a ultrassonografia na doença veno-oclusiva … arp e dos hepatócitos, alterações hemodinâmicas,...

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ARP 29 Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XVII, nº 68, pág. 29-35, Out.-Dez., 2005 Recebido a 14/10/2005 Aceite a 10/11/2005 A Ultrassonografia na Doença Veno-Oclusiva Hepática após TMO: Análise de 6 Anos Ultrasound in the Diagnosis of Hepatic Veno-Occlusive Disease after a Bone Marrow Transplant: Review of Cases during a 6 Year Period Andreia Bexiga 1 , José Pedro Penedo 1 , Jorge Ferreira 2 1 Interno do Complementar de Radiologia 2 Assistente Hospitalar Graduado de Radiologia Serviço de Radiologia do IPOFG – CROL, S.A., Lisboa Director: Dr Rui Costa Introdução A Doença Veno-Oclusiva Hepática (D.V.O.H.) é uma complicação grave e precoce da terapêutica mielossupressora (quimioterapia intensiva ou radioterapia) pré-Transplante de Medula Óssea (T.M.O.). O seu Resumo A Doença Veno-Oclusiva hepática (D.V.O.H.) é uma complicação dos Transplantes de Medula Óssea (T.M.O.), resultante da quimioterapia ou radioterapia de condicionamento. A sua incidência é muito variável (4,1%-50%), no entanto a maioria das séries refere uma incidência de 20%. O seu diagnóstico baseia-se na associação de achados clínicos, laboratoriais e imagiológicos. Relativamente à ultrassonografia (com e sem Doppler) existe uma série de critérios definidos que, quando associados a uma clínica sugestiva de D.V.O., dispensam a realização de outros métodos de diagnóstico invasivos, como a biópsia hepática ou a medição do gradiente de pressão portal. Na análise que efectuámos em vinte e cinco doentes com suspeita clínica de D.V.O., a avaliação ecotomográfica pós-T.M.O. foi suficiente para o estabelecimento (ou exclusão) do diagnóstico de D.V.O., não revelando nenhuma dependência dos achados da ultrassonografia pré-T.M.O. Oito doentes obtiveram um score ecográfico sugestivo de D.V.O., dos quais sete foram submetidos a terapêutica anti-trombótica e monitorizados com avaliações ultrassonográficas. Palavras-chave Transplante de Medula Óssea; Doença Veno-Oclusiva; Diagnóstico Imagiológico. Abstract Hepatic veno-occlusive disease (HVOD) is a serious early complication of myeloablative treatment before hematopoietic stem cell transplantation (chemotherapy or radiation therapy). The incidence of this condition is highly variable, ranging from 4,1% to 50% within different reports, however in the majority it is about 20%. The diagnosis can be made on the basis of clinical signs and symptoms, laboratorial tests and imaging findings. There are new gray-scale morphologic and Doppler criteria that when associated with the clinical context allow the diagnosis of this pathology without performing a liver biopsy. In our study we evaluated with ultrasonography (gray-scale and Doppler) twenty-five patients submitted to bone marrow transplantation with clinical suspicion of VOD, and the diagnosis was positive in eight patients. The ultrasonography pre-BMT was not needed to the final diagnosis. Seven were submitted to anti-thrombotic therapeutic and the therapeutic course was monitorized with ecography. Key-words Bone Marrow Transplant; Veno-Occlusive Disease; Imaging Diagnosis. diagnóstico precoce é importante de modo a evitar a falência orgânica através do uso de anti-trombóticos. Devido à ausência de achados patognómonicos desta patologia o seu diagnóstico é complicado. Geralmente baseia-se na associação de achados clínicos, laboratoriais e imagiológicos, recorrendo-se raramente à biópsia hepática para exame histológico. O presente artigo baseia-se num estudo retrospectivo realizado em seis anos (1998-2004) no IPOFG-Centro de

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ARP 29

Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XVII, nº 68, pág. 29-35, Out.-Dez., 2005

Recebido a 14/10/2005Aceite a 10/11/2005

A Ultrassonografia na Doença Veno-Oclusiva Hepática apósTMO: Análise de 6 Anos

Ultrasound in the Diagnosis of Hepatic Veno-Occlusive Disease after aBone Marrow Transplant: Review of Cases during a 6 Year Period

Andreia Bexiga1, José Pedro Penedo1, Jorge Ferreira2

1 Interno do Complementar de Radiologia2 Assistente Hospitalar Graduado de RadiologiaServiço de Radiologia do IPOFG – CROL, S.A., LisboaDirector: Dr Rui Costa

