a regulamentação do direito ao esquecimento na lei do marco civil da internet e a problemática da...

Upload: anonymous-lvc1hgphp3

Post on 21-Feb-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/24/2019 A Regulamentao Do Direito Ao Esquecimento Na Lei Do Marco Civil Da Internet e a Problemtica Da Responsabi

    1/18

    A REGULAMENTAO DO DIREITO AO ESQUECIMENTONA LEI DO MARCO CIVIL DA INTERNET E APROBLEMTICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOSPROVEDORES

    THE REGULATION OF THE RIGHT TO OBLIVION BY THE LAW OF THE

    CIVIL RIGHTS FRAMEWORK FOR INTERNET AND THE ISSUE OF THE

    PROVIDERS CIVIL LIABILITY

    Alexandre Freire Pimentel1

    Juiz de Direito

    Mateus Queiroz Cardoso2Advogado Criminalista

    1 Professor Adjunto da Universidade Catlica de Pernambuco e da Faculdade de Direito do Recife(UFPE).

    2 Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, Ps-Graduando em Direito Penal eProcessual Penal pela Faculdade Damas da Instruo Crist.

    RESUMO: O presente artigo aborda o

    problema do direito ao esquecimento apartir da anlise do direito comparadoe da nova lei do marco civil da Internet,a qual, alm de assegurar o direitoao esquecimento, regulamenta a res-ponsabilidade civil dos provedores.

    PALAVRAS-CHAVE: Direito aoesquecimento; marco civil da Internet;

    responsabilidade dos provedores.ABSTRACT:This article addresses the issue

    of the right to oblivion from the analysis of

    comparative law and the new Brazilian

    Law of the Civil Rights Framework forInternet, which, besides to ensure the right

    to be forgotten, regulates the civil liability

    of providers.

    KEYWORDS: right to oblivion; civil

    rights framework for internet; liability of

    providers.

    SUMRIO: Notas introdutrias: aInternet e o direito ao esquecimento;1 Do conito entre os direitos da per-sonalidade e o direito informao; 2 O

  • 7/24/2019 A Regulamentao Do Direito Ao Esquecimento Na Lei Do Marco Civil Da Internet e a Problemtica Da Responsabi

    2/18

    46

    Revista da AJURIS v. 42 n. 137 Maro 2015

    Doutrina Nacional

    direito ao esquecimento (na Internet) no direito comparado; 3 A lei brasileira doMarco Civil da Internet e o direito ao esquecimento; Referncias.

    SUMMARY: Introductory notes to the internet and the right to oblivion; 1 The conict

    between personality rights and the right to information; 2 The right to oblivion in thecomparative law; 3 The Brazilian law of the Civil Rights Framework for Internet and the

    right to oblivion; References.

    NOTAS INTRODUTRIAS: A INTERNET E O DIREITO AOESQUECIMENTO

    Aprovocativa expresso Internet means the end of forgetting3, cunhadapor Jeffrey Rosen, em um artigo publicado no dia 10 de julho

    de 2010 para o New York Times4

    , por si s pe em destaque oquestionamento pertinente ao fato de a Internet poder ser um estupendomecanismo de difuso do conhecimento e de socializao interpessoal e, aomesmo tempo, de angstia e sofrimento, na medida em que informaes eimagens pessoais podem permanecer indenidamente na rede contra a vontadedo seu titular, em um espao abstrato e de controle pessoal e estatal inecienteou nulo.

    Jeffrey Rosen registrou com propriedade o paradoxo pelo qual, em razo

    de postagens de opinies e imagens feitas inclusive pelo prprio usurio, o queas pessoas tm de pior pode ser o que mais se evidencie a seu respeito no meiosocial:

    Its often said that we live in a permissive era, one with innite

    second chances. But the truth is that for a great many people,

    the permanent memory bank of the Web increasingly means

    there are no second chances no opportunities to escape a

    scarlet letter in your digital past. Now the worst thing youve

    done is often the rst thing everyone knows about you.5

    3 Traduo literal para A Internet signica o m do esquecimento.4 ROSEN, Jefrrey. Disponvel em: . Acesso em: 8 out. 2013.5 comum dizer que vivemos em uma era permissiva, com segundas chances innitas. Mas a verdade

    que, para muitas pessoas, memria permanente do banco da Web signica que cada vez mais no huma segunda chance sem oportunidades para escapar de uma letra escarlate em seu passado digital.Agora, a pior coisa que voc j fez muitas vezes a primeira coisa que todo mundo sabe sobre voc.

  • 7/24/2019 A Regulamentao Do Direito Ao Esquecimento Na Lei Do Marco Civil Da Internet e a Problemtica Da Responsabi

    3/18

    Revista da AJURIS v. 42 n. 137 Maro 2015

    A REGULAMENTAO DO DIREITO AO... 47

    A problemtica do direito ao esquecimento na Internet est diretamenterelacionada com a velocidade da difuso da informao telemtica e, sobretudo,com a diculdade de supresso dos contedos postados, por terceiros e pelo

    prprio usurio. , precisamente, a instantaneidade informativa no espaovirtual que estampa em cada um de ns uma marca quase indelvel acerca doque somos, do que fazemos e, tambm, pelo que dizem a nosso respeito.

    A diculdade em se efetivar o direito ao esquecimento se agrava em faceda ausncia de fronteiras virtuais na difuso da informao que trafega porcentenas de pases e, ainda, pelo fator econmico relativo ao custo operacionalde se pr em prtica a supresso de dados virtuais. Nesse sentido, Viktor Mayer--Schonberger explica que no ambiente digital mais difcil esquecer do que

    lembrar. With the help of digital tools we individually and as a society have begunto unlearn forgetting6.

