a tutela do consumidor frente aos riscos do desenvolvimento_aula 04

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A TUTELA DO CONSUMIDOR FRENTE AOS RISCOS DO DESENVOLVIMENTO Arthur Martins Ramos Rodrigues RESUMO Os riscos do desenvolvimento surgem quando um determinado produto novo é lançado no mercado sem defeito cognoscível, mesmo que testado exaustivamente, e que, posteriormente, com o desenvolvimento científico-tecnológico, vem a ser detectado um defeito capaz de causar danos aos consumidores. O problema surge quando se indaga quem deve arcar com estes riscos, os consumidores ou os fornecedores, através da imputação da responsabilidade civil. A questão ainda é muito debatida e divergente. Vários argumentos são utilizados para eximir a responsabilização do fornecedor e vários outros para aplicar-lhe a obrigação de indenizar. Portanto, cabe um estudo mais aprofundado da matéria para tentarmos observar qual corrente possui melhores fundamentos. PALAVRAS CHAVES CONSUMIDOR; FORNECEDOR; RISCOS DO DESENVOLVIMENTO; PRODUTO. ABSTRACT The development risks appear when one definitive new product is launched in the market without cognoscible defect, exactly that tested exhaustingly, and that, later, with the scientific development, it comes to be detected a defect able to cause damages to the consumers. The problem appears when is inquired that who must be responsible for these risks, the consumers or the suppliers, through the imputation of the civil liability. The question is still very debated and divergent. Some arguments are used to exempt the responsibility of the supplier and several others to apply it to it obligation to indemnify. Mestrando em Direito Privado e Constituição pela FDC - Faculdade de Direito de Campos. Advogado. 4705

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Direito do Consumidor

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  • A TUTELA DO CONSUMIDOR FRENTE AOS RISCOS DO

    DESENVOLVIMENTO

    Arthur Martins Ramos Rodrigues

    RESUMO

    Os riscos do desenvolvimento surgem quando um determinado produto novo lanado

    no mercado sem defeito cognoscvel, mesmo que testado exaustivamente, e que,

    posteriormente, com o desenvolvimento cientfico-tecnolgico, vem a ser detectado um

    defeito capaz de causar danos aos consumidores. O problema surge quando se indaga

    quem deve arcar com estes riscos, os consumidores ou os fornecedores, atravs da

    imputao da responsabilidade civil. A questo ainda muito debatida e divergente.

    Vrios argumentos so utilizados para eximir a responsabilizao do fornecedor e vrios

    outros para aplicar-lhe a obrigao de indenizar. Portanto, cabe um estudo mais

    aprofundado da matria para tentarmos observar qual corrente possui melhores

    fundamentos.

    PALAVRAS CHAVES

    CONSUMIDOR; FORNECEDOR; RISCOS DO DESENVOLVIMENTO; PRODUTO.

    ABSTRACT

    The development risks appear when one definitive new product is launched in the

    market without cognoscible defect, exactly that tested exhaustingly, and that, later, with

    the scientific development, it comes to be detected a defect able to cause damages to the

    consumers. The problem appears when is inquired that who must be responsible for

    these risks, the consumers or the suppliers, through the imputation of the civil liability.

    The question is still very debated and divergent. Some arguments are used to exempt the

    responsibility of the supplier and several others to apply it to it obligation to indemnify.

    Mestrando em Direito Privado e Constituio pela FDC - Faculdade de Direito de Campos. Advogado.

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  • Therefore, a study deepened of the substance fits more to try to observe which chain

    possess better beddings.

    KEYWORDS

    CONSUMER; SUPPLIER; DEVELOPMENT RISKS; PRODUCT.

    INTRODUO

    Antes da vigncia da Lei 8.078/90 a defesa do consumidor era realizada

    atravs da aplicao da responsabilidade civil na modalidade contratual e

    extracontratual1.

    Na responsabilidade extracontratual, tambm conhecida como aquiliana, era

    indispensvel a prova da culpa do agente causador do dano2, in casu o fornecedor de

    produtos, para que fosse possvel imputar-lhe as conseqncias derivadas da insero de

    produtos defeituosos no mercado.

    No plano contratual a defesa do consumidor operava-se a partir da garantia

    contra vcios redibitrios, onde o consumidor era incumbido de produzir prova do vcio

    oculto para que tivesse os seus direitos resguardados.

    Entretanto, ambas as modalidades de responsabilidade civil no mais

    atendiam plenamente aos anseios da sociedade consumerista contempornea, pois no

    ofereciam respostas justas aos impasses referentes s relaes jurdicas que envolviam o

    consumidor no comrcio de produtos e servios.

    Diante da exposio dos consumidores a estes inconvenientes da dicotomia

    entre a responsabilidade contratual e extracontratual, o legislador consagrou no Cdigo

    de Defesa do Consumidor uma estrutura de responsabilidade civil objetiva ao

    fundament-la exclusivamente na existncia de uma relao jurdica de consumo, e no

    mais na existncia de uma relao contratual ou de um fato ilcito3.

    Com isso, ao consumidor vulnervel basta apenas fazer prova o dano, o vcio

    do produto ou servio e o nexo de causalidade entre o dano e este mesmo vcio para que

    1 CAVALIERI FILHO, Srgio. Programa de Responsabilidade Civil. 2 ed., 3 tiragem. So Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 26 2 CAVALIERI FILHO, Srgio. Programa de Responsabilidade Civil. 2 ed., 3 tiragem. So Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 35. 3 BENJAMIN, Antnio Herman de Vasconcelos. Comentrios ao Cdigo de Proteo do Consumidor.So Paulo: Saraiva, 1991, p.44.

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  • qualquer pessoa, fsica ou jurdica, que tenha contribudo para a insero do produto no

    mercado ou para a realizao do servio possa ser responsabilizada pelos danos

    suportados.

    Portanto, ara necessrio reconhecer a vulnerabilidade do consumidor frete ao

    enorme potencial tcnico e financeiro dos fabricantes de produto, revendo os princpios

    essenciais das relaes contratuais para adequar a legislao nova realidade ftica,

    tratando os desiguais de forma desigual para tentar equilibrar o abismo de diferenas

    entre fabricante e consumidor.

