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Escola de Aprendizes do Evangelho - Aliança Espírita Evangélica (8ª turma/GEAEL) 1 23. Ora, o mesmo Jesus, ao começar seu ministério, tinha cerca de trinta anos. Luc. 3:23 35. No dia seguinte João estava outra vez com dois de seus discípulos 36. e, olhando para Jesus que passava, disse: “eis ali o Cordeiro de Deus”. 37. Ouvindo-o dizer isto, os dois discípulos seguiram a Jesus. 38. Voltando-se Jesus e vendo-os a seguí-lo, perguntou- lhes: “Que buscais”? Disseram-lhe: “Rabbi (que quer dizer Mestre) onde moras”? 39. Respondeu ele: “Vinde e vereis”. Foram, pois, e viram onde morava, e ficaram aquele dia com ele; era mais ou menos a hora décima. 40. André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouvi- ram João falar e que seguiram a Jesus. 41. Ele procurou ao alvorecer seu irmão Simão e lhe disse: “encontramos o Messias” (que quer dizer Cristo). 42. E o levou a Jesus. Olhando para ele, disse Jesus: “Tu és Simão, o filho de Jonas: tu serás chamado Cefas (que signi- fica. Pedro). João, 1 :35-42 A primeira frase de Lucas dá-nos conta da idade de Jesus ao iniciar seu ministério: “cerca de trinta anos”. Estávamos nos primeiros meses do ano 29 de nossa era, isto é, 782 de Roma, e Jesus, que nasceu em 7 a.C. (747 de Roma), contava precisamente 35 anos. A anotação de Lucas visava apenas a esclarecer que Jesus já tinha a idade “legal” para sua vida pública, quer civil, quer religiosa. No trecho de João, volta como primeiras palavras, a ex- pressão: “no dia seguinte”. Se começarmos a contar partindo do primeiro episódio (as respostas de João aos emissários do Sinédrio), o fato aqui narrado situa-se no 3.º dia. Será interes- sante notar que a sequência prosseguirá até o 7.º dia. Observemos a cena. Trata-se dos dois primeiros discípu- los que Jesus aceita (segundo a narrativa evangélica) e por- tanto da inauguração oficial de seu magistério na Palestina. O evangelista foi testemunha ocular: dá-nos os porme- nores. João Batista, meio afastado, conversava com dois dis- cípulos seus, quando viu Jesus passar a distância. Num de- sabafo de admiração, repete a frase da véspera: “vejam ali o Cordeiro de Deus”! Essa repetição constituiu um impacto no espírito dos dois que, apressadamente, se afastaram do Batis- ta, fascinados pelo anseio de encontrar o melhor Mestre. E se o próprio mestre deles O indicava, podiam confiar com total segurança. Além disso, a Força Interna deles os impelia, e a de Jesus os atraía irresistivelmente. Jesus volta-se espontâneo e, fixando-os com olhar pene- Grupo Espírita Aprendizes do Evangelho de Limeira Escola de Aprendizes do Evangelho — 8ª turma 21ª aula: Textos complementares GEAEL Transcrito do livro A Sabedoria do Evangelho - vol. 1, Carlos Torres Pastorino Aula 21ª — Entre muitas, a lição que fica: A caridade é a base que deve sustentar a edificação das virtudes terrenas. Sem ela, as outras não existem. Sem a caridade não há esperança num futuro melhor, não há interesse moral que nos guie. Sem caridade não há fé, pois a fé é uma chama que faz brilhar uma alma caridosa. O Evangelho Segundo o Espiritismo Os primeiros discípulos

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Page 1: A Sabedoria do Evangelho - vol. 1, Os primeiros discípulos · e, olhando para Jesus que passava, disse: “eis ali o Cordeiro de Deus”. 37. Ouvindo-o dizer isto, os dois discípulos

Escola de Aprendizes do Evangelho - Aliança Espírita Evangélica (8ª turma/GEAEL) 1

23. Ora, o mesmo Jesus, ao começar seu ministério, tinha cerca de trinta anos.

Luc. 3:23

35. No dia seguinte João estava outra vez com dois de seus discípulos36. e, olhando para Jesus que passava, disse: “eis ali o Cordeiro de Deus”.37. Ouvindo-o dizer isto, os dois discípulos seguiram a Jesus.38. Voltando-se Jesus e vendo-os a seguí-lo, perguntou-lhes: “Que buscais”? Disseram-lhe: “Rabbi (que quer dizer Mestre) onde moras”?39. Respondeu ele: “Vinde e vereis”. Foram, pois, e viram onde morava, e ficaram aquele dia com ele; era mais ou menos a hora décima.40. André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouvi-ram João falar e que seguiram a Jesus.41. Ele procurou ao alvorecer seu irmão Simão e lhe disse: “encontramos o Messias” (que quer dizer Cristo).42. E o levou a Jesus. Olhando para ele, disse Jesus: “Tu és Simão, o filho de Jonas: tu serás chamado Cefas (que signi-fica. Pedro).João, 1 :35-42

A primeira frase de Lucas dá-nos conta da idade de Jesus ao iniciar seu ministério: “cerca de trinta anos”.

Estávamos nos primeiros meses do ano 29 de nossa era, isto é, 782 de Roma, e Jesus, que nasceu em 7 a.C. (747 de Roma), contava precisamente 35 anos. A anotação de Lucas visava apenas a esclarecer que Jesus já tinha a idade “legal” para sua vida pública, quer civil, quer religiosa.

No trecho de João, volta como primeiras palavras, a ex-pressão: “no dia seguinte”. Se começarmos a contar partindo do primeiro episódio (as respostas de João aos emissários do Sinédrio), o fato aqui narrado situa-se no 3.º dia. Será interes-sante notar que a sequência prosseguirá até o 7.º dia.

