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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
TAMIRES SILVA PEREIRA PRAZERES
A RELIGIÃO NO CONFLITO ENTRE ISRAEL E PALESTINA
NO CONTEXTO DA CRIAÇÃO DO ESTADO JUDAICO:
ASPECTOS HISTÓRICOS (1896-1948)
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2016
TAMIRES SILVA PEREIRA PRAZERES
A RELIGIÃO NO CONFLITO ENTRE ISRAEL E PALESTINA
NO CONTEXTO DA CRIAÇÃO DO ESTADO JUDAICO:
ASPECTOS HISTÓRICOS (1896-1948)
Dissertação de Mestrado apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo para obtenção do grau de Mestre.
Área de Concentração: Religião Sociedade e Cultura.
Orientação: Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2016
FICHA CATALOGRÁFICA
P899r
Prazeres, Tamires Silva Pereira
A religião no conflito entre Israel e Palestina no contexto da
criação do Estado judaico: aspectos históricos (1896-1948) / Tamires
Silva -- São Bernardo do Campo, 2016.
106fl.
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Escola de
Comunicação, Educação e Humanidades Programa de Pós-Graduação
em Ciências da Religião São Bernardo do Campo.
Bibliografia
Orientação de: Lauri Emílio Wirth
1. Israel – Religião – História 2. Palestina – Religião - História
3. Estado Judaico I. Título
CDD 296.09
A dissertação de mestrado intitulada: “A RELIGIÃO NO CONFLITO ENTRE ISRAEL
E PALESTINA NO CONTEXTO DA CRIAÇÃO DO ESTADO JUDAICO: ASPECTOS
HISTÓRICOS (1896-1948)”, elaborada por TAMIRES SILVA PEREIRA PRAZERES,
foi apresentada e aprovada em 17 de Março de 2016, perante banca examinadora
composta por Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth (Presidente/UMESP), Prof. Dr. José
Ademar Kaefer (Titular/UMESP) e Prof. Dr. Breno Martins Campos (Titular/PUC -
Campinas).
Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
Prof° Dr. Helmut Renders
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião
Área de Concentração: Religião Sociedade e Cultura
Linha de Pesquisa: Religião e Dinâmicas Socioculturais
AGRADECIMENTOS
Esses dois anos de mestrado só me fizeram ver o quanto Deus é presente em
minha vida, por isso agradeço primeiramente a Ele que me deu esta oportunidade e
me ajudou em todos os desafios que encontrei na minha frente.
Agradeço ao meu esposo que me ajudou muito para que eu conseguisse concretizar
esse trabalho.
Aos meus pais que sempre me ensinaram a não desistir, assim esse trabalho
também é deles, pois, sem o esforço deles, talvez eu não estivesse aqui.
A todos os professores da pós–graduação em especial ao Prof. Lauri Emilio Wirth
que me ajudou desde o início e me ensinou a andar nos caminhos da pós-
graduação.
À CAPES, cuja bolsa cobriu integralmente as taxas escolares, sem a qual não teria
tido condições de realizar esta pesquisa.
À IEPG (Instituto Ecumênico de Pós-Graduação) pela ajuda e incentivo.
Aos meus amigos acadêmicos que compartilharam comigo seus medos, suas
alegrias e tristezas, e me fizeram saber que eu não estava sozinha.
Obrigada a todos por esta oportunidade única, que foi um marco em minha vida.
“Que a justiça de Deus caia como fogo e traga um lar para os palestinos.
Que a misericórdia de Deus se derrame como a chuva e proteja o povo judeu.
E que os belos olhos de um Deus Sagrado que chora por Seus filhos;
Tragam a esperança de cura para os seus feridos.
Para os judeus e para os palestinos.”
Hino de Garth Hewitt “Ten Measures of Beauty” apud SIZER (2002)
PEREIRA PRAZERES, Tamires Silva. A religião no conflito entre Israel e Palestina no contexto da criação do Estado Judaico: aspectos históricos (1896-1948). Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2016. 106 pp.
RESUMO
O presente trabalho analisa o papel da religião no conflito entre Israel e Palestina, principalmente no contexto da implantação do Estado de Israel, em 1948. A análise toma como delimitação histórica do conflito o período de 1896 a 1948, quando ocorre a migração das primeiras levas de judeus para os territórios palestinos. A pergunta inicial é sobre como judeus e muçulmanos se relacionavam nos primeiros anos de imigração até a criação do Estado de Israel. O problema principal a ser esclarecido é como a construção cultural ocidental em relação aos palestinos interferiu no conflito, principalmente no que tange à tomada da terra e à construção de um novo país dentro de um já existente, socialmente, religiosamente e culturalmente. Finalmente a pesquisa pergunta pela repercussão do conflito entre israelenses e palestinos no campo religioso protestante, principalmente entre grupos conservadores e fundamentalistas deste ramo do cristianismo. A pesquisa é totalmente bibliográfica e toma como referência as teorias pós-coloniais para debater a história do território, no que se refere aos aspectos religiosos do conflito.
Palavras-chave: Israel/Palestina. Conflitos Políticos. Religião. Orientalismo.
Sionismo. Cristãos. Colonização.
PEREIRA PRAZERES, Tamires Silva. Religion in the conflict between Israel and Palestine in the context of the creation of the Jewish state: historical aspects (1896-1948). Dissertation in Science of Religion. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2016. 106 pp.
ABSTRACT
This search examines the religion in the conflict between Israel and Palestine, especially in the context of implementation of the State of Israel in 1948. The analysis takes as historical definition of conflict the period 1896-1948, when the inmigration of the first groups of Jews to the Palestinian territories. The initial question is how Jews and Muslims were related in the early years of inmigration to the creation of the State of Israel. The main issue to be clarified is how Western cultural building toward the Palestinians interfered in the conflict, especially with regard to the taking of the land and the construction of a new country within an existing, socially, religiously and culturally. Finally, the search asks about the effect of the conflict between Israelis and Palestinians in the Protestant religious space, especially among conservative groups and fundamentalists of this branch of christianity. The research is fully literature and refers to postcolonial theories to discuss the history of the territory, with regard to the religious aspects of the conflict.
Keywords: Israel / Palestine. Political conflicts. Religion. Orientalism. Zionism. Christians. Colonization.
ABREVIATURAS E SIGLAS
AZEC – American Emergence council for Zionist Affairs
EUA – Estados Unidos da América
ICEJ - International Christian Embassy Jerusalem
ONU – Organização das Nações Unidas
OSM – Organização Mundial Sionista
UNSCOP – Comissão Especial das Nações Unidas para a Palestina
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
CAPÍTULO 01. COLONIZAÇÃO INGLESA DA PALESTINA E SIONISMO: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICA ...................................................................................... 13
1.1. HISTÓRIA DA CONVIVÊNCIA DOS POVOS NATIVOS: MUÇULMANOS E
JUDEUS .................................................................................................................... 13
1.2. SIONISMO E PRIMEIRA GRANDE GUERRA: GÊNESES DOS EMBATES
ENTRE JUDEUS E MUÇULMANOS PALESTINOS ................................................. 22
1.3. II GRANDE GUERRA, INTERFERÊNCIAS E INFLUÊNCIAS
ESTADUNIDENSES NA PALESTINA ....................................................................... 28
1.3.1. O Nazismo e a Urgência por um Estado Judeu ........................................... 30
1.3.2. O Sufocamento do Comunismo pelos EUA: Fim de uma Possível Esperança
Palestina?.................................................................................................................. 31
1.3.3. Planos para Efetivação da Construção do “Lar Judeu” ................................ 32
1.4. PALESTINA COMO QUESTÃO DA ONU, A NAKBA PALESTINA E A
CRIAÇÃO DE ISRAEL .............................................................................................. 34
1.5. EM SÍNTESE ...................................................................................................... 38
CAPÍTULO 2. O ORIENTALISMO NO CONTEXTO DA COLONIZAÇÃO DA
PALESTINA .............................................................................................................. 40
2.1. COLONIZAÇÃO, ORIENTALISMO E SIONISMO: CONCEITOS RELATIVOS AO
PALESTINO ÁRABE E AO ISLÃ ............................................................................... 41
2.2. INTERPRETAÇÃO OCIDENTAL DO ÁRABE PALESTINO: O SIONISMO QUE
NÃO É VISTO COMO RELIGIÃO E O PALESTINO QUE É VISTO COMO
TERRORISTA ........................................................................................................... 52
2.3. RELIGIÃO E POLÍTICA A SERVIÇO DA COLONIZAÇÃO ................................ 61
2.4. EM SÍNTESE ...................................................................................................... 69
CAPÍTULO 3. CONFLITO ENTRE ISRAEL E PALESTINA NO PROTESTANTISMO
CONSERVADOR E FUNDAMENTALISMOS ........................................................... 70
3.1. O DISPENSACIONALISMO versus O AMILENISMO E A QUESTÃO
PALESTINA ............................................................................................................... 71
3.1.1. Sionismo Cristão e o Legado do Dispensacionalismo ..................................... 76
3.1.2. Israel Terreno ou Israel Espiritual? .................................................................. 77
3.1.3. Apontamentos Sobre Dispensacionalistas e Amilenistas e a Questão Palestina
.................................................................................................................................. 80
3.2. SIONISMO CRISTÃO COMO SUB-CATEGORIA DO FUNDAMENTALISMO
CRISTÃO .................................................................................................................. 81
3.3. SIONISMO CRISTÃO E O EVANGELHO DE CRISTO ...................................... 86
3.4. FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO E COLONIALISMO .................................. 87
3.5. FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO E FUNDAMENTALISMO POLÍTICO: DUAS
FACES DA MESMA MOEDA .................................................................................... 90
3.6. COMO GERMINOU O FUNDAMENTALISMO ISLÂMICO ................................. 94
3.7. EM SÍNTESE ...................................................................................................... 96
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 98
REFERENCIAS ....................................................................................................... 101
11
INTRODUÇÃO
Este é um trabalho que busca levantar um debate sobre o conflito israelo-
palestinense e sobre os preconceitos consolidados contra muçulmanos e árabes.
Debate também o apoio dos cristãos que estão a favor das práticas realizadas por
Israel contra os palestinos, como a intolerância, a tortura, a perseguição e o
assassinato de inocentes.
Para isso os três capítulos têm como objetivo conhecer um pouco mais da
história do conflito. O que inclui a convivência de muçulmanos, cristãos e judeus no
território da Palestina anterior à construção do Estado de Israel. Depois serão
debatidas as formas de preconceito direcionadas aos muçulmanos e palestinos e a
perpetuação das discriminações ainda em vigor, que se estabeleceram nas
colonizações. Nesse caso, o debate em torno do conceito de Orientalismo será uma
referência teórica recorrente.
Orientalismo é um termo cunhado por Edward Said, que denota as formas
de interpretação para com o árabe, que tanto vigora na sociedade ocidental
(principalmente após os atentados do 11 de Setembro, em Nova Iorque), que
enxerga o outro com pré-conceitos definidos sobre o árabe e o muçulmano. É a
partir desse referencial que tenta-se aqui entender por que os abusos perpetrados
por Israel contra os palestinos são aceitos no Ocidente com certa naturalidade.
Outra forma que perpetua essa visão e a legitima é o Sionismo, que trata os
judeus como povo escolhido e todas as outras pessoas que não professam a religião
judaica, como impuras. Em situações de conflito, este imaginário tende até a excluir
os palestinos da categoria de seres humanos.
Como se isto não bastasse, ainda temos o Sionismo cristão, que legitima
pela segunda vez a exclusão dos palestinos, classificados pelos sionistas como um
povo de segunda classe. Isto porque os sionistas acreditam que tudo o que
acontece no mundo e em Israel, já foi pré-determinado por Deus, e está seguindo as
profecias bíblicas que levarão para o Apocalipse, consequentemente, à salvação de
cristãos e judeus. Mais uma vez o povo palestino fica excluído dessa salvação. Este
é um pensamento escatológico dispensacionalista que será debatido no terceiro
capítulo.
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É importante assinalar que o trabalho, de nenhuma forma, é antissemita.
Podemos entender melhor a pesquisa se usarmos os termos em seus devidos
lugares. Judeu é aquele que pratica a religião judaica; Sionista é aquele que aceita o
Estado de Israel e sua implantação a qualquer custo na Palestina, sem se preocupar
com os palestinos (podendo ser estes judeus ou cristãos); israelenses são os
moradores de Israel, tanto os que são a favor ou não dos atos do Estado. Desta
forma fica registrado que sob hipótese alguma se defende aqui a dizimação do povo
judeu ou o desprezo de sua cultura. O trabalho não é contra o povo judeu, mas sim
para levantar um debate que olhe com compaixão o povo palestino.
Da mesma forma não defendemos atos terroristas nem fundamentalismos,
sejam eles cristãos, judeus, islâmicos ou de qualquer outra natureza. Mas neste
trabalho propomos um estudo sobre como se originam esses fundamentalismos e
porque permanecem. Quem são os culpados pelos fundamentalismos de quem? Ele
não nasce e permanece por si próprio, mas tem causas, que refletem na vida de
uma população, mudando seus costumes, e isso traz uma reação.
Esperamos que esta reflexão alcance aqueles que não conhecem a história
do conflito e que traga discernimento para que palestinos e muçulmanos venham ser
pensados a partir deles mesmos e não a partir de um olhar eurocêntrico ocidental.
13
CAPÍTULO 01. COLONIZAÇÃO INGLESA DA PALESTINA E SIONISMO: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICA
O primeiro capítulo desta pesquisa tenta retratar a convivência dos povos
nativos na Palestina, da metade do século XIX até a criação do Estado de Israel, em
1948. Veremos a convivência social de muçulmanos e judeus, as trocas comerciais
e o sistema político vigente naquele território à época.
É um capítulo histórico sobre a Palestina. Abordaremos a história social, os
embates entre muçulmanos e judeus, impactados pelo sionismo, a partir de 1896, e
a chegada colonizadora de judeus europeus no final do século XIX, evento que
acendeu a subsequente intriga entre judeus e muçulmanos palestinos nesse
território, onde estes disputaram o poder do território e de sua política,
principalmente após as duas grandes guerras.
Sabemos que a equiparação com as grandes potências vencedoras das
duas grandes guerras por parte dos judeus sionistas foi o ato mais inteligente para a
conquista das terras palestinas. Esta equiparação foi o que os sionistas,
organizadores da colonização de judeus europeus na Palestina, fizeram, e isto com
a ajuda da Grã-Bretanha (GOMES, 2001).
Veremos as conquistas do árabe palestino até o final do século XIX e sua
queda. Juntamente analisaremos a colonização por parte dos judeus sionistas na
Palestina.
1.1. HISTÓRIA DA CONVIVÊNCIA DOS POVOS NATIVOS: MUÇULMANOS E
JUDEUS
Como o objetivo principal deste capítulo é retratar a história de convivência
entre esses dois povos, faremos um recorte temporal a partir dos anos de 1896, com
referência eventualmente a três ou quatro décadas anteriores, entendendo que este
recorte é necessário para melhor compreensão sobre a convivência entre judeus e
muçulmanos, no território da Palestina, local especial para as três religiões
monoteístas mais conhecidas em nossa sociedade, a Judaica, a Cristã e a Islâmica.
A rivalidade entre judeus e muçulmanos é inverídica, Zucchi (2014) deixa
isso bem claro em sua dissertação. As fontes mais usadas para esclarecer essa
questão inventada, e tornada verdade em nossos dias, são o Alcorão e a Torá. O
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Alcorão, principalmente, fala que cristãos e judeus são religiões e povos muito
parecidos e próximos. Pois a religião judaica é a raiz do cristianismo e do islamismo.
Por isso há o respeito por parte dos muçulmanos para com cristãos e judeus.
Constatamos no Alcorão, em algumas suras (...) que, diferentemente dos idólatras e politeístas, os membros das religiões cristãs e judaicas não eram classificados como adeptos de uma mensagem falsa, embora desvirtuada por eles mesmos, porém não „falsa‟; portanto havia uma dose de condescendência para com estes, os quais não podiam ser repudiados, nem destruídos (...) o melhor seria convertê-los ou, no mínimo, cooptá-los; afinal, apesar de estarem superados com o advento da nova revelação, ainda assim faziam parte de uma linha ininterrupta que provinha de Abraão e, como tal, deveriam ser respeitados (ZUCCHI, 2014. pp. 16-17).
Depreende-se daí que os muçulmanos aceitavam os cristãos e judeus, e
nunca tiveram o objetivo de exterminá-los, mas os enxergavam com respeito como
indivíduos e religiosos.
A questão da rivalidade entre muçulmanos e judeus é, portanto, uma
construção histórica, que passa a ser um problema a partir do momento em que o
Ocidente tenta alterar a forma de vida dos árabes, depois do século XX,
especialmente após a segunda grande guerra.
Apesar do estigma criado em torno do conflito histórico entre judeus e
muçulmanos, estes conviveram boa parte da história harmoniosamente e com
respeito recíproco, como defende Zucchi (2014):
(...) é importante ressaltar que o ressentimento entre árabes e judeus que se iniciou a partir de então é fenômeno histórico que inexistia até a primeira metade do século XX, gerando-se, a partir da penetração imperialista na região e da transposição para o Oriente Médio dos
antagonismos e preconceitos oriundos da Europa (idem, p. 78).
Os diferentes grupos étnicos como judeus e cristãos, e outras religiões como
o zoroastrismo, conviviam graças à tolerância desde o governo dos Omíadas, antes
do século XI (HOURANI, 1994), apesar de haver um sistema especial dentro do
governo Omíada, para cristãos e judeus, como cobranças de impostos especiais
para essa classe de moradores, que além da Palestina, viviam também em todo
território que hoje abrange o Oriente Médio.
Os chamados “Povos do Livro” (judeus e cristãos), conhecidos assim por
todo o período de regência dos governos Islâmicos no atual Oriente Médio, tinham
esse sistema de distinção, baseado no Alcorão, onde se pede o respeito a essas
linhagens por serem de crenças irmãs do Islã,
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E não discutais com os seguidores do Livro senão da melhor maneira – exceto com os que, dentre eles, são injustos – e dizei: “Cremos no que foi descido para nós e no que fora descido para vós; e nosso Deus e vosso Deus é Um só. E para ele somos moslimes (NOBRE ALCORÃO 29:46).
Havia então a imposição de certas condições, como não utilizar
determinadas cores, a exemplo do verde que era a cor do Profeta e do Islã, não
podiam casar com muçulmanas (mas muçulmanos podiam casar com judias ou com
cristãs), seus testemunhos no sistema judiciário em casos necessários não eram
aceitos, suas casas de culto não podiam ter ostentações ou transparecer mais que
as islâmicas. Apesar de haver judeus e cristãos trabalhando para o governo
Otomano, estes tinham essas atividades restritas, mas isso dependia de cada parte
do extenso território Otomano, não se tornando uma regra inflexível. Além de essas
comunidades apresentarem um membro líder, que representasse a comunidade
(judaica ou cristã) na política Otomana, para que fossem seus porta-vozes, estes
tinham que ser responsáveis também e principalmente pela coleta dos impostos,
que existia na área rural e também na urbana, onde eram cobrados impostos (a
jizya), daqueles que tinham comércios. As aplicações dessas regras dependiam de
cada região, então não eram medidas substanciais (HOURANI, 1994).
Conforme Pappé (2007), temos as primeiras ondas sionistas chegando à
Palestina em 1882, conhecida como a primeira aliyá judaica, demonstrando que
mesmo com as populações judaicas nativas que já existiam na Palestina, a chegada
desses novos imigrantes judeus, oriundos da Europa, não trouxe uma preocupação
ou rechaço por parte dos palestinos, além dessa vinda de judeus para o governo
Otomano em busca de uma terra para sobreviver sem preconceitos ou
antissemitismos. Houve também vindas de judeus sefarditas1 por conta da
perseguição perpetrada na Espanha, no século XVI, quando os judeus vão buscar
refúgio no Império Otomano, confirmando como estes eram aceitos pelos
muçulmanos. Além dos fugidos da Espanha há cinco séculos anteriores, chegaram
também judeus asquenazis2 vindos da Europa, fugidos das perseguições dos
Pogroms, durante o século XIX (ZUCCHI, 2014).
As políticas do Império Otomano, deferidas no chamado Tanzimat, que seria
uma modernização do governo Otomano, permitiu políticas públicas que favoreciam
1 Sefarditas: Judeus espanhóis, habitantes do mundo islâmico (ZUCCHI, 2014). 2 Asquenazi: Judeu de origem europeia (ZUCCHI, 2014).
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a vida dos judeus nativos e imigrantes, e os cristãos nativos que na Palestina viviam,
além de abrir o mercado local para os estrangeiros, aguçando o interesse dos
europeus pela região, o que culminou no nascimento de uma sociedade na Palestina
nacionalista e secularizada (PAPPÉ, 2007).
O nacionalismo palestino foi uma das vertentes que nasceram com essa
nova estrutura política, trazendo modernização e importações de tecnologias
ocidentais. O grupo que mais ajudou nesse processo de transição de sistema
tradicional, onde a religião e a tradição permeavam as decisões políticas e que
regiam o dia-a-dia da sociedade, para a modernização e ocidentalização do sistema
político e social da Palestina, foram os missionários cristãos americanos, que
estavam instalando-se, com as prerrogativas de levar a salvação para o território,
eles facilitaram esse processo. Estes missionários como Zucchi (2014) cita em seu
trabalho, são enviados para levar uma mensagem de paz, mas com intenções
imperceptíveis de cunho econômico, com a busca de vantagens para o mercado
financeiro estrangeiro, e consequentemente levando a civilização/ocidentalização ao
território.
A partir da metade do século XIX, esses missionários começaram a chegar à
Palestina e a fundar colégios de ensino normal para a população residente,
muçulmanos, cristãos e judeus. Levando o significado da democracia ocidental e do
liberalismo, os interessados principalmente, eram os cristãos palestinos. Quando os
muçulmanos passam a se interessar por esse ensino, os estudos passam a ser
privilégio dos muçulmanos da elite, o que os contrapõe à sua realidade local, que
não era aquela estudada em sala de aula, onde o ensino gravitava em torno de
exemplos ocidentais. A sociedade local, ao contrário, era balizada nos princípios
religiosos e de tradições locais seculares. Neste embate a Palestina passa a ficar
estagnada, pois a sociedade abastada se depara com a decisão de continuar com
suas tradições e religiosidades, ou modernizar seus sistemas políticos e deixar em
segundo plano a religião e a tradição. Esses pensamentos modernos e de
desenvolvimento acabam ficando estanques, fazendo parte somente do dia-a-dia da
elite, “(...) La mayor parte del país siguió en su estadio <<primitivo>>.” (PAPPÉ,
2007. p. 26). Essa secularização estava presente nas classes mais educadas, até
porque, como Hourani (1994, p. 345) diz:
(...) a separação entre religião e vida política parecia ser uma condição de vida nacional bem-sucedida no mundo moderno quanto
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porque (sic) em alguns dos países árabes orientais - Síria, Palestina, Egito – muçulmanos e cristãos viviam juntos, e a ênfase era portanto em seus laços nacionais comuns.
O país então estava baseado em comunidades, não em nação. Cristãos
viviam com judeus, e judeus viviam com muçulmanos, mas a identidade do povo
como sociedade estava em suas tradições e religiões, acarretando em um país
dividido. E para que o nacionalismo adentrasse de forma veemente na Palestina,
seria preciso desenvolver a definição de nação a todas as áreas, sendo rural ou
urbana, onde judeus, muçulmanos e cristãos no todo, independente de suas
religiões e tradições, formariam uma nação. Assim, mesmo com a barreira “nós” e
“eles”, seria desenvolvido o povo da terra e consequentemente uma nação. Por isso,
o nacionalismo, e a modernização da Palestina, ficou exclusivamente nas classes
altas de palestinos muçulmanos, judeus e cristãos, pois as classes baixas não
tinham acesso a essa nova cultura tão europeia. Limitado então esse
desenvolvimento nacionalista e moderno na vida urbana, o avanço político,
econômico e social ficou paralisado e específico a determinadas classes.
A continuação para um “desenvolvimento” ocidental na Palestina só voltou a
prosseguir com a chegada dos judeus sionistas, que trouxeram as prerrogativas
europeias/ocidentais. E a motivação do colonialismo que com eles vinham, e com a
colonização britânica, no período de 1922 até 1948, que fortaleceu ainda mais o
sionismo e consequentemente a modernização/ocidentalização que outrora estava
estancado.
As áreas urbanas da Palestina nesse período de finais do século XIX, que
tinham vida social e cultural mais forte, eram as cidades de Acre, Jerusalém, Hebron
e Nablus e as costeiras Haifa, Jafa e Gaza (PAPPÉ, 2007).
Era onde se encontravam as populações urbanas e os centros comerciais.
As rurais ficavam em seus extremos.
A maioria da população vivia no meio rural, vivendo em clãs, onde o chefe
ditava as regras de vida, e sobreviviam da própria colheita. Judeus e cristãos, que
eram a classe secundária na Palestina, tinham papéis distintos na economia, alguns
eram agricultores, outros artesãos.
Alguns cristãos e judeus tinham cargos no governo Otomano, os judeus
praticavam principalmente atividades econômicas e a medicina, trabalhando
inclusive para a elite muçulmana. Nestes cargos podiam ter grande influência
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(HOURANI, 1994), mesmo com a evidente distinção de não serem muçulmanos e a
consequente exclusão. Os “povos do livro” tinham oportunidades de ascender no
governo Otomano, socialmente e politicamente.
Os matrimônios eram endogâmicos, dentro da mesma família, no próprio clã,
assim como nas culturas cristãs e judaicas. O que era desfavorável à população,
que já sofria com doenças por conta dos extremos invernos ou verões, ainda tinham
que lidar com doenças ou problemas causados pelo casamento intrafamiliar. Para a
cura, apelavam para a religião, mais ainda para as superstições advindas de séculos
atrás, de seus antepassados, que “(...) eran antiguas prácticas espirituales que
guardaban escasa relación con las tradiciones religiosas que aceptaban los clérigos
islámicos, cristianos o judíos.” (PAPPÉ, 2007. p. 39), havia sempre uma
interpretação dos textos sagrados que se encaixasse ao que se acreditava nas
gerações passadas.
Mesmo sendo minoria no governo Otomano, cristãos e judeus sempre
tiveram uma remissão para conseguir sua reafirmação como cidadãos. Os otomanos
deram até um cargo no colegiado, que daria conta dos descendentes de Davi, além
de cristãos e judeus poderem levar casos jurídicos aos juízes otomanos através de
seus líderes, que resolviam desacordos e desavenças, o que era usado
costumeiramente.
Os bairros eram ligados às origens religiosas e étnicas, podendo haver
bairros somente cristãos, principalmente por conta da forma da vestimenta da
mulher muçulmana que era diferente da cristã, os bairros desses tendiam ser mais
distantes para a liberdade da mulher cristã, mas mesmo assim sempre havia uma
mescla de tradições e religiões nas comunidades. Não eram bairros exclusivos de
uma só etnia.
Judeus e cristãos tendiam a viver mais em certos bairros que em outros, por causa de laços de parentesco ou origem, ou porque queriam estar próximos de seus locais de culto, ou porque seus diferentes costumes em relação à reclusão das mulheres tornavam difícil a estreita proximidade com famílias muçulmanas (HOURANI, 1994. p. 137).
