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Recebido em 01 de setembro de 2013 Aprovado em 07 de dezembro de 2014
UMA HISTÓRIA SOCIAL DE UBERABA (MG)
A SOCIAL HISTORY OF UBERABA (MG)
André Azevedo da Fonseca*
RESUMO: O artigo efetua uma revisão bibliográfica de teses e dissertações recentes
que analisaram a História de Uberaba, cidade localizada no Oeste de Minas Gerais.
O objetivo é sistematizar os resultados dessas pesquisas para compreender
questões como as práticas de violência empregadas pelas elites em nome da
civilização; as contradições do coronelismo na região; os procedimentos de
violência simbólica das elites agrárias; as estratégias de coerção social, preconceito
e xenofobia empregadas nessa sociedade; assim como as lutas contra-hegemônicas
travadas por novos atores do período de renascimento urbano dos anos 1930/40.
Com isso, pretendemos oferecer subsídios para pesquisas interessadas em estudar
as tensões, as representações e os antagonismos que constituem a história da
sociedade de Uberaba, do Oeste de Minas Gerais e da região central do país, sob a
ótica da História Cultural e Social
PALAVRAS-CHAVE: Uberaba; Minas Gerais; Coronelismo; Mandonismo; História
social.
ABSTRACT: This paper makes a literature review of recent theses and dissertations
that examined the history of Uberaba, a city located in western Minas Gerais. The
purpose is to systematize the results of these researches to understand the
practice of violence employed by the elites in the name of civilization, the
contradictions of colonelism in the region, the procedures of symbolic violence of
* Doutor em História pela Unesp e pós-doutor pelo Programa Avançado de Cultura Contemporânea
(PACC/UFRJ). Professor adjunto no Centro de Educação, Comunicação e Artes (CECA) da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
DOI: 10.5216/hr.v19i1.30523
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the agrarian elites, the strategies of social coercion, prejudice and xenophobia
employed in this society, as well as counter-hegemonic struggles waged by new
actors in the urban renaissance period of the years 1930/40. We intend to
encourage projects in the fields of social and cultural history interested in studying
the social tensions, the antagonisms and the representations that constitute the
history of the society of Uberaba and, indirectly, of the West of Minas Gerais and
center of the country.
KEYWORDS: Uberaba, Minas Gerais, Colonelism, Mandonismo, Social History
INTRODUÇÃO
Nos recorrentes artigos historiográficos, memorialísticos,
jornalísticos ou literários que procuram discutir, registrar, difundir ou
celebrar uma “história oficial” de Uberaba (MG), é comum observar que, a
despeito da relevante produção acadêmica realizada sobretudo nos
programas de pós-graduação da UFU e da Unesp/Franca nos últimos anos,
parte significativa daqueles textos ainda se baseiam fundamentalmente nas
obras de três memorialistas editados pela Academia de Letras do Triângulo
Mineiro nos anos 1970, consagrados pelas gerações anteriores de
pesquisadores. Assim, por tradição intelectual, quando se fala em História
de Uberaba, Sampaio (1971), Mendonça (1974) e Pontes (1978) são
apresentados como referências indispensáveis – ou mesmo suficientes –
para a reconstituição dessa história. Tendo em vista que Uberaba é uma das
mais antigas cidades do Triângulo Mineiro, além de ter sido a principal
cidade do Oeste mineiro até meados do século XX, servindo como uma
espécie de rota de passagem obrigatória para desbravadores de Goiás e
Mato Grosso, o estudo da história da cidade se mostra relevante para a
compreensão histórica de uma vasta região do chamado Brasil Central.
Sem negar a contribuição dos memorialistas e, ao contrário,
reconhecendo a importância daquelas edições para a historiografia de
Uberaba e do Triângulo Mineiro, procuraremos, nesse artigo, contribuir
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para levantar outras questões da história social de Uberaba recorrendo aos
debates propostos por uma série de trabalhos acadêmicos produzidos
recentemente. Nosso objetivo é fomentar a discussão sobre temas tais
como as práticas de violência empregadas em nome da civilização; a
ocupação das terras pelas famílias fundadoras; o apogeu e declínio
econômico de Uberaba; as dimensões sociais e contradições do
coronelismo na cidade; as origens da cultura de exibição da opulência das
elites agrárias; as práticas de coerção social, preconceito e xenofobia
empregadas nessa sociedade; e as lutas contra-hegemônicas travadas pelos
novos atores do período de renascimento urbano contra a cultura política
dos fazendeiros tradicionais. Assim, esperamos contribuir para o
desenvolvimento de trabalhos de História Cultural e Social que se
preocupem em abordar as tensões normalmente evitadas pela
memorialística oficial.
VIOLÊNCIA E CIVILIZAÇÃO
No início do século XVIII, a região atualmente conhecida como
Triângulo Mineiro era um sertão inóspito, repleto de quilombos e de
agrupamentos de índios Caiapós. Mas as descobertas de jazidas auríferas
no Oeste mineiro e em Goiás provocaram uma verdadeira política de
extermínio desses povos. Como mostra Lourenço (2005) – um geógrafo
que, utilizando um conjunto significativo de fontes primárias contribuiu
decisivamente para redefinir a história da ocupação regional – a guerra
contra os quilombolas tornou-se uma das prioridades do governo de Minas
entre 1746 e 1769, quando Ignácio Correia Pamplona destruiu os últimos
quilombos importantes da região. O governo da capitania de Goiás, por sua
vez, para garantir o tráfego entre São Paulo e Goiás pelo caminho do
Anhanguera, contratou o sertanista Antônio Pires de Campos, o moço, que
em 1749 efetuou uma violenta campanha de extermínio e apresamento,
até expulsar os índios do trecho da estrada entre os rios Paranaíba e
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Grande – precisamente naquela região que, entre o final do século XVIII e
início do XIX, passaria a ser denominada Sertão da Farinha Podre.
Com o desaparecimento dos índios e dos quilombolas, criaram-
se condições para o estabelecimento de povoados que passaram a girar em
torno da exploração do ouro. Por volta de 1760, em torno das jazidas do rio
das Velhas, fronteira entre as capitanias e São Paulo, Minas Gerais e Goiás,
formou-se o arraial de Nossa Senhora do Desterro do Desemboque, que
logo se tornou um movimentado núcleo de exploração aurífera. É muito
provável que a prosperidade do povoado tenha sido conseqüência de sua
transformação em centro de contrabando de ouro, o que provocou sérios
conflitos entre as capitanias de Minas e Goiás. Ficaram famosas nessa
época as peripécias do padre Marcos Freire e de seu vigário, Félix Soares,
notórios contrabandistas que abriam picadas clandestinas para burlar a
fiscalização do governo mineiro (LOURENÇO, 2005, p. 115).
Quando o centro minerador do arraial do Desemboque entrou
em decadência, muitos habitantes foram forçados a explorar novas terras a
Oeste. Nessa leva migratória, o sertanista José Francisco de Azevedo e
outros homens fundaram um núcleo populacional às margens do Ribeirão
do Lajeado, que ficou conhecido como Arraial da Farinha Podre. (SAMPAIO,
1971, p. 124). O sargento-mor Antônio Eustáquio Silva Oliveira, que em
1809 fora nomeado regente dos Sertões da Farinha Podre e curador dos
índios pelo governo de Goiás, organizou uma entrada, alcançou o Ribeirão
da Prata e espoliou definitivamente a terra dos Caiapós. Em 1811 uma
segunda bandeira assegurou as posses em outra região, próxima ao córrego
das Lajes. Os habitantes do arraial e uma leva de emigrantes da região
central da província de Minas Gerais – os chamados geralistas – logo se
transferiram para as imediações do retiro do prestigiado Antônio Eustáquio
e rapidamente a povoação assumiu proporções consideráveis: em 1820 foi
elevada à condição de freguesia, em 1836 tornou-se vila e em 1856
alcançou o status de cidade (SAMPAIO, 1971, p. 46). Segundo Lourenço, a
nomeação de Antônio Eustáquio como curador dos índios selou o destino
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dos Caiapós: na segunda metade do século XIX, já não havia registros de
indígenas no Sertão da Farinha Podre. (LOURENÇO, 2005, p. 73).
Devido à sua localização geográfica, assim como às boas terras
e pastagens, tendo em vista o esgotamento do solo nas regiões de extração
de outro, houve uma verdadeira corrida por sesmarias na região. Como
observa Rezende (1983), as terras eram quase sempre doadas ou vendidas
por um preço irrisório e não eram oneradas com impostos. Sampaio (1971,
p. 124) menciona que algumas dessas posses foram vendidas a troco de um
casal de leitões. Isso fez com que alguns poucos patriarcas de prestígio se
tornassem proprietários de fazendas muito extensas, firmando assim um
domínio territorial através de clãs familiares. A ascendência da pecuária
consolidou o poder dos fazendeiros que, mais tarde, monopolizariam
também as atividades comerciais. Dessa forma, a população acabou por
dedicar-se à atividade pastoril e à agricultura de subsistência. “Foi a
pecuária e não a agricultura que surgiu como primeira opção econômica da
região e foi a responsável pela configuração dos traços que marcaram a
sociedade e a cultura que então se formaram.” (REZENDE, 1983, p. 26).
