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1 Resumo: O presente artigo tem o objetivo de demonstrar o funcionamento do inquérito policial dentro do sistema processual Acusatório, o qual fora adotado pela Constituição Federal de 1988. Através da pesquisa bibliográfica foram trazidas as distinções entre os dois institutos, sendo o sistema acusatório garantidor do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, diferente do Inquérito Policial que tem características inquisitivas. Tendo em vista a diferença entre os dois institutos, o artigo através de uma pesquisa exploratória, utilizando-se apenas de revisões bibliográficas, demonstra o papel do inquérito policial dentro do sistema acusatório. Logo, concluir se a condenação com base exclusivamente em provas colhidas no curso do inquérito policial prejudica o sistema processual acusatório. Palavras Chaves: Sistema acusatório. Inquérito policial. Devido processo legal. Ampla defesa e contraditório Abstract: This article aims to demonstrate the operation of the police investigation into the procedural system accusatory , which had been adopted by the Federal Constitution of 1988. Through literature distinctions were brought between the two institutes, being the guarantor adversarial system of due process cool, ample defense and contradictory, unlike the police inquiry that has inquisitive features. Given the difference between the two institutes, the article by an exploratory research, using only bibliographic review, demonstrates the role of the police investigation into the adversarial system. So complete was the conviction based solely on evidence gathered in the police investigation course affect the procedural system accusatory. Key Words : System accusatory. Police inquiry. Due of process law. defense and contradictory Sumário: Introdução. 1. Evolução histórica dos sistemas processuais. 1.1. Evoluções históricas do inquérito policial. 1.2. Código processual Penal 1941. 1.3. Constituição de 1988. 2. Princípios processuais penais. 2.1. Princípio da não-culpabilidade. 2.2. Devido processo legal. 2.3. Contraditório e ampla defesa. 3. Sistemas processuais. 3.1. Sistema inquisitivo. 3.2. Sistema acusatório. 3.3. Sistema misto. 4. Inquérito policial. 4.1. Características. 5. A condenação fundamentada somente no inquérito policial prejudicaria o sistema acusatório? Considerações finais. Referências Bibliográfica. A PREJUDICIALIDADE DO SISTEMA PROCESSUAL ACUSATÓRIO DEVIDO A CONDENAÇÃO COM BASE EXCLUSIVAMENTE EM PROVAS COLHIDAS NO CURSO DO INQUÉRITO POLICIAL THE PREJUDICIAL OF PROCEDURE SYSTEM DUE ACCUSATORY CONDEMNATION WITH ONLY BASED ON EVIDENCE TAKEN IN THE COURSE OF POLICE INVESTIGATION Gustavo Henrique dos Santos 1 Raíssa Pacheco S. Mendes 2 1 Aluno do curso de direito, trabalho de conclusão de curso. 2 Orientadora do curso de Direito da Faculdade Icesp Promove.

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Resumo: O presente artigo tem o objetivo de demonstrar o funcionamento do inquérito

policial dentro do sistema processual Acusatório, o qual fora adotado pela Constituição

Federal de 1988. Através da pesquisa bibliográfica foram trazidas as distinções entre os dois

institutos, sendo o sistema acusatório garantidor do devido processo legal, ampla defesa e

contraditório, diferente do Inquérito Policial que tem características inquisitivas. Tendo em

vista a diferença entre os dois institutos, o artigo através de uma pesquisa exploratória,

utilizando-se apenas de revisões bibliográficas, demonstra o papel do inquérito policial dentro

do sistema acusatório. Logo, concluir se a condenação com base exclusivamente em provas

colhidas no curso do inquérito policial prejudica o sistema processual acusatório.

Palavras Chaves: Sistema acusatório. Inquérito policial. Devido processo legal. Ampla

defesa e contraditório

Abstract: This article aims to demonstrate the operation of the police investigation into the

procedural system accusatory , which had been adopted by the Federal Constitution of 1988.

Through literature distinctions were brought between the two institutes, being the guarantor

adversarial system of due process cool, ample defense and contradictory, unlike the police

inquiry that has inquisitive features. Given the difference between the two institutes, the

article by an exploratory research, using only bibliographic review, demonstrates the role of

the police investigation into the adversarial system. So complete was the conviction based

solely on evidence gathered in the police investigation course affect the procedural system

accusatory.

Key Words : System accusatory. Police inquiry. Due of process law. defense and

contradictory

Sumário: Introdução. 1. Evolução histórica dos sistemas processuais. 1.1. Evoluções

históricas do inquérito policial. 1.2. Código processual Penal 1941. 1.3. Constituição de 1988.

2. Princípios processuais penais. 2.1. Princípio da não-culpabilidade. 2.2. Devido processo

legal. 2.3. Contraditório e ampla defesa. 3. Sistemas processuais. 3.1. Sistema inquisitivo. 3.2.

Sistema acusatório. 3.3. Sistema misto. 4. Inquérito policial. 4.1. Características. 5. A

condenação fundamentada somente no inquérito policial prejudicaria o sistema acusatório?

Considerações finais. Referências Bibliográfica.

A PREJUDICIALIDADE DO SISTEMA PROCESSUAL ACUSATÓRIO DEVIDO A

CONDENAÇÃO COM BASE EXCLUSIVAMENTE EM PROVAS COLHIDAS NO

CURSO DO INQUÉRITO POLICIAL THE PREJUDICIAL OF PROCEDURE SYSTEM DUE ACCUSATORY CONDEMNATION WITH ONLY

BASED ON EVIDENCE TAKEN IN THE COURSE OF POLICE INVESTIGATION

Gustavo Henrique dos Santos1

Raíssa Pacheco S. Mendes2

1Aluno do curso de direito, trabalho de conclusão de curso.

2Orientadora do curso de Direito da Faculdade Icesp Promove.