    Em suma, podemos afirmar que basicamente todas estas mudanas que

    pudemos observar, seja no modo de vida da sociedade, seja na legislao que rege a

    responsabilidade civil nas relaes de consumo, se deram em decorrncia do avano

    cientfico e tecnolgico, proporcionando o emprego de novos mtodos de produo, e

    implicando, conseqentemente, a insero de produtos finais cada vez mais

    desenvolvidos, revolucionando o mercado consumerista.

    No obstante s suas incontveis benesses, esse desenfreado

    desenvolvimento cientfico e tecnolgico tambm pode desencadear situaes ainda no

    previstas em nosso ordenamento. Uma destas situaes se verifica atravs do

    denominado risco do desenvolvimento.

    2 DESENVOLVIMENTO

    O lanamento de novos produtos no mercado de consumo geralmente vista

    com bons olhos pela sociedade. A propaganda e o marketing despertam no consumidor

    a confiana de que tais produtos tenham sido submetidos ao crivo dos mais variados e

    desenvolvidos testes para se certificar a sua confiabilidade e segurana.

    Entretanto, o que ocorre quando estes mesmos testes ainda no so

    desenvolvidos o suficiente para detectar um possvel elemento ou vcio capaz de

    provocar danos ao consumidor?

    Estamos diante da hiptese do risco de desenvolvimento, que consiste

    naquele risco criado ao consumidor aps um perodo de utilizao do produto ou

    servio que, mesmo com todo o aparato das tcnicas preventivas, no pde ser

    identificado quando da sua distribuio na rede de consumo.

    Cabe, entretanto, trazer colao alguns conceitos fornecidos pelos mais

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  • conceituados doutrinadores.

    Para Marcelo Junqueira Calixto, os riscos do desenvolvimento:

    so aqueles riscos no cognoscveis pelo mais avanado estado da cincia e da tcnica no momento da introduo do produto no mercado de consumo e que s vm a ser descoberto aps um perodo de uso do produto, em decorrncia do avano dos estudos cientficos.4

    Segundo Alcover Garau:

    los riesgos de desarrollo (development risks) son aquellos defectos de los productos que son conocidos como consecuencia de los avances cientficos y tcnicos posteriores a su puesta en circulacin, por lo que en el momento de sta el fabricante no podia de ninguna forma detectarlos.5

    De fato, produtos lanados no mercado de consumo nem sempre apresentam

    a segurana e a confiabilidade que deles se esperam. No so raros os casos em que

    produtos tidos como seguros poca de seu lanamento vieram a apresentar riscos aos

    consumidores aps algum tempo de uso.

    Podemos citar o caso do cigarro que, confirmadamente, pode causar a

    dependncia qumica do usurio e o desenvolvimento de inmeras doenas,

    principalmente do cncer.6

    Outro exemplo o caso do silicone implantado nos seios de mulheres e que,

    posteriormente, que vieram a desencadear deformidades fsicas. Nos Estados Unidos foi

    criado um fundo especial para que qualquer mulher que apresentasse uma deformidade

    fsica ou psquica previamente relacionada fosse indenizada pelo referido fundo, mesmo

    sem provar que o dano decorria do implante do silicone.

    Entretanto, o caso que, talvez, tenha despertado mais a ateno para o

    problema do risco do desenvolvimento a nvel mundial tenha sido o da Talidomida7,

    medicamento utilizado por gestantes para aliviar os enjos da gravidez e que fora

    responsvel diretamente pelo nascimento de bebs com deformidades congnitas, o que 4 CALIXTO, Marcelo Junqueira. Op. cit. p. 176. 5 GARAU, apud GRINOVER, Ada Pellegrini. et. al. Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9 ed.Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2007, p. 195. 6 No Brasil, a prpria Constituio Federal no pargrafo 4 do seu artigo 220 restringe a propaganda comercial de tabaco e de outros produtos e ordena que sejam informados os efeitos malficos de seu uso. 7 A Talidomida foi introduzida no mercado em 1956 com o nome comercial de Contergan. No incio dos anos 60, foi descoberto que a talidomida causava terrveis efeitos colaterais de deformao nos fetos, vindo a gerar bebs com encurtamento dos braos; pernas; cegueira; surdez, m formao dos rgos internos, entre outras conseqncias.

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  • culminou com a retirada da substncia do mercado.

    Associados a estes casos, ainda existem produtos que provocam divergncias

    entre cientistas e que ainda esto em fase de estudos. Podemos citar o caso dos

    alimentos geneticamente modificados, da utilizao de anabolizantes, da radiao dos

    celulares e de aparelhos microondas, como exemplos que ainda dividem opinies e no

    esto cientificamente comprovados, mas que podem trazer srios riscos sade

    humana.

    No obstante estes casos ainda em estudo, ainda podemos vislumbrar uma

    inmera gama de novos produtos8 cujas caractersticas intrnsecas deixam dvidas sobre

    o seu efeito no organismo a curto ou a longo prazo ou se, com a evoluo dos meios

    tcnicos cientficos no futuro, sero descobertos eventuais efeitos colaterais, nos

    permitindo a indagar: At que ponto o produto realmente seguro? Se tal produto vier a

    causar danos a quem dele se utilizou, ser possvel atribuir a responsabilidade ao

    fornecedor?

    Como veremos a seguir, a resposta no se demonstra to simples.

    3 POSICIONAMENTOS DOUTRINRIOS ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELO RISCO DO DESENVOLVIMENTO

    No Brasil no existe nenhum dispositivo legal que verse sobre a

    responsabilidade civil pelos riscos do desenvolvimento do produto. A Unio Europia

    editou a Diretiva CEE 374/85 de 25 de julho de 1985 tornando facultativa a adoo ou

    no do risco de desenvolvimento como hiptese de exonerao de responsabilidade

    pelos seus Estados-Membros. Assim, os pases europeus vm adotando variadas

    posies acerca da matria. Essa discrepncia legislativa traduz todos os pontos de vista

    do mundo acadmico, sejam eles pr ou contra a responsabilizao do fabricante.

