a senhora d. leopoldina,

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y^NNO L N^UMERO 9" TOLHA ÍLTÀJSTKADA LITTERARIA ARTÍSTICA NOTICIOSA - CRITICA P U B L I C Â-S..E AOS M I N G O S Tv-noowdiia e lithographia—Impakcial—de Felix Ferreira e Comp., Rua Sete de Setembro n. .4<>A. | -*-.; 1 o L—,—©sslt SUA ALTEZÁ IMPERIAL A SENHORA D. LEOPOLDINA, Ne<roe fanereo crepe Lavolve osolio brasileiro, desolação profunda e amargo pranto pairam no toda Família imperial; é que ao Senhor approuve chamar âcelica mansão a excelsa pnnceza aSra. D Leopoldiaa,duqueza de Saxe Coburgo Gotta. Fstrella luminosa, da America entenebreceu-se entre as brumas da Europa. Esperança nsonha da terra de Santa Cru/ finou-se ao sopro das -elidas lutadas da velha Germama. Nascida entro os esplendores da formosíssima Guanabara, creada sob os influxos deste sol bn- Ihante une nos illumina, como a flor dos trópicos transplantada para as terras glaciaes esmaeceu a frouxa e merencoria luz de Vienna d'Áustria e na primavera da vida desceu a solidão dos tu- mulos.æ. ( •, ü anjo do Brazil, que com mão piedosa e solicita enchnga tantas lagrimas aos mísero, de,- validos, abatido pelo golpe cruel e inesperado que lhe traspassou o extremoso coração, derrama hoje copioso pranto pela filha idolatrada, que d'aqui partio tão cheia de vida e, longe de seus disvellos, desprendeu-se do gentil invólucro que a prendia â terra para voar ao seio do Creador. Não ha em todo o vocabulário humano phrases que traduzam adôr augusta esaneta que a nossa caridosa Imperatriz causou tão sentido passamento. Nem o poeta nem o artista, nas mais do- ces harmonias ou suaves strophes, poderião dar uma idéa, ainda que frouxa, de tão cruciante magoa. quem formai comprehehderà a extensão cVaquella.angustia. aLA«™Tn o +.mfn ^ofTVimeuto e oue consolo seria bastante para Que palavras ha que possam levar consolo a tanto í>omimem,u b.^uo n i ;iC9 xínf., tpvrn tão opulenta de maravilhas agrestes, sob este ceo estancar aquellas lagrimas' Nesta teiia xao upiuouuc tão azul e tão formoso ha um balsamo saneto e único para tão profundas dores, e o da-oiaçao. A oração é um lenitivo para aquelles que -soffrem; quem óra resigna-se, e quem se resigna con- SOla"ís plantas da Virgem Saneta, orando, encontra aquella desolada Mãi allivio á magna pun- gente e acerba que lhe vai a'alma., f. .. , n iinda bem que lhe não falta, ao menos, esse balsamo purificador que nos da a reugiao do O u- cificado. Se assim não fora,, o que seria daquella alma no meio da desesperação que acerca Inclinado deante da magestade do throno ainda mais nos mclmamos deante da ^tode^ tão grande desdita, e osculando a mão piedosa e benevola, que ampara a viuva e ameiga o oiphuo, compartilhamos de coração a dor immensa que lhe dilacera o seio.inmiwn;(1,nn PAoPaedisvellado, cujo coração também amargurou tão ferino golpe s,rva-lhe de ompensaca o pezar que esse infausto acontecimento causou a seu povo : que hoje reverente e mudo ,e posta ante os altares pranteando a graciosa e bem amada pnnceza que perdeo O consolo da pátria; é a lembrança de que: aquella que portão pouco viveu entie no.. hoje no céo é mais um anjo de guarda para a torra que lhe deu o berço. SLK g)

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Page 1: A SENHORA D. LEOPOLDINA,

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N^UMERO 9"

TOLHA ÍLTÀJSTKADA

LITTERARIA — ARTÍSTICA — NOTICIOSA - CRITICA

P U B L I C Â-S..E AOS Dü M I N G O S

Tv-noowdiia e lithographia—Impakcial—de Felix Ferreira e Comp., Rua Sete de Setembro n. .4<>A. |-*-.; 1 o —,— sslt

SUA ALTEZÁ IMPERIAL

A SENHORA D. LEOPOLDINA,

Ne<roe fanereo crepe Lavolve osolio brasileiro, desolação profunda e amargo pranto pairam no

toda Família imperial; é que ao Senhor approuve chamar âcelica mansão a excelsa pnnceza aSra.

D Leopoldiaa,duqueza de Saxe Coburgo Gotta.

Fstrella luminosa, da America entenebreceu-se entre as brumas da Europa. Esperança nsonha

da terra de Santa Cru/ finou-se ao sopro das -elidas lutadas da velha Germama.

Nascida entro os esplendores da formosíssima Guanabara, creada sob os influxos deste sol bn-

Ihante une nos illumina, como a flor dos trópicos transplantada para as terras glaciaes esmaeceu a

frouxa e merencoria luz de Vienna d'Áustria e na primavera da vida desceu a solidão dos tu-

mulos. . ( •,ü anjo do Brazil, que com mão piedosa e solicita enchnga tantas lagrimas aos mísero, de,-

validos, abatido pelo golpe cruel e inesperado que lhe traspassou o extremoso coração, derrama hoje

copioso pranto pela filha idolatrada, que d'aqui partio tão cheia de vida e, longe de seus disvellos,

desprendeu-se do gentil invólucro que a prendia â terra para voar ao seio do Creador.

Não ha em todo o vocabulário humano phrases que traduzam adôr augusta esaneta que a nossa

caridosa Imperatriz causou tão sentido passamento. Nem o poeta nem o artista, nas mais do-

ces harmonias ou suaves strophes, poderião dar uma idéa, ainda que frouxa, de tão cruciante magoa.

Só quem formai comprehehderà a extensão cVaquella.angustia.«™Tn o +.mfn ^ofTVimeuto e oue consolo seria bastante para

Que palavras ha que possam levar consolo a tanto í>omimem,u b.^uon i ;iC9 xínf., tpvrn tão opulenta de maravilhas agrestes, sob este ceo

estancar aquellas lagrimas' Nesta teiia xao upiuouu c

tão azul e tão formoso só ha um balsamo saneto e único para tão profundas dores, e o da-oiaçao.

