a revolução brasileira - caio prado junior
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Caio
Prado
Junior
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~i-V~GO
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A REVOLUO BR SILEIR
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DO AUTOR:
U.R.S.S .. UM NOVO MUNDO (esgotado)
EVOLUO POLTICA DO BRASIL E OUTROS ESTADOS
FORMAO DO BRASIL CONTEMPORNEO (COLNIA)
HISTRIA ECONMICA DO BRASIL
NOTAS INTRODUT>RIAS
LGICA DIALJ TICA
DIALTICA DO CONHECIMENTO (2 volumes)
ESBOO DOS FUNDAMENTOS DA TEORIA ECONMICA
O MUNDO DO SOCIALISMO
A REVOLUO BRASILEIRA
O ESTRUTURALISMO DE LEVI-STRAUSS _ O MARXISMO
DE LOUIS ALTHUSSER
HISTRIA E DESENVOLVIMENTO
CAIO PRADO JUNIOR
A REVOLUO
BRASILEIRA
l.a edio: 1966
s .a
EDIO
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...
eclltora IIr slllense
977
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ed i to ra
brasiliense
s o c o a n o
01042 r ua b ar o d e itap et in in ga 9 3
s o p au l o b ra si l
No ce te ipsum
SCRATES
Reviso ortogrfica:
NEWTON TADEU LOUZADO SODRE
Capa:
TIDE HELLMEISTER
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I - A Revoluo Brasileira 11
II - A Teoria da Revoluo Brasileira
0
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Hl - A Realidade Econmica Brasileira .-..... 77
IV - Aspectos Sociais e Polticos da Revoluo Brasileira 103
V - Programa da Revoluo Brasileira 133
VI - O Problema Poltico da Revoluo 171
VII - A Re
oluo
e o Antiimperialismo 185
Adendo a A REVOLUO BRASILEIRA..... .205
Perspectiva em 1977 239
Biografia do utor.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 269
NDICE
A Revoluo Brasileira 9
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I - A Revoluo
Brasileira
o termo revoluo encerra uma ambigidade (alis na
verdade muitas, mas fiquemos aqui na principal) que tem dado
margem a freqentes confuses. No sentido em que ordinaria-
mente usado, revoluo quer dizer o emprego da fora e da vio-
lncia para a derrubada de governo e tomada do poder por algum
grupo, categoria social ou outra fora qualquer na oposio. Re-
voluo tem a o sentido que mais apropriadamente caiba ao ter-
mo insurreio . Mas revoluo tem tambm o significado de
transformao do regime poltico-social que pode ser e em regra
tem sido historicamente desencadeado ou estimulado por insurrei-
es. Mas que necessariamente no o . O significado prprio
se concentra na transformao, e no no processo imediato atravs
de que se realiza. A Revoluo Francesa, por exemplo, foi de-
sencadeada e em seguida acompanhada, sobretudo em seus pri-
meiros tempos, de sucessivas aes violentas. Mas no foi isso,
por certo, que constituiu o que propriamente se entende por re-
voluo francesa. No so, claro, a tomada_da Bastilha, as
agitaes
camponesas de julho e agosto de 1789, a ma.'ch~ do
povo sobre Versalhes em outubro do mesmo ano, a queda da
Monarquia e a execuo de Lus XVI, o Terror e outros incidentes
da mesma ordem que constituem a Revoluo Francesa, ou mes-
mo simplesmente que a caracterizam e lhe do contedo. Re-
voluo em seu sentido real e profundo, significa_--Rrocesso
histrico assinalado por reformas e modifica es econmicas, so-
ciais e oltica sucessivas ue, concentradas em erodo histrico
relativamente curto _vo dar em transformaes estruturais da so-
ciedade, e em especial das relaes econmicas e do equilbrio
recproco das diferentes classes e categorias sociais. O ritmo da
Histria no uniforme. Nele se alternam perodos ou fases de
relativa estabilidade e aparente imobilidade, com momentos de
ativao da vida poltico-social e bruscas mudanas em que se
alteram profunda e aceleradamente as relaes sociais. Ou mais
precisamente, em que as instituies polt icas, econmicas e sociais
A Revoluo Brasileira
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se remodelam a fim de melhor se ajustarem e melhor atender~m
a necessidades generalizadas que antes no encontravam devida
satisfao. So esses momentos histricos de brusca transio de
uma situao econmica, s~c al e poltica p~ra outra, e as tra~s-
formaes Que ento se verificam, que constituem o que prop a-
mente se hi de entender por revoluo.
nesse 'sentido que o termo revoluo
empregado no
ttulo do presente livro. O que se objet~va nele essencialm~n~e
mostrar que o Brasil se encontra na atualidade em face ou na um-
nncia de um daqueles momentos acima assinalados em que se
impem de pronto reformas e transformaes capazes de reestn~-
turarem a vida do pas de maneira consentnea com suas nece SI-
dades mais gerais e profundas, e as aspiraes da grande massa
de sua populao que, no estado atual, no so devi.damente ate?-
didas.Para muitos - mas assim mesmo, no conjunto do p IS,
minoria insignificante, embora se faa mais 0ll:vir porque Ade~'m
nas suas mos as alavancas do poder e a
dominao economica,
social e poltica - tudo vai, no fundamental, muito bem, faltando
apenas (e a se observam algumas divergncias de segunda orde )
alguns retoques e aperfeioamentos das atuais institui.~es, s ;~zes
no mais que simples mudana de homens nas pos~oes_
polti
as
e administrativas para Que o pas encontre uma
situao
e m
equilbrio satisfat6rios. Para a grande maioria r~stante, co~tu o~
e mesmo Que ela no se d sempre conta perfeita da realidade,
incapaz qu de projetar em plano geral e de. conjunto suas ins.a- .
tisfaes, seus desejos e suas aspiraes pessoaiS, o qu; s~ ~az.mls~
ter, para lhe dar condies satisfatrias e seguras d~
existncia
e
muito mais que aquilo. E sobretudo algo de mais profundo e
que leve a vida do pas por novo rumo.
E
os fatos adequadamente analisados e profundos, o con ir-
mamo O Brasil se encontra num destes instantes decisivo da evo-
luo das sociedades humanas em que se faz patent~, e sobret do
sensvel e suficientemente consciente a todos, o desa usta ento de
suas instituies bsicas. Donde as tenses que s.e ob.serv~m, to
vivamente manifestadas em descontentamento e insatisfaes ge-
neralizados e profundos; em atritos e confl~tos, ta~to. e etivo e
muitos outros potenciais, que dilaceram a Vida brasileira e sobre
ela pesam em permanncia e sem perspectivas apreciveis de so-
luo efetiva
e
permanente. Si tua~~ essa q~e . ~ eit? e causa ao
mesmo tempo, da inconsistncia
poltica,
da
ineficincia ,
e~ ~o os
os setores e escales, da administrao pblica; dos dese uilbrios
sociais da crise econmica e financeira, que vinda de
10
ga d ta
.
esse o panorama desalentado r Que oferece a real idade bra-
sileira de nossos dias, para Quem vai - com sua anlise ao fundo
das coisas e no se deixa iludir por' algumas aparncias vistosas D A o (:\:
que aqui ou acol disfaram o que vai por detrs e constitui a
substncia daquela realidade. Na base e origem desses graves
sintomas se encontram desajustamentos e contradies profundas
que ameaam e pem em choque o desenvolvimento normal do
pas e a prpria conservao de seus valores morais e materiais.
:e .
isso que se encontra em jogo, e o que se procurar mostrar no
presente livro, ao mesmo tempo que tentando trazer a comple-
mentao dessa anlise que vem a ser as diretrizes, embora muito
gerais e amplas pelas quais se devero, ou antes, se podero orien-
tar as reformas institucionais de vulto que a atual conjuntura
impe. Uma questo se liga ou deve necessariamente ligar-se
outra. No raticvel ro or reformaL ue constituem efetiva-*
mente solu o ara os roblemas endentes sem a condi-de que
essas reformas m:QQostasse a resentem nos 12rprios fatos inves-
ti ados. Em outras Ralavras de nada serviria como tantas vezes
se faz, trazer solu es ditadas Rela boa vontade e ima
inao
de
refrmadores insRirados embora na melhor
d S
intenes, mas que,
flor mais erfeitas ue em rincJ;1ioe teoricamente se aJ;1resentem,
n.o~lJ&Qfi1rallLllQLflrRriosfa os J;1resentese atuantesas circuns-
tncias capazes de as promover, impulsionar e realizar.
: e .
de1V I i-x
a observao to justa e comprovada por todo o decorrer da His-
tria, que os problemas sociais nunca se propem sem que, ao
mesmo tempo, se proponha a soluo deles que no , nem pode
ser forjada por nenhum crebro iluminado, mas se apresenta, e a
h de ser desvendada e assinalada, no prprio contexto do proble-
e mal encoberta durante curto prazo - de um a dois decnios _
por um crescimento material especulativo e catico, comea agora.;
a mostrar sua verdadeira face; da insuficincia e precariedade das
prprias bases estruturais em que assenta a vida do pas.
: e .
isso
que caracteriza
Brasil de nossos dias.
: e .
acima de tudo, e como
complemento, o mais completo ceticismo e generalizada descrena
no que diz respeito a possveis solues verdadeiras dentro da
atuai ordem de coisas. O que leva, no se enxergando, ou no
se enxergando ainda, em termos concretos, a mudanas dessa
or-l
dem, a uma corrida desenfreada para o salve-se quem puder, \
cada qual cuidando unicamente (e por isso erradamente) de seus
interesses imediatos e procurando tirar o melhor partido, em pro-
veito prprio e para o momento em curso, das eventuais oportuni- < .. : :>
dades que porventura se apresentem ao alcance da mo.
12 Caio Prado Iunior
J, _
A Revoluo Brasileira 13
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,I
ma que se oferece, e na dinmica do processo em que essa p 0-
blemtica se prope. E
assim porque contrariamente a ce ta
maneira muito vulgarizada, mas nem por isso menos falsa de con-
siderar os fatos histricos, esses fatos no se desenrolam em dois
planos que seriam, um deles, aqueles fatos propriamente; e o outro,
o da problemtica e das decises a serem aplicadas aos mesmos
fatos. Em outras palavras, no se podem destacar - embora se
distingam, mas dialeticamente se liguem, isso , se integrem eI?
conjunto num todo - o. fatos histricos (que so acontecimen os
oUticos econmicos e sociais) da considerao desses mes os
fatos, do conhecimento oucincia deles, para o fim de lhes ar
este ou aquele encaminhamento desejado. Os fatos histricos,
manos que so, diferem dos fatos fsicos que so exteriores
Homem.- Neles, pensamento e ao (que - constitui o fato) se
confundem, ou antes se interligam num todo em que, separados
embora, se compem em conjunto. O HomeIlL nos fatos de que
participa, simultaneamente autor e ator, 6er agente e ser ensan e;
e
agente na medida em que
pensante, e pensante como agen e.