2

Introdução

O objetivo deste trabalho é a demonstração da finalidade do Inquérito Policial dentro do

ordenamento jurídico brasileiro, que optou pelo Sistema Processual Acusatório. Portanto,

verificando se a condenação com base somente nos elementos colhidos no inquérito policial

prejudica o sistema processual acusatório.

Assim, o primeiro capítulo traça um breve histórico acerca de qual sistema processual foi

adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro nos dias atuais. Nesta linha cronológica, através

de pesquisa bibliográfica, será abordada a origem do sistema acusatório na sociedade e suais

raízes dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Tendo em vista a Constituição Federal de

1988, ser mais recente que o Código Processual Penal 1941, houve uma divergência em qual

de fato seria o sistema adotado. Em seguida, a origem do inquérito policial será discorrida em

breves relatos, mostrando a evolução do mesmo até chegar ao modelo adotado pelo Brasil.

O segundo capítulo, por sua vez, elenca os princípios norteadores do processo penal, com

intuito de esclarecer o motivo pelo qual o Sistema Acusatório foi adotado pelo ordenamento

jurídico brasileiro. Os principais princípios garantidores do processo acusatórios estão

dispostos no presente artigo, sendo elencados, o princípio da não-culpabilidade, que assegura

o estado de inocência até o trânsito julgado da sentença; o devido processo legal sendo um

princípios norteador e garantidor do cumprimento das normas constitucionais; o contraditório

e ampla defesa princípios que asseguram um processo sem arbitrariedade estatal.

No terceiro capítulo serão abordados os tipos de sistemas processuais existentes no mundo

jurídico, sendo estes adotados de acordo com o momento político vigente no país. Conceitos

doutrinários acerca de todos os sistemas estão no artigo. As características do sistema

acusatório, inquisitivo e misto serão elencadas.

O quarto capítulo explica o conceito do inquérito policial, de forma sintética, este trata-se

de procedimento pré-processual, com valor probatório relativo, responsável pela colheita de

elementos informativos para dar justa causa a denúncia do titular da ação penal pública ou a

queixa do ofendido.

As principais características do inquérito policial que incidirão no presente artigo foram

expostas de forma didática e detalhadas, estas são: inquisitivo, pois não é dotado de todas as

garantias constitucionais, tais como a falta da ampla defesa e contraditório; sigiloso, pois por

se tratar de procedimento e não processo os atos não serão dotados de publicidades,

ressalvando o acesso do membro do ministério publico e juiz; a discricionariedade que

3

permite a autoridade policial agir conforme a sua conveniência, lhe dando livre autorização

para diligenciar a investigação. O intuito desta abordagem é de demonstrar a

incompatibilidade desse instrumento de colheita de elementos informativo com a segunda

fase da persecução penal brasileira, devido a sua falta de garantias constitucionais

processuais.

O quinto capítulo, a prejudicialidade do sistema acusatórios devido à condenação

fundamentada exclusiva em elementos colhidos no curso do inquérito penal, busca

demonstrar se o inquérito oferta ao juiz à possibilidade de utilizar apenas os elementos

informativos colhidos pela autoridade policial, no embasamento da sua decisão. Neste tópico

é trazida jurisprudência a cerca da problemática, com entendimentos de juristas em relação a

quando deve ser embasada a condenação somente no inquérito.

A demonstração dos elementos trazidos pelo presente artigo norteia a conclusão da

problemática. O sistema acusatório garante um processo longe de arbitrariedade e

transparente, este é rodeado pelas garantias constitucionais. O inquérito policial é um

procedimento pré-processual, não havendo necessidade de obter as mesmas garantias da

segunda fase da persecução penal, pois o intuito é a colheita de elementos informativos,

assegurando ao membro do Ministério Público, titular da ação ou ofendido nas ações

privadas, a justa causa.

Portanto a super valorização feita pelo magistrado dos elementos colhidos pela autoridade

policial compromete todo o sistema acusatório, sujeito a revisão em grau superior de

jurisdição, a incompatibilidade entre as duas fases da persecução penal é nítida, devendo

existir um marco separatório entre ambas.

1. Evolução Histórica dos sistemas processuais penais

Os sistemas processuais foram evoluindo de acordo com cada civilização. Consoante a

doutrina de LIMA, "[...] na Grécia, os chamados crimes privados eram reprimidos por

particulares, cabendo à sociedade a repressão aos crimes públicos, e os chamados crimes

políticos eram apreciados pela Assembleia do Povo”.1

Observa-se que na sociedade grega os crimes que eram de jurisdição do Estado, estavam

relacionados com a coletividade, deixando o particular responsável pelos crimes individuais.

1 LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal. 3. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.

1, vol. 1.

4

Ou seja, a pretensão punitiva não era exclusividade do Estado, o particular, também a exercia,

nos chamados crimes particulares.2

Conforme LIMA, na Roma antiga os delitos privados tinham como árbitro o Estado, onde

as provas eram julgadas conforme as partes alegavam. Entretanto, com o passar do tempo, o

processo penal privado fora substituído pelos julgamentos dos delitos públicos. Neste

processo público não existia a limitação Estatal em relação aos julgamentos, somente depois

surgiu a Lex Valeria de Provocatione, dando o direito ao réu de recorrer para um comício

popular.3

Com o surgimento da República Romana, as chamadas centúrias exerciam a justiça penal,

tendo como composição os patrícios e plebeus, com o Senado Romano atuando somente em

julgamentos excepcionais. No fim da República foi criado um tribunal popular, onde era

formado pelos senadores, e logo após, por cidadãos, este sistema era chamado de accusatio.4

Após o surgimento do Império, criou-se um novo processo penal, a cognitio extra

ordinem, sendo o Senado competente para o julgamento, e mais à frente ao imperador, e,

tempos após, ao paraefectus urbis. As funções de acusador e juiz pertenciam ao julgador