    Na era tecnolgica, o ato de guardar memrias demonstrou-se maisrentvel do que se livrar delas. Como constatou Pierre Lvy, na Internet, asinformaes podem viajar diretamente em sua forma digital, atravs de caboscoaxiais de cobre, por bras ticas ou por via hertziana (ondas eletromagnticas)e, portanto, como ocorre quando usam a rede telefnica, passar por satlites detelecomunicao7. Dessa forma, o armazenamento de dados acontece em um

    plano abstrato que no implica no gasto econmico que os demais meios decomunicao requerem para faz-lo. Com isso, a preferncia pelo uso da Internet cada vez mais recorrente e uniformizada. Ademais desse espao virtual (porvezes inalcanvel) h diversos dispositivos de hardwareseguros e portteis queigualmente se prestam para o armazenamento de informaes e, dessa forma,para dicultar o direito ao esquecimento8.

    Considerando isso, e, sobretudo, a propagao de provedores queprestam servio gratuito de cloud computing, a Internet constituiu-se como um

    6 MAYER-SCHONBERGER, Viktor. Delete: the virtue of forgetting in the digital era. Princeton:Princeton University Press, 2009. p. 2. O texto entre aspas: Com a ajuda de ferramentas digitais que individualmente e como sociedade comeamos a desaprender a esquecer.

    7 LEVY, Pierre. Cybercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. So Paulo: Editora 34, 1999. p. 35.8 A informao digital pode ser armazenada em cartes perfurados, tas magnticas, discos

    magnticos, discos ticos, circuitos eletrnicos, cartes com chips, suportes biolgicos etc. Desde oincio da informtica, as memrias tm evoludo sempre em direo a uma maior capacidade dearmazenamento, maior miniaturizao, maior rapidez de acesso e conabilidade, enquanto seu custocai constantemente. Idem, p. 34.

  • 7/24/2019 A Regulamentao Do Direito Ao Esquecimento Na Lei Do Marco Civil Da Internet e a Problemtica Da Responsabi

    4/18

    48

    Revista da AJURIS v. 42 n. 137 Maro 2015

    Doutrina Nacional

    meio detentor de um apelo fortssimo de guarda de arquivos informticos paratodos que buscam mais praticidade em seu cotidiano.

    Na atualidade, o papel da Internet estende-se para alm de um simples

    meio de comunicao, porquanto passou a fazer parte da prpria vida emsociedade como facilitador e mantenedor de relaes humanas. Esse aspectoda cybercultura evidencia a marcante inuncia da Internet sobre a vida emcoletividade, a qual resta caracterizada pelo excesso de transparncia, pelavolatilidade da informao e, ao mesmo tempo, por uma espcie de perpetuidadede contedos difundidos.

    Assim, na medida em que a Internet facilita a difuso da informao,marcadamente pela facilitao de acesso e exposio gratuita dos usurios nas

    redes sociais, ela tambm acarretou uma espcie de eternizao voluntria eingnua de dados pessoais, muitas vezes com contedos ntimos, cujo acessoilimitado poder inuir negativamente na vida futura prossional e pessoaldos usurios. Essa controvrsia reete um possvel conito entre o direito informao e as garantias constitucionais pertinentes personalidade humana,as quais devem proporcionar o direito supresso da informao.

    1 DO CONFLITO ENTRE OS DIREITOS DA PERSONALIDADE E O

    DIREITO INFORMAOA partir dessa dinmica relacional-virtual, surgem questes que pem em

    conito o direito informao e o direitos da personalidade, tais como a honra, aimagem e a privacidade, os quais se corporicam como garantias constitucionaise que podem servir de base para proteger o indivduo de abusos decorrentes dapublicidade da informao. O problema que, como observou Walter Ceneviva,essas duas categorias de direitos possuem status de tutelas constitucionais eintegram os chamados direitos fundamentais, porm os valores que revestem

    cada um desses dois grupos (direitos da personalidade e liberdade de expressoe comunicao) muitas vezes so opostos9.

    Por mais essenciais que sejam os direitos liberdade de expresso e decomunicao, por um lado, e os direitos da personalidade, por outro, no devequalquer deles ser considerado como um direito absoluto. E, ao entrarem em

    9 CENEVIVA, Walter. Informao e privacidade. XVIII Conferncia Nacional dos Advogados:Cidadania, tica e Estado. Salvador, 2002. Anais. Braslia: OAB, 2003. p. 1513.

  • 7/24/2019 A Regulamentao Do Direito Ao Esquecimento Na Lei Do Marco Civil Da Internet e a Problemtica Da Responsabi

    5/18

    Revista da AJURIS v. 42 n. 137 Maro 2015

    A REGULAMENTAO DO DIREITO AO... 49

    conito, somente encontram seus limites por meio da tcnica de ponderao dosvalores em questo10.

    Com a Internet, a sociedade tornou-se acentuadamente lquida, no sentido

    de Zygmunt Bauman, isto , caracterizada por uma mutabilidade constantefortemente marcada pela lgica do consumo e do descarte11. Nessa senda,logram fora teorias que buscam nos princpios jurdicos e na argumentao

    jurdica uma alternativa para uma soluo conitual, outorgando ao direitoum carter dctil, isto , como observou Zagrebelsky: En el tiempo presenteparece dominar la aspiracin a algo que es conceptualmente imposible, pero altamentedeseable en la prctica: no la prevalencia de un slo valor y de un slo principio, sino lasalvaguardia de varios simultneamente12.

    Pois bem, o direito informao queda-se inserido em um contextode democratizao e pela transparncia das aes do Estado, apresenta-seatualmente como um direito fundamental e um importante instrumento delegitimao da cidadania.

