a possibilidade de execução provisória da astreintes soba Ótica do neoprocessualismo e...
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FACULDADE DO SUL DA BAHIA
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
CAIO QUINTINO SANTANA DE ALMEIDA
A POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA DAS ASTREINTES SOB ÓTICA
DO NEOPROCESSUALISMO E EFETIVIDADE PROCESSUAL
TEIXEIRA DE FREITAS
2014
CAIO QUINTINO SANTANA DE ALMEIDA
A POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA DAS ASTREINTES SOB ÓTICA
DO NEOPROCESSUALISMO E EFETIVIDADE PROCESSUAL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado junto ao curso de Direito da Faculdade do Sul da Bahia, na área de concentração Processo Civil, como requisito para obtenção do título de bacha-rel em Direito, sob a orientação do Professor Mestre LUIZ CAR-LOS DE ASSIS JÚNIOR.
TEIXEIRA DE FREITAS
2014
CAIO QUINTINO SANTANA DE ALMEIDA
A POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA DAS ASTREINTES SOB ÓTICA
DO NEOPROCESSUALISMO E EFETIVIDADE PROCESSUAL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado junto ao curso de Direito da Faculdade do Sul da Bahia, na área de concentração Processo Civil, como requisito para obtenção do título de bacha-rel em Direito.
Aprovada em _____ / _____ / _____.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________ Professor Mestre Luiz Carlos de Assis Júnior (Orientador)
Faculdade do Sul da Bahia - FASB
__________________________________________________ Professor Mestre ou Doutor xxxxxxx
Institução
__________________________________________________ Professor Mestre ou Doutor xxxxxxx
Institução
Ao meu pai (in memorian), por ter me ensinado a essência do Direito e me incentivado, desde criança, a entender a cidadania como a necessidade de reivindicar os meus direitos e obedecer aos meus deveres.
O sonho que ele teve outrora, mesmo que em si, se viu completo em sua extensão.
Obrigado pai!
AGRADECIMENTOS
Nunca será suficientemente clichê agradecer a DEUS, pelo menos, não para mim. Pois quem conhece a essência do evangelho e compreende qual seja a largura, e o comprimento, e a altura e a profundidade da graça e do amor de Deus que se mani-festou vividamente em seu filho Jesus, nos dando a possibilidade de viver uma vida que, em tudo que se faça, se faça para a Glória daquele que é digno, sabe que nunca será demais agradecer. E isso não é propensão religiosa, é fruto da verdade revelada para nós. Agradecimentos não serão suficientes, então, agradeço a Deus com minha vida, que quero a Ele entregar dia após dia.
À minha mãe, Aldaires, que me deu todo apoio necessário, tanto moral quanto finan-ceiramente. Apoio este que não se limita aos cercos da graduação, mas de toda uma vida, dedicada a um filho, que, deveras, muitas vezes não faz por merecer.
À minha avó, Isabel, que também tanto me apoiou, principalmente em suas conversas com Deus, onde nelas, sempre me encaixava no assunto, suplicando por minha sa-úde, física, mental e espiritual, além, claro, de todo amor com que cuidou de mim, não só nesses cinco anos, mas também, durante toda uma vida.
Às minhas irmãs, Suellen e Nardelle que também muito me ajudaram a prosseguir nessa lida, muitas vezes ficando orgulhosas do desempenho do seu irmão. Bem como, de seus maridos, Renan e Dagmar, que também muito me apoiaram.
Aos meus colegas de sala – Na pessoa de Gilmar e Giovanni, meus conterrâneos que muito me ajudaram em diversos momentos, sejam por sua experiência com a qual muito aprendi, seja pelos momentos de alegria proporcionados, seja pela ajuda ins-trumental também concedida por eles - , que contribuíram para tantos momentos ale-gres durante as longas noites nos átrios da faculdade, durante extensos 5 anos, que agora, estando a separação batendo às portas, já sinto a imensa saudade que os mesmos me farão.
Aos meus amigos extraclasse, que também me ajudaram a ultrapassar as barreiras acadêmicas e ter momentos de alegria além dos termos jurídicos.
Em especial, à minha melhor e maior amiga de todas, Cristiane, que colaborou muito, em todos os sentidos para essa conquista singular, sendo a primeira de muitas. A vontade que em mim residia de vê-la por todos os dias naquela faculdade, me trouxe ânimo para jamais faltar a uma aula.
Em suma, a todos aqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a concreti-zação desse sonho, cada motorista, cada funcionário, cada professor – em especial na pessoa do meu orientador Luiz Carlos, que muito me ajudou na elaboração desse trabalho -. O meu muito obrigado a todos.
