Abaixamento
Outros
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Temos consciência de que este estudo realizado no estado do Espírito Santo, não
nos possibilita tachar tais influências. Para isso, deveríamos fazer investigações bem
mais aprofundadas, que se estenderiam muito além do curto período de uma dissertação
de mestrado. Expomos aqui apenas alguns indícios que mais tarde, com outros estudos,
esperamos ser possível explorarmos mais a fundo.
É fato, porém, que em maior ou menor intensidade, encontramos as três
variantes da vogal média pretônica, e que de modo algum, podemos desconsiderar. Em
sala de aula, é essencial que os professores de língua não descartem nenhuma
possibilidade de pronunciação dessa variante no estado, de modo a evitar o preconceito
linguístico tão comumente disseminado nas escolas.
Cabe aqui citar o trabalho de Benincá (2008) que observou “a fala dos
pomeranos no ES”, que sendo uma comunidade em que a primeira língua é o dialeto
pomerano, e que as crianças devem estudar em escolas normais da região, observa-se
muito preconceito em relação às “distorções” no aprendizado da segunda língua, ou seja
o português. Nessa pesquisa, a autora observou grande disparidade na pronúncia de
muitos fonemas do português, bem como os reflexos da fala na escrita dessas crianças.
A partir do trabalho de Benincá, julgamos ser bastante comum a influência na
escrita dos diversos dialetos existentes no Brasil. Porém, poucas vezes nos damos conta
desses casos de bilinguismo existente no país, fato que deve ser tratado ainda com mais
cautela no contexto escolar.
No caso do Espírito Santo, além dos pomeranos, existem outras áreas de
bilinguismo, como é o caso dos índios guarani, no município de Aracruz, que ainda hoje
aprendem a língua indígena, antes mesmo da língua oficial. Por esses e outros motivos,
devemos conhecer as diversas variantes dos fonemas de nossa língua, considerando
todas as possibilidades de variação que podem ocorrer no nosso estado.
Leite e Callou (2002) ressaltam que não existe variante boa ou má, língua rica ou
pobre, tampouco dialeto inferior ou superior. As autoras reconhecem que o que ocorre é
uma „variabilidade na produção‟ muitas vezes influenciada por fatores sociais. Convém
ainda observar que somente no meio do século ocorreu uma normatização do português
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no Brasil, visando ao chamado português “padrão”. Embora se reconheça que a língua
portuguesa no país seja intrinsecamente variada regional e socialmente, essa “norma”
passou a representar o bem falar e escrever da sociedade.
Esse movimento em prol do uso dessa variedade padrão, infelizmente convergiu
em um movimento de desprezo para com as demais variedades regionais brasileiras.
Apesar da crítica de muitos sociolinguistas a respeito do mito da homogeneidade
linguística no Brasil, muitos teóricos e até mesmo profissionais da educação privilegiam
a norma padrão, e, infelizmente, tentam simplesmente substituir a variedade trazida pelo
aluno por essa variedade, reservada à elite econômico-social do país.
É preciso, por fim, ressaltar que, de modo algum, devemos negar aos nossos
alunos o conhecimento da língua padrão, representada na escrita formal do português
brasileiro. Ainda segundo as autoras acima citadas, a educação cumpriria seu papel
democrático e igualitário, reconhecendo e trabalhando com a diversidade linguística, no
sentido de possibilitar a todos os usuários da língua o acesso às normas privilegiadas e
também às mesmas oportunidades sociais.
5 O reflexo no ensino
A variação linguística é admitida em todas as regiões do país, porém,
observamos que a nossa sociedade tem uma longa tradição em considerar a variação
numa escala valorativa, às vezes até moral, que leva a tachar os usos característicos de
cada variedade como certos ou errados, aceitáveis ou inaceitáveis.
Muitos autores defendem que nos encontramos diante de diferenças, não de
“erros”, como muitos educadores costumam tachar. A noção de “erro”, como afirma
Bagno no prólogo de Bortoni-Ricardo (2004),
nada tem de linguística – é um (pseudo)conceito estritamente sociocultural,
decorrentes dos critérios de avaliação (isto é, do preconceito) que os cidadãos
pertencentes à minoria privilegiada lança sobre todas as outras classes
sociais. (Bortoni-Ricardo, 2004, p. 10)
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Nesse sentido, a Dialetologia (na figura da Sociolinguistica e da Geografia
linguistica) pode auxiliar no processo de ensino/aprendizagem de nossa língua,
oferecendo instrumentos de reconhecimento e identificação da realidade falada em
territórios brasileiros, como mapas linguísticos e trabalhos no nível da variação vistos a
partir de uma perspectiva social.
Como já dissemos, a língua varia conforme a região, e, no processo de aquisição
da língua materna, a criança, obviamente, aprenderá e terá como referencial, o dialeto
de sua comunidade. Ao passo que entra na escola e inicia seu primeiro contato com a
escrita, seu modo de falar pode interferir diretamente nesse processo. Daí a necessidade
do professor responsável por esse importante processo, fazer um levantamento da base
linguística do estudante que chega à escola, com vistas a mostrar para tal aluno que
existem outras formas possíveis de pronuncias e que a sua variedade, de modo algum,
deve ser eliminada, ao contrário, ele tem o direito de aprender uma nova variedade.