    O direito informao a um s tempo abrange a garantia de acessar ocontedo da informao e, aos veculos de comunicao, o direito de difundi--la e repass-la ao pblico. De um lado tem-se a liberdade decorrente da livremanifestao do pensamento (art. 5, IV, da CF), a qual se imbrica diretamente com

    a liberdade de expresso (art. 5, IX, CF); de outro, as barreiras entrincheiradasnos direitos da personalidade.

    Seguindo essa diretriz constitucional, a Lei do Marco Civil da Internet(LMCI: Lei n 12.965/2014), ao cuidar dos princpios que devem orientar ouso da Internet, adotou como princpios essas duas categorias de direitosora examinados. Primeiramente, disps em seu art. 3 que a disciplina douso da Internet no Brasil tem os seguintes princpios: I garantia da liberdadede expresso, comunicao e manifestao de pensamento, nos termos da

    10 NUNES, Gustavo Henrique Schneider. O direito liberdade de expresso e direito imagem.Disponvel em: . Acesso em: 1nov. 2013.

    11 BAUMAN, Zygmunt.Modernidade lquida. Trad. Plnio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.p. 183.

    12 ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dctil. Madrid: Trotta, 1997. p. 16.

  • 7/24/2019 A Regulamentao Do Direito Ao Esquecimento Na Lei Do Marco Civil Da Internet e a Problemtica Da Responsabi

    6/18

    50

    Revista da AJURIS v. 42 n. 137 Maro 2015

    Doutrina Nacional

    Constituio Federal [...]. O art. 4 da LMCI acrescenta que o direito ao acesso informao constitui um dos seus objetivos13.

    Por sua vez, os direitos da personalidade possuem caractersticas prprias

    que tambm os pem em destaque, so direitos essenciais ou fundamentais,que do ao indivduo a prerrogativa de exercit-los to somente em razo dapositivao no Texto Constitucional14. Entre os direitos da personalidade, aLMCI, no mesmo art. 3, que disciplina os seus princpios, destacou, no inciso II,a proteo da privacidade como um princpio vetor.

    No contexto da vida virtual, a preocupao com a proteo da identidadedigital alcanou uma importncia to grande que hoje se tornou um novosetor mercadolgico, que conta com a atuao de empresas especializadas

    em limpar a imagem de algum na Internet, com a promessa de retiradade informaes indesejadas, a exemplo das empresas Reputation Defender ea Integrity Defenders. Os servios prestados variam desde a simples e nicalimpeza de informaes inconvenientes das primeiras pginas de sitesde busca(a cada retirada em pgina diferente do sitede busca o preo aumenta) at aprestao de servio continuado mediante o pagamento de uma taxa mensal15.

    Ao confrontarmos os direitos anteriormente referidos, possvelvislumbrar situaes em que um deles prevalecer sobre o outro. Assim, os

    meios de comunicao de massa, ao divulgarem as notcias, crticas ou opinies,podem invadir a esfera privada das pessoas. Ou seja, pode-se dizer que h acoliso entre esses direitos, quando determinadas opinies ou fatos relacionadosao mbito de proteo constitucional de categorias como a honra, a intimidade,a vida privada e a imagem, no podem ser divulgados de forma indiscriminadaem nome do direito informao.

    A problemtica acerca dessa coliso de direitos reforada por LuizGustavo de Carvalho, quando reala que nenhum deles pode ser objeto deconteno por lei infraconstitucional:

    13 Lei do MCI, art. 4: A disciplina do uso da Internet no Brasil tem por objetivo a promoo: I dodireito de acesso Internet a todos; II do acesso informao, ao conhecimento e participao navida cultural e na conduo dos assuntos pblicos; III da inovao e do fomento ampla difusode novas tecnologias e modelos de uso e acesso; e IV da adeso a padres tecnolgicos abertos quepermitam a comunicao, a acessibilidade e a interoperabilidade entre aplicaes e bases de dados.

    14 AFFORNALI, Maria Ceclia Narssi Munhoz. Direito prpria imagem. Curitiba: Juru, 2003. p. 50.15 GIBSON, Megan. Repairing your damage online reputation: when is it time to call the experts?

    Disponvel em: . Acesso em: 22 out. 2013.

  • 7/24/2019 A Regulamentao Do Direito Ao Esquecimento Na Lei Do Marco Civil Da Internet e a Problemtica Da Responsabi

    7/18

    Revista da AJURIS v. 42 n. 137 Maro 2015

    A REGULAMENTAO DO DIREITO AO... 51

    [...] Nenhum, alm de outros direitos que a mesmaConstituio assegura. As normas transcritas tm,pois, eccia plena, no admitindo qualquer tipode conteno por lei ordinria, a no ser meramenteconrmativa das restries que a prpria Constituiomenciona nos incisos do art. 5 e no art. 220.16

    A LMCI no poderia dispor de modo diferente. Erigiu categoriade princpios tanto a garantia da liberdade de expresso, comunicao emanifestao de pensamento quanto a proteo da privacidade. Na colisoentre ambos, a soluo processual perpassa pelo uso da tcnica da ponderaode valores, servindo-se, como orienta a jurisprudncia do Supremo TribunalFederal, do princpio da proporcionalidade17. Para tanto, necessrio proceder-

    -se, luz de cada caso concreto, atribuio de pesos aos valores em choquea partir da intensidade com que determinado princpio dever sobrepor-se aoutros18.