Introdução

A Doença Veno-Oclusiva Hepática (D.V.O.H.) é umacomplicação grave e precoce da terapêuticamielossupressora (quimioterapia intensiva ou radioterapia)pré-Transplante de Medula Óssea (T.M.O.). O seu

Resumo

A Doença Veno-Oclusiva hepática (D.V.O.H.) é uma complicação dos Transplantes de Medula Óssea (T.M.O.), resultante daquimioterapia ou radioterapia de condicionamento. A sua incidência é muito variável (4,1%-50%), no entanto a maioria dasséries refere uma incidência de 20%.O seu diagnóstico baseia-se na associação de achados clínicos, laboratoriais e imagiológicos. Relativamente à ultrassonografia(com e sem Doppler) existe uma série de critérios definidos que, quando associados a uma clínica sugestiva de D.V.O., dispensama realização de outros métodos de diagnóstico invasivos, como a biópsia hepática ou a medição do gradiente de pressão portal.Na análise que efectuámos em vinte e cinco doentes com suspeita clínica de D.V.O., a avaliação ecotomográfica pós-T.M.O. foisuficiente para o estabelecimento (ou exclusão) do diagnóstico de D.V.O., não revelando nenhuma dependência dos achados daultrassonografia pré-T.M.O. Oito doentes obtiveram um score ecográfico sugestivo de D.V.O., dos quais sete foram submetidos aterapêutica anti-trombótica e monitorizados com avaliações ultrassonográficas.

Palavras-chave

Transplante de Medula Óssea; Doença Veno-Oclusiva; Diagnóstico Imagiológico.

Abstract

Hepatic veno-occlusive disease (HVOD) is a serious early complication of myeloablative treatment before hematopoietic stemcell transplantation (chemotherapy or radiation therapy).The incidence of this condition is highly variable, ranging from 4,1% to 50% within different reports, however in the majority itis about 20%.The diagnosis can be made on the basis of clinical signs and symptoms, laboratorial tests and imaging findings.There are new gray-scale morphologic and Doppler criteria that when associated with the clinical context allow the diagnosis ofthis pathology without performing a liver biopsy.In our study we evaluated with ultrasonography (gray-scale and Doppler) twenty-five patients submitted to bone marrowtransplantation with clinical suspicion of VOD, and the diagnosis was positive in eight patients. The ultrasonography pre-BMTwas not needed to the final diagnosis. Seven were submitted to anti-thrombotic therapeutic and the therapeutic course wasmonitorized with ecography.

Key-words

Bone Marrow Transplant; Veno-Occlusive Disease; Imaging Diagnosis.

diagnóstico precoce é importante de modo a evitar afalência orgânica através do uso de anti-trombóticos.Devido à ausência de achados patognómonicos destapatologia o seu diagnóstico é complicado. Geralmentebaseia-se na associação de achados clínicos, laboratoriaise imagiológicos, recorrendo-se raramente à biópsiahepática para exame histológico.O presente artigo baseia-se num estudo retrospectivorealizado em seis anos (1998-2004) no IPOFG-Centro de

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Lisboa, em doentes submetidos a T.M.O., para verificar aimportância da ultrassonografia como meio de diagnósticoda D.V.O.H. e a sua importância como exame de rotina noperíodo pré-transplante.

Objectivo

Avaliar a importância do estudo ecotomográfico hepáticono diagnóstico de D.V.O. Hepática Pós-T.M.O.

Material e Métodos

Quatrocentos e dois doentes foram submetidos a T.M.O.(auto e alo) e a avaliação ecográfica pré-T.M.O., de 1998a 2004 no Centro de Lisboa do Instituto Português deOncologia de Francisco Gentil. Vinte e cinco destesdoentes foram reavaliados ecograficamente no períodopós-T.M.O., por suspeita clínica de D.V.O.H., tendo sidoestudados sete critérios morfológicos (hepatomegália;esplenomegália; ascite; espessamento da parede da vesículabiliar > 6mm; calibre das veias supra-hepáticas a 2 cm daveia cava inferior< 3 mm; calibre da veia porta> 12 mm,ou 8 mm nas crianças; visualização da veia para-umbilical)e seis critérios Doppler (desmodulação do fluxo da veiaporta; diminuição da densidade espectral da veia porta;velocidade máxima da veia porta <

10 cm/s ou presençade fluxo hepatofugal; I.C. (Índice de Congestão) da veiaporta> 0.1; I.R. (Índice de Resistência) da artéria hepática>0,76; fluxo monofásico ou ausência de fluxo nas veiassupra-hepáticas; fluxo na veia para-umbilicalrecanalizada). Dos vinte e cinco doentes excluíram-se doisdoentes (n=23), por não ter sido possível aceder aos seusprocessos clínicos.Foi utilizado um ecógrafo Siemens Sonoline ElegraAdvanced com Doppler pulsado e a cores, com sondaconvexa de 3,5 MHz.