Observemos a cena. Trata-se dos dois primeiros discípu-los que Jesus aceita (segundo a narrativa evangélica) e por-tanto da inauguração oficial de seu magistério na Palestina.

O evangelista foi testemunha ocular: dá-nos os porme-

nores. João Batista, meio afastado, conversava com dois dis-cípulos seus, quando viu Jesus passar a distância. Num de-sabafo de admiração, repete a frase da véspera: “vejam ali o Cordeiro de Deus”! Essa repetição constituiu um impacto no espírito dos dois que, apressadamente, se afastaram do Batis-ta, fascinados pelo anseio de encontrar o melhor Mestre. E se o próprio mestre deles O indicava, podiam confiar com total segurança. Além disso, a Força Interna deles os impelia, e a de Jesus os atraía irresistivelmente.

Jesus volta-se espontâneo e, fixando-os com olhar pene-

Grupo Espírita Aprendizes do Evangelho de LimeiraEscola de Aprendizes do Evangelho — 8ª turma

21ª aula: Textos complementaresGEAEL

Transcrito do livro A Sabedoria do Evangelho - vol. 1, Carlos Torres Pastorino

Aula 21ª — Entre muitas, a lição que fica:

A caridade é a base que deve sustentar a edificação das virtudes terrenas. Sem ela, as outras não existem. Sem a caridade não há esperança num futuro melhor, não há interesse moral que nos guie. Sem caridade não há fé, pois a fé é uma chama que faz brilhar uma alma caridosa.

O Evangelho Segundo o Espiritismo

Os primeiros discípulos

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2 21ª aula: O início da tarefa pública / Os primiros discípulos

trante que lhes perscruta o coração, pergunta:— Que desejais?Os dois entreolham-se. Que dizer? A primeira idéia é

enunciada, daí subentendendo-se o resto:— Mestre, onde moras?O título “mestre”, dito em hebraico-talmúdico, RABBI,

era o título oficial reservado aos doutores da Lei. Mas tam-bém se aplicava por delicadeza ou para demonstrar admira-ção por alguém mais sábio.

A resposta de Jesus: “vinte e vereis” correspondia à acei-tação tácita dos dois novos discípulos. O narrador, que era um deles, continua com simplicidade: “eles foram e viram, e ficaram aquele dia com ele”. E para firmar que não foi uma conversa rápida e cerimoniosa, acrescenta o pormenor da hora do encontro: “era mais ou menos a hora décima “, isto é, dezesseis horas. Essa anotação da hora é comum em João (cfr. 4:52; 18:28; 19:14 e 20:19), o que nos revela, ainda uma vez, a preocupação de João com a numerologia, que atinge o clímax no Apocalipse.

Como se julgava inadmissível e desrespeitoso chegar a essa hora da tarde em casa de alguém e retirar-se para per-noitar em outro local, deduz-se que os dois passaram a noite entretendo-se com o Rabbi, de lá saindo só depois do nascer do sol.

Mas, quem eram os dois? De um, o narrador dá o nome: André (nome tipicamente grego, o que era comum na Galiléia “dos gentios”) e acrescenta para identificá-lo melhor: “irmão de Simão Pedro”.

Simão é a helenização do hebraico Shim’on (“YHWH ouviu”). Eram ambos naturais da cidade de Bethsaida-Júlia (hoje El-Tell) a nordeste do Tiberíades (cfr. vers. 44). E o ou-tro? Reza a tradição tratar-se do próprio evangelista João, em vista dos pormenores narrados (é o único a documentá-los). E em todo o seu Evangelho, ele jamais se cita.

Ao “despontar do dia”, André e João retiram-se. E o pri-meiro corre a buscar seu irmão Simão, anunciando-lhe o en-contro do Messias.

...O anúncio de André a Pedro é taxativo: “encontramos o

Messias”.A palavra Messias ...1 só é empregada em o Novo Testa-

mento duas vezes, e ambas por João o evangelista, neste pas-so e em 4:25. Em ambos, o evangelista se apressa em explicar que “Messias” se traduz por “Cristo”. Realmente.

Do verbo ... (mosha - cfr. Moshe Moisés) que significa “ungir”, vêm o adjetivo e substantivo ... (mashiah) que sig-nifica “o ungido” (para uma missão), ou seja, o Messias. Em grego, do verbo ... , significando “ungir” (com óleo ou perfu-me) - provém o adjetivo ... , ... , ... , com o sentido de “ungido, untado”; e daí o substantivo o ... , “o ungido” com significação iniciática e simbólica: “o impregnado de divindade”. Assim como o óleo impregna e embebe os tecidos, assim o Cristo é o embebido de Deus, aquele cujas células todas estão permea-das da Divindade.

Simeão deixa-se levar a Jesus, que olha para ele com a 1 Foram eliminadas as palavras grafadas em grego.

mesma penetração ... e pronuncia suas primeiras palavras mudando-lhe o nome. O fato de mudar o nome de alguém revela autoridade e representa o inicio de nova função ou situ-ação (cfr. Gên. 32:28; 17:5; 22:8; Is. 62:2, etc.). Começa citan-do o nome antigo completo: “tu és Simão Barjonas (filho de Jonas ou João, já que Jonas” é a abreviatura de “Yohanan”): tu serás chamado Kefas.