Quando a globalização adentra a Palestina, com os europeus, havendo
compra de terras, e consequentemente um desenvolvimento das terras palestinas,
há uma crescente necessidade de banqueiros, que não podiam ser os muçulmanos,
por que a shari’a (a lei islâmica), não permitia o benefício através de empréstimos
(PAPPÉ, 2007). Quem passou a liderar esse negócio na região então, foram os
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cristãos, tornando-se uma das principais comunidades de elite da Palestina, o que
permitia a eles interferir na política, lembrando que com a globalização,
modernização e um consequente nacionalismo, a religião a cada dia perdia terreno
para a política. Muitos saiam das comunidades agrícolas, de judeus e cristãos, para
adentrarem a cidade nova, para ocupar cargos, principalmente em bancos e “(...) no
comércio internacional, e alguns deles gozando de proteção estrangeira e
praticamente absorvidos nas comunidades estrangeiras.” (HOURANI, 1994. p. 300).
A Palestina, nessa década de 80 do século XIX, teve um grande avanço, além de
ser um ponto essencial de chegada de navios para exportação a vários outros
países.
Esse desenvolvimento levou consequentemente a uma educação melhor
para muçulmanos, judeus e cristãos. Estes passaram a estudar nas mesmas escolas
e construíram um mesmo ponto de vista em sala de aula, isso era possível somente
pela revolução que a Palestina estava passando com a modernização advinda mais
fortemente com o Sionismo. Em parte foi bom, mas também foi uma estratégia
inglesa para inserir-se definitivamente nas terras palestinas, que já estavam sendo
desejadas por sua integração econômica (PAPPÉ, 2007). Desta forma, adentravam
imigrantes colonos, de todas as formas, cristãos missionários, europeus em busca
de negócios etc, o que fez surgir vilarejos com a cara da Europa (HOURANI, 1994).
Chegavam para criar um novo “Éden” na Palestina, ocasionando uma mistura
arquitetônica que é vista até hoje “(...) un sistema de colonias alemanas, cuyas
casas, típicas del norte de Europa, son todavía un rasgo característico de la
arquitectura local en Galileia, Haifa y Jerusalén.” (PAPPÉ, 2007. p. 71). Além disso,
houve uma mudança de vestimentas e de trajes, que foram todos europeizados,
desde a roupa da mulher muçulmana, judia e cristã, como as roupas de funcionários
do governo que se vestiam com os trajes formais europeus (HOURANI, 1994),
(...) judeus e cristãos adotaram-na um pouco antes dos muçulmanos. No fim do século, algumas de suas esposas e filhas também estavam usando roupas de estilo francês ou italiano, copiadas de publicações ilustradas, nas lojas das novas cidades, viagens e escolas; em 1914, porém, poucas muçulmanas saiam sem algum tipo de cobertura na cabeça, ou pelo menos no rosto (HOURANI, 1994. p. 301).
Cada cultura/religião pertencente à Palestina, com a continuação da
modernização, seja ela, judaica, muçulmana ou cristã, estava sob influência da
situação geográfica e social do território, os três grupos formavam a sociedade
20
árabe otomana, e a proximidade dessas comunidades aos cargos no governo para
materializar os interesses de seus grupos, dependiam do “otomano” que cada um
demonstrasse ser (PAPPÉ, 2007).
Os judeus e cristãos sempre recorriam aos tribunais otomanos quando
necessitavam e podiam conseguir realizar suas vontades, no governo dominante
independente de sua cultura, eles tinham voz, eram vistos, fossem muçulmanos ou
não.
No início da Primeira Grande Guerra, o alistamento de homens era
obrigatório na Palestina. Os que não o faziam eram mortos. Na ocasião um cristão,
um muçulmano e um judeu foram enforcados por resistirem ao alistamento,
comprovando que essas comunidades religiosas eram tratadas por igual no governo
Otomano (PAPPÉ, 2007).
Além dessas fundamentações, outra pista que demonstra o convívio
harmonioso entre judeus e muçulmanos no período delimitado na pesquisa, é a
União dos Trabalhadores Árabes (1925), que foi derrubada pelo mufti3 de Jerusalém,
mas que em 1929 volta como uma fraternidade operária para lutar contra o ódio
racial. Os britânicos sufocaram a organização dizendo que esta era destrutiva para a
população (HEIKAL apud ZUCCHI, 2014).
Judeus imigrantes chegados à Palestina desde 1900, nadavam contra a
maré do capitalismo, e queriam implantar uma nova forma de economia na
Palestina, tinham ideais socialistas. E porque agora se encontravam na Palestina, se
sentiam judeus-palestinos, e incluíam o povo natural da região em seus planos,
Era uma opção política antieuropeia, isto é, anticapitalista. Uma preferência asiática, isto é, uma opção determinada pelas lutas do Terceiro Mundo que despontava (...) Fundaram a primeira comuna rural da história na qual não circulava dinheiro, não havia polícia, nem cadeia, nem sinagoga, nem rabino (...) Era o Kibutz (AKCELRUD,1986. p. 56).
Havia um sindicato que cuidava dos negócios, a Histadrut, que criava os
postos de trabalho. A organização era formada, por judeus, palestinos que em sua
maioria eram trabalhadores que já tinham frequentado universidades, escolas etc.
(AKCELRUD,1986).
No I Congresso Nacional Árabe em 1913, começou a atuar o sincronismo
judeu-árabe, quando os judeus passaram a defender a causa palestina, e um país
3 Mufti – jurisconsulto (SANTOS E MENESES, 2009)
21
em que judeus e árabes partilhassem de seus frutos e dividissem a mesma nação e
uma mesma luta. Mas esta causa começou a ser perseguida pelos policiais ingleses
que reprimiam essas ideologias (AKCELRUD,1986).
Em 1925 com a ajuda da Histadrut judaica, foi formada a União de
Trabalhadores Árabes. Em seu objetivo eram organizações distintas, mas unidas
estrategicamente. Foi quando o mufti de Jerusalém, em aliança com Hitler, venceu a
disputa pelo sindicato (AKCELRUD,1986). Judeus e Palestinos mesmo com
objetivos semelhantes no início, passaram a enfrentar oposição tanto de ingleses
quanto dos próprios árabes, principalmente daqueles que estavam no poder.
(...) após os distúrbios de 1929, os trabalhadores judeus e árabes criaram uma “Fraternidade Operária” para conclamar à ajuda mútua e à luta contra o “veneno do ódio nacional”. O governo inglês suprimiu a organização, alegando que “há razões para acreditar que seus membros se entregarão a atividades destrutivas”; (AKCELRUD,1986. p. 58).
Já na Segunda Guerra Mundial a luta operária, peleja contra o nazifascismo,
lançando panfletos que defendiam a iniciativa de uma nação igual para os dois
povos, sem sobreposições de judeus ou palestinos, mas de construírem uma nação
juntos, e colocar abaixo a ditadura nazifascista que estava reinando no exterior. Mas
os mesmos não lograram efeito, sendo impedidos pelos líderes britânicos que
administravam a Palestina.
A exortação terminava com um “viva à solidariedade dos trabalhadores dos dois povos”. A censura inglesa vetou todas as reivindicações e apelos políticos à união dos trabalhadores judeus e árabes. “Em tempo de guerra vocês podem escrever sobre a guerra. Mas para a paz e a cooperação judeu-árabe, o tempo ainda não está
maduro” (AKCELRUD,1986. p. 58).
Com a vinda das relações capitalistas surgidas na Inglaterra, as trocas no
comércio acabaram. Judeus imigrantes compraram extensas terras na região. “Os
pequenos proprietários tornaram-se assalariados sem terra” (AKCELRUD,1986. p.
61), a população nos centros duplicou. Por conta do desemprego, houve um êxodo
rural, consequentemente a rivalidade contra os judeus começou a aflorar.
A comuna rural - o kibutz, fugiu de seus princípios, e só prosseguiu com a
exploração do trabalho assalariado.
A história da Palestina é um emaranhando de percursos de estrangeiros e
de culturas que lá existiam. Como o Império Otomano era somente um em toda
região do Oriente Médio, podemos perceber através das comparações dos livros de
22
Pappé (2007) e Hourani (1994), as similaridades de diversas regiões, e claro a
convivência “adulta” entre muçulmanos, cristãos e judeus, respeitando suas religiões
e seus espaços.
Desse primeiro período ente 1854, mais ou menos, até 1920, quando
começamos ver a introdução do governo britânico na Palestina, partiremos para
outro ponto, detalhando a História da Palestina, da convivência entre muçulmanos e
judeus, após a corrente sionista tomar força mundialmente, os impactos da I Guerra
na Palestina e nos seus moradores.
1.2. SIONISMO E PRIMEIRA GRANDE GUERRA: GÊNESES DOS EMBATES
ENTRE JUDEUS E MUÇULMANOS PALESTINOS
O Sionismo e a Primeira Grande Guerra foram fatores essenciais para a
efetivação da colonização da Palestina. O sionismo foi e é um movimento que pedia
um lar para os judeus, um reconhecimento dos mesmos como cidadãos. Para que
acontecesse a criação dessa ideologia, foi necessário estarem cientes da
perseguição que os judeus sofriam na Europa, o antissemitismo.
O antissemitismo é um conceito criado para definir a perseguição perpetrada
pelos europeus, ou qualquer outro grupo social, contra aqueles que professam a
religião judaica. Mais corriqueiro na Europa durante o século XIX, principalmente
com as perseguições dos pogroms que perseguiam as religiões, principalmente a
judaica, pois acreditavam que os judeus influenciavam na política. Então com uma
intenção nacionalista promoviam massacres em vilas judaicas, com a desculpa
principal de que os judeus eram responsáveis pela miséria vivida pelos povos de
classe baixa.
Os “pogroms”, que promoveram muitos massacres em vilas de população judaica, eram conduzidos não só pela população russa, que culpava os judeus por sua miséria, mas principalmente pelos governos locais e pelo poder central, que difundia uma política anti-judaica para desviar a atenção de sua ineficiência em solucionar os graves problemas sociais” (GOMES, 2001, p. 11).
A comunidade judaica é reconhecidamente unida e articulada, característica
que auxiliou na superação de obstáculos históricos e também na propagação de sua
religião através de convicções grupais de que sua crença era superior às demais e
de que eles seriam o povo escolhido, fazendo com que esse mito perdurasse,
23
levando a sociedade a complicadas práticas de segregação. A presença dos judeus
em diferentes Estados e lugares sempre necessitava de proteção ou de direitos civis
especiais de autodefesa.
Esses acontecimentos, que desencadearam o antissemitismo, foram
essenciais para explodir as perseguições em massa contra os judeus, ascendendo o
movimento nazista mais à frente e o sofrimento e exclusão dos judeus na Europa.
Hoje, o antissemitismo é usado pra fins que transcendem a problemática, fazendo
dos judeus as principais vítimas.
Como os judeus sempre tiveram uma facilidade em lidar com dinheiro e
comércio, eles eram os principais financiadores de governos e elites.
Com o colapso do feudalismo na Idade Média, há a necessidade de não
haver mais nações dentro de outras nações, mas sim um conceito de liberdade (o
liberalismo). Mas para que isso acontecesse, haveria de surgir um sistema de
governo que conseguisse sustentar essas novas nações.
Só a riqueza sem o poder ou o distanciamento altivo do grupo que, embora poderoso, não exerce atividade política são considerados parasitas e revoltantes, porque nessas condições desaparecem os últimos laços que mantêm ligações entre os homens. A riqueza que não explora deixa de gerar até mesmo a relação existente entre o explorador e o explorado; o alheamento sem política indica a falta do menor interesse do opressor pelo oprimido (ARENDT, 2014. p. 28).
Arendt (2014), nesse ponto, deixa explícito que a sociedade necessita
daqueles que detém o poder, que nesse caso significa dinheiro. E desta forma os
que detêm esse poder, devem utilizá-lo dentro da sociedade e da política,
demonstrando assim o interesse não só de seus negócios, mas uma preocupação
com a sociedade em geral. Como os judeus não se utilizavam desse poder, pois
detinham o dinheiro, mas não tinham papel de importância dentro da sociedade e da
política, com o caos da miséria que assolava a Europa, nasce então o ódio a esses
cidadãos que tinham o poder e não faziam nada para mudar a situação em seu
entorno, “(...) o elemento judeu, intereuropeu e não nacional, tornou-se objeto de
ódio, devido à sua riqueza inútil, e de desprezo, devido à sua falta de poder”
(ARENDT, 2014. p. 41).
Além de serem financiadores do Estado, o que fez com que os judeus
tivessem sucesso no serviço bancário em toda a Europa, o contato muito próximo às
classes políticas, fez deles um ótimo “bode expiatório”, para que problemas políticos
24
fossem jogados em sua responsabilidade, manchando mais uma vez a reputação do
povo judeu, para com o restante da sociedade.
Houve escândalos políticos, principalmente nos países como a Alemanha,
Áustria e França, com esquemas fraudulentos, principalmente no Caso Panamá4,
onde em todos eles os judeus estavam envolvidos como intermediários, mas sem
nenhum enriquecimento com estas fraudes. Por conta disso o cenário financeiro
começou a se desmanchar, e todos aqueles que tinham feito investimentos,
principalmente, a classe média, estavam perdendo seus bens, rebaixando-se para o
proletariado. Enfurecidos viraram antissemitas. Pela primeira vez os judeus
aparentam ter entrado em conflito direto com uma classe social, gerando
propagandas antissemitas, e anti-banqueiros.
Mesmo com todo esse envolvimento com variados Estados europeus, os
judeus nunca se conectaram a uma causa nacional, mas querendo ou não,
acabavam por serem mensageiros de notícias, por conta dos seus estreitamentos
com bancos de outros países que também eram cuidados por judeus, ou até mesmo
parentes.
Os Tratados de Paz da Primeira Grande Guerra foram uns dos últimos a
terem a interferência dos judeus como consultores. A exclusão dos judeus nesses
tratados interestaduais, não era ligado ao antissemitismo, mas por conta dos judeus
serem considerados indivíduos não nacionais, acabavam por viabilizar a paz entre
os envolvidos nos conflitos, eram assim, uma peça neutra. Os judeus eram
elementos intereuropeus e não nacionais, em um mundo estruturado nacionalmente
(ARENDT, 2014).
A partir do século XIX, pode ser mais bem entendido o antissemitismo a
partir da França. Apesar de que toda a Europa estava vivendo um período
econômico difícil, lá foi mais fácil pregar o antissemitismo, não só por questão de
ódio aos judeus, mas também de disputa de mercado entre judeus e não judeus. E o
caso Dreyfus também foi um fator agravante para aqueles que preparavam a
Revolução Francesa, então, os judeus eram desprezados por serem considerados
como arcaicos e como agentes financeiros da aristocracia.
4 Escândalo de corrupção envolvendo bancários e políticos franceses, na construção
do canal Panamá, que envolveu 1.335.538.454 de francos. Para mais informações ver
(ARENDT, 2014. pp. 146-152).
25
A ignorância política dos judeus era essencial para o governo, o que fazia
com que as autoridades tivessem um papel reconhecido na esfera pública e os
judeus cada vez mais odiados, “A formação do estereótipo do judeu foi devida a
ambos esses fatos: à especial discriminação e ao especial favorecimento.”
(ARENDT, 2014. p. 94).
Como consequência desses movimentos contra os judeus, estes fogem da
Europa para outros países, onde acreditavam que seriam bem vindos, e é quando
também se iniciaram as primeiras levas de imigrações de judeus para a Palestina.
Nesse cenário é criado o conceito de Sionismo, onde os judeus como indivíduos não
nacionais, necessitam da proteção de um Estado que realmente eles possam
confiar, e que sejam representados por eles mesmos, pois assim, não teriam de ficar
fugindo ou se escondendo das perseguições.
Theodor Herzl, foi um dos principais percussores do Sionismo político,
escreveu o livro “O Estado Judeu”, “Esse panfleto (L’État dês juifs), editado em
1896, foi marco do movimento sionista na Europa, com seu primeiro congresso em
Basiléia (1897) (...)” (ZUCCHI, 2014. p. 51).
Depois das perseguições acontecidas contra os judeus, e principalmente
após o caso Dreyfus, reforçou-se o estereótipo antissemita, de que os judeus são
responsáveis por tudo de ruim que acontecia na Europa.
Não pode haver dúvida de que, aos olhos da ralé, os judeus passaram a representar tudo o que era detestável. Se odiavam a sociedade, podiam denunciar o modo como os judeus eram tolerados nela; e, se odiavam o governo, podiam denunciar como os judeus haviam sido protegidos pelo Estado, ou se confundiam com ele. (...) é verdade que sua influência, por mais abstrata que fosse, era exercida além da esfera formal da política, e operava em grande escala nos corredores, nos bastidores e no confessionário. Desde a Revolução Francesa, (...) tem dividido a honra duvidosa de serem aos olhos da ralé europeia, o pivô da política mundial (ARENDT, 2014, p. 161).
Herzl tenta procurar uma solução para essas perseguições sofridas pelos
judeus, e dá a ideia da construção de um lar judeu, na Argentina ou na Palestina,
“En todas partes el malestar puede reducirse a la clásica exclamación del berlinés:
„¡Afuera los judíos!‟. Formularé, pues, el problema judío en la forma más concreta:
¿Tenemos que irnos ya? Y ¿a dónde?” (HERZL, 2004, p. 38).
Onde os judeus vivessem haveriam pessoas antissemitas, por conta da
disseminação do antissemitismo e dos trabalhos presididos pelos judeus, que era
26
principalmente em negócios particulares, e negócios do governo. Sendo que desde
a Idade Média os judeus teriam trabalhado nos negócios financeiros, não porque
tivessem escolhido, mas porque outros teriam imputado este serviço a eles. O
objetivo principal de Herzl com o sionismo, seria que fosse dado soberania ao povo
judeu em um pedaço de terra no mundo, que satisfizesse as necessidades do povo
e provesse os mesmos. A imigração não seria de forma repentina, mas gradual e
duraria várias décadas. Em primeiro lugar, arariam a terra cultivável, construiriam
ruas e pontes, regulariam o curso dos rios, levantariam suas habitações de acordo
com um plano pré-estabelecido, além de atraírem novos colonos.
Os países tomados em consideração para serem dispostos aos judeus
seriam Argentina, Uganda e Palestina. Nos três países os sionistas eram noticiados
por infiltrados judeus na área para uma facilitação de uma possível colonização
(HERZL, 2004). O povo judeu acredita que proporcionaria enormes benefícios às
atuais colônias europeias, e se fosse aceito o plano dos sionistas, estes se
responsabilizariam por parte das dívidas das colônias para onde migrariam. O
surgimento do Estado judeu, para os sionistas, traria proveito aos países vencidos,
pois estes sendo pequenos ou grandes iriam ter a cultura judaica, seriam a joia de
mais valor para o território, pois segundo Herzl (2004) a cultura do país é o que
eleva o valor dos países que o rodeiam.
Quanto à escolha de um país para o povo judeu, foi escolhido no Congresso
da Basiléia, em 1897, na Suíça: a Palestina, por conta dos judeus já terem uma
história com o território, desagradando a alguns judeus que defendiam a volta à terra
prometida somente quando o Messias surgisse (GOMES, 2001).
Com esse intuito a ideia do sionismo político começa a tomar forma. Seria o
nacionalismo, “(...) o sionismo num claro programa político de estabelecimento de
um Estado Judaico na Palestina.” (MUCZNIK, 2007, p. 03), onde a sensação, o ideal
de nação que os judeus tinham, ficaria mais acentuado. E a ideia da construção do
Lar Judeu na Palestina passa a tomar formas inimagináveis, alcançando a todos os
países dos continentes, para que o plano de Herzl fosse concretizado.
Como a grande potência da época era a Grã-Bretanha, os sionistas
lançaram seus olhos em busca de ajuda a este país, e pediram apoio para a
construção do lar judeu na Palestina.
Em 1914 se inicia a Primeira Grande Guerra que teve seu fim somente no
ano de 1918. O Império Otomano tomou partido e ficou do lado da Tríplice Aliança,
27
(...) refratário aos interesses das potências europeias ocidentais na região, como ficou inequivocamente claro posteriormente. Os turcos teriam mais afinidades políticas e estratégicas com as potências centrais (Áustria e Alemanha) do que com as da Entente, as quais estavam, na verdade, interessadas em se apropriar de suas áreas de influência (…). (ZUCCHI, 2014. p. 40).
Esta decisão do Império Otomano de escolher o lado da Tríplice Aliança só
facilitou a decisão de desintegração do Império Otomano no fim da Primeira Grande
Guerra, pelos países da Entente (PAPPÉ, 2007). Estes antes mesmo do fim da
Primeira Guerra, realizam uma reunião para decidir sobre as terras do Império
Otomano, reunião conhecida pelo Tratado de Sykes Picot (1916), onde Inglaterra e
França buscam a consolidação de suas presenças na Síria e na Palestina, intenções
que colidem com os interesses árabes de autonomia.
O Oriente Médio ao fim da Primeira Guerra é dividido entre a França e a
Inglaterra em controle provisório (ZUCCHI, 2014). A Inglaterra com o domínio da
Palestina estabelece-se como uma administração militar, apoiando a construção de
um “Lar Judeu”, facilitando a colonização judaica nessa região através da
Declaração de Balfour.
A Declaração de Balfour teve papel fundamental em todas as fases do conflito na Palestina. Ela foi incorporada ao texto do Mandato Britânico, transformando-se numa espécie de Constituição Sionista à qual o governo britânico pretendia submeter os habitantes da Palestina (...) só foi aprovada após o consentimento dos EUA. (GOMES, 2001, p.21).
O fim da Primeira Grande Guerra, em 1918, proporcionou um cenário ainda
melhor para os sionistas, pois com os acordos da Primeira Guerra (o acordo Sykes-
Picot, 1916) e o nacionalismo reinante dentro das fronteiras do Governo Otomano,
somando-se o interesse imperialista por parte dos países da Entente sobre o
território (rico em recursos naturais e de posição geográfica privilegiada) (HOURANI,
1994), a Grã Bretanha ganha a diplomacia da Palestina, e é estabelecida a divisão
dos territórios pertencentes ao Império Otomano, entre a Inglaterra e a França.
Com o mandato na Palestina pela Inglaterra, iniciam-se as promessas para
todos envolvidos nas decisões que seriam tomadas sobre o futuro político nessa
região. Sem decidir a quem “pertenciam” as terras palestinas, se à Inglaterra, ou à
população local ou aos judeus sionistas, começam os conflitos mais violentos entre
judeus e palestinos após o início do mandato Britânico, em 1922 (PAPPÉ, 2007).
28
Através do sistema de mandatos firmado em 1919, implantados na
Palestina, através do Pacto da Sociedade das Nações, ficou estabelecido que a
tutela dos territórios obtidos pelas nações vencedoras da Primeira Grande Guerra,
ficaria com os países mais desenvolvidos e “adiantados” do mundo. A Palestina
passou a fazer parte de um acordo de colonização, onde no papel eram levados em
consideração os direitos civis dos colonizados. Já aqui fica evidente uma
contradição no documento, pois os ingleses reconheceram os judeus como um
povo, mas não fizeram o mesmo em relação ao povo palestino, quando do repasse
das terras palestinas ao controle dos judeus.
O sistema de mandatos deu num primeiro momento, direitos aos judeus
sionistas. Neste processo toda a comunidade árabe ficava de fora das decisões,
“Com essas prerrogativas, a Agência Judaica se tornou um governo dentro de outro”
(GOMES, 2001, p. 26).
Com as manifestações políticas do Egito e da Síria, em 1936, conhecidas
como Revolta Árabe, onde os palestinos e as demais colônias britânicas
encontradas no Oriente Médio se revoltaram contra o Mandato Britânico e contra a
imigração sionista (PAPPÉ, 2007), a Palestina toma voz e pede independência da
Grã-Bretanha e, consequentemente, dos sionistas. Mas a única resposta que obtém
é uma recomendação de Partilha, através do Livro Branco da Grã-Bretanha, em
1939. O que foi considerado um abuso por parte dos palestinos, cuja população em
maior número além de portadora do direito ao território, contava com uma história
vivida nas terras palestinas.
Com conflitos civis entre judeus e palestinos, cada vez mais fortes, por conta
do domínio e monopólio dos judeus imigrantes na distribuição de empregos e
serviços (o que acarretava na não oferta de trabalho aos palestinos), ocorriam as
tomadas de terras habitadas ilegalmente por judeus imigrantes, e a posse de
recursos naturais, que só fizeram acirrar a hostilidade entre judeus e palestinos
neste território (PAPPÉ, 2007).
As promessas da Inglaterra de um lado a favor dos palestinos, e de outro a
favor dos judeus, é o grande responsável pelas barbaridades ocorridas desde então.
1.3. II GRANDE GUERRA, INTERFERÊNCIAS E INFLUÊNCIAS
ESTADUNIDENSES NA PALESTINA
29
A Grã-Bretanha fez um trabalho diplomático consistente no Oriente Médio,
antes e durante a Segunda Grande Guerra, “livrando” a região do comunismo da
URSS e libertando algumas colônias árabes da dependência de colonizadores,
como a França (GOMES, 2001).
Mas sua economia despencou, fazendo com que a administração das
colônias no Oriente Médio por parte da Grã-Bretanha viesse a enfraquecer. Isto
aconteceu porque a Inglaterra não estava conseguindo custear o exército nas
regiões colonizadas, e juntamente a isso eclodiu uma revolta árabe (1936-1939)
contra o mandato britânico, e logo após vieram os custos da Segunda Grande
Guerra (1939-1945).
A Grã-Bretanha então busca o apoio estadunidense e repassa as influências
dessas regiões de seu domínio aos Estados Unidos. Assim a Palestina é entregue
aos cuidados das Nações Unidas, em 1947, depois do fim da Segunda Guerra.
Os EUA passam a colocar as regiões do Oriente Médio em suas pautas de
política externa, pelo interesse principalmente no petróleo e para o combate à
ameaça do comunismo da URSS que tinha influências e contatos na região
(GOMES, 2001).
O período de influência dos EUA no Oriente Médio, desde antes das
Grandes Guerras, estava centrado no trabalho missionário no território. Após a
Primeira Guerra o objetivo era garantir o livre acesso estadunidense na região,
principalmente para fins comerciais.
No período entre guerras, os EUA consolidaram-se na região com suas
companhias de petróleo (GOMES, 2001). Já na Segunda Guerra, os EUA enxergam
a necessidade do petróleo nos conflitos e instalaram-se principalmente no Irã, para
assegurar suprimentos para a Rússia, que estava neste momento de guerra ao lado
da Tríplice Entente e consequentemente dos EUA.
Além dessas funções estratégicas, os EUA tomam a frente nas questões
diplomáticas da região.
Antes que a Grã-Bretanha entregasse os pontos aos EUA e à ONU, em
1939, é emitido o Documento Branco que impedia a colonização de judeus na
Palestina, e a compra de terras árabes pelos judeus. Isto fez nascer a resistência
armada judia (HOURANI, 1994), que já era atuante na região, mas passou a militar
mais violentamente contra palestinos e ingleses, defendendo a ideia sionista de
posse das terras palestinas pelos judeus no período da Segunda Guerra.