Resultados

Nos últimos seis anos (1998 a 2004) foram realizados 402T.M.O. no IPOFG de Lisboa, e todos estes doentes foramsubmetidos a uma avaliação ecográfica abdominal pré-T.M.O. Vinte e cinco doentes (dois foram excluídos porfalta de informação clínica), com suspeita clínico-laboratorial, foram reavaliados por este meio de imagem,tendo-se confirmado o diagnóstico de D.V.O.H. em oito(Quadro 1).

Os diagnósticos clínicos de base eram variados, havendoum discreto predomínio das doenças linfoproliferativas(Quadro 2).

8DVO não confirmada por ecografia

DVO confirmada por ecografia

4Alo-TMO

Auto-TMO

Dos oito doentes com diagnóstico de D.V.O.H., quatrotinham sido submetidos a auto-T.M.O. e os restantes a alo-T.M.O. (Quadro 3). Todos tinham sido sujeitos a váriosregimes de condicionamento, havendo um predomínio nouso da ciclofosfamida e do busulfan (Quadro 4).

Sem DVO Com DVO

D. Hodgkin 4 0

L.L.A. 1 1

L.M.A. 2 0

L.M.C. 1 1

L.N.H. 2 2

S. Ewing 1 1

S.M.D. 1 1

Osteopetrose 1 0

S. Omenn 1 0

Carc. mama 0 2

Neuroblastoma 1 0

Ciclofosfamida 5

Busulfan 3

Melfalan 3

Etoposido 1

BCNU 1

Fludarabina 1

Tiotepa + Paclitaxel 1

Quadro 1 – Distribuição dos doentes com e sem diagnósticoecográfico de D.V.O.H.

Quadro 2 – Diagnósticos clínicos dos doentes submetidos a T.M.O.e com suspeita de DVO

Quadro 4 – Agentes usados nos regimes de condicionamento.

Quadro 3 –Distribuição dos doentes por tipo de T.M.O. realizado.

ARP 31

Nos exames ecográficos pós-T.M.O. foram calculados osscores baseados nos critérios já mencionados, sendo nasua maioria, scores de 5 a 8 (Quadro 5).Os critérios morfológicos mais frequentes foram ahepatomegália (Fig. 1), esplenomegália (Fig. 2), ascite(Fig. 3) e espessamento da parede da vesícula biliar(Fig. 4). No quadro 6 encontra-se a frequência dos várioscritérios morfológicos estudados.

Nos critérios eco-Doppler destacaram-se a diminuição dofluxo da veia porta (Fig. 5) ou mesmo inversão do sentidodo fluxo (Fig. 6), a desmodulação do fluxo deste mesmovaso (Fig. 7) e o I.C.= 0,1.Fluxo monofásico nas veias supra-hepáticas e aumento doI.R. da artéria hepática, dois critérios igualmenteconstatados em doentes do nosso estudo mas com umamenor frequência (Quadro 7), estão representados nasfiguras 8 e 9.

1

3

2 2

Score 5 Score 6 Score 7 Score 8

Fig. 3 – Ascite.

76

78

1

V.P. >

12

mm

V.S.H

. < 3

mm

Ascite

V. Par

a-Um

bilica

l

Quadro 5 – Scores ecográficos dos doentes com D.V.O.H.

Fig. 1 – Hepatomegália.

Fig. 2 – Esplenomegália.

Fig. 4 – Espessamento da parede da vesícula biliar.

Quadro 6 – Critérios morfológicos.

32 ARP

Na evolução clínica destes oito doentes, quatrosobreviveram com normalização dos padrões de fluxo dasveias supra-hepáticas e porta, e quatro faleceram(Quadro 8), constatando-se uma variabilidade dos scoresecográficos nesses mesmos doentes (Quadro 9).Na nossa série tivemos um falso positivo, com um scoreecográfico de sete e cuja necrópsia revelou alteraçõessugestivas de Doença do Enxerto vs Hospedeiro, e um falsonegativo que não apresentava qualquer alteração ecográficasugestiva de D.V.O.H., como posteriormente foidemonstrado na autópsia.