VOLTA À GALILÉIA

43. No dia seguinte, resolveu (Jesus) ir à Galiléia e encon-trou Filipe, e disse-lhe: “segue-me”!44. Ora, Filipe era de Betsaida, cidade de André e de Pedro.45. Filipe encontrou Natanael e declarou-lhe: “encontramos aquele de quem Moisés escreveu na Lei e os profetas fala-ram. Jesus filho de José, o de Nazaré”.46. Perguntou-lhe Natanael: “De Nazaré pode vir coisa boa?” Respondeu-lhe Filipe: “Vem e vê”.47. Vendo Jesus Natanael aproximar-se, disse dele: “eis um verdadeiro israelita, em quem não há engano”!48. Perguntou-lhe Natanael: “Donde me conheces?” Respondeu Jesus: “Antes de Filipe chamar-te, eu te vi, quan-do estavas debaixo da figueira”.49. Replicou-lhe Natanael: “Rabbi, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel”!50. Disse-lhe Jesus: “por dizer-te que te vi debaixo da figuei-ra, crês? verás coisas maiores que estas”...51. E acrescentou: “Em verdade, em verdade vos digo, que vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem.

João, 1:43-51

No dia seguinte (é o 5.º dia dessa sequência), Jesus re-solveu regressar à Galiléia, juntamente com seus três novos discípulos: João, André e seu irmão Simão-Pedro. Voltavam os quatro para sua terra natal, ao norte da Palestina.

Aí o pequeno grupo encontra Filipe. Também é nome tipi-camente grego, significando “amigo do cavalo”, embora corres-ponda ao hebraico ... (Phaltiel), que significa “libertação de El” (cfr, 2 Sam. 3:15). Filipe aderiu de imediato. Podia confiar em seus amigos e conterrâneos. E logo se enfervora com o que ouve do novo mestre, tentando arranjar outro prosélito. Vai chamar Natanael (mesmo significado que Teodoro = “dom de Deus”). O nome de Natanael não mais aparece em o Novo Testamento; por isso os comentaristas o identificaram com Bartolomeu (fi-lho de Tolmai), que é sempre citado ao lado de Filipe em todas as listas dos apóstolos (Mat. 10:3; Marc. 3:18; Luc. 6:14).

Segundo informações do próprio João (21: 2), Filipe era na-tural na cidade de Caná da Galiléia (hoje, parece, Kefr-Kenna), que fica a 8 quilômetros de Nazaré, a aldeia de Jesus. Temos a impressão de que Natanael já conhecia Jesus, porque Filipe, ao anunciar-lhe o encontro “daquele de quem Moisés escreveu na Lei e os profetas falaram”, cita o nome familiar: “Jesus, filho de José”, esclarecendo “o de Nazaré”. Esses pormenores deviam recordar algo a Natanael que com isso o identificaria.

Conhecendo Jesus, um operário braçal que vivia em mi-núscula aldeola, Natanael indaga: “e de Nazaré pode sair algo

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Escola de Aprendizes do Evangelho - Aliança Espírita Evangélica (8ª turma/GEAEL) 3

de importante”? Filipe, porém, não procura fazer a apologia de Jesus: convida-o apenas a verificá-lo de visu. E Natanael aceita e vai.

O primeiro choque vem do primeiro contato, quando ouve Jesus anunciar ao grupo: “vejam um israelita em quem não há simulação”. Admirado com o elogio inesperado, Nata-nael indaga donde Jesus o conhece. Poderia ter tido informa-ções. Mas o Rabbi quer revelar seu poder. Sabe que Natanael é pessoa íntegra, cumpridor de seus deveres religiosos, con-victo de sua fé. E revela-lhe algo que o estarrece.

Mas o evangelista registra apenas uma frase simples: “an-tes que Filipe te chamasse, eu te vi debaixo da figueira”. Para nós, não faz sentido. Mas para Natanael deve ter constituído uma prova irretorquível, por aludir a algo que ele deveria es-tar fazendo debaixo da figueira, e a frase de Jesus deve ter tido significado profundo para ele, que exclama: “Rabbi, tu és o Filho de Deus (o Enviado especial), tu és o Rei de Israel (o Messias aguardado) “!

A resposta de Jesus vem ampliar de muito o horizonte mental dos cinco primeiros escolhidos para participarem da campanha de transfiguração do planeta.

Começa dizendo que a alusão à estada sob a figueira era de somenos importância e que muitas coisas, ainda mais ex-traordinárias, seriam por eles testemunhadas.

Passa então a esclarecer: “Em verdade, em verdade”, lo-cução típica à o hebraico. Quando um israelita afirma, com força de juramento (mas sem jurar, para “não tornar em vão o nome de Deus), ele diz: amén (...) ou seja, “é verdade”. E quando quer solenizar sua palavra, usa a expressão ... ... (amén selô): “é verdade eternamente”.

Essa fórmula era com frequência empregada por Jesus, quando revelava fatos que desejava fossem compreendidos e lembrados por seus discípulos.

“Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e des-cendo” é uma alusão indiscutível a Gên. 28:10-17, onde se narra o sonho de Jacob em Bethel, quando de partia para a Mesopotâmia.

Aqui aparece pela primeira vez o título que Jesus se atri-buía de FILHO DO HOMEM, já usado por algum profetas (cfr. Dan. 7:13-14 etc.).

FILHO DO HOMEM

A expressão hebraica “filho de ... “, exprime o possuidor da qualidade da palavra que se lhe segue: “filho da paz” é o pacífico; “filho do estrangeiro” é o estrangeiro; nessa interpre-tação, “filho do homem “é o homem. No entanto, embora em alguns passos possa interpretar-se assim (por exemplo: “Deus não é como um homem que mente, nem como o filho do ho-mem que muda “, Núm. 23:19) nem sempre essa expressão se conservou com esse sentido. Na época mais recente do profe-tismo, o significado se foi elevando, passando a designar algo de especial.

