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1 A (RE) ORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO A PARTIR DO PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA: O CASO DO MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DEL REI-MG Luciano Campos Gomes Universidade Federal de São João Del Rei –UFSJ [email protected] Lígia Maria Brochado de Aguiar Universidade Federal de São João Del Rei – UFSJ [email protected] Resumo A agricultura brasileira é um dos setores mais importantes da economia nacional, responsável pela produção de alimentos, geração de milhões de empregos diretos e indiretos, produção de matérias- primas para a indústria e, por grande parcela das exportações brasileiras. O processo de modernização agrícola, a partir da segunda metade do século XX, integrou-se a indústria, ampliou os circuitos espaciais de produção, reorganizou o território brasileiro, alterando as relações entre a cidade e o campo aprofundando a divisão territorial e social do trabalho. O propósito deste artigo é mostrar como o espaço rural do município de São João Del Rei insere-se no contexto da modernização da agricultura brasileira no atual período técnico-científico-informacional. Palavras-chave: território. Modernização agrícola. Meio técnico científico informacional. Relação cidade-campo. Introdução Esse artigo se propõe a apresentar ao leitor os resultados finais do Projeto Institucional de Iniciação Científica (PIIC), intitulada “A Produção do Espaço Rural no Município de São João Del Rei – MG: território e territorialidade”. Através dessa pesquisa buscamos compreender as mudanças nos sucessivos sistemas técnicos de produção agrícola, a complexidade de organização e gestão que, caracterizam as diferentes configurações territoriais, em épocas distintas do espaço rural, no município de São João Del Rei, localizado na Mesorregião do Campo das Vertentes (IBGE), no estado de Minas Gerais. Por trás da paisagem rural de São João Del Rei há um sistema de produção, portanto, um conteúdo técnico que impõe novas lógicas às históricas relações entre o campo e a cidade, redefinindo as contradições que acompanharam a reorganização do processo produtivo através da modernização agrícola, produzindo novos territórios.

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A (RE) ORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO A PARTIR DO PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA: O CASO DO MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DEL

REI-MG

Luciano Campos Gomes Universidade Federal de São João Del Rei –UFSJ

[email protected]

Lígia Maria Brochado de Aguiar Universidade Federal de São João Del Rei – UFSJ

[email protected]

Resumo

A agricultura brasileira é um dos setores mais importantes da economia nacional, responsável pela produção de alimentos, geração de milhões de empregos diretos e indiretos, produção de matérias-primas para a indústria e, por grande parcela das exportações brasileiras. O processo de modernização agrícola, a partir da segunda metade do século XX, integrou-se a indústria, ampliou os circuitos espaciais de produção, reorganizou o território brasileiro, alterando as relações entre a cidade e o campo aprofundando a divisão territorial e social do trabalho. O propósito deste artigo é mostrar como o espaço rural do município de São João Del Rei insere-se no contexto da modernização da agricultura brasileira no atual período técnico-científico-informacional.

Palavras-chave: território. Modernização agrícola. Meio técnico científico informacional. Relação

cidade-campo.

Introdução

Esse artigo se propõe a apresentar ao leitor os resultados finais do Projeto Institucional de

Iniciação Científica (PIIC), intitulada “A Produção do Espaço Rural no Município de São

João Del Rei – MG: território e territorialidade”. Através dessa pesquisa buscamos

compreender as mudanças nos sucessivos sistemas técnicos de produção agrícola, a

complexidade de organização e gestão que, caracterizam as diferentes configurações

territoriais, em épocas distintas do espaço rural, no município de São João Del Rei,

localizado na Mesorregião do Campo das Vertentes (IBGE), no estado de Minas Gerais.

Por trás da paisagem rural de São João Del Rei há um sistema de produção, portanto, um

conteúdo técnico que impõe novas lógicas às históricas relações entre o campo e a cidade,

redefinindo as contradições que acompanharam a reorganização do processo produtivo

através da modernização agrícola, produzindo novos territórios.

