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A (RE) ORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO A PARTIR DO PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA: O CASO DO MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DEL
REI-MG
Luciano Campos Gomes Universidade Federal de São João Del Rei –UFSJ
Lígia Maria Brochado de Aguiar Universidade Federal de São João Del Rei – UFSJ
Resumo
A agricultura brasileira é um dos setores mais importantes da economia nacional, responsável pela produção de alimentos, geração de milhões de empregos diretos e indiretos, produção de matérias-primas para a indústria e, por grande parcela das exportações brasileiras. O processo de modernização agrícola, a partir da segunda metade do século XX, integrou-se a indústria, ampliou os circuitos espaciais de produção, reorganizou o território brasileiro, alterando as relações entre a cidade e o campo aprofundando a divisão territorial e social do trabalho. O propósito deste artigo é mostrar como o espaço rural do município de São João Del Rei insere-se no contexto da modernização da agricultura brasileira no atual período técnico-científico-informacional.
Palavras-chave: território. Modernização agrícola. Meio técnico científico informacional. Relação
cidade-campo.
Introdução
Esse artigo se propõe a apresentar ao leitor os resultados finais do Projeto Institucional de
Iniciação Científica (PIIC), intitulada “A Produção do Espaço Rural no Município de São
João Del Rei – MG: território e territorialidade”. Através dessa pesquisa buscamos
compreender as mudanças nos sucessivos sistemas técnicos de produção agrícola, a
complexidade de organização e gestão que, caracterizam as diferentes configurações
territoriais, em épocas distintas do espaço rural, no município de São João Del Rei,
localizado na Mesorregião do Campo das Vertentes (IBGE), no estado de Minas Gerais.
Por trás da paisagem rural de São João Del Rei há um sistema de produção, portanto, um
conteúdo técnico que impõe novas lógicas às históricas relações entre o campo e a cidade,
redefinindo as contradições que acompanharam a reorganização do processo produtivo
através da modernização agrícola, produzindo novos territórios.
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Um dos objetivos dessa pesquisa é compreender como o processo de modernização agrícola
(ELIAS, 1996; FREDERICO, 2008; GRAZIANO DA SILVA, 1981, 1996; SANTOS &
SILVEIRA, 2006), redefiniu o processo de produção agrícola no município de São João del
Rei, sua inserção na economia, no agronegócio, a redefinição das contradições
cidade/campo (CARLOS, 2004), os usos do território e a fragmentação do espaço no atual
meio técnico-científico-informacional (SANTOS, 1994, 2008; SANTOS & SILVEIRA,
2006), pela produção capitalista.
Desenvolvimento
Historicamente a atividade agrícola é um dos setores mais importantes da economia
brasileira, responsável pela produção de alimentos, grande empregadora de mão-obra direta
e indireta, respondendo também por um considerável percentual das exportações de
produtos nacionais. A partir das últimas décadas do Século XX, esse setor se reestruturou,
dinamizando sua produção, integrando-se à indústria, acompanhando as leis reguladoras do
mercado, reorganizando o espaço e imprimindo sua marca capitalista no campo, sempre
marcado por processos de exclusão e concentração fundiária (OLIVEIRA, 1991).
O processo de modernização agrícola e, sua conseqüente inserção no agronegócio
aprofundaram a divisão territorial e social do trabalho, ampliando os circuitos espaciais de
produção e os círculos de cooperação (FREDERICO & CASTILLO, 2010; SANTOS,
1994; SANTOS & SILVEIRA, 2006), ocasionando novos usos do território (SANTOS &
SILVEIRA, 2006) modificado pela presença de novos sistemas de objetos técnicos
(SANTOS, 1994, 2008) impregnados de racionalidade e funcionalidade específica,
otimizando a produção agrícola moderna.
A atual produção agrícola nacional se destaca principalmente pela exportação de produtos
como a soja, cana-de-açúcar, milho, laranja, algodão e café. Esses produtos estão inseridos
na cadeia do agronegócio, setor que teve grande crescimento nas últimas décadas, devido
ao grande investimento estatal, e sua expansão para os chamados novos fronts agrícolas
(FREDERICO & CASTILLO, 2009), responsáveis por grande percentual da produção de
grãos. O estado de Minas Gerais insere-se nesse contexto, caracterizando-se também pela
funcionalização do espaço destinado à agricultura, principalmente, nas Mesorregiões
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Triângulo, Alto – Paranaíba e Noroeste, produtoras de grãos, como milho, soja e cana-de-
açúcar e, Sul de Minas, tradicional região produtora de café. O estado foi responsável no
ano de 2012, por cerca de 12,4% do PIB agrícola nacional (SECRETARIA ESTADUAL
DE ABASTECIMENTO, 2012).