Romano, admitia-se a tortura e prisão cautelar era generalizada.5

A evolução do processo penal começou inicialmente na Roma antiga, dando origem a uma

nova fase na Republica Romana e finalizando no Império. No último período surgiram muitos

dos direitos, formas procedimentais e garantias no sistema processual penal, adotado até os

dias de hoje, tais como: os vestígios dos princípios do devido processo legal, ampla defesa e

contraditório.6

Há uma grande influência do Império Romano no sistema processual penal brasileiro, pois

antes da Constituição Federal de 1988, a iniciativa para ação penal era do magistrado, assim

como ocorria no processo penal em Roma, onde o magistrado exercia o papel de acusador e

julgador. Nos dias atuais, dado ao modelo adjetivo proposto pelo Texto Fundamental de 1988,

o juiz não é mais encarregado dessa função.7

1.1 Evoluções históricas do inquérito policial

2 LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal. 3. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.

1, vol. 1 3 Idem. 4 Idem. 5 Idem. 6 Idem. 7 Idem.

5

Conforme MEHMERI, a utilização do inquérito originou-se na Roma. Todavia, em

Atenas já utilizavam-se um tipo peculiar de inquérito, com objetivo de encontrar a autoria

de probidades familiares e individuais, inexistia o contraditório.8

Em Roma, o titular do inquérito era o povo, sendo responsável pela colheita de provas,

através da atividade investigativa, com objetivo de encontrar a autoria do delito e a

materialidade. Os romanos aplicavam o contraditório na investigação, pois o acusado tinha

a possibilidade de provar sua não culpabilidade.9

Consoante SILVA, no Brasil a investigação começou com o Código de 1832, com a

criação do Juizado de Paz, que possui funções tanto policiais quanto judiciárias. Fora criado

também no mesmo período o Juizado de Instrução, que não foi muito aceito pela população,

devido sua desorganização, motivando a transformação do sistema, elaborando então a Lei 3

de setembro de 1841, restringindo a função dos Juízes de Paz, atribuindo a função a

autoridade policial.10

SILVA discorre que a Lei Imperial nº 261, de 3 de dezembro de 1841 transferiu para as

autoridades policiais as prerrogativas atribuídas aos Juízes de Paz, pelo art. 12 §§ 1º, 2º, 3º,

4º, 5º e 7º do Código do Processo Criminal, possibilitando o fornecimento de fiança,

averiguar fato ilícito, oferecer mandados de busca, e outras funções típicas.11

Logo após, a regulamentação pelo Decreto Lei nº 4824, a Lei nº 2033, de 20 de

setembro de 1871, originou o Inquérito Policial no Brasil, definindo o inquérito policial

como todas as diligências necessárias para a descoberta dos fatos criminosos, de suas

circunstâncias e de seu instrumento por escrito. O inquérito passou a ser remetido ao juiz,

com o relatório da autoridade policial.12

E por fim, em 1941 pelo Decreto Lei 3.689, deu origem ao Código de Processo Penal,

contendo o Titulo II, tipificado nos artigos 4º ao 23, todo os procedimentos do Inquérito

Policial.13

1.2 Código Processual Penal 1941

8 MEHMERI, Adilson. Inquérito policial (Dinâmica). São Paulo: Saraiva, 1992, p. 1, 2 e 3. 9 Idem. 10 SILVA, José Geraldo da. O Inquérito Policial e a Policia Judiciária. 4º ed. São Paulo: Ed. Millennium,

2002, p. 64. 11 Idem. 12 SILVA, José Geraldo da. O Inquérito Policial e a Policia Judiciária. 4º ed. São Paulo: Ed. Millennium,

2002, p. 64. 13 Idem.

6

O Código de Processo Penal é vigente até os dias de hoje embora seja antigo, decorrente

do ano de 1941. Segundo OLIVEIRA, a inspiração para o Código foi à legislação processual

penal italiana, editada na década de 1930, durante o regime fascista, ou seja, a legislação

adjetiva penal brasileira, vigente até os dias atuais, possui fortes influências daquele regime.14

Conforme OLIVEIRA, no Código de Processo Penal de 1941, a culpa era antecipada pelo

fato de existir uma acusação, presunção de culpa, pois ninguém acusa um inocente. Este

pensamento vinha do autoritarismo adotado no fascismo, presente no regime italiano do

período de 1930. É lamentável que o Brasil tenha produzido gerações de juristas e aplicadores

do direito que até hoje apresentam dificuldade de se desvincular do passado.15

O sistema instituído pelo Código de Processo Penal de 1941 seguia a linha autoritária e

vigorava presunção de culpabilidade. No momento em que a ação penal pudesse se dar por

iniciativa do magistrado ou da autoridade policial, predominava o sistema inquisitivo no

ordenamento brasileiro.16

O advento da Carta Magna de 1988 foi fundamental para o fim do que restava de fascismo

e autoritarismo do então Código de 1941. Dessa forma, houve uma evolução significativa do

sistema processual brasileiro. A reforma trouxe um sistema de direitos e garantias

constitucionalmente positivadas, fortalecendo a presunção de inocência, devido processo

legal, ampla defesa e contraditório.17

1.3 Constituição de 1988.

Após a promulgação da Constituição de 1988, fora nítida a divergência entre as garantias

estipuladas na norma suprema em comparação com o ultrapassado Código de Processo Penal

de 1941.

Conforme OLIVEIRA, a Constituição de 1988 divergiu do Código de Processo Penal, no

momento em que trouxe para o seu texto o diferente posicionamento em relação a quem não

tiver reconhecida a sua responsabilidade penal por sentença condenatória passada em

julgado18: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.19

14 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10° ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 5,

6 e 7. 15 Ibidem, Pag. 6. 16 Idem 17 Idem 18 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 7. 19 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Constituição Federal. Brasil, 1988.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em:

20 abr. de 2016.