Hoje posso saber que, cada viagem, ainda que extremamente cansativa e estres-sante, valeu à pena.
“Sucesso não é ter dinheiro e um bom emprego. Sucesso é estar com quem ama, fazendo o que ama e lutando pelo que se acre-dita. ”
Audair Quintino de Almeida
RESUMO
O presente trabalho científico, tem por escopo, a elucidação de uma questão proces-sual inerente à um importante instituto processual civil, qual seja, a execução a possi-bilidade de execução provisória da multa periódica, também denominada, astreintes. Para tanto, em linhas introdutórias, proceder-se-á em um estudo acerca da efetividade processual, abordando, especificamente, a fase instrumentalista do processo civil, bem como, o novo paradigma processual denominado, neoprocessualismo, tudo isso para compreender-se, sob essa nova égide jurídico-processual, o instituto da astrein-tes. Neste diapasão, o estudo se dirige à questão núcleo, qual seja, a possibilidade da execução provisória das astreintes, sendo que, havendo antes uma breve delinea-ção do referido instituto, mostrando algumas peculiaridades do mesmo, onde a dou-trina e jurisprudência, por vezes, também debate acerca de controvérsias de não me-nos importância, chegando-se assim, ao assunto núcleo do presente trabalho, à refe-rida possibilidade de execução provisória da astreintes.
Palavras-chave: astreintes; efetividade; execução-provisória; instrumentalidade; neo-processualismo;
ABSTRACT
The present scientific work is scoped the elucidation of a very important question, in-herent of a juridical institute in brazilian Processual Civil law, namely, periodic penalty, generally named, astreintes. For much, in introduction lines, will be made a study about the procedural effectiveness, addressing, specifically, the instrumentalist phase of civil procedural, as well as, the new procedural paradigm, called, neoprocessualism, all this to understend, under this new perspective juridical-procedural, the astreintes institute. In this step, the study wend to the core question, videlicet, the possibility of execute provisionally the astreintes, wherein, there before a brief delineation of the referred institut, showing some its peculiarities, where the doctrine and jurisprudence, some-times, also debate about the controversy of not less importance, thus arriving, of the central theme this present work, said possibility of provisionally execute the astreintes.
Key-words: astreintes; effectiveness; provisonally-execute; instrumentality; neopro-cessualism.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
1 PROCESSO CIVIL COMO INSTRUMENTO DE EFETIVIDADE – CONSIDERAÇÕES ACERCA DA “INSTRUMENTALIDADE PROCESSUAL” ....... 14
1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DOUTRINA PROCESSUAL: DO SINCRETISMO AO INSTRUMENTALISMO – BREVES CONSIDERAÇÕES........... 16
1.2 PERSPECTIVA INSTRUMENTALISTA .................................................... 19
1.3 ASTREINTES E EFETIVIDADE DO PROCESSO .................................... 23
2 O NEOPROCESSUALISMO ............................................................................ 25
2.1 NEOCONSTITUCIONALISMO ................................................................. 25
2.1.1 MARCO HISTÓRICO DO NEOCONSTITUCIONALISMO ..................... 26
2.1.2 MARCO FILOSÓFICO DO NEOCONSTITUICIONALISMO .................. 27
2.1.3 MARCO TEÓRICO DO NEOCONSTITUCIONALISMO ........................ 28
2.2 FORMALISMO-EXCESSIVO ................................................................... 32
2.3 FORMALISMO-VALORATIVO ................................................................. 35
2.4 COOPERATIVISMO PROCESSUAL ....................................................... 38
2.4.1 OS MODELOS PROCESSUAIS CIVIS: ECONÔMICO, ASSIMÉTRICO E COOPERATIVO. BREVES CONSIDERAÇÕES. ................................................... 38
2.4.2 MODELO COOPERATIVO .................................................................... 39
3 ASTREINTES: CONSIDERAÇÕES GERAIS E ALGUNS ASPECTOS RELEVANTES .......................................................................................................... 41
3.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DAS ASTREINTES ...................... 41
3.2 BREVES NOTAS DE DIREITO COMPARADO: A ASTREINTES EM ORDENAMENTOS ESTRANGEIROS ...................................................................... 45
3.2.1 ASTREINTES NO DIREITO FRANCÊS ................................................ 45
3.2.2 NO DIREITO ANGLO-SAXÃO: O CONTEMPT OF COURT ................. 46
3.3 MOMENTO DE INCIDÊNCIA DAS ASTREINTES: TERMO INICIAL E FINAL DA ASTREINTES ........................................................................................... 49
3.3.1 TERMO A QUO (INICIAL) ..................................................................... 49
3.3.2 TERMO AD QUEM (FINAL) .................................................................. 52