O processo de modernização agrícola e os novos usos do território
O espaço, formado por um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de
ações, imbuídos de racionalidade e especialização extrema, e com funcionalidade cada vez
mais estranhas ao lugar, (SANTOS, 1994), no atual período técnico-científico-
informacional (SANTOS, 1994, 2008; SANTOS & SILVEIRA, 2006) é usado por
empresas hegemônicas, cuja finalidade é a produção, reestruturando a produção,
fragmentando o território, onde os seus anteriores sistemas de objetos e sistemas de ações
são substituídos pelos cultivos agrícolas, pois se mostravam incompatíveis com as novas
formas de produção, distribuição e consumo (ELIAS, 1996). Essa nova organização
produtiva da agricultura brasileira pelo capital, fruto da modernização agrícola, impregnada
de técnica, ciência e informação, se realiza de forma globalizada, transformando o espaço
rural em meio técnico-científco-informacional.
A modernização da agricultura, segundo GRAZIANO DA SILVA (p. 30, 1996) consiste
num processo [...] genérico de crescente integração da agricultura no sistema capitalista industrial, especialmente por meio de mudanças tecnológicas e ruptura de relações de produção arcaicas e do domínio de capital comercial, processo que perpassa por várias décadas e se acentua após a década de 60.
A dinâmica da agricultura passou a ser determinada pelo padrão de acumulação industrial
integrando-se ao novo circuito produtivo liderado pela indústria de insumos, maquinários e
de processamento, sob forte intervenção do Estado que, criou condições e infraestruturas
necessárias para a modernização e crescimento do setor. A agricultura moderna e científica
precisa adotar novas tecnologias na produção e na organização para viabilizar o aumento da
produtividade.
A modernização agrícola ocorreu de forma parcial no território brasileiro, beneficiando
determinados produtos e regiões (GRAZIANO DA SILVA, 1981), esse processo se deu de
forma descontínua, em manchas ou pontos no espaço geográfico subordinando a produção
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local aos circuitos comerciais e industriais, ocasionando uma verdadeira especialização da
produção, fragmentando o território, formando as chamadas regiões competitivas
(FREDERICO & CASTILLO, 2010), alterando as relações entre o campo e cidade,
imprimindo novas funcionalidades às cidades, que se tornaram o centro da regulação
(SANTOS, 1994) da produção do campo.
A partir do pó-guerra, a agricultura brasileira passou por um processo de reestruturação
produtiva e modernização de sua base técnica, com forte intervenção estatal, nesse
chamado “período de transição” a produção rudimentar, foi sendo substituída por técnicas
mais modernas, contando com investimento do Estado para a implantação de uma indústria
nacional de insumos agrícolas (GRAZIANO DA SILVA, 1996, pag. 18-19).
De acordo com ELIAS (1996), um dos instrumentos primordiais para a modernização da
agricultura foi o amplo emprego de máquinas agrícolas, insumos químicos e
biotecnológicos fornecidos pela indústria, ou seja, o emprego do capital e da tecnologia
passou a subordinar a própria natureza, produzindo insumos artificiais, criando as
condições necessárias para o cultivo, aumentando a produção e lucratividade.
O processo de modernização agrícola, sob forte intervenção Estatal, através de
financiamentos e investimentos na agricultura, deixou de fora amplos segmentos do setor
agropecuário, priorizando o capital intensivo, as grandes empresas rurais, as grandes
cooperativas, cuja produção era voltada para o mercado externo causando impactos
socioeconômicos, territoriais e ambientais, gerando processos de exclusão e expropriação
no campo, embora a agricultura familiar seja responsável, de forma expressiva pela
produção agrícola brasileira.
Segundo OLIVEIRA (pag. 13, 1991) a articulação entre: [...] o capital industrial, o capital comercial e o grande proprietário de terras, tem no Estado a mediação de sua regulação. A mediação e a regulação do Estado têm garantido todas as condições para o processo de desenvolvimento do capital.
Nos espaços rurais transformados em meio técnico-científico-informacional, momento
histórico no qual a construção ou reconstrução do espaço ocorre com um crescente
conteúdo de técnica e ciência (SANTOS, 1994), os sistemas técnicos são substituídos por
sistemas de objetos e sistemas técnicos, cada vez mais modernos, dotados de racionalidade
e respondendo às exigências da produção capitalista e da dinâmica do mercado globalizado.