    Passamos, ento, a expor cada segmento doutrinrio, seus fundamentos e 8 No ms de Maio do ano de 2007 foi noticiado sobre a criao do sangue de plstico (plastic blood). Um sangue artificial elaborado a partir de molculas de plstico que pode substituir o sangue natural em situaes de emergncia como no caso de guerras, j que de fcil transporte e no necessita de refrigerao. (fonte: , acesso em 10 de junho de 2007). Outro produto que deixa dvidas sobre o efeito de seu uso prolongado no organismo a denominada plula perfume ou plula do cheiro, desenvolvida no Brasil por pesquisadores da UFC Universidade Federal do Cear. A plula, se ingerida trs vezes ao dia, induz o corpo a liberar uma essncia similar de lavanda (fonte: , acesso em 10 de junho de 2007).

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  • alguns de seus respectivos defensores.

    3.1 ARGUMENTOS PARA A EXCLUSO DA RESPONSABILIDADE

    Segundo os defensores desta corrente o risco do desenvolvimento constitui,

    alm das hipteses previstas no Cdigo de Defesa do Consumidor, uma excludente da

    responsabilidade do fornecedor pelos danos causados aos consumidores, seja pela

    inexistncia de defeito ou por motivos poltico-econmicos.

    Preliminarmente lembramos que a vertente desta doutrina que considera o

    produto efetivamente defeituoso leva em considerao que o momento em que se deve

    aferir o estado dos conhecimentos cientfico-tecnolgicos o lanamento do produto no

    mercado. Alm disso, o critrio de avaliao destes mesmos conhecimentos no

    aquela prtica comum do setor industrial, mas sim o mais avanado estado da cincia e

    da tcnica9.

    Cabe, ento, trazer colao as palavras de Joo Calvo Silva, no sentido de

    que:

    no sendo o estado da arte um conceito determinado e fechado, mas um conceito movente carecido de aferio nas circunstncias do caso, a sua moldura deve ser a possibilidade cientfica e tcnica que se haja imposto no respectivo domnio e tenha passado a estar disposio geral, mesmo que no seja ainda a praticada no respectivo ramo industrial. Ao acatamento deste novo e mais atual estado geral da cincia e da tcnica, sem fronteiras ou limites territoriais, que o produtor est vinculado, e no a um anterior, ainda que vazado na prxis industrial.10 (grifos do autor)

    Entre os principais defensores da excluso do dever de indenizar do

    fornecedor pelos riscos do desenvolvimento se incluem: Joo Calvo Silva, Ugo

    Carnevali, Fbio Ulhoa Coelho, James Marins, Gustavo Tepedino, entre outros.

    Para Joo Calvo Silva o estado da arte (State of the Art11) o marco

    divisrio entre defeito e risco do desenvolvimento. Para o autor, de um lado ficam

    aqueles riscos cognoscveis ou previsveis e, do outro, os riscos ignotos, incognoscveis

    ou imprevisveis, sendo que, pelos primeiros, o fornecedor responde independentemente

    9 CALIXTO, Marcelo Junqueira. Op. cit. p. 201/203. 10 SILVA, Joo Calvo. Apud CALIXTO, Marcelo Junqueira. Op. cit. p. 203. 11 Expresso de origem americana que designa o mais alto nvel de desenvolvimento de um dispositivo, da tcnica ou da cincia, alcanado em um determinado momento.

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  • ou no de culpa, e pelos demais o produtor no responsvel12.

    Segundo Ugo Carnevali13, a responsabilizao em casos de risco do

    desenvolvimento politicamente contrria aos interesses dos prprios consumidores,

    uma vez que, devido enorme prudncia dos fabricantes, produtos novos no seriam

    lanados com tanta freqncia no mercado, j que desencorajariam a pesquisa e a

    introduo no mercado de novas tecnologias.

    Ainda a favor da no responsabilizao do fornecedor, afirma que inexiste a

    previsibilidade e a tipicidade do dano, faltando o pressuposto risco da empresa, o que

    impossibilita a realizao de uma valorao estatstica preventiva e uma distribuio

    destes riscos entre todos os consumidores atravs do sistema de preos. Em suma, no

    h como socializar um risco que se desconhece.

    Cita, tambm, argumentos econmicos no sentido de que a excludente de

    responsabilidade desencoraja, por exemplo, a indstria farmacutica e mantm o preo

    do produto final dentro de limites razoveis, j que no incidiro sobre o valor os riscos

    do desenvolvimento e, porventura, o valor de seguros contra possveis danos.

    O doutrinador no acredita que a responsabilizao possa alcanar objetivos

    preventivos, obrigando o fornecedor a realizar testes mais rigorosos, uma vez que o que

    se leva em considerao para a caracterizao do risco do desenvolvimento o estado

    da mais avanada cincia ou tcnica a nvel mundial e no o nvel de desenvolvimento

    daquela empresa fabricante. Portanto, se a prpria cincia incapaz de detectar o vcio,

    a empresa tambm no lograria xito na tarefa.

    Por fim, afirma que os riscos do desenvolvimento so riscos inevitveis da

    vida, que devem ficar a cargo dos consumidores, os quais podem, inclusive, celebrar

    contratos de seguro14.

    Para o doutrinador Fbio Ulhoa Coelho, inexiste o fornecimento perigoso,

    pois as informaes transmitidas ao consumidor teriam sido adequadas e suficientes, na

    forma do que o desenvolvimento tcnico-cientfico poderia prever.15

    Ainda para o autor, o artigo 10 do Cdigo de Defesa do Consumidor dispe

    12 SILVA, Joo Calvo. Apud CALIXTO, Marcelo Junqueira. Op. cit. p. 207. 13 CARNEVALI, Ugo. Apud CALIXTO, Marcelo Junqueira. Op. cit. p. 220/221. 14 CARNEVALI, Ugo. Apud CALIXTO, Marcelo Junqueira. Op. cit. p. 221. 15 COELHO, Fbio Ulhoa. O Empresrio e os Direitos dos Consumidores: o clculo empresarial na interpretao do Cdigo de Defesa do Consumidor. So Paulo: Saraiva, 1994, p. 84.