A cultura de subsistência indica que a produção agrícola não
tinha valor econômico, principalmente porque não existiam condições de
escoamento, tendo em vista a precariedade das vias de transporte. Mas o
crescimento populacional e a projeção da cidade como entreposto de
comércio de gado fez com que Uberaba se tornasse passagem obrigatória
de mercadores e se destacasse como centro abastecedor das regiões
compreendidas pelo Triângulo Mineiro e as fronteiras de Goiás e Mato
Grosso. Em pouco tempo, essa dinâmica forçou os fazendeiros a se
preocupar com a instalação de vias de transporte. Deste modo, com a
inauguração de algumas estradas e rotas fluviais ligando Uberaba ao
interior paulista, goiano e mato-grossense, a economia da cidade se
desenvolveu substancialmente.
Na medida em que a pecuária se expandia, o sal, empregado
tanto na ração como na conservação da carne, tornou-se uma mercadoria
bastante procurada. Naquele período, negociantes mineiros traziam sal e
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ferro do Rio de Janeiro e compravam couro, algodão e gado na região.
Simultaneamente, com a expansão do café no Oeste paulista na década de
1840, tornava-se necessário solucionar a questão do transporte até o Porto
de Santos. No contexto dessas necessidades foram estabelecidas vias de
acesso partindo da província de São Paulo rumo ao rio Grande, na fronteira
com o Triângulo. Com essas novas vias, o sal e outros gêneros importados
pelos portos fluminenses e pelo Porto de Santos passaram a chegar em
Uberaba por preços mais baixos do que aqueles praticados pelos mineiros,
fortalecendo com isso a ligação da cidade com os paulistas.
APOGEU E DECLÍNIO ECONÔMICO DE UBERABA
Uberaba acabou por se tornar um movimentado mercado
salineiro no interior. Em meados do século XIX a região de Rio Verde, na
província de Goiás, destacou-se na criação de gado e estabeleceu um forte
intercâmbio econômico com os uberabenses. Comerciantes goianos e
mato-grossenses também começaram a abastecer-se de sal e de outros
produtos manufaturados na cidade (REZENDE, 1983, p. 32). Contudo, a
partir de 1858, diversos fatores viriam a enfraquecer a economia local. Os
goianos abriram uma nova rota comercial pelo rio Araguaia, a exploração
de ouro na região de Bagagem atraiu as famílias uberabenses, a elevação
do custo do sal no Porto de Santos desestimulou a pecuária e a navegação
pelo Rio Paraguai estabeleceu uma ligação direta entre o interior paulista e
o Mato Grosso, tirando Uberaba da rota. Para Rezende, essa estagnação do
comércio pode ser explicada pelas próprias características da economia
uberabense, inserida em uma região dependente, que teve sua
modernização ameaçada quando se alteraram as condições que favoreciam
seu desenvolvimento.
Contudo, a circunstância que contribuiria para a recuperação
da cidade estava prestes a explodir: trata-se da Guerra do Paraguai (1865-
1870). Com as movimentações das tropas, Uberaba transformou-se em
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ponto de passagem obrigatório rumo ao Mato Grosso. Já em 1865, o
município chegou a aquartelar um Corpo Expedicionário enviado para
invadir aquele país ao norte, na Expedição da Laguna. Como a navegação no
Rio Paraguai havia sido obstruída, a cidade voltou servir de entroncamento
na rota comercial entre São Paulo e Mato Grosso, tornando-se também a
principal ligação entre a Corte e as províncias centrais. “A partir da Guerra
do Paraguai, Uberaba passou a ser um verdadeiro centro urbano comercial,
embora sua aparência ainda permanecesse provinciana e o município
mantivesse traços eminentemente rurais.” (REZENDE, 1983, p. 50).
A expansão da cafeicultura pelo Oeste paulista atraiu
imigrantes, favoreceu uma economia de salários em dinheiro, financiou a
industrialização e estimulou a urbanização naquela região. Essa circulação
econômica implicou na necessidade de um investimento pesado em infra-
estrutura de transportes. Conseqüentemente, a construção de uma rede
ferroviária para realizar o escoamento da produção cafeeira tornou-se
fundamental. Dentre as ferrovias brasileiras, a Cia Paulista de Estrada de
Ferro e a Cia de Estrada de Ferro Mojiana – ambas construídas em função
dos interesses do café – desempenharam papel importante na vida
econômica do país. Enquanto a primeira atendia o interior paulista, a
segunda buscava alcançar Goiás e Mato Grosso para ligá-las a São Paulo ao
Rio de Janeiro. Autorizada em 1872, a Mojiana em pouco tempo alcançaria
diversas cidades do interior: Casa Branca (1875), São Simão (1880), Ribeirão
Preto (1883), Franca (1887), Jaguara (1888) e Uberaba (1889).
Historiadores e memorialistas regionais são unânimes ao
afirmar que a chegada da Mojiana em Uberaba levou o município ao
apogeu comercial. A ferrovia permitiu que os fazendeiros transferissem
suas residências para a cidade, que logo se tornaria o ponto das decisões
políticas do município. A Mojiana trouxe ainda o telégrafo, barateou os
fretes e desencadeou um significativo processo modernizador, expresso em
um conjunto de melhoramentos urbanos, tais como hotéis, teatros, cafés,
restaurantes, além de jardins, sistemas de calçamento e iluminação pública.
Evidentemente, tratava-se de melhorias bem localizadas, pois fora do
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núcleo urbano a população sertaneja continuava submetida às mesmas
condições de vida.
Como se tratava de uma empresa paulista, a ferrovia também
reforçou as relações de dependência do Triângulo em relação a São Paulo e,
conseqüentemente, afrouxou ainda mais as ligações com a capital mineira.
Além do desenvolvimento comercial, a estrada de ferro contribuiu para um
considerável incremento populacional, reforçado por uma importante
emigração de estrangeiros, principalmente italianos.
Mas não era interessante, para os objetivos dos cafeicultores,
que a ferrovia terminasse em Uberaba: era necessário prosseguir a “marcha
capitalista” – até porque, como mostra Lourenço, havia subsídios
interessantes para a expansão. Assim, em dezembro de 1895 a Mojiana
estenderia seus trilhos a Uberabinha e, no ano seguinte, chegaria a
Araguari. A partir daí, Uberaba perderia o status de terminal de estrada de
ferro e viu sua economia fortemente abalada, pois Goiás e Mato Grosso
passaram a negociar diretamente com essas duas novas praças. A crise
atingiu o comércio, provocou a decadência de diversas profissões e fez com
que um novo discurso passasse a conclamar a necessidade de a população
voltar-se à lavoura e à indústria. Por fim, em um derradeiro golpe à
economia local, em 1911 foi inaugurada a Estrada de Ferro Noroeste do
Brasil, ligando Bauru a Corumbá, afastando Uberaba definitivamente da
movimentada rota comercial entre São Paulo e Mato Grosso. Para Rezende,
essa foi uma fase de transição, característica do sistema capitalista. “As
regiões dependentes têm sua economia desarticulada quando há mudanças
nas bases que propiciaram o seu desenvolvimento.” (REZENDE, 1983, p. 69).
No entanto, desde 1888 alguns fazendeiros estabeleciam
contatos comerciais com a Índia em busca de melhoramento do gado
crioulo. Dessa maneira, passaram a importar o gado Zebu e, em pouco
tempo, fizeram da cidade uma referência em bovinocultura. No contexto da
decadência do comércio, a pecuária ganhou espaço e consolidou-se
sobretudo a partir de 1906, quando foi realizada a primeira exposição de
gado Zebu na região. “Daí por diante Uberaba caracterizou-se por uma
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atividade predominantemente pastoril em detrimento da atividade
comercial-urbana.” (REZENDE, 1983, p. 71) A economia urbana deixou de
ser importante e a fazenda passou a centralizar os interesses das camadas
dirigentes. As elites rurais faziam compras nos grandes centros paulistas e
cariocas; e a economia da cidade restringiu-se ao abastecimento de
produtos básicos e de primeira necessidade. “A criação do gado Zebu
promoveu uma elevação da vida econômica do município mas trouxe
consigo reflexos negativos no tocante a vida social, se se atentar para o fato
de que o surto de urbanização declinou e a vida cultural se empobreceu.”
(REZENDE, 1983, p.72)
Rezende observa que a pecuária liderou em caráter quase
absoluto a vida socioeconômica da cidade, anulando as características
deixadas pela atividade comercial, de forma que entre 1910 e 1930
Uberaba deixou de ser um centro urbano relevante. O processo de
modernização foi interrompido e a cidade se fechou em torno dos valores
decorrentes de uma vida voltada para as atividades rurais.
É possível se afirmar que esta sociedade freou o ritmo modernizador implantado pela atividade comercial do período anterior. Isto pode ser observado pelo pouco dinamismo verificado no próprio crescimento físico da estrutura urbana da cidade bem como no decréscimo de suas atividades culturais e políticas. (REZENDE, 1983, p. 88).
Dessa maneira, Uberaba virou um decadente núcleo urbano
ilhado por formidáveis pastagens de gado.
O CORONELISMO EM UBERABA
No período da Guerra do Paraguai, os representantes de
Uberaba da Guarda Nacional haviam incentivado o alistamento militar de
forma exaltada e patriótica, conclamando a população em termos
fervorosos. Dessa forma, a cidade acabou participando da guerra com 40
jovens adultos designados pela guarda local, além de 32 voluntários.