No 120de assim - e de fato no assim que se passam as coisas
- dirigir os acontecimentos, nem mesmo consider-loLadequada-
mente e os analisar, de fora deles. E direo e anlise j - )
constituem, em si e por si, propriamente fatos que tambm ho de
ser levados em conta. Em conseqncia, a solu o dos penden es
p-roblemas econmicos, sociais e j)olticos, e as reformas instit - -
cionais que se impem, ho de ser procuradas e encontradas nas _,
mesmas circunstncias em que tais problemas se propem. Nelas
e somente nelas se contm as solues cabveis e exeqveis. E o
mesmo processo histrico de que participamos na atualidade, e
em que se configura a problemtica que enfrentamos, que se con-
figuram tambm as respostas a essa problemtica e _as diretri es
que se ho de adotar e seguir. Ou contrariar, o que outra pe s-
pectiva e posio que se podem eventualmente adotar, e que ado-
tam efetivamente as foras polticas conservadoras, e no caso m is
extremo, as reacionrias. .f: essa e somente essa a alternativa q e
efetivamente se prope, e fora da qual no existe seno o utpico e
irrealizvel que freqentemente no seno maneira de fantasiar. e
disfarar a oposio a qualquer modificao, o apego ao status q o.
Essas premissas nos fornecem o mtodo a seguir na inda a-
o que interessa, e desde logo afastam certas questes prelimina-
res que freqentemente se propem, nos dias que correm, nos
crculos polticos da esquerda brasileira. Isto , precisamente a-
queles setores que aceitam e pretendem impulsionar a revolu o.
14 Caio Prado I unior
..
1 :
Re erimo-nos em pa icular, e sobretudo, indagao acerca da
natureza ou ti o . e revoluo que se trata de realizar. Ser
socialista, ou 'democrtico-burguesa, ou outra qualquer? In-
dagao COmo essa si lua desde logo mal a questo e de maneira
insolvel na prtica, pois a resposta somente se poder inspirar -
uma vez que lhe falta outra premissa mais objetiva e concreta -
em convices predeterminadas de ordem puramente doutrinria
e a. riorstica. Isso p rque do simples conceito de revoluo dessa
ou (laqueia natureza ada se poder extrair em matria de norma
poltica e de ao efetivamente praticvel. A qualificao a ser
dada a uma revoluo somente possvel depois de determinados
os fatos que a constituem, isto , depois de fixadas as reformas I e
transformaes cbve is e que se verificaro no curso da mestria
revoluo. Ora, pr cisamente dessas reformas e transformaes
que se trata. E uma vez determinadas quais sejam - o que so-
mente possvel com a anlise dos fatos ocorrentes, passados le
presentes - ter um interesse secundrio (pelo menos imediato e
para os fins prticos que so o que realmente no momento inte-
ressa) saber se a qualificao e classificao conveniente esta ou
aquela. Pouco i por a assim, ao se encetar a anlise e a indaga-
o das transformaes constituintes da revoluo brasileira, saber
se elas merecem est ou aquela designao, e se se encerram
nesta ou naquela fr I ula ou esquema terico. O que vale a
determinao de ais t ansformaes, e isto se procurar nos fatos
ocorrentes e na in ica desses mesmos fatos. .f: disso que pre-
cisam preliminar ent compenetrar-se os tericos e planejadores
da r:evoluo brasileira. A saber, que tambm no terreno dos fatos
hu anos, tanto _uanto no dos fatos fsicos, onde j de h muito
no se pensa de outra forma, o conhecimento cientfico consiste
em saber o que se passa, e no o que . A concepo metafsica
das essncias - o que as coisas so - precisa dar lugar nas
ci cias humanas, de ma vez por todas, como j deu h tanto
tem o nas cincia fsicas, concepo cientfica do que acontece.
Co cepo essa e que o prprio ser no seno o acontecer, um
momento desse contecer.
o que acontece que constitui o
co I ecimento cie tfic(iJ; e no o que . Precisamos saber ql\e
aco tecer, ou pode e deve acontecer no curso da revoluo brasi-
leira. E no indagar de sua natureza, daquilo que ela , da sula
qua ificao, defi io ou catalogao. I
.f: numa tal inha de pensamento que se h de fazer a deter-
minao das reformas e transformaes constituintes da revoluo
bra ileira. Isto , no pela deduo a priori de algum esquema
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< 1 % ; ' \ L - (
~ ~ ,~l?{}~~ ~~ ~
rJ1{) ~ . o
'(\t A A o .
~ teonco preestabelecido; de algum conceito predeterminado da revo-
O '. Iuo. E sim ela considerao, anlise e interpretao da con-
< J
juntura econmica, social ~ poltica real e concreta, procurando
nela sua 'dinI?ica prpria que revelar tanto as contradies pre-
J-,{r. sentes, como Igualmente as solues que nela se encontram ima-
; l
i
nentes e que no precisam ser trazidas de fora do processo hist- r
~_~l rico e a ele aplicadas numa teraputica de supercincia que paira
O
acima das contingncias histricas efetivamente presenciadas. A
~ i
anlise e determinao adequadas daquelas contradies nos de-
o O vem revelar desde logo - sob pena de se infirmar a anlise e in-
.4 terpretao efetuadas que se revelariam em tal caso falhas ou
UJ insuf~ientes - devem revel~r P?r si e sem maiores indagaes as
~ l
soluoes que naturalmente implicam e em conseqncia compor-
~ ~ tam e justificam.
,: .
~ '5
(
claro que, para um marxista, no socialismo que ir de- I
S'
i
sembocar afinal a revoluo brasileira. Para ele, o socialismo a
') ~'\ direo .na qual marcha o capitalismo. a dinmica do capitalis-
mo projetado no seu futuro. E seja qual for a feio particular
)
em que o capitalismo se apresente em cada pas da atualidade -
v\
feio particular , bem entendido, no que diz res eito a circuns-
X tncias e elementos secundrios que no excluem, e antes implicam
\V
a natureza essencialmente nica do capitalismo, que um s e o
mesmo em toda parte - seja qual for o grau de d senvolvimento
extens~o e matur~? das relaes capitalistas de produo, ~
certo e que o capitalismo se encontra na base e e sncia da eco-.
nomia contempornea fora da esfera socialista; e nela se incluem,
e~bora sob formas e modalidades vrias, todos os pases e povos
~lem daq?el~ esfera. ~ssim sendo, o socialismo, contiapartida que
e do capitalismo em VIas de desintegrao numa escala mundial
onde ir desembocar afinal, mais cedo ou mais tarde a huma-
nidade de hoje. '
Isso, contudo, representa uma previso histrica, sem data
marcada nem ritmo de realizao prefixado. E p emos mesmo
acrescentar, tambm sem programa predeterminado. Ela no in-
terfere assim diretamente ou no deve interferir na anlise einter-
pretao dos fatos correntes, e muito menos na soluo a ser dada
. aos pro~lemas pendentes ou na determinao da rnha poltica a
ser seguida ~a_emergncia de situaes imediatas, Noutras pala-
vras, a prevrsao marxista do socialismo no implica necessaria-
mente a incluso dela, em todos os lugares e a todos os momentos
na ordem do dia. Para um marxista, exemplificando, a mais sim-
pies. g~eve ou desentendimento entre empregados e empregadores,
capItahst~s e trabalhadores, representa J . 1 1 1 1 passo palia o socialismo,
16 Caio Prado I unior
P?r mni.mo que ~eja, e estejam os participantes da disputa Hons
cIente~ d ISSOou nao - e em regra no o esto. Isso no sig 'fica
tod~v~a, que as reformas socialistas, ou quaisquer referncia a
socialismo se proponham no caso.
alis esse um dos pontos, e de
que mais claramente se caracterizam posies sectrias e fr tal
mente antimarxistas, a saber, na viso de uma revoluo socialist
sempre eminente e imanente em todas as ocorrncias da luta socia
e poltica.. O que leva a atitudes e formulaes que no tm outr
efeito, na ~rtica, seno isolar os que assumem aquelas poste
sectrias es neutralizar. A previso marxista do socialismd n
exclui, muito pelo contrrio, a concentrao da luta em objetivo
que imediatamente e de forma direta no se relacionam com
revoluo socialista. E podem mesmo, aparentemente, contrai i-l
- como foi o caso, num exemplo mximo, da partilha e entreg
da terra, na revoluo russa de 1917, aos camponeses. So con
sideraes de ordem terica e de alcance que vai muito al do
fatos do momento, que permitem ao marxista estabelecer a uel
relacionamento que para no-marxistas pode passar inteirament
despercebido. E no pode mesmo, em muitos casos, ser po ele
. compreendido, e nem mesmo admitido, pois isso seria concorda
com a interpretao que o marxismo d
evoluo histrica.
caso, no exemplo acima lembrado, da greve. Para o marxismo,
greve manifestao da luta inerradicvel de classe que. sep ra
fa~
~0J?
que se enfrentem proletariado e burguesia.
um si
I
ple
episdio
dessa luta que tem seu desenlace final e fatal, quaisque
que sejam as vicissitudes momentneas, na vitria do proleta' iad
em conjunto e como classe, e na instituio por ele do socialismo.
Para os no-marxistas as coisas se apresentam naturalment
sob outro aspecto, e a greve nada mais constitui que um inci ent
~assageiro provocado por. circunstncias ocasionais, que, se resolv
SImplesmente no atendimento ou no, parcial ou integral, das rei
vindicaes propostas, sem conseqncias de maior impor nci
na organizao bsica e estrutural do sistema capitalista. Ias
P?sio do marxista, apesar de suas implicaestericas , no que
dizer que ele enxergue na greve unicamente ou mesmo esse cial
mente a sua projeo socialis ta, e interprete (como se acusa os co
munistas, e infelizmente julgam muitos sectrios, to longe disso d
marxismo como seus prprios adversrios) simples agitao e om
que exercitao do proletariado par o ato final da insurreio e d
tomada do poder. Lembremo-nos aqui da velha polmica de arx
retomada por Lenin, contra os anarquistas para os quais as. g eve
no seriam mais que preliminares da greve geral com' q e s
- J
On.(
+
A Revoluo Brasileir
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daria o ensaio final da insurreio e derrubada do poder da bur-
guesia. .. O marxismo muito diferente disso, e quem no o
percebe nada tem de marxista. Qua~quer greve - e isso ~e ~o?e
e deve generalizar para os demais incidentes da luta revo~uc~~nar~a,
seja qual for sua fase, etapa ou momento - tem uma sIgmfI~a~ao
prpria e em si. O que essencial e fundamentalmente se objetiva
em cada incidente da luta revolucionria
a conquista das reivin-
dicaes propostas, das finalidades e aspiraes na ordem do dia.