    Nesse cenrio de conitos entre princpios e valores, o direito aoesquecimento exsurge como uma categoria normativa inserida no rol dosdireitos da personalidade, sobretudo no mbito da garantia constitucional daprivacidade, razo pela qual consideramos que, conquanto o seu tratamento

    16 CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Liberdade de informao e o direito difuso informao verdadeira. Rio de Janeiro: Renovar. 2003. p. 50-51. No se pode admitir, no entanto, comoanota Novelino, que sob qualquer pretexto ou qualquer ttulo o princpio da dignidade da pessoahumana possa vir a ser sobrepujado, pois representa [...] um dos fundamentos do Estado brasileiro,constitui-se no valor constitucional supremo em torno do qual gravitam os direitos fundamentais(NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. So Paulo: Mtodo, 2008. p. 248). Semelhantemente,Edilson Farias considera que o princpio da dignidade da pessoa humana constitui-se na [...] fonte

    jurdico-positiva dos direitos fundamentais, o princpio que d unidade e coerncia ao conjunto dosdireitos fundamentais (FARIAS, Edilsom Pereira de. Coliso de direitos. 2. ed. Porto Alegre: SergioAntonio Fabris, 2000. p. 63).

    17 O fato de a nossa Constituio no albergar expressamente o princpio da proporcionalidade no

    constitui bice sua aplicao, sobretudo porque admitido pela construo pretoriana do STF, comopontualmente anota Gustavo Santos, para quem este princpio presta-se [...] para mediar grandezase harmonizar valores distintos (SANTOS, Gustavo Ferreira. O princpio da proporcionalidade na

    jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal. Limites e possibilidades. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.p. 107).

    18 A respeito da questo, Sarmento considera necessrio ao julgador encontrar o peso genrico quea ordem constitucional confere a determinados princpios e ao peso especco atribudo no casoconcreto, de modo que o nvel de restrio de cada interesse ser inversamente proporcional ao pesoque representar (SARMENTO, Daniel. A ponderao de interesses na Constituio Federal. 1. ed. Rio de

    Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 104).

  • 7/24/2019 A Regulamentao Do Direito Ao Esquecimento Na Lei Do Marco Civil Da Internet e a Problemtica Da Responsabi

    8/18

    52

    Revista da AJURIS v. 42 n. 137 Maro 2015

    Doutrina Nacional

    dogmtico restrinja-se explicitamente ao contexto normativo infraconstitucional,cuida-se, na verdade, de uma extenso do direito constitucional privacidade,portanto, de dignidade tambm constitucional, ainda que oblqua.

    2 O DIREITO AO ESQUECIMENTO (NA INTERNET) NO DIREITOCOMPARADO

    O direito ao esquecimento foi originariamente formulado na jurisprudnciafrancesa com o ttulo droit loubli. No Parlamento europeu, por sua vez, odireito ao esquecimento vem denido em um projeto de regulamentao legalcomo uma garantia de que todo cidado deve possuir diante dos provedoresde acesso Internet o direito a ver retirados dados pessoais que j no maissejam necessrios para os ns pelos quais foram coletados ou processados; ou

    quando as pessoas sobre as quais as informaes foram veiculadas expressamque no consentem com a permanncia das informaes na rede; bem comoquando simplesmente as pessoas se opuserem com a publicao de dados quelhe digam respeito em razo de alguma inconvenincia, ou, por m, quandodeterminado fato veiculado no mais condisser com os tempos atuais diante daperda da verossimilhana19.

    Percebe-se, pois, que no se trata de um direito absoluto que autorizariaa todos reescreverem suas histrias constantemente sem qualquer critrio. O

    direito ao esquecimento digital se refere tomada de conscincia dos usuriosde Internet de que eles dispem de direitos pessoais sobre seus prprios dadose que o compartilhamento uma opo personalssima.

    Recentemente, em meados de maio de 2014, o Tribunal de Justia europeureconheceu o direito ao esquecimento em uma demanda promovida pelaAgncia Espanhola de Proteo de Dados (AEPD) contra a Google. Na deciso,o Tribunal de Justia da Unio Europeia (TJUE) considerou que os sitesde buscana Internet devem eliminar de sua lista de resultados os linkspara stios e

    19 Toute personne devrait avoir le droit de faire rectier des donnes caractre personnel la concernant, etdisposer dun droit loubli numrique lorsque la conservation de ces donnes nest pas conforme au prsentrglement. En particulier, les personnes concernes devraient avoir le droit dobtenir que leurs donnes soienteffaces et ne soient plus traites, lorsque ces donnes ne sont plus ncessaires au regard des nalits pourlesquelles elles ont t recueillies ou traites, lorsque les personnes concernes ont retir leur consentementau traitement ou lorsquelles sopposent au traitement de donnes caractre personnel les concernant ouencore, lorsque le traitement de leurs donnes caractre personnel nest pas conforme au prsent rglement.(UNIO EUROPEIA. Parlement Europen. Commission des liberts civiles, de la justice et des affairesintrieures. Projet de Rapport. Disponvel em: . Acesso em: 8 out.2013)

  • 7/24/2019 A Regulamentao Do Direito Ao Esquecimento Na Lei Do Marco Civil Da Internet e a Problemtica Da Responsabi

    9/18

    Revista da AJURIS v. 42 n. 137 Maro 2015

    A REGULAMENTAO DO DIREITO AO... 53

    pginas publicadas por terceiros que contenham informaes relativas pessoaque solicitar a retirada de informaes que lhe digam respeito. O Tribunalesclareceu que os interessados devem apresentar seus requerimentos direta eprimeiramente aos provedores e administradores de sitesde busca. Entretanto,para o TJUE, o direito ao esquecimento no absoluto, os pedidos de retiradade informaes devem ser justicados e compete aos provedores analisar aprocedncia ou no do pleito. Mas, se acaso os provedores discordarem dasalegaes dos usurios de Internet, estes podem recorrer ao Judicirio para talresolver a questo20.

    Nos Estados Unidos, o direito ao esquecimento designado pela expressoeraser law, e foi regulamento em uma lei do Estado da Califrnia, de 23 desetembro de 2013 (Lei SB-56821). Tambm conhecida como Lei Apagadora, essa

    lei garante aos menores de idade o direito de apagar informaes embaraosasconstantes de sites de Internet, principalmente das redes sociais, tais comoFacebook, Twitter e Tumblr. Alm disso, probe a publicidade de produtoscomo armas, lcool, tabaco e produtos de dieta em sitesde uso majoritrio poradolescentes menores de 18 anos.

