a primeira assembléia geral foi convocada em 23 de...
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Figura 6 – Certidão emitida pelo Primeiro Oficial de Registro de Imóveis de São José do Rio Preto
A Primeira Assembléia Geral foi convocada em 23 de setembro de
1934, dia em que a Comissão Preliminar Pro Construção da Igreja, nomeada
no dia 8 de fevereiro, foi substituída pelo Conselho Administrativo, eleito pela
Assembléia e “composto, então, dos seguintes conselheiros: Moisés Miguel
Haddad, Calil Buchalla, Elias Choeiri, Nagib Gabriel, Mançour Daud, Abrão
Jorge, José Demétrio, Miguel Buchdid, Miguel Sabbah, José Caram Sabbagh,
Elias Mussi e Antonio Dieb Nassar (Livro de Atas n.o 01, Ata n.o 12, de 24 de
setembro de 1934). Este, tomando posse, continuou os trabalhos iniciados.
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Planejou, a princípio, executar o seguinte: A Planta da futura Igreja; a relação
dos correligionários, na Cidade e na Região; a construção da Sede Paroquial, e
a vinda de um Sacerdote. Auxiliava o Conselho em sua tarefa administrativa, a
Sociedade das Damas Ortodoxas, criada havia um ano, e então composta das
seguintes senhoras: Nadjla Haddad, Ainda Assaz, Nina Chacra, Nabiha Tubel,
Amélia Mussi, Afifê Scaff, Nazima Garzuzi, Alice Suriani, Michelin Rizcalla, Mari
Madi, Nabiha Madi, Wadiha Homsi, Mahiba Mahfuz, Najiba Sawaya, Olga
Latuf, Florinda Choeiri, Nabiha Násser, e Zakiê Saikali, (Livro 1.o entre as Atas
46 e 47, com data de 15 de novembro de 1936)” (GOMES, 1975, p. 215).
Fotos 4 e 5 – Casamento e Festa de casamento de Alice Bechara, filha do padre
Habib Bechara.
O engenheiro e empreiteiro, Dr. G. Bozzani, estava contratado e com a
planta da obra nas mãos e, antes do primeiro aniversário da Primeira
Assembléia Geral da Igreja, no dia 4 de agosto de 1935, Rio Preto recebe seu
primeiro vigário ortodoxo, o padre Georgeos Assaz. As autoridades da cidade,
da Sociedade das Damas Ortodoxas, o Conselho Administrativo, o referido
padre e a população assistiu o lançamento da “PEDRA FUNDAMENTAL DA
IGREJA ORTODOXA ANTIOQUINA DE SÃO JORGE, DE RIO PRETO, no dia
15 de novembro de 1936” (GOMES, 1975, p. 216). A inauguração da Igreja
aconteceu quase onze anos depois.
“No dia determinado, com a presença de dois dos Príncipes da Igreja, enviados especiais do Trono Antioquino, Dom Nifom Seba, DD. Arcebispo Metropolitano de Zahlê (Líbano), e Dom Ignatios Heraik, DD. Arcebispo Metropolitano de Hama (Síria), para presidir a Cerimônia da Sagração, com a presença do senhor Governador do Estado, seu secretariado e uma grande comitiva, de Autoridades da Cidade e da Região, de uma multidão compacta dos correligionários
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e do povo, os DD. Prelados e Enviados Apostólicos procederam à Bênção, à Santificação e à Sagração da igreja recém construída, consagrando-a à adoração de Deus, dedicando-a à proteção do Padroeiro São Jorge, e destinando-a às práticas do culto religioso Ortodoxo. Realizou-se esta Solenidade no dia 5 de julho de 1947” (GOMES, 1975, p. 216).
Fotos 6 e 7 – Período da construção da Igreja Ortodoxa em Rio Preto
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Foto 8 – Sentado à esquerda, Dom Nifom Seba, DD. Arcebispo Metropolitano de Zahlê (Líbano) e
sentado à direita, Dom Ignatios Heraik, DD. Arcebispo Metropolitano de Hama (Síria) em visita a São José
do Rio Preto
O recém eleito Arcebispo Metropolitano Ortodoxo do Brasil, Dom
Ignatios Ferzly, visita a cidade de Rio Preto em 5 de junho de 1959 e faz muitos
elogios à igreja construída na cidade. O Conselho Administrativo, motivado
pelos elogios, resolve construir um salão nobre no terreno ao lado da Igreja.