E a ttica empregada se _orienta inteiramente nesse sentido, e
n o
objetivando o socialismo e a revoluo que o h de instituir. A
greve ou outro incidente da luta revolucionri~ ~o enco?re fina-
lidades secretas e excusas no constitui manobra astuciosa que
visaria a outros objetivos que no os expressos e que lhe servem
de bandeira e programa. Os comunistas que assim pensam e
agem no' so verdadeiros marxistas, mas antes fatores adversos
revoluo e vitria do socialismo. Objetivos ocultos ou disfar-
ados no existem, ou no devem existir na luta revolucionria.
O que existe a dialtica dos fatos histricos que no so da respon-
sabilidade dos comunistas, e que no cabe a eles, ou a quem quer
que seja, determinar.
f:
essa dialtica que, independentemente da
vontade dos indivduos, levar a luta do proletariado ao momento
decisivo em que se propor sua natural concluso que
o socia-
lismo, atravs de aes em favor de objetivos mais restritos e ime-
diatos que so os que se propem concretamente na conjuntura,
do momento. Quanto s intenes e ao dos comunistas nesse ~
momento, elas se concentram ou devem concentrar-se no incidente
em curso e nos expressos objetivos que neles se apresentam e que
tudo quanto na ocorrncia os deve momentaneamente interessar.
So essas circunstncias, alis, essa posio e perspectiva dos
comunistas inspirados no verdadeiro marxismo, que fazem poss-
vel a unio de suas foras com as de outras correntes polticas que
podem no aceitar o socialismo e lhe serem mesmo adversos, mas
que com eles coincidem l9s objetivos que no momento se proQel '
que so esses objetivos, e somente eles que inspiram os ~-
nistas. E se os comunistas os relacionam, com a ao que impli-
cam, com outras aspiraes - e o socialismo em ltima instncia
-'-- fazem-no em plano unicamente terico, e como simples previso
cientfica de quem considera a Histria de um ponto de vista
dialtico em que cada fato encerra um
devenir
que o projeta no
futuro e na fatal transformao da sociedade. O que no a
interpretao dos no-marxistas que podem assim se unir aos co-
munistas que no tm no que respeita ao prtica imediata -
18
Caio Prado Iunior
e esse um ponto capital do marxismo - outra finalidade Rue
deles, a saber, a consecuo da vitria no terreno da ao e curs
e dos objetivos que nela se propem.
A teoria revolucionria brasileira, que a resposta a s r d -
da s questes propostas na atual conjuntura do pas, no se
inspira assim de um ideal expresso na natureza da revoluo par'
a qual se presumiria a priori que marcha ou deve marc ar
evoluo histrica brasileira - revoluo socialista, demod tic
-burguesa ou outra qualquer. Revoluo essa a que se trataria, n
mesma ordem de idias, de ir aproximando e afeioando as inst-
tuies do pas, e ajustando assim os fatos com a finalidade d
alcanar um modelo preestabelecido. Nada h de mais inreal
impraticvel que isso. A teoria da revoluo brasileira, para s
algo de efetivamente prtico na conduo dos fatos, ser si plea-
mente - mas no simplisticamente - a interRretao da oon
'. f- ~
tura presente e do rocesso histrico de ue resulta. Pliocess, -r-
esse que, na sua _proje~j\~tura dar cabal resposta ~ 9 ste
< -
pendentes. nisso que consiste fundamentalmente o mtod di -
ltico.
Mtodo de interpretao,
e no receiturio de fatos, do ,-
ma, enquadrarnento da revoluo
histrica
dentro de es ema
abstratos preestabelecidos.
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cionana da problemtica social. E so essas solues reais, no
sentido acima, que, aplicadas e realizadas (e nisso consiste o pro-
blema poltico por excelncia, que ele tambm se define e prope
na mesma interpretao da conjuntura presente), se faro, por seu
turno em nova srie de fatos e nova situao e conjuntura a que
se aplicar o mesmo mtodo. E se baseados em consideraes de
ordem muito mais geral e ampla que as proporcionadas pelos sim-
ples dados oferecidos na realidade brasileira atual, podemos ante-
ver o desenrolar desse processo no sentido do socialismo, no o
fazemos, porque isso seria irrealizvel e utpico, na base da srie
completa de fatos que se interpem entre o dia de hoje e o do
socialismo afinal realizado. No nos dado adivinhar e sa srie,
mas to-somente o momento presente como resultante que de
um processo passado, e projetando-se, em conseqncia, num mo-
mento seguinte e continuao deste que se trata de promover e
impelir para diante na base de uma ao poltica e norma revo-
lucionria, ditadas pela mesma conjuntura em que hoje se ropern
as questes pendentes.
Esse desdobramento por etapas da teoria revolucienria, e
pari passu
com, os prprios {atos que interpreta e ao mesmo tempo
se prope orientar, torna-se bem claro quando se corisidera o
exemplo histrico bem prximo de ns tanto no
espao
como no
tempo, bem como tambm pelos muitos traos que tem em comum
com nosso caso e que vem a ser o ocorrido em Cuba. Partiu-se
a com a luta contra uma ditadura opressiva e violenta, que che-
gara aos limites extremos da corrupo e do mais cnico des-
respeito aos mais elementares direitos dos cidados.
isso que,
fundamentalmente, inspirou e estimulou a oposio de Fidel Cas-
tro e de seu partido ao regime de Batista, oposio essa que cul-
minou com o desembarque na praia Colorada e a organizao da
iosurreio de Sierra Maestra.
Chegada, contudo, a esse ponto, a simples oposio a Batista
e seu regime comea precipitadamente a evoluir e se transformar
no sentido de uma revoluo agrria e antiimperialista. Essa r-
pida maturao da revoluo cubana prova o ac~rto, do ponto ~e
vista revolucionrio, da posio assumida por Fidel, fossem quais
fossem at o momento as limitaes do seu movimento, restrito
at ento, como estava,' oposio a Batista. O que, sobr~t~do,
vale na ao revolucionria no o que se proclama e em ultima
instncia se projeta. E sim o sentido dialtico dessa ao, isto ,
sua potencialidade em projeo para o futuro e seu contedo...l-
tente embora, inexpresso e at mesmo inesperado para a generali-
20 Caio Prado Iunior
dade dos participantes, de transformaes polticas, economicas e
sociais que nele se encerram e deles derivam como conseqncia
e natural desdobramento.
Era assim o movimento desencadeado por Fidel e seu pu-
~?ado ?e companheiros da Sierra ~~estra. Mo~iment? ~sse que\ \
]acontinha em germe a futura e proxima revoluao SOCialista,em- '
bora ningum, e nem mesmo o r rio Fidel Castro co itasse J
disso .1.... omento. Se' que mesmo o suspeitassem, pois tudo
leva a crer que foram antes o profundo instintQ ~e.YOJucioJlriode
Fidel e' sua grande agudeza poltica ue o uiaram, ele e seu movi-
mento. E no a conseqncia claramente stnta do que estava
ocorrendo e das conseqncias que se seguiriam.
Mas, seja como 10r, a insurreio de Sierra Maestra, embora
lanada
inicialmente com projeo muito menor, nada mais que
a derrubada da ditadura, logo que comea a tomar corpo e se afir-
mar j assume o carter de revoluo agrria. Para se fazer, logo
depois da tomada do poder, em antiimperalista tambm. Esses
dois aspectos da revoluo se achavam inteiramente ligados entre
si por fora da predominncia de monoplios imperialistas norte-
-americanos na agroindstria do acar em que se fundamenta a
economia cubana. Do. acerto inicial, e sob o impulso revolucion-
rio conseqente dos fidelistas, derivavam os acertos seguintes e o
desencadeamento do processo que daria na rev-oluo socialista
l
m que Cuba ora se encontra. E pode-se acompanhar pari passu
o progressivo desdobramento e a maturao da teoria revolucio- II
nria de Fidel, que, partida do constitucionalismo (ataque ao
quartel de Moncada, 1952) e cL . l ismo antiditatorial (de- -
sembarque na praia Colorada e organizao do levante da Sierra
Maestra), evolui para a revoluo agrria e antiimperalista, para
desembocar afinal na revoluo ocialista (1961).
entre outros, nesse exemplo que havemos de nos louvar no
Brasil. Trata-se de definir uma teoria revolucionria que seja ex-
presso da conjuntura econmica, social e poltica do momento,
e em que se revelem as questes pendentes e as solues possveis
para as quais essas questes apontam. Ou antes as alternativas
dessas solues, das quais se escolhero as que signifiquem o irn-
pulsionamento e a acelerao do processo histrico, a marcha dele
para frente. A transformao em oposio conservao
'do
status
quo.
de uma teoria dessas que necessita a revoluo brasileira,
e no de especulaes abstratas acerca da natureza dessa revo-
luo, do seu tipo e de sua correspondncia com algum esquema
ideal, proposto, fora e acima dos fatos concretos e dados imedia-
A Revoluo Brasileira 21
lli
-
7/21/2019 A Revoluo Brasileira - Caio Prado Junior
12/134
~ .~
t~'J
8 0 t~mente pela realidade econmica, social e poltica q e o pas est
r
* efetivamente vivendo.
.v :..
Infelizmente, es a especulao que tem caracterizado os de-
~ ~ bates e as tentativ s de teorizao da revoluo brasileira. O que
~ \ll representa, a noss ve, um dos principais fatores as desfavor-
c r O u veis vicissitudes - e ue vicissitudes - que tm orido o pro-
\I)
&-
cesso de transfor ao de nossas instituies e a marcha para
(fi
Qdiante do pas.
m enfocamento falseado e arreda o da realida-
t.
i
,
ts._de brasileira, porq e se perde em abstraes inspiradas em mode-
\ . ,4
Iq
i.:
los apriorsticos, que em impedido a elaborao de uma teoria
~ - ~ adequada da revolu brasileira e capaz de orientar e encami-
) (~.8 nhar os fatos de maneira verdadeiramente conseqente e e~unda.
rr~ A s foras revolucion / . s vm adquirindo no Brasil sobretudo a
I{) o
c partir a ltima Grande Guerra, um impulso
considervel,
No
I somente em termos de agregao e acumulao de potencialidades,
mas ainda de conscincia coletiva do processo em curso e em que
to claramente se evidencia a necessidade de .reformas substan-
ciais e profundas
le
nossas estruturas polticas, econmicas e so-
ciais. A consci cia revolucionria tem hoje no Brasil - e isso
j vem de data relativamente afastada, e ganhando terreno dia a
dia - considerv I p ojeo. No por acaso nem por simples
exibicionismo que o golpe de 1.0 de abril de 1964 se enfeitou do
nome de revoluo. ' que seus promotores sabiam, como sa-
bem da ressonncia popular, dessa expresso e da p,enetrao que
tem em largas camadas da populao brasileira. E a par dessa
conscincia revolucionria, as contradies imanentes na vida bra-
sileira j atingem um tal agudeza que no h mais como disfar-
-Ias, e muito menos com alguns retoques de superlcie, como se
faz patente com a medidas que vem adotando o go erno sado do
golpe de abril. edias essas que, apesar dos considerveis sacri-
fcios que vm i pondo a importantes setores da ]:lopulao, no
conseguem abran ar enhum dos grandes males ue afligem o
pas e que lhe freiam o progresso material e cult ral. E antes
pelo contrrio, vm a ravando muitos deles.