A oração é um lenitivo para aquelles que -soffrem; quem óra resigna-se, e quem se resigna con-

SOla"ís plantas da Virgem Saneta, orando, encontra aquella desolada Mãi allivio á magna pun-

gente e acerba que lhe vai a'alma. , f. .. , niinda bem que lhe não falta, ao menos, esse balsamo purificador que nos da a reugiao do O u-

cificado. Se assim não fora,, o que seria daquella alma no meio da desesperação que acerca

Inclinado deante da magestade do throno ainda mais nos mclmamos deante da ^tode^

tão grande desdita, e osculando a mão piedosa e benevola, que ampara a viuva e ameiga o oiphuo,

compartilhamos de coração a dor immensa que lhe dilacera o seio. inmiwn;(1,nnPAoPaedisvellado,

cujo coração também amargurou tão ferino golpe s,rva-lhe de ompensaca o

pezar que esse infausto acontecimento causou a seu povo : que hoje reverente e mudo ,e posta

ante os altares pranteando a graciosa e bem amada pnnceza que perdeo

O consolo da pátria; é a lembrança de que: aquella que portão pouco viveu entie no..

hoje no céo é mais um anjo de guarda para a torra que lhe deu o berço.

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Page 2: A SENHORA D. LEOPOLDINA,

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O GUARANY

yiYÍSOS

ADMINISTRAÇÃO EREDACÇÃO—Rua Sete de Setembro N. 146 A,para onde deve ser dirigida toda0a correspondência e reclamações.

ANNUNCIOS — Litterarios, artísticos, industriaes e scientiíicos:pagina inteira lOtfOOO, meia pagina ou uma columna inteira 5^000,cada linha de uma columna 100 rs. Annuncios illustrados por pregosmódicos o convencionados.

ASSIGNATURAS— Para a Corte 5&000 por trimestre vencido, paraas províncias llífOOO por semestre ; avulso 500 rs.

COLLABORAÇÃO — Aceitamos todo e qualquer artigo nas con-dições do nosso programma e os publicaremos sendo bem redigidos.Os artigos que não forem publicados serão restituidos a seus donos.

OFFICINAS— As officinas desta folha encarregão-se dos traba-Ihos relativos á sua industria por preços excessivamente módicos,garantindo toda a pontualidade, perfeição e nitidez.

SUMMARIO:— Retrato da prineeza D. Leopoldina, litbograpbado ¦

por Souza Lobo; S.fA. I. a Sra. D. Leopoldina, Retrato, pela redacção,jose de Alencar, pôr M. A. Major; Bellas Artes, por Fellx Ferreira;Tlieairo Hespanliol, por **+; Depois de um baile, por D. MariaAmalia; A' Maria. poesia de Luiz Madureira.

Rio de Janeiro, 12 de Março de 1871.

RETRATO

O retrato da pranteada Prineeza a Sra, D. Leopoldinaque hoje damos aos nossos assignantes é devido aolápis do Sr. A. A. de Souza Lobo, notável artistabrasileiro de subido merecimento.

Procurando melhorar a nossa publicação e desejandoque aquelle retrato fosse o mais bem acabado possível,commettemos ao Sr. Lobo essa delicada missão á quedeu elle o mais gracioso cumprimento, fazendo empoucas horas um trabalho, que tanta honra faz aonosso periódico.

Juou3 de AlencarIV

Abre-se agora a face esplendida do talento de José deAlencar. E' no romance que o distineto litterato maisaltos vôos deu e maior copia de louros tem logrado emum caminhar de muita porfla e muito esforço.

Cinco minutos e a Vinvinha escreveu-os José de Alen-car em folhetim do Diário do Rio \ mais tarde appare-ceram em livro e não ha abi menina ou estudante dadoa essas cousas de ler e aprender que os não saiba pelocoração: é cpie aquellas duas narrações simplices e for-mosas, trazem perfumes qtie não ha deixar de sentil-osou escpuecel-os.

Sob um céo cabido sobre a terra, w, pezzo di ciclo ca-duto in tierra, em um dia, em que o sol tinha tanto ouronos raios e a natureza tanto azul nas serranias, tantaprata nas águas, tanto matiz nas flores, o poeta ouvio a—phrase do Trovador. « Non ti scordar di m-e-fTTT. phrasetão linda e triste dita depois de um aperto de mão emum omnibus Eis o principio dos Cinco minutos.

A menina que abrir o romance e ler o seu começo temo coração em anceios. « E' assim diz ella, que princi-

H piam as barcarolas sentidas de Veneza a bella; é assimque faliam os sylphos aéreos da velha Allemanha »

E o poeta, que também extremeceu o peito ao ver

gentil donzella, azues os olhos, rosado o lábio, enleia-se todo e não sabe quanto mysterió, quanto encanto vaino « Non ti scordar di me, » no aperto de mão, no lenço

que o sandalo perfuma e o pranto molha.O romance todo ó lindissimo; não será no raio da es-

tante do philosopho que elle ambicione moradia, é lá nacestinha de costuras da menina entre flores, rendas ebordados que elle merece de estar.

A. Viuvinha é yii outro gênero de composição; temmais lance dramático, mais acção, ma^ falta-lhe aquellasingeleza dos Cinco Minutos: entro um e outro ha o con-traste de uma obra de Rossini e unia. outra de Bellini:este escreveo com os olhos fitos no céo e a alma ascen-dendo em extasis, aquelle ainda mesmo ouvindo o ma-rulho das vagas do gòlpho de Baia, sentindo os perfu.-mes dos laranjaes perto do túmulo do Maiituano, esmo-ve Othelo,o mouro cheio de furores e ciúmes.

A conversa de Jorge e Garolina, em «que a esta contaaquelle o "seu

passado e pede-llíé perdão é uma scena.lyrica e natural, mas aquelle homem que em um dia temseis coutos de réis, mette no bolso quatro moedas decobre para jantar, troca uma deltas para dar uma es-mola recebendo o desdém do calxeiro e a ingratidão do

pobre, a casa do pasto « Ao Garnwé, » a honradez de

pagar integralmente as lettras, tudo isto que tem o co-lorido dramático é no entretanto inverosimil e carrega-do nos toques.