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As empresas hegemônicas presentes no campo modernizado regulam a funcionalidade
desses sistemas de objetos e ações, reconfigurando o espaço com sistemas de engenharia e
criando as condições necessárias para a reprodução do capital.
Nessas regiões agrícolas modernizadas, as históricas relações entre o campo e a cidade se
modificam, o campo modernizado é muito mais sujeito aos processos de regulação
comandados pelas forças hegemônicas acolhendo o capital novo e se tornando diferenciado
pela diversidade objetos geográfico imbuídos de forte conteúdo informacional (SANTOS,
1994). As cidades, por sua vez, se tornam o lócus da regulação que se faz no campo
tornando-se funcional à produção agrícola e marcada pela presença de indústrias de
insumos agrícolas, população agrícola, e instalação de fixos como armazéns, exportadoras,
sistemas de transporte, bancos, comércios e sistemas de energia e comunicação ”[...]
necessários à viabilização dos fluxos inerentes aos circuitos espaciais produtivos e aos
círculos de cooperação agrícolas” (FREDERICO & CASTILLO, 2009 p. 04).
A formação territorial do município de São João del Rei e o processo de modernização
agrícola desigual no estado de Minas Gerais
O município de São João Del Rei, segundo a divisão territorial do IBGE de 1990 (DINIZ &
BATELLA, 2005) se localiza na mesorregião do Campo das Vertentes, no estado de Minas
Gerais, representado pela Figura 01. O estado de Minas Gerais é dividido em doze
mesorregiões, sendo a mesorregião do Campo das Vertentes constituída por três
microrregiões de Lavras, São João Del Rei e Barbacena, englobando um total de 36
municípios.
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Figura 01: Mesorregião do Campo das Vertentes
A formação territorial do município de São João Del Rei, sofreu influência das
transformações socioeconômicas dos últimos séculos, os objetos técnicos presentes na
paisagem urbana e rural do município refletem as transformações espaciais ocorridas ao
longo de vários períodos históricos, inserindo-se nos processos de urbanização,
industrialização e reestruturação produtiva da agricultura devido à modernização agrícola.
O município de São João Del Rei teve seu povoamento inicial com as fazendas de cultura e
criação, e até a descoberta do ouro foi uma região agropastoril e, a extração aluvial de ouro,
só veio diversificar a estrutura produtiva da cidade (GRAÇA FILHO, 2002), que
apresentava diversidade econômica como agricultura, pecuária, comércio e crédito, que se
destaca pela importância na formação econômica e territorial do estado de Minas Gerais,
subtotalidade de uma totalidade maior que é a formação sócio-espacial brasileira.
(FREDERICO, 2009).
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A descoberta de minas de ouro no início do século XVIII foi um evento importante na
reorganização do espaço do estado de Minas Gerais e do Brasil, introduzindo sistemas
técnicos no território mineiro, unificando as regiões, promovendo a interiorização do
território brasileiro, e o surgimento de alguns núcleos urbanos com forte concentração
populacional. Segundo FREDERICO (2009);
[...] a mineração marca, a proliferação dos primeiros sistemas técnicos, ainda que rudimentares, no território mineiro, como o surgimento dos primeiros núcleos urbanos e o incipiente sistema de transporte, que possibilitava o comércio com o Rio de Janeiro, o Rio Grande do Sul e a região Nordeste.
A partir do século XIX, a mineração aurífera entrou em decadência no município, porém, a
diversificação de sua economia marcada pela presença de comércio, crédito e pela
produção agrícola, tornou São João Del Rei, um importante centro de produção e
abastecimento para diversos municípios, incluindo a capital Rio de Janeiro. As boas
condições geográficas como clima ameno, presença de mananciais e regiões de pastagens
beneficiaram a produção agrícola do município caracterizada pela diversidade da produção.
A localização privilegiada entre as demais comarcas mineiras e a capital Rio de Janeiro
foram um dos fatores que influenciaram a cidade a se tornar um importante pólo de
distribuição e abastecimento de alimentos e produtos agrícolas (GRAÇA FILHO, 2002).
Nesse período, a produção agrícola de São João Del Rei era bem diversificada com
produtos destinados à exportação, entendida aqui como uma atividade comercial entre
freguesias e municípios (MARTINS & SILVA, 2003), dentre esses produtos destacamos o
fubá, queijos, toucinho, o açúcar, panos de algodão, azeite de mamona e farinha de
mandioca (MARTINS E SILVA, 2003), já entre os produtos agrícolas destacamos o milho,
o arroz, o feijão e a cana-de-açúcar, além da pecuária que se beneficiava pela presença de
pastagens (GRAÇA FILHO, 2002).