Contudo ape ar daquelas circunstncias altamente favorveis
maturao do rocesso revolucionrio brasileiro, o que se tem
visto, afora agitao superficial, por vezes aparatosa mas sem ne-
nhuma profundidade ou penetrao nos sentimentos e na vida da
rl . t
po ula.o, afora isso, o que h de real a estagn~~Q. daquele pro-
c~sso revolucion io. Ou pior ainda, a sua degenerescncia para
as piores formas tle oportunismo demaggico, explorando as aspi-
raes populares or eformas. Foi esse o espetc o que propor-
cionou ao pas a co vulsionado governo deposto a 1. de abril.
22 Caio Prado
Muitos, na verdade quase toda a esquerda brasileira, interpreta-
ram aquele perodo malfadado como de ascenso e avano revolus '\
cionrio. Mas de fato ele de nada mais servi~~12ara 12re12ara {)-- \
0_
golp~ de abril e o encastelamento no poder das mais retgradas
foras da reao, Isso porque deu a essas foras a justificativa d
que necessitavam - o alarma provocado pela desordem adminis-
trativa, implantada sombra da inpcia governamental, aprovei
tada e explorada por agitao estril sem nenhuma penetrao no
sentimento popular, e estimulada no mais das vezes por interesse
subalternos e mesquinhas ambies pessoais. isso que permitiu
r~- encobrir seus verdadeiros propsitos, e iludir boa part
da opinio pblica, com o pretexto da salvao do pas do caos
que parecia iminente. E levar essa oRinio seno ao a oio _ao
menos
aceitao pas~va do olp~. , v
;; . . l: , v r Y v
Foi isso o governo de Joo Goulart e seu triste fim. E nele,
e para sua infausta trajetria colaboraram as desorientadas esque
das brasileiras sem outra perspectiva que esta de se servirem, o
melhor de se porem a servio de ambies polticas que nada
tinham nem podiam ter em comum com seus ideais e finalidadeJ.
Ao analisarmos nos prximos captulos a teoria da revol -
o brasileira oficializada e consagrada, em suas linhas gerais, nos
crculos dirigentes das nossas esquerdas, a comear, e em primeiro
e principal lugar pelos comunistas, bem como a estratgia e
tti
ca decorrentes daquela teoria , teremos ocasio de verificar co-
mo as graves distores observadas na interpretao da realidad
poltica, econmica e social brasileira contriburam para os erros
que vinham sendo cometidos desde longa data na ao poltica da
esquerda, e que levaram afinal ao desastre de 1. de abril. Ess
erros se agravaram consideravelmente depois da renncia de Jnb
Quadros em agosto de 1961, degenerando ento nesse element
e grosseiro oportunismo a que fizemos referncia, e que caracte -
zou a situao deposta em abril de 1964. No de admirar q e
as esquerdas brasileiras, privadas de uma teoria satisfatria e capa
de as conduzir com segurana a seus objetivos, se tivessem deix -
do levar .pelas sedues de demagogos instalados no poder.
marchassem Com eles para o desastre que qualquer observador
menos apaixonado e preconcebido por opinies estranhas real-
dade brasileira, poderia com facilidade ter previsto.
Realmente, na ausncia de um tal teoria, e incapacitadas p' r
isso de se conduzirem na complexidade dos fatos reais que nao
se ajustavam a seus esquemas tericos sem correspondncia co
a realidade, as esquerdas brasileiras no podiam, como de fato nao
lograram mobilizar efetivamente as verdadeiras foras
revolucon-
A Revoluo Brasileira
3
-
7/21/2019 A Revoluo Brasileira - Caio Prado Junior
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rias. No que se refere .ao proletariado, no foram alm de reivin-
dicaes salariais imediatas que a precipitada inflao tornava fcil
no apenas de levantar, como de conduzir a aparentes vitrias.
Isso nas cidades, porque no campo onde o assunto se apresentava
muito mais complexo, a coisa era pior, pois as prdicas para uma
massa trabalhadora rural fantasiada para a circunstncia de cam-
pesinado do tipo europeu dos sculos XVIII e XIX, e as impre-
caes contra o feudalismo no encontravam a, nem podiam
encontrar , nenhuma ressonncia.
Esses so apenas alguns sintomas, entre outros, das limita-
es encontradas pelas esquerdas em sua atuao prtica. Vere-
mos melhor esses pontos, e outros semelhantes, no desenvolvimen-
to da matria que constituir objeto dos prximos captulos. Em
conjunto e derivado dessa desconexo entre a teoria~ a prtica,
a es~rdas no conseguiram despertar e mobilizar de maneira
efetiva e revolucionariamente fecunda, as foras, progressistas
jo',
_pas. Com raras excees, no foram alm de uma agitao de ).~
superfcie, promovida em torno de slogans , e que desbaratava
sem maior proveito as energias revolucionrias e as desencantava
de seus aparentes lderes. E assim a
ao
revolucionria se red. -
ziu de fato a pequenas minorias e se concentrou em acanhadas
cpulas que, se muito se agitavam dando possivelmente a impres-
so, s vezes e para aqueles que nelas se envolviam, de grandes
acontecimentos, na realidade marcavam passo espera de um feliz
acaso que fizesse algum dia cair-lhes nas mos o poder, como um
iiat
do Destino. Quando se observa com ateno as ocorrn-
cias polticas brasileiras nestes ltimos anos, verifica-se que de fato
o Que se achava efetivamente mobilizado e atuando na luta revo-
lucionria, ou antes naquilo que se pretendia tal, eram unicamente
reduzidas cpulas esquerdizantes que enchiam todo o campo que
deveria ser daquela luta. Cpula poltica no Congresso Nacional e
numa ou noutra Assemblia Estadual ou Cmara Municipal, cpula
sindical nos setores operrios, cpula intelectual nos setores pro-
fissionais, cpula estudantil, cpula militar.,. Tudo mais, as
bases,' as massas populares, assistiam passivamente, ou pouco mais
que isso, aos acontecimentos. E na melhor das hipteses faziam,
nos momentos 'de maior tenso, de torcida como nos jogos de
futebol.
Nessas condies, encerradas em seus slogans , que nem por
sua infinita e montona repetio se abriam e projetavam em di-
retrizes eficazes e normas fecundas de ao - pois para isso no
serviam 'Os'seus inaplicveis esquemas tericos - e privadas assim
de perspectivas, concretas, as esquerdas no lograram nunca ati-
f4 Caio Prado Iunior
)
)
nar, afora uma agitao no mais das vezes completamente est 'I
c~m outra sada para seu isolamento que a triste contingn' ~
alianas
com quaisquer dispositivos partidrios que aceitasse~a e
~pOIO e ~oncurs.o em troca da migalha de pequenos favores ~~~
ticos ,mUlto mars .de natureza pessoal que outra coisa qual p
E aSSIm, se procedia mesmo custa de concesses e abdica~u~r
ordem ideolgica. A instncia mxima disso, depois de m~ita~
outras antenores de menor envergadura foi d id .
I b - , sem UVI a o apoio
e co.a oraao e~prestados, nas eleies presidenciais de 1955 ao
candlda~? do dispositivo PS?-PTB, o sr. Juscelino KUbitschek.
~at~l ~has dessa
aliana
espuria a trajetria poltica da esquerda
rasi
erra, e dos comunistas em particular, que iria terminar com
o desastre de 1.
0
de abril.
, Espr~a - espria alm de qualquer dvida - porque Jus-
c~IIno Kubitschek se apresentava com seu programa de desenvol-
vimento e metas que implicava claramente, e pode-se mesmo di-
zer ~xpress~mente ,a promoo dos interesses do grande capital
braslero e internaciong], Particularmente desse ltimo, pois na
b.as
7
do apelo aos grandes trustes internacionais e estmulo s ini-
clatlvas deles no .Brasil. que, fundamentalmente, se assentava o ro-
grama des,envolvlmentlsta endossado pelo candidato.
O
u~ se
comprovana quando o presidente eleito viajaria pela Euroia an-
tes ?a p~sse, entendendo.s, com grandes grupos internacionai~ aos
quais o erecena com promessas formais de largo favorecimento
P?r parte de
A
se~ prximo governo, generosa participao nas ati-
vldad~s economlc~s brasileiras. E depois de inaugurado o gover-
no, ~OI o que se VIU e em que no precisamos aqui insistir Nunca
se v~ra, e_ nem I?es~o imaginara tamanha orgia imperialista no
B asl e tao. c~nslderavel penetrao do imperialismo na vida eco-
nomica
brasileira.
, Paralelamente e ligada a essa poltica de favorecimento dos
I~teresses .imperialistas, estava a promoo do grande capital na-
~onal, seja por estI?ulos creditcios (para o que funcionava o
enco do Desenvolvimenu, Econmico, dirigido pelo mais puro
expo~nte da ,eC?nOmla capitalista, o SI. Roberto Campos, e que
~eu~mdocapltaIs a.rra~cados atravs de emprstimos forados' do
onJunto dos contnbumtes brasileiros o adicional do imposto de
renda deles s . financi
.' e servia para mancrar as grandes empresas) se]'a
pela inflao que ed I' '. '
Iuc . '. - r uz os sa anos reaIS e acrescenta com isso os
de:os ca~It~hstas. Ent~eguismo e inflao em escala sem prece-
ne ~e~, fOI ISSO o ess~nclal do governo Kubitschek, sem contar as
g ,clatas e oportumdades de bons negcios custa do Estado
A Revoluo Brasileira 25
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7/21/2019 A Revoluo Brasileira - Caio Prado Junior
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I
I
da
C
onstruo de Braslia.
ti cular no caso d
e da Nao, como em par
1
lado ao total enfeudamento a
rada
E foi isso que levou, de .um
im
~rialista e doutro, r~obra .a
. brasileira ao
capital 1 P' (',
a
conseqncia
mais
norma lh elo capital que e _
explorao do. traba o. p o) e decorrente concentraao. e
direta e imedIa~a ?a
inflao), res
jamais vistas no
Brasil.