30
Nesse mesmo período de 1939, houve um pedido de trégua para os conflitos
que estavam acontecendo entre palestinos e judeus. Essa trégua não foi respeitada,
nesse momento de turbulência no cenário internacional. Principalmente os judeus
iniciaram ataques terroristas, perpetrados por organizações sionistas conhecidas
como Haganah e Irgun Zvei Leumi, organizações que agiram desde 1931 à 1948.
A trégua política pedida em função da segunda guerra mundial não foi respeitada pelos sionistas, que intensificaram a violência durante os anos de guerra. Segundo atestam documentos oficiais britânicos denunciando suas atividades terroristas. Em 1942, extremistas liderados por Abraham Stern, cometeram vários assassinatos e roubos na Zona de Tel Aviv. No ano seguinte foi descoberta uma ampla conspiração, ligada à Haganah (formação militar controlada pela Agência Judaica), para roubar armas e munições das forças britânicas no Oriente Médio. Em 1944, o Ministro de Estado britânico para o Oriente Médio foi assassinado, no Cairo, por membros da gang de Stern. A (...) a Irgun Zvei Lemi, foi responsável por grande destruição, em 1944. Em 1946, o terrorismo sionista explodiu o hotel King David, de Jerusalém, onde se encontravam os escritórios da Secretaria de Governo e uma parte dos quartéis militares. Entre outras atividades das organizações terroristas, encontram-se o sequestro de um juiz e vários oficiais britânicos, a sabotagem de um sistema ferroviário e o incêndio de um clube de oficiais britânicos, de Jerusalém (GOMES, 2001, p. 29).
Os atentados mais conhecidos são o ataque ao hotel King David em
Jerusalém e o Massacre em Deir Yassin, uma vila de palestinos que representou o
êxodo em grande escala desse povo, por conta da grande crueldade perpetrada
pelos terroristas judeus, como os assassinatos de pessoas desarmadas, mulheres,
velhos e crianças, com requinte de crueldade e mutilações.
Tanto la nueva historiografía israelí como la historia oral palestina confirman que casi en cada población palestina ocupada por la Haganá y otras milicias judías entre 1948 y 1949 se cometieron atrocidades como asesinatos, ejecución de prisioneros y violaciones. (MASALHA, 2011, p. 23).
1.3.1. O Nazismo e a Urgência por um Estado Judeu
O nazismo foi a ideologia principal da Segunda Guerra, que pregava
principalmente o ódio ao judeu, que já sofria com o antissemitismo pregado na
Europa durante toda a Idade Média e Moderna. Isto se intensificou com o fim da
Primeira Guerra e com os prejuízos dos países europeus com a derrota e
consequentemente a pobreza, que passou a reinar na região. Os judeus passaram a
serem considerados cidadãos de segunda classe, apátridas e causadores de todo o
31
mal acontecido na Europa. Por estarem ligados ao comércio e às relações
econômicas esse estigma ficou ainda mais forte (ARENDT, 2014).
Com a perseguição e a visão desumanizada que os europeus tinham dos
judeus, o ideal sionista ganha força, aumentando a imigração desses para a
Palestina, e a ideia da construção do lar Judeu nessa região, ganhou reforço
internacionalmente.
A afirmação do nazismo, ao longo da década de 1930, contribuiu para o fortalecimento do „sionismo de cunho „estatista‟‟, pois até então havia, entre os próprios judeus, discordância em torno do caráter político do movimento (ZUCCHI, 2014, p. 74).
O movimento criado por Theodor Herzl, que era de característica laica, que
pode ser visto claramente em seu livro “O Estado Judeu”, passa a ganhar influências
religiosas. Um dos principais eixos defendidos pela religião era que não se poderia
mais esperar por um Messias, mas o povo deveria ser o Messias que tanto
esperavam, para voltarem a Terra Santa, e por assim dizer, teriam que lutar e contar
com poderes sobrenaturais para alcançar o ideário de posse de uma terra, para a
construção de um país judeu.
Após o final da Segunda Grande Guerra, em 1945, a criação definitiva de um
Estado judeu na Palestina ficou mais perto de se concretizar. Pois com o estigma de
terror do nazismo e do holocausto, que estavam presentes na memória
internacional, deixava impossível negar esse “direito” de construção de um Estado
judeu.
Antes do término da Segunda Guerra, a URSS e os EUA foram peças
chaves para a efetivação do ideário sionista após a derrota da Alemanha, pois juntas
estavam presentes em vários países do Oriente Médio, além de terem maiores
recursos econômicos (HOURANI, 1994).
1.3.2. O Sufocamento do Comunismo pelos EUA: Fim de uma Possível Esperança
Palestina?
A presença dos soviéticos em chão árabe dava principalmente aos
palestinos, uma maior sensação de segurança e de concretização de uma vida nova
no futuro, e de uma possível independência (HOURANI, 1994).
Mas, em 1946, a política inserida no Oriente Médio pelos soviéticos foi
considerada pelos EUA como uma ameaça à segurança da América como diz
32
Gomes (2001), já havia uma Guerra Fria, antes mesmo do fim da Segunda Guerra
Mundial, os EUA passaram a impedir e dificultar a expansão soviética na região,
(...) construiu estratégias para deter a expansão soviética, apoiando econômica e militarmente os governos ameaçados por movimentos comunistas ou nos quais as demandas soviéticas eram diretas, e aproximou-se de outros para evitar riscos e garantir bases militares e concessões de petróleo (GOMES, 2001, p. 51).
Houve uma forte política para barrar o avanço comunista na região. Com
alguns problemas anteriores da URSS e os governos do Oriente Médio,
Os líderes soviéticos promoveram, então, nos árabes, a penetração de agentes e propaganda anti-ocidentais, ao mesmo tempo em que se aproximavam dos governos. “O fio condutor da política soviética foi explorar as forças políticas e sociais predominantes no Oriente Médio, primariamente o nacionalismo militante, contra o Ocidente. Mostrava-se pronto a apoiar todos os elementos, incluindo “nacionalistas burgueses” e os mais reacionários xenófobos tanto quanto seus conspiratórios partidos comunistas. Enquanto (isso) não mostrou, em nenhum momento antes de 1950, que era possível ganhar o apoio popular para o comunismo ou para assumir a direção e controlar as principais correntes do nacionalismo em nenhum país do Oriente Médio, o mero fato de sua habilidade para se aliar com tais forças constitui uma formidável ameaça para a manutenção do poder Ocidental” (GOMES, 2001, p. 46).
A Grã-Bretanha em todo o momento de sua colonização nas terras árabes,
assegurou os interesses dos EUA na região.
O que talvez fosse o socorro para o povo palestino, acabou sendo asfixiado
pela grande potência estadunidense, que estava veladamente em apoio aos judeus.
1.3.3. Planos para Efetivação da Construção do “Lar Judeu”
Os EUA, principalmente, já vinham sendo palco da atuação propagandista
sionista. Com objetivos claros de convencimento da sociedade, os sionistas
estabeleceram agências propagandistas nesse período da Segunda Guerra, através
da Conferência Biltmore (1942), que colocou em execução o Programa Biltmore, que
seria responsável pelo convencimento da sociedade para a efetivação da criação do
lar judeu na Palestina.
Em Nova York, o projeto criado em 1897, na Primeira Conferência Sionista,
que aconteceu na Basiléia, estava sendo concretizado. Os objetivos mais claros,
principalmente, visavam o apoio dos EUA para a fundação do Estado Judeu, assim
que acabasse a Segunda Guerra, “A organização sionista executou então um
33
imenso trabalho para convencer os judeus não sionistas americanos à aderirem ao
programa de Biltmore” (GOMES, 2001, p. 56). Foram realizadas votações para
delegados das conferências responsáveis por disseminarem o ideário sionista nos
EUA. Foram eleitos 379 delegados para a Organização Sionista da América.
Em 1943, ocorre a Conferência Judaica Americana, para a efetuação do
projeto de criação de um Estado Judeu na Palestina. Garantindo ampla imigração
para este território, esta decisão era conflitante com o Documento Branco que a Grã-
Bretanha tinha emitido. Aqueles que se colocaram contra o projeto sionista, mesmo
sendo judeus, que pregavam que o “judaísmo é uma religião de valores universais e
não uma nacionalidade” (GOMES, 2001, p. 57) foram perseguidos e silenciados.
O convencimento da opinião pública foi interessante nesse período de
guerra. Criaram-se diversas organizações para a manipulação do público, onde
nelas o sionismo era um conceito que honrava os judeus. Além disso, se
argumentava que os projetos a serem realizados através dessa iniciativa seriam um
exemplo para a humanidade.
O sionismo pregava que resolveria muitos problemas como o combate ao
inimigo judeu (antissemitismo e nazismo); e que o novo país floresceria no deserto.
Assim, os judeus seriam um baluarte para o mundo, pois o novo país seria um grupo
distinto e beneficiaria a cultura mundial. De qualquer forma o Estado judeu seria
inevitável, pois se trataria da concretização de uma profecia bíblica. Além disso, a
assistência dos EUA para com os judeus, e seu lar na Palestina, selaria a lealdade
da Palestina judaica à potência norte-americana. Assim, o sionismo se julgava
portador de um ideal de justiça histórica (GOMES, 2001).
Além desse enredo, a propaganda sionista contou com distribuição de
panfletos a toda a população estadunidense, desde acadêmicos universitários a
políticos do mais alto escalão. Eram praticados manifestos e protestos para a
divulgação dos projetos e de seus ideais,
As escolas foram um dos mais importantes instrumentos para a expansão da ideologia sionista. As que eventualmente não eram sionistas, tornavam-se objetos da infiltração de diretores sionistas (...). (GOMES, 2001, p. 59).
As ajudas à concretização dos planos sionistas vinham de todos os lados: de
políticos, católicos e protestantes.
Todo esse processo e esforço dos judeus sionistas, que ocorreu sob o
impacto das revelações estarrecedoras do que foi o Holocausto, era muito superior
34
se comparados com o empenho do povo palestino e seus apoiadores árabes, que
tinham acabado de sair de um processo de colonização. Isto também fica claro na
qualidade da organização sionista nos EUA.
Para se ter ideia das proporções do sionismo nos EUA, o escritório central do AZEC, estabelecido em Nova York, possuía catorze departamentos, todos com especialistas em cada campo: Departamento de Contatos com a Comunidade, Informação, Publicação, oradores (Speakers), pesquisa, Mobilização Intelectual e Opinião Cristã, Forças Religiosas Judaico-americanas, Eventos Especiais, relações Trabalhistas, Planejamento Político de Pós-guerra, Comitê Americano para Palestina, recursos Econômicos e Contato com grupos Aliados de Pós Guerra (GOMES, 2001, p. 61).
O apelo emotivo para a criação do Estado de Israel foi muito forte nesses
últimos anos de guerra, mas a organização e o planejamento contando com
especialistas e influências de grandes nomes políticos internacionais, foi o ápice
para a efetivação da criação do Estado de Israel.
Com todo esse caldeirão fervendo no mundo e o grande poder dos judeus
na Palestina após a Segunda Guerra, alguns palestinos começaram a emigrar para
outros países, em busca de melhoria de vida e emprego (ZUCCHI, 2014),
começando desde aí o processo de emigração do povo palestino.
1.4. PALESTINA COMO QUESTÃO DA ONU, A NAKBA PALESTINA E A
CRIAÇÃO DE ISRAEL
Em 1947 a ONU cria uma comissão especial para estudar o problema
Palestina e apresenta um plano de Partilha, considerando os sionistas (HOURANI,
1994, p. 362).
A maioria do povo na região da Palestina era árabe, e agora, com a ONU
tentando resolver o impasse da região, estavam com uma escolha difícil nas mãos.
Criar o Estado judeu para uma minoria que vivia no território? Ou dar a
independência à Palestina, com o Governo Árabe administrando o país? Já que os
árabes eram a maioria e por lá viviam desde sempre.
Com a Grã-Bretanha passando as responsabilidades relativas à Palestina
para ONU, a OSM (Organização Mundial Sionista) solicita aos EUA que
defendessem a causa pela qual eles militavam. Este objetivo não era tão difícil de
conquistar, por conta do trabalho dos sionistas nos EUA, com suas propagandas e
influências no território estadunidense, conforme descrito acima.
35
Em 1947, após o fim da Segunda Grande Guerra, iniciam-se as sessões da
Assembleia Geral para estudar a questão da Palestina, tendo como dirigente da
reunião o brasileiro Oswaldo Aranha. Em outras reuniões, já se havia decidido sobre
uma Comissão Especial das Nações Unidas para tratar da questão Palestina, a
UNSCOP (GOMES, 2001).
Sendo a Palestina a única nação de responsabilidade das Nações Unidas,
haveria de ter uma decisão sobre a questão. As duas partes envolvidas expuseram
porque deveriam criar seus respectivos Estados. A comissão tinha que tomar
cuidado para não vincular o problema dos refugiados judeus da Segunda Grande
Guerra com o problema palestino,
Os árabes da palestina não são responsáveis de forma alguma pela perseguição dos judeus na Europa. Essa perseguição é condenada por todo o mundo e os árabes figuram entre os que simpatizam com os judeus perseguidos (...). (MCCAULEY apud GOMES, 2001, p. 83).
Decidiram então debater sobre um Estado para os dois povos. Um Estado
árabe-judeu ou a divisão em dois Estados: um árabe e outro judaico. O que levou
consequentemente a anexação do problema dos refugiados judeus ao problema
palestino.
A UNSCOP, formada por alguns países europeus e americanos, reuniu-se
em Nova York, em junho de 1947, onde conversaram com a Liga Árabe. Em agosto,
a UNSCOP expôs as teses judaicas e árabes que informavam porque defendiam a
construção dos seus respectivos países. Em setembro, na segunda sessão da ONU
sobre o assunto, elegeram uma comissão ad hoc específica para tratar desse
assunto, para examinar as propostas de judeus e árabes palestinos, onde cada lado
tinha um representante nessa Comissão.
A partilha da Palestina em um país árabe e outro judeu foi a decisão mais
defendida entre os países representantes,
(...) com unidade econômica (...) internacionalização de Jerusalém (...) uma parte da população judaica dentro do Estado árabe, por ser inviável transferir milhares de pessoas espalhadas por todo o território. A nacionalidade seria judaica ou árabe, de acordo com o local de residência. (GOMES, 2001, p. 86).
Além disso, dava-se garantias de acesso aos lugares santos, tanto aos
povos árabes quanto aos judeus. Os grupos religiosos minoritários também teriam
seus direitos como cidadãos assegurados pelos governos (ZUCCHI, 2014).
36
A minoria que votou por um Estado palestino independente defendia a
nacionalidade única, a cidadania palestina tanto para árabes como para judeus. A
capital do Estado seria Jerusalém, com a diferenciação de duas municipalidades
para setores árabes e judeus.
Os protestos árabes contra a decisão da maioria na assembleia foram
intensos. Em outubro de 1947, os EUA apoiaram o plano escolhido pela maioria na
reunião ad hoc. Dois dias após, a URSS também apoiou o plano da maioria. Em 25
de novembro de 1947, foi votada a proposta da maioria, com a alteração apenas da
divisão da Palestina para judeus e árabes.
Quando em 26 de novembro de 1947, esta decisão ia para a votação na
Assembleia da ONU, a sessão foi adiada pelo presidente da reunião.
Sabia-se que a decisão tomada pela maioria na reunião ad hoc, não seria
aceita na Assembleia da ONU. Oswaldo Aranha então deu o tempo necessário para
o convencimento dos países que estariam contra a decisão da cúpula ad hoc.
Em 29 de Novembro de 1947 a partilha da Palestina foi aprovada:
O plano da Partilha dividiu em oito partes: três para o estado judeu e três para o estado árabe. A sétima, Jaffa, constituiria em enclave árabe em território judeu. A oitava seria Jerusalém, sob um regime internacional especial. A Grã-Bretanha deveria retirar-se antes de 1° de Agosto de 1948 e colocar um porto à disposição do estado Judeu antes de 1° de Fevereiro de 1948 (...) as Nações Unidas se encarregariam progressivamente da administração de todo o território, sendo que o poder seria transferido aos novos estados, no máximo, em outubro de 1948. Os dois Estados estariam associados numa união econômica (GOMES, 2001, p. 93).
A decisão trouxe uma onda de violência ao território, e a Grã-Bretanha se
recusou a concretizar o plano sem o consenso das duas partes envolvidas, “(...) um
estado de guerra interna, que já se vislumbrava desde 1946, porém, intensificou-se
depois de o plano de partilha ser aprovado pelas Nações Unidas (...)” (ZUCCHI,
2014. p. 87). Os EUA deixaram claro que não interviriam na região, por conta da
presença das tropas da URSS, dando passagem aos sionistas de atuarem na
região. A tensão era tão forte que as empresas estadunidenses deixaram de
trabalhar nos oleodutos da região (GOMES, 2001).
Em 17 de fevereiro de 1948, Truman, presidente dos EUA, aprova a
convocação para reconsiderar a questão Palestina. Os sionistas reagiram com
veemência à decisão, principalmente a imprensa norte-americana. A agência
Judaica não aceitou a interferência, e anunciou um governo Judaico Provisório, que
37
seria iniciado em 16 de maio de 1948, “(...) mesmo se a ONU falhasse em
implementar a partilha.” (GOMES, 2001, p. 98).
Truman recebeu uma carta de Weizmann, em 13 de maio, informando que, à meia-noite de 15 de Maio, nasceria o Governo provisório do estado Judeu. Foi então sugerido que os EUA tomassem a liderança de reconhecer a “mais nova democracia” do mundo (GOMES, 2001, p. 99).
Truman, em uma curta declaração na imprensa, como presidente dos EUA,
reconheceu a autoridade do novo Estado de Israel. Iniciou-se então a guerra de
1948, envolvendo árabes e judeus. A conhecida Nakba pelos árabes palestinos.
Os sionistas, bem mais preparados e financiados pelos EUA e pelo Leste
europeu, ocuparam o máximo de território possível, através do Plano Dalet ou Plano
„D‟, que tinha como objetivo colocar os assentamentos judaicos e as áreas de
resolução da ONU em segurança e a conquista, se possível, de mais territórios
(ZUCCHI, 2014).
(...) Israel movilizó a 35 000 soldados (...) los árabes tenían entre 20 000 y 25 000. (…) la importación de armas del bloque del Este durante la guerra – artillería, tanques, aviones – inclinó la balanza militar de manera decisiva a favor de Israel. (…) En la medida en que la coalición árabe que se enfrentó a Israel era una de las más divididas, desorganizadas y maltrechas de toda la historia de la guerra, el resultado final de la contienda no fue un milagro sino el reflejo del equilibrio militar subyacente entre árabes e israelíes. Desde 1948 (…) Israel (con el apoyo de los Estados Unidos) ha desarrollado el cuarto ejército más potente del mundo y se ha convertido en la única potencia nuclear de la región (MASALHA, 2011, p. 19).
Os sionistas redesenharam as fronteiras determinadas pela ONU e
executaram uma limpeza étnica no país, além de começarem uma destruição
histórica da região: “Su resultado fue la destrucción de buena parte del tejido social
palestino así como de su paisaje, arrasado por un Estado sionista creado por el
yishuv (...)” (MASALHA, 2011, p. 03).
Todos os palestinos escutavam através do rádio o alerta de saírem de suas
casas por conta dos riscos que estavam correndo: “Por prudência (...) e depois por
pânico e por causa da política deliberada do exército israelense, quase dois terços
da população árabe deixou suas casas e tornou-se refugiada.” (HOURANI, 1994, p.
364).
As forças árabes egípcias, jordanianas, iraquianas, sírias e libanesas
avançaram sobre os territórios árabes do país, “(...) a luta se deu entre o novo
38
exército israelense e os dos estados árabes e, em quatro campanhas interrompidas
por cessar-fogos, Israel conseguiu ocupar a maior parte do país.” (HOURANI, 1994,
p. 364).
Quase 75% das terras palestinas foram incluídas nos territórios de Israel.
Jerusalém dividida entre Israel e Jordânia, mesmo sem o reconhecimento
internacional. Israel instituiu um governo militar e fechou os municípios palestinos
tornando-os “zonas militares fechadas”, impedindo o retorno dos palestinos
(MASALHA, 2011).
David Ben Gurion (o então presidente de Israel) se recusou no término da
guerra de aceitar qualquer refugiado árabe dentro do território israelense
(HOURANI, 1994). E mesmo com a resolução 194 da ONU, que estabelece o direito
de retorno dos palestinos ou indenização aos mesmos, Israel declarou que não se
sentia responsável pelos refugiados palestinos (GOMES, 2001).
A partir da dominação do território, Israel transforma os lugares que antes
eram habitados pelos árabes palestinos em assentamentos judeus, ou mesmo para
se esquecerem que ali havia uma história, construíram uma outra em cima. Como
exemplo, derrubaram as casas palestinas que existiam e construíram parques
nacionais e bosques, “El Fondo Nacional Judío reforestó con bosques los municipios
despoblados para así ocultar la presencia palestina.” (MASALHA, 2011. p. 05). O
objetivo para tal ação era perpetuar o mito de que a Palestina era um território vazio.
Assim, em 1948, os palestinos se tornaram refugiados em seu próprio país.
1.5. EM SÍNTESE
Este capítulo tentou reproduzir a História da Palestina anterior à colonização
judaica, enfatizando a convivência de muçulmanos, judeus nativos e imigrantes e
cristãos.
Passamos pelas duas grandes guerras para entendermos os fatores que
causaram a desintegração do Estado palestino, frente ao interesse da Grã-Bretanha
pela região e posteriormente dos Estados Unidos, e a ajuda desses países para com
os judeus e a polarização das grandes potências com a Sociedade Judaica.
39
Vimos também como o Nazismo foi fator importante e imprescindível para a
efetivação do Estado de Israel, pois o apoio aos judeus, que tanto sofreram por essa
perseguição, automaticamente tiveram direito às terras palestinas para que dessa
forma conseguissem viver em paz sem perseguições.
Além disso, passamos pelas várias etapas do papel da ONU para a criação
do Estado judeu e a expatriação dos palestinos que se tornaram refugiados em seu
próprio país.
40
CAPÍTULO 2. O ORIENTALISMO NO CONTEXTO DA COLONIZAÇÃO DA
PALESTINA
Neste segundo capítulo será debatido como a colonização da Palestina,
discutida no primeiro capítulo, é tratada em alguns estudos sobre o Orientalismo.
Segundo Said (2012b), estes estudos são cativos de certa “atitude cultural”, que
encobre “antigos preconceitos”:
(...) creio eu, existe uma atitude cultural arraigada em relação aos palestinos, derivada de antigos preconceitos ocidentais contra o Islã, os árabes e o Oriente. Essa atitude, da qual o sionismo, por sua vez, extraiu a visão que tem dos palestinos, desumanizou-nos, reduziu-nos à condição pouco tolerada de incômodo. (...) Na medida em que a maioria desses estudos é resultado da estrutura que legitimou o sionismo, em contraposição aos direitos palestinos, e, acima de tudo, aceita-a sem questioná-la, eles têm muito pouco a contribuir para a compreensão da situação real no Oriente Médio (SAID, 2012b, p. LII).
A interpretação que o europeu faz do árabe, permitiu a resolução de um
problema (o judeu), mas criou outro (o palestino).
O orientalismo, conceito defendido por Edward Said, foi uma interpretação
dos europeus visitantes do Oriente Médio nos séculos XVIII ao XX. Este contato com
a cultura da região disseminou um variado escopo de interpretações da cultura
árabe, da religião islâmica e de suas políticas. Nestas interpretações predomina uma
visão sobre os nativos da região como seres de segunda classe, desprovidos de
inteligência e de humanidade. Esta visão contribuiu para a colonização da região no
século XIX, após as duas grandes guerras.
A intenção do capítulo é demonstrar como essa interpretação do oriental
permitiu a colonização judaica da Palestina, tornando seus habitantes invisíveis e
desprovidos de direitos humanos. Mas estes direitos foram concedidos aos judeus
fugidos do antissemitismo e posteriormente do nazismo. Em geral, estas concessões
estão baseadas em doutrinações políticas e religiosas: o sionismo; e em referências
bíblicas do Antigo Testamento ou Torá para os judeus.
Há que se considerar que esta fundamentação religiosa para a colonização
da Palestina foi apoiada por Estados e Nações do Ocidente, considerados laicos e
secularizados. Assim, a permissão da criação do Estado judeu (baseado em
premissas religiosas, e subjulgando outro povo, baseado em um livro sagrado),
esfacela as teorias seculares e laicas que o Ocidente tanto quer pregar.
41
No tocante às formas mais agressivas da globalização neoliberal (imperialismo e neocolonialismo), destrói-se a vida para “salvar” a vida; violam-se os direitos humanos para “defender” os direitos humanos; eliminam-se as condições para a democracia de modo a “salvaguardá-la” (SANTOS, 2014, p. 97).
Levantamos a indagação de que talvez a permissão para a criação do
Estado judeu na Palestina, e consequentemente de sua colonização, tenha sido
levado a efeito, porque a religião que possui o poder nesse cenário é a Judaica, ou
seja, a matriz do Cristianismo, que é a verdade religiosa e divina do colonizador, e
não a do colonizado (SANTOS, 2014).
2.1. COLONIZAÇÃO, ORIENTALISMO E SIONISMO: CONCEITOS RELATIVOS AO
PALESTINO ÁRABE E AO ISLÃ
Como já citado no primeiro capítulo, judeus migrantes europeus e nativos da
Palestina, viviam em harmonia até o final do século XIX na região. A Palestina,
então governada pelos Otomanos (governo baseado nos mandamentos
Alcorânicos), respeitava os judeus e cristãos que viviam na região, por estes serem
os chamados povos do livro ou possuidores “do escrito”, “Por conseguinte,
“possuidores do escrito” (ahl-al-kitab), isto é, judeus e cristãos, participam da
verdade da revelação (...)” (ANTES, 2003, p. 34).
O relacionamento entre judeus e árabes começou a minar principalmente
quando o sionismo irrompeu nos finais do século XIX e início do XX, principalmente
após a publicação do livro de Theodor Herzl, “O Estado Judeu”, e do Congresso de
Basiléia, em 1897. É quando o sionismo é debatido como uma alternativa para livrar
os judeus do antissemitismo da Europa.
O ideário sionista era de construir um lar judeu. Primeiramente, Herzl não
tinha em seus objetivos um Estado teocrático e que desrespeitasse os outros povos
que viveriam na região escolhida, “¿Tendremos, pues, uma teocracia? ¡No! La fe
nos mantiene unidos, la ciencia nos hace libres. No dejaremos pues, de ningún
modo, que surjan veleidades teocráticas entre nuestros sacerdotes” (HERZL, 2004,
p. 91). Mesmo que o Estado acolhesse pessoas de outras religiões e que este
Estado fosse de sistema democrático, Herzl estava ciente dos problemas que
envolviam sua criação:
42
Entonces, si los poderes están dispuestos a conferir al pueblo judío la soberanía de un territorio neutral, la Society deliberará sobre el país a ser ocupado. Dos países pueden ser tomados en cuenta; Palestina y Argentina. En ambos países se han llevado a cabo notables ensayos de colonización según el falso criterio de la infiltración paulatina de los judíos. La infiltración tiene que acabar mal, pues llega siempre el instante en que el gobierno presionado por la población que se siente amenazada, prohíbe la inmigración de judíos. Por conseguiente, la emigración sólo tiene sentido cuando se asienta sobre nuestra afianzada soberanía (HERZL, 2004, p. 45).