A estrutura fundiária do município São João Del Rei se caracterizava pela presença de
pequenas e médias propriedades, que mesclavam a pecuária e o cultivo de cereais, ou
engenhos e olarias, com técnicas rudimentares. O território era marcado pela concentração
de terras, onde cerca de 86% das terras se concentravam nas mãos de apenas 17
proprietários e o emprego da mão-de-obra escrava era utilizada de forma significativa,
esses fatores, juntamente com o acesso ao crédito por esses produtores propiciavam um
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considerável acúmulo de capitais, mantendo os investimentos agrários num nível
satisfatório à sua reprodução, porém os pequenos produtores possuíam um estrutura
diferenciada, utilizando mão-de-obra familiar e como eram capitalizados, recorriam
invariavelmente aos créditos dos outros fazendeiros (GRAÇA FILHO, 2002).
No final do século XIX e, no começo do século XX o território brasileiro passou por um
processo de reestruturação produtiva, a produção cafeeira iniciada no interior de São Paulo,
e no estado do Rio de Janeiro, expandiu sua produção para a Zona da Mata mineira e
conseqüentemente para o Sul de Minas, tornando-se a produção agrícola mais importante
para a economia nacional, reorganizando os espaços urbanos e rurais do Sudeste brasileiro,
porém, São João Del Rei não se firmou como produtor de café, que atualmente é cultivado
em pequena escala no município.
A chegada de imigrantes, a aceleração da urbanização e o início da industrialização da
cidade de São Paulo, que se consolidou nas primeiras décadas do Século XX como a área
polar do Brasil (SANTOS, 1994) reorganizou o território brasileiro que caracterizado por
ser essencialmente agrícola, passa a ser reestruturado pela crescente industrialização
regulada pela presença do Estado. Fatores como a crescente urbanização, o crescimento da
industrialização e crescente inserção do Brasil no comércio mundial, aumentaram a
necessidade e demanda por produção de alimentos e matérias primas e o Estado investiu em
reestruturação da produção agrícola modernizando o campo e introduzindo novos objetos
técnicos no território.
O processo de modernização se intensificou a partir da década de 1960, se se intensificando
de forma notável nas décadas seguintes, atingindo todos os níveis da produção,
transformando as relações socioeconômicas vigentes, com forte repercussão na organização
territorial (ELIAS, 1996). Segundo FREDERICO, a partir da década de 1980, novos
eventos reafirmaram e consolidaram o novo padrão de organização da produção agrícola
brasileira (p. 140, 2008): O emergir da década de 1980 trouxe consigo novos eventos que reafirmaram mais uma vez o novo padrão de organização da agricultura brasileira. Os novos eventos eram pautados numa ainda maior tecnificação e cientifização dos sistemas técnicos agrícolas, somado à informação como o principal elemento viabilizador e organizador da agricultura. As ações e objetos se tornaram mais informados, tanto os insumos agrícolas passaram a ter um maior conteúdo em informação (sementes, inseticidas, maquinário), quanto as formas de utilizar os insumos se tornaram mais racionais e precisas. O maior conteúdo em informação dos sistemas técnicos agrícolas promoveu um controle mais restrito e hierárquico
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da produção. As grandes empresas mundiais, exportadoras de grãos e produtoras de insumos, passaram a ter maior poder de regulação da produção.
Nesse período, a agricultura brasileira modernizada insere-se no agronegócio mundial
voltado para a exportação de grãos, exportação de matérias-primas agrícolas, produção de
combustíveis, como o etanol, expandido a fronteira agrícola para o cerrado, notadamente o
Centro-Oeste e parte das regiões Norte, Nordeste e Sudeste do Brasil, os chamados novos
fronts agrícolas (FREDERICO & CASTILLO, 2009).
O estado de Minas Gerais possui destaque na produção agrícola nacional, caracterizando-se
também pela funcionalização do espaço para a agricultura, principalmente nas
Mesorregiões Triângulo, Alto – Paranaíba e Noroeste, produtoras de grãos, como milho,
soja e cana-de-açúcar e, no Sul de Minas, tradicional região produtora de café. Inserindo-se
no contexto da modernização agrícola, o espaço rural mineiro é marcado pela
heterogeneidade da produção, possuindo regiões funcionais à agricultura científica (ELIAS,
2005), e áreas excluídas desse processo, marcadas pela pouca cientifização e tecnicização
do território, onde ainda predominam a pequena produção familiar.