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(REZENDE, 1983, p. 52). A presença deste conflito na cultura política da
cidade é tão importante que, mais tarde, a figura do voluntário de guerra
seria incorporada oficialmente no escudo do município. Com isto, notamos
que um dos elementos que mais caracterizam a imaginação da sociedade
de Uberaba a partir dessa época é a grande força concreta e simbólica dos
coronéis.
Na segunda metade do século XIX, período em que o Império
já havia organizado a polícia e alcançado notável grau de centralização, a
Guarda Nacional se enfraqueceria e não tardaria a se tornar
“predominantemente e, depois, meramente honorífica e decorativa”.
(LEAL, 1978, p. 215). Como observou Rezende, era comum encontrar o
criador de gado mais poderoso com uma patente de coronel, o principal
comerciante da cidade com a de tenente-coronel, o funcionário público
com a de major, o dono da loja com a de capitão e o dono do hotel com a
de tenente. Assim, a instrumentalização do prestígio conferido pela
concessão dos títulos se constituiria em um procedimento largamente
utilizado para cooptar os chefes locais.
Baczko (1985) nos ensina a reconhecer as funções múltiplas e
complexas do imaginário na vida coletiva – sobretudo no exercício do
poder. O domínio do simbólico deve ser visto como um espaço estratégico
de qualquer força política, pois as imagens de caráter mobilizador são
condições fundamentais da própria atuação das forças. Símbolos e
representações modelam comportamentos, guiam ações, canalizam
energias e, em última instância, legitimam violências. Como explica Baczko:
Exercer um poder simbólico não consiste meramente em acrescentar o ilusório a uma potência ‘real’, mas sim em duplicar e reforçar a dominação efetiva pela apropriação dos símbolos e garantir a obediência pela conjugação das relações de sentido e poderio. (BACZKO, 1985, p. 298).
O status social advindo de um posto na Guarda Nacional,
portanto, conferia aos fazendeiros uma poderosa marca de distinção, de
forma que, por muitas décadas, eles acabaram sendo admitidos no
imaginário de Uberaba como os verdadeiros donos da cidade. Para isso,
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além da violência física, esses líderes se apropriaram de toda uma
simbologia para legitimar seu poder.
A historiografia mostra que, na Primeira República, ocorreu
uma transformação substancial no papel do “coronel” no sistema político
brasileiro. Como mostra o clássico estudo de Leal (1978), o coronelismo foi
um momento na história do país no qual o regime de base representativa
coexistiu com os resíduos do poder privado dos proprietários de terra. Por
isso, o sistema coronelista configurou-se em termos de um “compromisso”,
de uma “troca de proveitos” entre o poder público e as oligarquias que
chefiavam a sociedade no interior.
Naquela atrasada cidade que no início do século XX sofria um
período de forte decadência comercial, não havia, naturalmente, uma
classe média numerosa. Na verdade, a maior parte da população se
constituía em uma massa de roceiros empobrecidos. Neste contexto, os
trabalhadores rurais – em geral, completamente analfabetos – costumavam
ver o patrão como um benfeitor. Era o fazendeiro quem concedia ao
matuto um espaço de terra para o plantio de auto-subsistência, quem
arrumava remédios, quem protegia das arbitrariedades da polícia e, quando
era o caso, quem intermediava junto às autoridades administrativas e
judiciais (LEAL, 1978, p.25). Além disso, tendo em vista a precariedade do
poder público nas municipalidades, os coronéis costumavam exercer, ainda
que extra-oficialmente, grande número de funções do Estado. Deste modo,
criava-se uma relação informal de aliciamento, baseada no favor e na
dádiva, de forma a enraizar no trabalhador rural uma dependência vitalícia
ao proprietário de terras através de vínculos de gratidão, estima e lealdade.
Ou seja, os empregados se sentiam moralmente comprometidos a
corresponder à consideração do coronel com uma ilimitada subserviência.
Essa relação patriarcal marcou profundamente a estrutura
política do interior brasileiro. E evidentemente, argumenta Leal, o
paternalismo não está dissociado de seu contrário: “negar pão e água ao
adversário”. Em outras palavras, para amedrontar os rivais, os chefes locais
não costumavam demonstrar qualquer cerimônia em recorrer à
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arbitrariedade e à violência. Aliás, essa relação de truculência com os
antagonistas e de proteção aos agregados era expressa em um dito muito
popular da época: “para os amigos pão, para os inimigos pau.” (LEAL, 1978,
p. 39).
Naquele tempo que Pontes (1978) chama de “domínio do
bacamarte”, era comum, por exemplo, que os coronéis uberabenses
mandassem espancar partidários opostos, inventassem crimes para
processar e prender juízes de paz, ordenassem o empastelamento de
jornais e liberassem seus jagunços para tumultuar as mesas de apuração.
Nem mesmo grandes figurões da vida partidária estavam imunes à
violência. Um célebre liberal da cidade, Borges Sampaio, foi espancado em
sua própria residência pelos grupos opositores. Em outra circunstância,
conservadores da família Borges de Araújo reuniram um bando de capangas
que, aos berros, arrombaram todas as portas e janelas do pavimento térreo
e crivaram de balas as paredes da casa do coronel liberal (PONTES, 1978, p.
128). Noutra ocasião, Padre Zeferino, também liberal, foi processado, preso
e humilhado pelos conservadores. Em um episódio famoso no folclore
político local, conta-se que um adversário urinou na cabeça do padre por
um orifício no soalho do pavimento superior da cadeia (PONTES, 1978, p.
101).
Nos períodos eleitorais as arbitrariedades dos coronéis e do
próprio poder público se expressavam com máxima desenvoltura. Para
vencer as eleições, as agremiações situacionistas simplesmente impediam,
pela força, que os eleitores do partido concorrente fossem votar.
Consequentemente, as eventuais alternâncias de poder faziam com que o
situacionista da vez empreendesse violentas campanhas de perseguição e
vingança ao inimigo. Essas práticas remontavam á política do império. Nas
eleições de 1863, por exemplo, o governo mineiro mandou a Uberaba mais
de duzentos homens armados de trabucos e bacamartes para afugentar os
eleitores do Partido Conservador (PONTES, 1978, p. 106). Em outra ocasião,
trezentos homens armados liderados pelo delegado de polícia impediram
que os liberais entrassem no Paço Municipal para votar (PONTES, 1978, p.
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123). Os exemplos são inúmeros e não deixam de ser registrados até
mesmo pelos pesquisadores mais ufanistas. Na República, quando foram
criadas as seções rurais, o domínio dos coronéis chegou ao auge. As mesas
eram instaladas dentro da casa – às vezes no próprio quarto do fazendeiro.
Evidentemente, só entrava para votar os eleitores simpáticos ao partido do
governo. Era comum aparecer dúzias de indivíduos portando títulos de
outras pessoas – o chamado eleitor “fósforo” (PONTES, 1978, p. 142). Não
havia limites para as fraudes eleitorais.
Como essa estrutura agrária levava o homem rural a uma
dependência praticamente absoluta do fazendeiro, o contato do governo
com essa população, de fato, só tinha condições de ser estabelecido
mediante a intermediação do coronel. Dessa forma, estabeleceu-se esse
pacto de reciprocidade, no qual as oligarquias regionais apoiavam o
governador em troca de certas condições bem objetivas do controle da vida
local. Em outras palavras, o coronel garantia a vitória eleitoral e o governo
cedia o controle de cargos públicos no município.
Contudo, como vimos, a votação não valia muito na época. O
resultado oficial podia mesmo inverter o resultado das atas de votação.
(NICOLAU, 2004, p. 34). Mas como observa Carvalho, se os governadores
podiam prescindir da colaboração dos coronéis tomados individualmente,
não era recomendável afrontá-los em conjunto.
As manipulações dos resultados eleitorais sempre beneficiavam um grupo em detrimento do outro e tinham um custo político. Se entravam em conflito com um número significativo de coronéis, os governadores se viam em posição difícil, se não insustentável. (CARVALHO, 1997).
A estabilidade do sistema exigia um acordo entre as partes.
O apoio do governo se materializava, acima de tudo, na
entrega dos cargos públicos aos coronéis – fator imprescindível para que as
oligarquias locais mantivessem o comando. Ao controlar o juiz de paz, o
delegado e o coletor de impostos, por exemplo, o coronel garantia não
apenas a sustentação do poder, mas também os seus interesses
econômicos. Por meio da ação – ou da inação – destes funcionários,
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impostos deixavam de ser cobrados, adversários sofriam perseguições,
agregados eram protegidos e empregados podiam se tornar vítimas de
inapeláveis abusos de autoridade. (CARVALHO, 1997). Em Uberaba, por
exemplo, os simpatizantes do partido de oposição não conseguiam nem
mesmo retirar certidões na Câmara (PONTES, 1978, p. 174).
No entanto, segundo Leal (1978), não era raro que o coronel
demonstrasse certo zelo pelo progresso do município, chegando a
empenhar-se duramente, às vezes tirando recursos do próprio bolso, para
obter melhoramentos para a sua circunscrição. “A escola, a estrada, o
correio, o telégrafo, a ferrovia, a igreja, o posto de saúde, o hospital, o
clube, o campo de foot-ball, a linha de tiro, a luz elétrica, a rede de esgotos,
a água encanada –, tudo exige o seu esforço, às vezes um penoso esforço
que chega ao heroísmo.” (LEAL, 1978, p. 37). Era com essas realizações que
o chefe municipal conservava seu prestígio. Mas sem o auxílio financeiro do
Estado, prossegue Leal, “dificilmente poderiam empreender as obras mais
necessárias, como estradas, pontes, escolas, hospitais, água, esgotos,
energia elétrica.” Essa dependência dos coronéis em relação ao governo do
estado indica a decadência das oligarquias municipais, que se mostravam
enfraquecidas para exercer o mando em sua comunidade e, por isso,
precisavam abrir mão da autonomia em nome dos interesses da política
estadual.