Por outro lado, é preciso, de acordo com os preceitos da Sociolinguística,
mostrar ao aluno a modalidade escrita como outra forma da língua, não é preciso
substituir o dialeto que o estudante traz de sua comunidade, muitas vezes tachado como
“errado”, mas ensinar-lhe outra modalidade, a língua-padrão, que usará em
determinadas situações comunicativas.
No caso da variação das vogais médias pretônicas, os estudos realizados no
estado do Espírito Santo, mostram a ocorrência das três possíveis realizações dessas
vogais no português brasileiro (manutenção, alteamento e abaixamento). Observamos,
porém, que a distribuição dessas ocorrências varia ao longo do território estadual,
portanto, é preciso considerar, globalmente, que as vogais médias pretônicas,
apresentam as três variações, o que nem sempre coincide com a representação gráfica
do dialeto escrito padrão.
Além da importante questão exposta acima, Cardoso, 2006, explicita que,
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A importância do conhecimento da variação diatópica, no nível fônico, tem
sobretudo, a função de contribuir para a eliminação de preconceitos
lingüísticos ainda hoje vigentes, reduzindo os estereótipos que se explicitam
em frases do tipo “r[e]cife, cidade d[e]cente”, “leit[e] quent[e] faz mal ao
dent[e]”, “uma can[u]a cheia de c[u]cós de p[u]pa a pr[u]a. (Cardoso, 2006,
p. 94)
Acreditamos que o conhecimento sobre os registros diatópicos das variações
auxilia os professores em sua tarefa de formação de indivíduos multidialetais, os quais
devem ser capazes de escolher o registro adequado às diversas situações de fala.
Sabemos também que a distância entre a grafia e a representação da pronúncia
tornar-se um problema no período escolar do aluno, visto que são muitas vezes
refletidas na produção de textos, assim, é preciso levar as crianças a compreender suas
variações dialetais e comparar sua pronúncia com a pronúncia e grafia padrão.
6 Conclusões
Temos ciência que a língua é usada de diferentes modos e em diversas situações
de fala, assim, não há porque realizar as atividades de ensino/aprendizagem utilizando
apenas uma das variedades – a norma culta.
Independente das variações encontradas no trabalho retomado neste artigo, deve
ser exposto ao aluno, a existência de todas as variantes linguísticas existentes em sua
região. A partir do trabalho realizado por Vieira, podemos, por exemplo, notar que, em
geral, falantes capixabas mais dificilmente pronunciariam a vogal aberta em uma
pretônica (como télhado ou sóbrinho), porém, não raro, encontraríamos a forma alteada
(como tumate), do mesmo modo, estigmatizado em alguns contextos.
É certo que esse breve estudo começa a instigar em nós o desejo de
conhecermos ainda mais a nossa realidade linguística. Muitas vezes, não temos
percepção do modo como falamos; como pronunciamos determinados fonemas, ou
como denominamos certos objetos ou comidas. Porém, é perfeitamente normal que,
estando em contato com pessoas de outras regiões, estas percebam algumas diferenças
no nosso modo de falar. É claro que essas diferenças são perfeitamente normais em
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nossa língua, e, cabe a nós, profissionais da educação, orientar nossos alunos sobre
essas variações da língua.
A partir desse breve estudo sobre as pretônicas, bem como o estudo de outras
variantes linguísticas que se tenha registro, podemos conhecer mais a fundo a realidade
da língua praticada no Espírito Santo. Acreditamos que tendo essa consciência,
principalmente nós professores, seremos capazes de transmitir, exemplificar e
conscientizar nossos discentes sobre questões tão rotineiras – a variação linguística no
Brasil -, mas muitas vezes tão discriminada em nosso dia-a-dia. Cabe ainda aos colegas,
na produção de materiais didáticos, observar a manipulação das variantes, já que,
infelizmente, são observados o uso de muitas dessas, quase que restrito a quadrinhos
humorísticos, o que implicitamente, acaba por contribuir na estigmatização da nossa
rica variedade linguística.
Por fim, acreditamos que no processo de ensino-aprendizagem da língua materna
caberá, pois, a exploração da variedade de usos da língua. Em meio a tantas variedades
de situações, perante as quais devemos adequar nossa linguagem, não devemos
promulgar no ambiente escolar, o uso de apenas uma variedade – a norma culta. É
preciso situar o falante no seu contexto linguístico e tornar evidente a sua capacidade
multidialetal, levando-o a entender, sem discriminação, a diversidade que o rodeia e na
qual se encontra, necessariamente, inserido.
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Recebido Para Publicação em 30 de junho de 2014.
Aprovado Para Publicação em 23 de julho de 2014.