Observamos assim que Daniel (7:13) descreve a visão que teve do “Filho do Homem que vinha sobre as nuvens do

céu”. Isaías fala: “feliz o Filho do Homem que compreende isto” (56:2). Jeremias afirma que o Filho do Homem não habitará a Iduméia” (49:18) nem Asor (49:33) nem Babilônia (50:40 e 51:43), significando que não terá participação com os pecado-res. Ezequiel só é chamado por YHWH de “Filho do Homem” (em todo o livro de Ezequiel, 92 vezes). O sentido, dessa manei-ra, se foi restringindo até assumir o significado que, na época de Jesus, já se havia firmado: era o Homem que já se havia libertado do ciclo reencarnatório (guilgul ou samsara). Nesse sentido, “Filho do Homem” se opunha a “Filho de Mulher”, que representava o homem ainda sujeito às reencarnações, ainda não liberto da necessidade de nascer através da mulher.

O “Filho do Homem” é o Espírito que já terminou sua evo-lução, e que portanto se tornou o “produto do Homem”, o “fruto da humanidade”. Não mais necessita encarnar, mas pode fazê-lo, se o quiser. Não está preso ao “ciclo fatal” (kyklos anánke): vem quando quer. São os grandes Manifestantes da Divindade, os Mensageiros, os Profetas, os Enviados, os Messias, que des-cem à carne por amor à humanidade a fim de trazer revelações, de indicarem o caminho da evolução, exemplificando com sua vida de dores e sacrifícios, a estrada da libertação, que eles já percorreram, e que agora apenas perlustram para mostrar, como modelos, o que compete ao homem comum fazer por si mesmo. É o caso de Krishna, Buddha, Moisés, Ezequiel, Jesus, Maomé, Ramakrishna, Bahá ’u ’lláh e outros.

Em o Novo Testamento encontramos o título “Filho do Homem” aplicado por Jesus a ele mesmo na seguinte propor-ção: em Mateus, 31 vezes; em Lucas, 25 vezes; em Marcos, 14 vezes; em João, 12 vezes; apenas em João 12:34 o título lhe é dado pelo povo. No entanto, Jesus não o aplica a mais nin-guém. E dá-nos ele mesmo a definição do que entendia pela expressão, quando diz: “ninguém subiu ao céu, senão aquele que desceu do céu a saber, o Filho do Homem” (Jo. 3:13), ou seja, só aquele que já subiu ao céu (que já se libertou da Terra, das reencarnações) é que, ao descer à Terra reencarnado, pode ser chamado “Filho do Homem”, como era seu caso. Esse tem conhecimento próprio, adquirido pela experiência pessoal, do que se passa nos planos superiores à humanidade, e por-tanto pode falar com autoridade.

Não sendo mais “Filho de Mulher”, mas “Filho do Ho-mem”, podia ele dizer que João Batista era o maior entre os “Filhos de Mulher”, ou seja, entre aqueles que ainda estão sujeitos à reencarnação pela Lei do Carma. João era, real-mente o maior entre os presos à “roda de Samsara”; mas o menor dos já libertos, era superior a ele; e Jesus era Filho do Homem, já liberto.

Interessante observar que, no resto do Novo Testamento, a expressão “Filho do Homem” aplicada a Jesus (que assim se denominava) só é encontrada na boca de Estêvão (Atos, 7:56) e em dois passos do Apocalipse (1:13 e 14:14). Explica-se o fato porque, fora da Palestina, sobretudo entre os gentios, a expressão podia ser interpretada ao pé da letra, e portanto traria sentido ridículo à pregação dos apóstolos sobre a pes-soa de Jesus.

A Sabedoria do Evangelho - Vol. 1Carlos Torres Pastorino

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4 21ª aula: O início da tarefa pública / Os primiros discípulos

Três peneiras da sabedoria

Meia-noite em ponto! Mais uma jornada na construção do Templo terminara. Cansado por mais um dia, mestre Hi-ram recostou-se sob o frescor do Ébano para o tão merecido descanso. Eis que, subindo em sua direção, aproxima-se seu mestre construtor predileto, que lhe diz:

– Mestre Hiram... Vou lhe contar o que disseram do se-gundo mestre construtor...

Hiram com sua infinita sabedoria responde: – Calma, meu mestre predileto; antes de me contares

algo que possa ter relevância, já fizeste passar a informação pelas “Três Peneiras da Sabedoria”?

– Peneiras da sabedoria??? Não me foram mostradas, respondeu o predileto!

– Sim... meu mestre! Só não te ensinei, porque não era chegado o momento; porém, escuta-me com atenção: tudo quanto te disserem de outrem, passe antes pelas peneiras da sabedoria e na primeira, que é a da VERDADE, eu te per-gunto: tens certeza de que o que te contaram é realmente a verdade?

Meio sem jeito, o Mestre respondeu: – Bom, não tenho certeza realmente, só sei que me con-

taram... Hiram continua: – Então, se não tens certeza, a informação vazou pelos

furos da primeira peneira e repousa na segunda, que é a pe-neira da BONDADE. E eu te pergunto: é alguma coisa que gostarias que dissessem de ti?

– De maneira alguma mestre Hiram... Claro que não! – Então a tua estória acaba de passar pelos furos da se-

gunda peneira e caiu nas cruzetas da terceira e última; e te faço a derradeira pergunta: achas mesmo necessário passar adiante essa estória sobre teu irmão e companheiro?

– Realmente mestre Hiram, pensando com a luz da ra-zão, não há necessidade...