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Um dos objetivos dessa pesquisa é compreender como o processo de modernização agrícola

(ELIAS, 1996; FREDERICO, 2008; GRAZIANO DA SILVA, 1981, 1996; SANTOS &

SILVEIRA, 2006), redefiniu o processo de produção agrícola no município de São João del

Rei, sua inserção na economia, no agronegócio, a redefinição das contradições

cidade/campo (CARLOS, 2004), os usos do território e a fragmentação do espaço no atual

meio técnico-científico-informacional (SANTOS, 1994, 2008; SANTOS & SILVEIRA,

2006), pela produção capitalista.

Desenvolvimento

Historicamente a atividade agrícola é um dos setores mais importantes da economia

brasileira, responsável pela produção de alimentos, grande empregadora de mão-obra direta

e indireta, respondendo também por um considerável percentual das exportações de

produtos nacionais. A partir das últimas décadas do Século XX, esse setor se reestruturou,

dinamizando sua produção, integrando-se à indústria, acompanhando as leis reguladoras do

mercado, reorganizando o espaço e imprimindo sua marca capitalista no campo, sempre

marcado por processos de exclusão e concentração fundiária (OLIVEIRA, 1991).

O processo de modernização agrícola e, sua conseqüente inserção no agronegócio

aprofundaram a divisão territorial e social do trabalho, ampliando os circuitos espaciais de

produção e os círculos de cooperação (FREDERICO & CASTILLO, 2010; SANTOS,

1994; SANTOS & SILVEIRA, 2006), ocasionando novos usos do território (SANTOS &

SILVEIRA, 2006) modificado pela presença de novos sistemas de objetos técnicos

(SANTOS, 1994, 2008) impregnados de racionalidade e funcionalidade específica,

otimizando a produção agrícola moderna.

A atual produção agrícola nacional se destaca principalmente pela exportação de produtos

como a soja, cana-de-açúcar, milho, laranja, algodão e café. Esses produtos estão inseridos

na cadeia do agronegócio, setor que teve grande crescimento nas últimas décadas, devido

ao grande investimento estatal, e sua expansão para os chamados novos fronts agrícolas

(FREDERICO & CASTILLO, 2009), responsáveis por grande percentual da produção de

grãos. O estado de Minas Gerais insere-se nesse contexto, caracterizando-se também pela

funcionalização do espaço destinado à agricultura, principalmente, nas Mesorregiões

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Triângulo, Alto – Paranaíba e Noroeste, produtoras de grãos, como milho, soja e cana-de-

açúcar e, Sul de Minas, tradicional região produtora de café. O estado foi responsável no

ano de 2012, por cerca de 12,4% do PIB agrícola nacional (SECRETARIA ESTADUAL

DE ABASTECIMENTO, 2012).

O processo de modernização agrícola e os novos usos do território

O espaço, formado por um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de

ações, imbuídos de racionalidade e especialização extrema, e com funcionalidade cada vez

mais estranhas ao lugar, (SANTOS, 1994), no atual período técnico-científico-

informacional (SANTOS, 1994, 2008; SANTOS & SILVEIRA, 2006) é usado por

empresas hegemônicas, cuja finalidade é a produção, reestruturando a produção,

fragmentando o território, onde os seus anteriores sistemas de objetos e sistemas de ações

são substituídos pelos cultivos agrícolas, pois se mostravam incompatíveis com as novas

formas de produção, distribuição e consumo (ELIAS, 1996). Essa nova organização

produtiva da agricultura brasileira pelo capital, fruto da modernização agrícola, impregnada

de técnica, ciência e informação, se realiza de forma globalizada, transformando o espaço

rural em meio técnico-científco-informacional.

A modernização da agricultura, segundo GRAZIANO DA SILVA (p. 30, 1996) consiste

num processo [...] genérico de crescente integração da agricultura no sistema capitalista industrial, especialmente por meio de mudanças tecnológicas e ruptura de relações de produção arcaicas e do domínio de capital comercial, processo que perpassa por várias décadas e se acentua após a década de 60.

A dinâmica da agricultura passou a ser determinada pelo padrão de acumulação industrial

integrando-se ao novo circuito produtivo liderado pela indústria de insumos, maquinários e

de processamento, sob forte intervenção do Estado que, criou condições e infraestruturas

necessárias para a modernização e crescimento do setor. A agricultura moderna e científica

precisa adotar novas tecnologias na produção e na organização para viabilizar o aumento da

produtividade.