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  • que o fornecedor no deve lanar no mercado produto que saiba ou deveria saber

    apresentar um nvel elevado de periculosidade ou nocividade aos consumidores. Assim,

    o fato do estado da arte impedir que o fabricante soubesse da existncia dessa

    periculosidade ou nocividade exclui a responsabilidade decorrente dos danos causados.

    Ao fornecedor no pode ser imputado o dever de conhecer esses riscos, pois equivaleria

    a obrig-lo ao impossvel.16

    James Marins defende a excluso da obrigao reparatria do fornecedor

    com base no prprio Cdigo de Defesa do Consumidor alegando que, na hiptese de

    risco de desenvolvimento, o produto apresenta um defeito juridicamente irrelevante ao

    ponto de ser incapaz de originar a responsabilizao e que esse defeito no se trata dos

    casos previstos no Cdigo Consumerista: defeitos de informao, de produo ou de

    criao.

    Alega no haver defeito de informao pelo fato do estgio cientfico

    evolutivo tornar os riscos incognoscveis para o homem, inexistindo falsidade,

    insuficincia ou omisso de informao sobre o produto poca de sua introduo no

    mercado17. Inexiste defeito de produo tendo em vista que os riscos do

    desenvolvimento atingem a todos os bens produzidos, contrariando a principal

    caracterstica dos defeitos de produo que a incidncia de imperfeio somente em

    alguns produtos e no em toda a srie18. Tambm no se trata de defeito de criao, pois

    o produto foi concebido sem nenhuma espcie de falha de projeto ou de frmula que o

    desenvolvimento cientfico pudesse detectar, sendo que, no momento do seu

    lanamento no mercado, o produto no apresentava qualquer espcie de risco sade ou

    integridade fsica dos consumidores19.

    Gustavo Tepedino tambm adepto da idia da inexistncia de defeito no

    produto em casos de risco do desenvolvimento. O doutrinador fundamenta a sua tese

    lembrando que o conceito de defeito engloba as noes de segurana e de expectativa

    dos consumidores e, nos casos em estudo, alega o autor, inexiste o defeito justamente

    por no haver uma reverso de expectativa em face dos conhecimentos cientficos da

    16 COELHO, Fbio Ulhoa. Op. cit. p. 86. 17 MARINS, James. Op. cit. p. 135. 18 MARINS, James. Op. cit. p. 136. 19 MARINS, James. Op. cit. p. 136.

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  • poca da introduo do produto no mercado20.

    Ressalta, porm, que mesmo nos pases que aplicam a responsabilizao do

    fornecedor, torna-se imperativo a estipulao de um prazo de dez anos para que o

    consumidor reclame em juzo os seus direitos21, seguindo o preceito do artigo 11 da

    Diretiva CEE 374/85.

    Alm dos posicionamentos dos saudosos autores acima mencionados,

    podemos citar outros que reforam ainda mais esta corrente doutrinria.

    Outro argumento que leva em considerao os dispositivos do Cdigo de

    Defesa do Consumidor de que o inciso I do artigo 6 do referido codex, menciona que

    o consumidor tem o direito proteo da vida, da sade e da segurana contra os riscos

    provocados por prticas no fornecimento de produtos ou servios considerados

    perigosos ou nocivos, destaca-se. Nesse sentido, como proteger um consumidor do

    risco criado por um produto ou servio que no considerado perigoso ou nocivo?

    Tambm coleciona adeptos a tese que afirma que os riscos do

    desenvolvimento so imprevisveis e atingem toda a produo, sendo, portanto,

    impossvel a contratao de seguros e, conseqentemente, a diluio do valor do prmio

    atravs do sistema de preo.

    E ainda, o aprimoramento da cincia interesse social, por isso devem ser

    absorvidos por toda sociedade. Seria a contraprestao a que esto sujeitos os

    consumidores por estarem adquirindo produtos novos.

    Por fim, existem doutrinadores que, adotando o risco do desenvolvimento

    como excludente de responsabilidade, defendem a criao de fundos especiais para a

    indenizao dos consumidores caso venha a sofrer danos decorrentes de produtos

    novos.

    Em que pese a existncia de outros argumentos, estes so os que se

    demonstram mais bem fundamentados ao ponto de contribuir para a discusso

    acadmica.

    3.2 ARGUMENTOS A FAVOR DA RESPONSABILIZAO DO FORNECEDOR DE PRODUTOS

    20 TEPEDINO, Gustavo. A responsabilidade mdica na experincia brasileira contempornea. In Temas de direito civil. Tomo II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 68. 21 TEPEDINO, Gustavo. Op. Cit. P. 70.

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  • Tambm so vrios os argumentos que atribuem ao fornecedor a obrigao

    de reparar os danos suportados pelos consumidores pelos riscos do desenvolvimento,

    sempre com base na efetiva proteo dos direitos consumeristas, parte vulnervel da

    relao.

    Entre os defensores da responsabilizao podemos encontrar Maria Parra

    Lucan, Antnio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Srgio Cavalieri Filho e Marcelo

    Junqueira Calixto.

    Maria Parra Lucan, citada por Marcelo Junqueira Calixto, afirma o carter

    defeituoso do produto com base no artigo 7, e) da Diretiva CEE 374/85 que versa

    expressamente sobre o defeito impossvel de ser detectado pelo estado dos

    conhecimentos cientficos e tcnicos poca da introduo do produto no mercado.

    Diante disso, por se tratar de responsabilidade objetiva, no importa se o produtor

    desconhece ou no tem condies de conhecer o defeito, devendo responder, de

    qualquer forma, independentemente de culpa22.