23

76

7

Fig. 5 (a,b) – Diminuição da velocidade da veia porta (< 10 cm/s). Fig. 7 (a,b) – Desmodulação do fluxo da veia porta.

Quadro 7 – Critérios eco-Doppler.

Fig. 6 (a,b) – Fluxo hepatofugal na veia porta.

a

b

a

b

a

b

ARP 33

Quadro 8 – Evolução clínica dos doentes com D.V.O.H.

Discussão

A disfunção hepática é uma complicação frequente dosTransplantes de Medula Óssea (T.M.O.). Pode ter múltiplascausas, destacando-se a Doença do Enxerto vs Hospedeiro,Doença Veno-Oclusiva (D.V.O.), sépsis, toxicidademedicamentosa e hemossiderose[1].O T.M.O. é um procedimento universalmente aceite naterapêutica de várias neoplasias hematológicas, aplasiagrave, erros congénitos metabólicos ou imunológicos[1].O diagnóstico exacto da disfunção hepática por vezes écomplicado; no entanto a associação dos achados clínicos,laboratoriais, imagiológicos e histológicos é importantepara a instituição da terapêutica correcta.As complicações pós-T.M.O. podem ser agudas (< 30dias), sub-agudas (30-100 dias) ou tardias (>100 dias)[1].A D.V.O. hepática é uma complicação grave e precoce, daquimioterapia mielossupressora intensiva ou daradioterapia pré-T.M.O., autólogo ou alogénico[2,5].Histologicamente caracteriza-se por uma obstruçãonão-trombótica das veias centro-lobulares por tecidoconjuntivo subendotelial e necrose dos hepatócitoscentrolobulares[2].A incidência é variável de acordo com o grupo etário, sendosuperior nos adultos (54%) do que nas crianças (11%)[2].A taxa de mortalidade varia inversamente, sendo superiornas crianças[2]. No entanto é importante ter em conta queas estatísticas variam nos diferentes estudos consoante oscritérios diagnósticos usados, a população estudada, e otipo de regime de condicionamento administrado[5].A fisiopatologia da D.V.O. ainda não é bem conhecida,sabendo-se apenas que a hepatotoxicidade provocada pelaquimio e radioterapia origina a lesão das células endoteliais

Fig. 8 (a,b) – Fluxo monofásico nas veias supra-hepáticas.

Quadro 9 – Distribuição dos scores ecográficos pelos doentesfalecidos.

Fig. 9 (a,b) – Aumento do I.R. da artéria hepática.

a

b

a

b

1 1 1 1

4

Óbitos

Vivos

34 ARP

e dos hepatócitos, alterações hemodinâmicas, desordensda coagulação e libertação de citocinas[2]. Não háexsudado inflamatório nas amostras de tecido hepáticoestudadas[5]. O espessamento da subíntima leva aoestreitamento do lúmen venular e ao consequente aumentoda resistência ao fluxo sanguíneo. A diminuição do fluxovenoso provoca congestão e dilatação sinusoidal, e originaa hipertensão portal, característica da D.V.O. hepática[5].Apesar da D.V.O. hepática ser considerada como umprocesso não-trombótico existem dados contraditórios, taiscomo a terapêutica eficaz com agentes trombolíticos, e dealguns estudos demonstrarem bons resultados profiláticoscom a administração de heparina[5]. Existem outrosestudos que revelaram a diminuição dos níveis de proteínasanticoagulantes, tais como a proteína C, proteína S e anti-trombina[5,6]. No entanto é bastante raro o achadohistológico de trombos no interior das vénulas, favorecendoa hipótese de se tratar de um processo não-trombótico, noqual a obstrução resultaria dos restos celulares endoteliais,do espessamento da subíntima e da estenose fixa causadapela fibrose sinusoidal e venular[5].A D.V.O. hepática ocorre independentemente do tipo detransplante medular (autólogo ou alogénico) da origem dascélulas pluripotenciais (sangue periférico ou medula óssea),do dador (compatível/haplo-semelhante/não-relacionado),e do regime de condicionamento usado (convencional/transplante não-mieloablativo)[5].Geralmente a taxa de incidência da D.V.O.H. nostransplantes alogénicos é reconhecida como sendo superiorà dos transplantes autólogos, no entanto as diferençasobservadas podem estar dependentes da diferença dosregimes de condicionamento administrados[5].A ciclofosfamida, o busulfan e a radioterapia de corpointeiro estão com maior frequência associados aoaparecimento de D.V.O.H. do que outros regimes decondicionamento[5].Existem outros factores que aumentam o risco de D.V.O.H.,como por exemplo doença hepática pré-existente, idadeavançada, o uso de vancomicina ou de aciclovir no períodopré-transplante, etc,[5].O seu diagnóstico pode ser feito pela associação de sinaisclínicos, sintomas, achados laboratoriais, imagiológicos ehistológicos.A maioria dos doentes desenvolve os sintomas nas trêsprimeiras semanas após o transplante. O primeiro sinal éo aumento de peso, surgindo posteriormentehiperbilirrubinémia[5]. Uma outra característicalaboratorial frequente desta patologia é a trombocitopéniarefractária à terapêutica transfusional. No entanto são rarasas hemorragias como complicação[7,8].Podem ocorrer outras alterações laboratoriais que noentanto não são específicas desta patologia, tais comoaumento de AST, ALT, FA, FNT–