A modernização agrícola ocorreu de forma parcial no território brasileiro, beneficiando

determinados produtos e regiões (GRAZIANO DA SILVA, 1981), esse processo se deu de

forma descontínua, em manchas ou pontos no espaço geográfico subordinando a produção

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local aos circuitos comerciais e industriais, ocasionando uma verdadeira especialização da

produção, fragmentando o território, formando as chamadas regiões competitivas

(FREDERICO & CASTILLO, 2010), alterando as relações entre o campo e cidade,

imprimindo novas funcionalidades às cidades, que se tornaram o centro da regulação

(SANTOS, 1994) da produção do campo.

A partir do pó-guerra, a agricultura brasileira passou por um processo de reestruturação

produtiva e modernização de sua base técnica, com forte intervenção estatal, nesse

chamado “período de transição” a produção rudimentar, foi sendo substituída por técnicas

mais modernas, contando com investimento do Estado para a implantação de uma indústria

nacional de insumos agrícolas (GRAZIANO DA SILVA, 1996, pag. 18-19).

De acordo com ELIAS (1996), um dos instrumentos primordiais para a modernização da

agricultura foi o amplo emprego de máquinas agrícolas, insumos químicos e

biotecnológicos fornecidos pela indústria, ou seja, o emprego do capital e da tecnologia

passou a subordinar a própria natureza, produzindo insumos artificiais, criando as

condições necessárias para o cultivo, aumentando a produção e lucratividade.

O processo de modernização agrícola, sob forte intervenção Estatal, através de

financiamentos e investimentos na agricultura, deixou de fora amplos segmentos do setor

agropecuário, priorizando o capital intensivo, as grandes empresas rurais, as grandes

cooperativas, cuja produção era voltada para o mercado externo causando impactos

socioeconômicos, territoriais e ambientais, gerando processos de exclusão e expropriação

no campo, embora a agricultura familiar seja responsável, de forma expressiva pela

produção agrícola brasileira.

Segundo OLIVEIRA (pag. 13, 1991) a articulação entre: [...] o capital industrial, o capital comercial e o grande proprietário de terras, tem no Estado a mediação de sua regulação. A mediação e a regulação do Estado têm garantido todas as condições para o processo de desenvolvimento do capital.

Nos espaços rurais transformados em meio técnico-científico-informacional, momento

histórico no qual a construção ou reconstrução do espaço ocorre com um crescente

conteúdo de técnica e ciência (SANTOS, 1994), os sistemas técnicos são substituídos por

sistemas de objetos e sistemas técnicos, cada vez mais modernos, dotados de racionalidade

e respondendo às exigências da produção capitalista e da dinâmica do mercado globalizado.

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As empresas hegemônicas presentes no campo modernizado regulam a funcionalidade

desses sistemas de objetos e ações, reconfigurando o espaço com sistemas de engenharia e

criando as condições necessárias para a reprodução do capital.

Nessas regiões agrícolas modernizadas, as históricas relações entre o campo e a cidade se

modificam, o campo modernizado é muito mais sujeito aos processos de regulação

comandados pelas forças hegemônicas acolhendo o capital novo e se tornando diferenciado

pela diversidade objetos geográfico imbuídos de forte conteúdo informacional (SANTOS,

1994). As cidades, por sua vez, se tornam o lócus da regulação que se faz no campo

tornando-se funcional à produção agrícola e marcada pela presença de indústrias de

insumos agrícolas, população agrícola, e instalação de fixos como armazéns, exportadoras,

sistemas de transporte, bancos, comércios e sistemas de energia e comunicação ”[...]

necessários à viabilização dos fluxos inerentes aos circuitos espaciais produtivos e aos

círculos de cooperação agrícolas” (FREDERICO & CASTILLO, 2009 p. 04).