Duas coisas ficam claras, quando analisamos a situação da Palestina como
colonizada: 1° O objetivo desde seu princípio era colonizador, consequentemente
um povo, uma cultura e uma religião seria subjulgada:
(...) os habitantes das novas terras descobertas não apareceram como Outros, mas como Si-mesmo a ser conquistado, colonizado, modernizado, civilizado, como “matéria” do ego moderno. (...) especialmente com “os povos bárbaros” (DUSSEL, 1993, p. 36).
Apesar da colonização na Palestina ser uma colonização de povoamento,
ela também virá com objetivos de enraizar a cultura do colonizador, pois somente
ela é correta e civilizada. A religião também não fica para trás, já que a religião do
colonizador é a “verdadeira”, consequentemente a religião do colonizado será posta
em dúvida, banalizada e estereotipada.
Mas quando analisamos o livro de Theodor Herzl, e a forma da colonização
proposta por ele, vemos que ele previa certo respeito ao povo palestino:
Los grupos locales contraen la obligación de ejecutar todo como es debido. Ellos corren con los gastos, creando impuestos autonómos. La Society se hallará en condiciones de saber de antemano si los grupos locales no se exceden en sacrificios. Las grandes comunidades obtienen amplios campos donde pueden desenvolver su actividad. En recompensa por los sacrificios extraordinarios, obtendrán ciertas recompensas como ser: universidades, escuelas profesionales, escuelas superiores, institutos de experimentación, etc., y las instituciones del Estado, que no deben estar en la capital, serán diseminadas por el país. Del fiel cumplimiento de las obligaciones responderá el propio interés de los primeros inmigrantes y, en caso de necesidad, los vecinos del grupo. Pues así como no podemos, ni queremos suprimir la diferencia entre los individuos, así continuará existiendo la diferencia entre los grupos locales. Todos los derechos adquiridos serán protegidos, todo despliegue nuevo de energías, tendrá suficiente campo de acción (HERZL, 2004, pp. 88-89).
Portanto, no plano conceitual, os objetivos não eram de dizimar a população
nativa, nem mesmo apagar sua religião, mas conviver com esta e lhes dar direitos
43
civis. Então, esse 2° objetivo de talvez se ter uma convivência entre judeus colonos
e os nativos, foi totalmente modificado quando o plano foi posto em prática.
Houve, portanto um deslocamento no pensamento original. Foi então que os
conflitos entre judeus e árabes palestinos começaram, quando o plano para um lar
judeu, dentro de um território existente culturalmente, politicamente e religiosamente,
entrou em prática.
As maiores levas de colonos judeus, começaram no início do século XX, e é
conhecida como segunda aliyá ou segunda onda de imigrantes judeus na Palestina,
“La primera oleada (1882-1903) no había alterado de modo significativo la vida de
los judíos o de los palestinos de la Palestina otomana.” (PAPPÉ, 2007, p. 86). Então
anterior ao sionismo, judeus imigrantes e nativos viviam em harmonia, com
palestinos muçulmanos e outras religiões.
Na segunda Aliyá, quando os imigrantes já vinham com ideários sionistas,
passaram a comprar casas e terrenos, usurpavam serviços e trabalhos que
palestinos e judeus outrora faziam. Os serviços, de onde os palestinos tiravam o
sustento, passaram a ser monopolizados pelos judeus: “Em outras palavras, tratava-
se de um boicote deliberado do trabalho árabe, forçando os árabes palestinos a
emigrar em busca de trabalho fora das regiões conquistadas pela Organização
Sionista” (CLEMESHA, 2009, p. 07). Consequentemente esta circunstância levou
aos embates entre esses dois povos.
Su resultado fue la destrucción de buena parte del tejido social palestino así como de su paisaje, arrasado por un Estado sionista creado por el yishv de los judíos asquenaziíes, una comunidad de colonos de procedencia fundamentalmente europea que emigró a Palestina en el período compreendido entre 1882 y 1948 (MASALHA, 2011, p. 03).
O desejo dos judeus imigrantes era a construção de um Estado totalmente
judeu. Ali, quem governaria e aplicaria as leis, seriam os próprios judeus. As
prioridades seriam sempre para esta classe. Havendo outras pessoas de outras
etnias ou religiões, seriam considerados cidadãos de segunda classe.
Essa visão radical e sionista prega que todos aqueles que não são judeus
podem ser vistos como potenciais antissemitas. Todas as pessoas que estão do
lado de lá da fronteira podem, um dia, trazer alguma infelicidade para o povo judeu
(HERZL, 2004).
44
Já com a Primeira Grande Guerra e o envolvimento da Grã-Bretanha,
grande potência mundial da época, os sionistas intercedem ao governo britânico
para conseguirem a concretização da construção do lar judeu na Palestina.
Assim, o interesse da Europa pela região do Oriente Médio já pode ser
percebido ainda durante a Primeira Grande Guerra. Pois em 1917, antes do fim da
Primeira Guerra, a Grã Bretanha emite a Declaração de Balfour, permitindo a
colonização da Palestina.
Com o fim da guerra, a Palestina passa a ser colônia da Grã-Bretanha, o
que facilita a entrada e estadia dos judeus na região, colocando o governo Otomano
em cheque. Os direitos dos nativos árabes palestinos deixam de ser prioridade, e o
governo Britânico, consequentemente, passa aos judeus responsabilidades que
antes estes não tinham no cenário político da colônia (PAPPÉ, 2007).
O controle de uma região tão rica estrategicamente e podendo ser a porta de
entrada para a autossuficiência petrolífera, facilita a colonização judaica na
Palestina. Neste contexto, o orientalismo outrora disseminado já estava nas mentes
internacionais que viam toda a região árabe e os próprios árabes como seres
exóticos e diferentes:
Minha ideia é que o interesse europeu e depois americano no Oriente era político (...) mas que foi a cultura que criou esse interesse, que atuou dinamicamente junto com a lógica política, econômica e militar bruta para fazer do Oriente o lugar variado e complicado que ele evidentemente era no campo de estudo que chamo de Orientalismo (SAID, 2007, p. 40).
O Orientalismo, como Edward Said o definiu em sua obra clássica, o Oriente
como uma invenção do Ocidente, é uma arma (europeia e estadunidense) para
domínio político, econômico e militar, sendo o orientalismo nada mais que uma
criação imperialista da cultura do outro.
O orientalismo se desenvolveu mais fortemente a partir do orientalismo
estadunidense, depois da Segunda Guerra, com o imperialismo colonial. Os
interesses principais para a criação de um estigma, segundo o qual os árabes
seriam malvados, totalitários e terroristas tinha como objetivo respaldar
ideologicamente o discurso de ocupação da região, devido principalmente às
reservas de petróleo.
E a imagem estereotipada de um Israel democrático e livre, pregado aos
quatro cantos do mundo, ajudou no fortalecimento da interpretação preconceituosa
45
do árabe, sobretudo do árabe palestino. O que tornou a resistência palestina e a luta
por suas terras, vazia e trivial. Com isto se consolidou a ideia de que a luta dos
palestinos seria antissemita e que os árabes sempre odiaram os judeus (SAID,
2007).
O Islã foi um dos alvos a ser atacado nesse orientalismo. A religião
muçulmana foi reduzida e compreendida pelos orientalistas do século XVIII como
tenda e tribo. Apenas o ocidental teria direitos sobre as riquezas do Oriente. Por
serem mais “avançados” do que os árabes, os ocidentais seriam o verdadeiro ser
humano. Ou seja, o colonizador estará sempre à frente do colonizado e será sempre
o ser evoluído frente às comunidades colonizadas: “Não há exemplo mais puro do
pensamento desumanizado” (SAID, 2007, p. 161).
Principalmente após a Segunda Grande Guerra, os EUA despertam o
interesse econômico pelo Oriente Médio. Após as duas guerras, eles emergem
como potencia imperial, econômica e diplomática.
Nesse período as colônias britânicas no Oriente Médio estão sofrendo uma
alteração em sua política. Os poderes governamentais estão sendo repassados aos
colonizados, estes, por sua vez, têm o objetivo de se verem livres da ocidentalização
perpetrada na região pela Grã-Bretanha e França. E para que isso ocorresse os
árabes são atraídos pelas ideologias socialistas, “A via socialista tentou alcançar a
almejada independência econômica por meio de uma aproximação com o bloco
oriental e pela expropriação de monopólios e capitais ocidentais.” (ANTES, 2003, p.
25).
Através de uma política de relações culturais ocidentais, que são levadas
aos países recém saídos de uma situação colonial, inclusive os do Oriente Médio, os
EUA atacam essas raízes soviéticas, dissipando-as para a obtenção do controle da
região.
O discurso mítico pregado pelo orientalismo passa a encobrir as histórias
desses lugares, especialmente a da Palestina. O orientalismo tem-se acomodado no
novo imperialismo, cooptando, inclusive os intelectuais: “O mundo árabe de nossos
dias é um satélite intelectual, político e cultural dos Estados Unidos” (SAID, 2007, p.
429). Isso não é diferente na Palestina, que com a construção do Estado de Israel,
vem a ser o Ocidente dentro do Oriente Médio, o único local “civilizado” naquela
região.
46
O árabe e o islâmico estão atrelados ao mercado e ao sistema do mundo
ocidental e europeu, onde o petróleo, o maior recurso da região, está nas mãos dos
estadunidenses. A porta de entrada para que isso ocorresse foi a ajuda diplomática
do Ocidente a Israel. Consequentemente, o sistema econômico do Oriente também
fica ligado ao Ocidente. O Oriente moderno passa a estar em conjugação com a
própria orientalização (SAID, 2007).
Isto explica a neutralidade dos outros países árabes em vista da Palestina.
No início a ajuda dos países árabes para a Palestina foi significante, mas com a
ameaça do colonialismo ocidental, as perdas econômicas da região, pela
contrariedade ao Estado de Israel (o pequeno Ocidente no Oriente), apaziguou a
solidariedade aos palestinos.
Assim, se juntarmos a permissão da colonização de povoamento da
Palestina (interesse judeu sionista), o imperialismo estadunidense (busca pela
autossuficiência petrolífera) e a arma utilizada para essa permissão (o Orientalismo),
entendemos porquê de um local povoado como a Palestina, definido como Estado
Otomano, com sólidas culturas e religiões, foi transformado num espaço de
colonização judaica, ou seja, um lugar de sobreposição de um povo sobre o outro, e
do esvaziamento de sua cultura e religião.
Uma visão melhor desse depreciamento da cultura árabe, sobretudo com
relação à Palestina, pode ser compreendida com um olhar a alguns séculos atrás,
quando o Oriente é inteiramente ligado à Europa. Primeiro, pelo Oriente ter sido um
dos maiores Impérios antes da Europa, e estar ao lado da mesma, o que trazia
grande temor pela dominação Otomana na Europa. Segundo, pelo Oriente fazer
parte das mais antigas colônias que a Europa ocupou. E terceiro, por ser também o
berço da civilização, com sua língua e tradições mais antigas, sendo então o Oriente
o rival cultural da Europa: “O Oriente ajudou a definir a Europa (ou o Ocidente) (...) O
Oriente é uma parte integrante da civilização e da cultura material europeia” (SAID,
2007, p. 28).
O Orientalismo é assim um estilo Ocidental de dominar, reestruturar e ter
autoridade sobre o Oriente (SAID, 2007). É um negócio potente, principalmente dos
ingleses e franceses, mas o todo do Oriente, para estes países se resume à Índia,
ao Levante, às regiões dos textos bíblicos e suas terras. Assim, essa relação entre
Oriente e Ocidente nada mais é que uma relação de poder e de dominação. O
resultado é a dominação israelense na Palestina, e o subjulgamento dos nativos: “O
47
orientalismo, portanto, não é uma visionária fantasia europeia sobre o Oriente, mas
um corpo elaborado de teoria e prática em que, por muitas gerações, têm-se feito
um considerável investimento material.” (SAID, 2007, p. 33).
Essa autoridade nada mais é que uma representação de disseminação
cultural, que estabelece gostos, ideais como verdadeiras tradições, julgamentos que
transmitem e reproduzem o ideal do dominador. E isso está intimamente ligado ao
Orientalismo. O Oriente é interpretado unicamente para o Ocidente, sem
preocupação ou responsabilidade pelo local estudado ou por seu povo.
A diferença entre as representações do Oriente no século XVIII e hoje, é que
atualmente essas interpretações se expandem com maior velocidade. Por isso, nos
dias de hoje, vemos cada vez mais forte o preconceito contra árabes e muçulmanos.
Portanto, a interpretação orientalista do muçulmano árabe está ligada à mídia, e ao
terrorismo que ela propaga, ocasionando um forte estigma à religião islâmica e ao
Oriente Médio.
Três situações ajudaram a interpretação do árabe e do Islã: a história do
preconceito popular contra árabes e o Islã; a luta entre os árabes e o sionismo; e o
efeito que isso causou nos judeus americanos, já que estes foram os que mais
ajudaram e financiaram a imigração dos judeus europeus para a Palestina.
O Estado de Israel arraigará também para a causa multidões de fervorosos aliados muito além do Mediterrâneo, do outro lado do Atlântico, em terras estadunidenses (...) apoio da própria comunidade judaica americana, na qual o lobby sionista arrecadou e arrecada milhões de dólares para a sua causa, e, “se acrescentarmos a esse lobby político a mídia que age geralmente em favor de Israel, é possível compreender que a sua verdadeira força ainda é a diáspora” (...) (ZUCCHI, 2014, p. 103).
Estas relações redundaram na dizimação do povo palestino e suas
tradições, para o florescimento do povo judeu na região. Aos palestinos sobrou a
diáspora, a perseguição cultural e religiosa, tornando a sua vida impossível em sua
própria terra:
Em 12 de dezembro de 1938, depois que a revolta árabe de 1936-39 já havia forçado os britânicos a recuar da proposta de partilha e transferência, Ben-Gurion escreveu em seu diário: “vamos oferecer ao Iraque 10 milhões de libras palestinas pela transferência de cem mil famílias árabes da Palestina para o Iraque”. Ora, cem mil famílias significariam de 600 mil a 800 mil pessoas, o que representava na ocasião mais da metade da população palestina (CLEMESHA, 2009, p. 07).
48
Isso deixa clara a vontade dos judeus sionistas em expulsar todos os nativos
do território palestino. De qualquer forma, se não fossem embora pelas
perseguições e o terror instalado por Israel, os palestinos iriam embora à força.
Isto é, tornaram os nativos palestinos invisíveis e consequentemente
inexistentes, para o governo que iria se firmar (o israelense). Assim, seriam tornados
invisíveis a toda comunidade internacional, que com a grande propaganda contra os
orientais árabes e islâmicos, não seriam enxergados e consequentemente não
ajudados, estariam “para lá da linha abissal”:
O outro lado da linha abissal é um universo que se estende para além da legalidade e ilegalidade, para além da verdade e da falsidade. Juntas, estas formas de negação radical produzem uma ausência radical, a ausência de humanidade, a sub-humanidade moderna. Assim, a exclusão torna-se simultaneamente radical e inexistente, uma vez que seres sub-humanos não são considerados sequer candidatos à inclusão social. A negação de uma parte, da humanidade é sacrificial, na medida em que constitui a condição para a outra parte da humanidade se afirmar enquanto universal. (SANTOS & MENESES, 2009, pp. 30-31).
Foi o que aconteceu quando os judeus sionistas passaram a levantar seu
Estado. Colocaram os palestinos para lá da linha abissal, governando apenas para
os judeus, podendo ser eles imigrantes ou judeus nativos, que já viviam na região.
Isto mostra claramente o preconceito contra o nativo palestino muçulmano e cristão
árabe. Eles foram transformados em cidadãos de segunda classe, sub-humanos.
Este ocultamento dos palestinos é reforçado por uma série de estigmas
cultivados no Ocidente, contra os árabes em geral, por exemplo, quando se afirma
que “eles não são confiáveis”, que sua religião, o Islã, prega que a “vingança é uma
virtude”. Trata-se, contudo, de conceitos totalmente errôneos que são colocados por
terra quando do conhecimento do Alcorão. “Assim para compreender o Islã, é
necessário analisar como referências religiosas são articuladas em um modelo
normativo inscrito na história, ou seja, em uma tradição.” (PINTO, 2010, p. 32). No
Ocidente, contudo, se emitem juízos sobre o Islã, sem conhecê-lo profundamente.
Não o estudam, não conhecem a língua da religião e, por assim dizer, não a podem
entender antes de saberem o contexto da crença. Apenas tomam conclusões a partir
do contexto de onde estão, e já estereotipam.
O objetivo do Ocidente para com o Oriente, é que o Ocidente retornaria para
reerguer um lugar novo na região e, consequentemente, Israel já está colocando
este objetivo em prática.
49
Assim, o Islã vem sendo propagado pelas mídias ocidentais, como nada
mais sendo que a reprodução do medo e do perigo. E isso não era diferente quando
os Otomanos governavam a região. Estes eram acusados de rondarem as fronteiras
europeias:
Os chamados países centrais, isto é, o mundo árabe-persa-turco no qual se pensa primeiro quando se fala sobre o Islã, foram conquistados nesse primeiro período, assim como, pela Espanha e pelo sul da Itália, o Islã chegou diante dos portões dos países ocidentais da Europa (ANTES, 2003. p. 73).
Desse modo ficou estigmatizado o poderio governamental Otomano como o
perigo do Islã, uma referência ao perigo da organização e eficiência das conquistas
de terras que estes tiveram em todo o Oriente e Europa (HOURANI, 1994).
O Oriente denota, para os colonizadores da Palestina, o poder dos
Otomanos. Esta forma de ler a história não enxerga o povo islâmico como pessoas e
como indivíduos históricos a partir deles mesmos e sua cultura. Ou seja, as leituras
ocidentais anulam a história verdadeira dos povos da região, na medida em que a
reduzem as conquistas otomanas. Produzem assim conhecimentos díspares e
também realidades irreais, fabricando tradições não fiéis ao que acontece realmente
em determinadas regiões e culturas.
Assim, o europeu envolvido na ocupação da Palestina deixou cada vez mais
clara a distinção entre o Cristianismo e todas as demais religiões descobertas nas
colonizações que não eram cristãs, inferiorizando-as e usando-as como arma de
colonização.
O que de outra perspectiva é visto como a religião do opressor – uma religião espiritualista, burguesa, sem posição crítica em face das injustiças estruturais (Metz, 1980) – é considerada o padrão de experiência religiosa legítima, ao mesmo tempo que a religião dos oprimidos é estigmatizada ou ignorada (SANTOS, 2014, p. 48).
A colonização da Palestina reforça esses estereótipos sobre o Oriente e
sobre a religião Islâmica. Isto fica evidente através das injustiças perpetradas nos
acordos da ONU e do não acatamento de Israel dos direitos dos palestinos na
região, além da indiferença internacional em relação aos crimes de guerra
praticados por Israel. Tudo isto faz parte da perpetuação da interpretação ocidental,
onde o Oriente existe em função do Ocidente.
Além disso, “a vida política e social é „coberta‟ por uma vestimenta religiosa”
(SAID, 2007. p. 318), onde o orientalista vê e dissemina determinado pensamento
50
“contaminado” por sua religião, assim como o oriental também, mas este é visto
como totalitário. Isto revela a autoconsciência europeia de aceitar que sua sociedade
é herdeira da sociedade oriental, mas por conta da visão preconceituosa, até mesmo
quando reconheceram que na Palestina tinha em torno de 700 mil árabes, estes não
teriam importância no processo de transferência da terra para os judeus, o que mais
uma vez caracteriza a visão orientalista sobre o árabe, frente a um movimento
colonial europeu. Embora árabes e judeus sejam semitas, ambos são representados
para um público ocidental de modos diferentes (SAID, 2007).
Como já falado anteriormente, o Islã é uma das características mais
utilizadas para falar contra o árabe. Assim, o árabe, em seu significado orientalista,
invariavelmente é uma referência à sociedade e religião contrária à sociedade
ocidental. Uma das principais características para o rebaixamento deste árabe, é
que o Ocidental separa a política, a cultura e a religião. A partir desta
compartimentalização da cultura, a leitura orientalista enxerga o Islã como não
liberal, porque mistura política, religião e cultura, acarretando em uma interpretação
ocidental de “nós” e “eles”.
No entanto, essa separação entre religião e poder é norma Ocidental moderna, produto de uma singular história pós-Reforma. A tentativa de compreender tradições muçulmanas insistindo em que nelas religião e política (duas essências que a sociedade moderna tenta manter conceitual e praticamente apartadas) estão conectadas induz, na minha visão, necessariamente ao erro (ASAD, 2010, p. 264).
Mas o que Talal Asad (2010) nos confirma, é que nós ocidentais, também
trazemos a junção desses três conceitos; invisivelmente o Ocidente também
trabalha a política com a religião. Desbancando mais uma vez a grande
superioridade Ocidental ante o Oriente.
O orientalismo rege a política de Israel, de tal forma que, para os
colonialistas da Palestina, os árabes que lá viviam eram considerados selvagens
estúpidos. Perante a lei de Israel, apenas um judeu tem plenos direitos civis e
privilégios de imigração, para eles há bons árabes, os que obedecem; e maus
árabes, os que discordam do governo, e por isso são terroristas (SAID, 2007).
A intenção de alguns pesquisadores eruditos é de insistir na ideia de que o
Islã é antissemita, mas nada falam sobre como os árabes são governados em Israel
pelos sionistas, nem sobre a ausência de direitos humanos para os árabes na
Palestina. Neste contexto, a discussão sobre os direitos humanos muitas vezes
51
encobre o conflito real, quando este conflito é caracterizado como um choque entre
totalidades culturais, sem considerar as assimetrias que caracterizam esta relação
de conflito:
Pratt define as zonas de contato como “espaços sociais em que culturas distintas se encontram, chocam entre si e se envolvem umas com as outras muitas vezes em relações de dominação e subordinação altamente assimétricas – como o colonialismo, a escravatura e as suas sequelas que sobrevivem hoje pelo mundo fora” (1994, p. 4). Nesta formulação as zonas de contato parecem implicar encontros entre totalidades culturais (SANTOS, 2014, p. 82).
Por isso devemos ter consciência de que até mesmo os direitos humanos
serão utilizados a favor de determinado grupo e nunca dos dois em conflito. Por isso,
não é possível abstrair os direitos humanos da realidade cultural de determinado
local, para que haja igualdade no tratamento das partes em conflito, e não a
sobreposição de um dos envolvidos sobre as outras partes:
A clivagem social e econômica entre o Norte Global e o Sul Global expressam-se hoje sobretudo na discrepância entre princípios supostamente emancipadores e práticas que, em seu nome, contribuem para reproduzir a opressão e a injustiça, isto quando não provocam a destruição de países inteiros, como acontece hoje no Oriente Médio e no norte da África. Sempre que os direitos humanos são postos ao serviço de lutas contra-hegemônicas – sejam elas a luta pelo cancelamento da dívida dos países pobres, pelo acesso à terra e a água, pela autodeterminação dos povos indígenas etc – são submetidos a um processo de reconstrução política e filosófica que torna ainda mais visível e mais condenável a discrepância entre princípios e práticas subjacentes ao complexo hegemônico, liberal e imperialista dos direitos humanos (SANTOS, 2014, pp. 83-84).
Para ter acesso a esses direitos humanos, o colonizado precisa abrir mão do
seu contexto de vida, de suas filosofias e de suas tradições. É necessário estar de
acordo com aquilo que o imperialismo acha correto. Mais uma vez temos a
sobreposição de um, e o rebaixamento do outro.
A cultura ocidental, através da presença dos EUA no Oriente Médio, é que
dita os conceitos e modos a serem seguidos pelos árabes. O problema no
orientalismo é não ajustar o estudo sobre o outro à realidade do lugar, a resposta do
orientalismo, não é o ocidentalismo.
Deve-se, segundo esta análise, enxergar o outro a partir de onde ele está,
não de onde estamos. É um pressuposto necessário para acabar com os
(pré)conceitos que muitas vezes podem fazer guerras e dar continuidades às
mesmas. Outras abordagens são necessárias para que não se condene
52
determinados povos, suas culturas e religiões e para que se tenha com eles, com o
outro, um diálogo horizontal e não vertical.
2.2. INTERPRETAÇÃO OCIDENTAL DO ÁRABE PALESTINO: O SIONISMO QUE
NÃO É VISTO COMO RELIGIÃO E O PALESTINO QUE É VISTO COMO
TERRORISTA
Após a criação do Estado de Israel, 1 milhão de palestinos permaneceu no
território e se tornou israelense, constituindo 18% da população do Estado de Israel.
Na Cisjordânia e em Gaza ainda há mais 2,5 milhões de palestinos. Israel torna-se
assim o único país do mundo que não age como um Estado, em relação a seus
verdadeiros cidadãos (SAID, 2012a).
Os palestinos ainda sofrem com o sufocamento de sua tradição e religião,
sendo forçados a assistirem a transformação do espaço onde vivem, em um Estado
ocidental, onde o principal objetivo é atender somente aos judeus.
Para se ter uma ideia, de como a religião islâmica do nativo é usada para
deter o palestino, pode-se ver principalmente o controle sobre as mesquitas e os
símbolos religiosos, como Wadi (2009) cita:
O véu funcionou como uma “prisão libertadora” para as mulheres. Em 2000, a jovem palestiana Shifa‟a Al-Hindi, foi obrigada a tirar o seu véu pelos soldados israelitas. (...) Para Al-Hindi, defender o seu véu significou defender a sua identidade e, desta vez, a honra nacional. (...) É significante que Al-Hindi tenha aparecido poucos dias após o incidente num canal televisivo internacional sem véu, confirmando assim que ela apenas defendera a sua liberdade de utilizar o véu: não se tratava de o véu que lhe (SIC) esconder ou não a cara, mas do facto de ser o ocupante que lho queria tirar. (...). (WADI, 2009, p. 45).
Como em Jardim (2009), a luta pela causa palestina, acabou por se unir à
causa árabe-muçulmana, ou seja, a defesa de sua religião, que muito foi atacada
pelo orientalismo.
Os palestinos passaram a se sentir conectados com os outros países árabes
e com o Islã para poder firmar-se como povo palestino. O uso do véu é um desses
símbolos, que denota a causa religiosa e política.
Após principalmente o ano de 1967, com a decorrente ocupação de Gaza e
da Cisjordânia, foi produzido um regime militar por Israel, com o objetivo de
53
submissão do povo palestino e de sua dominação. Desde então, os Direitos
Humanos passaram a ser sistematicamente violados: “(...) expropriações de terras,
demolições de casas, movimentos forçados da população, torturas, retirada de
árvores, assassinatos, proibições de livros, fechamentos de escolas e universidades”
(SAID, 2012a, pp. 62-63) passaram a acontecer.
Passou a ser desenvolvida uma limpeza étnica, para a acomodação de
judeus vindos de outros países, principalmente da Europa e dos EUA.