7

Não prevalecia mais o princípio da presunção de culpabilidade do Código de Processo

Penal de 1941. A possibilidade do exercício da ação penal pelo magistrado ou autoridade

policial não se fundava mais, passando a ser exclusividade do Ministério Público. Observa-se

também a instituição das garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório

e da ampla defesa.

2. Princípios Processuais Penais

O Código de Processo Penal deve estar em consonância com os princípios presentes na

Carta Magna, a fim de garantir um processo justo e livre de arbitrariedades.

Sendo assim, ensina TÁVORA e ALENCAR que o processo penal deve se adequar e ter

como base principal a Constituição Federal. O processo deverá combater as arbitrariedades do

Estado, preservando as garantias do imputado e ao mesmo tempo assegurando para a

sociedade a efetiva prestação jurisdicional. Sendo este considerado como um todo, garantia do

cumprimento da norma constitucional.20

Sendo assim, a garantia de um processo justo que o particular tem em relação ao Estado

Soberano, este em relação de superioridade, é a aplicação das garantias prevista na Lei Maior.

Portanto é fundamental a aplicação dos princípios ao caso concreto.21

2.1 Principio da não-culpabilidade

Com o advento da Constituição de 1988, conforme fora abordado anteriormente neste

trabalho, o Código de 1941 passou a ser obsoleto em relação aos resquícios fascistas e

arbitrários. Uma das principais reformas trazidas foi a introdução do principio da presunção

de inocência ou não culpabilidade. Sendo reconhecida a autoria da infração, somente, após o

trânsito em jugado da sentença condenatória, após ser submetido o réu a um processo

legalista, com todas as garantidas constitucionais. 22

Ensina TOURINHO FILHO que este princípio tem origem no movimento filosófico-

humanitário chamado “Iluminismo”, ou Século das Luzes, que teve à frente, dentre outros, o

Marques de Beccaria, Voltaire e Montesquieu, Rousseau, refazendo o art. 9º. da Declaração

dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada em Paris em 26-8-1789. Sendo o fim do

20 TAVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito Processual Penal. 9. Ed. São Paulo:

Jus Podivm, 2014. Pag. 60. 21 Idem. 22 Idem.

8

pensamento da época, onde prevaleciam às torturas, acusações secretas e não possuindo o

acusado as garantia constitucionais.23

Conforme TAVORA e ALENCAR, o princípio da presunção de inocência possui dois

fundamentos: o de juízo, ou probatório, onde a parte acusadora tem o dever de comprovar a

culpabilidade do acusado, não incumbindo este de provar sua inocência, e a forma de

tratamento, a qual a culpabilidade só será atribuída após sentença com trânsito em julgado,

impedindo a condenação antecipada.24

Portanto, o princípio da não-culpabilidade ou princípio da inocência afirma que o

particular não está em igualdade com o Estado, uma vez que este tem um aparato maior,

recursos, para comprovar a culpabilidade do acusado. O combate a arbitrariedade

historicamente presente no passado, se torna uma característica desse principio, evitando

assim prisões ilegais, sem justa causa, torturas e acusações secretas. Sendo a culpabilidade

afirmada somente com o trânsito da sentença, depois de esgotado todos os recursos

processuais.25

2.2 Devido processo legal

O princípio do devido processo legal está previsto na Carta Magna de 1988, de forma que

venha a garantir que o Estado não exceda os seus limites dentro do processo penal,

observando sempre os tramites legais impostos pelo poder constituinte. Garantindo que

ninguém será privado de seus bens ou liberdade sem que haja o devido processo legal.26

Conforme PAULO e ALEXANDRINO, o princípio do devido processo legal constitui

uma das mais importantes garantias constitucionais do processo, devendo ser feita sua

combinação com o princípio da inafastabilidade de jurisdição (CF, art. 5°, XXXV) juntamente

com os princípios do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5°, LV). Sendo, portanto esses

três princípios garantias processuais basilares do individuo no Estado Democrático de Direito.

Dentro do devido processo legal, ramificam outros princípios da ordem processual, tais como:

o juiz natural; a não admissibilidade de provas ilícitas no processo; a publicidade do processo;

as decisões motivadas. 27

23 FILHO, Tourinho. Dos delitos e das pena. São Paulo: Atena ed. 1954, p. 106. 24 TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo:

Jus Podivm, 2014, p. 61. 25 Idem. 26 Idem. 27 PAULO, Vicente. ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. 12. Ed. Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014, p. 187

9

Portanto, observa-se que o princípio do devido processo legal, possui uma grande

amplitude, sendo um princípio base, norteador de todos os demais que devem ser observados

no processo.28

2.3 Contraditório e ampla defesa

Os princípios do contraditório e ampla defesa estão previstos expressamente na Carta

Magna de 1988, nos seguintes termos:

Art. 5°. LV- aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos

acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os

meios e recursos a ela inerentes;29

Os princípios constitucionais supracitados estão presentes tanto na via administrativa

como na judicial. É inerente do devido processo legal, visto que um processo sem defesa,

publicação e recursos será eivado das garantias constitucionais.30

Conforme ensinamentos de PAULO e ALEXANDRINO, a ampla defesa é o direito

conferido pela constituição de levar ao processo, seja ele, judicial ou administrativo, todos os

possíveis elementos de prova lícita, em busca da verdade, ou a possibilidade de ficar em

silêncio, evitando que produza provas contra si. 31

Preceitua TÁVORA que a defesa possui três divisões: a defesa técnica conhecida também

como defesa processual, exercida por um profissional que seja habilitado, sendo esta

obrigatória; a autodefesa feita pelo acusado, modalidade facultativa. Há uma subdivisão da

autodefesa: sendo o direito de audiência, o qual o acusado poderá contribuir na defesa por

meio do interrogatório; o direito de presença que garante a possibilidade do acusado de se

fazer presente, durante todo momento, sobre o conteúdo que é produzido no processo, sendo-

lhe assegurada a proximidade ao defensor, juiz e as provas. 32

O princípio da ampla defesa consiste em oferecer ao acusado todos os meio legais de

defesa, a fim de garantir um processo justo. Abrange a possibilidade de autodefesa no

28 PAULO, Vicente. ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. 12. Ed. Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014, p. 187 29 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Constituição Federal. Brasil, 1988.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em:

20 abr. de 2016. 30 Idem. 31 Ibidem, p. 190. 32 TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito Processual Penal. 9. Ed. São Paulo:

Jus Podivm, 2014, p. 65.