Neste ponto residem as contradições do sistema coronelista
em Uberaba. Em primeiro lugar, como vimos, diversos fatores fizeram com
que a região do Triângulo Mineiro deixasse Minas de lado para estabelecer
relações com São Paulo e Goiás. A distância da capital mineira, agravada
pelas estradas precárias, comprometia a presença efetiva do Estado na
região. Segundo Pontes, nas primeiras décadas do século XX eram
necessários quatro dias de viagem para chegar a Belo Horizonte (PONTES,
1978, p. 149).
No Império, os coronéis de Uberaba em diversas ocasiões
entravam em choque com a província e por várias vezes ameaçavam
organizar movimentos para lutar pela anexação da região a São Paulo
211
André Azevedo da Fonseca. UMA HISTÓRIA SOCIAL DE UBERABA (MG)
(PONTES, 1978, p. 112). Na República, os chefes do executivo reclamavam
permanentemente da dificuldade em conseguir recursos para o município.
Quando a administração precisava de empréstimos, era comum que as
lideranças fossem buscar em São Paulo, e não na capital mineira. A extrema
instabilidade dos partidos locais – que com frequência desconcertante se
uniam, se dissolviam, invertiam orientações, se reorganizavam e logo se
dividiam em facções ou se transformavam em duas agremiações
antagonistas com o mesmo nome – inviabilizou qualquer relacionamento
estável com o governo, que não tinha como firmar arranjos permanentes
com qualquer grupo dominante. E ao procurar atender ocasionalmente a
apenas um dos grupos, a polarização que se seguia desarticulava qualquer
tentativa de estabilidade.
Um dos poucos movimentos que uniram os coronéis
uberabenses na Primeira República foi o Clube da Lavoura e Comércio,
fundado justamente com o intuito de rechaçar a criação de um novo
imposto territorial por parte do governo mineiro. Não foi casual que os
chefes regionais recorressem com frequência ao discurso separatista,
fundamentado precisamente através de uma retórica que protestava
contra o descaso do governo estadual, que jamais reinvestia a arrecadação
na cidade. O prestígio crescente dos lavouristas acirrou ainda mais a
obstinação do partido do governo em vencer as eleições municipais a
qualquer custo. É atribuída a Silviano Brandão, presidente de Minas entre
1898 e 1902, a seguinte epígrafe: “O crime é perder a eleição” (PONTES,
1978, p. 141). Contudo, o Partido da Lavoura foi vitorioso e o governo
mineiro viu um adversário no comando da cidade, o que, evidentemente,
impôs mais obstáculos a um relacionamento município-estado. Com toda
essa agitação, os coronéis, de fato, dificilmente conseguiam grandes
benefícios do Estado. Durante todo o ano de 1905, por exemplo, a Câmara
simplesmente suprimiu as escolas municipais e a iluminação pública – que
ainda era de querosene – por falta de recursos. Com a absoluta penúria nas
contas públicas, a cidade se degradava com problemas graves no
abastecimento de água e energia, no calçamento e em todos os demais
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Hist. R., Goiânia, v. 19, n. 1, p. 197-235, jan./abr. 2014
serviços públicos. Destituídas de prestígio político na esfera estadual e
carentes de um reconhecimento público capaz de legitimar a representação
política, restava aos coronéis da cidade o poder personificado do
mandonismo.
Como argumentou Carvalho (1997), o mandonismo se refere à
existência de estruturas oligárquicas e personalizadas do poder local.
O mandão, o potentado, o chefe ou mesmo o coronel como indivíduo, é aquele que, em função do controle de algum recurso estratégico, em geral a posse da terra, exerce sobre a população um domínio pessoal e arbitrário que a impede de ter livre acesso ao mercado e à sociedade política. Carvalho (1997)
Em Uberaba, o mandonismo parece ter sido a cultura
preponderante nas relações entre as oligarquias e a população. Pontes
descreve inúmeros de casos de vinganças, perseguições, prisões, castigos
disciplinares e humilhações efetuadas pelo capricho do poder privado dos
temíveis donos da cidade. Em 1858, por exemplo, o delegado João Teixeira,
indignado com um negociante liberal que não lhe tirara o chapéu em uma
saudação, o recrutou compulsoriamente e o prendeu logo em seguida,
obrigando-o a caminhar até a capital Ouro Preto com algemas nos pulsos e
corrente no pescoço (PONTES, 1978, p. 105). Em outra ocasião, um sujeito
foi espancado por ter insinuado que dois chefes conservadores estavam
endividados (PONTES, 1978, p. 124). Essas práticas, longe de serem
isoladas, foram naturalizadas naquela sociedade, de modo a se tornar um
traço marcante na cultura política local.
Ainda na Primeira República, nada em Uberaba se movia
contra a vontade do Capitão Lanes José Bernardes. No dizer da época,
Bernardes mandava na política, na administração e na igreja, pois em todas
essas instituições havia um correligionário que o prestigiava em absoluto
(PONTES, 1978, p. 136). O delegado de polícia Joaquim da Siqueira Ramos
César, por sua vez, ficaria célebre pelos espancamentos com vara de
marmelo e pelo gosto em mandar raspar o cabelo de mulheres em
represália aos adversários (PONTES, 1978, p. 135). Com muita naturalidade,
os coronéis arrogavam-se o direito de prender, castigar ou expulsar da
213
André Azevedo da Fonseca. UMA HISTÓRIA SOCIAL DE UBERABA (MG)
cidade qualquer indivíduo que considerassem indesejáveis, consolidando
esse poder nas próprias práticas cotidianas.
Ao lado do exercício da violência física, um dos fatores
marcantes da sociedade uberabense nesse período foi uma deliberada
cultura de exibição da opulência da elite agrária, que prosperava sob uma
cidade atrasada. Essa contradição foi monumentalizada com a construção
de palacetes suntuosos que ostentavam a fortuna dos pecuaristas,
acentuando com isso o contraste com a pobreza generalizada em uma
cidade que sofria com calçamento rudimentar, iluminação inconstante,
sistema de água precário e população doente. Como argumentou a
geógrafa Roberta Afonso Vinhal Wagner (2006), a “revolução urbanística”
de Uberaba, ocorrida na chamada fase áurea do Zebu, jamais atingiu a
cidade como um todo, pois tratou-se mais de “um reflexo do acúmulo de
capitais dos criadores de zebu, imprimindo marcas pontuais na cidade”
(WAGNER, 2006, p. 126).
Em regra geral, os extraordinários palacetes eram edificados
em estilo eclético, faziam alusões à arquitetura oriental (sobretudo a
indiana, em uma referência ao país de origem do Zebu) e foram projetados
por engenheiros e artesãos altamente especializados, entre eles muitos
italianos. Contudo, a despeito dessa riqueza arquitetônica em propriedades
privadas, a fortuna gerada pela criação de gado jamais favoreceu o
dinamismo da economia local. Como lembra Wagner, os criadores “não
reinvestiam o lucro obtido com a comercialização do zebu no município de
Uberaba” e, por controlarem a política local, ainda garantiam enormes
benefícios fiscais, sacrificando os cofres da administração pública.
(WAGNER, 2006, p. 123).
Sabemos que aquelas edificações eram mais uma estratégia
para reforçar simbolicamente a o domínio dos pecuaristas na cidade. Como
explica Bourdieu, uma classe social não se define apenas pela sua posição
na estrutura social, mas sobretudo pelo fato de que seus membros “se
envolvem deliberada ou objetivamente em relações simbólicas com os
indivíduos de outras classes”, de forma que, através de uma lógica
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sistemática, eles procuram impor suas “diferenças de situação e posição”
até transformá-las em “distinções significantes” (BOURDIEU, 2004, p. 14).
Deste modo, através das “marcas de distinção”, os sujeitos sociais
constituem “grupos de status” e definem, para si e para os outros, a
posição das diversas classes na estrutura social e o papel que cabe a cada
um a partir desta posição na “ordem cultural” da sociedade.
Nessa discussão sobre a ocupação da cidade como
manifestação do poder, Santos (2004) procura mostrar que a produção do
espaço não pode jamais ser considerada como uma estrutura social que
dependa apenas das relações econômicas, pois o dado político possui um
papel fundamental.
O espaço deve ser considerado como um conjunto de relações realizadas através de funções e de forma que se apresentam como testemunho de uma história escrita por processos do passado e do presente (...). Isto é, o espaço se define como um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que estão acontecendo diante dos nossos olhos e que se manifestam através de processos e funções. O espaço é então, um verdadeiro campo de forças cuja aceleração é desigual. (...) Daí porque a evolução espacial não se faz de forma idêntica em todos os lugares. (SANTOS, 2004, p. 153)
Deste modo, apontamos a necessidade de problematizar as
discussões sobre a política de patrimônio histórico da cidade, sobretudo no
que diz respeito à tendência de atuar pela consagração desses
monumentos de afirmação do poder simbólicos das elites agrárias.