e do Inibidor daActivador do Plasminogénio tipo I, e diminuição do FactorVII, proteína C, e antitrombina[3,6,7,8].Foram criados critérios clínicos de modo a facilitar odiagnóstico de D.V.O.H. Os Critérios de Seattle, que sebaseiam na existência de pelo menos dois dos seguintescritérios clínicos nos primeiros 20 dias pós-T.M.O.: (1)icterícia; (2) hepatomegália dolorosa; (3) ascite ou aumentode peso inexplicado. Os Critérios de Baltimore que

requerem o desenvolvimento de hiperbilirrubinémia(bilirrubina> 2 mg/dl) nos primeiros 21 dias pós-T.M.O.associado a pelo menos dois dos seguintes sinais clínicos:(1) hepatomegália (que pode ser dolorosa); (2) aumentosuperior a 5% do peso; (3) ascite[8]. O diagnóstico clínicobaseia-se na combinação de sinais e sintomas destes doissistemas: (1) hiperbilirrubinémia; (2) aumento de pesoinexplicado ou ascite; (3) hepatomegália dolorosa[5,8].Relativamente às técnicas imagiológicas, a ecografia temsido a mais estudada quanto à validade diagnóstica naD.V.O.H. A ultrassonografia apresenta múltiplas vantagens,nomeadamente ser uma técnica não-invasiva, não requererpreparação (para além de jejum de 4-6 horas), nãoapresentar complicações, e permitir avaliar a eficácia daterapêutica[2].Devido à baixa especificidade da maioria dos achadosecográficos hemodinâmicos e morfológicos sugestivos deD.V.O.H., Nathalie Lassau et al, em 1997, propõem acriação de um score, baseado em 14 critérios, 7morfológicos e 7 hemodinâmicos , que será sugestivo ounão do diagnóstico de D.V.O.H.Para cada um dos critérios foi realizada uma estimativa dasua sensibilidade e especificidade. Os critériosmorfológicos são: (1) hepatomegália (S- 96%; E- 29%);(2) esplenomegália (S- 88%; E- 59%); (3) ascite (S-72%;E-99%); (4) espessamento da parede da vesícula biliar >6mm (S- 64%; E- 95%); (5) calibre das veias supra-hepáticas a 2 cm da veia cava inferior < 3 mm (S- 64%; E-93%); (6) calibre da veia porta > 12 mm, ou 8 mm nascrianças (S- 72%; E- 59%); (7) visualização da veia para-umbilical (S- 56%; E- 97%)[4]. Os critérios de eco-Doppler são: (1) desmodulação do fluxo da veia porta, ouseja, ausência das variações da velocidade com osmovimentos respiratórios (S- 92%; E- 47%); (2)diminuição da densidade espectral da veia porta (S- 84%;E- 67%); (3) velocidade máxima da veia porta < 10 cm/sou presença de fluxo hepatofugal (S- 52%; E- 93%); (4)I.C. (Índice de Congestão) da veia porta > 0.1, em queI.C.= área seccional da veia/ velocidade média (S- 68%;E- 93%); (5) I.R. (Índice de Resistência) da artéria hepática> 0,76 (S- 64%; E- 93%); (6) fluxo monofásico ou ausênciade fluxo nas veias supra-hepáticas (S- 67%; E- 76%); (7)fluxo na veia para-umbilical recanalizada (S- 52%; E-99%)[4]. Destes 14 critérios, quatro estiveram apenaspresentes nos doentes que desenvolveram D.V.O.H.:diminuição do calibre das veias supra-hepáticas;diminuição da velocidade ou inversão do fluxo da veiaporta; visualização da veia para-umbilical; fluxo na veiapara-umbilical[4].É igualmente importante a avaliação ecográfica pré-T.M.O., de modo a que haja informação morfológica ehemodinâmica para um estudo comparativo com os examesposteriores, principalmente relativamente aos parâmetrosmorfológicos. No entanto não tem valor preditivo[2].A R.M. tem interesse quando a ultrassonografia não éconclusiva. Os achados consistentes com D.V.O. são nasua maioria não-específicos e sobrepõem-se aos daecografia morfológica: hepatomegália; diminuição docalibre das veias supra-hepáticas; espessamento da parededa vesícula biliar; aumento do sinal da parede da vesículabiliar em T2; ascite; derrame pleural[3].