acumulao capitalistas em pro~o '1 como nestes 50 anos de
Nun
ca se enriqueceu tanto no .o K bitschek como tambm se
- 5 d governo
u ,
d 1
desenvolvimento em o'd t O que se disfara o pe a
C
rapi amen e., eaempobreceu tanto e ao
1
ti destes ltimos anos, com
. , especu alva
euforia mflaclOnana e t
ti
bem c1aramen e, ,
agora a se fazer
sen
Ir . I
nclusve
os
comums-
e das
brasi eiras, r
Apesar disso, a~ esqu r overno Kubitschek e as foras I? O 1-
tas continuaram apoiando o g . E se mantiveram nessa lmh.a
tic~s que o presidente _rep~es~n;~~a'levando seu concurs? candi-
por ocasio da sucessao e
l'
do que se conhecia de suas
datura do Marechal Lo;t; que,., a emd stacara no comando da II
retgradas opinie~ polticas, ja se nftidamente orientado para a
Regio Militar (Sao P~ul~) c~fo militar que em So Paulo es-
reao. Fora ele o
pnmeiro ~ e
e . alm da esfera militar que
tendeu suas at~ibuies e fun9oe~0;:~~stas e rgos da imprensa
lhe cabia, a
fim
de
perseguir
~l't escandalosos (precursores,
d processos mi 1 ares ias) mal
popular, encenan o m dos IPMs de nossos
dias
que.
e certamente modelos tamb
f , .
fria anticomunista e antrpo-
disfaravam, sob pretextos
te is, ~_
de So Paulo Lembro-me
ular do ento comandante da Regio 1957 na qualidade de
P . M h I Lott quem, em '_ Ilh de
alis que fOI o arec a em reservas a cessao da a
Ministro da Guerra, aprovou, s't norte-americano, consumando
Femando de Noronha. ao exe;c~~ferido pelo imperialismo .c.ont~a
com isso o mais ostensivo golP. d precedente que frutlfIcana
a
soberania brasileira.
E
abnn
didatr
nacionalista que as nos-
F' e o can I a o
abundantemente. . OI ess as eleies de 1960.
(1)
sas esquerdas apoiaram n . 1 do meterico governo de
queno nterva o .
Segue-se, com o pe -. . ta acima j referida. E sempre,
Jnio Quadros, a .ave~tur~ ]::::::: de conscincia e autocrtica que
sem nenhuma
hesitao
o
ilid
de de uma luta que nada
. lh para a esten I a , .
lhes abnssem os o. os - trrio para seus objetvosprogra-
P
oderia trazer,
muito
pelo co~
m
anobras polticas de seus
es-
as favorecia as , isti d em
mticos,e que apen d b asileiras continuaram m sis m o
0 aliados as esquer as r
un s , _
, qualidades pessoais do Ma-
(1)
No vai aqui nenhum men?~pre~Odeassorientada e oportunista linha
. t uma critica a .
ha1 Lott mas umcamen e .
rec _ l'ti da esquerda brasileira.de aao po
I
ica
26 Caio Prado I unior
sua oportunista linha poltica de apoio a um dispositivo partid-
rio vazio de qualquer contedo ideolgico, e que essencialmente
no disputava seno as vantagens da posse e do usufruto do po-
der para a sua faco. Em contra partida, o que as esquerdas ga-
nhavam com esse apoio era unicamente a oportunidade de uma
projeo poltica que por suas prprias deficincias elas no logra-
vam alcanar por outros meios mais construtivos. Projeo essa,
contudo, que no resultava afinal em mais que uma agitao de-
maggica e superficial, sem reais perspectivas revolucionrias e
fadada ao desastre de abril, que j' muitos meses antes somente no
era previsto por ingnuos embriagados na euforia de moment-
neos e aparentes sucessos, ou ento cegados por falsas iluses
acerca do verdadeiro contedo e sentido da luta em que se tinham
engajado.
.E
este ltimo ponto que nos interessa aqui mais de perto. A
saber, o papel que tiveram as insuficincias tericas das esquer-
das brasileiras na gnese daquelas iluses que no
lhes
permitiram
enxergar a realidade da situao e pressentir o desenlace que as
aguardava. Foram sem dvida essas insuficincias tericas que
tornaram possvel encaixar o mesquinho embate de faces, que agi-
tava o cenrio poltico brasileiro, em teorias decalcadas sobre mo-
delos estranhos e completamente alheados da realidade do pas,
e com isso assemelhando aquela luta a grandes e profundos aconte-
cimentos revolucionrios: nada menos que conflitos decisivos de
classes e categorias sociais que diziam respeito prpria estrutu-
ra econmica e social do pas. Uma revoluo agrria, antifeudal,
antiimperialista... Que no se tratava de nada disso, virificou-se
amargamente quando uma simples passeata militar bastou para
deitar por terra a aventura e dispersar sem maior esforo os iludi-
dos pseudo-revolucionrios. Mas enquanto a aventura durou, foi
a iluso alimentada por grosseiros erros de interpretao terica da
realidade brasileira, a saber, de que o pas estava vivendo momen-
tos revolucionrios profundos e decisivos, foi isso sem dvida que
deslumbrou e estimulou as esquerdas brasileiras _ a sua parte
honesta e sincera, sem dvida, porque interesses personalistas tam-
bm tiveram a o seu papel - a prosseguirem em sua desacertada
ao poltica. Ao essa que, por no contar com diretrizes justas,
no foi capaz de despertar e mobilizar, seno em propores m-
nimas e largamente insuficientes, as verdadeiras foras e os impul-
sos revolucionrios.
E
que por isso se perdeu em estril agitao.
Analisaremos adiante, com os necessrios pormenores, aque-
las concepes tericas das esquerdas e os esquemas de ao que,
A Revoluo Brasileira 27
-
7/21/2019 A Revoluo Brasileira - Caio Prado Junior
15/134
. . campanha a to funesto deste-
d
t s levaram sua -
por seus esacer o , . interessa chamar a atenao para
cho. O que sobretudo aqui n
l
os d rentes de uma insuficincia
. males de es ecor,
'1 .
os graves nscos e .. d das esquerdas bras eiras.
,. I
verifica a no caso , . d
teonca como aque a di _ altamente favoravelS para o e-
Embora contando com con ioes . ,. dada a maturidade das
sencadeamento do processo re~oluclOnarcloOn'micae social brasilei -
. - t s na conjuntura e
contradloes preser: e nte ermaneceram anos marcando pas-
ra, as esquerdas nao s~~;ril a~itao na qual se meteram no se
so ~ uma vez que a . da comprometeram e atrasaram
ode reputar processo - mas ain
~onsideravelmente a marcha daquele processo.
. . eiro lugar nesta nova fase em que n~s
Trata-se , pOIS, em .pnm t ente e sem convices e ati-
encontramos, de -econsderar at~n ~m err: que se processa a evo-
tudes preconcebidas as clrcu~st~ncl~s nosso pas. E procurar a,
luo histrica, social e econo~lct ~ da realidade brasileira, as
e no em esquemas abstratos e:; ~v~~em as transformaes eco-
foras e os fa~o~e~ capazes de P n 'untura presente. Bem como a
nmcas e Sociais Imanentes lna ~tOoJ dessas transformaes. Tra-
di - e eventua nm -' d
natureza, ueao . ' . da nossa revoluao a fim e
d
laborar a teona '. .
ta-se em suma e ree _ poltica da esquerda brasilei-
por ela acertadamente pautar a aao ar pela apreciao crtica
ra. Mas' para iss? .devem?s a?te~o~~~~adas e que de maneira to
das concepes teoncas at: hoje c dg as foras polticas renova-
lamentavelmente errada ve.m msplran o cuparemos no prximo ca-
doras do nosso pas. diSSOque nos o
ptulo.
11 - A Teoria da Revoluo Brasileira :l ?
~
No Brasil, talvez mais que em outro lugar qualquer (porque
W
o mesmo mal tambm existiu e ainda existe em outras partes),
.
4
a teoria marxista da revoluo, na qual direta ou indiretamente, ~ ;:::
deliberada Ou inadvertidamente se inspira todo pensamento bra-
,($
s ilei ro de esquerda, e que forneceu mesmo os lineamentos gerais C 5
de todas as reformas econmicas fundamentais propostas no Bra-}; . ~
sil, a teoria marxista da revoluo se elaborou sob o si no de abs- ? ,W -
traes, isso , de conceitos formulados
JJ :iori_~
sem considera- cJ -:-~
o
adequada dos fatos; procurando-se posteriormente, e somen-c:b ~
te assim - o que o mais grave - ~ nesses conceitos a \
realidade concreta. Ou melhor, adaptando-se aos conceitos aprio-
($
risticamente estabelecidos e de maneira mais ou menos forada, os ';;'
fatos reais. Derivou da um esquema terico planando em boa 8
parte na irrealidade, e em que as circunstncias verdadeiras da
nossa economia e estrutura social e poltica aparecem com fre-
qncia grosseiramente deformadas.
Resultaram disso as mais graves conseqncias no que res-
peita conduo da prtica, isto , da ao revolucionria, pois
de uma teoria de tal maneira alheada da realidade, como tinha
de ser aquela que provm de to defeituosa elaborao, no pos-
svel extrair as normas de uma poltica conseqente e aplicvel s
situaes concretas que se apresentam. Em conseqncia, a pol-
tica revolucionria ficou exposta ao sabor das circunstncias ime-
diatas, oscilando continuamente entre os extremos do sectarismo
e do oportunismo, e sem uma linha precisa capaz e onertlar se-
guramente, em cada momento ou situao, a ao revolucionria.
Os primrdios daquela teorzao s .avessas que vai dos con-
ceitos aos fatos, e no inversamente desses fatos aos conceitos,
datam j de algumas dezenas de anos. Mas at hoje pesam ainda
consideravelmente na maneira como se interpreta a realidade eco-
nmica, social e poltica brasileira. Pensam negativamente, emba-
A Revoluo Brasileira 29
28 Caio Prado Lunior
-
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16/134
raando qualquer tentativa de verdadeiro e fecun.do t~aballio, de
elaborao cientfica. Fazem-na mesmo, pode-se dizer, impo svel,
sem a preliminar mudana radical de atitude no processo de ela-
f
borao terica. Isso po:que ,o~ prejuzos h~rdados do pass
00
se
-I
consolidaram em conce oes n Idas verdadeiros do as que, con-
I tando como contam com to longa tradio, se tornaram po isso
mesmo altamente respeitveis. E respeitados sobretudo em meios
\ de deficiente preparao cientfica, que, como natural em mili-
tantes polticos formados exclusivamente na atvidads., rti1l ime-
c~
diatista como se deu eu: regra no Brasil, se inclinam de pre er~-
~ cia, em geral, para a a ao maIS qULP-ara o ~o
~ acerca dessa ao e s~a crtica terica. Tm por ,i~so a tenncl.a
~~ de acitrsem-maior indagao, e
?~
~orma dogm~tlca, a sua de l-
ciente e defeituosa aprendizagem inicial. A teona da revoluao
brasileira, elaborada originariamente em poca na qual pouco ou
nada se conhecia acerca de nossa realidade, quando nos faltava
experincia poltica e o nvel de conscinci_a revolucionria da mas-
sas trabalhadoras era extremamente baixo, particularmente n cam-
po, cujo- p~pel em Pase; como o Brasil tinha. ?e ser. e ainda
de
primordial importncia, essa teoria se transrmtiu a~slm co .tod~s
suas grandes falhas e sem nenhuma reviso radical que se fa Ia tao
necessria. No foi nem ao menos submetida, nos seus traos
fundamentais e essenciais, a nenhuma crtica. E vem sendo~ ace~a
como do ma e como tal se transmite. H ainda que acre centa
aos fatores desfavorveis reviso e reelaborao sobre no as ba-
ses da teoria da revoluo brasileira a longa fase de acentua o dog-
matismo que imperou em todo pensamento marxista, como fruto
dos graves erros do estalinismo. Dogmatismo esse que, em pases
culturalmente imaturos como o Brasil, teria necessariamente muit
ampliadas, como teve de fato, suas nefastas conseqncia .