Os caracteres são liem traçados: o Sr. Almeida, fcypodo homem honesto o austero, Garolina recebendo chisombra viva uma saudade e amando no coração a som-bra morta do marido,Jorge (excepçao da vida em que vaeregeneram! o-se) valem sinceros applausos. Ha muitaliecão no romance e sobretudo nestas palavras do autor

quando Jorge engatilha a pistola, e ora:« Desvario incomprehensivel da creatura, que oilen-

dendo a Deus, ora a esse mesmo Deus!« Demência estrávagante do homem que pede perdão

para o crime que vai commetter. »Depois da revista: Ao correr da penna, dos dous ro-

mances: Cinco minutos o a VmvinJia, o illustre eseriptorensaiou o seu talento no romance histórico e folhetim áfolhetim sahio o Guará,///, o primeiro trabalho do ge-nero diflicil e árduo, em que a imaginação e a verdadeda historia entrelacam-se e reunem-se como os ramosde duas arvores diüerentes, que prendendo-sc uns nosoutros, voltam-se para o céo desatanclo-se em folhas eflores.

?ç%0*§fáM$^&*

V

Tratemos dos romances históricos do Sr. José deAlencar.

~ÇTtrrnmuij~io\ escripto folhetim á folhetim para oDiário do Rio. Romance, cuja scena passa-se em 1004,é elle valioso por três ordens do bellezas sem iguaes nalitteratura brasileira dos últimos tempos: a belleza deforma, a belleza de imagem e a belleza de sentimento.

Abellezacle forma-revela-se no caracter do personagem ke na urdidura da intriga; a de imagem manifesta-se na wdescripção, na paysagem, no colorido, no seguro dos $>toques e na verdade das situações; a belleza de senti- ê|$

Page 3: A SENHORA D. LEOPOLDINA,

O GUARANY

mento a ultima e a mais levantada em primores e diM-

dl de execução, apparece aqui no estudo de uma verda-

de histórica' ali na maneira de pensare exprimir do sol-

dado e do gentio, do fidalgo e do aventureiro, no des-

atar-se de uma obscuridacle legendária, no maravilhoso

de uma tradicção e sobre maneira nos costumes e insti-

tuicões que são a característica de um povo ou de uma

época. .Estudemos pois estas três cathegonas de bellezas.

Da profundeza de investigações colhidas iutelligen-

temente nos Amiaes do Rio de Janeiro de Silva Lisboa,

Historiado JBrazil ele Warnhagen, Topographiade Ayres

do Casal e Roteiro do Bmzü de Gabriel de Souza, do es-

tudo serio e calmo dos usos coloniaes, cio apanhado cir-

cumspecto das paixões violentas, fortes o ousadas de

épocas, cm que os sentimentos desencontravam-se a,

cada instante fazendo com (pio acubiça e a honestidade,

a fé e a cegueira, a magnanimidade e a violência agi-

tassem-se no mesmo plano, da observação miúda quesobe os olhos d'uma carta geographiea até o céo, queneste vê astros, luz e cores e naquella latitude e gráos,

que do céo procura a tèrra,que da terra profunda-lhe os

seiose interroga pelas gerações mortas; de tudo «quanto é

analysar e resumir, chamar a reflexão c illuminar dos

cambiantes da phantasia saldo o Guarany, que na opi-

nião modestíssima do seu autor « tem um único mérito

e é o de fallar de cousas de nossa terra, dos primeirostempos da colonisação e de misturar algumas reminis-

cencias históricas aos costumes indígenas. »

O Guarany veio rcavivontar a poesia ao povo, porqueesta. produz e mostra-se no theatro pela comedia, na

poesia pela canção e bailada, na historia pela narra-

tiva.E a obra de José de Alencar trouxe os predicados de

um bom trabalho, porque realisou as três ordens de

bellezas epie apontámos e das quaes vamos tratar.

A belleza de forma é o caracter do personagem e o

cahir da intriga—operações magnas .que o talento estu-da e põe por obra de modo a satisfazer. Conte-se por fe-licissimo o distineto romancista em acertar tão de vezcom diffiçuidadesque são uma podia sabel-as eum trium-

pho logral-as!O caracter do personagem—vario, multiplico, denun-

ciando homens e idéas, paixões e sentimentos, vê-se eestuda-se em D. Antônio Mariz, o companheiro em 1561de Mem de Sá, o guerreiro em 1578 da expedição deAntônio Salema contra uma feitoria estabelecida porfrancezes cm Cabo-Frio; vê-se e estuda-se no escudeiroAyres do Casal, em Loredano, em Álvaro, em Pery. Ca-da figura é um signal: move-se e agita-se em razão deuma força superior que vem a ser a idéa.

A urdidura da intriga nasce do caracter do pèrsona-gem e revela-se sempre de dous modos * ou o indivi-duo qualquer que elle seja denuncia a idéa que repre-senta pela idéa que segue ou um facto grande ou pe-quenomanifesta uma certa ordem de caracteres óujDen-samentos. A intriga porém pôde ser falsa ou verdadeira

e attrahir ou não interesse pelas peripécias e episódios Mque acarreta, amontoa e desata, Para que o assumptoseja bem apparelhado e interesse e prenda é precisomuito talento e muita aptidão.

Ainda deste lado José de Alencar foi felizVejamos a verdade do que dissemos.A luetade Pery com a onça, aquella menina da casa

de Paquequer, embalançando-se em uma rede, linda, deolhos azues e lábios vermelhos e humidos como a gar-clenia de nossos campos orvalhadapelo sereno da noite,aquella bella Cecília a desafiar três paixões fortíssimas,differentes e contrarias; Álvaro, Loredano e Pery, mo-vendo-se e tocando-se, a morte heróica de D. Antôniode Mariz, guerreiro da tempera dos portuguezes, quepelo rei e pela grey, dominaram a Ásia e a America, aÁfrica e os mares, terras ainda não sabidas e continen-tes ainda virgens; os tramas dos aventureiros e a devo-tação do indígena—attestam uma perfeição, uma ver-dade, um saber do emprego da luz e das sombras, do

plano e das linhas—característica da ordem e daharmo-nia de um trabalho.