A modernização agrícola no estado de Minas Gerais, assim como, no Brasil ocorreu de
forma descontínua, seletiva, privilegiando determinados produtos (soja, milho, cana-de-
açúcar, café), beneficiando os maiores produtores, ocasionando também desigualdades
regionais no estado. O processo de modernização se intensificou a parir da década de 1990,
período em que a globalização se efetiva no território brasileiro e o Estado adota a política
neoliberal, o território se informatiza e, o espaço passa a ser comandado, cada vez mais,
pelas ações racionais das empresas hegemônicas. O território é usado de forma mais
seletiva e, nas regiões mais modernas a densidade de objetos técnicos é maior e mais
complexa, fragmentando o território.
Segundo o diagnóstico do nível de modernização agrícola realizado por CRUZ, RIBEIRO e
LIMA (2006), os municípios mesorregião do Campo das Vertentes apresentam um nível de
modernização relativamente baixo levando-se em consideração fatores como o uso da terra,
a relação trabalho e capital, financiamento de despesas com assistência técnica e insumos.
Segundo esses autores, a modernização agrícola é entendida como: [...] o processo de evolução tecnológica de maquinários e infraestrutura, otimizando a utilização de adubos e corretivos, adoção de novas técnicas de
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plantio, capacitação de pessoal, melhor uso dos recursos naturais, visando maiores produtividade e rentabilidade aos agricultores (CRUZ et. al., 2006).
Através desta análise, inserida no processo histórico, econômico e territorial, o município
de São João possuía no final da década de 1990, um nível de modernização relativamente
baixo, característica comum de vários municípios da Mesorregião do Campo das Vertentes.
levando-se em consideração fatores como o uso da terra, A região do Campo das Vertentes
possui grande diversidade de produtos agrícolas como milho, café, laranja, tangerina, maçã,
hortifrutigranjeiros e feijão. Porém a densidade de objetos técnicos para suporte da
produção agrícola encontra-se de forma desigual no território, de acordo com o diagnóstico
e análise de CRUZ, RIBEIRO & LIMA (2006), os municípios que apresentam o maior
nível de modernização agrícola são Lavras e Nepomuceno. Ambas as cidades são
tradicionais produtoras de café, cultivo que necessita de mão-de-obra especializada,
utilizando-se de grande quantidade de insumos agrícolas e maquinários. A proximidade
com outras regiões produtoras do Sul de Minas, também dotadas de maior densidade
técnica e informacional e a complexidade dos circuitos espaciais de produção do café, são
os possíveis fatores que podem determinar as diferenças entre esse município e, os demais
da região do Campo das Vertentes.
Em São João Del Rei encontram-se institutos de pesquisa e cooperativas que contribuem
com a assistência técnica básica e, também, com programas direcionados ao pequeno
produtor familiar, que fica à margem dos benefícios colhidos pelos grandes produtores
agrícolas como acesso ao crédito e à extensão rural que, abrem novas possibilidades de
extração da mais valia através de formas mais eficazes de produção, distribuição e
consumo. O crédito agrícola pode ser adquirido em bancos e cooperativas facilitando o
acesso do pequeno produtor familiar às fatias do mercado agrícola, nesse aspecto, as
associações de produtores rurais merecem destaque, orientando os pequenos produtores em
questões técnicas e administrativas, sendo que no município de São João Del Rei constam
vinte e três associações que auxiliam os produtores em questões técnicas e incentivando a
produção.
Atualmente a estrutura fundiária do município se caracteriza pela presença de médias e
pequenas propriedades, sendo que a propriedade individual é a que mais prevalece seguida
de arrendamento, parceria e ocupação (IBGE). A produção agrícola municipal é bastante
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diversificada com destaque para a produção de milho, também, tradicional e a cultura de
frutas, principalmente, a laranja cultura que vem se adaptando e se desenvolvendo na área.
Conclusões
A agricultura, com a modernização conservadora, integrada ao urbano e ao industrial
liberou força de trabalho, atingiu patamares de produtividade capazes de atender o mercado
interno e externo, consumiu os bens intermediários da indústria e ofertou matéria prima
para as agroindústrias. No entanto, deixou para trás a agricultura familiar, apesar da sua
capacidade de absorver grandes contingentes da força de trabalho.
As novas territorialidades rurais de São João Del Rei tornam-se urbano-sertanejas, ou seja,
adquirem um novo significado com a penetração, cada vez mais forte do capitalismo no
mundo rural. A produção desse espaço sobrepõe-se às territorialidades urbanas. O
conhecimento geográfico já revelou a algum tempo que o espaço não é apenas mercadoria.
O espaço geográfico é, também, enquanto resultante da prática social sinônimo de
território, substrato condicionante da produção e produto condicionado do capital.
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