COERÇÃO SOCIAL
Naturalmente, o emprego da violência simbólica está
diretamente relacionado à legitimação das práticas de coerção social. Uma
questão que desde finais do século XIX pareceu preocupar as elites
dirigentes nessa sociedade discrepante foi o aumento do índice de
215
André Azevedo da Fonseca. UMA HISTÓRIA SOCIAL DE UBERABA (MG)
criminalidade no município. Felício Buarque, promotor de Uberaba naquele
período, foi uma das principais vozes que, segundo Silva (2004), expressou
a busca por mecanismos que garantissem a ordem pública, notadamente
através de uma legislação capaz de disciplinar as novas personagens sociais
que passaram a participar com mais autonomia no espaço público – tal
como os ex-escravos e os imigrantes. Desse modo, em “A criminalidade em
Uberaba: ensaio de criminologia local”, um artigo escrito em 1904, Buarque
expressa da seguinte forma a preocupação de sua época:
A progressão normal dos crimes acompanha o crescimento da população, proveniente dos nascimentos e do concurso de forasteiros estabelecidos aqui, centro comercial, intermediário de extensa zona do interior. (...) Demais, a posição geográfica desta comarca, situada em limites de vários Estados, concorre para a aglomeração desses elementos perniciosos que se vão denunciando pela média crescente da atividade criminosa. (BUARQUE, apud: SILVA, 2004, p. 41)
Segundo Silva, da mesma forma que ocorria em todo o país, as
elites uberabenses procuraram empreender um grande esforço político e
jurídico para criminalizar a vadiagem e valorizar o trabalho, “procurando
estigmatizar aqueles que não tivessem um comportamento condizente”
(SILVA, 2004, p. 123). Representando uma opinião que certamente era
compartilhada pelos seus pares, Buarque acreditava que a população
tratava os criminosos com “condescendência”, sobretudo por causa de uma
“falta de senso moral” que teria origens na própria composição étnica e
social do povoamento do Brasil, constituído por “condenados”, “judeus
deportados pelos soberanos”, “criminosos homisiados”, “colonos trazidos
pelos donatários”, “índios escravizados” e “negros da Guiné”. Dessa forma,
Buarque defendia esforços em prol de uma “educação moral” e se queixava
de não haver na cidade nenhuma casa de instrução onde as crianças
aprendessem a “ler, escrever, praticar artes e ofícios, adquirindo, assim,
amor pelo trabalho”.
216
Hist. R., Goiânia, v. 19, n. 1, p. 197-235, jan./abr. 2014
Nesse contexto, as relações da cidade com as levas de
imigrantes que desde fins do século XIX chegavam à região tornaram-se
bastante contraditórias. Como observou Fontoura (2001), a questão da
imigração em Uberaba, tal como em todo o Brasil, esteve relacionada, por
um lado, ao problema da mão-de-obra em uma sociedade que acabara de
abolir a escravidão; e por outro, a um ideal de “aprimoramento” da raça,
com vistas ao planejamento de uma futura nacionalidade brasileira.
Gobineau (1816-1882), um dos mais célebres teóricos das raças do século
XIX, chegara a prever a extinção da população do Brasil em menos de três
séculos, como conseqüência de sua composição “mulata, com sangue
viciado, espírito viciado e cara feia de dar medo” (GOBINEAU, apud:
FONTOURA, 2001, p. 93). Influenciado por essas idéias, o deputado federal
uberabense Fidélis Reis (1880-1962) se tornaria um dos mais
entusiasmados defensores do “branqueamento da raça” no Congresso.
Como relator do substitutivo que autorizava o governo a estimular a
colonização de famílias de agricultores europeus, Reis propunha um
“rigoroso controle sobre a imigração destinada ao Brasil (...) com o fim de
impedir a entrada de todo e qualquer elemento julgado nocivo à formação
étnica, moral e psíquica da nacionalidade”. Em outras palavras, isso
implicava na proibição expressa de “colonos de raça preta” e na limitação
da imigração “amarela”.
Além das razões de ordem étnica, moral, política, social e, talvez, mesmo, econômica, que nos levam a repelir in limine a entrada do amarelo e do preto no caldeamento que se está operando sob o nosso céu, neste imenso cenário, outra porventura existe, a ser considerada, que é o ponto de vista estético e a nossa concepção helênica da beleza jamais se harmonizaria com os traços provindos de uma semelhante fusão racial.
(DIÁRIOS, 1952)
Mas a despeito das subvenções estatais que estimulavam a
vinda de europeus, as elites rurais tenderam a rejeitar o trabalho
estrangeiro, pois era mais econômico subjugar os nacionais através de leis
que proibissem a vadiagem e disciplinassem as atividades assalariadas. Por
outro lado, os proprietários não deixavam de ter interesse na formação de
217
André Azevedo da Fonseca. UMA HISTÓRIA SOCIAL DE UBERABA (MG)
excedentes de mão-de-obra, no intuito de provocar a desvalorização dos
salários. Além disso, acostumados a lidar com escravos, os fazendeiros
submetiam os trabalhadores a condições intoleráveis até mesmo para os
italianos que fugiam das secas e das guerras internas. Monteiro (1994)
chegou a apontar diversas reclamações de trabalhadores estrangeiros, tais
como castigos físicos, sonegação de salários e descumprimento de
contratos de parceria. Essas queixas foram tão graves que levaram o
governo italiano a promulgar diversas leis restringindo a emigração para o
Brasil.
Ainda assim, acordos firmados com países europeus
estabeleceram um conjunto de medidas em benefício dos imigrantes, tais
como sistemas de crédito, garantia de instalações adequadas de moradia e
fiscalização das condições de trabalho. Mas ainda que essas ações não
tenham melhorado muito a vida dos estrangeiros, elas acabaram
provocando, por parte dos proprietários locais, ainda mais antipatia contra
os imigrantes, cujas atividades passaram a ser sistematicamente
discriminadas. Em uma edição do jornal uberabense Lavoura e Comércio
ficou patente a insatisfação com a política de imigração estabelecida pelo
governo mineiro:
(...) O Dr. Badaró ilude-se supondo que Minas transformar-se-à só com auxílio do imigrante italiano, que vem, na maior parte, encher o pé de meia de liras. Ele tem também hábitos rotineiros, e entre o trabalho braçal da lavoura e os expedientes fáceis das pequenas indústrias nas cidades, o imigrante não vacila: prefere estas (GAZETA apud FONTOURA, 2001, p. 73).
Dessa forma, observando a má-vontade do jornal em relação
aos imigrantes urbanos, percebemos, com Rezende e Fontoura, que em
uma cidade onde o incipiente processo de modernização havia sido freado
pelo retorno à economia rural, as atividades profissionais citadinas
passaram a ser vistas como “expedientes fáceis” e, por isso, alvo de
estrangeiros oportunistas que queriam apenas “encher o pé de meia de
liras”.
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Hist. R., Goiânia, v. 19, n. 1, p. 197-235, jan./abr. 2014
Em Uberaba, a xenofobia contra os árabes – chamados
indistintamente de “turcos” – foi por várias vezes expressa na imprensa
local, como nesta nota no Lavoura e Comércio em 1902.
Uma praga desta terra, que muito fala em desabono dela, são os chamados turcos ambulantes, que infectam regularmente os arredores da cidade. Já aprenderam muito bem a linguagem resultante do populacho mais ordinário e a empregam quando se recusa sempre a comprar alguma coisa de suas bugigangas. Já deixamos de ter compaixão por essa gente perseguida pelos mulçumanos da Turquia, que outrora nos inspiravam as matanças publicadas pelos jornais. É gente só semi-civilizada, que já tentou violar mulheres casadas, honestas. (LAVOURA E COMÉRCIO apud FONTOURA, 2001, p. 70
Uma forma de reação desses grupos às manifestações
xenofóbicas eram as associações de mútuo socorro que, além de fortalecer
a unidade entre os compatriotas, procuravam promover a integração com a
população urbana local, sobretudo através da promoção de festas,
atividades culturais e ações de assistência social. Dessa maneira, foram
criadas, entre diversas outras, a Societá de Mútuo Soccorso Fratellanza
Italiana (1897); a Sociedad Espanhola de Socorros Mútuos (1901); a
Sociedade Portuguesa de Beneficência 1º de Dezembro (1907), o Sindicato
Agrícola Nipo-Brasileiro (1917), o Clube Sírio-libanês (1927), etc.
Percebemos, com isso, que, atacados pela imprensa e pelas classes
conservadoras, os estrangeiros, inteligentemente, se esforçavam para
conquistar a simpatia dos habitantes urbanos e, assim, fortalecer laços
sociais.
Mas a hegemonia dos coronéis na composição dos partidos
locais impedia, na prática, outras formas de organização política. No
Império, duas agremiações controlavam o poder em Uberaba: o Partido
Conservador e o Partido Liberal. Na República Velha, ascenderam o partido
Lavourista (controladores do jornal Lavoura e Comércio) e o Partido
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André Azevedo da Fonseca. UMA HISTÓRIA SOCIAL DE UBERABA (MG)
Republicano Mineiro (controladores do periódico Gazeta de Uberaba). Essa
elite política estava diretamente ligada aos criadores de gado Zebu, de
forma que, nas três primeiras décadas do século XX, seus representantes se
alternavam sucessivamente no comando da cidade.