Passemos ao segundo ponto: a belleza de imagem.

(Continua.)

Manoel Antônio Major.

V

Apfaq

Quando um brado de indignação clamou do norte ao

sul por desaffronta aos brios nacionaes, oífendidos pelodictador Lopez, milhares de brasileiros, abandonando

lar, patriáe família, correram a engrossar as fileiras dos

heróicos defensores do pavilhão auri-verde.Ao som dos hymnos bellicosos travou-se a renhida

luta entre o Brasil e o Paraguay. Os campos do sul co-

briram-se de mortos e feridos, e no meio de tantas sce-

nas de horror e sangue, um anjo da caridade, calmo e

sereno, surgio a cuidar das victimas, encorajando-as no

soffrimenio e consolando-as na agonia.

Esse anjo era Anua Nery, filha da pátria da desditosa

Moema.Para dizer o que foi, e o que fez, essa mulher sublime

nos campos do Paraguay seria necessário escrever a his-

toria dessa porfiada guerra, para que na diseripção dos

seus mais ensangüentados episódios se patenteassem os

mais bellos feitos da caridade verdadeiramente evange-

lica do anjo bom do mísero soldado, de quem foi mãi

extremosae desvelada filha.Anna Nery é uma heroina, não do gênero dessas

aberrações da natureza como a Joanna d'Are, mas a

de verdadeira heroicidade femenina, que consiste em

mitigar as dores da humanidade, compartilhando os

seusTsoffrimentos. Anna Nery é um desses anjos que em

todos os paizes apparecem no meio cias grandes calami-

dades, como enviados do céo, a enchugar as lagrimas

cios que softrem e curar as dores dos que gemem.

I

Wmm

Page 4: A SENHORA D. LEOPOLDINA,

1O GUARANY

I

Levada pelos impulsos do coração e consciência do

dever, cumprio a sua grandiosa missão sem apparato,

desempenhou exemplarmente o seu mister sem ambi-

cão da menor recompensa; e de volta, passou entre

nós como devia passar; isto é, sem servir de alvo a essas

manifestações ruidosas, que nem sempres significam o

sincero apreço publico para com aquelles a quem se fes-

teja.A conterrânea de Dona Joanna cie Souza não podia ser,

como felizmente não foi, confundida com aquella que

aqui fulgio como meteoro e morreu como infeliz.

Acabando de cumprir um dever para com Deos, os

homens nada tinham que ver com ella; fizeram, poismuito bem em deixal-a ir tranquilla descansar modes-

tamente na terra do seu nascimento.Alguns admiradores, porém, de tão piedosa senhora,

desejando dar-lhe uma manifestação de apreço, mais

sincera e menos estrondosa do que essas que a cada

passo se fazem por influencia dos Íntimos, encarregaram

ao Sr. Yictor Meirelles cie Lima de retratar, em grande,aquella dilecta filha da caridade;. missão esta, queaquelle insigne artista desempenhou com a melhor bôa

vontade no curto espaço de dous mezes.Assim como o sol com seus raios límpidos e espiem-

dentes descora e offusca as luzes artificiaes, assim as

obras primas dos grandes artistas escurecem e ames-

quinham os melhores trabalhos das mediocridades, em-

bora preconisadas pelos cegos enthusiastas que ante-

põe o coração á consciência.O apparecimento cio novo quadro do Sr. Victor fez es-

quecer todos quantos, do mesmo gênero, tem nestes ul-timos tempos apparecido entre nós.

Ante uma obra tão bem acabada como aquella, o maisignorante em matéria de arte sente o quer que seja

que não pôde explicar, mas que não experimenta aoencarar qualquer outro trabalho de medíocre e vulgarexecução.

A nova producção do inspirado autor da primeira mis-sa no Brazil, não é um simples retrato de família, é umacomposição artística de grande merecimento, é um (pia-dro histórico de um valor subido e incontestável.

Paraanalysar detida e conscienciosamonte essa, obra,não basta muita imparcialidade e bom gosto; a estasduas qualidades, que infelizmente nem sempre se casamem um mesmo indivíduo, é preciso também juntar-sealguns conhecimentos da arte, porque, segundo Lenor-man, antes de apontar-se os defeitos de um quadro,deve-se primeiro procurar comprehencler-lhe as belle-sas; e como para isso não temos a necessária sciencia,não entraremos, por conseqüência, em um exame deti-do, mas apenas faremos uma rápida apreciação semvisos de juizo critico.

Destaca-se na tela a figura principal de um fundo cpierepresenta um descampado em Humaitá. Ao longe vê-se a derrocada capella e o acampamento; no primeiroplano á esquerda, um morto em uma podiola e um feri-do carregado por dous companheiros de armas, á direi-

ta, um soldado sentado, de costas, em uma rima de |[objectos, dentre os quaes sobresahem um colchão e tra- fvesseiro, uma cama de campanha e uma espingarda,

D. Anna Nery, cie vestuário preto, está de pé tendo amão direita sobre o peito e a esquerda pendida seguran-do um pequeno indispensável.

A fronte calma, o olhar límpido e a postura naturalclão-lhe um aspecto tão nobre e cheio de vida que fazesquecera mesquinhez cia estatura, cpie ainda, assimmesmo é mais alta cpie a do origina

Quem dá cie face com aquella figura, tão mei-

ga e tão amável, suppõe vôr a própria heroina da.caridade, e, tomado de um certo respeito, que nos infun-de a presença das pessoas virtuosas e dignas, leva in-voluntariamente, a mão ao chapéo para descobrir-se ;approximando-se, reconhece o erro, mas não se dissipaa impressão, que ainda ausente do quadro, se conservano espirito.

Um dos mais raros predicados artísticos, do qual o

Sr. Victor dispõe com abundância, é a summa facilida-de de contrastar as cores, approximando-as tanto cionatural, que chega pôr em duvida aquelle que a certa

distancia as observa.Quem por exemplo, podo deixar de perguntar a si

mesmo se não será realmente seda preta o vestuário dafigura principal, e vidrilhos verdadeiros os eme ella tem

no chapéo?O achamolotado da. fazenda o brilho e o reflexo da luz,

a perfeição do tecido, a elegância do talhe tudo emfimconcorrem para essa naturalidade inexcidivel que cons-titue um dos menos revelados segredos da arte.