    Para Antnio Herman de Vasconcellos e Benjamin, em casos de risco do

    desenvolvimento, o produto encontra-se maculado por um defeito de concepo,

    decorrente da carncia de informaes cientficas, poca da concepo, sobre os

    riscos inerentes adoo de uma determinada tecnologia nova23.

    Srgio Cavalieri Filho entende que os riscos do desenvolvimento se

    enquadram como fortuito interno, um risco integrante da atividade do fornecedor, no

    devendo ser encarado como uma hiptese de exonerao de responsabilidade24.

    Assevera, tambm, que o risco do desenvolvimento em nada se compara

    com situao descrita no 2 do artigo 12 do Cdigo de Defesa do Consumidor, que diz

    que o produto no considerado defeituoso se outro de melhor qualidade for

    introduzido no mercado. De forma brilhante o autor discorre que nesta hiptese:

    no se trata de defeito do produto, mas sim de produto de melhor qualidade. O risco do desenvolvimento diz respeito a um defeito de concepo, que, por sua vez, d causa a um acidente de consumo por falta de segurana. Irrelevante saber, como j demonstrado, se esse defeito era ou no previsvel e, conseqentemente, evitvel. Por ele

    22 LUCAN, Maria Parra. Apud CALIXTO, Marcelo Junqueira. Op. cit. p. 208. 23 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos e. et. all. Comentrios ao cdigo de proteo do consumidor. So Paulo: Saraiva, 1991. p. 67. 24 CAVALIERI FILHO, Srgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7 ed. So Paulo: Atlas, 2007, p. 476.

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  • responde o fornecedor independentemente de culpa.25

    No entendimento de Marcelo Junqueira Calixto, no h como negar que na

    hiptese de riscos do desenvolvimento existe frustrao da legtima expectativa de

    segurana do consumidor, por no ter sido devidamente alertado do risco. Afirma que

    o dano, ainda que verificado posteriormente, representar a violao de uma

    expectativa de segurana que existia desde o momento da introduo do produto no

    mercado de consumo. 26 Lembra o doutrinador que justamente esta frustrao da

    legtima expectativa dos consumidores que determina o carter defeituoso do produto,

    devendo o fabricante ser responsabilizado pelos danos causados pelo bem que

    introduziu no mercado.

    Entretanto, assevera o autor, o argumento econmico opera em favor do

    fornecedor, pelo fato no ser possvel responsabiliz-lo eternamente pelos prejuzos

    causados aos consumidores. Por este motivo e com vistas ao progresso cientfico-

    tecnolgico prope o doutrinador:

    a previso de um prazo, contado da entrada em circulao do produto, dentro do qual o fornecedor se responsabiliza pelos danos; vencido este prazo, no h mais que se falar em responsabilidade, salvo ao judicial j intentada pelo consumidor vtima do acidente de consumo27.

    Para a fixao de tal prazo, Marcelo Junqueira Calixto toma como base a

    legislao europia que instituiu um lapso temporal de dez anos28.

    Outros argumentos ainda reforam os acima apontados.

    Inicialmente, h que se levar em considerao que o Cdigo de Defesa do

    Consumidor trouxe no pargrafo 3 do seu artigo 12 as hipteses em que o fabricante, o

    construtor, o produtor ou importador de produtos no respondem pelos riscos criados.

    Desta forma, como o legislador no incluiu expressamente os riscos do

    desenvolvimento no rol de excludentes de responsabilidade, no haveria o porqu de 25 CAVALIERI FILHO, Srgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7 ed. So Paulo: Atlas, 2007, p. 476. 26 CALIXTO, Marcelo Junqueira. Op. cit. p. 245. 27 CALIXTO, Marcelo Junqueira. Op. cit. p. 250. 28 CALIXTO, Marcelo Junqueira. Op. cit. p. 250. O prazo de dez anos foi estabelecido pelo artigo 11 da Diretiva Europia 374/85 de 25 de julho de 1985 nos seguintes termos: Os Estados-membros estabelecero na sua legislao que os direitos concedidos ao lesado nos termos da presente diretiva se extinguem no termo de um perodo de dez anos a contar da data em que o produtor colocou em circulao o produto que causou o dano, exceto se a vtima tiver intentado uma ao judicial contra o produtor durante este perodo.

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  • consider-lo como tal. Defendem este ponto de vista os doutrinadores que consideram o

    pargrafo 3 do artigo 12 do Cdigo de Defesa do Consumidor como um rol taxativo,

    inflexvel e no suscetvel a uma interpretao extensiva.

    No entender de Rizzato Nunes, embora sem discorrer diretamente sobre os

    riscos do desenvolvimento, a utilizao do advrbio s, que compem o texto do

    pargrafo 3 do artigo 12 do Cdigo de Defesa do Consumidor, no deixa dvidas de

    que as excludentes so taxativas29.

    Desta forma, defendem os doutrinadores, o intrprete no pode criar uma

    forma de eximir a responsabilidade que o legislador no previu expressamente.

    Outro argumento prega a necessidade de diviso dos riscos entre os

    consumidores e os fabricantes. A responsabilizao do fornecedor pelos danos causados

    distribui eqitativamente os riscos entre as partes, impedindo que o consumidor suporte

    toda a carga onerosa da relao.

    Alm disso, a imputao do dever de indenizar os consumidores pelos danos

    causados no causaria a diminuio do investimento em novas pesquisas e, por

    conseguinte, na introduo de novos produtos para a sociedade, pois existem

    mecanismos que podem ser utilizados para evitar ou diminuir os prejuzos em caso de

    eventual condenao. o caso dos seguros, que podem ser contratados e do repasse de

    uma porcentagem previamente estimada do valor dos gastos com possveis indenizaes

    a todos os consumidores, atravs do mecanismo de aumento de preo.

    Muito pelo contrrio, com a aplicao da responsabilizao nos casos de

    risco do desenvolvimento, o fornecedor aumentaria ainda mais a preocupao em

    incentivar a pesquisa do produto mesmo aps a sua introduo no mercado, a fim de

    evitar maiores danos aos consumidores ao retirar o produto de circulao assim que o

    vcio for descoberto.