LUTAS CONTRA-HEGEMÔNICAS
O mais estridente crítico das oligarquias locais nesse período
foi, sem dúvida, o comunista uberabense Orlando Ferreira (1886-1957),
conhecido como Doca. Intelectual autodidata, Ferreira levou a vida
transitando por diversas atividades profissionais: durante anos trabalhou
como mascaste de gado Zebu e, mais tarde, foi funcionário dos Correios e
Telégrafos, além de jornalista e inspetor de ensino (RICCIOPO, 2003). Essas
experiências proporcionaram-lhe um conhecimento empírico detalhado da
realidade socioeconômica da cidade e fundamentaram boa parte de seus
escritos. Entre 1919 e 1948 Ferreira publicou meia dúzia de obras onde
procurou denunciar as instituições sociais que, na sua opinião, eram as
grandes responsáveis pelo atraso de Uberaba: a Igreja Católica, as elites
familiares locais e a administração municipal. A escrita agressiva de Doca
chocaria a boa sociedade uberabense, mas não deixou de representar uma
impressão que ressoava silenciosa na imaginação popular da cidade.
Em 1928 Orlando Ferreira lançaria “Terra Madrasta: um povo
infeliz”, sua obra mais contundente contra o que chamava de “as forças do
atraso” em Uberaba. Nesse livro ele ataca furiosamente a administração
local, os clãs políticos uberabenses, o governo estadual e aquilo que chama
de “cultura resignada e ignorante” do povo mineiro. Ferreira faz um
balanço bastante negativo das últimas administrações municipais e,
arrolando um conjunto de dados econômicos, se esforça para demonstrar a
incompetência histórica dos políticos locais.
As administrações anteriores ao ano de 1889 devem ser desprezadas, porque são do tempo do Império centralizador, cujo regime não
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Hist. R., Goiânia, v. 19, n. 1, p. 197-235, jan./abr. 2014
permitia grandes surtos de progresso; nos 53 anos, pois de sua existência autônoma, na Monarquia, Uberaba viveu apagadamente e nada se fez entre nós; durante este longo período em que a receita municipal atingiu apenas a 263:130$130$818, concordo, a câmara só devia capinar ruas, construir pinguelas, matar cachorros, nomear e demitir funcionários e arrecadar magros impostos... Nada mais poderia fazer. Proclamada a República, devia continuar, porém a mesma política estúpida e rotineira? Não! Porque, em 1893, quatro anos após, as rendas aumentaram extraordinariamente (...) todavia esses orçamentos resultam ainda da política atrasadíssima que nos infelicita (...) (FERREIRA, 2928, p. 29).
Ferreira caminhou por todos os bairros e fez as contas: em um
século de existência, “das 155 ruas de Uberaba, apenas 11 foram calçadas
pessimamente e de modo incompleto e, igualmente, 3 praças das 19
existentes!”. Para documentar suas denúncias ele incluiu diversas
fotografias enfatizando os buracos no calçamento e o mato invadindo as
ruas. Deste modo, lamenta que, em 36 anos de vida republicana, Uberaba
nada construíra de importância, acumulara uma dívida enorme, mas
permanecia “na balbúrdia, na ruína, no descrédito, na imoralidade, no
desconforto, na imundície, na lama, na poeira, no capim, no matagal, na
buraqueira!” (FERREIRA, 1928, p. 30)
Com isso, ao fazer um balanço de várias administrações
através de planilhas, dados comparativos, fontes de jornais, relatórios de
receitas e gastos do município e uma extensa bibliografia, Ferreira procurou
denunciar o que considerava irregularidades administrativas entre 1915 a
1925, arrolando em seguida uma série de evidências documentais para
mostrar diversos tipos de roubos e abusos de poder. Nomeando um a um
os presidentes da câmara e suas respectivas realizações, ele acusou
praticamente todos de nada ter acrescentado ao município.
Os partidos “políticos” de Uberaba foram sempre compostos, quase que inteiramente, de indivíduos sem honra, sem patriotismo, sem instrução, de uma ignorância apavorante, quase boçais, e tipos quase sempre criminosos, incursos em vários artigos do Código Penal e que, por isso mesmo, em vez de dirigirem o povo, deviam estar na cadeia; se há exceções, e de fato sempre houve, é quando se trata porém de
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André Azevedo da Fonseca. UMA HISTÓRIA SOCIAL DE UBERABA (MG)
pessoas tímidas, acomodatícias, sem fé, sem coragem, incapazes de uma reação, vítimas do meio, com alguma inteligência, mas sem a prática e habilidade (...) (FERREIRA, 1928, p. 136).
Afirmando que a cidade era habitada por um povo infeliz e
resignado, que passava os dias a queixar-se de suas lamúrias, Ferreira
indignava-se ao ver Uberaba “nesse estado deprimente e vergonhoso”,
enquanto que as cidades ao redor cresciam vertiginosamente devido à
“inteligência e patriotismo de seus filhos”. Assim, em busca de respostas
para essa falta de ânimo, o autor procurou analisar a cultura da sociedade
local e, citando “Populações Meridionais do Brasil”, de Oliveira Viana,
concluiu que o atraso de Uberaba estava ligado a uma característica do
modo de vida ruralista do mineiro, voltado para o retraimento, a timidez e a
rotina.
Porque não é nada recomendável viver-se como o mineiro vive, triste, recluso, isolado, numa vida de quietude e “simplicidade”; e se isto é uma das feições da alma mineira, deve-se-o ao atraso material, moral e intelectual a que o povo esta entregue há muitos anos... (...) Ora, o mineiro não conquistou nada, vive muito mal, não é homem enfim; logo, não é simples; a sua “simplicidade” deve ser batizada com outros nomes: covardia, acanhamento, pessimismo, analfabetismo, atraso, miséria, tristeza, doença no corpo e na alma... Em outras palavras: população de jeca-tatus!... (FERREIRA, 1928, p. 5)
Por conseguinte, ecoando um pleito que, curiosamente, já
havia sido pleiteado pelas mesmas elites agrárias que criticara, em seu
receituário para promover a modernização da cidade, Ferreira propõe a
anexação da região a São Paulo, um “Estado adiantado” cujas lideranças
mostravam-se de fato “preocupadas com o progresso”. O autor fez questão
de incluir em seu livro um mapa com a região do Triângulo acoplada a São
Paulo. “Por que Uberaba não progride e não acompanha as suas irmãs
paulistas, tão próximas de nós, quando é um fato incontestável a pujança
de seu solo? Algo anormal infiltrou na vida social uberabense e causas
perigosíssimas promoveram a nossa infelicidade e ameaçam o nosso
futuro.” (FERREIRA apud RICCIOPO, 2003, p. 49)
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Hist. R., Goiânia, v. 19, n. 1, p. 197-235, jan./abr. 2014
Em um trecho antológico, argumentando que os fatores do
atraso uberabense deveriam ser expostos para a “execração pública”,
Orlando Ferreira enumera, sem constrangimentos, o que chama de
“terríveis forças oponentes ao progresso do município”:
1º. – A administração.
2º. – A “política”.
3º. – O Clero.
4º. – A empresa Força e Luz.
5º. – A família BORGES.
6º. – A família PRATA.
7º. – A família RODRIGUES DA CUNHA. (FERREIRA, 1928, p. 26)
A indignação pública contra essas três famílias indica um
elemento da imaginação da cidade que não deve ser desprezado. “O
defeito dessa gente é querer mandar, gostar da política e ocupar posições
incompatíveis com o seu grau de adiantamento. Daí o prejuízo para
Uberaba.” (FERREIRA, 1928, p. 169). O jornalista lamenta que essas famílias
abastadas tenham dominado a cidade apenas para beneficiar suas criações
de gado e queixa-se da violência que normalmente seus membros
empregavam para fazer valer seus interesses. “Porque a lei não existe para
eles: resolvem tudo a tiros e a pau...” Ferreira denunciava ainda que, para
concentrar e perpetuar o poder dos clãs político-econômicos, as famílias
chegavam a estimular o casamento entre “primos degenerados” para
impedir a desagregação do sobrenome. A despeito da agressividade, não é
um despropósito supor que Ferreira, um homem de seu tempo, expressava
uma opinião que provavelmente corria à boca pequena em comentários
resignados da população urbana. “Ah! Se os Borges, os Rodrigues da Cunha
e os Pratas não gostassem de política! Como seria isto bom para Uberaba!”
(FERREIRA, 1928, p. 170).
Como ensina Baczko (1985), a legitimidade é um bem
extraordinariamente raro e obstinadamente disputado entre poderes e
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André Azevedo da Fonseca. UMA HISTÓRIA SOCIAL DE UBERABA (MG)
contra-poderes. A autoridade estabelecida dedica-se constantemente a
defender a sua legitimidade daqueles que a atacam. De forma inversa,
conceber e difundir uma “contra-legitimidade” é um elemento essencial do
ato de invalidar a autenticidade do poder constituído. Dessa forma,
observamos que ao tentar desqualificar o poderio dessas famílias, Ferreira
procurava travar um combate simbólico para expressar essa contra-
legitimidade na imaginação social da cidade.
Segundo Riccioppo, o comunista Orlando Ferreira, depois de
publicar Terra Madrasta, teve que desaparecer da cidade por alguns anos.