A cor do travesseiro que apparece por entre a fronha,é admirável, a projecção das sombras dos mais peque-nos objectos é de uma perfeição (pie por poucos será tãofacilmente alcançada.

As delicadas mãos da piedosa enfermeira, as linhas

puras do rriaceracío rosto, o avelludado dos negros eformosos olhos, junto á elegância, sem aitectação, do

perfil correcto e gracioso formam um composto tão liar-monico eme nada deixa a desejar.

"A pouca distancia da heroina uma bala passando escar-

vou a. terra; nem esse incidente escapa ao observador,ainda o menos attento. Tão perfeito é o trabalho-!

O Sr. Victor Meirelles de Lima não é uma esperançaa realisar-se, é uma reputação feita, se o não fora, essequadro só por si a teria constituído.

O autor à& primeira missa e de Moêma é hoje incontes-tavelmente o primeiro pintor brasileiro; encarecer-lhe omérito seria veleidade, disputar-lhe a gloria em favorde outro, ainda menos cio que isso, seria stulticie. Sau-dando-o de coração pelo novo triuinpho que acaba dealcançar para si e para a pátria, só nos resta bradar coma voz da multidão que o acelama—avante!

Novembro 1810.

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Felix Ferreira.

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Page 5: A SENHORA D. LEOPOLDINA,

O GUARANY

o .ealru ile^pai

nhol

Em Hespanha, eo.no nos outros paizes, foi a igreja

•me fez nascer o drama : todavia, a primeira represem-

tação a que estrictamente se pode chamar theatral, e

de que ha menção nos annaes da H- spanha, é a que se

fez em 1414, na festa da coroaçao de Fernando o Bom,

rei de Aragão. Foi composta pelo marquez do Vilhena ;

e só sabemos que era uma peça allegoriea, em que íigu-

ravamajustica,a paz, a verdade e a clemência, de modo

que pertencia á classe imoralidades, que tiveram vo-

«apor algum tempo na infância da arte dramática hes-

panliola, e que depois Cervantes fez reviver. Pouco

depois desta tentativa de Vilhena, o seu amigo marque/

de Santilhana, homem, como .dl-, de grande saber e de

idéas claras, reduzio a drama, com o titulo de Comedie-

ta de Pou:.a, os incidentes de uma batalha naval dada

em 1435, junto á ilha do Ponzã, entre os Ara^onezes e

Genovezes,em que estes ficaram vencedores. O drama

nunca foi representado, nem impresso como as demais

obras deste autor ; e só se sabia da sua existência pelascartas do marquez, até que o Sr. Martinez de Ia Rosa, o

grande poeta hespanhol, nosso contemporâneo, odes-

cobrio entre os manuscriptos da. bihliotheca real de

Paris. Esta curiosa relíquia das primeiras tentativas do

í?enio dramático hespanhol é notável pela grande habi-

lidade que nella apparece, não só no modo de tratar um

facto histórico, mas lambem no enredo, dialogo e ver si-

íicaeão.Foi pelos fins do século XV que em Castella se esta-

beleceu uma espécie de theatro. Os primeiros ensaios

dramáticos, nesta parte da Peninsula, fôl-os João de ia

Encima, muiconhecido pela- suas poesias soltas, e cujasobras formam por si só um cancioneiro. Depois de alar-

gar os limites das representações religiosas, compondovários autos, onde não somente se achão paíaphrasesda Bíblia, mas também invenções do poeta, formou o

projecto de fazer sahir o drama dos objecfcos religiosos,

parao que compoz perquenas pecas pastoraes. que de-

nominou Bclogas. Estas peças, em que elle próprio faziaos principaes papeis, se representaram primeiramentecm casa do almirante de Castella e da duqueza do In-fantado. Como a denominação o indica, (dias de nadamais constavam do que de um dialogo entre dous oumais pastores. O autor, á imitação de Virgílio, usou a

primeira vez desta invenção para celebrar, por via dasallusões, algum acontecimento notável, como a conelu-são de pazes ou a volta de algum principe ; e depois in-ventou uma aoeào curta e simples, na (piai reduzio adrama as paixões de suas personagens. Estas pequenaspeças, cortadas por dansas, e acabando com vilhancicose cantigas, continham também alguma seena truanescaou graciosa, de modo que nellas entravam juntamente

I os elementos da tragédia, comedia e opera. Tem estas

J| primeiras tentatives bastante, sal e agudeza, e ao mes-Jg| mo tempo naturalidade e viveza. A primeira represou-

tação destas comédias pastoris fez-se em 1492, anno me -

moravel nos annaes da Hespanha, por ser o da conquís-ta de Granada e do descobrimento do Mundo Novo. Foitambém por este tempo que appareceu a famosa Ceies-tinir, de Rodrigo de Cota.

Os primeiros dramas regulares hespanhóes nasceramno principio do século XVI, e, o que é mais notável,fora de Hespanha. Um certo Torres Naharro, residenteem Roma, compoz ali varias comedias,que foram repre-sentadas perante Leão X (1). Nellas a invenção 6 feliz,os caracteres bem traçados e o dialogo vivo, o contémalgumas ousadias que neste autor não erão de admirar,

porque apezar de ser clérigo e de viver na corteponti-tieia, compoz satyras contra os eeelesíasticos, taes queLuthero não estimaria pouco ser autor deltas. Naharrocompoz também uma arte dramática, a primeira queappareceu em castelhano : nella faz a distinceão datra-

gedia e da comedia, e divide esta em duas espécies; co-

media de noticia, isto é, histórica; e comedia de phmta-sia, isto é, de imaginação: foi lambem elle «pie inventou

os introüos, ou prólogos, e que deu aos actos a denomi-

narão de jornadas, seguida depois constantemente pelosautores hespanhóes nas divisões dos seus dramas.

As peças de Naharro, apenas appareceram na hespa-

nha, foram prohibidas pela Inquisição^ como suecedeu

ás poucas mais recentes de Christovão de Costillejo, se-

cretariodos imperadores Maxi mi lia no e Fernando (2.)