    Para alguns autores, admitir os argumentos que defendem os riscos do

    desenvolvimento como excludentes de responsabilidade seria reintroduzir no

    ordenamento jurdico elementos da responsabilidade fundada na culpa, por levar em

    considerao, por exemplo, o fato do fornecedor no ter a possibilidade de ter o

    conhecimento do vcio.

    29 NUNUES, Rizzatto. Comentrios ao Cdigo de Defesa do Consumidor. 2 ed. Reformulada. So Paulo: Saraiva, 2005, p. 175.

    4716

  • Por fim, ainda podemos citar outro argumento que leva em considerao o

    artigo 931 do Cdigo Civil Brasileiro que trata da responsabilidade objetiva dos

    empresrios individuais e as empresas pelos danos causados pelos produtos postos em

    circulao. Segundo essa vertente doutrinria o referido dispositivo legal reafirma a

    responsabilizao objetiva do fornecedor pelos vcios do produto, mesmo em caso de

    riscos do desenvolvimento.

    Tal entendimento chegou a ser discutido na I Jornada de Direito Civil

    realizada em Braslia resultando nos Enunciado de n 42, que diz que o art. 931 amplia

    o conceito de fato do produto existente no art.12 do CDC, imputando responsabilidade

    civil empresa e aos empresrios individuais circulao dos produtos.30, e no

    Enunciado de n 43 que afirma que a responsabilidade civil pelo fato do produto,

    prevista no art. 931 do NCC, tambm inclui os riscos do desenvolvimento31. (grifo

    nosso)

    Verifica-se, portanto, uma forte tendncia doutrinria voltada para a efetiva

    garantia da responsabilizao do fornecedor de produtos em caso de danos aos

    consumidores decorrentes do risco do desenvolvimento.

    4 A NECESSIDADE DE TUTELAR O CONSUMIDOR

    Pudemos verificar ao longo do captulo anterior que, a primeira vista, os

    argumentos que sustentam a exonerao da responsabilidade dos fabricantes em casos

    de riscos do desenvolvimento esto revestidos de fundamentos vlidos. Entretanto,

    veremos que, no entanto, estes argumentos no esto totalmente em consonncia com os

    preceitos do ordenamento jurdico. Isto porque vivenciamos um perodo em que a

    hermenutica de um sistema normativo no se demonstra to eficaz se realizada de

    forma monocular. Deve, certamente, o intrprete investir-se dos valores que o

    ordenamento jurdico, como um todo, nos fornece. 30 Enunciados aprovados na Jornada de Direito Civil Novo Cdigo Civil, STJ, no perodo de 11 a 13 de setembro de 2002, promovida pelo Centro de Estudos Judicirios do Conselho da Justia Federal - CJF, no perodo de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenao cientfica do Ministro Ruy Rosado, do STJ. Disponvel em , acesso em 21/07/2007. 31 Enunciados aprovados na Jornada de Direito Civil Novo Cdigo Civil, STJ, no perodo de 11 a 13 de setembro de 2002, promovida pelo Centro de Estudos Judicirios do Conselho da Justia Federal - CJF, no perodo de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenao cientfica do Ministro Ruy Rosado, do STJ. Disponvel em , acesso em 21/07/2007.

    4717

  • Portanto, o carter interdisciplinar do Direito implica na ineficcia da

    interpretao do Cdigo de Defesa do Consumidor caso no tenha sido realizada sob o

    norte da tbua axiolgica constitucional.

    Surge, ento, a doutrina do Direito Civil-Constitucional como elementar a

    responder estes anseios e a fornecer uma interpretao que atenda satisfatoriamente o

    esprito do ordenamento jurdico, ao buscar na prpria Constituio Federal

    fundamentos para um argumento slido.

    A Constituio, como sabido, a fonte originria de todo ordenamento, e,

    por isso, detm uma determinada hierarquia de valores e princpios que devem ser

    observados por toda a legislao infraconstitucional para conferir uma maior unidade

    hermenutica ao ordenamento.

    Passemos, ento, anlise destes valores e princpios constitucionais que

    norteiam a tarefa do intrprete a uma inevitvel tutela dos interesses do consumidor.

    Temos, inicialmente, que a Constituio Federal de 1988 garantiu

    expressamente, na seo destinada aos Direitos e Garantias Fundamentais, a tutela do

    consumidor pelo Estado, na forma da lei. Tal assertiva traduz o teor do inciso XXIII do

    artigo 5 da Constituio Federal e demonstra a inteno do legislador originrio em

    reconhecer a vulnerabilidade do consumidor, garantindo que o Estado intervenha nas

    relaes consumeristas, atravs de lei, para garantir a tutela da parte hipossuficiente.

    Outra passagem do texto Constitucional que demonstra a necessidade de

    tutela do consumidor e que, a seguir, servir de fundamento para deflagrar a fragilidade

    de alguns argumentos contra a imputao de responsabilidade do fornecedor que o

    inciso V do artigo 170 assegura a defesa do consumidor como princpio fundamental da

    ordem econmica. Tal dispositivo enriquece ainda mais a tbua constitucional de

    valores que tende, inevitavelmente, para a tutela do consumidor frente ao enorme

    poderio econmico das grandes empresas.

    Entretanto, um argumento de grande valia a favor da proteo do

    consumidor e que, inclusive, funciona como premissa para todos os demais, a

    necessidade da tutela da dignidade da pessoa humana. E justamente este princpio,

    esculpido no inciso III do artigo 1 da Constituio como substrato da Repblica

    Federativa do Brasil, que nos demonstra, ainda com mais clareza, a fragilidade dos

    argumentos que defendem a excludente de responsabilidade do fornecedor frente aos

    4718

  • riscos do desenvolvimento, pois somente atravs da efetiva defesa dos direitos do

    consumidor contra os danos por eles suportados que se atinge a concretizao do

    princpio da dignidade da pessoa humana.