Desde 1948 los sucesivos intentos por parte de Palestina de construir un discurso coherente sobre su pasado han sido a menudo silenciados o puestos en duda. La destrucción de los municipios palestinos y la supresión conceptual de sus habitantes de la historia y la cartografía tuvo como consecuencia que los nombres de las poblaciones fuesen directamente borrados del mapa. Los nombres históricos en árabe de los accidentes geográficos fueron reemplazados por nombres en hebreo de nuevo cuño, eligiendo en ocasiones nombres similares a los bíblicos (MASALHA, 2011, p. 27).
Além da limpeza da população nativa na região, e consequentemente o
desaparecimento de tudo que representava o nativo, as regiões e lugares
importantes para as religiões monoteístas, foram tomadas pelos sionistas e
acabaram por serem rebatizadas com nomes hebraicos. Ressuscitaram a história
judaica de séculos atrás nessa nova Palestina do século XX.
O papel dos palestinos nesse contexto é de “vítimas das vítimas” (SAID,
2012a, p. 64) por conta dos judeus terem sofrido tanto tempo com o antissemitismo,
que os levaram aos horrores do Holocausto. A colonização da Palestina tem como
característica o sofrimento daquele que iria dominar o território, tinham uma
desculpa diferente da do colonizador europeu nas Américas. Mas o judeu colono
sionista usou os mesmos métodos de colonização europeia.
Herzl confirma isto em seu livro “O Estado Judeu” quando cita por várias
vezes a colonização da América como exemplo:
En América, cuando se quiere tomar posesión de algún nuevo territorio se lo sigue ocupando de una manera realmente ingenua. Los que van a hacerlo se reúnen en el límite y a la hora fijada, se precipitan sobre el mismo, a un tiempo y de una manera violenta. Así no se ha de proceder en el nuevo país judío (HERZL, 2004, p. 88).
No novo modo de ocupação, Herzl previa o seguinte procedimento:
Donde aparecemos nosotros, los modernos, con nuestros recursos, transformamos un desierto en un jardín. Para la creación de ciudades nos bastan tantos años como siglos se necesitaban en las primeras
54
épocas de la historia; lo confirman innumerables ejemplos en América (HERZL, 2004, p. 95).
No primeiro extrato, podemos ver que Herzl, toma como exemplo a tomada
de terra na América pelos europeus. Cita este exemplo para que a colonização
sionista não venha a cometer o mesmo erro que os europeus cometiam na América.
Na segunda citação, ele fala da colonização da América como forma de
estender o desenvolvimento e a modernidade para aterrados palestinos.
Consequentemente, a colonização da Palestina seria um “bem” inimaginável outrora
para a Palestina arcaica e árida que “existia” antes dos sionistas chegarem nela.
Os sionistas sempre tiveram um ideal claro quanto à colonização da
Palestina, a de tornar a vida dos palestinos impossível, tanto quando o projeto
sionista ainda estava em desenvolvimento no território, quanto depois da criação do
Estado de Israel. Assim, os sionistas promoveram a desocupação do território, para
a apropriação das terras “vazias” pelos judeus colonos vindos da Europa.
Um dos maiores financiadores para que tudo isso ocorresse foram os
Estados Unidos da América, principalmente os seus moradores judeus. Estes
estiveram sempre engajados a lutarem pelos direitos dos judeus colonos e por
Israel.
Um dos maiores prejuízos ao palestino árabe foram as tomadas de terras e
de casas pelos judeus colonos nessa fase de criação do Estado. Por outro lado, o
direito de retorno às terras do povo palestino, é repetidamente silenciado pela mídia
ocidental e israelense.
O resultado de tudo isso, o que também inclui as negociações dos líderes
palestinos que causam o sofrimento do povo, é a revolta palestina. Grupos radicais
irão lutar por sua terra, acarretando em ataques contra o judeu colono.
Consequentemente, Israel vai entrar com uma política de segurança forte, financiada
principalmente pelos EUA. O chamado terrorismo palestino passa ser barrado no
território judeu e, consequentemente, os palestinos civis se tornam alvo da
segurança cirúrgica empregada por Israel. E mais uma vez o árabe, o palestino, o
muçulmano passam a ser alvo do orientalismo, e generalizados como se todos que
tivessem essas características fossem terroristas no mundo ocidental.
Essa forma de pregar a segurança é um recurso de forças a partir dos
ocidentais contra os árabes, e a partir dos árabes contra o imperialismo ocidental e
55
contra Israel (SAID, 2012a). Isto torna as relações entre esses dois mundos
constantemente conflituosas.
O sionismo é uma amostra de orientalismo perpetrado diretamente no
Oriente Médio. E ele permitiu, através de alguns mitos, a colonização, levando para
outras regiões contos e inverdades sobre a Palestina, que está no imaginário
internacional até hoje, são elas:
La meganarrativa del sionismo incluye varios mitos fundacionales entrecruzados que sirven de base a la cultura israelí contemporánea. Entre estos mitos estarían el de la <<negación del exilio>>(shilat ha-galut), el <<retorno a la historia>>(ha-shiva la historia), el <<retorno a la tierra de Israel>>(ha-shiva le-Eretz Yisra’el) y el del <<territorio vacío>>. La <<negación del exilio>> permite al sionismo establecer una línea de continuidad entre la antigua Palestina y un presente que la actualiza con el asentamiento en la Palestina actual(MASALHA, 2011, p. 09).
A existência do povo nativo se torna então inverídico e contraditório, para
que a atuação do sionismo venha a ser concretizada na Palestina. Os árabes
palestinos então são reais, mas sua história é demonizada e fantasiada, além de
serem desprezados perante os estadunidenses e pelo mundo, “A verdade é que o
discurso sionista é o discurso de poder, e os árabes, nesse discurso, são objetos de
poder e desprezados (...)” (SAID, 2012a, p. 95).
Esse sionismo do qual tanto falamos tem uma história. No início tinha caráter
realmente político, mas com os problemas antissemitas, vividos pelos judeus na
Europa, ele passa a ter características messiânicas, ou seja, religiosas.
A criação da solução para o antissemitismo foi então a criação do Estado
judeu. O sionismo, a teoria que irá tornar realidade o Estado judeu, como dito por
vários pesquisadores e até mesmo por alguns judeus contrários ao sionismo,
enfatiza que o sionismo é uma religião, uma religião secular da comunidade judaica
(SAID, 2012a, p. 99).
Para que a promessa da volta dos judeus à terra prometida pudesse ser
concretizada, estes deveriam ter identificado o Messias, que daria a permissão para
a volta a essa terra, a Palestina. Então como Zucchi (2014) propõe:
(...) surgira a percepção, em muitos membros da comunidade judaica, de que o salvador teria de ser construído por ela e seria a representação de uma ideia. Dentro dessa interpretação o sionismo político se encaixava perfeitamente, oferecendo-se como materialização dessa construção. Afinal, de todos os inúmeros messias aparecidos durante a diáspora judaica, alguns levando a catástrofes, o sionismo parecia oferecer uma alternativa bem
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implementável e material; porém, para alguns, apresentava um defeito enorme, visto que teriam de lutar e trabalhar muito e contra forças, no momento, bem superiores, para colocá-lo em prática, em ação. Pior esse messias dependia totalmente deles, não era como esperavam ou seja, o que iria realizar tudo sozinho e, contando com poderes sobrenaturais, mover céus e terras pelos seus escolhidos. Faziam parte grupos contrários ao sionismo muitos religiosos ortodoxos que combatiam o projeto de criação de um Estado judeu, por considerá-lo leigo e sacrílego, uma vez que o subordinava a identidade judaica a um projeto político e pregava o retorno à terra prometida antes da volta do messias. (...) O movimento, que até então detinha um caráter estritamente laico, começava a ser invadido, a princípio de modo cauteloso e incipiente, por influências religiosas (p. 74).
Ou seja, o sionismo foi aceito como o Messias que ainda está para chegar
aos judeus. O sionismo passou a ter características religiosas, para que assim este
pudesse dar a permissão aos judeus de voltarem à Palestina. Assim, o sionismo
contrariou alguns religiosos, mas conquistou o carisma de outros, para a criação do
Estado judeu.
Said (2012a), nos fala que as ideologias sionistas são racistas, sem
generosidade. Os judeus sionistas se dizem baseados no Velho Testamento, o que
seria na verdade insultá-lo. Desta forma, os sionistas de Israel se opõem a qualquer
acordo com os árabes, pois acreditam que estão realizando a vontade de Deus e
cumprindo a promessa dEle.
Políticos israelenses e estadunidenses insistem em disseminar as ideias de
sucesso na colonização da Palestina, enaltecendo como de costume, a colonização
e afirmando mais uma vez, que este método leva ao desenvolvimento e à
modernidade, mas esquecendo-se da sobreposição cultural que esta emprega, que
esmaga o nativo.
A destruição de construções palestinas e o assassinato de crianças pelas
forças israelenses é disseminada na mídia ocidental. A notícia é repassada por uma
visão distorcida, que atribui a morte dessas crianças pelo exército israelense à
“violência palestina”. Essa mídia passa a ignorar a luta palestina contra a ocupação
militar israelense e a todo o estado de exceção que os nativos são subjugados,
retratando-os como terroristas muçulmanos, insanos e sem objetivos.
Pero, en la práctica, para miles de revolucionarios, nacionalistas, separatistas, insurgentes o, si se prefiere, terroristas, la realidad más inmediata es una reacción a la imposición militar, económica y cultural del imperio americano, una forma de concretar sus deseos de deshacerse del invasor, o simplemente la fórmula encontrada por
57
los oprimidos y marginados del mundo –incluso en el occidental– para liberarse del yugo al que se creen sometidos (BAJO, 2009, p. 14).
Devemos nos despir dos olhares orientalistas, não defender o assassinato
de civis inocentes, mas descobrir a causa de fato, que leva a pessoas comuns
assassinarem pessoas como resposta à uma guerra com o Ocidente. Como citado
acima, a maior causa e a culpa também é do Ocidente imperialista, que oprime e
marginaliza o árabe e o muçulmano em seu próprio território. E essa imagem não é
diferente para com o palestino e para com a religião islâmica, que é também afetada
por essa interpretação orientalista e responsabilizada pela maldade que rege essa
resposta árabe à colonização ocidental no Oriente Médio e na Palestina.
(…) en el caso de la religión musulmana, a los que no quieren ni consideran necesario someterse a ninguna forma de imposición, les ofrece, si mueren por la causa, un paraíso en el otro mundo que no tienen en este. Motivo más que suficiente para que muchas no duden en llegar al máximo sacrificio supremo, la entrega de la propia vida –incluyendo el suicidio– en defensa de esos ideales. Pero sería un error pensar que esto es debido exclusivamente a la religión musulmana; detrás hay una problemática mucho más profunda (BAJO, 2009, p. 15).
O conflito entre o sionismo e o povo palestino é muito mais complexo do que
a batalha contra o apartheid da África. A única alternativa para a luta palestina, que
não alcançou a imaginação do mundo, é quebrar o silêncio das mídias e das nações
frente ao sofrimento do povo palestino, cuja mudez prejudicou ainda mais a causa
do povo, além do “refrão triunfalista das grandes virtudes de Israel” (SAID, 2012a. p.
107), que se sobrepõem à injustiça e ao sofrimento palestino.
Israel, com toda a história judaica, pode sempre relembrar do Holocausto,
perante o mundo, e usar dos atos terroristas dos palestinos. Talvez não devemos
olhar como atos terroristas, mas atos de uma guerra civil, onde o alvo é sempre o
inimigo, já que terrorismo é uma ação aleatória em local aleatório para chamar a
atenção para alguma causa. O que acontece entre israelenses e palestinos é
recíproco, israelenses civis atacam palestinos civis e vice e versa.
Enquanto, internacionalmente, as definições do que constitui o terrorismo estão sob o domínio das grandes potências e dos tribunais internacionais, internamente, o uso dos discursos sobre o terrorismo tornou-se não só politizado, mas passou também a estar ancorado na ampliação de políticas nacionais de segurança pública (FILHO &
MORAES, 2012, p. 272).
58
Assim, a denominação terrorismo palestino acaba por ser uma visão
orientalizada, para demonizar o palestino e santificar o israelense:
(...) os palestinos ou eram “árabes” ou criaturas anônimas, capazes apenas de romper e desfigurar uma narrativa fantástica idílica. Mais importante ainda, Israel representava (embora nem sempre desempenhasse esse papel) uma nação em busca de paz, ao passo que os árabes eram belicosos, sanguinários, exterminadores em potencial e reféns mais ou menos eternos de uma violência irracional (SAID, 2012b, p. XXV).
A perspectiva terrorista deve ser analisada com cuidado. Até porque os
judeus sionistas não ficam atrás quando do domínio do território nos inícios do
século XX. Quando os judeus agiam através de coligações terroristas, e ainda hoje
agem como um Estado terrorista:
O poder de um consenso, de uma tradição ou de um discurso coerente como o que existe entre Israel e a opinião liberal consiste no fato de que sua simples presença institucional dissipa qualquer evidencia contraria, rejeita-a como irrelevante. Mais do que isso, transforma em apoio o que poderia ser um desafio devastador. Tomemos como exemplo recente a eleição de Menachen Begin. Durante anos a fio, Begin ficou conhecido como terrorista e não fez nenhum esforço para esconder o fato. (...) Admite ter sido o responsável pelo massacre de 250 mulheres e crianças na aldeia árabe de Deir Yassin, em abril de 1948. No entanto algumas semanas depois de ser eleito, em maio de 1977, ele apareceu na imprensa como um “estadista” comparado implicitamente a Charles de Gaulle, seu terrorismo tinha sido esquecido (...) Entretanto, o consenso que decreta que os lideres israelenses são democráticos, ocidentais, incapazes de praticar o mal associado em geral aos árabes e aos nazistas (...) é tão sólido que mesmo uma migalha tão indigesta quanto Begin foi transformada em mais um estadista israelense (...) (SAID, 2012b, pp. 50 – 51).
A estigmatização de uns sendo terroristas e de outros não sendo, mesmo
cometendo atos que o confirmam, deixa claro que quem detém o poder age por
proteção. E aquele que é submetido e se opõe ao sistema, é considerado terrorista.
O povo palestino, na verdade, e desde o princípio da luta contra Israel, não
se organizou como deveria frente às tentativas ocidentais contra sua cultura e
religião. E não respondeu à altura os preconceitos empregados por Israel. Said
(2012a, p. 109) diz: “(...) devemos conquistar a imaginação, não apenas de nosso
povo, mas a de nossos opressores. E temos de agir de acordo com os valores
democráticos e humanos.”
Israel é sim uma potência, lutando contra um povo sem exército e sem
artilharia. Confina 1,3 milhão pessoas na faixa de Gaza, causando um cenário sem
59
procedentes de terror e desumanização, que está além do apartheid ou do
colonialismo (SAID, 2012a). Entradas e saídas são controladas por Israel, o governo
israelense detém todo o fornecimento de água, estradas são construídas e é
impedido o acesso para não-judeus. Além do controle policial imposto em postos de
vigilância e o corte de oliveiras e árvores cítricas (importantes símbolos do povo
palestino) como punição.
A propaganda e a guerra empregada pela política israelense, onde esses se
dizem indefesos, frente aos ataques “sem um porque” pelos palestinos, é um
discurso típico. Os israelenses foram ensinados a enxergar o árabe como terrorista,
fanático e antissemita. Mas a mídia e a história, nada diz sobre o grande terror que é
ser palestino em Israel:
Em termos estritamente numéricos, em números brutos de corpos e propriedades destruídas, não há absolutamente como comparar o que o sionismo fez aos palestinos com o que, em retaliação, os palestinos fizeram aos sionistas. Os ataques quase constantes dos israelenses aos campos de refugiados palestinos no Líbano e na Jordânia nos últimos vinte anos é apenas um indicador desse registro totalmente assimétrico da destruição. Em minha opinião, muito pior é a hipocrisia do jornalismo e do discurso intelectual do ocidente (e do sionismo liberal), que raramente tem algo a dizer sobre o terror sionista (SAID, 2012b. pp. XLVIII – XLIX).
O orientalismo com o sionismo teve grande efeito na mente coletiva mundial
para a permissão da criação do Estado de Israel. Nos EUA, por exemplo, em
pesquisa realizada, setenta e três por cento da população é a favor da criação de
um Estado palestino. Mas a imagem de como o estadunidense vê o palestino é o
diferencial na divisão entre os que são bons, e os que são maus. A resposta é
unanime, de que o palestino é violento e terrorista, “não são como „nós‟” (SAID,
2012a. p. 133).
(...) existe uma atitude cultural arraigada em relação aos palestinos, derivada de antigos preconceitos ocidentais contra o Islã, os árabes e o Oriente. Essa atitude, da qual o sionismo, por sua vez, extraiu a visão que tem dos palestinos, desumanizou-nos, reduziu-nos à condição pouco tolerada de incômodo (SAID, 2012b. pp. LII – LIII).
No todo, o palestino é visto como um ser sem história, sem imagem humana
identificável. Estão quase que desumanizados (SAID, 2012a).
Os EUA são vistos pelo Oriente Médio como opressores, por conta de seu
apoio a Israel e a vários governos árabes que oprimem seus cidadãos no Oriente
Médio. Desta forma, o ódio ao estadunidense não se baseia na modernidade ou na
60
tecnologia, como é pregado na mídia ocidental. O ódio ao estadunidense baseia-se
nas intervenções políticas e econômicas e no sofrimento do povo.
O terror aqui não pode ser associado a abstrações religiosas ou políticas,
não deve se afastar da história e da compreensão, tem de se fazer sentir, seja nos
EUA ou no Oriente Médio (SAID, 2012a), “(...) nenhum deus, nenhuma ideia abstrata
pode justificar o massacre de inocentes (...)” (SAID, 2012a, p. 138).
Por isso mesmo não devemos condenar uma religião só porque seus
algozes são islâmicos, judeus ou cristãos.
Os erros de líderes palestinos como o que Arafat fez, foi tornar a Autoridade
Nacional Palestina em sinônimo de brutalidade, não refreou o Hamas e o Jihad
Islâmico, afirmando para Israel, e fazendo com que esse propagasse a ideia de
atentados suicidas, terroristas, punindo cada vez mais o povo palestino. A política de
Arafat comprovou para Israel que os palestinos seriam de fato terroristas. A
sociedade palestina foi quase destruída através de um governante que imaginou que
com atentados suicidas seria possível se criar um Estado islâmico palestino (SAID,
2012a).
O exemplo que deve ser seguido pelos palestinos é o da luta do sul da
África, com visão de uma sociedade multirracial, com objetivos bem claros tanto para
o povo como para com as lideranças, “(...) o esforço precisa vir de nós, através de
nós, por nós e para nós.” (SAID, 2012a. p. 163). Aqui Said explicita a tomada dos
caminhos do pós-colonialismo, onde talvez o trajeto da solução para este problema
esteja nas raízes culturais e religiosas dos envolvidos.
Não devemos negar que há sim, um embate violento entre Ocidente e
Oriente, haja vista as ações imperialistas do Ocidente no Oriente Médio, e o
financiamento do pequeno Ocidente (Israel) no Oriente, que trabalha como formador
de ideias ocidentais no Oriente, a porta de entrada do Ocidente. Nada é mais forte
do que a propaganda mundial pregada contra os árabes e contra o Islã. O Oriente
não é contra os progressos tecnológicos e culturais, eles apenas protestam contra a
interferência política e econômica em seu mundo, como se o Oriente Médio fosse
um quintal dos EUA.
A não aceitação do Ocidente por parte do árabe, nada tem a ver com sua
cultura ou sua religião, mas contra a intervenção estadunidense em seu território,
que tem por objetivo principal o petróleo. E por isto mesmo, uma forte propaganda é
tecida contra a cultura árabe e sua religião, para que dessa forma o Ocidente
61
consiga manter sua interferência na região, e consequentemente retirando os
direitos humanos de milhares de árabes e palestinos.
2.3. RELIGIÃO E POLÍTICA A SERVIÇO DA COLONIZAÇÃO
A religião outrora pode ter sido a principal questão coletiva a ser debatida.
Hoje, ao passar dos séculos, ela é uma questão individual levada para a esfera
privada, essa é a visão ocidental que é diferente da visão oriental árabe.
Hoje no Ocidente a religião não tem o mesmo valor que tinha na Idade
Média. Ela eventualmente dita conceitos morais, o que é certo e errado para a
política de governo, a partir de seus cidadãos que são cristãos (a maioria), o que
pode influir ou não nas decisões governamentais.
Contudo, embora a igreja não mais interfira formalmente, como instituição,
nas decisões governamentais, a religião, e aqui nos referimos especificamente ao
cristianismo, influi nas dinâmicas da vida cotidiana que, por sua vez, interferem nas
decisões governamentais. Por exemplo, quando este leva em consideração
demandas religiosas da sociedade, sendo o Estado, supostamente, independente de
qualquer religião.
A religião está separada da política, está somente no âmbito privado, mas de
formas quase imperceptíveis, está também na política com outra forma de poder
(ASAD, 2010)
Desta forma, a visão do Ocidente para com o Oriente Médio, e
consequentemente para o conflito israelo-palestinense, é pautado na interpretação a
partir de um ponto de vista de generalização, que não enxerga a si próprio no outro
palestino, mas em seu “igual”, o israelense, o judeu.
O islamismo e a política de governo ocidental podem ter vertentes
diferenciadas. A religião, no primeiro caso, anda lado a lado com a política. E no
Ocidente, a política está superior à religião, mas nesse caso, a religião continua
dentro da política, assim como na forma de governo que há em Israel.
A partir dessas premissas, no pensamento hegemônico ocidental se
presume equivocadamente que as formas de sistemas são iguais, mas somente o
Islã, e qualquer outro pensamento antagonista à moral reinante (Ocidental e Cristã)
está errado (ASAD, 2010).
62
A antiga Igreja da Idade Média tornou autêntica a moral social e religiosa
que o Ocidente acredita ser verdade absoluta hoje. Essa Igreja decidiu que apenas
esse pensamento cristão, considerado sagrado, era a verdade essencial para que
qualquer vida humana conseguisse caminhar em paz para o futuro. Cria-se assim
um regime absoluto e excludente de verdade, que deixa de fora todas as outras
religiões e seus pensamentos de moral e cidadania. Desde a Reforma, a fronteira
entre o religioso e o secular foi redesenhada, mas a autoridade do regime de
verdade referenciada no cristianismo sempre foi preeminente no Ocidente (ASAD,
2010).
A religião do colonizador, como cristã, passou a ser reinante após as
“grandes descobertas”, e por isso mesmo pregada nas regiões colonizadas,
acabando por se tornar a verdade, “(...) a religião dos opressores é, na modernidade
ocidental, uma „religião do capitalismo‟.” (SANTOS, 2014, p. 48).
A separação entre o poder espiritual da Igreja e o poder temporal do Estado moderno foi um processo histórico muito complexo que assumiu diferentes formas em diferentes países, regiões do mundo e períodos históricos. Não impediu, por exemplo, que a religião fosse posta a serviço do colonialismo como parte integrante da missão civilizadora (SANTOS, 2014, p. 99).
O poder então cria a religião, a religião natural, a religião correta, que se
perpetua durante os tempos. E já que todo ser humano, como diz Geertz apud Asad
(2010), necessita de uma simbologia religiosa que ordene seu cotidiano e sua vida,
a construção de uma religião natural satisfaz esse desejo, resolvendo dois
problemas de uma vez só: a necessidade do homem, e a necessidade do Estado e
da ordem.
Quando levamos isso para o conflito israelo-palestinense, vemos que a
colonização perpetuou esse poder sobre o outro politicamente como religiosamente.
O mundo só se solidarizou com a causa judaica, dado o grande problema que estes
eram na Europa (ARENDT, 2014), mas se mostrou menos contundente ao massacre
de palestinos muçulmanos (em sua maioria), porque o judaísmo é o “pai” do
cristianismo. Assim fica evidente que a religião, também no ocidente, tem o poder de
autorizar ou desautorizar determinada ação ou moral:
(...) penso que não é imprudente argumentar que o “axioma básico” subjacente ao que Geertz chama de “a perspectiva religiosa” não é o mesmo em toda parte. A igreja cristã é que tem primordialmente se ocupado em identificar, cultivar e testar a crença enquanto uma
63
condição interna verbalizável da religião verdadeira. (ASAD, 2010, p. 274).
Assim, no Ocidente, é esperado da religião que ela esteja em conformidade
com a sociedade e seus sistemas. Como o Oriente não está dentro dos padrões da
democracia ocidental, onde é dito que a religião está separada da política, o Oriente
passa a não estar em conformidade com o resto do mundo Ocidental. Evidencia-se,
assim, que a colonização da Palestina é uma das formas de ocidentalizar essa
região, anteriormente, e ainda hoje, com as interferências em outros países orientais
como Afeganistão e Iraque.
(...) a Palestina deve ser vista em perspectiva. Não deve ser medida apenas na escala dos interesses judeus, cristãos ou interesses árabes, mas qualquer solução deve promover a estabilidade mundial e os interesses dos EUA (...). (CHAMBERLAIN apud GOMES, 2001, pp. 52-53).
No Ocidente, mesmo que os símbolos religiosos estejam entrelaçados na
vida social (o que denota uma sociedade parecida com a Oriental), ainda assim
defende uma sociedade secularizada e não mais sagrada. Com esta postura, os
países europeus se dizem superiores em termos de civilização e afirmam levar esta
superioridade também às suas colônias, cuja população é considerada bárbara, por
não se enquadrar nos padrões de civilidade europeus. Um dos objetivos dos
colonizadores passa a ser a de humanizar a sociedade. Quando o colonizador vê-se
no outro colonizado, nasce essa ideologia de “nós” e “eles” (SAID, 2007). E para não
haver essa paridade entre colonizador e colonizado, nascem os direitos humanos e
a “invenção” do que é correto e o que não é, a partir da visão ocidental, do
colonizador.
E ainda hoje essa visão prevalece contra os povos colonizados, seja na
África, na América Latina, ou no Oriente Médio hoje.
Nascem a partir disso, os direitos humanos, no qual é ditado o que é
humano ou não dentro das características ocidentais. Essa ideologia então é
empregada nas colônias europeias.
Os direitos humanos são individualistas, seculares, culturalmente ocidente-cêntricos, e Estado-cêntricos, quer quando visam controlar o Estado, quer quando pretendem tirar proveito dele. As teologias políticas, pelo contrário, são comunitárias, antisseculares, tanto podem ser culturalmente ocidentais como ferozmente antiocidentais, e tendem a ser hostis ao Estado (SANTOS, 2014, p. 11).
64
Como em Santos (2014) citado acima, em seu livro “Se Deus fosse um
ativista dos Direitos Humanos”, podemos entender que os direitos humanos
favorecem somente a alguns dentro do sistema político em que vivemos. E nem
sempre esses direitos humanos são entendidos dentro das diferentes culturas, que
são distintas umas das outras. Além, é claro, desses direitos humanos estarem
impregnados da religiosidade do colonizador, o que nem sempre abarca a todas as
culturas mundiais.
O que normalmente não é referido é que, desde então até os nossos dias, os direitos humanos foram usados, como discurso e como arma política, em contextos muito distintos e com objetivos contraditórios (SANTOS, 2014, p. 20).