Estas, quando se imprimiram as obras de Oastillejo,

passados annos, foram supprimidas e perderam-se de

todo. Apresenta assim o theatro hespanhol o phenome-no singular de ter tida duas infâncias. Havendo sido

prohibidas, as primeiras tentativas de composições dra-

maticas regulares não acharam imitadores, cate parece

que inteiramente esqueceram, porque o casamento de

uma infanta de Castella, em 1548, foi uma peça de An-

osto que se representou. Entretanto, alguns eruditos,

como Villalobos, Oliva e outros, trabalhavam por apre-

sentar os antigos como modelos dramáticos, traduzindo

as comédias de Planto, Terencio e Aristophanes; mas

estas antigas composições casavam-se mal com o gênio

hespanhol, de maneira que, emquanto as producções

theatraes que a hespanha possuia jaziam sepultadas nas

livrarias dos curiosos ou nos avchivos da Inquisição, o

povo se entrelinha com as grosseiras caturrices dos jo-

traes e truões. Daqui nasceu que Schlegel,Boutemeek,

Sismondi, e quasi todos os críticos estrangeiros, igno-

rando até os nomes dos primeiros escriptores dramati-

cos hespanhóes, não só delles não faliam, mas põem a

a origem do drama castelhano no meiado do século

X O

'fundador do theatro hespanhol, a que verdadeira-

mente se pr.de chamar nacional e popular, foi Lope de

MT. Esta rara ediçiío eviste(1) E impressas em Nápoles cm

étesixz®^^^^*sao co"nhecidüs nas edições mutuadas.

Page 6: A SENHORA D. LEOPOLDINA,

->e€

O GUARANY(PU

Rueda de Sevilha, que deixou o seu officio de bate folha

para se juntar a uma companhia de cômicos ambulan-tes, dos quaes foi brevemente o cabeça, ou, segundo aexpressão hespanhola, autor. Este titulo, derivado, nãodo latim emetor, mas de auto, dava-se naquelle tempoao que compunha e recitava peças; e também lhe clia-mavam maestro de liacer comédias. Lope cie Rueda tinhaambas as castas de talento necessárias para ser um autordaquella época; ganhou por isso grande reputação, eíbiunanimente julgado grande poeta e grande actor; etão completamente esqueceram as tentativas dramáticasfeitas antes delle, que o tiveram em conta de inventorda divisão em jornadas ou actos, e dos prólogos chama-dos introitos, e depois loas. Durante uns poucos de an-nos discorreu Lope cie cidade em cidade; mas por fim a•sua grande reputação fez com que fosse chamado ácorte cleFelippe TI. Os poucos dramas,diálogos pastoris,etc, que delle restam, se distinguem por certa graça eviveza naturaes; e posto que sejam todos em prosa, elleescrevia em verso com a mesma facilidade. Ha um factocurioso que prova a indulgência com que os ecclesiasti-cos olhavam, naquelle tempo, até para os dramas pro-fanos, facto que se lê na historia de Segovia de Colme-nares. Na accasião da grande festividade da abertura dacathedral daquella cidade, a companhia de Lope deRueda representou em um tablado erecto no meio daigreja,depois de vésperas solemnes, unagusiosa comedia.O próprio Lope,morrendo cm Cordova no anno de 1567,foi ali enterrado com grande pompa no coro da cathe-•dral.

Por este tempo (1561) a corte hespanhola, que ate en-tão tinha andado vagueiando pelas capitães das diíle-rentes províncias, fez assento fixo em Madricl, circums-tancia que foi favorável para a arte dramática, porquedelia nasceu o haver um theatro fixo. Documentos au-•tlienticos provam que, um anno depois da morte deLope de Rueda, havia theatros cm Madrid. Existiamentão,tanto na capital como nas províncias, varias com-panhias de actores, distinetas umas das outras por no-mes extravagantes e burlescos, e tão numerosas,que umescriptor moderno liespanhol as distingue cm oito espe-cies' differentes.

Os progressos materiaes acompanharam d'ahi avanteos litt erários e moraes. Por 1580 estabeleceram-se osdous theatros de Ia cruz e delprincipe,ç[\\e ainda existem;e alguns engenhos summos começaram a trabalhar cmcomposições dramáticas, o que até então se tinha dei-xado aos directores das companhias ambulantes. Cor-vantes, tendo chegado do seu captiveiro de Argel, foium dos primeiros que encetaram esta carreira; mas,apezar dos seus muitos méritos como escriptor drama-tico, Cervantes era mais inclinado ao gênero narrativo,o que não se compadece por certo com o estylo própriodo drama»

Emquanto o autor de D. Quixote escrevia em Madrid;João de Ia Cueva fazia representar alguns dramas notheatro de Sevilha, reduzindo a quatro o numero de

actos ou jornadas, que até então eram cinco ou seis. Arepresentação de cada noite constava da peça principal,c, alem disso, de três entremezes e um baile. TambémYalencia, que nas artes e boas letras era, a rival de Se-vilha, deu alguns passos na carreira dramática. Foi um-poeta valenciano, (,'hristovãe de Yirucs, que ainda re-duzio o numero a que se limitaram dahi avante todosos escriptores dramáticos hespanhóes. Até então, o dra-ma, segundo o engraçado conceito de Lope de La Vega,tinha andado com as mãos pelo chão (a quatro pésj comouma criança, porque estava na idade iafantil.

A pompa scenica do theatro hespanliol tinha já feitograndes progressos. Rojas diz que no tempo de Lope deRueda toda a vestiaria e mais aprestos de qualquer com-

panhia se podia carregar ás costas de uma, aranha, masque no tempo de Cuevas e Yirucs as actrizes represemlavam os seus papeis com vestuários de seda e velludo,e com cadeias de ouro e fios de pérolas; que nos entre-mezes se cantavam tercetos e quartetos; e (pie até appa-reciam no tablado cavallos, quando assim era necessa-rio para ser completa, a illusão.