Sobre o salão seria construído um apartamento para abrigar o padre. “Em nova
visita, no dia 24 de setembro de 1960, Dom Ignatios eleva a Paróquia Ortodoxa
de São Jorge a Sub-Diocese, e a igreja á categoria de Catedral” (GOMES,
1975, p. 217). A inauguração do Prédio Arquiepiscopal aconteceu em 5 de
março de 1961, mais uma vez com a presença do Arcebispo Metropolitano.
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Foto 9 – Inauguração do Prédio Episcopal – 5 de março de 1961
Foto 10 – Inauguração do Prédio Episcopal – 5 de março de 1961
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De acordo com Lodi, é possível asseverar que o autor do artigo
interpretado como ventos fortes [que] agitaram a calmaria do mar, tempestades
violentas [que] abalaram a bonança, e correntezas contrárias, que deu origem
à discussão pública e a todas essas obras de afirmação da colônia sírio-
libanesa, foi Monsenhor Joaquim Manoel Gonçalves. Suas afirmações incisivas
causaram outros conhecidos desconfortos presenciados pela comunidade
religiosa local. Ao lermos o Livro do Tomo da Paróquia da Igreja Católica
Apostólica Romana em São José do Rio Preto, vemos em seus últimos
escritos, por ocasião de sua despedida da cidade, em 1939, palavras de
reconciliação e pesar pelos problemas ocorridos nos anos anteriores.
“A minha despedida Foi na véspera de dar posse ao novo Cura da Catedral, Monsenhor Adaucto Rocha, que eu escrevi as palavras que aqui transcrevo e que mandei publicar nos dois diários locais sob o título que encima estas linhas, dirigindo-me aos dois diréctores como ai vai – “Caro diréctor de „A Notícia‟ ou caro diréctor de „A Folha‟. Peço-lhe guarida no seu jornal para duas palavras de despedida ao deixar o cargo de Cura da Catedral de Rio Preto. Quase doze anos se completam da minha direção nesta paróquia, transformada em Curato com a vinda do nosso querido Bispo Dom Lafayette Libanio, o primeiro depois da eréção do bispado. No trabalho que fiz e nos esforços que empreguei para cumprir o meu dever, tive em meu favor, depois da cooperação da graça de Nosso Senhor, com que sempre contei, apesar da minha indignidade, o auxílio dos conselhos sensatos e avisos prudentes do meu Superior Hierárquico, e de meus colegas, quer no paroquiato, quer no exercício das missões. Mas é certo que também muito me ajudou na consecução dos resultados, que por vezes se pautavam, a boa vontade e o santo empenho, com que todos os paroquianos procuravam tornar mais suave o meu jugo, devendo destacar aqui a este respeito, o interesse particular tomavam todas as associações piedosas, e o núcleo ainda pequeno, suas bem àtivos da Ação Católica. Num exame sério de consciencia, sinto remorsos de ter faltado algumas vezes aos meus deveres de correspondencia às gentilezas de que muitos me cercaram; e de não ter sabido constantemente, com pleno domínio de mim mesmo, conservar-me sereno nos avisos, caridoso nas repreensões, reflétido nos conselhos, e comedido nas demonstrações de afeto, sem bajulação entretanto e sem maldade. Nas dedicações que tenho sentido e nos favores recebidos.
(…) Peço perdão a quantos se julgarem ofendidos por mim. E também perdão generosamente a todos os que têm pretendido e procurado molestar-me, seja qual for a classe a quem pertencem, não excétuando mesmo os que, numa odiosidade inconcebível, pretenderam expulsar-me não sei para onde, como indesajável, e de certo.... perigoso. A todos vai esta perdão muito do fundo da alma.
(…) Após esta ligeira exposição de coisas e a indicação do programa singelo de trabalho, vou finalizar este arrasoado, agradecendo a todos a muita dedicação que me votaram, em o carinho que em geral comigo repartiram. A imprensa local, e particularmente aos dois
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diários que estão na brecha, representando com o seu mister neste progranista recanto de São Paulo – „A Notícia‟ e „A Folha‟, os protestos do meu reconhecimento. Por enquanto na Casa Paroquial e, mais tarde, residência não distante, sempre ficarei às ordens de todos, honrando-me em recebê-los contentes de cumpri-las. Rio Preto, 15 de abril de 1939
Monsenhor Joaquim Manoel Gonçalves (LIVRO DO TOMO)
Tal sentimento de conciliação se harmoniza com as cinco últimas das
“maiores diligências e tentativas empreendidas, após o grande cisma que
aconteceu entre as duas Igrejas: a Católica Apostólica Ortodoxa e a Católica
Apostólica Romana no ano de 1054”, publicadas no livreto Calendário Ortodoxo
de 1966 já aqui citadas:
24. A Mensagem de PAZ do Papa João XXIII ao
Patriarca Ecumênico Atenágoras I (1958).