3.4 PROCEDIMENTO SATISFATÓRIO PARA EXECUTAR-SE A ASTREINTES ............................................................................................................ 52
3.5 BENEFICIÁRIO DO CÉDITO RESULTANTE DA ASTEINTES ................ 55
4 MOMENTO PROCESSUAL DE EXECUÇÃO DA ASTREINTES .................... 58
4.1 POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DAS ASTREINTES, FUNDADA EM DECISÃO PROVISÓRIA. .......................................................................................... 58
4.1.1 CONCEITO DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA ......................................... 58
4.1.2 EXECUÇÃO PROVISÓRIA OU EXECUÇÃO FUNDADA EM TÍTULO PROVISÓRIO? .......................................................................................................... 60
4.1.3 EXECUÇÃO PROVISÓRIA OU EXECUÇÃO ANTECIPADA OU IMEDIATA? 61
4.1.4 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À EXECUÇÃO PROVISÓRIA DAS ASTREINTES ............................................................................................................ 62
4.2 POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DAS ASTREINTES ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO, MAS APÓS CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO QUE A DETERMINOU .......................................................................................................... 67
4.3 POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DEFINITIVA DAS ASTREINTES, SOMENTE APÓS TRÂNSITO EM JULGADO .......................................................... 69
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 73
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 77
11
INTRODUÇÃO
Quando se aborda o tema execução provisória das astreintes entra-se instanta-
neamente em uma área processual civil de grande discussão teórica. Isso acontece
uma vez que o tema não foi claramente abordado pela lei processual e, nem mesmo,
é assunto pacificado entre doutrinadores e julgadores, pois existem correntes de pen-
samentos conflitantes, seja na esfera doutrinária, seja na esfera dos tribunais pátrios,
fazendo com que toda essa agitação cognitiva ao redor do tema o torne altamente
atrativo de ser explorado.
Pode-se executar provisoriamente às astreintes? Todo esforço intelectual impri-
mido sobre este trabalho tentará responder esta pergunta, utilizando-se de argumen-
tos de grandes pensadores do direito processual civil, além de levantar a posição ju-
risprudencial dos julgadores, principalmente do STJ. Todas as justificativas aqui elen-
cadas não pretendem ser de caráter absoluto, pelo contrário, pretendem apenas ser
um norte, uma base sólida, para a firmação deste instituto jurídico-processual na vi-
vência prática do direito.
Neste sentido, o presente trabalho pretende levantar todos esses questionamen-
tos em relação à execução provisória das astreintes e delinear, de forma um tanto
sucinta, os pensamentos doutrinários e jurisprudenciais que circundam o tema e trazer
à luz os argumentos aquiescentes à execução provisória das astreintes.
Em linhas gerais, podemos destacar três correntes doutrinárias que abordam a
questão da execução das astreintes. Uma primeira corrente, advoga a tese de que
somente será possível a execução das astreintes quando o processo em que a mesma
se gesta transite em julgado. A segunda corrente, defende a ideia de que será possível
a execução provisória das astreintes, que se dá quando as mesmas tem por leito so-
mente a decisão interlocutória que antecipa os efeitos da tutela, sem necessidade de
12
qualquer outra condição ou óbice processual, tese esta, que será explorada com mais
afinco no presente trabalho. Ainda há a terceira corrente que guarda a concepção de
que será possível a execução das astreintes sem a necessidade de se observar o
trânsito em julgado da sentença, mas que, por seu turno, seria necessário que hou-
vesse uma sentença terminativa que confirmasse os efeitos da decisão interlocutória
que engendrou as astreintes.
A inspiração para a realização do corrente trabalho germinou quando do confronto
prático-teórico-jurídico. No caso concreto, ao deparar-se com a necessidade de se
aplicar a execução do instituo das astreintes, cresceu a provocação sobre o tema. Isto
contribui ainda mais para tornar a discussão buscada no presente trabalho extrema-
mente relevante na vivência prática, principalmente quando entendemos ser o tema
bastante vívido no cotidiano forense, não se restringido apenas à atuação de um ente
jurídico, mas se dissolvendo em todos, seja ao magistrado, seja ao advogado, todos
são alvos diretos do mérito do deste trabalho, além claro, dos litigantes no processo,
haja vista que cada atuação processual tem em si, o escopo de buscar a melhor me-
dida de tentativa de aplicação da justiça.