Digno é do notar-se que já no século XYI se acha emHespanha travada a guerra entre os esçriptores drama-ticos, que pugnavam pela sua, liberdade, e os cri ticos,que os queriam sejeitar aos preceitos de Aristóteles.Era assim que, emquanto o rethorico Pinciano clamavaque respeitassem as três unidades, de que nenhum casose fazia, João de Ia Cueva tomava despejadamente a seucarço defender as liberdades dramáticas no seu Lixem-

plar poético. Pugnava por ellas. porque eram o frueto deum serie de séculos que tinham abolido todos os antigoscostumes, porque eram mais favoráveis aos vôos atre-vidos da imaginação, e porque, emnm,eram mais adap-tado meio de agradar ao publico. Mas, apresentando tãojudiciosa opinião, estabelecia máximas para regular ascomposições dramáticas, taes que serão sempre appro-vadas pelo bom juízo ebom gosto: todavia,os seus com-

patriotas nem destas mesmas fizeram caso no seu ar-dor contra toda a casta de restricçõcslitterarias.

Este desregrado fervor de imaginação era o resultadonecessário das particulares circu instâncias que por mui-tos séculos tinham concorrido para formar o caracternacional em Hespanha. « Os Hespanhóes, diz Schlegel,tiveram um quinhão glorioso na historiadaidade media,quinhão muito esquecido pela ingratidão dos temposmodernos. Elles foram então como uns atalaias soltosnas fronteiras da Europa: a Península era como um ar-raiai exposto aos incessantes acommettimentosdos Ara-bes e desamparado de alheio soeeorro. Acostumado acombater ao mesmo tempo pela liberdade epela religião,o hespanhol era aterrado a esta com o zelo fervoroso de

quem a tinha comprado á custa do mais puro sangue.Cada solemnidade do culto divino era para elle comoum prêmio de suas acções heróicas; cada tempo um mo-numento das façanhas de seus antepassados. Em maisrecentes épocas nunca importou aos hespanhóes exa-minar os actos de seus superiores, mas continuaram m

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vt&iú

O GUARANY

,.,., ¦ rlP agressão ou ambição coma mesma fido-nastruci 1 cio u-° "ps

lidado c valentia que tinham mostrado nas guerras de

defénsão. A fama individual e o zelo falso da religião

os legava acerca da justiça das causas que os moviam.

Fmpvezas sem igual levaram-as felizmente a cabo ; e o

Mundo Novo, descoberto por elles, foi conquistado Por

um punhado de valorosos aventureiros: casos partícula-

res de Crueza e rapina mancharam o brilho do mais aca-

bado hcroisino, más estas corrupções não chegaram ao

amaevo da narão. F-m parte nenhuma como em Hcspa-

nha sobreviveu o espirito de cavallaria á sua. existência

política por tanto tempo, por isso que ainda existio

depoisde tér passado a preponderância de Hespanha,e de

ter sóffrido grande diminuição a opulencía internado

paiz em virtude dos ruinosos erros de Felippe II. Pro-

pacòú-se o espirito cavalleiroso até o período mais fio-

reseente da sua litteratura, e nella estampou o seu ou-

nho de não duvidosa maneira. A imaginação dos hes-

panhóès era audaz como as suas aceões: nenhuma aven-

tura intellectual lhe parecia perigosa. A predileeçao do

povo por maravilhas extravagantes ja se havia mostrado

nas novellas de cavallaria. Desejavam ver também o ma-

ravilhoso no theatro; e quando os seus poetas, eminen-

tes na cultura litteraria e na situação da. vida, lhes re-

presentavam esta na forma requerida,introduziam nella

uma espécie de harmonia, e purificavam o da sua gros-

seria real, resultando do contraste entre o objecto e a

sua fôrma uma fascinação irresistível. Imaginavam os

espectadores (pie viam certo fulgor da omnipotente

grandeza da sua nação, já muito abatida, quando toda

a harmonia dos mais variados metros, toda a elegan-

cia de agudas allusõcs, todo aquelle esplendor de ima-

gens e comparações que só na sua língua se acha, se

derramavam por enredos dramáticos sempre novos e

quasi sempre grandemente engenhosos. Buscavam-se

na imaginação os mui ricos thesouros de passados tem-

pos para contentar o povo, como se realmente existis-

sem : pode-se dizer que nos domínios de tal poesia, como

nos de Carlos Y, nunca se punha o sol.

Foi quando os ânimos mostravam semelhante tendeu-

cia que surgio Lope de LaVegaparaexercitar a sua por-tentosa fertilidade de invenção dramática e facilidade

métrica. Desteillustre dramaturgo faltaremos no proxi-mo artigo.

* * *

os meus desgostos? porque não hei de, emfim, fazerd'esse meu livro o tabernaculo dos meus affectos,os maisíntimos e os mais santos?

A dor, que se sepulta no segredo do coração, é o mar-tyrio mais pungente; nem ha orvalho caie a regue, senãoas tepidas lagrimas que se destacão dos olhos.

O coração da mulher é a verdadeira imagem desse mi-moso arbusto dos campos chamado sensitiva;— comoella basta o mais leve toque do soífrimento para deíí-nhar-se languido e intrestecido. E porque o mundonunca chegará a comprehender plenamente essas na-turezas excepcionaes e delicadas, é por isso que os bal-does e as injurias são os interpretes desses affectosmelindrosos queahivegetãoincultos até que o raio divinodo amor os venha reanimar. O que são e o que valemas mulheres, nunca os homens poderão sinceramenteiulgal-o.

Demônio ou anjo, symbolo ou mytlio, nunca poderãotraduzir nessa myriada de volumes que entregam á eu-riosidade publica.

Ha tantas harmonias no coração de uma virgem tan-tase tão intimas confidencias de sua alma, que mal sereflectem no semblante; tão castos e suaves enlevos, tãosentidos e magoados harpejos,que nem o poeta inspirado

por Deus poderá tarduzil-os no seu elevado cantar.Abri um livro, onde a chamma dogenio se refiecte com

todo a sua pompa e ostentação: vede, mirai-o bem; ahi ocoração da. mulher é em longos e vigorosos traços esbo-

çado com se fofa um painel, míseros homens! rasgaiessas paginas (pie unicamente exprimem para nós a ig-norancia que tendes do coração da mulher. Pedi á natu-reza o segredo dos seus mais Íntimos arcanos; pedi aosol a fonte dessa luz com que nos illumina; pedi álua a causa da morbidez melancólica, e ser-vos-ha maisfácil decifrar tudo isso do que penetar os mysterios intí-mos do coração da mulher !