25. A Mensagem de PAZ do Papa Paulo VI ao
Patriarca Ecumênico Atenágoras I (1964).
26. A Sugestão do Patriarca Ecumênico
Atenágoras I quando do encontro com o Papa Paulo
VI (6-12-1963).
27. O Encontro do Papa Paulo VI com o Patriarca
Ecumênico Antenágoras I (6 de fev. 1964) com o
Patriarca de Jerusalém Benedito I em Jerusalém.
28. Sustação das excomunhões mútuas que se
iniciaram no ano de 1054, entre as duas Igrejas:
Ortodoxa e Romana (7-12-65).
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2. IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ORTODOXA ANTIOQUINA
Oficialmente, a união de todos os ortodoxos do mundo, independente
de raça, língua, nacionalidade ou cor, forma a Igreja Ortodoxa. Esta Igreja é
Uma, Santa, Católica e Apostólica.
É Una: Porque o seu fundador e chefe Jesus Cristo “que a adquiriu pelo seu próprio sangue” (At 20.28) é um só; a sua fé em Jesus Cristo, a pedra principal (1Co 10.4) é uma só e indivisível; o seu govêrno Sinodal é um só e imutável através dos séculos. E como disse o Apóstolo: “Porque há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos” (Ef 4.5-6). É Santa: porque o seu alvo, isto é a salvação, a redenção, etc. é santa; a sua doutrina é Divina emana do S. Evangelho e S. Tradição; os seus fiéis são exemplos em caráter de santidade; além de serem exemplos em fé, amor, confraternização e virtude. É Católica: porque a sua missão é ilimitada, por fora dos tempos, espaços, marcos e raças; a sua fé é incondicional, segundo o mandato do Senhor: “Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a tôda criatura”(Mc 16.15); a sua bandeira da paz, sacrifício e abnegaçã0 é universal e está plantada no mundo inteiro junto às correntes da vida, “para que, ao nome de Jesus se dobre todo o joelho no céu, na terra e no inferno” (Fl 2.10). É Apostólica: porque apegou conscienciosamente aos ensinamentos e instruções que recebera do Senhor e seus Apóstolos, conservando-os como bom depósito da fé e amor em Jesus Cristo, resguardando-os de século em século sem que lhes infiltra heresia nos dogmas, anarquia nos princípios e disciplinas, paralisia nas virtudes, monarquia no govêrno, evitando as novidades profanas de palavra e egoísmo, guardando autênticamente a sucessão apostólica irrepreencível (sic) em todos os graus e manifestando com os Apóstolos que “ninguém pode pôr outro fundamento, senão o que foi pôsto, que é Jesus Cristo” (1Co 3.11), “que era ontem e é hoje: o mesmo será por todos os séculos” (Hb 13.8), “a cabeça do corpo da Igreja” (Cl 1.18), a sua Pedra Angular (1Pe 2.6), e “A Rocha Eterna” (Is 26.4).
Quando os Arcebispos Primazes das Igrejas autônomas se reúnem a
todos os Patriarcas chefes das Igrejas autocéfalas, por convocação de Sua
Santidade, o Patriarca de Constantinopla, a autoridade suprema da Igreja
Ortodoxa está reunida. O local onde o Santo Sínodo Ecumênico se reúne é
definido pelo citado Patriarca o qual é o único a receber a nomenclatura de Sua
Santidade. Os demais Patriarcas são Sua Beatitude e os Arcebispos
Metropolitanos são Eminência. Este últimos são a autoridade espiritual das
arquidioceses conquanto estão subordinados aos Patriarcas.