Esse conjunto de fatores contribuiu para consolidar
n
o ape
nas concepes falsas e em inteira discordncia, muitas vezes, co
os fatos reais, mas ainda imps, como referimos, uma certa ma-
l+-
J .
neira de considerar os fatos econmicos, sociais e politios que
g,~ _
eles d conta inteiramente deformada. Isto , no parte tia co
c li
siderao e anlise daqueles fatos como. realmente e~es, s a~re
_ a ~
sentam, a fim de os interpretar e determmar a sua dialtca, 1St
cr
3
, a sua dinmica e projeo futura, com .0 que s~ ela110rar
.Q g
teoria revolucionria. Caminha-se em sent1~o precisamente con
~ IJ)
trrio a saber admite-se
a priori
essa teona, e procura-se neli
encai~ar os .fat~s, por mais que eles se deformem nessa arbitrria
singular manipulao. Essa deformao, contudo, intei amente
30 Caio Prado Iunior
desco s.ide~~d~, e no provoca maior estranheza e espcie or ue
tem a
justifc-Ia
o prestgio dos modelos 'que t . ,p q
f - a eona reproduz
. e, r~ ~ e, a saber,. os textos clssicos do marxismo e o exern 10
histrico dos pases socialistas~ E no se leva em considera:o
ue esses textos e exem 10s sao relativos a situa es bem d' t
. d d b '1' . IS an-
Cla as as raSI eiras. Enxergam-se assim os fatos no co -
mas C0m
d ., ,
I mo sao,
o evertam ser a uz do que se passou ou passa em ou-
t~os ~ugares. Logo veremos como se pratica essa elaborao te-
rica a avessas.
.ornou-se assim extremamente difcil quebrar a resistncia
oferecida po~ tradio ter~ca de tal maneira enraizada e aparen-
t~mente apOla?~ em autondades incontestes. E isso vem impe-
d.mdo uma .rev~s~o do assunto e a elaborao adequada de uma teo-
na ~evoluclOnana que, efetivamente, d conta dos fatos da nossa
reahda~e: . ~s esforos nesse sentido, partidos de umas raras e es-
p.arsas nucatrvas que procuram contrapor-se aos dogmas estabele-
cidos aos slogans consagrados, no encontraram at hoje eco
e esba ramo geralmente em vetos liminares de quem se recusa at
mes~o e~tr~r. no debate do assunto. E por isso que os esque-
~as I aginanos q.ue passam no Brasil por interpretao explica-
ti~~
d n~s~ realidade, e nos guais se funda a teoria revolucio-
nana b a~lleIra consagrada, no guardam com os fatos reais seno
uma. longl~qua relao.
evidentemente sempre possvel, na com-
plexidade l.~ne~s~ ~os fatos que se trata de interpretar, descobrir
alguma cOlllcId~nCIas entre eles e os padres em que se procura
enquadrar a realidade brasileira. Apanham-se essas coincidncias
despreza-se o resto, e recompe-se com isso uma descrio das
nossas condies econmicas, sociais e polticas que apresenta al-
~uma orrespondncia aparente com os padres escolhidos.
I~S? que tem sido feito, e assim se satisfazem os es ritos su erfi-
~ ~ ; S
u temerosos de enfrentar os preconceitos consagrados As
1
Iculdad~s. ~omeam quando se procura evar a pratica es e es-
quema .rtlflClal e de fato puramente imaginrio. A o rro se pa-
~om Illsuces~os.
o que ocorreu, entre outras oportunidades, e
e
1
em 'r~poro~s desastrosas, no passado recente cujo desenlace
stamos al?Ada.Vivendo.
de esperar que desta vez, e advertidos
pela ~xpenencIa que hoje, mais que nunca pe bem a vivo o erro
cometdb
q
c .
t . '
, _ue onsis e em teorizar no abstrato e na base de mo-
eIos que no se enquadram na nossa realidade de esperar que
~ proc da, de uma vez por todas a uma rigorosa e honesta re-
isao
d '1 -'
na rse e mterpretaao dos fatos brasileiros e elabo-
A Revoluo Brasileira 31
- . . n
-
7/21/2019 A Revoluo Brasileira - Caio Prado Junior
17/134
rao de uma teoria revoiucionr'a que efetivamente se ajuste a
esses fatos. .
Mas por isso mesmo que a nsuficinc~a ~a~ concep~s te-
ricas que vm orientand@ a aa revoluclOnana no Brasil tem
origem- remota e vcios profundamente enraizad?~ no pensa~ento
ainda vivo e atuante das foras e correntes polticas que diri em
aquela ao, devemos retomar a essas ori ens a fim de bem com-
preendermos aquelas defi
-
7/21/2019 A Revoluo Brasileira - Caio Prado Junior
18/134
histrica de todos os povos pases segundo modelo inspirado no
que ocorreu num grupo deles, no esto muito longe mas, pelo
contrrio, muito prximo da uelas anacrnicas concepes.
O
~ O que precisamente o marxismo, com seu mtodo dialtico,
.9 introduziu de novo na anlis e interpretao histricas, e que j
o. se integrou no pensamento cientfico moderno a ponto de a ele
~ se renderem, embora sem conscincia disso, a maioria dos histo-
f
......::--dadores,mesmo os largam nte afastados do marxismo em c.on-
?-~unto, e sobretudo, de seu oontedo social e poltico a exph~a-
0)
ij) o dos fatos e das situaes istricas pela emergncla progresslVa
;? ~
deles dentro de um rocesso em ermanente
devenir,
e se ro~-
C i *tando assim ara o futuro nu ,_EE:QuareE9lli1 .0. Isto , sem
repetir o passado, ou melhor, sem se modelar segundo formas e
circunstncias prefixadas. rora um ponto de vista desses exclui
desde logo e necessariamen e, qualquer concepo que pretenda
enquadrar a evoluo histrica em esquemas preestabelecidos.
Essa maneira, dialti em essncia, de ver as coisas, no
exclui a previso histrica e o marxismo essencialmente uma
previso: a do socialismo. E sim funda-a no presente resultante
do passado, ou antes, na d'altica do presente como projeo do
passado e onde o futuro Illievisvel j se encontra includo e ini-
~ 41. f1
plcito nas contradies ooorrentes.
A
previso do socialismo
~~ dessa natureza., O sociali mo no constitui na reviso de Marx
.. --U-rtra-eta-a-i estado i ea futuro se ndo o qual se retenderia
.. ~odelar o mundo conte ...orA < Q . . .O socialismo, para Mrx ~ e
ele o demonstrou, com as fatos se incumbiriam de comprovar
_ j se encontrava presente e em germe no capitalismo, que ele
analisou e penetrou com sua anlise at as razes mais profun-
das e as origens mais remotas. Encontrava-se presente nas con-
tradies desse mesmo ca talismo e, em particular, numa pers-
pectiva geral e ampla, na contradio entre a produo ..social e
a a ro ria o rivada dos meios de rodu
o.
analisando o
capitalismo, e interpretan o-o dialeticamente, isto , na sua din-
mica e devenir, que
Maf
previu o socialismo que deixava nas
suas mos de constituir e estado ideal imaginado pelos socialis-
tas utpicos que o preced ram, p~r~ se =: u.m des?o~ramento
natural e por isso mesm necessano do propno capitalismo: a
superao de suas contradi
es
internas. isso o socialismo cien-
tfico to distinto do socialismo utpico dos predecessores de
,
Marx.
Nada h portanto to estranho ao marxismo e dele afastado
como pretender dispor a evoluo histrica das sociedades hu.
34 Caio Prado Junior
,
tl /1 =\
Wtt.~~% ~\ f l}E.~
manas em geral den ro de uma sucesso predeterminada de sis-
temas econmicos, sociais e polticos que se encontrariam em
todos os povos e que eles devem necessariamente atravessar. E
isso que fizeram e ainda fazem certos pseudomarxistas, sem ao
menos se darem conta disso, quando prefixam para todo e 'qual-
quer pas uma etap feudal, que existiu na Europa precedendo
o capitalismo, e de
que
esse capitalismo resultou ou a que suce-
deu. Porque isso ocorreu na Europa, no se pode legitimamente
concluir que se d ou deu em outros lugares. Se
esse o caso -
e podems consider r a hiptese, porque seria to ilegtimo afir-
mar
a priori
a oco rncia de uma etapa feudal, como tambm
a priori neg-Ia - dever ser previamente comprovado atravs
da observao e anlise dos fatos que confirmaro ou no a coin-
cidncia, e, em que medida, entre a hiptese e
a
realidade.
De
qualquer forma, a esposta somente vir e somente poder vir
depois.
No foi assim, contudo, muito pelo contrrio, que se pro-
cedeu no caso brasileiro que
estamos
considerando. Presumiu-s
5 .,esdeQg e ss:~mmaiQ illi,~g.aiQ. gyx_..Jl..Q... fu.~ti.Lo~f,I2italis.m.o
foi precedido de umr~ feudal e ue os restos des~s...aind
se encontravam presentes na DQSa.atYlll. E partiu-se dessa prej
- . ~~
.
.
.
-
sunao para Ir a procura, nas nstturoes vigentes, de alguma
coincidncia entre 0S fatos observados e o esquema presumido.