    Este princpio, em conjunto com os demais contidos na Constituio, norteia

    a atividade interpretativa do aplicador do direito no sentido de proteger o consumidor

    contra qualquer tipo de dano, seja material, moral ou fsico, que eventualmente possa

    ser submetido em funo de um produto novo lanado no mercado.

    Portanto, todo argumento que se volte contra os interesses do consumidor

    estaria em manifesta coliso com todo o contedo valorativo e principiolgico da Carta

    Magna, demonstrando-se demasiadamente ineficaz a argumentar a excluso da

    responsabilidade do fornecedor em casos do risco do desenvolvimento.

    A vulnerabilidade da doutrina que defende a exonerao da obrigao do

    fornecedor de indenizar o consumidor em caso de danos decorrentes dos riscos do

    desenvolvimento no se demonstra apenas diante dos argumentos constitucionais.

    De fato, uma anlise crtica destes argumentos nos leva a concluir que a

    tutela do consumidor o caminho a ser seguido pelo legislador infraconstitucional para

    garantir a unidade que se espera do ordenamento jurdico, seno vejamos:

    De incio temos a doutrina que prega a inexistncia do vcio em casos de

    risco do desenvolvimento. Portanto, na ausncia de um dos pressupostos da

    responsabilidade civil, no deve ser atribudo ao fornecedor qualquer obrigao de

    indenizar o consumidor.

    Ousamos discordar do entendimento do autor Gustavo Tepedino no sentido

    de que inexiste o defeito por no haver a reverso da legtima expectativa do

    consumidor.

    Pois bem, o consumidor adquire um produto novo lanado no mercado

    crendo piamente em sua segurana. Se este produto nunca lhe causar prejuzos,

    logicamente no haver que se falar em defeito. Mas, no entanto, se este mesmo produto

    vier a lhe causar um dano, mesmo que posteriormente e pela evoluo do estado da

    cincia, no haver como negar que a expectativa criada quando da introduo do

    produto no mercado foi profundamente abalada. Aqui estamos diante de todos os

    requisitos previstos no conceito de defeito fornecido pelo legislador no inciso III do

    pargrafo 1 do artigo 12 do Cdigo de Defesa do Consumidor, o que configura o

    4719

  • carter defeituoso do produto no caso de risco do desenvolvimento e que, por

    conseguinte, caracteriza o dever de indenizar do fabricante.

    Entretanto, acolhemos as doutrinas que pregam a inexistncia de defeito de

    informao, de concepo ou de produo. Inexiste defeito de informao, pois no h

    como obrigar o fabricante a informar o impossvel, j que no h meios cientficos de se

    descobrir o que se espera que fosse informado. Tambm inexiste defeito de concepo,

    pois no se trata de um defeito decorrente de falha na frmula ou no projeto, pois o

    produto apresenta todas as caractersticas do projeto inicial, mesmo motivo de no haver

    o defeito de fabricao.

    Acreditamos em uma nova categoria de defeitos que se configuram pelo

    simples fato de lesarem a legtima expectativa do consumidor. Trata-se de uma situao

    jurdica nova e que ainda no foi positivada pelo legislador, o que no impede que uma

    interpretao, nos moldes acima narrados, impliquem na responsabilizao do

    fornecedor.

    Outros doutrinadores, acreditando na existncia do defeito, afirmam que no

    h como repartir entre fornecedores e consumidores um risco que se desconhece e que,

    devido a isso, no deve ser responsabilizado quem introduziu o produto no mercado. A

    imprevisibilidade da ocorrncia do dano impede que o fornecedor evite ou diminua os

    seus prejuzos, arcando sozinho com os nus.

    Entretanto, vale lembrar que uma das caractersticas do defeito de concepo

    a inevitabilidade e a dificuldade de previso estatstica32 o que, no entanto, no

    impediu o legislador de imputar a responsabilidade objetiva ao fabricante.

    Ainda nesse mesmo sentido, recordamos tambm que esto disposio dos

    fornecedores os mesmos mecanismos utilizados para amenizar as perdas decorrentes

    dos vcios de concepo, quais sejam: a contratao de seguros, a diluio de uma

    eventual condenao no preo dos demais produtos, entre outros que permitam a

    distribuio eqitativa dos riscos do desenvolvimento ente as partes da relao de

    consumo e que impeam que toda a carga seja jogada sobre as costas do consumidor

    vulnervel.

    Tambm esto revestidos de vulnerabilidade os argumentos de que a

    responsabilizao do fornecedor desencorajaria a pesquisa e a comercializao de novos

    32 CALIXTO, Marcelo Junqueira. Op. cit. p. 142.

    4720

  • produtos. Trata-se de um argumento de carter poltico e econmico que no deve

    prevalecer sobre a proteo constitucional garantida ao consumidor. Acreditamos que a

    responsabilizao iria, ao contrrio, ajudar na preveno do dano, uma vez que o

    fabricante acentuaria cada vez mais o investimento em novas tecnologias a fim de evitar

    a incidncia da responsabilidade futuramente. Alm disso, para evitar ou diminuir os

    danos, o fabricante continuaria a pesquisa sobre o produto mesmo aps o seu

    lanamento no mercado. Eximir o fornecedor de uma eventual responsabilidade em

    caso de riscos do desenvolvimento seria financiar o desenvolvimento cientfico e

    tecnolgico custa do consumidor, transformando-o em verdadeira cobaia.

    Ainda mais frgil se demonstra a idia da criao de um fundo especial para

    indenizar as vtimas de um dano derivado do risco do desenvolvimento. Tal prtica

    tambm desincentivaria a continuao da pesquisa aps o lanamento do produto no

    mercado, pois no incutiria no fabricante a preocupao de um prejuzo de grande

    monta j que bastaria que estivesse de forma regular com o fundo para que este arcasse

    com as despesas com indenizaes pelos danos. A idia de um fundo especial ainda

    deixa algumas dvidas, tais como: A indenizao seria padronizada para cada

    consumidor lesado que solicitasse a indenizao ou seria analisado caso a caso? Se

    inmeros consumidores forem lesados e o fundo no tiver como financiar a indenizao

    de todos? Neste ltimo caso, o total seria dividido pro rata?