Os Graus da ordem na Igreja Católica Apostólica Ortodoxa, segundo o santo Evangelho e a santa Tradição, são três: Bispo, Padre, Diácono. Todos os títulos que foram ramificados do grau de Bispo são denominações. Portanto, não há, religiosamente ou dogmàticamente, diferença entre bispo, arcebispo, metropolita, patriarca e papa. Pois
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são todos iguais na única e invariável sucessão apostólica e no único e indivisível grau episcopal. Apenas terá primazia de bondade, de sabedoria, de idade e, oficialmente, de ordem hierárquica. (...) Hoje todos os títulos episcopais estão, relativamente, com uma responsabilidade eclesiástica, e administrativa. Os padres também e os diáconos são iguais. Os títulos que recebem, como arquimandrita, ecônomo, arquidiácono etc. não lhes dão primazia espiritual ou
administrativa, mas apenas honorífica. (Calendário Ortodoxo de 1966).
A Igreja Antioquina teria sido fundada por líderes sucessores dos
apóstolos Pedro e Paulo. O primeiro Concílio Ecumênico reconheceu no bispo
de Antioquia a primazia sobre todos os Bispos do Oriente, tendo o segundo
Concílio confirmado a decisão do primeiro. Enquanto o IV Concílio Ecumênico
concedeu ao Bispo de Antioquia o Título de Patriarca, colocando-o na terceira
categoria, após os Patriarcas de Constantinopla e Alexandria. A Igreja Siríaca
Jacobita, os Maronitas e os Gregos Católicos surgiram como dissidência de
Antioquia.
Os Patriarcados de Jerusalém, Alexandria e Antioquia foram
penalizados severamente, ao longo da história, com muitas heresias. Estes
Patriarcados, “junto a Roma e Constantinopla [formavam] a Santa Pentarquia
dos Patriarcados Apostólicos. Isso acabou por elevar o prestígio de
Constantinopla, no que toca a defesa da Ortodoxia Cristã. Todavia, a história
demonstrou que, nos períodos pós-cisão, o Patriarca constantinopolitano foi
por sua vez perdendo o seu poder com as independências proclamadas e
aceitas de outras Igrejas também reconhecidas como ortodoxas, ficando um
número bastante reduzido de Igrejas dependentes diretamente de sua
jurisdição canônica. [Mas, ainda que independentes, as Igrejas] reconhecem o
Patriarca de Constantinopla como „Primus Inter Pares‟ (Primeiro Entre os
Iguais), título honorífico” (LOIACONO, 2006, p. 45-6). O Patriarcado de
Antioquia está entre os que se tornaram independentes e seu líder atual é o
Patriarca Ignátios IV, nascido em 17 de abril de 1920, na Síria. Com relação à
sede do Patriarcado o padre Gregório Teodoro afirma: “A nossa igreja veio dali,
tanto que até hoje a sede histórica da nossa Igreja é a Antioquia. O Patriarcado
não está mais lá, passou para Damasco, capital da Síria. Primeiro porque a
cidade foi quase destruída por um terremoto. Depois, por questões políticas ela
pertence atualmente à Turquia. A sede está em Damasco por isso, mas a sede
histórica continua sendo a cidade de Antioquia”.
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Foto 11 – Sua Beatitude Ignátios IV, Patriarca de Antioquia e de Todo o Oriente
A missa ortodoxa reproduz os momentos finais da vida de Jesus na
terra até sua ressurreição, o que não ocorre no rito latino, que tem seu ápice na
Ceia do Senhor. Na Igreja Ortodoxa toda a liturgia é celebrada em canto, ora
pelo(s) padre(s), ora pelo povo, dirigido por um coral, que fica ao fundo da
igreja, numa galeria superior. Na Igreja Católica Apostólica Ortodoxa
Antioquina, o som de um órgão acompanha as vozes. Segundo Loiacono, o
objetivo é levar o fiel à percepção da presença de Cristo e a um estado pleno
de contemplação. “Repleta de manifestações simbólicas, a missa ortodoxa
divide-se em quatro partes:
1. O instante inicial é marcado pela preparação da missa e inclui a procissão do Evangelho, é o símbolo oculto da vida do Cristo; 2. O segundo momento vai da procissão do Evangelho até o ofertório, é a ritualização da vida pública do Cristo; 3. A terceira parte envolve desde a procissão do ofertório até o instante pós-comunhão. É a representação do padecimento de Jesus (paixão e morte);
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4. A parte final compreende a comunhão até o encerramento do culto. É a expressão simbólica da vida gloriosa de Cristo. (LOIACONO, 2006, p. 29)
Willian Suleiman, nascido na Síria em uma tradicional família ortodoxa,
descreve assim a missa ortodoxa a nós:
“Primeiramente, na Igreja Ortodoxa tem as preparações da missa. Elas
levam mais ou menos uma hora. Mas hoje em dia não estão fazendo mais
essas preparações. Estão rezando direito a missa. As preparações ficaram em
segundo plano. Nessas preparações têm muitas orações, lê-se muita coisa,
prepara o fiel pra missa. Os fiéis participam dessas preparações. Lá na Síria
eles ainda fazem, mas aqui não. Como aqui o povo frequenta pouco, então
eles já entram direto na missa. A missa começa dessa maneira.