– Então ela acaba de vazar os furos da terceira peneira, perdendo-se na imensa terra. Não sobrou nada para contar.

– Entendi poderoso mestre Hiram. Doravante somente boas palavras terão caminho em minha boca.

– És agora um mestre completo. Volta a teu povo e constrói teus Templos, pois terminaste teu aprendizado. Porém, lembra-te sempre: as abe-lhas, construtoras do Grande Arquiteto do Universo, nas imun-dícies dos charcos, buscam apenas flores para suas laborio-sas obras, enquanto as nojentas moscas, buscam em corpos sadios as chagas e feridas para se man-terem vivas.

O VALOR DA INICIAÇÃO

Escolhemos a parábola do Filho Pródigo. Bem a conheceis, e não nos seria necessário relatá‑la.

Pertencemos todos à condição de filhos pródigos, em longa e penosa viagem de regresso ao Reino do Pai.

Notamos os mais variados tipos humanos, sub‑hu‑manos e já super‑humanos, nessa romagem.

Alguns avançam rapidamente, conscientes do que lhes cabe fazer para mais depressa alcançarem o fim da caminhada. Os que possuem discernimento e seguran‑ça, coração puro e firmeza de propósitos, muito rapi‑damente chegam ao final do caminho.

Mas, se alguém está ansioso para se libertar da roda das reencarnações, apenas, com o intuito de se livrar da dor, sem pensar em seu próximo, sem visar o bem universal, sem se preocupar com a evolução da huma‑nidade, mas apenas com a sua própria, não pode chegar tão depressa quanto espera. E, muitas vezes, pensando avançar, estão parados; julgando progredir para o Alto, estão andando em círculos, adquirindo conhecimentos, mas não abrandando o próprio coração.

Vede, irmãos, que não basta o desejo de avançar rapidamente. É preciso saber fazê‑lo, é preciso buscar o progresso integral.

Fazendo grosseira comparação com a escalada de u’a montanha de vosso mundo material, se o alpinis‑ta conseguisse fazer seus pés completarem a ascensão, deixando seus braços, que teria ele feito senão estro‑piar‑se?

Assim é que a ninguém convém levantar a mente até o mais alto dos planos intelectuais, se não souber dulcificar o próprio coração, para que também este as‑cenda aos páramos celestiais.

Ramatís / psicografia de Edgard ArmondNa Seara do Evangelho

Editora Aliança

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Escola de Aprendizes do Evangelho - Aliança Espírita Evangélica (8ª turma/GEAEL) 5

As virtudes (III)Ney Pietro Peres — Manual Prático do EspíritaGEAEL

GENEROSIDADE, BENEFICÊNCIA

A beneficência, meus amigos, vos dará nesse mundo os mais puros e suaves prazeres, as alegrias do coração, imper-turbáveis pelo remorso e pela indiferença. Oh! pudésseis compreender tudo o que de grande e agradável encerra a generosidade das almas belas, esse sentimento que faz que se olhe aos outros com o mesmo olhar voltado para si mesmo, e que nos faz despir os nossos corpos para jubilosamente vestir os outros.Allan Kardec. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo XIII. “Que a mão esquerda não saiba o que faz a direita. Item 11. A Beneficência -Adolfo, bispo de Alger.

O que significa ser generoso?— Ser bom, pródigo, saber fazer o bem, ser desapegado

aos bens materiais, ter alegria e satisfação em servir. Conten-tar-se com aquilo de bom e agradável que possa proporcionar a alguém.

A generosidade é característica dos que aplicam a carida-de com naturalidade, com espontaneidade.

Quem é generoso, não sente dificuldade em ser bom, não lhe é sacrificial. Pelo contrário, o faz por gosto e satisfação, não se cansa, não se irrita, não se perturba.

O generoso, portanto, age com beneficência, com filantro-pia, com bondade.

Inumeráveis são as oportunidades de fazer o bem e in-contáveis os meios de aplicá-lo. Vejamos como:

a) Saber fazer-se surdo quando uma palavra irônica es-capa da boca propensa a nos ridicularizar;

b) Não ver o sorriso desdenhoso de quem nos recebe com superioridade e indiferença;

c) Fazer o bem sem comentários ou quaisquer referên-cias ao nosso gesto;

d) Dissimular o benefício quando prestado a alguém para não embaraçá-lo ou causar-lhe melindre;

e) Não permitir homenagens ou honrarias por quais-quer bens praticados;

f) Procurar o serviço ao próximo, com os próprios meios, empregando nossas forças, inteligência e ha-bilidades para realizar nossos propósitos generosos:

g) Saber tirar das nossas próprias privações, mesmo o que nos faça falta, quando for necessário àquele que desejamos ajudar;

h) Vigiar severamente, nas ocasiões em que presente-amos a alguém, se o fazemos apenas por obrigação ou com vistas à retribuição, ou se tão-somente pelo prazer de fazê-lo;

i) Trabalhar para os pobres, dedicando algumas horas do dia, mesmo em nossa própria casa, à confecção

de roupas, agasalhos ou enxovais a recém-nascidos;j) Repartir do nosso guarda-roupa não só o que nos

sobra, mas também o que ainda possa ser mais útil ao irmão necessitado;

l) Dedicar nossa assistência ao atendimento do esclare-cimento ou das carências mais prementes, dos servi-çais ou subalternos que conosco convivam, no lar ou no trabalho;

m) Olhar, ouvir, falar, acariciar, com o coração pleno de amor, os familiares que nos foram confiados, e que, ligados pelos laços consanguíneos, juntos retifi-camos os comprometimentos do passado.