    A lei busca proteger um grupo de pessoas que so vulnerveis e(in)capazes de tomar decises que poderiam levar a uma autossabotagem (futuraou presente) tanto do ponto de vista pessoal quanto prossional por meio de

    fotos comprometedoras de uso abusivo de lcool, de momentos de intimidadecom contedo sexual explcito e outras tantas possibilidades que, em geral, noso levadas em conta em um primeiro momento22.

    A lei tambm resultado de estudo acerca do chamado cyberbullying23,que tem tomado grandes contornos na sociedade norte-americana. Trata-sedo uso da Internet para causar constrangimentos morais e pessoais a partirde fatos ou rumores. Tal comportamento tem se tornado bastante usual entreos jovens e dentro das instituies escolares e universitrias. O cyberbullyingconsiderado como um agravamento do bullying tradicional por trs razes: a

    20 Disponvel em: . Acesso em: 9 jun. 2014.21 ESTADOS UNIDOS. Califrnia. Senate Bill n 568. Disponvel em: . Acesso em: 11 nov. 2013.22 MANSON, Melanie; MCGREEVY, Patrick. Brown OKs bill allowing minors to delete embarrassing

    Web posts. Disponvel em . Acesso em: 11 nov. 2013.

    23 BAZELON, Emily. How to stop the Bullies. Disponvel em: . Acesso em: 11 nov. 2013.

  • 7/24/2019 A Regulamentao Do Direito Ao Esquecimento Na Lei Do Marco Civil Da Internet e a Problemtica Da Responsabi

    10/18

    54

    Revista da AJURIS v. 42 n. 137 Maro 2015

    Doutrina Nacional

    Internet torna as agresses e xingamentos permanentes quando antes cavamrestritos aos momentos e locais em que ocorriam, como nas escolas ou nas ruas;o uso da Internet tem aumentado bastante entre os jovens; e a tecnologia permiteo anonimato do agressor criando uma sensao de impotncia para o ofendido24.

    Esta lei norte-americana mais um marco na luta pela normatizao doDireito ao Esquecimento, contudo somente entrou em vigor no dia 1 de janeirode 2015.

    3 A LEI BRASILEIRA DO MARCO CIVIL DA INTERNET E O DIREITOAO ESQUECIMENTO

    Antes mesmo da vigncia da Lei n 12.965/2014, a jurisprudnciabrasileira vinha admitido o direito ao esquecimento para os casos em que os fatos

    veiculados se mostram ofensivos aos direitos da personalidade ou inverdicos,fora do contexto da Internet. Entretanto, diante de acontecimentos verdadeiros,h precedentes que invocam o interesse pblico na tomada de conhecimento dosfatos mesmo que a disseminao dos dados contribua para a deteriorao daimagem de determinada pessoa.

    Em junho de 2013, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justia julgoudois recursos especiais sobre o Direito ao Esquecimento, tendo sido a primeiravez que um tribunal superior brasileiro discutiu o tema25. Entretanto, o Superior

    Tribunal de Justia esclareceu que o direito ao esquecimento no detm carterabsoluto, havendo de ser balizado pela ponderao dos valores envolvidos. Nojulgamento do HC 256210/SP, porm, optando pelo direito ao esquecimento, otribunal o associou ao direito esperana, vejamos:

    Recentes julgados desta Corte (REsp 1.334.097/RJe REsp 1.335.153/RJ, publicados em 09.09.2013),

    24 SANTOMAURO, Beatriz. Cyberbullying: a violncia virtual. Disponvel em: . Acesso em: 11 nov. 2013.25 O STJ considerou que: Assim como acolhido no direito estrangeiro, imperiosa a aplicabilidadedo direito ao esquecimento no cenrio interno, com base no s na principiologia decorrente dosdireitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, mas tambm diretamente do direitopositivo infraconstitucional. A assertiva de que uma notcia lcita no se transforma em ilcita como simples passar do tempo no tem nenhuma base jurdica. O ordenamento repleto de previsesem que a signicao conferida pelo direito passagem do tempo exatamente o esquecimento e aestabilizao do passado, mostrando-se ilcito sim reagitar o que a lei pretende sepultar. Precedentesde direito comparado. (REsp 1334097/RJ, Recurso Especial n 2012/0144910-7, Rel. Min. Luis FelipeSalomo (1140), rgo Julgador T4, Quarta Turma, J. 28.05.2013)

  • 7/24/2019 A Regulamentao Do Direito Ao Esquecimento Na Lei Do Marco Civil Da Internet e a Problemtica Da Responsabi

    11/18

    Revista da AJURIS v. 42 n. 137 Maro 2015

    A REGULAMENTAO DO DIREITO AO... 55

    relatados pelo Ministro Luis Felipe Salomo, aplicveisna rbita do direito civil mxime em aspectosrelacionados ao conito entre o direito privacidade eao esquecimento, de um lado, e o direito informao,de outro enfatizam que [...] o reconhecimentodo direito ao esquecimento dos condenados quecumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dosque foram absolvidos em processo criminal, alm desinalizar uma evoluo cultural da sociedade, confereconcretude a um ordenamento jurdico que, entre amemria que a conexo do presente com o passado e a esperana que o vnculo do futuro com o

    presente , fez clara opo pela segunda. E por essatica que o direito ao esquecimento revela sua maiornobreza, pois arma-se, na verdade, como um direito esperana, em absoluta sintonia com a presunolegal e constitucional de regenerabilidade da pessoahumana (voto do Ministro Lus Felipe Salomo).26

    A jurisprudncia anterior Lei do Marco Civil sobre o direito aoesquecimento restringia-se a contedos caluniosos ou difamatrios, porm, nombito da Internet, ele est relacionado com a prerrogativa personalssima quedeve possuir um cidado de apagar seus dados pessoais mesmo que verdadeirose independentemente de ilcito penal ou civil27.