A formação territorial do município de São João del Rei e o processo de modernização

agrícola desigual no estado de Minas Gerais

O município de São João Del Rei, segundo a divisão territorial do IBGE de 1990 (DINIZ &

BATELLA, 2005) se localiza na mesorregião do Campo das Vertentes, no estado de Minas

Gerais, representado pela Figura 01. O estado de Minas Gerais é dividido em doze

mesorregiões, sendo a mesorregião do Campo das Vertentes constituída por três

microrregiões de Lavras, São João Del Rei e Barbacena, englobando um total de 36

municípios.

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Figura 01: Mesorregião do Campo das Vertentes

A formação territorial do município de São João Del Rei, sofreu influência das

transformações socioeconômicas dos últimos séculos, os objetos técnicos presentes na

paisagem urbana e rural do município refletem as transformações espaciais ocorridas ao

longo de vários períodos históricos, inserindo-se nos processos de urbanização,

industrialização e reestruturação produtiva da agricultura devido à modernização agrícola.

O município de São João Del Rei teve seu povoamento inicial com as fazendas de cultura e

criação, e até a descoberta do ouro foi uma região agropastoril e, a extração aluvial de ouro,

só veio diversificar a estrutura produtiva da cidade (GRAÇA FILHO, 2002), que

apresentava diversidade econômica como agricultura, pecuária, comércio e crédito, que se

destaca pela importância na formação econômica e territorial do estado de Minas Gerais,

subtotalidade de uma totalidade maior que é a formação sócio-espacial brasileira.

(FREDERICO, 2009).

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A descoberta de minas de ouro no início do século XVIII foi um evento importante na

reorganização do espaço do estado de Minas Gerais e do Brasil, introduzindo sistemas

técnicos no território mineiro, unificando as regiões, promovendo a interiorização do

território brasileiro, e o surgimento de alguns núcleos urbanos com forte concentração

populacional. Segundo FREDERICO (2009);

[...] a mineração marca, a proliferação dos primeiros sistemas técnicos, ainda que rudimentares, no território mineiro, como o surgimento dos primeiros núcleos urbanos e o incipiente sistema de transporte, que possibilitava o comércio com o Rio de Janeiro, o Rio Grande do Sul e a região Nordeste.

A partir do século XIX, a mineração aurífera entrou em decadência no município, porém, a

diversificação de sua economia marcada pela presença de comércio, crédito e pela

produção agrícola, tornou São João Del Rei, um importante centro de produção e

abastecimento para diversos municípios, incluindo a capital Rio de Janeiro. As boas

condições geográficas como clima ameno, presença de mananciais e regiões de pastagens

beneficiaram a produção agrícola do município caracterizada pela diversidade da produção.

A localização privilegiada entre as demais comarcas mineiras e a capital Rio de Janeiro

foram um dos fatores que influenciaram a cidade a se tornar um importante pólo de

distribuição e abastecimento de alimentos e produtos agrícolas (GRAÇA FILHO, 2002).

Nesse período, a produção agrícola de São João Del Rei era bem diversificada com

produtos destinados à exportação, entendida aqui como uma atividade comercial entre

freguesias e municípios (MARTINS & SILVA, 2003), dentre esses produtos destacamos o

fubá, queijos, toucinho, o açúcar, panos de algodão, azeite de mamona e farinha de

mandioca (MARTINS E SILVA, 2003), já entre os produtos agrícolas destacamos o milho,

o arroz, o feijão e a cana-de-açúcar, além da pecuária que se beneficiava pela presença de

pastagens (GRAÇA FILHO, 2002).

A estrutura fundiária do município São João Del Rei se caracterizava pela presença de

pequenas e médias propriedades, que mesclavam a pecuária e o cultivo de cereais, ou

engenhos e olarias, com técnicas rudimentares. O território era marcado pela concentração

de terras, onde cerca de 86% das terras se concentravam nas mãos de apenas 17

proprietários e o emprego da mão-de-obra escrava era utilizada de forma significativa,

esses fatores, juntamente com o acesso ao crédito por esses produtores propiciavam um

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considerável acúmulo de capitais, mantendo os investimentos agrários num nível

satisfatório à sua reprodução, porém os pequenos produtores possuíam um estrutura

diferenciada, utilizando mão-de-obra familiar e como eram capitalizados, recorriam

invariavelmente aos créditos dos outros fazendeiros (GRAÇA FILHO, 2002).