    So questes que quem defende a teoria da implementao do fundo especial

    ainda no respondeu satisfatoriamente e que podem levar a situaes injustas, como no

    caso de o mencionado fundo no possuir saldo suficiente para arcar com todas as

    indenizaes pleiteadas. Neste caso, dividir o total proporcionalmente acarretaria em

    um benefcio demasiadamente alto para o consumidor que sofreu um dano inferior e um

    prejuzo ainda maior para aquele que suportou danos mais graves.

    A implementao de um prazo, assim como o de dez anos previstos pela

    Diretiva CEE 374/85 e sugerido por Marcelo Junqueira Calixto, tambm poderia

    provocar situaes de extrema injustia, pois com o esgotamento do prazo, esgotaria,

    por conseguinte, a responsabilidade do fabricante, mas no o risco por ele mesmo

    criado. A situao se demonstra ainda mais complicada se, em hiptese, o produto

    somente vier a causar danos aps os dez anos previstos.

    Para que o fornecedor no fique eternamente responsabilizado, bastaria a

    4721

  • implementao de um prazo mais curto, mas que, no entanto, fosse decorrente da

    desdia do consumidor em procurar os seus direitos. O termo de incio de tal prazo seria

    a partir do conhecimento do consumidor de que est sofrendo o dano decorrente daquele

    determinado produto colocado no mercado. Portanto, no bastaria que o consumidor

    estivesse sentindo os efeitos do dano a que fora acometido, seria necessrio que tivesse

    o conhecimento do dano, da causa do dano e do nexo de causalidade entre esta mesma

    causa e o dano. Uma difuso macia da potncia danosa do produto e a sua conseqente

    retirada do mercado poderiam ser medidas a serem consideradas pelo legislador para o

    incio do clculo do prazo, caso venha a ser implementado nestes moldes.

    Como pudemos verificar, os principais argumentos contra a

    responsabilizao do fornecedor nos casos de risco do desenvolvimento cedem diante

    de outras teses, principalmente as fundamentadas na Carta Magna, o que demonstra a

    necessidade de uma efetiva tutela do consumidor, seja atravs da atuao do aplicador

    do direito ou por intermdio da tarefa do legislador.

    CONSIDERAES FINAIS

    Como pudemos verificar ao longo da abordagem, a hiptese dos riscos do

    desenvolvimento ainda produz inmeras divergncias no mundo acadmico e

    legislativo.

    Uma parte da doutrina entende que o fornecedor no deve ser

    responsabilizado pelos danos causados ao consumidor por um produto introduzido no

    mercado e que, posteriormente, o desenvolvimento cientfico e tecnolgico permitiu

    descobrir a capacidade danosa deste mesmo produto.

    Tais argumentos variam desde a inexistncia do defeito, por no existir

    quebra da legtima expectativa do consumidor, at a excluso da responsabilidade por

    motivos poltico-econmicos.

    Outra parte da corrente doutrinria defende a responsabilizao do

    fornecedor pela efetiva existncia de um defeito e que, certamente, quebra a legtima

    expectativa criada no consumidor.

    Analisamos os principais argumentos de cada uma das doutrinas e

    verificamos que ambos os argumentos, a princpio, so dotados de uma certa

    plausibilidade.

    4722

  • Entretanto, esta dificuldade de se aferir qual das posies atende melhor aos

    anseios da sociedade e do ordenamento jurdico comea a perder o seu sentido a partir

    do momento em que submetemos o assunto a uma interpretao com base na

    perspectiva civil-constitucional.

    A Constituio traz normas de alto contedo axiolgico, elevando o ser

    humano ao pice do ordenamento, e que devem ser absorvidas pelas codificaes

    infraconstitucionais em cada caso concreto, determinando que o Estado atue

    efetivamente para promover a defesa do consumidor. Tambm trouxe expressamente o

    Princpio da Defesa do Consumidor como norte para o desenvolvimento da ordem

    econmica.

    Tais passagens, por si s, bastariam para balizar a atuao do aplicador do

    Direito rumo defesa do consumidor em casos do risco do desenvolvimento.

    Entretanto, a Constituio Federal ainda traz o Princpio da Dignidade da

    Pessoa Humana como objetivo ltimo a ser perseguido. E, como vimos, s possvel a

    concretizao deste princpio com a tutela dos direitos do consumidor.

    Isto demonstra que o desenvolvimento cientfico, tecnolgico e econmico

    no deve prevalecer sobre a tutela do consumidor, por estar em confronto direto com a

    Norma Maior.

    Verificamos tambm que os argumentos da doutrina que defende a no

    responsabilizao do fornecedor apresenta pontos vulnerveis, que do azo uma

    imperativa defesa do consumidor.

    De fato, no h como negar o carter defeituoso do produto, posto que tal

    bem vem causar um dano ao consumidor quebrando a legtima expectativa criada.

    Tambm no se pode aceitar que o desenvolvimento cientfico ocorra custa do

    consumidor, devendo os riscos serem transferidos ao fabricante que os criou,

    conferindo, assim, a eqidade entre as partes da relao de consumo.

    No obstante, temos que o setor industrial dotado de alta maleabilidade

    para se adaptar a situaes novas, assim como se adaptou quando da introduo no

    ordenamento da responsabilidade objetiva. Ao contrrio, o consumidor vulnervel no

    pode ficar a merc de experincias cientficas, suportando toda a carga de riscos

    criada. Portanto, a imputao da responsabilidade ao fornecedor de produtos e servios

    em caso de riscos do desenvolvimento se torna medida necessria diante de toda a

    4723

  • argumentao despendida.

    No Brasil a questo dos riscos do desenvolvimento ainda no se encontra

    positivada, aumentando ainda mais as divergncias doutrinrias na esfera acadmica.

    Portanto, torna-se imperativo a atuao do legislador infraconstitucional para

    regulamentar a matria no sentido de resguardar a tutela do consumidor, a fim de

    garantir concretizao aos princpios constitucionais que pairam neste sentido.

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