    Nesse panorama, a Lei do Marco Civil da Internet (LMCI), ao tratar dosdireitos e deveres dos usurios de Internet, assegurou, no inciso I do art. 7,o direito inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteo eindenizao pelo dano material ou moral decorrente de sua violao. O incisoX do mesmo artigo dispe explicitamente sobre o direito ao esquecimento aoverberar que direito do usurio a

    excluso denitiva dos dados pessoais que tiverfornecido a determinada aplicao de Internet, a seu

    26 HC 256210/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz (1158), rgo Julgador: T6, Sexta Turma, J. 03.12.2013,Data da Publicao/Fonte DJe 13.12.2013.

    27 FLEISCHER, Peter. Right to be forgotten, or how to edit your history. Disponvel em: . Acesso em: 12nov. 2013.

  • 7/24/2019 A Regulamentao Do Direito Ao Esquecimento Na Lei Do Marco Civil Da Internet e a Problemtica Da Responsabi

    12/18

    56

    Revista da AJURIS v. 42 n. 137 Maro 2015

    Doutrina Nacional

    requerimento, ao trmino da relao entre as partes,ressalvadas as hipteses de guarda obrigatria deregistros previstas nesta Lei;

    Diferentemente da proposta de lei europeia, a LMCI brasileira nocondicionou o exerccio do direito ao esquecimento comprovao de qualquerrequisito que no fosse a vontade do titular do direito. Apresenta-se, portanto,como um direito subjetivo de natureza potestativa, na medida em que o seuexerccio no depende da vontade do sujeito passivo. A relao jurdica mantidaentre o usurio e o provedor de aplicaes de Internet pode ser rescindidaimotivadamente a qualquer tempo pelo usurio.

    O direito ao esquecimento s no detm carter absoluto porque a LMCIressalva que os provedores no podem excluir prontamente todas as informaesdos usurios, pois devem observar outros preceitos relativos guarda de dados,prescritos pela prpria lei, os quais impem que os registros relativos conexodos usurios Internet devem car preservados pelo prazo de um ano28, bemcomo os pertinentes aos acessos dos usurios s aplicaes de Internet, os quaisdevem ser mantidos pelo prazo de seis meses29.

    Entretanto, relevante frisar que a guarda dos registros dos acessosdos usurios pelos provedores de conexo e de aplicaes de Internet deverespeitar a privacidade. Nesse sentido, o art. 23 ressalva que cabe ao juiz adotar

    as providncias necessrias garantia do sigilo das informaes recebidas e preservao da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem do usurio,podendo determinar segredo de justia, inclusive quanto aos pedidos de guardade registro.

    3.1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROVEDORES DEAPLICAES DE INTERNET

    No tocante responsabilidade civil derivada da violao das regras dodireito ao esquecimento, a LMCI adota normas distintas para os provedoresde conexo Internet e provedores de aplicaes de Internet. Os primeiros

    28 LMCI, art. 13: Na proviso de conexo Internet, cabe ao administrador de sistema autnomorespectivo o dever de manter os registros de conexo, sob sigilo, em ambiente controlado e desegurana, pelo prazo de 1 (um) ano, nos termos do regulamento.

    29 LMCI, art. 15: O provedor de aplicaes de Internet constitudo na forma de pessoa jurdica e queexera essa atividade de forma organizada, prossionalmente e com ns econmicos dever manteros respectivos registros de acesso a aplicaes de Internet, sob sigilo, em ambiente controlado e desegurana, pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento.

  • 7/24/2019 A Regulamentao Do Direito Ao Esquecimento Na Lei Do Marco Civil Da Internet e a Problemtica Da Responsabi

    13/18

    Revista da AJURIS v. 42 n. 137 Maro 2015

    A REGULAMENTAO DO DIREITO AO... 57

    apenas disponibilizam os meios tcnicos necessrios para hospedar sites queoferecem servios e para que os usurios possam acessar a Internet; ao passoque, os segundos, disponibilizam servios de aplicativos de Internet, tais comoWhatsApp, Twitter etc.

    Ao fazer essa distino, a LMCI, no captulo que trata da responsabilidadepor danos decorrentes de contedo gerado por terceiros, optou por noresponsabilizar os provedores de conexo Internet por ilcitos praticados porterceiros: Art. 18. O provedor de conexo Internet no ser responsabilizadocivilmente por danos decorrentes de contedo gerado por terceiros.

    Diferentemente, em relao aos provedores de aplicaes de Internet, oart. 19 adotou a regra da responsabilidade civil, porm condicionada existncia

    de prvia ordem judicial, pois a lei expressamente vedou a censura antecipadaaos contedos virtuais. A responsabilidade desses provedores condicionadaporque, primeiramente, a LMCI exclui a imputabilidade direta dos provedoresde aplicaes pela gerao instantnea de contedos criados por terceiros,ou seja, havendo violao a direito subjetivo, os provedores de aplicaes deInternet devem ser cienticados por ordem judicial para procederem retiradade determinados contedos em prazo razovel xado pelo juiz. Somente seroresponsabilizados os provedores de aplicaes de Internet que continuarem adisponibilizar os contedos vetados pela deciso jurisdicional.