Primeiro faz os pedidos. Depois dos pedidos tem uma procissão dentro
da igreja. Depois tem a segunda procissão, depois do Evangelho. A primeira
procissão é uma preparação para o Evangelho. Ainda tem a Espístola e depois
dela vem o Evangelho. Logo depois do Evangelho tem o credo e então uma
oração um pouco comprida. É a oração do Querubim. Reza o Querubim e tem
outra procissão. O abuna28 leva o cálice e muitas pessoas ficam de joelhos,
porque é como se fosse a passagem da Santíssima Trindade. Por isso as
pessoas põem a mão no manto dele. Às vezes as pessoas doentes, pela fé,
podem ser curadas. Depois vem a consagração, que é a transformação do pão
e do vinho em corpo e sangue de Jesus Cristo. É só o padre que pode fazer
isso, só ele recebe esse poder. Ele é que faz a transformação. Ai vem mais
uma oração, o padre dá a comunhão, tem o Pai Nosso e depois a bênção final.
O padre vem na porta do meio29 e faz a bênção. Após a missa, eles dão o pão.
A comunhão é uma coisa, aquele pão é outra. A gente não tem a hóstia,
porque Jesus disse pra beber e comer o vinho e o pão”.
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Significa nosso pai, é a forma de se referir ao padre. 29
Existe uma parede que separa o altar dos fiéis. Esta parede tem três portas. A porta do meio é chamada de Porta Real. Ninguém pode passar por ela, a não ser o padre, que só a atravessa durante a missa. Fora dos momentos de serviço religioso, nem mesmo ele a atravessa. Todos os celebrantes – inclusive o padre – da missa devem sempre entrar pela porta da direita e sair pela da esquerda. Apenas homens podem ser celebrantes. Isso para prevenir que uma mulher menstruada achegue-se ao altar.
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Foto 12 – à esquerda, Dom Damaskinos Mansour servindo a comunhão à Elmaz Bussab. Ao fundo, o Padre Nicolas Ferzoli.
Foto 13 – à direita, parte do teto e da iconostase30
da Catedral Ortodoxa de
Rio Preto.
É importante notar que o entrevistado não diz Bíblia, mas Evangelho –
por vezes, Santo Evangelho. O livro Doutrina Cristã Ortodoxa – Baseada nos
ensinamentos da teologia ortodoxa (publicado pela Santa Igreja Grego-
Ortodoxa do Brasil em 1957) consiste da forma de catecismo, com perguntas e
respostas. Vejamos algumas dessas perguntas e respostas:
“27. Em quantas partes principais dividem-se as
Sagradas Escrituras?
As Sagradas Escrituras são divididas em duas
partes principais: Antigo ou Velho Testamento e
Novo Testamento.
28. Que significam as palavras: Antigo e Novo
Testamento?
Significam: a antiga união de Deus com os homens
e a nova união de Deus com os homens.
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Parede divisória que separa o santuário da nave do templo. Essa parede possui ao menos
três aberturas para o trânsito dos celebrantes e ministros.
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30. Em que consiste a antiga união de Deus com os
homens (O Velho Testamento)?
Consiste em promessa solene, dada aos homens
pelo Deus Todo-poderoso, de que mandaria o Divino
Salvador para salvar os homens dos seus pecados.
Consistia também em preparar a humanidade para
receber o Filho de Deus.
33. De quantos livros estão constituídas as
Sagradas Escrituras do Antigo Testamento?
Os Santos Cirilo de Jerusalém, Atanásio o Magno e
João Damasceno contam 22 dêstes livros sagrados,
seguindo o exemplo dos antigos hebreus, que
mantiveram êste cálculo nas suas tradições. (S.