Mas em seu retorno ele ainda publicaria alguns livros ainda mais atrevidos,
como Forja de Anões (1940), um verdadeiro libelo contra o futebol e outros
“esportes violentos”; e Pântano Sagrado (1948), um ataque virulento
contra o clero local. Evidentemente, Terra Madrasta não teve a força para
expulsar as “forças oponentes ao progresso do município”. Em 1928, data
da publicação da obra, Uberaba era governada precisamente pelo agente
executivo Olavo Rodrigues da Cunha (1927-1930), que sucedera o coronel
Geraldino Rodrigues da Cunha (1924-1927). No entanto, as oligarquias
municipais estavam prestes a ser colocadas em xeque por um movimento
que logo explodiria no país: a Revolução de 1930.
A ELITE RURAL SE RECOLHE AOS BASTIDORES
Com a instalação do governo provisório e o controle
centralizador do Estado, o monopólio político dos grandes proprietários de
terra foi seriamente comprometido. Em Uberaba, foi nomeado como chefe
do executivo o Dr. Guilherme de Oliveira Ferreira, que permaneceu no
cargo até janeiro de 1935. Desta data em diante, o governo municipal seria
exercido por agentes executivos nomeados pelo interventor mineiro,
Benedito Valadares. Mas com a volta das eleições municipais em 1936 e
com o golpe de 1937 uma novidade na política local viria a mexer bastante
com a imaginação dessa cidade conservadora. Contrariando o
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Hist. R., Goiânia, v. 19, n. 1, p. 197-235, jan./abr. 2014
tradicionalismo local, eis que um filho de imigrantes libaneses torna-se
vereador, chega à prefeitura da cidade e, amparado pelo Estado Novo,
implementa uma política voltada para o desenvolvimento urbano e
comercial da cidade. Era Whady Nassif, que mais tarde seria um dos
principais líderes petebistas da região.
Como mostra Oliveira e Silva (2006), no final do século XIX,
animados pela política de estímulo à imigração criada pelo governo
brasileiro, inúmeras famílias de sírios e libaneses vieram ao Brasil e, em
parte graças aos trilhos da Mojiana, acabaram se fixando no Triângulo
Mineiro para trabalhar como mascates. No contexto do desenvolvimento
comercial da região, os árabes se especializaram na venda de diversos tipos
de artigos nas fazendas e vilas do interior, percorrendo grandes distâncias
em lombos de burro, repletos de malas carregadas de perfumes, roupas,
linhas de costura, botões e outros produtos. A habilidade para os negócios
fez com que muitos deles se estabelecessem nas cidades para abrir casas
comerciais e, assim, foram se incorporando à vida social triangulina.
Evidentemente, a presença dos imigrantes despertou diversos tipos de
reações. Em Uberaba, ainda que a população em geral tenha recebido bem
esses novos moradores, o fato é que muitos foram alvo de preconceitos e
tiveram dificuldades com os fazendeiros. Como mostrou Fontoura (2001),
os comerciantes locais também se sentiram ameaçados e passaram a
manifestar certa xenofobia através dos jornais.
No início do século XX o sírio José Nassif, da cidade de Miziara,
montou uma loja em Conceição das Alagoas, distrito de Uberaba. Para ele,
a cidade estava se desenvolvendo rapidamente, atraía comerciantes de
várias regiões e prometia ser uma terra de oportunidades. Ao instalar-se
com a família, o imigrante matriculou as crianças nas melhores escolas de
Uberaba. Deste modo, o filho Whady Nassif, juntamente com os irmãos,
ingressou no Colégio Marista Diocesano, uma escola de elite que oferecia
um ensino tradicional, caracterizado pela forte influência católica e pelo
rigor na ordem, na disciplina e no respeito à autoridade. Essa educação
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André Azevedo da Fonseca. UMA HISTÓRIA SOCIAL DE UBERABA (MG)
tradicional, católica e militarista formaria praticamente a totalidade da elite
política, econômica e cultural da cidade e região.
Ao terminar os estudos secundários, Whady Nassif cursou a
Faculdade de Direito no Rio de Janeiro e colou grau em dezembro de 1932.
Neste período, vivenciando o contexto das acaloradas discussões políticas
na capital da república nestes primeiros anos da era Vargas, ele passou a se
interessar mais pela vida partidária. E segundo Silva, mesmo estudando no
Rio de Janeiro, jamais deixou de acompanhar as questões sociais de
Uberaba. Dessa forma, ao voltar à sua cidade, o jovem advogado acabou
entrando efetivamente para a política local.
Apesar das restrições políticas e administrativas da Revolução
de 1930, as famílias dos coronéis ainda eram muito fortes nos municípios
do interior. É verdade que Vargas havia destituído os governadores
estaduais, substituindo-os por interventores, para manter o controle da
máquina pública; as câmaras de vereadores foram dissolvidas e, para
administrar os municípios, foi criado o cargo de prefeito indicado pelo
interventor estadual. Acreditava-se que essas ações restringiriam o poder
das oligarquias que até então mantinham forte controle sobre seus currais
eleitorais. Mas ainda que os coronéis tenham sido enfraquecidos, não
foram eliminados completamente. Na prática, esses grupos continuavam
dominando a vida política e econômica da cidade e não deixaram de
estabelecer suas alianças com o governo federal.
Ainda assim, nos anos posteriores à Revolução de 1930, uma
nova elite social, formada por profissionais liberais, sobretudo médicos,
advogados e engenheiros, muitos deles saídos da pequena burguesia,
passou a se destacar na vida pública. Esses novos personagens tinham
anseios de modificar a organização urbana para criar uma cidade moderna
através de melhorias no sistema de fornecimento de água e energia, na
infra-estrutura de esgoto e calçamento das ruas, além de outros aspectos
urbanísticos.
Com a Constituição de 1934 ficou estabelecido que os
vereadores seriam eleitos diretamente, através de voto popular. Os
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prefeitos deveriam ser escolhidos de forma indireta, entre os pares da
Câmara (excetuando nas capitais, onde seriam indicados pelo interventor).
Em Uberaba, essa nova realidade fez com que as disputas se acirrassem,
tornando-se nítido o confronto entre os ex-coronéis e seus aliados contra
uma nova geração de comerciantes e profissionais liberais que desejavam
defender novos interesses. Nas eleições de 1936, as elites uberabenses
empreenderam esforços intensos para assumir mais uma vez o controle da
Câmara e, conseqüentemente, do Executivo. Mas as transformações nas
regras eleitorais do período haviam estimulado novos atores políticas que
provocaram perturbações no sistema de poder local.
O código eleitoral de 1932 criara a Justiça Eleitoral, estendera
o voto às mulheres, modificara o sistema de alistamento e aperfeiçoara as
garantias de votação secreta (NICOLAU, 2004). A Constituição de 1934
reduzira a idade dos eleitores de 21 para 18 anos e, ainda que excluísse
mendigos e analfabetos, instituíra a obrigatoriedade do voto para homens e
funcionárias públicas. Nesse contexto, no distrito de Conceição das Alagoas,
um novo quadro sociopolítico fugiu ao controle das elites tradicionais. E foi
assim que um grupo liderado por comerciantes libaneses e seus
descendentes acabou elegendo o advogado Whady Nassif para o cargo de
vereador. Um outro grupo, formado por profissionais liberais, levou o
médico Olavo da Silva Silveira como representante na Câmara. “Ambos
eram novatos na política, mas defendiam idéias de progresso que se
enquadravam tanto nos anseios do novo regime quanto da população.”
(SILVA, 2006, p. 52).
Lembremos que, segundo as regras da época, o prefeito
deveria ser escolhido de forma indireta entre os próprios vereadores.
Whady Nassif se candidatou ao cargo, articulou-se para conquistar a
confiança dos membros do legislativo e acabou sendo eleito por
unanimidade em julho de 1937. Para Silva, essa surpreendente eleição foi
fruto de um pragmatismo das elites, que teriam constatado que o nome de
Nassif era, forçosamente, o mais viável para aquela nova situação: ele era
uma figura recente na política e pertencia a uma família até certo ponto
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André Azevedo da Fonseca. UMA HISTÓRIA SOCIAL DE UBERABA (MG)
respeitada pela sociedade urbana, o que certamente contribuiria para que
seu nome fosse bem visto também pelo interventor mineiro. Considerando
que a política de Vargas queria retirar as oligarquias do poder, a figura de
um jovem advogado sem vínculos com os grupos tradicionais certamente
teria mais chances de ser aceito. Dessa forma, percebemos que, em seu
recuo estratégico, as famílias políticas locais pretendiam manipular os
novos eleitos nos bastidores. No entanto, Silva observa que Nassif ficara, de
fato, submetido ao regime, “e não mais à mercê dos grupos de poder lugar,
que tiveram seus interesses colocados de lado em vários momentos.”
(SILVA, 2006, p. 56)
No final de 1937 o novo golpe de Vargas enfraqueceu ainda
mais as elites locais. No dia 10 de novembro, uma nova Constituição foi
outorgada e, entre outras medidas, dissolveu mais uma vez os poderes
legislativos. Já no dia 11 foi realizada uma sessão para que os vereadores
uberabenses ouvissem uma mensagem de Benedito Valadares,
comunicando o fechamento da Câmara Municipal. E no dia seguinte,
Whady Nassif, que havia sido anteriormente eleito pelos pares, seria
confirmado no cargo de prefeito pelo interventor mineiro.
Segundo Silva, a nova administração, governando sem a
Câmara Municipal, efetuou transformações significativas na estrutura da
cidade. A prefeitura implantou redes de água encanada e esgoto, calçou
ruas, construiu e reformou praças, promoveu a modernização do sistema
de telefonia e realizou melhorias no precário abastecimento de energia do
município, através da instalação de uma pequena usina hidroelétrica na
Cachoeira Pai Joaquim. O governo municipal abriu importantes avenidas
como Leopoldino de Oliveira (1938), Fernando Costa (1940) e Guilherme
Ferreira (1941) – ainda hoje entre as mais movimentadas de Uberaba.