No final do século XIX e, no começo do século XX o território brasileiro passou por um

processo de reestruturação produtiva, a produção cafeeira iniciada no interior de São Paulo,

e no estado do Rio de Janeiro, expandiu sua produção para a Zona da Mata mineira e

conseqüentemente para o Sul de Minas, tornando-se a produção agrícola mais importante

para a economia nacional, reorganizando os espaços urbanos e rurais do Sudeste brasileiro,

porém, São João Del Rei não se firmou como produtor de café, que atualmente é cultivado

em pequena escala no município.

A chegada de imigrantes, a aceleração da urbanização e o início da industrialização da

cidade de São Paulo, que se consolidou nas primeiras décadas do Século XX como a área

polar do Brasil (SANTOS, 1994) reorganizou o território brasileiro que caracterizado por

ser essencialmente agrícola, passa a ser reestruturado pela crescente industrialização

regulada pela presença do Estado. Fatores como a crescente urbanização, o crescimento da

industrialização e crescente inserção do Brasil no comércio mundial, aumentaram a

necessidade e demanda por produção de alimentos e matérias primas e o Estado investiu em

reestruturação da produção agrícola modernizando o campo e introduzindo novos objetos

técnicos no território.

O processo de modernização se intensificou a partir da década de 1960, se se intensificando

de forma notável nas décadas seguintes, atingindo todos os níveis da produção,

transformando as relações socioeconômicas vigentes, com forte repercussão na organização

territorial (ELIAS, 1996). Segundo FREDERICO, a partir da década de 1980, novos

eventos reafirmaram e consolidaram o novo padrão de organização da produção agrícola

brasileira (p. 140, 2008): O emergir da década de 1980 trouxe consigo novos eventos que reafirmaram mais uma vez o novo padrão de organização da agricultura brasileira. Os novos eventos eram pautados numa ainda maior tecnificação e cientifização dos sistemas técnicos agrícolas, somado à informação como o principal elemento viabilizador e organizador da agricultura. As ações e objetos se tornaram mais informados, tanto os insumos agrícolas passaram a ter um maior conteúdo em informação (sementes, inseticidas, maquinário), quanto as formas de utilizar os insumos se tornaram mais racionais e precisas. O maior conteúdo em informação dos sistemas técnicos agrícolas promoveu um controle mais restrito e hierárquico

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da produção. As grandes empresas mundiais, exportadoras de grãos e produtoras de insumos, passaram a ter maior poder de regulação da produção.

Nesse período, a agricultura brasileira modernizada insere-se no agronegócio mundial

voltado para a exportação de grãos, exportação de matérias-primas agrícolas, produção de

combustíveis, como o etanol, expandido a fronteira agrícola para o cerrado, notadamente o

Centro-Oeste e parte das regiões Norte, Nordeste e Sudeste do Brasil, os chamados novos

fronts agrícolas (FREDERICO & CASTILLO, 2009).

O estado de Minas Gerais possui destaque na produção agrícola nacional, caracterizando-se

também pela funcionalização do espaço para a agricultura, principalmente nas

Mesorregiões Triângulo, Alto – Paranaíba e Noroeste, produtoras de grãos, como milho,

soja e cana-de-açúcar e, no Sul de Minas, tradicional região produtora de café. Inserindo-se

no contexto da modernização agrícola, o espaço rural mineiro é marcado pela

heterogeneidade da produção, possuindo regiões funcionais à agricultura científica (ELIAS,

2005), e áreas excluídas desse processo, marcadas pela pouca cientifização e tecnicização

do território, onde ainda predominam a pequena produção familiar.

A modernização agrícola no estado de Minas Gerais, assim como, no Brasil ocorreu de

forma descontínua, seletiva, privilegiando determinados produtos (soja, milho, cana-de-

açúcar, café), beneficiando os maiores produtores, ocasionando também desigualdades

regionais no estado. O processo de modernização se intensificou a parir da década de 1990,

período em que a globalização se efetiva no território brasileiro e o Estado adota a política

neoliberal, o território se informatiza e, o espaço passa a ser comandado, cada vez mais,

pelas ações racionais das empresas hegemônicas. O território é usado de forma mais

seletiva e, nas regiões mais modernas a densidade de objetos técnicos é maior e mais

complexa, fragmentando o território.