Metodologicamente, este trabalhou adotou o levantamento e pesquisa bibliográ-
fica como fonte primária de pesquisa, haja vista, antes de desaguar na vida prática, o
tema tem suas bases oriundas do pensamento teórico e doutrinário, para então, após
lapidado, ser aplicado na prática. Para tanto, utilizarmos a ideia doutrinária de pensa-
dores processuais como Fredie Didier Jr., Cássio Scarpinella Bueno, Luiz Guilherme
Marinoni,
Imediatamente na esfera prática do tema, serão abordados julgados do Superior
Tribunal de Justiça do Brasil acerca do tema, uma vez que ele é o responsável direto
13
pela uniformização da jurisprudência em matéria de lei federal, como é o caso do Có-
digo de Processo Civil, assim, demonstraremos o pensamento jurisprudencial do ór-
gão competente para alinhar as decisões judiciais em relação à execução provisória
das astreintes.
No primeiro capítulo do trabalho, haverá uma explanação sobre a instrumentali-
dade do processo civil e sua efetividade, passando em primeiro ponto sobre uma rá-
pida explanação acerca da evolução histórica do processo civil brasileiro e em seguida
abordar acerca da simplificação das formas processuais. Seguindo mais à frente, fa-
laremos um pouco acerca da coerção indireta como meio eficaz de execução, com
referência ao artigo 461 onde aborda justamente as astreintes, objeto deste estudo.
O segundo capítulo do presente trabalho abordará a questão do chamado neo-
processualismo, abordando primeiramente o chamado neoconstitucionalismo. Em ca-
pítulo adiante abordará acerca do formalismo-excessivo e formalismo-valorativo no
processo civil, abordando este novo método de fluidez do Código de Processo Civil.
Ao final, falar-se-á acerca do cooperativismo processual para efetivação dos meios
processuais.
No terceiro e último capítulo adentrar-se-á no objeto maior de estudo do presente
trabalho, qual seja, a possibilidade de execução provisória das astreintes, mostrando
as correntes divergentes de pensamento doutrinário e jurisprudencial. Para tanto os
dois capítulos anteriores se fazem de suam importância pois trazem uma nova dimen-
são processual ao estudo, com foco na efetividade processual, sendo que, o instituto
processual das astreintes está diretamente ligada à efetividade processual.
14
1 PROCESSO CIVIL COMO INSTRUMENTO DE EFETIVIDADE – CONSIDE-
RAÇÕES ACERCA DA “INSTRUMENTALIDADE PROCESSUAL”
Na lição de Fredie Didier, “o processo é um método da jurisdição. A jurisdição
caracteriza-se por tutelar situações jurídicas concretamente deduzidas em um pro-
cesso”. Assim não existe processo vazio pois todo processo traz a afirmação de uma
situação carente de tutela. Essa situação jurídica afirmada no processo é comumente
chamada de direito material processualizado. Comumente se faz a distinção entre “di-
reito” e “processo”, distinção esta, importante do ponto de vista didático e científico. 1
O papel do instrumentalismo é proporcionar o liame entre direito material e o di-
reito processual.
Neste diapasão, cabe a clara lição de Didier Jr., onde explica que ao processo
cabe a realização dos projetos do direito material complementando-se assim um ao
outro, assemelhando esta relação com o a de um engenheiro e um arquiteto. O direito
material projeta, quanto o direito processual cabe a concretização de forma mais apri-
morada possível deste projeto.2
Na observação de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira no brasil há um agiganta-
mento em relação à questão da efetividade processual em razão das manifestas de-
ficiências do sistema judiciário que é diretamente atingida pela intensificação cada vez
maior dos litígios, principalmente após o processo de redemocratização iniciado após
a promulgação da C.F. de 1988. Além de outros agentes diretos, como a permanência
do entulho legislativo autoritário, as dificuldades de ordem econômica, política e social
1 JR. Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil - Introdução ao Direito Processual Civil e Pro-cesso de Conhecimento. 15ª ed. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 25. 2 Ibidem; p. 27.
15
que enfrenta a nação, os anseios de grande parte da população que recorrem deses-
peradamente ao judiciário para resolução de conflitos que deveriam ser resolvidos por
outros órgãos estatais, além das contradições entre a velha ordem das ideias neoli-
berais, reforçadas pelo fenômeno da globalização pregando a redução do aparelho
estatal, mesmo a preço de afrontas ao direito adquirido de grandes parcelas da popu-
lação. Tudo isso colabora pra o descrédito da jurisdição acarretando uma demora ex-
cessiva do processo, fazendo com que se veja a efetividade não como um meio, mas
como um fim em si mesmo.3
Diante desse novo diálogo entre sociedade e judiciário, que cada vez mais pauta-
se pela agilidade processual, necessária se faz a instrumentalização do processo civil
como meio de efetivação do direito material, assim, o aclamado princípio civil proces-
sual da instrumentalidade das formas, no dizer de Teixeira coloca o processo na sua
verdadeira trilha, não como um fim mas como um meio, desapegando-se do excesso
de formas sacramentais, pautando-se cada vez mais pelo aproveitamento dos atos
processuais que não causam prejuízos às partes, ou, praticados por quem deu causa
ao vício, quando sanável este, quando possível decidir o mérito em favor de a decla-
ração de nulidade aproveita ou, quando feito de outro modo, alcançar-lhe a finalidade.