10

interrogatório do acusado, além da defesa técnica que e constituída por um Advogado ou

defensor dativo ou “ad hoc”.33

Ensinam PAULO e ALEXANDRINO que o contraditório é o direito do acusado de ter

ciência e responder tudo o que for trazido pela parte contrária ao processo. Este princípio que

conduz todo o andamento da marcha processual, onde a acusação apresenta seus atos e a

defesa poderá divergir do que fora levado em juízo, apresentando contrarrazões com

posicionamentos diferentes das alegações do autor. O contraditório equipara os direitos de

acusação e defesa, assegurando isonomia entre as partes do processo. 34

Conforme TÁVORA, o contraditório reflete do binômio ciência e participação, presente

no art.5°, inc, LV, da CF/88, garante as partes a possibilidade de contribuir para o

convencimento do juiz, assegurando dentro da marcha processual a participação e

manifestação das partes. A Constituição de 1988 trouxe para o seu texto de forma expressa o

princípio do contraditório, sendo reconhecido como direito de primeira dimensão,

preservando a liberdade do acusado. 35

Portanto, o princípio do contraditório está relacionado com a informatização dos atos

processuais as partes. É direito das partes ciência dos atos processuais praticados e à

oportunidade para opor argumentos em face deles, mesmo que geralmente facultativo.36

3. Sistemas processuais

O ordenamento jurídico e composto por três tipos de sistemas processuais: acusatório,

inquisitivo e misto.

De acordo com TÁVORA, citando PRADO, a principal função da forma processual é

combater o arbitramento estatal através de garantias, enquadrando-se o processo à

Constituição Federal. Portanto o sistema processual penal está abrangido pelo sistema

judiciário, sendo uma espécie do sistema constitucional, que origina do sistema político. 37

Neste sentido, RANGEL define que os sistemas processuais são o conjunto de princípios e

normas constitucionais, variando conforme o momento político em que se encontra o Estado,

33 TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito Processual Penal. 9. Ed. São Paulo:

Jus Podivm, 2014, p. 63. 34 PAULO, Vicente. ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. 12. Ed. Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014, p. 191. 35 Ibidem, p. 64. 36 Idem. 37 Ibidem, p. 45.

11

estabelecendo os posicionamentos a serem seguidos quanto a aplicação do direito penal em

cada caso real. 38

Observa-se que cada país adota o sistema processual de acordo com o cenário político.

Sendo assim, a processo penal sofre grande influência politica na elaboração das normas e

princípios.39

3.1 Sistema inquisitivo

No sistema inquisitivo há uma monopolização da figura do acusador, defensor e julgador,

sendo uma única pessoa responsável por esse papel. A falta de garantias constitucionais é

marcante neste sistema. O interesse coletivo prevalece ao individual, sendo a única

preocupação a punição estatal.40

De acordo com TÁVORA o lema do sistema inquisitivo é a efetiva prestação

jurisdicional, a celeridade e a necessidade de segurança, motivo pelo qual o acusado, não

passa de um figurante, não sendo considerado um sujeito titular de direitos e sim um objeto

do processo penal. Prevalece neste sistema o interesse coletivo, da sociedade, sobrepondo

sempre aos interesses do individuo.41

Há uma mitigação das garantias legalistas individuais em prol da segurança da

coletividade, acaba sendo um sistema adotado por regimes políticos que não respeita a

liberdade individual.42

Conforme TÁVORA, os preceitos do Código de Processo Penal brasileiro, de 1941,

derivou-se do Código Rocco, da Itália, presente os mesmos pensamentos de fundamentos

fascistas. O magistrado era detentor de uma posição hierarquicamente superior às partes

presentes na relação jurídica processual, sendo considerada uma parte em alto patamar, não

preservando sua imparcialidade nas decisões do processo.43

Isso explica o clamor que foi feito com o advento da Carta Magna de 1988, que trazia em

seu texto garantias individuais e coletivas. O Código de 1941 acabou deixando de ser

totalmente inquisitivo, restando apenas alguns resquícios, como a fase pré-processual.44

38 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, Pag. 49. 39 Idem. 40 TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito Processual Penal. 9. Ed. São Paulo:

Jus Podivm, 2014, p. 47. 41 Idem. 42 Idem. 43 Idem. 44 Idem.