Segundo o diagnóstico do nível de modernização agrícola realizado por CRUZ, RIBEIRO e

LIMA (2006), os municípios mesorregião do Campo das Vertentes apresentam um nível de

modernização relativamente baixo levando-se em consideração fatores como o uso da terra,

a relação trabalho e capital, financiamento de despesas com assistência técnica e insumos.

Segundo esses autores, a modernização agrícola é entendida como: [...] o processo de evolução tecnológica de maquinários e infraestrutura, otimizando a utilização de adubos e corretivos, adoção de novas técnicas de

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plantio, capacitação de pessoal, melhor uso dos recursos naturais, visando maiores produtividade e rentabilidade aos agricultores (CRUZ et. al., 2006).

Através desta análise, inserida no processo histórico, econômico e territorial, o município

de São João possuía no final da década de 1990, um nível de modernização relativamente

baixo, característica comum de vários municípios da Mesorregião do Campo das Vertentes.

levando-se em consideração fatores como o uso da terra, A região do Campo das Vertentes

possui grande diversidade de produtos agrícolas como milho, café, laranja, tangerina, maçã,

hortifrutigranjeiros e feijão. Porém a densidade de objetos técnicos para suporte da

produção agrícola encontra-se de forma desigual no território, de acordo com o diagnóstico

e análise de CRUZ, RIBEIRO & LIMA (2006), os municípios que apresentam o maior

nível de modernização agrícola são Lavras e Nepomuceno. Ambas as cidades são

tradicionais produtoras de café, cultivo que necessita de mão-de-obra especializada,

utilizando-se de grande quantidade de insumos agrícolas e maquinários. A proximidade

com outras regiões produtoras do Sul de Minas, também dotadas de maior densidade

técnica e informacional e a complexidade dos circuitos espaciais de produção do café, são

os possíveis fatores que podem determinar as diferenças entre esse município e, os demais

da região do Campo das Vertentes.

Em São João Del Rei encontram-se institutos de pesquisa e cooperativas que contribuem

com a assistência técnica básica e, também, com programas direcionados ao pequeno

produtor familiar, que fica à margem dos benefícios colhidos pelos grandes produtores

agrícolas como acesso ao crédito e à extensão rural que, abrem novas possibilidades de

extração da mais valia através de formas mais eficazes de produção, distribuição e

consumo. O crédito agrícola pode ser adquirido em bancos e cooperativas facilitando o

acesso do pequeno produtor familiar às fatias do mercado agrícola, nesse aspecto, as

associações de produtores rurais merecem destaque, orientando os pequenos produtores em

questões técnicas e administrativas, sendo que no município de São João Del Rei constam

vinte e três associações que auxiliam os produtores em questões técnicas e incentivando a

produção.

Atualmente a estrutura fundiária do município se caracteriza pela presença de médias e

pequenas propriedades, sendo que a propriedade individual é a que mais prevalece seguida

de arrendamento, parceria e ocupação (IBGE). A produção agrícola municipal é bastante

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diversificada com destaque para a produção de milho, também, tradicional e a cultura de

frutas, principalmente, a laranja cultura que vem se adaptando e se desenvolvendo na área.

Conclusões

A agricultura, com a modernização conservadora, integrada ao urbano e ao industrial

liberou força de trabalho, atingiu patamares de produtividade capazes de atender o mercado

interno e externo, consumiu os bens intermediários da indústria e ofertou matéria prima

para as agroindústrias. No entanto, deixou para trás a agricultura familiar, apesar da sua

capacidade de absorver grandes contingentes da força de trabalho.

As novas territorialidades rurais de São João Del Rei tornam-se urbano-sertanejas, ou seja,

adquirem um novo significado com a penetração, cada vez mais forte do capitalismo no

mundo rural. A produção desse espaço sobrepõe-se às territorialidades urbanas. O

conhecimento geográfico já revelou a algum tempo que o espaço não é apenas mercadoria.

O espaço geográfico é, também, enquanto resultante da prática social sinônimo de

território, substrato condicionante da produção e produto condicionado do capital.

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