Ainda seguindo Sálvio de Figueiredo Teixeira, citando Dinamarco, o processo
deve ser visto como instrumento eficaz de acesso à ordem jurídica justa, apto a reali-
zar os seus verdadeiros escopos, jurídicos, políticos e sociais.4
3 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro (Apud. DINAMARCO, 1987, p. 450/451). Efetividade e Processo de Conhecimento. 2005. Arigo Jurídico. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br:/sis_a-rtigos/artigo-s.asp?codigo-=534>. Acesso em 16 de setembro de 2014; 4 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A Efetividade do Processo e a Reforma Processual. Informativo Jurid. da Biblioteca Min. Oscar Saraiva, v.6, n° 1, p.I-70, Jan. /Jul. 1994. Artigo Jurídico. Disponível na Internet em <h-ttp://www.stj.jus.br/publicacaoseriada/index.php/informativo/article/viewFile/153/147>. Acesso em 16 de setembro de 2014;
16
Não obstante a clara necessidade de aprimoramento das técnicas processuais
quanto á sua aplicabilidade visando sempre a celeridade processual e sua real efeti-
vidade, sendo que esta efetividade processual compreende tanto a satisfação da tu-
tela pretendida, como também que ela se dê em tempo hábil, uma vez que a obtenção
da pretensão de forma tardia, muitas vezes se torna ineficaz, assim como, avaliar
apressadamente um pleito e conceder rapidamente a tutela jurisdicional, poderá en-
sejar em uma desarmônica prestação estatal com relação ao caso concreto.
Neste sentido, continuamos nas lições de Carlos Alberto Oliveira, onde explica
que este paroxismo chegou a tal ponto, que para alguns espíritos praticistas, tudo se
resume na rápida resolução do litígio, absorvendo às vezes, fulminantemente, o pró-
prio valor Justiça.5
Como se verá em tópico seguinte, essa praticidade excessiva, às vezes, causa-
dora de negligência em relação aos princípios fundamentais processuais, além de até
mesmo, o próprio valor de justiça, perderá força, nascendo assim o instrumentalismo,
que tenta aliar praticidade à efetividade processual, sem perder os valores intrínsecos
à noção de processo e justiça.
1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DOUTRINA PROCESSUAL: DO SINCRETISMO AO
INSTRUMENTALISMO – BREVES CONSIDERAÇÕES
Através dos séculos, o direito processual civil passou por diversas fases voltadas
principalmente para sua afirmação científica e para a concretização de seu objeto e
5 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Efetividade e Processo de Conhecimento. 2005. Artigo Científico. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br:/sis_artigos/artigos.asp?codigo=534>. Acesso em 16 de setembro de 2014
17
método.6 Toda essa experiência no campo processual encerra um modo de ver e tra-
balhar com o processo, evidentemente condicionada à cultura social historicamente
considerada.7
Neste sentido, podemos dizer que metodologicamente, o processo civil passou
por quatro grandes fases de pensamento, a saber: o praxismo (ou sincretismo), o pro-
cessualismo, o instrumentalismo e o formalismo-valorativo.8 9
O praxismo corresponde à pré-história do direito processual civil, tempo que se
aludia ao processo como “procedura” e não ainda como “diritto processual civile”. Não
se conhecia o Direito Processual como um ramo autônomo de direito, mas um apên-
dice ao direito material, um direito adjetivo, tendo existência útil, somente se ligado ao
direito substancial.10 Tinha-se até então uma “visão plana do ordenamento jurídico,
onde a ação era definida como o direito subjetivo lesado (ou: o resultado da lesão ao
direito subjetivo), a jurisdição como sistema de tutela aos direitos, o processo como
mera sucessão de atos”. O processo era conjunto de formas para o exercício da ação,
que era incluída no sistema de exercícios de direitos. Havia pouquíssima participação
do Juiz.11
No século XIX, começa a ruir o sistema sincrético devido ao surgimento de um
pensamento revolucionário”. Primeiro, questionou-se o tradicional conceito civilista de