Todos vós podeis dar: a qualquer classe a que pertençais, tereis sempre alguma coisa que pode ser repartida. Seja o que for que Deus vos tenha concedido, deveis uma parcela aos que não têm sequer o substancial, pois, em seu lugar ficaríeis contentes se alguém dividisse convosco. Vossos tesouros da Terra diminuirão um pouco, mas vossos tesou-ros do céu serão acrescidos. Lá colhereis pelo cêntuplo o que houverdes semeado em benefícios neste mundo. (Id., Ibid. Item 18. João.)

AFABILIDADE, DOÇURA

A benevolência para com os nossos semelhantes, fruto do amor ao próximo, origina a afabilidade e a doçura, que lhe são formas de manifestação. Entretanto, nem sempre é prudente confiar nas aparências: a educação e os costumes mundanos podem aparentar tais qualidades.Allan Kardec. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo IX. “Bem-aventurados os brandos e pacíficos”. Item 6. A afa-bilidade e a doçura.

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6 21ª aula: O início da tarefa pública / Os primiros discípulos

Aí está a maneira prática de verificarmos, em nosso re-lacionamento social, se apenas nos servimos do verniz super-ficial, que o mínimo de educação nos ensina, ou se estamos verdadeiramente expressando, em nossas cortesias, a benevo-lência para com os semelhantes.

Precisamos desenvolver a afabilidade, não apenas no tra-to formal, mas em profundidade, interiormente.

Como vimos, a afabilidade e a doçura são manifestações naturais da benevolência para com as criaturas, resultantes do amor ao próximo. Amor ao próximo, portanto, é a questão a ser colocada sempre, em nossas relações com as pessoas.

Entendemos, assim, que é necessário valorizar, no nosso convívio social, cumprimentos, saudações, agradecimentos, votos e quaisquer expressões ditas formalmente em ocasiões que lhe são próprias, para aplicai-mos o amor ao próximo, procurando, desse modo, sentir com o coração aquilo que pronunciamos em benefício de alguém.

Afável é aquele ser dedicado, cortês, agradável, benévolo, bondoso. Ter doçura, ou ser doce de coração, é aquele indiví-duo que transmite brandura, suavidade, serenidade, meigui-ce, ternura.

Como cultivar a afabilidade e a doçura?

a) Examinando as emoções do nosso coração nas opor-tunidades sociais, esforçando-nos em transmitir amor através de nossos lábios;

b) Interessando‑nos com discrição pelas pessoas recém-

apresentadas, criando elos de simpatia, mesmo com aquelas mais fechadas ou rudes;

c) Ajudando sempre, com delicadeza, nos transportes ou na rua, as criaturas em dificuldade: cedendo lu-gar, facilitando passagem, carregando volumes;

d) Respeitando a aspereza do trato de alguém para co-nosco, com o silêncio tranqüilo, com o olhar sereno, com o gesto bondoso;

e) Entendendo com ternura os aflitos que, ao nosso lado, se desesperam em situações difíceis, transmi-tindo-lhes encorajamento, proporcionando-lhes aju-da;

1) Perdoando com suavidade interior aqueles que nos ofendem, afastando, conseqüentemente, quaisquer lembranças desagradáveis ou resquícios de ódio;

g) Pautando nossa maneira de se dirigir aos auxiliares, em casa e no emprego, com benevolência e brandu‑ra, embora revestidas da necessária determinação;

h) Introduzindo no lar o hábito de falarmos baixo e com meiguice, mesmo quando transmitimos ordens a serem seguidas.

Não basta que dos lábios emanem leite e mel, se o coração de modo algum lhes está associado, tratando-se tão-somente de hipocrisia. Aquele cuja afabilidade e doçura são fingidas, jamais se desmente. É o mesmo para o mundo ou na intimi-dade, e sabe que, se pode enganar os homens pela aparên-cias, não pode enganar a Deus. (Id., ibid. Lázaro.)

SócratesFoi no Instituto Celeste de Pitágoras que vim encontrar,

nestes últimos tempos, a figura veneranda de Sócrates, o ilus-tre filho de Sofronisco e Fenareta.

A reunião, nesse castelo luminoso dos planos erráticos, era, nesse dia, dedicada a todos os estudiosos vindos da Terra longínqua. A paisagem exterior, formada na base de substân-cias imponderáveis para as ciências da atualidade, recordava a antiga Hélade, cheia de aromas, sonoridades e melodias. Um solo de neblinas evanescentes evo-cava as terras suaves e encantadoras, onde as tri-bos jônias e eólias localizaram a sua habitação, organizando a pátria de Orfeu, cheias de deuses e harmonias. Árvores bizarras e floridas enfeitavam o ambiente de surpresas cariciosas, lembrando os antigos bosques de Tessália, onde Pan se fazia ou-vir com as cantilenas de sua flauta, protegendo os rebanhos junto das frondes ventustas, que eram as liras dos ventos brandos, cantando as melodias da Natureza.

O palácio consagrado a Pitágoras tinha as-pecto de severa beleza, com suas colunas gregas à maneiras das maravilhosas edificações da glorio-sa Atenas do passado.

Lá dentro, agasalhava-se toda uma multidão de espíritos ávidos da palavra esclarecida do gran-de mestre, que os cidadãos atenienses haviam con-denado à morte, 399 anos antes de Jesus Cristo.

Ali se reuniam vultos venerados pela filosofia e pela ciên-cia de todas as épocas humanas, Terpandro, Tucidides, Lísis, Esquines, Filolau, Timeu, Símias, Anaxágoras e muitas outras figuras respeitáveis da sabedoria dos homens.