12

Observa-se nesse sistema a falta da ampla defesa e contraditório, presunção de inocência

entre outras garantias que tornam o devido processo legal maculado vícios.45

3.2. Sistema acusatório

O sistema Acusatório foi trazido no texto constitucional de 1988, adotando diversas

garantias individuais, pondo fim ao modelo fascista adotado pelo Código de Processo Penal

de 1941. Promoveu o “parquet” com o detentor da ação penal, distinguindo a figura do

acusador, defensor e julgador.46

Preceitua BRASILEIRO que o processo é composto pelos princípios do contraditório, da

ampla defesa e da publicidade durante todas as fases; possuindo um órgão julgador atribuído

de imparcialidade; sendo o livre convencimento motivado do magistrado presente no sistema

de valorização das provas. 47

Diferentemente do sistema inquisitivo, o acusatório possui todas as garantias legais ao

acusado. Fator este que contribui para um processo transparente e menos propício a

injustiças.48

Ensina TÁVORA que o sistema acusatório adotado pelo Brasil não é puro, sendo este

relativo, pois o juiz não está totalmente amarrado, inerte, dentro do processo penal, podendo

agir, mesmo que de formas excepcionais, ter iniciativa probatória, e ainda, poderá também

conceder, “ex oficio”, “habeas corpus” e decretar prisão preventiva, bem como ordenar e

modificar medidas cautelares. Sendo indicado pela relatoria da Comissão do Projeto de

Código de Processo Penal, que não seja feita uma leitura extremista do princípio acusatório.49

Portanto houve uma adaptação do sistema acusatório brasileiro, tendo o magistrado a

possibilidade de agir em determinadas situações de oficio.50

Conforme TÁVORA, o inquérito policial encontra-se presente na fase pré-processual,

com objetivo de embasar a formação da denúncia pelo Ministério Público, titular da ação,

inexistindo partes, ampla defesa ou contraditório. Por ser considerado o inquérito apenas fase

pré-processual, este não possibilita a descaracterização do sistema acusatório. 51

45 TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito Processual Penal. 9. Ed. São Paulo:

Jus Podivm, 2014, p. 48. 46 Idem. 47 BRASILEIRO, Renato. Manual de Processo Penal. 4. Ed. São Paulo: Jus Podivm, 2015, p. 6. 48 Idem. 49 Idem. 50 Idem. 51 Idem.

13

Sendo assim, o Inquérito policial não possui o condão de transformar o sistema acusatório

em inquisitivo, uma vez que, este é um procedimento investigativo da autoridade policial, não

vinculando nem o juiz nem o “parquet”.52

3.3 Sistema misto

O sistema misto é composto por duas fases: a primeira é conduzida pelo juiz de forma

inquisitiva, escrita e sigilosa; sendo segunda, judicial, separando o julgador do acusador.53

Conforme LOPES, o sistema misto é formado por duas fases, a primeira fase é a da

investigação preliminar. Está presente a forma inquisitiva, a qual o procedimento é presidido

pelo juiz, buscando provas, elementos e informações para que na segunda fase embasar sua

acusação presente ao Juízo competente. Segue igualmente o sistema inquisitivo, onde juiz é o

gestor das provas. 54

Por fim, a segunda parte é a judicial, a fase processual. Nesta fase, há separação do órgão

acusador, que poderá ser o Ministério Publico ou ofendido do julgador, que será

exclusivamente o juiz. Esta segunda fase é falsa, pois embora presente as características do

sistema acusatório, o juiz continua sendo o gestor das provas, comprometendo a

imparcialidade do processo.55

Consoante TÁVORA, o sistema misto é caracterizado por uma instrução preliminar,

secreta e escrita, a comando do juiz, detentor de poderes inquisitivos, objetivando colher

provas, e uma segunda fase contraditória (judicial) em que é feito o julgamento, presente as

garantias constitucionais, tai como o exercício da ampla defesa e todos os direitos dela

derivados.56

4. Inquérito policial

O inquérito policial integra a fase pré–processual da persecução penal, sendo considera

procedimento, servindo com elemento informativo para o ensejo da Ação Penal. 57

Ensina TÁVORA que o inquérito policial tem natureza instrumental, comparado com o

processo penal, sua instrumentalidade é preliminar, seu objetivo é o esclarecimento prévio das

52 TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito Processual Penal. 9. Ed. São Paulo:

Jus Podivm, 2014, p. 48. 53 Idem. 54 LOPES JR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva,

2012, p. 130. 55 Idem. 56 Idem. 57 Idem.

14

ações ditadas como delituosas antes do oferecimento da ação penal. O fato de o processo

penal ferir a dignidade do acusado revela a importância da instauração do inquérito.58

Sendo assim, sua instrumentalidade revela duas funções; a preservadora: apesar de o

inquérito policial ser dispensável, podendo a ação ser oferecida com embasamento em

simples peças de informação, o fato é que sua instauração evita ações penais temerárias, sem

justa causa ou infundadas, com vantagens a economia processual; preparatória: oferta

elementos informativos, preservando a prova contra a ação do tempo e oferecendo vigor a

justa causa para ação penal.59

Portanto, embora o inquérito policial seja peça dispensável para a propositura da ação

penal, e de observar, como fora dito, que as investigações esclarecem as incertezas da

propositura da ação penal. Logo, contribui também para a proteção de provas e para a justa

causa da ação penal.60

4.1 Características

O inquérito policial possui características diferentes do processo, pois este é peça de

elemento informativo, que não passa pelo crivo da ampla defesa e contraditório, devido à falta

destas garantias se torna inquisitivo.61

Conforme TÁVORA, o inquérito é inquisitivo, pois as atividades investigativas estão

concentradas nas mãos de uma única autoridade, não havendo possibilidade da presença das

garantias ao investigado do exercício do contraditório ou da ampla defesa. Nesta fase pré-

processual não há de se falar em partes, existe a autoridade investigando e o suposto autor da

infração geralmente na condição de indiciado.62

Sendo assim, o inquérito policial embora seja inquisitivo, não tendo as garantias

processuais previstas na Constituição, não é inconstitucional, pois se trata de fase pré-

processual.63

Outra característica diferente da fase processual é o sigilo assegurado no Inquérito

Policial. Este não possui a mesma publicidade que a segunda fase da persecução penal. De

acordo com TÁVORA, diferentemente do que ocorre no processo, o inquérito não comporta

58 TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito Processual Penal. 9. Ed. São Paulo:

Jus Podivm, 2014, p. 10. 59 Idem. 60 Idem. 61 Idem. 62 Ibidem, p. 120. 63 Idem.