6 BUENO, Cassio Scarpinella. Bases para um pensamento contemporâneo do Direito Processual Civil. Artigo Científico. Disponível na Internet em: http://www.scarpinellabueno.com.br/Tex-tos/IBDP%20-%20Bses%-20cient%C3%ADficas%20para%20um%20renovado%20direito%20proces-sual%20_Cassio%20Sc-arpinella%20-Bueno_.pdf; 7 MITIDIERO, Daniel. Bases Para Construção de Um Processo Civil Cooperativo O Direito Pro-cessual Civil no Marco Teórico do Formalismo Valorativo. 2007. Tese de Doutorado. Disponível na Internet em: <http-://-www.scarpinellabueno.com.br/Textos/IBDP%20-%20Bases%20cient%C3%ADfi-cas%20para%20um%20-renovado%20direito%20processual%20_Cassio%20Scarpinella%20Bu-eno_.pdf>. Acesso em 19;09;2014; 8 Ibidem; 9 A teoria do Formalismo-Valorativo será abordada em tópico apartado no segundo capítulo do presente trabalho, ficando assim este tópico, limitado apenas à fase instrumentalista, que servirá de base para entende-lo; 10 Ibidem; 11 Para uma leitura mais aprofundada, Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 3’ ed. Revista e Atualizada. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 9;
18
ação e afirmou-se a sua grande diferença: [..] ela não é (como esta) instituto de direito
material, mas processual; não se dirige ao adversário, mas ao juiz; não tem por objeto
o bem litigioso, mas a prestação jurisdicional”; proclamando assim a autonomia do
processo.12
Neste novo pensamento processual (processualismo) as discussões inerentes à
ação e à caracterização de inúmeros outros institutos processuais, como atos proces-
suais, litispendência, eficácia de sentença, coisa julgada, etc., dominou o pensamento
dos processualistas sendo que, neste período, foram traçadas as principais linhas do
direito processual civil, entendendo eles, que praticavam uma ciência pura, eminente-
mente teórica.13 14
Não obstante toda produção intelectual relevantíssima que foi produzida no perí-
odo do processualismo, ainda faltava algo para incrementar essa metodologia proces-
sual. Ainda havia a necessidade de se separar, por completo, o direito material do
direito processual.
Faltava uma certa pureza ao direito processual. Neste desaguar de pensamentos,
surge, como veremos a seguir, o pensamento instrumentalista, aplicando o direito pro-
cessual como um instrumento puro e totalmente independente do direito material,
sendo extremamente apto a atingir os fins a que se destina aquele.
12 Ibidem; 13 MITIDIERO, Daniel. Bases Para Construção de Um Processo Civil Cooperativo O Direito Pro-cessual Civil no Marco Teórico do Formalismo Valorativo. 2007. Tese de Doutorado. Disponível na Internet em: <http:-//-www.scarpinellabueno.com.br/Textos/IBDP%20-%20Bases%20cient%C3%ADfi-cas%20para%20um%20renov-ado%20direito%20processual%20_Cassio%20Scarpinella%20Bu-eno_.pdf>. Acesso em 19/09/2014; 14 Nas palavras de Daniel Mitidiero: “A doutrina reconhece sem maiores discussões ser a obra de Oskar Von Bülow, Teoria dos pressupostos processuais e das exceções dilatórias, que veio a público em 1868, o marco histórico da emancipação do estudo científico do direito processual civil.1 Foi nela, com efeito, que o autor alemão identificou a natureza jurídica do processo como algo distinto da natureza jurídica daquilo que está contido nele ou que é veiculado por ele. Uma realidade jurídica é o processo; outra, bem diversa, é o direito material (controvertido) inserido nele. A natureza jurídica do processo é de direito público; a relação jurídica de direito material nele inserida não necessariamente”;
19
1.2 PERSPECTIVA INSTRUMENTALISTA
Essa autonomia que ganhou o direito processual, por obvio, acabou distanciando-
se demais do direito material e da realidade social”. Paulatinamente, o processo passa
a perder seu contato com os valores sociais. Quantos mais precisos ficam os seus
conceitos, quanto mais elaboradas as suas teorias, mais o processo se distanciava
de suas finalidades essenciais”. 15
Não obstante a esse afastamento do direito processual ao direito material esta
fase autonomista do processo, assevera Dinamarco, “constitui suporte suficiente para
o que queremos, ou seja, para a construção de um sistema jurídico-processual apto a
conduzir aos resultados práticos desejados. Assoma, nesse contexto, o chamado as-
pecto ético do processo, a sua conotação deontológica”. 16
Com escopo à efetivação do direito material para atingir os resultados práticos
desejados e instituídos na norma civil, surge a perspectiva instrumentalista o direito
processual civil. Esta nova perspectiva é encarada como um instrumento a serviço do
direito material, atento às necessidades sociais e políticas de seu tempo.17
Neste sentido, cabe destacar a primorosa lição de Cândido Rangel Dinamarco:
Aprimorar o serviço jurisdicional prestado através do processo, dando efetivi-dade aos seus princípios formativos (lógico, jurídico, político, econômico), é uma tendência universal, hoje. E é justamente a instrumentalidade que vale de suficiente justificação lógico-jurídica para essa indispensável dinâmica do sistema e permeabilidade às pressões axiológicas exteriores: tivesse ele seus próprios objetivos e justificação auto-suficiente (sic), razão inexistiria, ou fun-damento, parara pô-lo à mercê das mutações políticas, constitucionais, soci-ais, econômicas e jurídico-substanciais da sociedade.18
15 Ibidem; 16 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 3’ ed. Revista e Atualizada. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 11; 17 MITIDIERO, Daniel. Bases Para Construção de Um Processo Civil Cooperativo O Direito Pro-cessual Civil no Marco Teórico do Formalismo Valorativo. 2007. Tese de Doutorado. Disponível na Internet em: <http:-//-www.scarpinellabueno.com.br/Textos/IBDP%20-%20Bases%20cient%C3%ADfi-cas%20para%20um%20renov-ado%20direito%20processual%20_Cassio%20Scarpinella%20Bu-eno_.pdf>. Acesso em 19;09;2014; 18 Ibidem;
20
No Brasil, Enrico Tulio Liebman19 desenvolveu a ideia da instrumentalidade do
processo, afirmando existirem no ordenamento jurídico normas de primeiro grau (ma-
teriais) e segundo grau (instrumentais). As primeiras regulariam as relações humanas,
enquanto as segundas regulariam o próprio ordenamento jurídico e seu desenvolvi-
mento. Dentro das normas instrumentais, ainda haveria duas categorias, quais sejam,
a das normas que regulam a criação, modificação e extinção do direito, e as referentes
à atuação do direito, sendo estas últimas, constituídas pelo direito processual civil,
resultando daí, o caráter instrumental do processo.20
Nesta visão instrumentalista, o Juiz deve estar conectado com os valores vigentes
na sociedade, permitindo que esta realidade social em que está inserido, permeie as
suas decisões, influenciando-a na condução do feito. O juiz deve ser sensível para
não apenas se cercar da norma jurídica, mas também, da realidade social e política
em que se encontra.21
Cândido Rangel Dinamarco abordando o sentido positivo da instrumentalidade22,
com relação à efetividade do processo, aborda quatro aspectos fundamentais, a sa-
ber:
19 No Brasil, a doutrina da instrumentalidade processual teve a marcante presença de Enrico Tullio Liebman, considerado o fundador da Escola Processual de São Paulo, contando com discípulos ilustres como Alfredo Buzaid, Moacir Amaral Santos e José Frederico Marques (1ª fase), bem como, Cândido Rangel Dinamarco e Ada Pellegrini Grinover (2ª fase). 20 AMARAL, Guilherme Rizzo. A efetivação das sentenças sob a ótica do Formalismo-Valorativo: um método de sua aplicação. 2006. Tese de Doutorado. Disponível na Internet em: <http://www.lum-e.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/13144/000582345.pdf?...1>; 21 Ibidem; 22 Cândido Rangel Dinamarco, na sua obra A Instrumentalidade do Processo, já citada neste traba-lho, aborda dois sentidos do instrumentalismo, o negativo e o positivo. Com relação ao sentido negativo do instrumentalismo “corresponde à negação do processo como valor em si mesmo e repúdio aos exageros processualísticos a que o aprimoramento da técnica pode insensivelmente conduzir [...]; o aspecto negativo da instrumentalidade do processo guarda, assim, alguma semelhança com a idéia (sic) da instrumentalidade das formas. O aspecto positivo é caracterizado pela preocupação em ex-trair do processo, como instrumento, o máximo de proveito quanto à obtenção dos resultados propostos (os escopos do sistema); infunde-se com a problemática da "efetividade do processo" e conduz à as-sertiva de que o processo deve ser apto a cumprir integralmente toda a sua função sóciopolítico-jurí-dica, atingindo em toda a plenitude todos os seus escopos institucionais" (grifo meu). DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 3’ ed. Revista e Atualizada. São Paulo: Malhei-ros, 1993, p. 319;
21
a) a admissão em juízo: que está ligada diretamente à facilitação do acesso à
justiça, superando os impedimentos porventura instaurados, seja de natureza
econômica, cultural, psicossocial e jurídica. São exemplos: o patrocínio causí-
dico gratuito, a implantação dos Juizados Especiais, a isenção do preparo aos
menos favorecidos, dispor de o sistema de instrumentos de tutela coletivas e
difusas e estimular a arbitragem e a auto composição.23
b) o modo de ser do processo: está ligado ao modo operacional do sistema jurí-