Admirei-me, porém, de não encontrar ali nem os discí-pulos do sublime filósofo ateniense, nem os juízes que o con-denaram à morte. A ausência de Platão, a esse conclave do Infinito, impressionava-me o pensamento, quando, na tribuna de claridades divinas, se materializou aos nossos olhos o vul-to venerando da filosofia de todos os séculos. Da sua figura

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Escola de Aprendizes do Evangelho - Aliança Espírita Evangélica (8ª turma/GEAEL) 7

irradiava-se uma onda de luz levemente azulada, enchendo o recinto de vibração desconhecida, de paz suave e branda. Grandes madeixas de cabelos alvos de neve molduravam-lhe o semblante jovial e tranqüilo, onde os olhos brilhavam infi-nitamente cheios de serenidade, alegria e doçura.

As palavras de Sócrates contornaram as teses mais subli-mes, porém, inacessíveis ao entendimentos das criaturas atu-ais, tal as transcendência dos seus profundos raciocínios. À maneira das suas lições nas praças públicas de Atenas. Falou-nos da mais avançada sabedoria espiritual, através de inqui-rições que nos conduziam do âmago dos assuntos; discorreu sobre a liberdade dos seres nos planos divinos que constituem a sua atual morada e sobre os grandes conhecimentos que esperam a humanidade terrestre nos seu futuro espiritual.

É verdade que não posso transmitir aos meus compa-nheiros terrenos a expressão exata dos seus ensinamentos, estribados na mais elevada das justiças, levando-se em conta a grandeza dos seus conceitos, incompreensíveis para as ide-ologias das pátrias no mundo atual, mas, ansioso de oferecer uma palavra do grande mestre do passado aos meus irmãos, não mais pelas vísceras do corpo e sim pelos laços afetivos da alma, atrevi-me a abordá-lo:

— Mestre — disse eu —, venho recentemente da Terra distante, para onde encontro possibilidade de mandar o vosso pensamento. Desejaríeis enviar para o mundo as vossas men-sagens benevolentes e sábias?

— Seria inútil — respondeu-me bondosamente —, os ho-mens da Terra ainda não se reconheceram a si mesmos. Ainda são cidadãos da pátria, sem serem irmãos entre si. Marcham uns contra os outros, ao som de músicas guerreiras e sob a proteção de estandartes que os desunem, aniquilando-lhes os mais nobres sentimentos de humanidade.

— Mas... — retorqui — lá no mundo há uma elite de filósofos que se sentiriam orgulhosos de vos ouvir!...

— Mesmo entre eles as nossas verdades não seriam reco-nhecidas. Quase todos estão com o pensamento cristalizado no ataúde das escolas. Para todos os espíritos, o progresso reside na experiência. A história não vos fala do suicídio or-gulhoso de Empédocles de Agrigento, nas lavas de Etna, para proporcionar aos seus contemporâneos a falsa impressão de sua ascensão para os céus? Quase todos os estudiosos da Ter-ra são assim; o mal de todos é o enfatuado convencimento de sabedoria. Nossas lições valem somente como roteiro de co-ragem para cada um, nos grandes momentos de experiência individual, quase sempre difícil e dolorosa.

Não crucificaram, por lá, o Filho de Deus, que lhes ofe-recia a própria vida para que conhecessem e praticassem a Verdade? O pórtico da pitonisa de Delfos está cheio de atuali-dade para o mundo. Nosso projeto de difundir a felicidade na Terra só terá realização quando os espíritos ainda encarnados deixarem de ser cidadãos para serem homens conscientes de si mesmos. Os Estados e as Leis são invenções puramente humanas, justificáveis, em virtude da heterogeneidade com respeito à posição evolutiva das criaturas; mas, enquanto existirem, sobrará a certeza de que o homem não se desco-briu a si mesmo, para viver a existência espontânea e feliz, em comunhão com as disposições divinas da natureza espiritual. A humanidade está muito longe de compreender essa frater-nidade no campo sociológico.

Impressionado com estas respostas, continuei a interrogá-lo:— Apesar dos milênios decorridos, tendes a exprimir al-

guma reflexão aos homens, quanto à reparação do erro que cometeram, condenando-vos à morte?

— De modo algum. Mélitos e outros acusadores estavam no papel que lhes competia, e a ação que provocaram contra mim nos tribunais atenienses só podia valorizar os princípios da filosofia do bem e da liberdade que as vozes do Alto me inspiravam, para que eu fosse um dos colaboradores na obra de quantos precederam, no planeta, o pensamento e o exem-plo vivo de Jesus Cristo.

Se me condenaram à morte, os meus juízes estavam igualmente condenados pela natureza; e, até hoje, enquanto a criatura humana não se descobrir a si mesma, os seus desti-nos e obras serão patrimônios da dor e da morte.

— Poderíeis dizer algo sobre a obra dos vossos discípu-los?

— Perfeitamente — respondeu-me o sábio ilustre —, é de lamentar as observações mal avisadas de Xenofonte, lamen-tando eu igualmente, que Platão, não obstante a sua coragem e seu heroísmo, não haja representado fielmente a minha pa-lavra junto dos nossos contemporâneos e dos nossos póste-ros. A História admirou na sua Apologia os discursos sábios e bem feitos, mas a minha palavra não entoaria ladainhas laudatórias aos políticos da época e nem se desviaria para as afirmações dogmáticas no terreno metafísico. Vivi com a minha verdade para morrer com ela. Louvo, todavia, a Antís-tenes, que falou com mais imparcialidade a meu respeito de minha personalidade que sempre se reconheceu insuficiente. Julgáveis então que me abalançasse, nos últimos instantes da vida, a recomendações no sentido de que pagasse um galo à Esculápio? Semelhante expressão, a mim atribuída, constitui a mais incompreensível das ironias.