15

publicidade, tratando de procedimento sigiloso, tipificado pelo art. 20 do CPP que ‘’ a

autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo

interesse da sociedade’’.64 O sigilo não alcança o juiz, nem ao membro do Ministério

Publico.65

O sigilo do inquérito não prejudica o investigado, pelo contrário serve como proteção das

provas. Por ser um procedimento a falta de publicidade não o torna inconstitucional.66

Outra característica importante é a discricionariedade, conforme preceitua TAVORA, a

fase pré-processual diverge do procedimento que é adotado em juízo. O delegado ao dar

andamento na investigação de forma que lhe for conveniente, não sendo observado um rito

processual, pois não se trata de processo e sim procedimento. Fica a cargo do delegado de

policia o desenvolvimento das diligências policiais. 67

Por fim, existem outras características que não apresentam uma diferença significativa em

relação ao sistema acusatório, tais como: escrito, oficialidade, indisponibilidade e

dispensabilidade.68

5. A condenação fundamentada somente no inquérito policial prejudicaria o

sistema acusatório?

Devido ao valor probatório relativo do inquérito policial, surge no meio jurídico a dúvida,

da possibilidade de condenação fundamentada somente no inquérito policial. Por se tratar de

peça de cunho procedimental, servindo como elemento informativo para o Ministério Público

embasar a ação penal. Suas características inquisitivas, devido à falta de ampla defesa e

contraditório, tornam as provas colhidas no inquérito incompatíveis com os preceitos do

sistema acusatório. Não podendo o magistrado fundamentar a condenação exclusivamente nos

elemento colhidos no inquérito.69

Conforme TÁVORA o valor probatório do inquérito de policia é relativo, por ser

necessária a confirmação de outros elementos colhidos durante a instrução processual. O

inquérito possui o objetivo de conferir suporte na formação da opinião delitiva do titular da

64 BRASIL. Decreto-Lei n°3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, 1941.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 abr. de

2016. 65 TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito Processual Penal. 9. Ed. São Paulo:

Jus Podivm, 2014, p. 117. 66 Idem. 67 Ibidem, p. 116. 68 Idem. 69 Idem.

16

ação penal, não havendo, nessa fase, contraditório ou ampla defesa. Não pode o magistrado

condenar o réu com base tão somente em elementos colhidos durante o inquérito. É essencial

que a instrução probatória em juízo passe pelo crivo do contraditório e pela ampla defesa,

oportunizando colher elementos convincentes e robustos a fundamentar um decreto

condenatório.70

Por outro lado, é pacífico o entendimento de que é possível a condenação com lastro no

cabedal composto por prova produzida sob o crivo do contraditório somada a elementos

colhidos no curso do inquérito policial. A regra é que a condenação não poderá ser

fundamentada somente no inquérito policial. As provas produzidas precisam ser repetidas no

curso do processo para que possam fundamentar eventual decisão condenatória, sendo

inquérito informativo tendo sua finalidade exaurida com o oferecimento da inicial

acusatória.71

HABEAS CORPUS. PARTICIPAÇÃO, NA DIREÇÃO DE VEÍCULO

AUTOMOTOR, EM VIA PÚBLICA, DE DISPUTA AUTOMOBILÍSTICA

NÃO AUTORIZADA PELA AUTORIDADE COMPETENTE, COM

DANO POTENCIAL À INCOLUMIDADE PÚBLICA OU PRIVADA.

CRIME DE RACHA. ART. 308 DO CTB. EXISTÊNCIA DO FATO

PUNÍVEL. QUESTÃO NÃO APRECIADA PELO ACÓRDÃO

IMPUGNADO. CONDENAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE EM

ELEMENTOS INFORMATIVOS COLHIDOS NO INQUÉRITO

POLICIAL. NÃO OCORRÊNCIA. ACERVO PROBATÓRIO IDÔNEO.

REEXAME DE PROVAS. VIA ELEITA INADEQUADA.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. Não cabe ao

Superior Tribunal de Justiça, aqui e agora, decidir acerca da inexistência de

prova colhida sob o crivo do contraditório apta a demonstrar a ocorrência do

fato típico, porquanto do tema não cuidou o acórdão impugnado e, em

relação aos pacientes, a sentença em tela já transitou em julgado. 2.

Ultrapassada a preliminar, é possível dizer também que não cabe, neste

âmbito, discutir as provas, porquanto demandaria um exame profundo

verificar se, de fato, não foram aptas a demonstrar a existência do fato

punível. 3. No caso, o Juiz, ao proferir a sentença, externou sua

convicção acerca dos fatos narrados na denúncia com base não só nos

elementos de informação colhidos durante a fase policial, mas também

em provas produzidas no âmbito judicial. Atuou, portanto, dentro do

livre convencimento motivado, nos limites legais. 4. Habeas corpus

denegado. 72(grifou-se)

70 TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito Processual Penal. 9. Ed. São Paulo:

Jus Podivm, 2014, p. 128. 71 Idem. 72 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 222302/RJ. Sexta Turma. Paciente: Jorge dos Santos.

Impetrado: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior. Brasília, 01 mar. 2012.

Diário de Justiça: 19 mar. 2012. Disponível em:

<http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:superior.tribunal.justica;turma.6:acordao;hc:2012-03-01;222302-

1171800>. Acesso em: 15 jun. 2016.