ARP 35

A biópsia hepática percutânea deve ser evitada, apesarde ser o meio de diagnóstico mais específico (> 90%),devido ao risco de hemorragia consequente àtrombocitopénia refractária[1,3].A biópsia hepática transvenosa tem duas utilidades, arealização de biópsia e a medição do gradiente de pressãovenosa hepática (caracteristicamente superior a 10 mmHg).No entanto é um meio de diagnóstico invasivo e geralmenteas amostras de tecido histológico que se obtêm sãoinsuficientes[4].Como não existe terapêutica ideal para a D.V.O.H., aprofilaxia ou o tratamento precoce são as principaismedidas. Como agentes profiláticos têm sido utilizadoscom relativa eficácia o ácido ursodesoxicólico (efeitocitoprotector das células endoteliais e hepatócitos) e asheparinas de baixo peso molecular (possuem menor riscode hemorragia que a heparina). Agentes anticoagulantescomo a PGE 1, t-PA, heparina, heparinas de baixo pesomolecular, e defibrótido (agonista dos receptores deadenosina) são frequentemente usados na terapêutica daD.V.O.H. instalada, sendo os dois últimos os mais inócuosrelativamente a efeitos secundários[3].

Conclusão

A associação da ultrassonografia morfológica e eco-Doppler permite avaliar as alterações características daD.V.O.H.Os vários estudos efectuados no sentido de se definiremcritérios ultrassonográficos para o diagnóstico de D.V.O.têm sido contraditórios. As alterações morfológicas, nãosendo suficientemente específicas da D.V.O.H., só deverãoser consideradas válidas para o diagnóstico desta patologiano contexto clínico de pós – T.M.O. e associadas a outroscritérios hemodinâmicos.Não há consenso relativamente à especificidade dasalterações hemodinâmicas (ex: I.R.A.H. – alguns autoresdefendem ser um parâmetro importante no diagnósticodiferencial com G.V.H.D.; outros consideram-noinespecífico).Concluído o nosso estudo de seis anos, e apesar do númerolimitado de doentes, somos da opinião que o diagnósticodesta patologia deve continuar a basear-se na associaçãode critérios morfológicos e hemodinâmicos já conhecidos,integrados no devido contexto clínico-laboratorialsugestivo de D.V.O.H.No diagnóstico ecográfico de D.V.O.H. feito aos nossosoito doentes, a avaliação ultrassonográfica pré-T.M.O. nãose revelou necessária para a conclusão do mesmo. Noentanto a sua utilidade é defendida por alguns autores,principalmente em relação aos parâmentros morfológicos.Estudos recentes revelaram que o estudo ecográfico pós-T.M.O. possui maior sensibilidade, relativamente aosvalores de bilirrubina sérica e do gradiente de pressãovenosa hepática, na avaliação da gravidade da D.V.O.A ultrassonografia Doppler permite igualmente avaliar aresposta à terapêutica. Nos oito doentes do nosso estudo,cujo diagnóstico de D.V.O. foi confirmadoecográficamente, sete foram submetidos a terapêuticaespecífica (seis com defibrótido e um com PGE).

Dos quatro doentes que sobreviveram, a ecografia permitiua monitorização terapêutica, demonstrando a normalizaçãodos padrões de fluxo das veias supra-hepáticas e veia porta.

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Correspondência

Andreia BexigaIPOFG - CROLServiço de RadiologiaRua Prof. Lima Basto1099-023 Lisboa