Atan. Espístola 39; S. João Damasceno: Teologia –
Livro 4, cap. 17).
39. Que há de importante no livro do Gênesis?
Neste livro encontramos a descrição da criação do
universo e do homem, da história primordial da
humanidade e do estabelecimento dos sentimentos
religiosos entre os primeiros homens.
40. Sôbre que tratam os outros quatro livros de
Moisés?
Êstes livros contam-nos a história da religiosidade
nos tempo de Moisés, como também sôbre as Leis
por êle recebidas de Deus.
41. Que devemos saber sôbre o livro dos Salmos?
O livro dos Salmos não sòmente ensina e eleva a
alma às práticas piedosas, mas contém ainda um
número considerável de profecias sôbre a sagrada
pessoa do Salvador. Êste livro admirável é um guia
magnífico para as preces e a glorificação de Deus,
sendo constantemente utilizado em todos os rituais
da Santa Igreja Cristã Ortodoxa.
53. Que são profecias?
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São as predições exatas das coisas futuras, que não
podem ser conhecidas de alguém, além do Deus
Todo-poderoso.
54. Por que consideramos as profecias o início da
verdadeira revelação divina?
Explicaremos esta pergunta por meio do seguinte
exemplo:
O profeta Isaías predisse com antecedência de
vários séculos, o nascimento de Nosso Senhor
Jesus Cristo da Virgem Maria, fato êste sob hpótese
alguma sequer imaginado naquela longínqua época
histórica. Não resta dúvida alguma de que as
palavras desta proecia foram ditadas ao profeta
Isaías pelo próprio Deus.
Sôbre êste assunto diz-nos o santo apóstolo Mateus:
„Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que
foi dito da parte do Senhor, pelo profeta que diz: eis
que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e
chamá-lo-ão pelo nome de Emanuel, que traduzido
é: Deus conosco‟ (S. Mat. 1, 22, 23)”.
As perguntas por nós selecionadas anunciam algumas peculiaridades
do cristianismo ortodoxo. Vemos, inicialmente, que a Igreja Ortodoxa tem a
Bíblia como livro sagrado – Velho e Novo Testamento. O Velho Testamento
anuncia uma forma antiga de relacionamento de Deus com os homens e o
Novo, uma nova forma. Mesmo sendo Católica, como a Igreja Romana, o
cânon do Antigo Testamento Ortodoxo é aquele que seria adotado pelas
igrejas reformadas no século XVI31, ou seja, sem os livros conhecidos como
apócrifos, adotando apenas os livros hebreus.
Também chamamos atenção para as seguintes frases: com relação ao
livro de Gênesis: estabelecimento dos sentimentos religiosos entre os primeiros
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Para os ortodoxos o Antigo Testamento tem 22 livros enquanto para os protestantes, 39. Isso se dá porque os ortodoxos compilam em um único livro, o que os protestantes consideram diversos. Um bom exemplo são os doze livros dos profetas menores, compilados no livro Dos dozes profetas.
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homens; com relação aos demais livros do Pentateuco: da religiosidade nos
tempo de Moisés; com relação ao livro dos Salmos: Êste livro admirável é um
guia magnífico para as preces e a glorificação de Deus, sendo constantemente
utilizado em todos os rituais da Santa Igreja Cristã Ortodoxa. Nossa intenção
ao fazer tais destaques é demonstrar que, mesmo considerado sagrado, na
prática, o Antigo Testamento não é bem aceito.
Padre Nicolas afirma ser ele um livro de histórias, onde o Deus Jeová
mostra-se um Deus vingativo, diferente do Pai de Jesus Cristo, que é amoroso.
Para ele, somente as palavras dos profetas que anunciam o Cristo e o livro dos
Salmos devem ser considerados. William Suleiman faz a seguinte
consideração: “Se você me perguntar sobre o Velho Testamento eu respondo
que eu não acho nada, eu não gosto. Se eu fosse autoridade religiosa tirava
70% do Antigo Testamento. Tirava e jogava fora. Porque é história, só isso.
Jesus falou: „eu sou maior que o Abraão. Eu sou o senhor do sábado‟. No
Velho Testamento, na mesma página tem uma coisa que contradiz a outra. Eu
deixaria os Salmos e mais alguma coisa”. De fato, não presenciamos nenhuma
leitura véterotestamentária em qualquer uma das missas das quais
participamos – com exceção dos Salmos.