    Depois, o caputdo art. 19 ressalva que a responsabilizao dos provedoresde aplicaes de Internet , ainda, dependente do mbito e dos limites tcnicosdos seus servios. Nesse caso, a lei laborou na adoo de uma clusula legalaberta, cujo contedo ser preenchido pelo juiz diante das especicidades do casoconcreto. Mas, para no serem responsabilizados por esse motivo, os provedoresde aplicaes de Internet tm o nus de provar ao juiz que no puderam atender ordem judicial em razo de impossibilidade tcnica comprovada ou porque adeterminao relaciona-se com alguma providncia que se revela fora do mbito

    do seu servio30.Ademais, a ordem judicial que determina a retirada de contedos da

    Internet deve preencher os requisitos estabelecidos no 1 do art. 19, sob pena

    30 Nestes termos, dispe o art. 19: Com o intuito de assegurar a liberdade de expresso e impedir acensura, o provedor de aplicaes de Internet somente poder ser responsabilizado civilmente pordanos decorrentes de contedo gerado por terceiros se, aps ordem judicial especca, no tomar asprovidncias para, no mbito e nos limites tcnicos do seu servio e dentro do prazo assinalado, tornarindisponvel o contedo apontado como infringente, ressalvadas as disposies legais em contrrio.

  • 7/24/2019 A Regulamentao Do Direito Ao Esquecimento Na Lei Do Marco Civil Da Internet e a Problemtica Da Responsabi

    14/18

    58

    Revista da AJURIS v. 42 n. 137 Maro 2015

    Doutrina Nacional

    de nulidade, isto : A ordem judicial de que trata o caputdever conter, sobpena de nulidade, identicao clara e especca do contedo apontado comoinfringente, que permita a localizao inequvoca do material.

    Os usurios que tiverem seus contedos postados tornados indisponveispelos provedores de aplicaes de Internet devem ser cienticados (pelosprovedores). Determina o art. 20, acerca da retirada de contedos, que

    [...] caber ao provedor de aplicaes de Internetcomunicar-lhe os motivos e informaes relativos indisponibilizao de contedo, com informaes quepermitam o contraditrio e a ampla defesa em juzo,salvo expressa previso legal ou expressa determinao

    judicial fundamentada em contrrio.Esses usurios que tiverem contedos indisponibilizados podem solicitar

    aos provedores de aplicaes de Internet que os substituam por texto explicativoque esclarea as razes da supresso, quer tenha se dado por impulso prpriodo provedor ou por ordem judicial, consoante estatui o pargrafo nico doart. 20.

    O art. 21 traz uma exceo regra da responsabilidade condicionada dosprovedores de aplicaes de Internet, prvia ordem judicial que lhe determinea retirada de contedos. Nos termos do art. 21, sempre que os provedores deaplicaes de Internet disponibilizarem contedos gerados por terceiros queconsistam em divulgao [...] de imagens, de vdeos ou de outros materiaiscontendo cenas de nudez ou de atos sexuais de carter privado [...], semautorizao dos participantes, podero ser noticados extrajudicialmente peloofendido ou seu representante legal para que promovam, de forma diligente, nombito e nos limites tcnicos do seu servio, a indisponibilizao dos contedosrespectivos31.

    Nesse caso a lei facultou ao ofendido o exerccio de uma verdadeira aomaterial extrajudicial, qual os provedores estaro compelidos a atender, sobpena de arcarem com as sanes legais cabveis.

    31 O pargrafo nico do art. 21 especica os requisitos dessa noticao extrajudicial: A noticaoprevista no caput dever conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identicaoespecca do material apontado como violador da intimidade do participante e a vericao dalegitimidade para apresentao do pedido.

  • 7/24/2019 A Regulamentao Do Direito Ao Esquecimento Na Lei Do Marco Civil Da Internet e a Problemtica Da Responsabi

    15/18

    Revista da AJURIS v. 42 n. 137 Maro 2015

    A REGULAMENTAO DO DIREITO AO... 59

    Em outra ponta, a noticao extrajudicial no condio da aoprocessual judicial, ou seja, o ofendido pode, se preferir, ingressar diretamenteem juzo independentemente de ter, ou no, noticado o provedor. A diferenaconsiste apenas no fato de que, se o ofendido acionar o provedor em juzo semnotic-lo previamente, ele s ser responsvel se no cumprir a ordem judicialno prazo estabelecido pelo juiz. Distintamente, quando o ofendido noticaextrajudicialmente o provedor e este no lhe atende, sua responsabilidaderestar congurada desde esse momento.

    Resta esclarecer sobre a possibilidade de responsabilidade solidria entreo provedor de aplicaes de Internet e o terceiro causador do dano. Antes davigncia da LMCI, a jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia havia sermado no sentido de que o provedor deveria responder solidariamente com o

    terceiro causador do dano, se no retirasse o contedo ofensivo imediatamente32.Na sistemtica da LMCI, no entanto, a responsabilidade solidria dos

    provedores de aplicaes de Internet restou deveras restringida. A princpio,a responsabilidade ser exclusiva do terceiro causador do dano, pormrespondero solidariamente com o terceiro causador do dano os provedores deaplicaes de Internet que no atenderem ordem judicial (quando exigvel)que determina a retirada do contedo ofensivo nela especicado (art. 19, caput).Nesse caso, tambm praticaro ilicitude reparvel tanto moralmente quanto

    materialmente falando. Mas, se cumprirem a deciso judicial, remanescer aresponsabilidade do terceiro que causou o dano.