Encontram-se naturalmente algumas vagas e aparentes semelhan
as, como sempre ecorre quando se lida com essa complexidade
extrema, que so os fatos econmicos e sociais onde quase
impossvel no se repetirem, quaisquer que sejam as situaes
consideradas, alguns traos comuns. Os raros traos encontrado
~am 1
-
7/21/2019 A Revoluo Brasileira - Caio Prado Junior
19/134
Teremos ocasiao, ao longo de nossa anlise, de verificar
aquele procedimento e co o a realidade brasileira se ajusta mal
no esquema terico que se lhe imps. E vetemos tambm as gra-
ves conseqncias de ordem prtica que da resul taram na con-
. duo da poltica revolucionria. Essa poltica se orientou em
muitos. casos, e alguns de fundamental importncia e significao,
?O .melo de. verd.a~eiras fces que, inspiradas em concepes
rnterrarnente inaplicveis realidade do n~sso pa~Is ~ um
lado (como. entre .outros casos, em especial na uesto agrri)-,:)
em verdadeIro freIO oposto s foras e aos im u sos-r-evelueicJ-
nrios que a ta sIdade da teoria tornou impossvel despertar e con-
UZlr a equa amente, e por isso se dispersaram e em oa parte
se per eram. - ieram de outro lado num hiato profundo entre
a te?~ia e a pr~tica que ficou assim freqentemente relegada ao
empmsmo das Improvisaes.
. . A teoria marxista da revoluo brasileira, na qual, direta ou
indiretamente, se inspiraria todo pensamento poltico renovador
brasi leiro, se formulou em seus tra os erais e essenciais na
d -
c~da de 20, em conjunto com a d~~ de~ais pases coloniais u
semicoloniais e dependentes. Isto , aqueles pases e povos sub-
met~dos ~ol.tica ou economicamente, em maior ou menor grau,
ao . imperialismo. O baixo nvel de desenvolvimento econmico
desses pases, bem como sua posio subordinada, os colocava
n~tur~lmente em 'posio especial que tornava impossvel a assi-
milao pura e SImples de es aos pases de economia capitalista
madura e altamente desenvolvida da Europa e dos Estados Uni-
d?s, como tambm aos pases de desenvolvimento capitalista m -
dIO (Espanha, Portugal, pases da Europa oriental). Presumiu-se
ento - sin~p.lesp.resuno porque no se fundou ou inspirou em
nenhuma anlise ngorosa e sria dos fatos econmicos, sociais e
polticos verificados - que, no se encontrando naqueles pases
coloniais, semicoloniais ou dependentes (era entre estes l timos
que se colocaram os pases latino-americanos, incluindo o Brasil)
um desenvolvimento aprecivel, eles se encontrariam, de acordo
com ~ esquema geral ado ado, em transio do feudalismo para
o capitalismo. A sua etapa revolucionria seria, portanto, sem-
pre dentro do mesmo esquema consagrado, o da revoluo de-
mocrtico-bur uesa, segun(lo o modelo leninista relativo Rssia
tzarista ta bm as atrasa o onto~ vista ca italista e
am a e~rgindo dos iemanescen e do ieudaTiSill ara o capi-
~sIl}2. Naquele quadro to fielmente decalcado sobre mode-
los estranhos e completa
I
ente distintos dos pases cuja reali-
36 Caio Prado Iunior
dade se procurava interpretar revolucionariamente, introduziu-s
unicamente um todo original, isto , o antiimperialismo. Revo
I
luo agrria e antiim erialista : eis o quadro em que se inc1uiril
a conjuntura revolucionria esses pases. Antiimperialista por
que oposta dominao das grandes. potncias capitalistas'
agrria porque se tratava de neles superar a etapa feudal em
que, . em maior ou menor grau, eles ainda se encontravam. Em
pregava-se mesmo freqiientemente, como ainda hoje se emprega
em vez da designao revoluo agrria, a de revoluo antit
feudal . Ambas as expresses se equivaliam e se usavam indifej
rentemente. No se pode assim haver dvidas relativamente ao
pensamento de seus enuncia dores e do sentido por eles empregad
do conceito de revolu.o a rria.
l ' f
lIl)MiTE
,alAl) i f>o
u
------ - ~p rVOPt/....
De incio,
realmente de pasmar que os elaboradores dess
teoria revolucionria no se tenham ao menos dado conta das di
ferenas profundas que separam os ases asiticos - colonia~'
e semicoloniais na ncmeaclamra.nonsagf - d . o . s .- g se de
en4entes . . ; . LatinJ .. Todos esses pases foram em blo
co enquadrados no mesmo esquema, decalcado por sua vez, com
referimos, no modelo europeu. (1) Muito menos ainda aqueles
tericos se aperceberam da diversidade da situao respectiva
- t
e diversidade da maior importncia na fixao de uma linha re-
volucionria - dos diferentes pases latino-americanos, em
algun
dos quais se apresenta, e em outros no, essa questo essencial
do ponto de vista revolucionrio que o de populaes indgenas
que conservam, sob muitos aspectos, sua individualidade naci0t
nal euas estruturas econmicas, sociais e culturais que vinham
de antes de seu contato com os conquistadores e colonizadores
europeus. . _ .. . I
Nessa generahzaao apressada e
injustiicada,
o Brasil foi
particularmente prejudicado, pois no organismo que se incumbiria
da elaborao da teoria e da linha revolucionria na Amrica d
Sul, o chamado Bureau Sul-americano da Internacional Comunis
ta, com sede e.mMontevidu, a predominncia era decididamente
do elemento hispano-americano, e nada ou muito pouco se sabia
a de coisas brasileiras. Os documentos publicados pelo Burea~
(note-se de passagem que o eram sempre em espanhol , e no sabe
mos de nenhum em portugus) evidenciam o mais completo desco
(1)
Veja-se o Programa da Internacional Comunista, adotado pelo
Congresso Mundial em 1.0 de setembro de 1928, em Moscou.
A Revoluo Brasileira 3 i J
-
7/21/2019 A Revoluo Brasileira - Caio Prado Junior
20/134
nhecimento
te no marxismo. A teqria-2.ri inria tra ~e,ji~r~. d0'sl la que
nao se-.testav nem mes l~~'.v
-
7/21/2019 A Revoluo Brasileira - Caio Prado Junior
21/134
deveria situar, caso tivesse ocorrido, o feudalismo de que hoje
encontramos os restos. Desde j, contudo, vejamos esses res-
tos, ou antes aquilo que se tem entendido e ainda se pretende in-
terpretar como tal. Afastar-se-o assim desde logo, ao que penso,
alguns obstculos de idias e convices preconcebidas que usual-
mente perturbam e dificultam a anlise adequada da estrutura eco-
nmica e social brasileira.
Um elemento do sistema de rodu o a ro ecuria brasileira
ue invariavelmente' se apQn,ta como caracterizando a n~iiIreza se-
mI eu aI da nossa ecoJJ.Qa ia (a parceria meia o_u tera). -J
tive ocasio, em outro lugar, (1) de considerar o assunto, procu-
rando analis-Io em profundidade e em seus diferentes aspectos
econmicos e sociais. A concluso a que se chega, concluso que
me parece incontestvel e que alis nunca foi contestada, nem mes-
mo argida, que a parceria, sob a forma em que geralmente se
pratica no Brasil e nos setores de alguma expresso no conjunto da
economia do pas, no constitui propriamente a parceria clssica
e tal como se apresenta em outros lugares, e na Europa em parti-
cular, como sejam o mtayage francs ou a mezzadria italiana.
Trata-se entre ns, pelo menos naquelas instncias de real signifi-
cao econmica e social no conjunto da vida brasileira, de sim-
ples relao de emprego, com remunerao
in natura
do trabalho.
Isso , com o pagamento da remunerao do trabalhador com par-
te do produto, .a met.ad~, na meao; duas teras partes, na tera.
A nossa parcena aSSImIla-se assim antes ao salariado e constitui
A - _ ) ,
p~m essencIa, uI1}a for~apitalista de relao de trabalho.
Ao menos no que respeita a sus-tnrptrcae scio=econnricas.
No voltarei aqui sobre esse assunto, suficientemente desenvolvi-
do, segundo me parece, no estudo acima citado. Mas lembrarei
algumas circunstncias 9ue comprovam, alm de qualquer dvida,
nao constItUIr a parcena, que encontramos includa nas relaces
de trabalho da agropecuria brasileira, e no constituir sobretudo
~o pont.o de vista que presentemente nos interessa, e que o pol-
uco-socal, u?Ia forma anacrnica de relaes de produo, re-
sulta~te de sistemas obsoletos de organizao econmica e que se
trata na de superar a fim de abrir caminho para o desenvolvimento
das foras produtivas. nesses termos que se situa, ou deve si-
tuar-se a questo quando considerada em seu aspecto poltico e
revolucionrio. Alm disso, veremos tambm ue no no sen-
tido da eliminao a arceriaque aiuam~s foras sociais progres-
(1)
Contribuio para anlise da questo agrria no Brasil
REVIS-
TA BRASILIENSE, n.? 28, maro-abril de 1960.
40 Caio Prado Iunior
sistas ~e revolucionrias que impelem o processo de desenv lvi-
mento brasileiro, como foi o caso - para exemplificarmos co o
ocorrido em sistemas efetivamente feudais que foram objeto da
anlise dos clssicos do marxismo, Marx e
Leninem
partcula _
da servido da leba e outras restries da mesma ordem que a ua-
rarn no processo revolucionrio que presidiu nos pases euro eus
transio do feudalismo para a etapa ento superior de de en-
volvimento econmico que o capitalismo.
Observe-se em primeiro lugar que em So Paulo, onde se en-
contra o principal setor da economia agrria brasileira, e sem d-
vida o decisivo em termos poltico-sociais, a parceria constitui to
pouco uma forma anacrnica ou obsoleta, que somente se difu diu
e se tornou elemento pondervel na economia do Estado, em qpo-
ca relat ivamente recente, posterior a 1930 e ligada a uma cullura~~
especfica a do aI odo. Antes daquela data, e em outras c 'tu-
ras ainde hoje (salvo unicamente em pequenas culturas subsi I i-
rias de cereais) no tem expresso econmica aprecivel. Se pre
foi praticamente desconhecida na cultura cafeeira, a mais im
aor-
tante e fundamental do Estado. Flar assim da arceria c mo
forma institucionLde_rel~e_s_de-.tLabalho RI.iliLl ~-9u.e so re-
vive anacronicamente de um passado feudal evi9~ll..mente al-
~ anto mais que no prprio caso da cultura algodoeira, ica
instncia de grande expresso em que a parceria se apresenta em
,propores apreciveis, ela se acha ligada no a reminiscncia ou
anacronismos feudais ou outros quaisquer, e sim a circunstnl ias
peculiares da cotonicultura e convenincias tcnicas e financeiras
que lhe dizem respeito. Tanto assim que no somente em o
Paulo, mas em outras regies do pas onde o algodo cuItiv do
em larga escala, bem como em outros pases de grande prod o
da fibra - lembremos o caso dos Estados Unidos com o eu
share-cropping - as relaes de produo se estabelecem em
geral, e tal como em So Paulo, na base da diviso do produto. (1)
Onde portanto os traos feudais atribudos como caracterst cos
a esse tipo de relaes econmicas?