Dois outros hábitos também merecem ser mencionados. O primeiro é a
separação entre homens e mulheres dentro da igreja. Facilmente percebe-se a
presença de visitantes não familiarizados com os costumes ortodoxos
observando o lugar onde sentam. As mulheres, tradicionalmente, sentam-se à
esquerda, enquanto os homens, à direita. Outra sutil característica é a maneira
de fazer o sinal da cruz. Aludindo à Santíssima Trindade, os cristãos ortodoxos
o fazem unindo os dedos polegar, indicador e médio.
Três liturgias são utilizadas pela Igreja Ortodoxa: a de São Basílio
Magno, a dos Pré-Santificados e a de São João Crisóstomo. A primeira e a
última seriam idênticas, não fossem as orações sacerdotais rezadas em voz
baixa, na de São Basílio Magno. Na maior parte do ano utiliza-se a liturgia feita
pelo antigo Patriarca de Constantinopla – São João Crisóstomo. Durante as
missas, diferentes vestimentas são usadas pelos celebrantes. Elas são
vistosas e cheias de detalhes, sua utilização varia de acordo com o status do
celebrante e têm um campo simbólico abrangente.
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Segundo apuramos, a tradição de cantar a liturgia teria sido criada por
São João Damasceno. Ele nasceu em uma família árabe cristã, na capital da
Síria, Damasco, em 675. Seu nome de batismo era João Mansur. Nessa
época, o domínio muçulmano já se fazia presente, mas no início da ocupação,
ainda se permitia alguma liberdade de culto e organização dos cristãos, dessa
forma o convívio entre as duas religiões até era possível.
A família de João Mansur ocupava altos postos no governo da cidade,
que era administrada por um califa muçulmano. Ele se tornou companheiro do
príncipe Yazid e foi nomeado conselheiro do califa. Seu fervor e convicções de
fé o fizeram abandonar o cargo e ingressar na comunidade religiosa de São
Sabas. Dedicou-se à solidão, penitência, estudo da Bíblia e pregação – em
especial na Igreja do Santo Sepulcro. Em seus momentos de solidão, à beira
de um rio, São João Damasceno teria identificado nos sons vindos dos rios os
tons musicais, que lhe inspiraram a musicar toda a liturgia.
As irmãs gêmeas Ana Carolina e Ana Beatriz Assis trabalham na Igreja
Ortodoxa de Rio Preto tocando e cantando durante a missa e nos esclarecem
sobre o assunto: “Nós temos um calendário anual passado pelo padre e o ritual
é sempre o mesmo, mas dentro do calendário tem um hino por domingo. São
os oito tons. Num domingo é o primeiro, no seguinte o segundo, até o oitavo.
Depois volta pro primeiro de novo. Esses tons são hinos. Cada domingo tem o
seu hino – ou tom. Mas quando tem um dia especial, de um padroeiro, por
exemplo, a gente não canta o tom, cantamos o hino especial. No dia da
exaltação da Santa Cruz, por exemplo, não cantamos o tom, cantamos o hino
da Santa Cruz. Em casos assim, o tom é substituído pelo hino especial. Todo
domingo é a liturgia de São João Crisóstomo. A gente canta a liturgia e encaixa
os hinos nela. O padre termina, por exemplo, uma leitura, ai está escrito: „tocar
o hino do dia‟, então é ali que a gente vai encaixar o hino diferente. Depois
volta pra liturgia e vai seguindo. Quando é uma missa especial, ela é em tom
menor, fica mais triste. E nos outros domingos é em tom maior, que é alegre. A
sequência da missa é sempre a mesma, o que muda é uma leitura. Mas é
sempre a mesma sequência, não muda nada”.
São João Damasceno é ainda considerado o último dos santos padres
orientais da Igreja. Ele lutou contra os iconoclastas e até mesmo escreveu um
livro defendendo o culto às imagens chamado Orações sobre as imagens
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sagradas. Parte essencial da religiosidade ortodoxa são os ícones, ou imagens.