Neste sentido, podemos até afirmar que os direitos humanos podem ser
mais uma ferramenta de colonização. Podemos perceber isso na colonização da
Palestina, já que até os dias de hoje, dificilmente vemos os direitos humanos se
concretizarem nesta região em benefício da população árabe. Direitos de liberdade
religiosa, como, por exemplo, a visitação à mesquita para oração, são muitas vezes
impedidos pelos israelenses. O direito à moradia, à cidadania..., todos os dias esses
direitos vêm sendo negados aos palestinos que estão sendo colonizados há quase
um século.
Na maioria das vezes os palestinos agem de forma violenta contra o Estado
de Israel, e são designados de terroristas por conta de seus atos. Estes atos, por
sua vez, são impedidos por Israel, que age como resposta, através também da
violência, e do assassinato desses palestinos.
O mesmo acontece na luta do Ocidente contra o Oriente e o terrorismo. Mais
uma vez o colonizador se mostra “igual” ao colonizado, matando como forma de
revide, a população árabe e muçulmana.
É evidente que essas instâncias de crueldade secular não provam que a religião institucional não pode gerar crueldade e violência. Mas movimentos religiosos também pregaram (e praticaram) compaixão e misericórdia. O meu ponto é simplesmente que não pode haver uma equação da religião institucional com violência e fanatismo (ASAD, 2011, p. 164).
Asad (2011) nos deixa claro que o conflito e a guerra entre Ocidente e
Oriente ou Palestina e Israel, não pode ser visto através dos olhares religiosos. Seja
por aqueles que defendem o Islã, seja por aqueles que defendem o Judaísmo e o
Cristianismo. Estas formas de visão são artifícios utilizados pela política para a
65
estigmatização de determinada religião, tornando, por sua vez, mais fácil e
autorizada a colonização e o assassinato de inocentes:
A religião, por si só, não é contra ou a favor de uma determinada ordem social e política. Pelo contrário, é um instrumento que pode legitimar a luta contra a ordem ou a permanência desta mesma ordem (HALLIDAY apud MORAES; NASSER; SOUZA, 2014, p. 81).
Para garantir a segurança de Estado e a ausência de dor e sofrimento na
sociedade, o Ocidente passa a praticar a dor e o sofrimento na sociedade do outro,
através de torturas, seja ela mental ou física. Ou seja, através da guerra, do
tratamento degradante dos que não são ocidentais, eles se tornam “não-humanos”
(ASAD, 2011).
Percebemos então essa igualdade do Ocidente com o Oriente. Agem contra
tratamentos desumanos com atos desumanizados.
Mesmo com a imaginação de que a Europa levou a humanização aos países
colonizados e “aboliram” várias práticas que ofendiam o humano, o alvo a ser
alcançado pela Europa não era ter a preocupação com o Outro, mas impor seus
padrões civilizados,
(...) criminalizar costumes considerados cruéis, o que dominou o pensamento europeu não foi a preocupação com o sofrimento nativo, mas o desejo de impor o que eles consideraram padrões civilizados de justiça e humanidade em uma população sujeitada, isto é, o desejo de criar novos sujeitos humanos. (ASAD, 2011, p. 174).
Tudo é definido e legislado pelo Estado, até onde o sagrado vai, e até onde
o Estado fica. Isto é necessário para se ter o controle das massas assegurado. A
guerra perpetrada por esses Estados democráticos e liberais contra os países que
“não o são”, ou contra seu próprio povo, nada mais é que a garantia de controle da
população: “A vida humana é sagrada, mas apenas em alguns contextos
particulares definidos pelo Estado” (ASAD, 2011. p. 180). Não importa o quanto a
guerra gere dor e sofrimento, ela sempre será por interesses e “necessidades
militares”.
Israel é um exemplo de que não aceita práticas de torturas em seu território,
estando isso incluso em suas leis, mas mesmo assim, atos desumanos são
costumeira e conhecidamente praticados no interior do país. Assim como outros
países também praticam esses atos, todos de forma encoberta. Quando tais atos
são descobertos, o que viola as Leis dos Direitos Humanos, essas ações são
consideradas abusos de Estado, mas é dessa forma que muitos países conseguem
66
controlar suas populações de “não-cidadãos”, através da tortura e do controle
(ASAD, 2011).
O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma “anatomia política”, que é também igualmente uma “mecânica do poder”, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis” (FOUCAULT, 2014, p. 135).
Enrique Dussel (1993), analisa a invenção do Outro nesse contexto pós-
colonialista, em seu livro “1492”, onde o colonizador chega à terra “encontrada” e
passa a inventar uma história do outro, onde o colonizador se encontra no
colonizado, mas o enxerga de um patamar superior. Hoje o colonizador se encontra
civilizado e tem o objetivo de levar essa civilização ao outro (colonizado):
(...) que eles são uma raça subjugada, dominada por uma raça que os conhece e sabe o que é bom para eles mais e melhor do que poderiam possivelmente saber eles próprios. Os seus grandes momentos estavam no passado; são úteis no mundo moderno apenas porque os novos impérios poderosos efetivamente os tiraram da desgraça de seu declínio e transformaram-nos em residentes de colônias produtivas (SAID, 2007, p. 66).
A negação do outro, da outra cultura, nas colonizações são pontos altos nas
“descobertas” que consolidam a hegemonia mundial do Ocidente. Dessa forma,
impõe-se a ideia e a prática de que os colonizados deveriam ser ensinados na
verdadeira prática civilizatória, a europeia.
As culturas “descobertas” nas grandes colonizações impostas pelos países
da Europa passaram a ser consideradas periféricas e alvo de repúdio, por serem
diferentes do que os europeus conheciam. Com a incursão de povos muçulmanos
na Europa, os europeus passam a vivenciar e conhecer mais desse Outro, e
preconceituosamente, passam a inventar sua própria imagem de europeu.
A Europa tornou as novas culturas em objetos, o que estava coberto, a partir
da perspectiva eurocêntrica, passa a ser descoberto com as colonizações, e
encoberto novamente, por não ser o ideal ditado pela visão dos europeus.
Com essa tentativa de pregar a cultura correta, para a implantação de uma
política extrativista dentro e fora de seu território, a Europa passa a empregar táticas
de alienação e modernização do povo nativo, do Outro,
(...) mas agora não mais como objeto de uma práxis guerreira, de violência pura (...) e sim de uma práxis erótica, pedagógica, cultural,
67
política, econômica, quer dizer, do domínio dos corpos pelo machismo sexual, da cultura, de tipo de trabalhos, de instituições criadas por uma nova burocracia política, etc., dominação do Outro (DUSSEL, 1993, p. 50).
Com isto, há uma obrigação de mudança nas rotinas das vidas dos nativos,
construindo-se uma cultura sincrética, em uma nova economia capitalista
empregada nas colônias, dependente da metrópole e sempre considerada inferior.
Nação que emerge pelos europeus e para eles, jovem e, portanto, inexperiente que
deve seguir os preceitos do país mãe.
“Prega-se o amor de uma religião (o cristianismo) no meio da conquista
irracional e violenta” (DUSSEL, 1993, p. 58), como aconteceu na América Latina, a
pregação da religião chamada “correta”, o cristianismo, é pregado também em todas
as outras colônias da Europa, e agora as dos Estados Unidos no Oriente Médio, sob
toda uma guerra contra o outro, como humano e sua cultura, contra suas raízes
familiares e tradições, e toda a pressão que há em uma guerra. Mas o alvo a ser
alcançado é o capitalismo e não o ser humano. Os nativos ainda são bombardeados
por uma tradição que não é a sua, e uma religião que é ditada como sendo a
correta, depois de toda sua vida conhecer como verdade somente a sua.
(...) Deus é a última justificação de uma ação pretensamente secular ou secularizada da modernidade. Depois de “descoberto” o espaço (como geografia), e “conquistados” os corpos, diria Foucault (como geopolítica), era necessário agora controlar o imaginário a partir de uma nova compreensão religiosa do mundo da vida (DUSSEL, 1993, p. 59).
O problema, portanto, não está na religião em si, mas no uso que atores
sociais concretos e históricos fizeram dela:
A partir desta perspectiva, conclui-se que não é a religião que modela as ações humanas, mas o inverso: o homem, por meio de suas escolhas, interpreta e dá sentido ao texto religioso. Qualquer que seja a orientação religiosa, há sempre espaço para interpretações que justifiquem o assassinato e o cometimento de crimes, e a escolha destas possibilidades é sempre uma ação política consciente (HALLIDAY apud MORAES; NASSER; SOUZA, 2014, p. 81).
Isto contudo, não diminui a importância do fator religioso. Pois, para se ter
uma conquista plena, não é necessário somente obter o poderio do território e das
fronteiras, mas também do imaginário do nativo. É necessário mudar a vida e o
pensamento que este tem, para poder ter um controle seguro da população.
68
Assim, a vida e os costumes do nativo são sempre vistos como pagãos e
demoníacos, devendo ser totalmente negados. E a religião do europeu
(cristianismo), passa a ser divinizada e colocada como superior à do nativo, devendo
ser esta ensinada para o mesmo.
(...) nenhum “encontro” pôde ser realizado, pois havia um total desprezo pelos ritos, deuses, mitos, crenças indígenas. Tudo foi apagado (...) no claro-escuro das práticas cotidianas, iniciava-se uma religião sincrética que a mais pura Inquisição (quando houve) não pôde evitar; mas esta não foi a intenção dos missionários, nem dos europeus, mas foi o produto da criatividade popular (...) (DUSSEL, 1993, p. 65).
A Europa ocidental nunca foi a centralidade do mundo, mas sim a Europa
oriental e os muçulmanos e suas conquistas. A Europa ocidental passa a ser a
grande colonizadora somente a partir de 1492, quando inicia as conquistas das
Américas. A diferenciação de uma Europa e outra na história, é a prova de que uma
potência emerge, escondendo o outro que um dia foi, tornando-o periférico, assim
como os conquistados e descobertos/cobertos da América.
Os países coloniais, após a sua independência política, passaram a ser
governados por elites que exercem o poder em benefício sempre da metrópole
estrangeira, nunca explicitamente, mas através de vieses onde é escolhido um
dominador para atuar nesses países para pregar o certo ou errado.
Ontem e hoje, a Europa exerceu papel político nas questões dos governos
dos países colonizados, e agora também os EUA. Estes utilizam-se das mesmas
estratégias, para que uns sempre exerçam poder sobre outros, onde os governantes
governem para outros que não são sua população. Os governantes mandam –
obedecendo a outros - alcançando objetivos para outros. É o capitalismo
feitichizado, do qual fala Dussel (2009), para o fortalecimento da grande potência,
sendo ela econômica, cultural e religiosa. Ela, a potência, está sempre superior aos
outros países.
Assim, a política corrente no mundo governa para um determinado grupo
que necessita de poder. E ainda hoje, em suas colonizações, subjuga o outro, sua
cultura e sua religião, para alcançar espaço nesse território, para objetivos
econômicos, e as conseguem mais facilmente com a guerra, e a depreciação da
cultura e religião do outro. Exatamente o que acontece na Palestina, no Oriente
Médio e no Islã.
69
2.4. EM SÍNTESE
Neste capítulo, através do conceito de Orientalismo de Edward Said,
debatemos o preconceito contra o palestino e o muçulmano, e tentamos, a partir
disso identificar a permissão da colonização da Palestina. A colonização está
baseada numa premissa eivada de preconceitos que, até certo ponto, pressupõe
uma suposta inferioridade cultural árabe. Isto possibilitou a tomada de terras pelos
judeus e a expropriação dos palestinos que acontece até hoje.
70
CAPÍTULO 3. CONFLITO ENTRE ISRAEL E PALESTINA NO PROTESTANTISMO
CONSERVADOR E FUNDAMENTALISMOS
Neste terceiro capítulo iremos debater as profecias bíblicas cristãs quanto ao
Estado de Israel. Principalmente como estas são lidas pelo protestantismo
fundamentalista, através da leitura dispensacionalista da história. Interessa-nos
demonstrar como o conflito entre Israel e Palestina repercute neste meio
protestante. Pretendemos com isto estreitar o foco da temática para problematizar
um dos eixos de repercussão do conflito entre Israel e Palestina no protestantismo
conservador.
Sionismo cristão e fundamentalismo são ideologias que andam de mãos
dadas e são uma referência entre os protestantes para se referir aos palestinos, que
são julgados por suas crenças. Os palestinos, não sendo cristãos ou judeus,
acabam estigmatizados e excluídos, muitas vezes até tornados culpados por apenas
existirem e viverem em uma região que séculos atrás, supostamente, foi prometida
aos judeus e por viverem numa terra em que viveu Jesus.
Pelo cristianismo e o judaísmo serem, neste contexto histórico concreto, a
religião do colonizador, e por isso se tornar a verdade mundial, a região árabe acaba
por “pertencer” ao Ocidente, e todo aquele que professa outra religião acaba por ser
excluído: “O sionismo é o progresso e a modernidade; o islamismo e os árabes são
o oposto. (...) não podemos deixar de ver certa condescendência no sectarismo (...)”.
(SAID, 2012b, p. 36).
Não se trata de julgar os cristãos e suas teorias, nem mesmo os judeus, mas
deve-se procurar entender melhor a visão cristã quanto ao conflito israelo-
palestinense. Fundamentalmente isto implica em perguntar até que ponto é aceito o
pressuposto de que existem culturas inferiores e superiores, o que legitimaria a
aceitação de relações hierarquizadas entre as mesmas. Restrito ao campo religioso,
isto pressupõe que alguns têm a salvação que os cristãos acreditam, enquanto
outras religiões seriam apenas objeto da missão cristã, como condição para que não
sejam excluídos do paraíso.
O Estado de Israel já é um país de fato. Não se trata de excluir os
israelenses, mas de credibilizar os palestinos e dar-lhes o direito da construção de
seu país e de legitimidade de sua cultura.
71
Assim, será analisado aqui o conflito através dos olhares escatológicos
cristãos, principalmente pelo dispensacionalismo, que interpreta as profecias dos
últimos dias pelo método alegórico-literalista, e pelo amilenismo, que acredita que o
Israel prometido por Deus é espiritual (SCHALY,1987). Com isto, é possível
entender melhor a situação de tantos protestantes que defendem Israel e esquecem-
se dos palestinos.
Será demonstrado o conceito das dispensações, o que, segundo o
dispensacionalismo, estariam ligadas às profecias bíblicas que legitimariam a
colonização de Israel, comparando esta interpretação da história com o amilenismo.
Em seguida será analisado até que ponto a vertente dispensacionalista pode
legitimar o fundamentalismo político, a ponto de justificar a guerra ente judeus,
mulçumanos e cristãos.
3.1. O DISPENSACIONALISMO versus O AMILENISMO E A QUESTÃO
PALESTINA
O pré-milenismo dispensacionalista é também chamado de Futurista ou
Literalista. Pré-milenismo, porque esperam a volta de Cristo, para estabelecer o
Milênio antes do fim dos séculos, conceito segundo o qual o retorno de Jesus seria
pré-milenista, ou seja, antes do milênio. É também dispensacionalista, porque esse
milênio é a última dispensação de sete, em que os seguidores dessa teoria
acreditam. Estas dispensações:
(...) são 1° o homem em inocência; 2° o homem sob consciência; 3° o homem em autoridade sobre a terra; 4° o homem sob a promessa; 5° o homem sob a lei; 6° o homem sob a graça; 7° o homem sob o reino pessoal de Cristo (SCHALY,1987, pp. 11-12).
De acordo com esse sistema, as profecias do Antigo Testamento são
proferidas apenas para o povo de Israel, ignorando a Igreja Cristã. Os
dispensacionalistas acreditam que a Igreja teria apenas uma participação
secundária, pois ela não seria necessária para o plano de Deus frente à
humanidade, mas ela apenas seria um mistério indefinido, inserida por conta da
rejeição dos judeus a Jesus. Deus teria introduzido assim, a Dispensação da Graça,
que incluiria os gentios, cuja salvação não se encontra como profecia ou promessa
em nenhum texto do Velho Testamento (SCHALY,1987).
72
Esse sistema de interpretação hoje está presente em quase todas as
denominações protestantes. E é responsável por vários problemas sociais, como
preconceitos contra a educação teológica clássica, contra a educação laica
(principalmente no que se refere à teoria da evolução das espécies, que na visão
dispensacionalista deve ser abolida das escolas, e trazendo em seu lugar, um
ensino religioso cristão); e são a favor da construção do Estado de Israel, tendo este
um papel principal no que concerne aos últimos dias (SANTOS, 2014).
Autores dispensacionalistas como Hal Lindsey (1973), dizem que há quatro
esferas de poder político que estão envolvidos para o renascimento do Estado de
Israel. Cada uma dessas esferas são fatores importantes para a guerra final, o
Armagedon, que ocorrerá com a invasão de Israel por potências mundiais.
O primeiro momento que os cristãos acreditam ser um sinal aos
acontecimentos hoje em Israel, foi a invasão babilônica e a primeira destruição e
escravidão dos judeus.
Em uma segunda vez Israel foi destruída como nação, por rejeitarem seu
Deus quando Roma adentrou em suas terras e expulsou os judeus da região, onde
os sobreviventes foram espalhados pelo mundo (LINDSEY, 1973).
Segundo os dispensacionalistas, a ocupação romana da Palestina estava
profetizada em Deuteronômio 28:64-685.
O Senhor vos espalhará entre todos os povos, de uma até à outra extremidade da terra. Servirás ali a outros deuses que não conhecestes, nem tu nem teus pais; servirás ao pau e à pedra. Nem ainda entre estas nações descansarás, nem a planta de teu pé terá repouso; porquanto o Senhor ali dará coração tremente, olhos mortiços e desmaio de alma. A tua vida estará suspensa como por um fio diante de ti; terás pavor de noite e de dia, e não crerás na tua vida. Pela manhã dirás: Ah! Quem me dera ver a noite! E à noitinha dirás: Ah! Quem me dera ver a manhã! Pelo pavor que sentirás no coração e pelo espetáculo que terás diante dos olhos. O Senhor te fará voltar ao Egito em navios, pelo caminho de que te disse: Nunca jamais o verás; sereis ali oferecidos para venda como escravos aos vossos inimigos, mas não haverá quem vos compre.
Nesse mesmo raciocínio, a visão dispensacionalista, acredita que o Israel
físico e político ainda tem um papel principal dentro dos propósitos de Deus. No qual
5 Todas a citações da bíblia são da seguinte edição: BÍBLIA. Português. A Bíblia
Anotada. Tradução: João Ferreira de Almeida. ed. Revista e atualizada. São Paulo: Mundo
Cristão, 1994.
73
os objetivos de Deus para com a humanidade estariam divididos entre judeus e
gentios (Igreja Cristã).
O amilenismo, por sua vez, enxerga e defende a ideia de que Deus tem um
projeto para todos que habitam a terra, independente de raça ou nação. Com a
primeira vinda de Cristo, Ele mesmo teria vindo para salvar não somente os judeus,
mas agora salvar também os gentios, e dessa forma as promessas para Israel
estariam no plano espiritual6. Nesse plano espiritual as promessas de Deus aos
judeus seriam alcançadas também pela Igreja. Gentios e judeus deveriam se
converter a Jesus para alcançar essas promessas, isto é, as ações perpetradas por
Israel contra os palestinos e muçulmanos não seriam vontade de Deus.
Um dos objetivos religiosos principais dos judeus seria reconstruir o Templo
de Jerusalém, para que o Messias que eles esperam volte, e cumpra as profecias da
Torá (Antigo Testamento).
(...) o território prometido aos judeus está muito além do que aquele atualmente sob o controle do Estado de Israel. O território profetizado abrange países do Oriente Médio e mesmo que a sua conquista seja esperada para o Milênio, tal crença num Grande Israel serve para legitimar e justificar não somente a criação do próprio Estado, mas também a expansão que ele executou a partir da Guerra dos Seis Dias, em 1967. (...) isso pode incluir toda a península arábica. Diante disso, uma primeira conclusão que podemos elaborar é que a escatologia pré-milenista (...) proporciona uma base ideológica para o apoio nítido da denominação aos projetos que dizem respeito à existência, consolidação e expansão do Estado de Israel (FERREIRA, 2013, p. 07).
O templo de Jerusalém haveria de ser construído, e as leis judaicas teriam
de estar em vigor. Neste contexto os dispensacionalistas citam Mateus 24:15:
“Quando, pois, virdes o abominável da desolação de que falou o profeta Daniel, no
lugar santo (quem lê, entenda)”. Lindsey (1973) ainda cita a parábola da figueira
como um sinal de que o Estado de Israel estaria renascendo novamente, e
premeditando a volta de Cristo. Esse sinal mostraria que Jesus estaria às portas
(Mateus 24:32-33).
Aprendei, pois, a parábola da figueira: quando já os seus ramos se renovam e as folhas brotam, sabeis que está próximo o verão. Assim
6 JUNIOR, Heber Carlos de Campos. LIMA, Leandro. Escatologia – O fim do mundo, a
volta de Cristo, o milênio e o arrebatamento. Tv Mackenzie, São Paulo, 25 jun. 2014.
Entrevista concedida a Dr. Augustus Nicodemus Lopes. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=wu4mH3yOprY. Acesso em 08/01/2016.
74
também vós: quando virdes todas estas cousas, sabei que está próximo, às portas.
Os amilenistas, ao contrário, admitem que os judeus reconstruam o Templo
em Jerusalém, o sacerdócio e os sacrifícios, mas isso não será inspirado por Deus.
Uma das passagens bíblicas elencadas para sustentar esta linha de raciocínio
encontramos em João 4: 21-23:
Disse-lhe Jesus: Mulher, podes crer-me, que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis, nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora, e já chegou, quando os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores.
Vê-se, pois, que segundo os amilenistas, após a primeira vinda de Cristo,
para os cristãos, todos os lugares se tornaram sagrados para Deus. A adoração
passou a vir de todos os lugares, não somente de um, como no Antigo Testamento e
como creem os judeus. Todos os dias se tornaram santificados e todos passaram a
ter acesso direto a Deus, não havendo lógica na restauração do Templo, dos
sacrifícios e costumes mosaicos.
Os amilenistas também consideram incoerente esperar que Deus vá
restaurar o Templo do Sacerdócio e dos sacrifícios, depois de ter enviado Jesus
Cristo como sumo sacerdote (SCHALY,1987), ver Hebreus 7; 8:67; 9:118;
Se o Israel atual conseguir restaurar o Templo e todo o cerimonial mosaico, que Cristo aboliu e Deus permitiu que fosse destruído e impedido há quase dois mil anos atrás, isto certamente não terá a aprovação de Deus, e não poderá ser um segundo cumprimento do que já se cumpriu, e está ultrapassado, conforme consta em Heb. 8:13: „Dizendo: Novo pacto, ele tornou antiquado o primeiro. E o que se torna antiquado e envelhece, perto está de desaparecer.‟ (SCHALY,1987, p. 77).
De modo geral os amilenistas defendem a ideia de que não há nenhuma
promessa na Bíblia que se refira à restauração de Israel, e que tenha sido escrita
após a restauração babilônica.
Se os israelenses reconstruírem o Templo novamente (um povo que ainda
não aceita a Cristo como Messias), esta ação serviria somente para que um falso
Messias se apoderasse deste Templo e reinasse no Mundo. Pois para Cristo não
7 “Agora, com efeito, obteve Jesus ministério tanto mais excelente, quanto é ele
também mediador de superior aliança instituída com base em superiores promessas.” 8 “Quando, porém, veio Cristo como sumo sacerdote dos bens já realizados, mediante
o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação”.
75
teria nenhuma serventia, já que Ele mesmo aboliu todo sacerdócio e sacrifícios em
sua primeira vinda.
A reconstrução do antigo Templo seria o último acontecimento para que as
profecias proferidas sobre Israel sejam concretizadas. E o único lugar que isso
poderia ocorrer seria no segundo lugar santíssimo para a fé Islâmica, o Domo da
Rocha:
Para los fundamentalistas cristianos el tiempo de espera se acaba, lo cual vuelve necesario destruir el segundo recinto sagrado del Islam: La cúpula de la Roca (donde Abraham ofreció a su hijo en sacrificio) en donde se ubicaba el Templo de Salomón y la mezquita de Al-Aqsa (donde según los musulmanes, el profeta Muhammad ascendió a los cielos), con el fin de construir (o según ellos reconstruir) el Tercer Templo de Jerusalén. Una vez reconstruido el templo se producirá el advenimiento, el Mesías descenderá de los cielos a la tierra ofreciendo la redención para todos los verdaderos creyentes, quienes serán liberados de sus ropas y ascenderán al cielo junto al Mesías, en un evento llamado “El rapto” y se sentarán junto a Jesús en el cielo alcanzando el éxtasis (RIESGO, 2003, p. 07).
Assim, a construção do terceiro templo judeu sobre as ruínas da mesquita
de Al-Aqsa seria o tempo que desencadearia as catástrofes profetizadas por Daniel,
no capítulo 9:27,
Ele fará firme aliança com muitos por uma semana; na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares; sobre a asa das abominações virá o assolador, até que a destruição, que está determinada, se derrame sobre ele.
Dentro do sistema escatológico dispensacionalista, essa passagem de
Daniel alude ao soberano que se levantará e fará aliança com o povo judeu. No
tempo presente ele será um estadista romano, que se levantará contra tudo que se
chama Deus, ou seja, objeto de culto, e se assentará no santuário de Deus se
dizendo ser o próprio Deus (II Tessalonicenses 2:4). Seria este o Anticristo que
quebraria, no futuro, a aliança feita com o povo judeu e suspenderia o culto no
templo reconstruído (ver também Daniel 9:27).
Para os amilenistas, ao contrário, a menção à restauração de Israel estaria
relacionada à restauração após o cativeiro babilônico, que começou em 536 a.C., e
só se estabeleceu uma restauração em 446 a.C., levando aproximadamente 90 anos
para se concretizar (SCHALY,1987).
Os profetas do Antigo Testamento, tanto os do Reino do Norte (Israel) como
os de Judá, profetizaram antes ou durante o período de restauração de Judá e após
76
o cativeiro babilônico. Sendo assim, as profecias de restauração de Israel
consumaram-se posteriormente ao ministério de todos os profetas do Velho
Testamento, exceto o de Malaquias, que também nada menciona sobre
restaurações posteriores. Portanto não deve se falar de uma restauração imediata
de Israel, que já se cumpriu no passado (SCHALY,1987).
As profecias bíblicas de guerra que estão em Ezequiel e Daniel, que os
dispensacionalistas interpretam como as que deveriam acontecer após o
arrebatamento da Igreja e antes do retorno de Jesus, ou nos fins dos tempos, são
profecias dadas quatrocentos anos antes da primeira vinda de Cristo: “Ezequiel e
Daniel viveram na Babilônia, e profetizaram entre 600 a 530 a.C., e o conflito entre
os judeus e Antíoco Epifânio tomou lugar entre 175 a 164 a.C.” (SCHALY,1987, p.
79). Estas são interpretações amilenistas que contrastam com as
dispensacionalistas.