Depois de um baile

Quero também ter o meu. livro, onde possa gravaras impressões tristes ou alegres da minha vida de moça!

O mundo não pôde saber quanta dor oculta e pro-funda vivedebaixodo semblante dessas pobres creaturas

a de Deus, <pie muitas vezes definirão do tristeza, e no

H abandono de um existir sem flores!È E porque não liei de confiar a esse mudo papel todos

É os meus pensamentos, todas minhas esperanças, e todos

Sinto-me triste! voltei do baile melancólica e abatida,

como se um pezo me opprimisse o coração!Não sei pelo que é, sinto-me assim todas as vezes

<pie volto de uína dessa reuniões. Os homens cora. quemdansei esta noite, não forão os mesmos com quem dansei

no ultimo baile em que estive e no entanto elles me

disseram o mesmo ou quasi a. mesma cousa, com umalincruaG-em mais ou menos variada, cujo thema foi

unicamente a minha belleza.Mal refletem elles que Narciso não foi uma mulher!O que tem os meus olhos e os sorrisos dos meus

lábios, a tramai dos meus cabellos, ou as minhas longas

sobrancelhas, para fazerem o assumpto de uma conver-

sação importuna e extemporânea ?A luz do céo. dizem elles, tem menos brilho do que

uma chamma dessa dous olhos brilhantes que vos es-

mal tão a fronte.Oh! que o romantismo da epocha tem invadido os

mais santos logares! é verdade, nem o veneno da mau-

sanilha atravéz do seu poderoso perfume!E deixai uma moça entregue aos cuidados e ás delica-

dezas de um cavalheiro que a vê pela primeira vez,

*

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1

8O GUARANY

para dahi a cinco minutos elle declarar-lhe uma paitód

furiosa, como a de Tasso, ou melancólica com a de

Bernardim Ribeiro.Mentir aos sentimentos do coração, occültar a impres-

são de um momento sob o nome de um affecto que

consumio duas existências divinas, é escarnecer de

uma pobre menina, é faltar as regras da delicadeza, e

tornar-se ridículo a seus próprios olhos l

Eu duvido que um homem de bom senso nao co-

ra-e de pejo ouvindo as futilidade* com que a maior

parte dos cavalheiros entretem as suas damas em um

baile. 'Quando não lhes vêm o mau gosto de tratarem de

modas, que mal percebem, e de criticarem a maior

parte das outras jovens, como um meio de agradar

aquella com que dansão, abi' vem a banalidade dos

olhos, dos lábios e dos sorrisos.Meu Deus! porque a mulher ha de ser tão mal com-

prehendida por aquelles que devião procurar eiguel-a

á posição que merece. Elias nascerão para amal-os e

comprediendel-os, não para ouvir essas banalidades,

que, depois de algumas horas, não cleixão nem recorda-

cões, nem saudades, e que o vento as leva ao sair de um

baile sem deixarem vestígio se quer da sua passagemna terra !

Deixei a penna cahir-me da mão neste momento, por"

que tinha vontade de chorar; ir-se a um baile e não

trazer-se uma doce recordação de tudo que abi se vio.é bem triste !

Oh! quantos me suppõem feliz! quantos me invejão asorte porque a mocidade transluz viçosa no meu sem-blante e nos cofres dos meus antepassados a fortunaatirou alguns punhados de ouro; quantos, quando asvezes passo entre elles, dizem baixinho, é rica! e ou-tros é formosa! Pica e formosa! eis abi duas quali-dade preciosas ou bastantes par * felicidade de umamoca !

Eu não a eomprehendo assim 1 meu coração me diz

que acima de todas as fortunas existe um bem supre-mo, sem o qual a felicidade é uma chimera, e os pra-

zeres um sonho.E serei eu algum dia feliz? quem, me ciará essa felici-

dade, meu Deus! felicidade que ou não conheço, cujoverdadeiro nome ignoro, mas que sinto e me diz o co-ração que existe 1

Maria Am ali a

c

A' Mana

Se ha na tua alma um resto de esperança...Se de esperanças viveu tua alma um dia!Se inda conservas do tempo de creançaTJma sequer de tantas utopias ;

1H

Se na avidez do gozo em que deliras,Não se afundaram crenças e abusõos,Toucada a phantasia de mentiras,De sonhos de porvir e de illuzões;

Se, como creio, ó filha do peccado,As azas maculaste por amor,E da avidez do gozo imaginadoSalvaste o coração e teu pudor;

Guarda no seio a confissão sincera,Que deixo n'estes versos que são teus,E não zombes da ultima chimera,Que faz-me crer em ti e crer em Deus!

São estes versos a imagem redivivaDe tudo o que eu sonhei e quiz tentar,radies mando a crença ardente e viva,Que a mocidade alenta por te amar.

Amar! Sonhar venturas no teu seio!Sentir pulsar no peito o coraçãoEbrio de sonhos e de encantos cheio,E apoz uma illusão outra illusão!...

Perfumar n'uns lábios purpurinosA vida, a mocidade, a phantasia,E sentir angmentar co'os desatinosA febre de te amar de dia em dia!...

Prender n'um raio á palpebra divinaMais qrie a vida inteira, a salvação;Seguir sem trepidar infausta sina,Aceitar com orgulho a escravidão;

Eis tudo quanto a mente enfebrecidaSonhara nos delírios d-este amor;Onde melhor gloria apetecida,Mais santa aspiração, culto melhor?

São estes versos os límpidos espelhos,Onde se vem minh alma refletir:Dá, Maria, (pie eu possa aos teus joelhosOs sonhos deste amor reproduzir,

E verás que co'a alma, embora morta,A fé extineta, em cinza o coração,Has de te erguer, porque esta luz conforta,Has de te erguer ao sol da redempção!

Luiz Madureira.

Typ, c lilli. -IMPARCIAL—de Felix Ferreira & Cpmp.

146 A RUA SETE DE SETEMBRO 146 A

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