De outro lado, a parceria representa no Brasil, no que diz es-
peito ao trabalhador, suas convenincias e seu padro e esta to
sociais, um tipo superior de relaes de trabalho e produo, q an-
do comparados s puras e tpicas relaes capitalistas que s
I
o
(1) Nos Estados Unidos, o siste~a do share-cropping, que id I ico
meao praticada na cotonicultura brasileira, somente comeou a ser s bs-
titudo pela remunerao do trabalhador em dinheiro, depois da introd o
da colheita mecnica, na dcada 1940-1950.
A Revoluo Brasileira 41
(' -.
, ~
:,.-\
-
7/21/2019 A Revoluo Brasileira - Caio Prado Junior
22/134
,I .l.l - :>
~,~ mou, e que apenas duas geraes passadas ainda conheceram,
~ ~ isso que Se prolonga at hoje margem da lei e imprimindo seu
__O cunho anacrnico nas relaes de trabalho de boa parte do campo
> . I >
C ; brasileiro. Mas escravismo e feudalismo no so a mesma coisa,
~ ~ no que se refere estrutura e o~Sll.Ei~a~~fullif~-sonsti-
~ c tuem sistemas bem distintos. E se distinguem sobretudo no que
~ concerne ao assunto de que estamos tratando, isto , a natureza
,~ _ as relaes de trabalho e produo e o papel que essas relaes
~ c esempenham no processo poIt ico-social da revoluo. O que
:-- esse particular essencialmente caracteriza o f~udalis?~,~
l o encontramos na Europa medieval, e como nos seus remanes-
..centes ainda su
SlS
Ia na Rssia tzarista de fins do sculo passado
e princpios do atual, onde e quando Lenin se ocupou dele para
elaborar a sua teoria da revoluo democrtico-burguesa, o que
caracteriza esse feudalismo a ocorrncia na base do sistema
econmico-social, de uma economia camponesa, isto , da explo-
Fao parcelria da terra pela massa trabalhadora rural. Econo-
mia camponesa essa a que se sobrepe uma classe nitidamente
diferenciada e privilegiada, de origem aristocrtica, ou substituin-
o-se a essa aristocracia. Essa classe privilegiada e dominante
ex lora a massa cam onesa e se a
ropna
o sobre roduto =d()
Se
ira a o, atravs dos rvileglos que li1S 'assegurdo'SP o r-
gIme social e olico vi _~~ e qe s coiIfigurm ' rea-lz'ill'Sb
orma de relaes de de endncia e subordinao pessoal do
cam ons. sse u timo o e tIVO ocupante
7
xp-rndr da
terra, o empresrio da produo (para usar uma terminologia mo-
oerna) mesmo quando no-proprietrio; bem como tambm o
detentor dos meios de produo (instrumentos e animais de tra-
balho) . A explorao de sua fora de trabalho pelo senhor feudal
e faz pelos privilgios de que este ltimo se acha revestido e que
he asseguram direitos a que correspondem obrigaes pessoais
CIocampons e servo, Como sejam a prestao de gneros ou da
ora de trabalho - a chamada corvia . Com a progressiva
desintegrao da ordem feudal, o senhor feudal se transforma no
imples grande proprietrio. E os direitos senhoriais, mesmo de-
ois de legalmente abolidos, se conservam e perpetuam muitas
vezes, como se deu na Rssia tzarista depois da reforma de 1861,
disfarados e confundidos no direito de propriedade do titular da
erra que substituiu o senhor feudal.
E na base dessas ela6es de trablho 'produ(} que se
estabelecem as rela es SOCIaISISSOe, e c asse, o m outras
palavras, a posio respectiva e re ativa e sen ores e propriet-
rios de um lado, camponeses e trabalhadores de outro. E dessa
A Revoluo Brasi le ira
43 \
~~~ %fI
-
7/21/2019 A Revoluo Brasileira - Caio Prado Junior
23/134
situao decorre o contedo dos conflitos e lutas de classe que
vo desembocar e se centralizar na reivindicao camponesa pela
libertao da sujeio ao senhor ou proprietrio, e de livre dis-
posio e utilizao da terra pelo trabalhador, sem obrigaes
para com aquele senhor.
claro que quando a propriedade j
se tornara alodial (isto , direta, como a conhecemos hoje em
dia, e no atravs da pessoa do ocupante usufruturio campo-
ns), e o senhor feudal se fizera simples proprietrio, aquela rei-
vindicao camponesa se torna
luta
pela posse da terra.
Essas lutas e reivindicaes da massa camponesa existentes
na Europa, de longa data, encontraram sua grande oportunidade
~ul)U \
somente na fase de transio para o capitalismo, quando a'S as i-
raes cam onesas se somaram aos ob'etivos erais da ur ue-
sia gerada pelo capitalismo, e se traduziram, no plano econmico,
pe a pene rao as re
es
capitalistas de
produo
no campo.
A reforma agrria que se prope a, em correspondncia e con-
J Z tinuao
luta camponesa, ser a transformao do latifndio
t
feudal em explorao capitalista, e a substituio do senhor feudal
r pelo campons capitalista. Isso pela abolio dos privilgios e
O direitos daquele primeiro, a fim de permitir ao campons seu livre
R desenvolvimento econmico e transformao em produtor capita-
l'1
I lista. dentro desse quadro e em conjuntura como essa (que
A
I
naturalmente fomos .obriga~o.s aqui a esquematizar ao extremo)
que se situa a reforma agrana como parte e elemento integrante
t . .. . da revoluo democrtico-burguesa.
Nada h, como logo se v, que justifique a transposio de
tal si tuao e conjuntura para as condies do Brasil. As coisas
se passaram historicamente entre ns, e por isso continuaram a
se manifestar de maneira completamente distinta. E por mais
que se queira enquadrar o nosso caso na teoria inspirada em cir-
cunstncias como aquelas que descrevemos e que no encontram
semelhana alguma, prxima ou remota, na formao e na reali-
dade brasileira, no se consegue mais que uma grossei a carica-
tura que os fatos ocorrentes em nosso pas se recusam termina -
temente a reproduzir. Em nossas origens histricas, alis to pr-
ximas dos dias de hoje, e que podemos acompanhar como em li-
vro aberto, sem mistrios, sem problemas, sem questes, no en-
contramos, e por isso hoje ainda continuamos a no encontrar,
o latifndio feudal . Se por essa designao entendemos algo
mais que um simples rtulo de sabor literrio, se lhe pretende-
mos dar, como deve ser o' caso, um contedo econmico e social
44 Caio Prado Iunior
preciso e adequado, que permita concluses de ordem poltica, e
particularmente de natureza revolucionria, ento o conceito de
latifndio feudal ou semifeudal inapl icvel e inteiramente des-
cabido no que respeita ao Brasil e
maior e melhor parte de sua
estrutura rural.
Isso, em primeiro e principal lugar porque faltou aqui a base
em que assenta o sistema agrrio feudal, e que essencial e funda-
mentalmente o constitui, a saber, uma economia camponesa tal
como acima a conceituamos, e que vem a ser ex lora o arce-
ri da terra ocu ada e trabalhada individualmente e icio-
nalmente por camponeses, isso , pequenos produtores. A grande
propriedade rural
rasi
erra tem origem histrica diferente, e se
constituiu n base ~ o come~~ isto ,
no- arcelria e realizada co ra ~~ra o int.rodu~.o con-
juntamente com essa explorao, e por ela e para ela. Ambos
esses elementos essenciais da grande explorao brasileira (a fa-
zenda, o engenho, a estncia, .. ), e que so a grande propriedade
fundiria e o trabalhador escravo, so fatos concomitantes e for-
mando desde a sua origem um todo integrado. No houve a,
como nas origens do agrarismo feudal, a constituio do latifndio
na base e em superposio a uma economia camponesa preexis-
tente e que se perpetuou em seguida como objeto da explorao
pelos latifundirios feudais. Essa circunstncia originria e carac-
terstica do lati fndio feudal no tem paralelo no Brasil, nem po-
dia ter ocorrido neste terr itrio praticamente deserto ou muito ra-
lamente povoado que era o nosso, ao se realizar a descoberta e
colonizao. E que se povoou na sua quase totalidade de popula-
es estranhas, europias e africanas, que para c afluram, uma
vez que a contribuio demogrfica indgena, no conjunto do
pas, foi mnima, e se dissolveu, confundiu e perdeu inteiramente
nesse conjunto.
O que mais se aproxima aqui de uma economia campone-
sa, e que so certas reas restritas e de expresso econmica e
demogrfica relativamente reduzida, isso de formao posterior
e recente, e est longe de constituir base ou condio de existn-
cia da grande propriedade. No nessa economia camponesa que
a grande explorao brasileira - o nosso latifndio que a fa-
zenda, o engenho, a usina, a estncia. . . - no a que a rande
explorao tem seus fundamentos' antes pe o contrario, o que
_ corresponde no Brasil a uma economia camponesa constitui his-
toricamente, no geral, a negao da grande explorao, pois re-
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Revoluo Brasileira 45
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'; ra o elo_par~elameEt~ da 2 se fundiria em que ela assentava,
seja ela diviso a proprieda e, seja pelo fracloname1lto-...9~ex-
plo~ao em J~a~ce~ar:~S:-
Efetivamente, o que no Brasil constitui propriamente econo-
mia camponesa (a explorao
parcelria
e individual do pequeno
produtor campon que trabalha por conta prpria e como em-
presrio da produo, em terras suas ou arrenddaas), isto repre-
senta via de regra um setor residual da nossa economia agrria.
(1)
\ Aquilo que essencial e fundamentalmente forma esta nossa eco-
\
nomia agrria, no passado como ainda no presente,
a grande
ex lora o rural e que se con'u am e sistema, a grande ro-
priedade fun.2~ia .E.2 .~
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tra natureza - parte do produto, direito de utilizar algum terre-
no no empregado pela explorao principal do proprietrio. De-
riva da que o trabalhador nessa situao dirige sua luta princi-
pal em sentido diverso do campons, e essencialmente no de me-
lhorar quantitativa e qualitat ivamente sua remunerao e os rece-
bimentos que percebe a ttulo de empregado. Ele no se orienta
diretamente para a ocupao e posse da terra. A sua posio,
comparada do campons, se acha invertida. No caso da eco-
nomia camponesa, o elemento central da produo, o empresrio
dela, o prprio campons, servo ou livre, com a sua atividade
produtiva na qual se insere ou a que se sobrepe o senhor ou
proprietrio que submete aquela economia camponesa a seus in-
teresses, mas permanece fora da atividade produtiva propriamen-
te na qualidade unicamente de proprietrio e senhor da terra.
Em contraste, a situao na grande explorao rural, que o
nosso caso, seja antes como depois da transformao do regime
de trabalho servil em livre, a situao se inverte, pois
a gran-
de explorao dirigida pelo proprietrio que constitui o elemento
eco~mico essencial e central. E nela que se enquadram, a ela
se ajustando, o t