    Tambm poder ocorrer a responsabilidade solidria do provedor deaplicaes com o terceiro causador do dano, quando aquele no atender noticao extrajudicial, na hiptese prevista pelo art. 21 da LMCI, podendo-sefalar, nesse caso, em responsabilidade solidria entre o provedor e o terceiro

    32

    Nesse sentido: Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL RESPONSABILIDADE SOLIDRIA GOOGLE PERFIL FALSO NO ORKUT DENNCIA CONTEDO OFENSIVO SEM RETIRADA IMEDIATA 1. A Quarta Turma desta Corte j semanifestou no sentido de que a empresa que fornece servios na Internet, disponibilizando ferramentas de redessociais, responde solidariamente com o usurio autor do dano se no retirar imediatamente o material moralmenteofensivo publicado(AgRg no AREsp 308163/RS, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, Julgado em14.05.2013, DJe 21.05.2013). 2. invivel, em face do bice da Smula 7/STJ, rever a concluso de queera possvel constatar o contedo ofensivo, por meio de simples leitura das mensagens publicadas nositede relacionamento. 3. O prprio recorrente conrma que no retirou imediatamente as mensagens.4 . Agravo regimental a que se nega provimento (STJ, AgRg-AREsp 293951/RS 2013/0030978-0,Publ. 03.09.2013).

  • 7/24/2019 A Regulamentao Do Direito Ao Esquecimento Na Lei Do Marco Civil Da Internet e a Problemtica Da Responsabi

    16/18

    60

    Revista da AJURIS v. 42 n. 137 Maro 2015

    Doutrina Nacional

    causador do dano, independentemente de prvia ordem judicial de retirada decontedo.

    E mais, quanto aos provedores que apenas oferecem servios de conexo

    Internet, estes, refrise-se, no tm responsabilidade alguma pelos danosrelativos a contedos gerados por terceiros (art. 18). Os Tribunais de Justia deSo Paulo e Minas Gerais, antes mesmo da LMCI, j entendiam, acertadamente,que, quando os provedores de conexo Internet apenas faziam o papel dehospedar sites que ofereciam servios, no possuam responsabilidade pelosdanos decorrentes dos contedos gerados por estes ltimos33.

    REFERNCIAS

    AFFORNALI, Maria Ceclia Narssi Munhoz. Direito prpria imagem. Curitiba: Juru,2003.

    BAUMAN, Zygmunt. Modernidade lquida. Trad. Plnio Dentzien. Rio de Janeiro: JorgeZahar, 2001.

    BAZELON, Emily. How to stop the Bullies. Disponvel em: . Acesso em: 11 nov. 2013.

    CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Liberdade de informao e o direitodifuso informao verdadeira. Rio de Janeiro: Renovar. 2003.

    CENEVIVA, Walter. Informao e privacidade. XVIII Conferncia Nacional dosAdvogados: Cidadania, tica e Estado. Salvador, 2002. Anais. Braslia: OAB, 2003.

    33 Ementa: Dano moral. Ao de Indenizao. Suposta ofensa na Internet em pgina pessoal criada porterceiro e hospedada pela r. A Google mera recipiendria de informes, sem responsabilidade por seucontedo. Recurso da r provido. Sentena reformada. (TJSP, Apelao n 0160018-40.2010.8.26.0100,Publ. 06.06.2013)

    No mesmo sentido: Ementa: INDENIZAO POR DANOS MORAIS VEICULAO DEINFORMAES DIFAMATRIAS E INDESEJADAS NA INTERNET GOOGLE MERA

    HOSPEDEIRA MERA RETRANSMISSO DA NOTCIA PELA SEGUNDA REQUERIDA AUSNCIA DE ANIMUS CALUNIANDI PEDIDO IMPROCEDENTE A Google Brasil InternetLtda., como mera hospedeira da pgina que veiculou a notcia, a qual, segundo o autor, lhe ocasionoudanos moral, no tem a responsabilidade de, previamente, vericar o contedo das notciasveiculadas. Vericado que a notcia dita como caluniosa j era de conhecimento pblico quandoveiculada pelo sitede propriedade da segunda requerida, e que se limitou esta a retransmiti-la, semproferir juzo prprio ou desferir ataques aos valores ticos do autor ou sua honorabilidade, restandoausente o animus caluniandiou o excesso de animus narrandi, indevida qualquer indenizao a ttulopelos danos morais alegados (TJMG, Apelao Cvel AC 10620100038236003/MG, Publ. 24.02.2014.Disponvel em: www.jusbrasil.com.br. Acesso em: 9 jun. 2014).

  • 7/24/2019 A Regulamentao Do Direito Ao Esquecimento Na Lei Do Marco Civil Da Internet e a Problemtica Da Responsabi

    17/18

    Revista da AJURIS v. 42 n. 137 Maro 2015

    A REGULAMENTAO DO DIREITO AO... 61

    FARIAS, Edilsom Pereira de. Coliso de direitos. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,2000.

    GIBSON, Megan. Repairing your damage online reputation: when is it time to call theexperts? Disponvel em: . Acesso em: 22 out. 2013.

    LEVY, Pierre. Cybercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. So Paulo: Editora 34, 1999.

    MANSON, Melanie; MCGREEVY, Patrick. Brown OKs bill allowing minors to deleteembarrassing Web posts. Disponvel em: . Acesso em: 11nov. 2013.

    MAYER-SCHONBERGER, Viktor. Delete: the virtue of forgetting in the digital era.Princeton: Princeton University Press, 2009.

    NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. So Paulo: Mtodo, 2008.

    NUNES, Gustavo Henrique Schneider. O direito liberdade de expresso e direito imagem. Disponvel em: . Acesso em: 1 nov. 2013.

    ROSEN, Jefrrey. Internet means the end of forgetting. Disponvel em: . Acesso em: 8 out. 2013.

    SANTOS, Gustavo Ferreira. O princpio da proporcionalidade na jurisprudncia do SupremoTribunal Federal. Limites e possibilidades. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

    SARMENTO, Daniel. A ponderao de interesses na Constituio Federal. 1. ed.

    Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dctil. Madrid: Trotta, 1997.

  • 7/24/2019 A Regulamentao Do Direito Ao Esquecimento Na Lei Do Marco Civil Da Internet e a Problemtica Da Responsabi

    18/18