— Mestre, e o mundo? — indaguei.— O mundo atual é a semente do mundo paradisíaco

do futuro. Não tenhais pressa. Mergulhando-me no labirin-to da História, parece-me que as lutas de Atenas e Esparta, as glórias do Pártenon, os esplendores do século de Péricles, são acontecimentos de há poucos dias; entretanto, soldados espartanos e atenienses, censores, juízes, tribunais, monu-mentos políticos da cidade que foi a minha pátria estão hoje reduzidos a um punhado de cinzas!... A nossa única realidade é a vida do espírito.

— Não vos tentaria alguma missão de amor na face do orbe terrestre, dentro dos grandes objetivos da regeneração humana?

— Nossa tarefa, para que os homens se persuadam com respeito à Verdade, deve ser toda indireta. O homem terá de realizar-se interiormente pelo trabalho perseverante, sem o que todo esforço dos mestres não passará do terreno puro verbalismo.

E, como se estivesse concentrado em si mesmo, o grande filósofo sentenciou:

— As criaturas humanas ainda não estão preparadas para o amor e para a liberdade... Durante muitos anos, ainda, todos os discípulos da verdade terão de morrer muitas vezes!...

E, enquanto o ilustre sábio ateniense se retirava do recin-to, junto de Anaxágoras, dei por terminada a preciosa e rara entrevista.

Crônicas de Além-túmuloHumberto Campos / Francisco Cândido Xavier — FEB.

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8 21ª aula: O início da tarefa pública / Os primiros discípulos

Transcrito de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec

12. Sede bons e caridosos: eis a chave dos Céus que ten-des nas mãos. Toda a felicidade eterna está contida no en-sinamento que diz: “Amai-vos uns aos outros”. A alma não pode elevar-se às esferas espirituais senão pelo devotamento ao próximo, e só encontra felicidade e consolo na prática da caridade. Sede bons, amparai vossos irmãos, deixai de lado a terrível chaga do egoísmo. O cumprimento desse dever vos abrirá o caminho da felicidade eterna. Aliás, quem dentre vós já não sentiu o coração aos saltos, a alegria interior ex-pandir-se, diante do relato de um belo devotamento, de uma obra verdadeiramente caridosa? Se buscásseis continuamen-te o prazer proporcionado por uma boa ação, permaneceríeis sempre no caminho do progresso espiritual. Não vos faltam exemplos como este, o que falta é boa vontade. Recordai-vos dos homens de bem dos quais vossa história guarda doce lembrança!

Jesus não vos disse tudo sobre as virtudes caridade e amor? Então por que subestimar os Seus divinos ensina-

mentos? Por que tapar os ouvidos e fechar o coração para as Suas divinas palavras? É preciso que se dê mais importância à leitura do Evangelho. E, no entanto, abandona-se esta divi-na obra; faz-se dela uma palavra vazia, uma mensagem cifra-da. Relega-se este admirável código moral ao esquecimento. Vossos males são uma consequência do abandono voluntário desse resumo das leis divinas. Lede, pois, estas páginas vi-brantes do devotamento de Jesus, e meditai sobre elas.

Homens fortes, amai-vos! Homens frágeis, fazei de vossa brandura e de vossa fé as vossas armas! Sede mais deter-minados, mais perseverantes na propagação de vossa nova doutrina! O que viemos vos dar é somente um encorajamen-to. É apenas para estimular vosso zelo e vossas virtudes que Deus nos permite esta manifestação. Mas, se desejásseis, já vos bastaria a ajuda de Deus e de vossa própria vontade, pois as manifestações espíritas se produzem especialmente para aqueles que têm os olhos fechados e os corações rebeldes.

A caridade é a base que deve sustentar a edificação das virtudes terrenas. Sem ela, as outras não existem. Sem a ca-ridade não há esperança num futuro melhor, não há interesse moral que nos guie. Sem caridade não há fé, pois a fé é uma chama que faz brilhar uma alma caridosa.

A caridade é a âncora eterna da salvação em todos os mundos. É a mais pura emanação do próprio Criador. É Sua própria virtude, doada por Ele às criaturas. Como se poderia menosprezar essa suprema bondade? Haveria então um co-ração tão perverso, a ponto de rejeitar e banir esse sentimen-to inteiramente divino? Existiria um filho tão mau, a ponto de rebelar-se contra a doce carícia da caridade?

Não ouso falar do que fiz, pois os espíritos também são discretos quanto às suas obras. Mas acredito que a obra a que dei início seja uma das que mais devem contribuir para o alívio dos vossos semelhantes. Frequentemente, vejo espíri-tos pedirem para que lhes seja dada a continuidade de minha tarefa, como missão. Vejo minhas doces e queridas irmãs, em sua piedosa e divina missão, praticarem a virtude que reco-mendei com toda alegria que uma existência de abnegação e sacrifícios proporciona. É uma grande felicidade para mim ver o quanto seu caráter é honrado, o quanto sua missão é amada e docemente protegida. Homens de bem, de boa e firme vontade, uni-vos para dar continuidade à obra de propagação da caridade! Encontrareis a recompensa dessa virtude em sua própria prática. Não há alegria espiritual que ela não propor-cione já na vida presente. Sede unidos! Amai-vos uns aos ou-tros, como Jesus nos ensinou. Que assim seja! (são ViceNte de Paulo, Paris, 1858).

É preciso que se dê mais importância à leitura do Evangelho. E, no entanto, abandona-se esta divina obra;faz-se dela uma palavra vazia, uma mensagem cifrada. Relega-se este admirável código moral ao esquecimento.