17

Todavia, conforme os ensinamentos de TÁVORA o juiz não poderá tomar decisões

fundadas apenas nos elementos de informação, ressalvadas as provas cautelares, antecipadas e

irrepetiveis, valendo notar que o inquérito não é excluído fisicamente do processo, conquanto

não seja idôneo para justificar isoladamente um decreto condenatório.73

A Suprema corte, em julgamento do RE 287658/MG, preceituou que padece de falta de

justa causa à condenação que se baseie exclusivamente em elementos informativos do

inquérito policial. A condenação do juiz de primeira instância fundamentada somente no

depoimento da testemunha feriu o princípio constitucional do contraditório. Embora não

esteja provado que os depoimentos tenham sido colhido sob coerção durante o procedimento

policial, a condenação não pode ter por embasamento somente o depoimento prestado pelas

testemunhas no inquérito, devendo ser reproduzido em juízo sob o crivo do contraditório74

Em mesma linha o STJ , julgou:

HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO PELO CONCURSO

DE PESSOAS. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. ACÓRDÃO

CONDENATÓRIO EMBASADO EXCLUSIVAMENTE EM

ELEMENTOS INFORMATIVOS COLHIDOS DURANTE O INQUÉRITO

POLICIAL. OFENSA À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM

CONCEDIDA. 1. Em respeito à garantia constitucional do devido processo

legal, a legitimidade do poder-dever do Estado aplicar a sanção prevista em

lei ao acusado da prática de determinada infração penal deve ser exercida

por meio da ação penal, no seio da qual ser-lhe-á assegurada a ampla defesa

e o contraditório. 2. Visando afastar eventuais arbitrariedades, a

doutrina e a jurisprudência pátrias já repudiavam a condenação

baseada exclusivamente em elementos de prova colhidos no inquérito

policial. 3. Tal vedação foi abarcada pelo legislador ordinário com a

alteração da redação do artigo 155 do Código de Processo Penal, por

meio da Lei n. 11.690/2008, o qual prevê a proibição da condenação

fundada exclusivamente nos elementos informativos colhidos na

investigação. 4. Constatado que o Tribunal de origem utilizou-se

unicamente de elementos informativos colhidos no inquérito policial

para embasar o édito condenatório em desfavor da paciente, imperioso o

reconhecimento da ofensa à garantia constitucional ao devido processo

legal.75 (grifou-se)

O próprio Código de Processo Penal, traz em sua redação, no artigo 155, que:

73 TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito Processual Penal. 9. Ed. São Paulo:

Jus Podivm, 2014, p. 128. 74 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE 287658/MG. Primeira Turma. Recorrente: Marcelo Toledo Silva.

Recorrido: Ministério Público Estadual. Relator: Ministra Sepúlveda Pertence. Brasília, 19 set. 2003. Diário

de Justiça, 03 out. 2003. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/770351/recurso-

extraordinario-re-287658-mg>. Acesso em: 10 jun. 2016. 75 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 200802252070. Quinta Turma. Paciente: Adriano Emílio

Marchesini. Impetrado: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Jorge Mussi. Brasília, 14 fev. 2011.

Diário de Justiça: 10 abr. 2011. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/68290520/djpa-31-03-

2014-pg-246>. Acesso em: 10 jun. 2016.

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Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova

produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão

exclusivamente nos elementos informativas colhidos na

investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.76

De acordo com NUCCI, a constituição federal de 1988 adotou claramente o sistema

processual acusatório, entretanto na prática por muitas vezes o magistrado acaba valorizando

em sua decisão os elementos colhidos em curso do inquérito policial, comprometendo o

sistema o transformando-o em misto.77

Conforme PACELLI, o fato de ainda existirem criminais que ignoram as exigências

constitucionais não justifica a fundamentação de um modelo processual misto. Para que não

ocorra uma clara violação ao sistema acusatório, o juiz deve fundamentar sua decisão, pois a

falta de fundamentação ou fundamento em provas colhidas exclusivamente no inquérito e

radicalmente nula.78

Considerações Finais

Conclui-se que o sistema processual adotado pelo ordenamento brasileiro é o Acusatório,

embora o Código Processual de 1941 tenha resquícios inquisitivos, não interfere no que está

preconizado na Lei Maior. O sistema acusatório possui garantias constitucionais que não

estão presentes no sistema inquisitivo, tais como: devido processo legal, ampla defesa,

contraditório e presunção de inocência.

A persecução penal e dividida em duas fases, uma pré-processual e processual. A fase pré-

processual, consiste na colheita de elementos informativos, feitos através do inquérito

policial, considerado procedimento administrativo, com o valor probatório relativo. O

inquérito policia não possui todas as garantias constitucionais, motivo pelo qual os elementos

colhidos deverão ser reproduzidos novamente em juízo, fase processual, para possuir crivo de

garantias constitucionais.

As características peculiares do inquérito policial torna o procedimento incompatível com

o sistema acusatório, porém isso não significa que o mesmo tenha o condão de transformar o

sistema processual brasileiro em inquisitivo. Isso ocorre devido a sua dispensabilidade, e não

vinculação, pois o Ministério Público pode intentar a Ação penal, sem o elemento informativo

fornecido pela autoridade policial.

76 BRASIL. Decreto-Lei n°3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, 1941.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 abr. de 2016 77 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito processual penal e execução penal. 4 Ed. São Paula:

Revista dos Tribunais, 2008, p. 27. 78 PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 16 Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012, p.9.

19

O magistrado, conforme o artigo 155 do Código de Processo Penal e a doutrina

consubstanciada do STF e STJ, não poderá fundamentar sua condenação somente no inquérito

penal, devido a falto do crivo das garantias constitucionais, caso contrário, seria um retrocesso

inquisitorial.

Por fim, o sistema adotado pelo Brasil não permite que haja condenação exclusiva nos

elementos colhidos no curso do inquérito policial, caso acontece, a decisão estará nula. A

condenação embasada somente no inquérito policial traz uma prejudicialidade para o mesmo,

devido à mitigação das garantias constitucionais pelo procedimento investigativo, não sendo

compatível com os princípios do sistema processual acusatório.

20

Referências Bibliográficas

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