Nassif criou a Biblioteca Pública, apoiou a implantação da Fazenda Modelo
e concedeu terrenos para a construção dos prédios dos Correios, do Abrigo
de Menores, da Casa da Criança e do Tiro de Guerra. Silva menciona
também as reformas no Mercado Municipal, no matadouro da cidade, no
prédio da prefeitura e no aeroporto. Além disso, em cumprimento às
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determinações do interventor mineiro, em 1941 foi concluído o Estatuto
dos Funcionários Municipais, que estabelecia o pagamento dos salários em
dia, além de prever novas regras para o acesso aos cargos públicos e outros
procedimentos de burocratização da administração municipal.
Contudo, o fato de um prefeito descendente de comerciantes
libaneses conseguir efetuar mudanças “visíveis e bem aceitas pela
população” começou a criar um ressentimento nas classes conservadoras,
que foi crescendo “à medida que o prefeito se aproximava cada vez mais da
política de Vargas e conseguia captar recursos para fazer as melhorias na
cidade, o que lhe rendia o apoio da população à sua administração.” (SILVA,
2006, p. 57) Assim, uma luta de representações passou a ser travada para
solapar o prestígio de Nassif.
Chartier explica que as representações do mundo social jamais
são neutras, mas são sempre determinadas pelos interesses do grupo que
as elaboram, pois o objetivo desse esforço é justamente produzir práticas
que procuram impor autoridade, legitimar um projeto ou justificar escolhas
e condutas. “As lutas de representações têm tanta importância como as
lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo
impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que
são os seus, e o seu domínio.” (CHARTIER, 1985, p. 17). Deste modo, em
Uberaba, os grupos sociais que se sentiam alijados do poder passaram a
construir e difundir uma representação sistematicamente desfavorável do
prefeito.
Em primeiro lugar, o prefeito era freqüentemente hostilizado
por uma parcela dos comerciantes da cidade que rejeitavam sua origem
imigrante, afirmando que ele não era um “verdadeiro uberabense”.
Posteriormente, o orgulho dos uberabenses mais antigos parece ter sido
atingido em dezembro de 1938, quando os distritos de Conceição das
Alagoas, Veríssimo, Campina Verde e Campo Florido foram emancipados.
Além da simbologia da desagregação do município, essas medidas
provocaram perdas na arrecadação (que a prefeitura negava) e,
conseqüentemente, certo desgaste à imagem do prefeito entre os
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André Azevedo da Fonseca. UMA HISTÓRIA SOCIAL DE UBERABA (MG)
moradores da cidade sede. Além disso, Nassif incomodou profundamente
as famílias que haviam herdado grandes terrenos no centro, pois com o
início das obras na Avenida Leopoldino de Oliveira, a prefeitura proibira a
construção de quaisquer imóveis às margens dos córregos que
atravessavam a área urbana, pois a idéia era canalizá-los.
Uma das obras mais controversas da administração de Nassif
foi, sem dúvida, a reforma da Praça Rui Barbosa. Até então, a praça central
da cidade era circundada por palmeiras frondosas que lhe davam um ar
nobre, lembrando os jardins imperiais de D. Pedro II. Mas atento à ideologia
progressista do Estado Novo, Nassif decidiu reconfigurar a tradicional praça
uberabense, monumentalizando a rejeição ao passado oligárquico e
enaltecendo os valores modernos representados pelo novo regime. Esse
interesse foi manifestado quando o prefeito afirmou que a Praça Rui
Barbosa possuía uma fisionomia provinciana que não se coaduna mais com
o progresso moral, intelectual e material da cidade. Mas era óbvio que essa
remodelação provocaria reações raivosas nas famílias tradicionais,
principalmente naquelas que moravam em torno da praça, pois o “prefeito
do Estado Novo”, um filho de imigrante, havia “destruído um marco
referencial da cidade, com um valor histórico muito grande” (SILVA, 2006,
p. 78).
Evidentemente, o prefeito percebeu a necessidade de
manipular os símbolos do poder local para sobreviver no pesado jogo da
política na cidade. Em uma das mãos, Nassif não poderia deixar de atender
aos interesses dos poderosos pecuaristas. Através de um convênio com o
Ministério da Agricultura, na época sob a gestão de Fernando Costa, a
prefeitura apoiou a criação de um grande parque que seria batizado com o
nome do ministro. Para isso, a administração municipal doou um terreno de
150 mil m² e o governo federal investiu mil contos de réis. As obras
começaram em 1939 e o Parque Fernando Costa foi inaugurado em maio
de 1941, com a presença de Vargas, de Valadares e de o próprio Fernando
Costa.
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Em outra mão, ainda buscando sustentar o seu prestígio
político, Nassif procurou explorar ao máximo a liturgia de poder
estadonovista. Como mostrou Capelato (1998), a teatralização do poder na
era Vargas teve um papel fundamental para convocar a adesão dos
cidadãos. Através de festas cívicas e esportivas, o Estado buscava forjar o
mito de uma sociedade harmônica, ao mesmo tempo em que mascarava as
contradições sociais e ocultava as práticas repressivas exercidas para
manter o controle social. Em Uberaba, o próprio Nassif fazia questão de
organizar as comemorações para associar-se à figura do presidente,
mobilizando periodicamente, na Praça Rui Barbosa, pequenas multidões de
populares e trabalhadores para prestigiar os desfiles dos alunos das escolas
da cidade e ouvir os discursos das autoridades.
A manipulação de imagens e símbolos produzidos pela propaganda do governo Vargas, como as marchas, os uniformes, as palavras do chefe nos discursos no dia 1º de maio, compunham um cenário que transmitia ao povo a sensação de ordem e a idéia de progresso. E em Uberaba essa política se concretizava na organização das festividades públicas em torno do aniversário de Getúlio Vargas, nos desfiles das escolas e das entidades operárias e até mesmo nos discursos inflamados de civismo proferidos pelo prefeito e demais autoridades locais, que depois eram amplamente divulgadas nos jornais. (SILVA, 2006, p. 100)
Mas naquela sociedade conservadora, a elite tradicional
acabou vencendo a guerra simbólica. E eis que no dia 14 de junho de 1943,
alegando que a família uberabense atravessava uma fase de “grande
desarmonia”, o prefeito Whady Nassif desistiu do cargo e solicitou sua
exoneração ao interventor mineiro. Dessa forma, vemos que intensidade
daqueles focos de oposição nos bastidores acabou por inviabilizar sua
governabilidade, demonstrando com isso a força dos grupos tradicionais na
política local.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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André Azevedo da Fonseca. UMA HISTÓRIA SOCIAL DE UBERABA (MG)
A interpretação histórica do passado não é imutável. A
descoberta de documentos inéditos, a análise histórica dos mesmos
eventos sob a luz de novas abordagens teóricas e as relações em
retrospectiva que se estabelecem entre as ações de um certo período e
suas consequências posteriores – em geral imprevisíveis ou mesmo
inimagináveis pelos contemporâneos – fazem com que o passado, que
aparentemente se apresenta fixo e definitivo, se mostre, na verdade, como
um tempo dinâmico, repleto de ambigüidades e de novas perspectivas de
interpretação. A propósito, essa é uma das seduções da História: a
possibilidade de ser permanentemente surpreendido em territórios que se
imaginava conhecer.
Percebe-se que desde 2001, uma nova geração de
historiadores acadêmicos vinculados à perspectiva da história social e
cultural estabeleceram enfoques inéditos para a historiografia local,
sobretudo no que diz respeito ao final do século XIX e primeira metade do
século XX, como vemos nas obras de Fontoura (2001), Riccioppo (2003),
Souza Silva (2004), Oliveira Silva (2006) e Vinhal Wagner (2006), citados
neste trabalho, e também nas pesquisas de Saraiva e Silva (1998), Bittar
(2005), Rischiteli (2005), Lacerda Filho (2006) e Dantas (2009) e Fonseca
(2010), que discutiram temáticas também relacionadas à história da cidade
no contexto regional.
A historiografia de Uberaba e do Triângulo Mineiro precisa de
mais estudos no campo da História Cultural e Social. Quais foram os
empreendimentos de violência simbólica mais empregados pelas elites
locais para legitimar a sua supremacia nessa sociedade? De que modo as
práticas e representações políticas das oligarquias foram ressignificadas
pelos habitantes? Como os eleitores interpretaram as disputas partidárias
das oligarquias? Quais foram as estratégias de resistência firmadas pelos
marginais e imigrantes diante as práticas de coerção social e xenofobia no
final do século XIX e início do XX? Quais foram, como atuaram e como
foram sufocadas as forças contra-hegemônicas na primeira metade do
século XX? Quais foram os modelos e ideais políticos derrotados naquele
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período? Muitas são as questões que devem ser problematizadas para
compreendermos as tensões que forjaram uma sociedade com as
características que ainda hoje marcam a sociedade de Uberaba. As
perspectivas da História Cultural e Social oferecem uma oportunidade
interessante para inspirar novas interpretações. E ao sistematizar algumas
das pesquisas recentemente defendidas em programas de mestrado e
doutorado em História, o presente trabalho espera contribuir para inspirar
novos trabalhos.
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