Diferentemente da Igreja Romana, não se vê estatuas nos templos, mas figuras
pintadas. Elas estão nas paredes e na iconostase e sua existência é o
resultado de uma série de detalhes. Os pintores, de preferência monges, além
de outras imposições, fazem jejum alimentar e abstêm-se do sexo e bebidas
alcoólicas. O material usado é de origem animal, mineral e vegetal e, ao final, a
obra não é assinada. Isso porque ela é uma obra divinamente inspirada – ao
fim deste trabalho, em anexo, pode-se ver alguns desses ícones. Os fiéis,
desde a infância, são ensinados pela família e por seus líderes a terem uma
relação pessoal intensa com os ícones. Loiacono inclui em seu trabalho a
afirmação de Maria Donadeo quanto a essa relação:
“Quantos fiéis ortodoxos, ainda hoje, se recolhem a orar junto com um ícone, com a confiança de um encontro benéfico, de uma realidade pessoal embora invisível! E quantos, através dos séculos, tem experimentado a eficácia de tais encontros pela própria transformação pessoa!” (DONADEO, 1996, apud, LOIACONO, 2006, p. 36).
O culto a Theotokos – mãe de Deus – é outro importante fator. Esta
forma de se referir à Maria foi confirmada em 431, no Concílio de Éfeso,
vencendo assim o nestorianismo, contrário a esta expressão. Acredita-se que a
Virgem Maria encontra-se em constante intercessão junto a seu Filho por seus
filhos terrenos. Ela sempre é saudada pelos fiéis com a inclinação de suas
cabeças quando entram no templo” (MARTINS, 2008, p. 6). É possível que a
tradição das mulheres de Rio Preto se sentarem nos bancos do lado esquerdo
da Igreja tenha nascido porque o ícone da Virgem Maria está pintado deste
lado. No Calendário de 2002, confeccionado pela Catedral Metropolitana
Ortodoxa, o Arcebispo Metropolitano de São Paulo e de todo o Brasil, Dom
Damaskinos Mansour afirma que “o ícone, palavra que nos vem do grego e
significa „imagem‟, é como um livro completo da Revelação Divina, pois de
forma simples, no todo e em cada detalhe, o ícone nos ensina, nos lembra as
verdades da Fé Cristã”.
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Foto 14 – à direita, Dom Damaskinos Mansour em celebração na Igreja de Rio Preto. Foto 15 – à esquerda, Dom Damaskinos Mansour, Monsenhor Dimitrius Attarian e o Padre Nicolas
Ferzoli
A sede do Arcebispado Metropolitano (Arquidiocese de São Paulo e
todo o Brasil) fica à Rua Vergueiro. É a Catedral Metropolitana Ortodoxa já
citada aqui. Atualmente, o Metropolita da Catedral Metropolitana é Dom
Damaskinos Mansour e o clero é formado pelos Arquimandritas Ignátios Lutfi,
Nicolas Chahda e Dimitrios Attarian e pelos padres José Valério Lopes dos
Santos e Gregório Teodoro. Na cidade de São Paulo ainda estão a Igreja
Anunciação de Nossa Senhora (desde 1902), a Capela São Jorge – Lar Sírio
Pró-Infância (desde 1937) e a Capela Santo Antoun – Asilo Mão Branca. No
Estado de São Paulo o Patriarcado Antioquino se faz presente com: a Catedral
em São José do Rio Preto (1936 – lançamento da pedra fundamental),
Paróquia Ortodoxa Sagrada Família de Cotia, Paróquia Ortodoxa Nossa
Senhora de Campinas, Igreja Ortodoxa São Jorge de Santos (desde 1957),
Igreja Ortodoxa da Anunciação de Nossa Senhora de Ituverava (desde 1925),
Igreja Ortodoxa São Jorge de Biriri (desde 1933) e a Igreja Ortodoxa Nossa
Senhora de Lins.
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Foto 16 – Catedral Metropolitana Ortodoxa
Mas o Patriarcado não está apenas no Estado de São Paulo. No
Paraná, desde 1954 existe a Igreja Ortodoxa São Jorge de Curitiba. Em Goiás,
a Igreja Ortodoxa São Jorge de Anápolis, a Igreja Ortodoxa São Nicolau de
Goiânia (desde 1956) e a Igreja Ortodoxa São João Batista de Ipameri. Em
Minas Gerais estão a Igreja Ortodoxa São Jorge de Belo Horizonte (1938) e a
Igreja Ortodoxa Santo Elias Profeta de Guaxupé (1927). E finalmente, o
Patriarcado Antioquino está presente na capital do país com a Igreja Ortodoxa
São Jorge de Brasília.