3.1.1. Sionismo Cristão e o Legado do Dispensacionalismo
Uma outra vertente do protestantismo cuja ideologia religiosa no conflito
entre Israel e Palestina é central, são os cristãos sionistas. Segundo eles, as
profecias bélicas falam de nações que viriam contra o Estado de Israel. São citadas
especialmente três profecias sobre o poderio político do Reino do Norte (Israel):
Ezequiel 38; 39; Daniel 11:40-45 e Joel 2:20. Estas profecias mostram quem será a
nação líder e as nações aliadas contra Israel nos últimos tempos.
Assim, as guerras acontecidas de 1948 em diante, as destruições e as
catástrofes dessa região, viriam sobre Israel para compelir o povo judeu a crer no
verdadeiro Messias (Ezequiel 38 e 39). Contudo, como já vimos acima, segundo os
amilenistas, essas profecias já foram cumpridas (SCHALY,1987).
O tempo de cumprimento da profecia, interpretada pelo olhar
dispensacionalista, pode ser encontrado em Ezequiel, e se caracteriza por eventos
que eles definem como restauradores: 1º) os “últimos dias”, mencionado no Antigo
Testamento, referem-se à restauração nacional de Israel e de sua redenção
espiritual (LINDSEY, 1973); 2º) a restauração acontecerá plenamente depois da
desolação de Israel; 3º) é o tempo que o povo judeu voltaria do exílio (Ezequiel 37);
4º) a restauração de Israel desencadeia a hostilidade que dará lugar ao julgamento
que virá sobre todas as nações “(...) e ao regresso do Messias para estabelecer o
77
Reino de Deus.” (LINDSEY, 1973, p. 48). Segundo os dispensacionalistas, todas
essas profecias estariam se cumprindo no tempo presente e futuramente.
Quando essas profecias estivessem se cumprindo haveria apostasia
religiosa, guerras, terremotos, fome, que ao decorrer do tempo cresceriam com
intensidade e o povo judeu estaria na Palestina quando Ele (Jesus para os Cristãos
e o Messias para os judeus) voltar/vier. Para tais afirmações, os dispensacionalistas
se respaldam em passagens bíblicas como as de Mateus 24:16: “então, os que
estiverem na Judéia fujam para os montes;”.
Já os amilenistas defendem que não se pode interpretar essa profecia de
que nos últimos tempos haveria apostasia, guerras e terremotos ao pé da letra, pois
não seria saudável, ligar todo acontecimento do mundo social e natural à chegada
do fim dos tempos9.
3.1.2. Israel Terreno ou Israel Espiritual?
Os dispensacionalistas acreditam que o Reino dos Céus é só para os
judeus. O Reino de Deus é para os anjos e os santos, que já morreram outrora e os
do presente. O Reino dos Céus (Milênio) será um Império Mundial Judaico, com
sede em Jerusalém, onde Jesus dominará o mundo ajudado pelos judeus. Ou
melhor, o Reino de Deus não seria somente um, mas três. E a manutenção de Israel
seria essencial para o cumprimento das promessas, e por isso mesmo há essa
defesa tão tenaz de Israel por parte destes cristãos em todo o mundo.
Nesta linha de pensamento, a construção do Estado de Israel e a migração
de judeus à “Terra Prometida”, seria a ação do Espírito Santo entre o povo judeu,
para iniciar o Reino Milenar. Por isso os dispensacionalistas são contra missões
entre judeus em Israel, pois eles creem que o Espírito Santo já está fazendo esse
papel. Os dispensacionalistas acreditam assim que Deus mantém “(...) dois povos
escolhidos e dois planos de salvação” (SCHALY,1987, p. 17).
Os amilenistas respaldam seus argumentos em passagens bíblicas como as
de Gálatas 3:27-30: “Porque todos quantos fostes batizados em Cristo vos
9 JUNIOR, Heber Carlos de Campos. LIMA, Leandro. Escatologia – O fim do mundo, a
volta de Cristo, o milênio e o arrebatamento. Tv Mackenzie, São Paulo, 25 jun. 2014.
Entrevista concedida a Dr. Augustus Nicodemus Lopes. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=wu4mH3yOprY. Acesso em 08/01/2016.
78
revestistes de Cristo. Não há judeu nem grego... porque todos vós sois um em Cristo
Jesus. E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão e herdeiros
conforme a promessa” , sendo o “(...) Senhor de todos.” (Romanos 10:12).
Portanto, quando Paulo diz “E assim todo o Israel será salvo”, refere-se ao verdadeiro Israel, espiritual, composto dos verdadeiros cristãos, tanto de procedência gentia como judaica. Este Israel sim será todo salvo, porque Jesus diz: “Eu lhes dou a vida eterna, e jamais perecerão; e ninguém as arrebatará da minha mão” (João 10:28) (SCHALY,1987, p. 23).
Segundo os amilenistas, isto não significa que Deus despreza a partir de
então os judeus, mas que agora ama igualmente toda a Humanidade, e não tem
mais preferência em uma raça. Não se preocupa mais quanto à formação de um
reino, coletivamente, mas se importa por cada ser vivente entre os povos
(SCHALY,1987). Todos aqueles que são crentes convertidos, sendo eles judeus ou
gentios são o povo de Deus. Uma passagem bíblica usada para justificar esta ideia,
se encontra em I Pedro 2:9-10:
Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; Vós, sim, que antes não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus; que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes, misericórdia.
Contudo, neste ponto os amilenistas ancoram uma crítica à religião judaica,
pois, até hoje há inimizades e conflitos entre o povo judeu e outros povos, pois para
os judeus ainda há a separação entre o povo escolhido (judeu) e os gentios. Mas,
essa ideia teria sido colocada por terra com a volta de Cristo, a inimizade teria sido
removida, mas: “(...) para o judeu praticante, Deus ainda faz acepção de pessoas‟.”
(SCHALY,1987. p. 24).
Os judeus só não desapareceram porque o judeu praticante, ainda por convicções religiosas arcaicas, continua racista, e por isso é inassimilável por outros povos. Esta é razão principal dos seus problemas internacionais, onde quer que se encontrem, e agora, também, no Estado de Israel. (SCHALY,1987, pp. 24-25).
Desta forma podemos ver como ainda há um rechaço contra o outro, e
contra outras religiões que não a judaica.
De qualquer forma, Israel, para os amilenistas é algo espiritual. Um reino
que jamais seria destruído, como disse Jesus a Pilatos “O meu reino não é daqui”
(João 18:36) (SCHALY,1987). É um reino do céu que está sendo operado neste
79
mundo, e segundo o qual seus filhos ainda estariam neste mundo, mas seriam
estrangeiros aqui, porque os cristãos não seriam daqui. Este seria o mesmo reino
que João Batista pregava em Mateus 3:2: “Arrependei-vos, porque está próximo o
reino dos céus”. Segundo os amilenistas, se João Batista estivesse pregando um
reino político, como os dispensacionalistas acreditam, não haveria porque ele pregar
o batismo do Espírito Santo e do fogo, conforme Mateus 3:11: “Eu vos batizo com
água, para arrependimento; mas aquele que vem depois de mim é mais poderoso do
que eu, cujas sandálias não sou digno de levar. Ele vos batizará com o Espírito
Santo e com fogo”.
Os amilenistas ainda argumentam que muitos, na época de Jesus,
acreditavam que Ele iria promover uma revolta, derrotar os inimigos e governar
Israel com mão forte, mas quando os discípulos de João lhe perguntaram:
(...) „És tu aquele que havia de vir, ou havemos de esperar outro?‟, Jesus respondeu: “Ide contar a João as coisas que ouvis e vedes: os cegos veem, e os coxos andam; os leprosos são purificados, e os surdos ouvem; os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o evangelho‟ (Mat. 11:2-5) (SCHALY,1987, p. 58).
Argumentam também os pré-milenistas que a acusação dos sacerdotes e
anciãos contra Jesus era principalmente que este estava proclamando-se rei dos
judeus. Pilatos, após examinar as acusações, entendeu “(...) que o reino que Jesus
falava era algo bem diverso dum reino político, e, portanto, disse: „Não acho culpa
alguma neste homem‟ (Luc. 23:4).” (SCHALY,1987, p. 59).
Consequentemente, concluem que se atentamos a interpretação
dispensacionalista dizendo que Jesus veio estabelecer o Reino dos Céus, sendo
este um reino visível e terreno, ou seja, político, o objetivo a ser alcançado por Cristo
teria sido frustrado,
(...) porque os judeus o rejeitaram, agora quando uma multidão de cinco mil homens quisera fazê-lo rei e ele o rejeitou! Agora perguntamos nós: Quem foi que rejeitou este reino visível? Os judeus que queriam fazê-lo rei, ou Jesus que não visava tal reinado? (SCHALY,1987, p. 60).
Nesse reino, segundo os amilenistas, se alguém quisesse falar com Jesus
em Jerusalém, teriam que entrar na fila. Este seria um Jesus rei em Jerusalém,
como creem os dispensacionalistas.
Assim, os amilenistas concluem que o Reino de Deus não é deste mundo,
mas que já estão presentes nele. Para isto se apoiam em textos como os de Lucas
80
17:21: “Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro em
vós.” e Mateus 6:33: “buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e
todas estas cousas vos serão acrescentadas”. Segundo os amilenistas, passagens
bíblicas como estas, denotam que o reino de Deus já é presente e terá sua
consumação com a volta de Cristo, que entregará o reino a Deus com os poderes
deste mundo e suas iniquidades destruídas, e reinará depois que colocar todos seus
inimigos debaixo de seus pés, sendo o último inimigo: a morte (ver I Coríntios 15:24-
27).
3.1.3. Apontamentos Sobre Dispensacionalistas e Amilenistas e a Questão Palestina
Os dispensacionalistas, ao contrário dos amilenistas, lutam por uma leitura
da Bíblia, na qual, se parece relativizar o poder de Deus e de Jesus Cristo,
colocando esse poder nas mãos dos judeus, como se estes estivessem acima de
tudo e de todos. Na prática, esta forma de ler a Bíblia dá a carta de autorização para
o assassinato de inocentes e o roubo de terras e casas dos palestinos, que
acontecem diariamente no Estado de Israel.
Neste sentido, a leitura amilenista é menos agressiva que aquela dos
dispensacionalistas, na medida em que acusam os dispensacionalistas de não se
lembrarem que o livre arbítrio doado aos pecadores, fez com que boa parte dos
judeus não aceitasse Jesus como Messias, e este fosse morto na cruz para salvar
judeus e gentios, para se disponibilizar uma nova chance. Segundo os amilenistas,
esta nova chance agora não é só para os judeus, mas também para os gentios. A
partir daí até mesmo os palestinos que tanto são perseguidos pelo Estado de Israel
com o aval cristão, receberão a oportunidade da salvação (no cristianismo).
Contudo, há que se notar, que também a hermenêutica bíblica amilenista é
literal e excludente, se não em relação às culturas, em relação a outras religiões.
Assim, Deus incluiria a partir da prevista negação dos judeus a Cristo, os gentios em
sua nação santa, e não somente os judeus.
As profecias sobre Israel, conforme os amilenistas, já ocorreram. Temos
profetas de gerações anteriores aos anos 400 a. C., que previram a grande
tribulação que os judeus iriam sofrer, e por isso mesmo, profetizaram que estes iriam
ultrapassar a realidade humana, e iriam se revigorar novamente. Assim como
81
indicado no texto dos livros de Daniel, Ezequiel e do apócrifo Macabeus
(SCHALY,1987).
Ou seja, as promessas de Deus a Israel já foram cumpridas, e o que
acontece hoje naquela região não é da vontade de Deus, mas do Anticristo ou
mesmo, essa teoria religiosa pode ser usada para alcances políticos e econômicos
das nações ditas capitalistas.
3.2. SIONISMO CRISTÃO COMO SUB-CATEGORIA DO FUNDAMENTALISMO
CRISTÃO
O fundamentalismo cristão está correlacionado aos ideais conservadores do
cristianismo, que leva ao pé da letra algumas diretrizes de vida dessa religião. Como
exemplo, podemos citar a não secularização ou modernização dos princípios
religiosos protestantes, além da crença dispensacionalista de que a Palestina
pertence aos judeus por promessa divina. Uma das consequências é a crença de
que os conflitos entre israelenses e palestinos expressam uma determinação divina,
cujo ponto de chegada seria a volta de Jesus Cristo e o estabelecimento do Milênio
de Paz na terra. Isto se liga automaticamente ao sionismo judaico, que dentro da
religião protestante, é identificado como Sionismo Cristão. Para entendermos melhor
essa correlação, vamos entender um pouco das raízes do fundamentalismo.
O fundamentalismo se manifestou através do protestantismo norte-
americano com os Pilgrims (da Holanda e da Inglaterra) expulsos em 1620, por
reivindicarem uma reforma no cristianismo. No final do século XIX, o
fundamentalismo ressurgiu em um grupo de pastores que fundamentam a fé
protestante em pontos principais e específicos, pontos fundamentais para a fé e
contra o liberalismo nos Estados Unidos (BOFF, 2009).
O fundamentalismo protestante ganhou mais força a partir de teólogos que
atuavam na Universidade de Princeton, onde interpretavam a Bíblia ao “(...) pé da
letra (para a fé protestante o fundamento de tudo é a Bíblia)” (BOFF, 2009, p. 11).
Estes teólogos se colocaram contra as interpretações da chamada Teologia Liberal,
que usa métodos interpretativos a partir de contextos históricos atuais. Para os
fundamentalistas ou sionistas cristãos isso é ofensivo a Deus, pois acreditam em
uma interpretação linear no qual o que aconteceu, ou ainda vai acontecer, está
previsto na Bíblia.
82
Christian Zionism is constructed upon a novel hermeneutic in which all scripture is generally interpreted in an ultra-literal sense; the prophetic parts of scripture are seen as pre-written history; and eschatologically are believed to find their fulfilment in the interpreter's generation (SIZER, 2002, p. 134).
Este fundamentalismo e consequentemente o Sionismo Cristão, está
presente em quase todas as denominações protestantes que se opõem aos
conhecimentos contemporâneos da História, Geografia e das Ciências. Estas teses
dos cristãos fundamentalistas e da Direita Política Cristã dos EUA, junto do sionismo
cristão são aspectos fundamentais do Fundamentalismo Religioso (GRANOI, 2008).
A “Direita Cristã” se opõe também à Teologia da Libertação, e a todo
movimento de emancipação que defenda a solidariedade e os direitos humanos. Os
fundamentalistas dizem que os adeptos da Teologia da Libertação e dos Direitos
Humanos estão ligados ao comunismo (teoria rechaçada pelos fundamentalistas), e
que estes “comunistas” estariam contra a paz mundial, por desejarem a paz no
agora e não no Reino Milenar de Jesus.
Assim, os fundamentalistas necessitam de conflitos, para que Jesus venha
implantar o reino de paz, então, aqueles que se opõem aos ideais fundamentalistas
protestantes ou ao Sionismo Cristão seriam contra os objetivos de Deus.
Y lo grave de este “fundamentalismo político” es que se convierte en „una metapolítica que, en nombre de una verdad absoluta desde arriba o desde dentro se atribuye el derecho de situarse por encima de las reglas de la democracia, del necesario relativismo político, del pluralismo, de la inviolabilidad de los derechos de otros, de las leyes de la tolerancia y de la capacidad de equivocarse‟ (RIESGO, 2003, p.14).
O que este fundamentalismo cultiva, é derivado da Teologia e
especificamente da escatologia (estudo dos últimos tempos) dispensacionalista,
vinda da escola Pré-milenista10. Em sua concepção, o dispensacionalismo pretende
inferir na história a relações de Deus com a Humanidade e, como vimos em tópicos
anteriores, divide toda a história em sete períodos ou dispensações. A última seria a
do Milênio, do reinado de Cristo com seus eleitos na terra.
Essa escatologia aguarda um final trágico e violento provocado por Deus,
em sua última dispensação, que seria a correção de Deus aos desvios da
10 Doutrina que acredita que a volta de Cristo acontecerá antes da Grande Tribulação e
do Milênio. E supõem que a Igreja não passará pela tribulação causada pela ira divina aqui
na terra. (ANDRADE, 2000. p. 242),
83
humanidade, mediante algumas ações do homem e dos anjos, o que já se teria
evidenciado em eventos considerados todos históricos, como a Queda, o Dilúvio e a
Crucificação de Cristo. Atualmente, eles acreditam que estamos vivendo na sexta ou
penúltima dispensação, que se encerrará com o estabelecimento do Milênio (reino
messiânico de mil anos) (GRANOI, 2008).
O mais interessante dessa concepção é a visão fatalista da história da
humanidade, que propicia a conivência da religião com interesses econômicos e
políticos. Assim, o dispensacionalismo defende o avanço capitalista, o que também
explica o seu ferrenho anticomunismo. Como já dito anteriormente, quanto pior vai o
mundo, tanto melhor para eles, pois estas indicações de que o mundo vai mal, com
guerras e conflitos, significa que Jesus está às portas, para implantar seu Milênio de
Paz. Esta Teologia Política tem saída para todas as interrogações, e assim pode cair
em um desatino que prega uma ideologia de ampla difusão e que vê a destruição do
mundo positivamente (RIESGO, 2003).
O fundamentalismo protestante hoje tem influência na política e na
educação, onde impõem suas “verdades” a coletividade, obrigando a toda a
sociedade (cristãos e não cristãos) a seguirem e viverem no que os
fundamentalistas acreditam, o que obviamente interfere na religião do outro,
invariavelmente considerada errada. Para os fundamentalistas há somente uma
verdade, a protestante, decorrendo assim a intolerância religiosa.
“A extraordinária difusão do fundamentalismo cristão é um fenômeno de
cultura de massas, não de cultura popular” (SANTOS, 2014. p. 76). Essa cultura
permeia o cotidiano das massas, é repetidamente noticiada nas mídias e
consequentemente nas igrejas. Os fundamentalistas são inflexíveis quanto à
sexualidade e acreditam na família tradicional. Julgam os que deles divergem de
forma violenta. Na economia são conservadores e na política defendem a ordem, a
segurança e a disciplina com rigor (BOFF, 2009). Todos esses ideais
fundamentalistas protestantes são frequentemente repercutidos pela mídia, trazendo
um debate acalorado entre religiosos e laicistas.
Não devemos generalizar a todos os fundamentalistas, pois nem todo
protestante que seja conservador é fundamentalista. Há aqueles que não
apresentam uma postura bibliscista, são somente conservadores, creem que “(...)
suas sentenças devem ser julgadas a partir de Cristo” (BOFF, 2009, p. 14), não
somente na interpretação da Palavra, a Bíblia.
84
O fundamentalismo, em termos gerais, pode legitimar “a guerra santa”, cair
no “fanatismo” e impor sua fé. Pode estar relacionado tanto à insegurança do fiel,
quanto pode defender ou ser o caminho para conquista do poder e do controle social
(RIESGO, 2003).
Para entendermos esse fundamentalismo dentro do cenário do conflito
israelo-palestinense, podemos ver a grande contrariedade dos fundamentalistas
cristãos ao povo árabe e à religião muçulmana. Neste contexto eles promovem a
intolerância xenófoba e consequentemente a violência contra os palestinos,
privilegiando os judeus e israelenses, reforçando a hostilidade entre os dois lados
envolvidos no conflito.
O papel que os cristãos fundamentalistas acreditam que têm nesse conflito é
o de libertar a Terra Santa das mãos dos infiéis. Neste cenário os canaanitas das
terras bíblicas, agora seriam representados pelos palestinos. A libertação da Terra
Santa seria uma preparação para a chegada da última hora para os cristãos
sionistas (GRANOI, 2008).
Os fundamentalistas protestantes, principalmente os dos EUA, creem
pertencer a um outro povo escolhido de Deus, além dos judeus, que tem por objetivo
levar a democracia liberal a todo mundo, incluindo as nações que não o desejam.
Consequentemente defendem a “única democracia do Oriente Médio” – o Estado de
Israel - e sustentam que este Estado renasceu para cumprir as profecias bíblicas
(GRANOI, 2008). Assim, para os cristãos sionistas há uma conexão religiosa
fundamental entre Israel e os Estados Unidos da América:
For Christian Zionist such as Jerry Falwell and Mike Evans, America is seen as the great redeemer, her super-power role in the world predicted in scripture and providentially ordained. The two nations of America and Israel are like Siamese twins, linked not only by common self interest but more significantly by similar religious foundations (SIZER, 2002, p. 280).
Além de lutarem por uma limpeza étnica da Palestina para o acesso livre do
povo judeu, o que, segundo eles, cumpriria as profecias da Bíblia, os
fundamentalistas ainda lutam por uma redenção de todo o Oriente Médio, para que
possam alcançar a expansão das fronteiras israelenses condizentes com as do
Antigo Testamento, o que na prática implicaria na conservação e na expansão das
atuais fronteiras do Estado Sionista, como condição necessária para assegurar a
segunda vinda de Jesus e o Apocalipse (GRANOI, 2008).
85
Dentro do movimento fundamentalista aqueles que apoiam estas ideias são
chamados cristãos sionistas:
(...) At its simplest, Christian Zionism is a political form of Philo-Semitism, and can be defined as „Christian support for Zionism‟. Walter Riggans interprets the term in an overtly political sense as, „any Christian who supports the Zionist aim of the sovereign State of Israel, its army, government, education etc., but it can describe a Christian who claims to support the State of Israel for any reason. (…) is correct to observe that Christian Zionists essentially support what was predominantly a secular and political movement, increasingly Christian Zionists are now identifying with the religious elements which dominate the Zionist agenda (…). (SIZER, 2002, p. 06).
Consequentemente, os cristãos sionistas mantém relações hostis com os
cristãos palestinos, devido a sua oposição a toda negociação com eles. Acreditam
que todo território bíblico corresponderá futuramente a Israel, “El fundamentalismo
cristiano es piel de cordero, debajo la cual se esconde el lobo imperialista, sediento
de petróleo” (GRANOI, 2008, p. 02).
A Guerra dos Seis Dias, que possibilitou o controle de Israel ao Muro das
Lamentações, validou para os sionistas a aliança com Deus e o caráter exclusivista
da visão dos israelenses judeus sionistas como “Povo Eleito”. “Confirmou” a
condição de um povo superior, escolhido de Deus, perante qualquer outra raça, e
também justificou a política racista e segregacionista atuante no Estado de Israel. É
esta condição que permite através do Sionismo a derrubada das casas palestinas, a
intolerância religiosa e racial contra a população autóctone (GRANOI, 2008).
A condição prévia do sacrifício apocalíptico para os protestantes
fundamentalistas é a reconstrução do Templo de Jerusalém, que seria o último sinal
do fim dos tempos, junto do renascimento de Israel e a volta dos judeus à Terra
Santa. Para os fundamentalistas cristãos o tempo de espera quanto à construção do
templo está se findando (GRANOI, 2008).
A construção do Templo está prevista desde o princípio da colonização de
Israel, na cidade velha de Jerusalém, onde se encontra o Domo da Rocha, Mesquita
muçulmana. Neste local supostamente se situou também o Templo de Salomão.
Assim, o objetivo judeu é reconstruir o Templo do Sacrifício, para concretização das
profecias da Torá. Já para os cristãos sionistas significaria a concretização das
profecias do Antigo Testamento e a consumação dos séculos. Sizer explica isso
melhor:
86
(...) who controls Jerusalem, controls the land of Israel. This paradigm may be illustrated by way of three concentric rings. The land represents the outer ring, Jerusalem the middle ring and the Temple is the centre ring. The three rings comprise the Zionist agenda by which the Land was claimed in 1948, the Old City of Jerusalem was occupied in 1967 and the Temple site is being contested. For the religious Zionist, Jewish or Christian, the three are inextricably linked. The Christian Zionist vision therefore is to work to see all three under exclusive Jewish control since this will lead to blessing for the entire world as nations recognise and respond to what God is seen to be doing in and through Israel (SIZER, 2002, p. 09)
3.3. SIONISMO CRISTÃO E O EVANGELHO DE CRISTO
O Terceiro Congresso Internacional Cristão Sionista realizou-se em 1996. A
reunião decidiu que o Sionismo Cristão seria o Sionismo Bíblico, pois Deus deu a
terra de Israel ao povo judeu e o Messias (que para os cristãos é Jesus), que
prometeu voltar a Jerusalém, a qual deve permanecer unida e firme na posição em
que está (GRANOI, 2008).
Mas os sionistas cristãos esquecem o legado que Jesus deixou para o
mundo, que são encontrados no Salmo 37:11: “Mas os mansos herdarão a terra, e
se deleitarão na abundância de paz.”; Mateus 5:5 “Bem-aventurado os mansos,
porque herdarão a terra.”; E o que ocorre em Israel é completamente diferente do
que Jesus pregou. Isto posto, judeus e cristão estão indo contra os ensinamentos de
Jesus. Mesmo quando trazemos o Antigo Testamento para esse debate, conforme
Sizer (2002) a opressão e a violência sempre foram motivos de exílio na Bíblia, por
isso mesmo os judeus sionistas não teriam direito à terra, por conta da grande
violência que há entre israelenses e palestinos.
Outra característica esquecida pelos cristãos sionistas é que a terra pertence
a Deus, e a permanência de Seus filhos na mesma é condicional, veja Levítico
25:23: “Também a terra não se venderá em perpetuidade, porque a terra é minha;
pois vós sois para mim estrangeiros e peregrinos”. A terra ofertada por Deus não
pode ser vendida, comprada, doada ou roubada, o que vem acontecendo
constantemente em Israel (SIZER, 2002).
Há que se ressaltar ainda o grande racismo que reina entre os sionistas
cristãos contra os árabes e palestinos, o que contraria os preceitos de Jesus, de
reconciliação com o próximo, 2 Coríntios 5:19 diz: “(...) a saber, que Deus estava em
87
Cristo, reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas
transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação”.
E mesmo que palestinos, árabes ou muçulmanos fossem inimigos,
deveríamos amá-los, como está exposto em Mateus 5:44: “Eu, porém, vos digo:
Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem;”.
Na internet, no site da ICEJ (International Christian Embassy Jerusalem) há
a declaração de princípios dos cristãos quanto à Israel:
Nuestra creencia es que el deseo de Dios, es que los cristianos a través del mundo sean animados e inspirados a levantase a su papel profético en la restauración de Israel. La Biblia dice que el derecho de las naciones, de los cristianos y de la Iglesia, esta vinculada a la manera en que respondan a esta labor de restauración. Puede ser que nuestro modo de enfocar de vez en cuando implique posiciones políticas, pero en última instancia estas posiciones surgen de principios y convicciones Bíblicas” (ICEJ apud GRANOI, 2008, p. 13).
Como Sizer (2002) cita em sua tese, parece que muitos cristãos estão mais
preocupados em anunciar o Armagedon, do que a própria palavra de Deus, e a
construção da paz!
3.4. FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO E COLONIALISMO
Um dos etnocídios mais conhecidos perpetrados pelo fundamentalismo
religioso junto do fundamentalismo político foi o praticado nas conquistas Ibéricas da
América, que destruiu as populações indígenas que aqui se encontravam, em nome
do cristianismo e do lucro.
A Bíblia já foi, por muitas vezes, o texto legitimador das políticas genocidas
dos povos originários, não só da América do Sul, mas também da América do Norte,
ontem com a escravidão dos africanos, como hoje na marginalidade dos imigrantes,
na ideia de “América para os Americanos” (GRANOI, 2008) e no conflito israelo-
palestinense.
Boff (2009) diz que os fundamentalistas da religião católica não diferem
muito do fundamentalismo protestante. Principalmente no que concerne à moral e
aos costumes e aos interesses econômicos de colonizadores de outrora e de agora.
O fundamentalismo protestante está intimamente ligado à política e ao
imperialismo, principalmente quando analisamos as estruturas administrativas
estadunidenses e a sua grande influência nos países que hoje são colonizados
88
(Oriente Médio). O objetivo estadunidense supostamente é levar a democracia e os
bons costumes da cultura judaico-cristã aos países colonizados, mas na realidade o
objetivo principal é expandir a economia capitalista, a busca pelo lucro e, no caso do
Oriente Médio, também o controle de jazidas de petróleo.
Quando analisamos a história da Palestina e a consequente colonização dos
judeus sionistas, nos deparamos com vários relatos do envolvimento de políticos e
religiosos. Ou mesmo de políticos religiosos, que interferiram em decisões políticas,
tomando como princípio suas crenças.
No início da idealização da colonização da Palestina, políticos ingleses que
tomaram decisões sobre o fato eram protestantes e adeptos das teorias
dispensacionalistas. O principal deles foi Arthur James Balfour, “(...) had been
brought up in an evangelical home and was sympathetic to Zionism because of the
influence of dispensational teaching. He regarded history as 'an instrument for
carrying out a Divine purpose.‟” (SIZER, 2002. p. 60). Ele foi o autor da declaração
de Balfour que autorizou a colonização judaica na Palestina, em nome da Grã-
Bretanha.
Além de Balfour, décadas à frente, vemos os presidentes dos EUA
totalmente envolvidos com os cristãos e judeus sionistas, que pressionam ainda hoje
a administração do país a se colocarem a favor do Estado de Israel e de seu
governo.
In 1976, described as 'the year of the ascendancy of Christian Zionism‟, a series of events brought Christian Zionism to the forefront of US mainstream politics. Jimmy Carter was elected as the 'born again' President drawing the support of the evangelical right. In Israel, Menachem Begin and the Likud Party also came to power in 1977. A tripartite coalition emerged between the political Right, evangelicals and the US Israeli lobby to form a powerful coalition. In 1978, Jimmy Carter acknowledged how his own pro-Zionist beliefs had influenced his Middle East policy (SIZER, 2002, p. 85).
Ademais, os cristãos e judeus sionistas são um dos maiores patrocinadores
dos candidatos políticos do país, e “conselheiros” de alguns governos:
'White House Seminars' became a regular feature of Reagan's administration bringing leading Christian Zionists like Jerry Falwell, Mike Evans and Hal Lindsey into direct personal contact with national and Congressional leaders. In 1982, for instance, Reagan invited Falwell to give a briefing to the National Security Council on the possibility of a nuclear war with Russia. Hal Lindsey also claimed Reagan invited him to speak on the subject of war with Russia to Pentagon officials (SIZER, 2002, p. 87).
89
A administração dos EUA está permeada de religião. Mesmo que seus
presidentes não deem tanta importância às crenças, acabam por serem
influenciados pelo Lobby judeu e cristão, que financiam a maioria dos políticos
estadunidenses.
A colonização de Israel e a defesa por parte dos Estados Unidos a esta
colonização nos demonstra muito bem, até que ponto a religião interfere na política e
vice-versa. Mostra também até que ponto as doutrinas religiosas se acomodam nas
doutrinas políticas, e as políticas se acomodam nas doutrinas religiosas.
Experiências que se encontram na história da Humanidade podem
demonstrar o quanto as interferências religiosas na política acabam por desrespeitar
e denegrir o outro povo e a outra cultura, pois os fundamentalismos não estão
abertos ao diferente, não valorizam a etnicidade como expressão da riqueza
humana, mas somente enxergam o outro como ocasião para o enriquecimento para
a imposição das próprias convicções.
Por ello tiene razón Raimon Panikkar cuando afirma que „...la pretensión de apropiarse de Dios como un valor supracultural por parte de algunos llevó a las guerras religiosas y al cinismo consecuente: „Dios está con el batallón más fuerte‟.‟ (RIESGO, 2003, p.16).
Deus passa a ser supérfluo, subsiste como marca de quem está a vencer,
não revelando-se no sofrimento humano, nem desperta compaixão. Os que lutam
para sobreviver passam a lutar contra esse Deus, o Deus do civilizado, da
democracia e do lucro, e aquele que luta contra esse Deus inventado pelos
soberanos, passa a ser apóstata e, por isso, mesmo perseguido (SANTOS, 2014).
Um exemplo da utilidade de Deus para as civilizações, principalmente
aquelas que dominam o poder, pode ser visto quando o Papa Nicolau V concedeu
privilégios aos reis de Portugal, dando permissão de invadir, conquistar, combater,
submeter terras e povos. Acreditando eles que haveria somente um Deus correto,
uma cultura e uma religião, e a vontade desse Deus era que Portugal fosse a outras
regiões e levasse o poderio e a verdade, pois fora do Ocidente não haveria cultura e
nem salvação. Estas ideologias fundamentalistas eram apoiadas pelos políticos e
religiosos. Assim como foi a aceitação da colonização da Palestina, não levando em
consideração os que iriam ser oprimidos:
For in Palestine we do not propose even to go through the form of consulting the wishes of the present inhabitants of the country ... the Four Great Powers are committed to Zionism. And Zionism, be it right
90
or wrong, good or bad, is rooted in age-long traditions, in present needs, in future hopes, of far profounder import than the desires or prejudices of the 700,000 Arabs who now inhabit that ancient land ... I do not think that Zionism will hurt the Arabs... in short, so far as Palestine is concerned, the Powers have made no statement of fact which is not admittedly wrong, and no declaration of policy which, at least in the letter, they have not always intended to violate. (INGRAMS apud SIZER, 2002, p. 62).
Da mesma forma os Ibéricos tomaram atitudes contra aqueles que se
colocassem contra essas ideologias do Império, baseados nas encíclicas Mirari vos
(1832) e pelo Sílabo de Pio IX (1864) (Boff, 2009). O mesmo aconteceu quanto na
colonização judaica da Palestina, interesses políticos e religiosos dos Estados
soberanos estavam em jogo,
He [Balfour] regarded history as 'an instrument for carrying out a Divine, purpose.‟ (...) Negotiations over a British declaration of support for the Zionists began in early 1917 between Lord Balfour, (then British Foreign secretary), other members of the British government and with representatives of the Zionist Organisation (...) In October 1917, Balfour learned that Germany was about to issue its own declaration of sympathy with Zionism and therefore recommended that the British Cabinet pre-empt them. At Balfour's invitation, in July 1917, the Zionist Organisation offered a suggested draft to Balfour: „1. His Majesty's Government accepts the principle that Palestine should be reconstituted as the National Home of the Jewish people. 2. His Majesty's Government will use its best endeavours to secure the achievement of this object and will discuss the necessary methods and means with the Zionist Organization.‟ (SIZER, 2002, pp. 60-61).
A religião e a política sempre andaram de mãos dadas para seus interesses,
não importando a quem iam prejudicar, mas sempre pensando em sua própria
crença sem alteridade, objetivando de toda maneira o lucro, financeiro e pessoal.
É claro que o objetivo não é somente dar uma terra aos judeus, ou mesmo
levar o cristianismo aos povos “perdidos” no mundo, tudo isso tem a ver com a
economia dos países que se envolvem em planos como estes.
3.5. FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO E FUNDAMENTALISMO POLÍTICO: DUAS
FACES DA MESMA MOEDA
O sionismo cristão de característica dispensacionalista aprovou e aprova as
colonizações, supostamente para levar a Jesus Cristo a todos os povos, o que
consequentemente leva também o imperialismo. Essas características podem ser
91
vistas no protestantismo norte americano desde finais dos anos 40 até os anos 60,
com a chegada do evangelicalismo e do dispensacionalismo cristão ou a também
chamada Teologia do Armagedon.
Os principais autores dessas teologias que acabaram por disseminar essas
teorias sobre missões, e sobre a “restauração” de Israel, foram Jerry Falwell, Hal
Lindsey, Dave Hunt, entre outros.
A difusão dessa ideologia de levar a paz e o amor do cristianismo através de
uma “política diplomática” e a ferro e fogo como acontece no Oriente Médio, muitas
vezes é disseminada pelas próprias igrejas cristãs que são adeptas dessa teologia
do Armagedon, que tem os árabes e muçulmanos como seus inimigos. Os ideólogos
desta teologia levam essas teorias a seus fieis através da televisão e de outros
meios de informação.
Quando falamos de política e religião ligadas à colonização da Palestina,
temos obras que ajudaram e ainda ajudam a perpetuar essa ideia de que o que
acontece na Palestina é determinado por Deus. Exemplo disso são a “Bíblia de
Scofield” de Cyrus Scofield, o livro “A agonia do grande planeta Terra”, de Hal
Lindsey, e a série de ficção “Deixados para trás”, de Tim LaHaye. Estes se tornaram
legitimadores do conflito entre Israel e Palestina no mundo protestante (SIZER,
2002).
Os fundamentalismos podem ser bem melhor entendidos se atentarmos
para os discursos da luta do bem contra o mal, obviamente sendo a ideia do bem
vinculada ao Ocidente e a do mal ao Oriente Médio ou ao Islã. Prega-se
insistentemente contra os sistemas políticos e religiosos do Oriente, que para os
Ocidentais vão contra os princípios cristãos ou judaico-cristãos,
(...) em geral, o mesmo pode ser dito das sociedades hindus, judaicas ou cristãs. A grande diferença política e intelectual advém obviamente do fato de hoje se falar muito mais sobre o Islã político do que sobre o hinduísmo político, o judaísmo político ou o Cristianismo político (SANTOS, 2014, p. 60).
O debate sobre essas questões deixa claro o interesse pela região do
Oriente Médio e suas riquezas e, por isso mesmo, para conseguirem se instalarem
na região, sem que direitos humanos os impeçam ou que haja crítica da população
contra suas ações. Isto redunda em todo um trabalho de rebaixamento da cultura e
da religião. Pois o Islã, como citado acima, não é diferente do Cristianismo, do
92
Hinduísmo ou do Judaísmo, quanto às suas escolhas e predeterminações políticas
em que acreditam, mas a mídia só pune o Islã.
Os EUA defendem a democracia. Isso é fato nítido nos discursos de seus
presidentes, que se colocam contra o terror, sempre citando frases prontas como
“Deus salve a América”, ou seja, um Deus cristão que salvaria somente os
americanos, e mataria os árabes.
Os talibãs também tinham a mesma retórica, na medida em que dividia o
campo dos conflitos entre infiéis (América) e fiéis (Talibã). Ambos falavam em nome
de um Deus que produzia mortes. Isso é próprio do fundamentalismo que revida
terror com terror (BOFF, 2009).
Podemos ver nitidamente como a política interfere na religião, e como a
religião interfere na política. Os estigmas são repassados à população através da
mídia, que deixa em foco os que são do “bem” Ocidente/Cristianismo/Judaísmo e os
que são do “mal” Oriente Médio/Islamismo.
Dessas formas de trato entre as nações, nas polarizações entre Ocidente e
Oriente, nascem os fundamentalismos. O mais forte alega a necessidade de se
defender e o mais fraco é tido como fundamentalista.
A religião civil, na forma de integrismo e fundamentalismo religioso, procura conferir aura cristã ao Destino Manifesto. Como já consideramos, os fundamentalistas tomam a Bíblia ao pé da letra e a utilizam como roteiro para entender a história. Assim milhões de pessoas, nas periferias ou até em centros de alta tecnologia, acreditam que estamos vivendo os últimos dias da história, marcadas pelo enfrentamento do bem e do mal (o bizarro Armagedon), por guerras devastadoras e pela atuação do anticristo (BOFF, 2009, p. 53).
O fundamentalismo cristão, estando inserido e sendo aceito pela cultura de
massa, passa ser o centro da atenção nos noticiários. E a luta do bem contra o mal
passa a se manifestar através de estereótipos cristãos, como o Ocidente sendo da
parte de Deus, e o Oriente Médio da parte do Anticristo.
São estereótipos particulares da religião cristã, mas que por conta da grande
disseminação (que não começou ontem), estes rótulos passam a ser assimilados
por toda a sociedade. Sejam os interlocutores cristãos ou não, acabam por propagar
os ideais políticos através de esquemas religiosos.
O governo estadunidense utilizou da “permissão” de Deus, para passar por
cima de acordos da ONU e assim fazer a guerra contra o Iraque, pois achavam que
tinham uma missão dada por Deus. Apropriaram-se assim do petróleo do Iraque.
93
Pois para os estadunidenses eles tinham o aval de Deus, “Aqui temos a expressão
mais acabada de fundamentalismo político fundado no fundamentalismo religioso.”
(BOFF, 2009, p.55).
Assim, a religião vem a ser um fator muito importante, que levará em conta
as contingências geopolíticas, os acordos que propiciarão a convivência harmoniosa
entre os povos. Mas não qualquer forma de religião atuará dessa forma, mas
especialmente as neotradicionais. E a confrontação dos modos de vida de outras
civilizações, culminam em conflitos políticos e econômicos, que acabam alimentando
guerras e ocasionando fenômenos letais como o terrorismo (RIESGO, 2003).
Alguns autores veem como positivo esse fundamentalismo de caráter
conservador, que serve para legitimar a ordem neoliberal, que triunfa no Ocidente e
que querem levar para outros países. Creem que este tipo de religiosidade
fundamentalista é o que melhor se adapta às necessidades da sociedade atual,
proporcionando aos sujeitos o trabalho, a necessidade por esse trabalho, a eficácia
rentável da produção, a orientação moral e espiritual, com um sentido de disciplina e
de ordem. Mas isso nada mais é que capitalismo, pois cria a necessidade e a
satisfaz. É tudo o que o sistema político e econômico necessita dentro da sociedade,
a lei e a ordem (RIESGO, 2003).
No contexto americano, portanto, “a lei e a ordem” tem que ver com uma interpretação da lei e da ordem que favorece as correntes fortes, abastadas e conservadoras da sociedade, quer estejam no governo, quer não (SAID, 2012a, p. 86).
Curiosamente, o protestantismo norte americano tem promovido uma
legitimação religiosa de origem e destino dos EUA, estabelecendo um paralelismo
entre esta nação e o povo de Israel:
La travesía del océano había sido un réplica de la travesía del desierto por Moisés y su pueblo, y los „padres fundadores‟ se consideraron a si mismo predestinados por Dios para ser la semilla de un nuevo pueblo suyo, con todos los privilegios que el AT atribuye a Israel frente a los pueblos paganos que lo rodeaban”. Esta autoevaluación y conciencia de „pueblo elegido‟, fomento la idea vocacional de estar llamado a iluminar al resto del mundo, y transmitirle e imponerle sus valores y su sistema de vida, como garantía de salvación (RIESGO, 2003, p. 12).
Dentro desta lógica de raciocínio, para os estadunidenses cristãos sionistas,
e mesmo para aqueles que ocupam cargos políticos, seu papel estava predito no
Antigo Testamento. Os EUA e Israel estão para lutarem juntos, contra os árabes e o
94
Islã, e para fazerem as profecias se cumprirem para judeus sionistas e cristãos
dispensacionalistas (SIZER, 2002).
Assim, o relacionamento diplomático entre Israel e EUA está impregnado de
fundamentalismos políticos, que buscam benefícios econômicos, com
fundamentalismos religiosos, que buscam o cumprimento de seus textos sagrados.
3.6. COMO GERMINOU O FUNDAMENTALISMO ISLÂMICO
O fundamentalismo no Islam, principalmente nas mídias, hoje em dia é o
mais visível, quando contrastamos o fundamentalismo no Islã com os outros
fundamentalismos, por exemplo, o protestante. Este na maioria das vezes não se
tem explicitado, nem muito menos visto nas entrelinhas o mal que causa. Isso
acontece porque o cristianismo, seja ele protestante ou católico, é a religião do
colonizador, que foi levada a todos os continentes, a partir do século XVI. O pudor
pelo uso do nome de Deus nas próprias conquistas não “impediu, por exemplo, que
a religião fosse posta a serviço do colonialismo como parte integrante da missão
civilizadora.” (SANTOS, 2014, p. 99).
Esta religião acabou por sua vez se tornado a verdade para a maioria das
civilizações, e tudo que é diferente dela, as outras formas de crenças, são
discriminadas e repudiadas.
É o que ocorre com a leitura do Islã feita pelo Ocidente. O que tem que ficar
claro é a diferença entre o Islã como religião e o fundamentalismo. Assim como
debatemos sobre os Cristãos sionistas ou fundamentalistas, não significa que todos
os cristãos seguem essa linha. Da mesma forma no Islã, nem todos são
fundamentalistas, apenas são muçulmanos.
O Islã é tolerante com os “povos do livro” (os judeus e os cristãos) e se
fundamenta em duas convicções: a unicidade e a transcendência de Deus, e na
crença profética dos irmãos, que tem a ajuda mútua por obrigação (BOFF, 2009).
Então, antes de cairmos nas armadilhas imperialistas para a conquista de
terras, devemos saber que a religião islâmica não odeia a cristãos nem a judeus. Os
que tendem a serem mais fundamentalistas são os que querem aplicar o Alcorão em
todas as esferas da vida.
A partir dos anos 80, surgiu o neofundamentalismo islâmico. Isto aconteceu
num contexto em que os valores ocidentais e o imperialismo, que buscam o petróleo
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na região do Oriente Médio, desestabilizaram a cultura muçulmana e os ideais
corânicos. Neste contexto vale notar que a política ocidentalista, conflitiva e
competitiva, é diferente dos ideais islâmicos, focados no coletivo, não do individual
(BOFF, 2009). A forma que os muçulmanos mais radicais encontraram para
enfrentar esta situação foi confrontar os princípios ocidentais com a disseminação da
soberania de Alá por todo o mundo. Para esses grupos, essa seria agora uma
missão de todos os muçulmanos, caracterizando assim um pensamento
fundamentalista.
Mas essa concepção fundamentalista não é do caráter islâmico. Há Estados
teocráticos baseados no Islã, como a Indonésia, que reconhecem a fé em Deus,
sem a identificação precisa do Deus do Islã, ou de outras religiões. Sendo um “(...)
Estado não confessional, com forte identidade nacional e fé ecumênica.” (BOFF,
2009, p. 29).
Podemos ver similaridades no fundamentalismo cristão, judaico e islâmico.
O primeiro necessita que os judeus governem Israel para que Jesus Cristo volte e
estabeleça o Milênio de paz no mundo. O segundo necessita construir o Templo do
Sacrifício e restabelecer seus rituais, no mesmo local onde era o primeiro Templo,
na cidade velha de Jerusalém. Não é diferente para a terceira religião, que por medo
dos outros fundamentalismos destruírem seu templo sagrado, endossa o conflito
acrescentando ainda mais fundamentalismo como resistência.
Nesta linha de pensamento, seria necessário muito fundamentalismo para
que as três religiões do livro viessem alcançar a todo o mundo. Como o plano é
audacioso, claro que haverá muitas mortes e guerras, porque nem todos vão aceitar
com facilidade esses objetivos particulares das religiões.
O fundamentalismo torna-se instrumento de verificação para uma Modernidade que laborou em equívoco e que produziu monstros em nome de uma outra divindade, que não é Javé, nem o Pai de Jesus, nem Alá, mas o mercado (DREHER, 2006, pp. 92-93).
Quando analisamos isso na visão do conflito entre Oriente e Ocidente, o
fundamentalismo do Outro pratica o dogmatismo e a intolerância religiosa, porque vê
a raiz do mal na secularização do sistema liberal, na natureza laica da cultura do
Ocidente ou o contrário.
Recorrendo ao legado cultural e histórico do islã e adotando uma posição de crítica radical ao imperialismo ocidental, o Islã fundamentalista propõe uma mudança nas condições de vida dos crentes, defraudados pelo fracasso dos projetos nacionalistas e pró-
96
ocidentais do Estados que governaram as populações muçulmanas nas primeiras quatro décadas do século XX (SANTOS, 2014, p. 59).
A partir disso, surge um desejo de busca de uma espiritualidade mais pura e
autêntica, por parte dos cidadãos árabes muçulmanos, que se alimentam de certo
ressentimento contra a prepotente colonização cultural e econômica Ocidental.
Assim, com as guerras e as mortes acontecidas pelos conflitos entre ocidentais e
árabes, a sociedade atacada passa a alimentar o ódio contra o colonizador, o que
angaria mais facilmente terroristas, que são quase sempre os excluídos e
marginalizados, que não têm condições mínimas (moradia, alimentação, saúde) de
viverem em conflitos ou mesmo aqueles excluídos da sociedade ocidental, os
imigrantes (RIESGO, 2003).
Assim o fundamentalismo torna-se convidativo e atraente para uma parcela significativa da humanidade, pois oferece segurança em meio a verdades que se desvanecem, porto seguro em meio a pluralidades, relativizações e dissoluções das certezas antigas (DREHER, 2006, p. 92).
A religião reconstrói a identidade apagada pela globalização e pela
colonização, o que Boff (2009) chama de “globocolonização”. Mas é a partir da
religião também que emergem a exclusão e a violência, explodindo o terror como
autodefesa. Exemplos abundantes disso temos nos países do Oriente Médio, e no
conflito israelo-palestinense.
Antes de julgarmos, devemos entender os conflitos que acontecem no
mundo, e quais as interferências culturais, políticas e econômicas que determinados
países estão sofrendo. Isso não é uma defesa do fundamentalismo, mas um debate
sobre quem também leva fundamentalismos a outros lugares, como por exemplo, o
Ocidente para com o Oriente Médio e Israel para com os palestinos.
3.7. EM SÍNTESE
O capítulo três dessa dissertação tenta entender o sionismo cristão,
principalmente suas implicações para a repercussão do conflito entre Israel e
Palestina no campo protestante.
97
A leitura do conflito feita pelos grupos protestantes conservadores está
referenciada no fundamentalismo e na sua teoria dispensacionalista da história,
segundo a qual a reconstrução do Estado de Israel é uma evidência do fim dos
tempos.
98
CONCLUSÃO
Os capítulos dessa dissertação foram trabalhados de forma temática, isto
quer dizer que sua sequência não é cronológica. Cada capítulo levantou um assunto
pertinente ao conflito que fundamentamos a partir de teóricos pós-colonias. A
discussão da religião privilegiou o cristianismo. Isto porque a religião cristã é hoje a
maior no mundo e por isso mesmo tem grande peso e responsabilidade no conflito,
principalmente através da influência de determinadas linhas de pensamento do
cristianismo, como a dispensacionalista.
No primeiro capítulo refletiu-se no sentido de desmistificar a ideia de que
judeus e muçulmanos sempre viveram em conflito. Variadas obras demonstram o
convívio harmonioso entre judeus e muçulmanos no Império Otomano até os anos
de 1896. Judeus, muçulmanos e cristãos palestinos conviviam em um mesmo
território, havendo até mesmo trocas comerciais, convívios em festas religiosas ou
até mesmo partilha de cargos de confiança em governos, como foi o caso de judeus
no governo Otomano. Podemos perceber que o que prevalece hoje, como uma visão
orientalista nada mais é que narrativas bíblicas que tomam a história caananita
como exemplo de um povo mau e isso consequentemente foi ligado
automaticamente ao povo palestino.
O imperialismo tem grande papel também nessa confrontação cultural, pois
para que a conquista econômica viesse a ser implantada em determinadas regiões,
sem que houvesse críticas, foi necessário levantar mitos contra o povo palestino e
sua religião. Pois se dizem que determinado povo é ruim, e replicam isso
incansavelmente, o mito acaba se tornando realidade. Este é o Orientalismo
debatido no segundo capítulo, o “direito” de um povo que se acha superior (o
Ocidental) a colonizar e “ensinar” o “correto” ao povo “descoberto”.
No terceiro capítulo debatemos as questões fundamentalistas religiosas e
políticas. Como o casamento desses dois conceitos ajuda a expandir a religião do
colonizador e o imperialismo e consequentemente levar problemas humanitários
aonde se instala. O exemplo disso é o Oriente Médio.
O fundamentalismo mais conhecido por todos é o muçulmano, mas o que
vem causando mais estragos por anos a fio é o judaico e o cristão. Pois há anos,
principalmente este último, vem assassinando e subjugando povos em nome de
99
Deus, e no último século junto do fundamentalismo judaico, vem matando homens,
crianças, mulheres; desapropriando suas casas, suas terras, para que supostamente
haja o cumprimento de uma profecia. Para os judeus este imaginário está fora de
contexto, porque o seu Messias ainda não veio à terra. Ao contrário, para os cristãos
fundamentalistas, o sofrimento palestino acaba por ser um “sacrifício” para que o
Apocalipse aconteça.
O preconceito com o árabe, com o muçulmano, com o palestino deve ser
trabalhado nas escolas, nas igrejas, na sociedade. Pois ainda estamos impregnados
pelo conceito de que o branco é o mocinho, e o negro é o vilão, conceitos pregados
em nossa colonização. Precisamos parar pra pensar, procurar sabedoria, e para
isso, deixar o enfado de lado e ir além do senso comum, para formar nossas
próprias ideias com o Outro e não contra o Outro. Aprender com o outro, para que
conflitos que prejudicam nosso próximo, por causa da religião ou de sua cultura,
venham a diminuir.
Conforme Boff (2009), a paz mundial somente será possível com um diálogo
entre as religiões, ou seja, com a superação de todos os fundamentalismos.
As três religiões monoteístas do mundo possuem os fiéis mais guerreiros e
suas respectivas “fés” aguardam serem difundidas em todo mundo, as mesmas,
principalmente a Cristã, foi e está sendo levada junto do colonialismo e o
imperialismo a outros povos.
Só podemos chegar à universalização através da autenticidade da outra
religião e de sua cultura, que desse ponto de vista apresenta um privilégio
epistemológico a todos os envolvidos. É o diálogo com o outro que ajudará a trazer
uma ética para todos. Porque todos somos corresponsáveis e estamos, em uma ou
outra medida, implicados no drama da injustiça. Certamente as religiões podem
ajudar a recuperar este ponto de vista, na medida em que têm sido especialmente
sensíveis ao sofrimento humano, quando nos ajudam a colocarmo-nos no lugar do
outro, do excluído. O respeito à diferença e a responsabilidade, garantirão a
tolerância e a dignidade do outro e de sua própria cultura (RIESGO, 2003).
A sociedade de hoje goza de um equilíbrio frágil. Sempre há um bode
expiatório para se explicitar a violência daqueles que se sentem injustiçados. A
ocupação das mentes pelo terrorismo é a internalização do medo e do pré-
julgamento do outro, o que fecha caminhos para a reconciliação e a paz.
100
Soluções para uma construção da paz devem ser encontradas, e só será
adquirida através da justiça. Justiça para todas as nações que foram saqueadas, e
às culturas que foram destruídas e às religiões que foram condenadas. Essa justiça
se dá com a dignidade de todos os povos.
“Por tanto está claro, que la religión que resulta compatible con la
democracia, y que puede ayudar a su consolidación y progreso, es la „religión
humanizadora‟” (RIESGO, 2003, pp. 26-27).
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