dico. Envolve o contraditório como forma de manter um contato direto como
juiz além de participar ativamente do processo, o repúdio à litigância de má-fé,
a imparcialidade, a tentativa de conciliação, a informalidade, a possibilidade
do magistrado converter o julgamento em diligência em busca da verdade real,
a intervenção do Ministério Público a adaptabilidade do procedimento, a espe-
cialização de procedimentos e a possibilidade de concessão de liminares.24
c) a justiça nas decisões: diz respeito ao instante da tomada de decisão pelo
magistrado. O momento da tomada de decisões é um momento valorativo,
onde o magistrado deve pautar-se pelo sentimento de justiça emanado pela
sociedade em que faz parte. Assim, havendo mais de uma forma de interpre-
tar-se um fato jurídico, deverá o magistrado seguir o caminho que mais se
aproxime e satisfaça o sentimento social de justiça.25 26
23 HERZL, Ricardo Augusto. Neoprocessualismo, Processo e Constituição. Tendências do direito processual civil à luz do neoconstitucionalismo. 2005. Tese de Doutorado. Disponível em: < http://repo-sitorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/100985/314859.pdf?sequence=1>. Acesso em: 20/09/2014; 24 Ibidem; 25 Ibidem; 26 Apesar de parecer óbvio essa insinuação acerca da decisão judicial, o instrumentalismo processual deixa claro que, mesmo diante de uma situação jurídica onde há, dentro do ordenamento jurídico, uma norma de aplicabilidade coerente ao caso, é necessário ainda sim, fazer um reexame minucioso e, se preciso for, deixar de aplicar determinada norma em detrimento de outra, tudo para satisfazer a justiça no caso concreto.
22
d) a efetividade nas decisões: este quarto e último aspecto se mostra extrema-
mente importante, uma vez que esse aspecto positivo específico da doutrina
instrumentalista, aduz que “o processo deve possuir capacidade real de pro-
duzir as situações de justiça desejadas pelos escopos social, político e jurídico,
permitindo a tutela específica dos direitos e a sua concreção no mundo dos
fatos”. A título exemplificativo, mas que, vem muito a bem calhar na ordem
metodológica do presente trabalho, podemos citar a aplicação das astreintes
como forma de dar cumprimento efetivo às obrigações de dar, fazer e não fa-
zer, a concessão de medidas cautelares, a possibilidade de execução provisó-
ria27 e o sequestro dos bens. 28
Essa nova perspectiva (instrumentalista), proporciona muito mais dinamismo pro-
cessual, tentando sempre priorizar a efetividade processual, ou seja, fazer com que o
processo atinja seu fim desejado, qual seja, a prestação jurisdicional requerida pelo
litigante. Neste sentido, cabe aqui contextualizar essa fase metodológica com o cerne
do presente trabalho, principalmente no que tange a última perspectiva do instrumen-
talismo, a efetividade nas decisões. Isso está intimamente ligado com a execução
provisória das astreintes.
Não obstante a ingenuidade intelectual acerca do assunto, parece totalmente in-
dissociável a questão entre efetividade processual e execução provisória das astrein-
tes.
Uma vez que, como se verá em capítulo próprio, a astreintes serve, não só para
forçar o agente a cumprir a ordem mandamental, mas essa ordem magistral tem um
27 A tese da execução provisória das astreintes, que é objeto do presente estudo, é fortalecida, de forma analógica, à efetividade do processo seguindo o entendimento da doutrina instrumental. 28 Ibidem;
23
alvo, qual seja, propiciar uma efetividade própria de satisfação dos interesses da parte
credora da astreintes.
Neste sentido, a execução provisória ajuda na efetivação da decisão judicial, cau-
sando receio e intimidação quando cogitar, o devedor, em não cumprir com o a ele
imposto.
Acerca do potencial prejuízo que poderá se causar para o pagador da multa, se
em momento posterior a mesma se mostrar indevida, deverá ser olhada sob outro
plano, uma vez que, em um plano inicial, a execução da multa cumpre o seu papel de
efetividade jurisdicional.
1.3 ASTREINTES E EFETIVIDADE DO PROCESSO
A nova tendência processualista tendo a efetividade processual o seu escopo ju-
rídico, pode-se fazer uma ponte entre a astreintes e a efetividade do processo. Vamos
unir a ideia principal do presente trabalho com todo o levantamento metodológico re-
alizando, mostrando que as novas tendências processualistas se coadunam com a
ideia da execução provisória da astreintes.
Nas palavras de Alexandre Freitas Câmara, “o processo moderno tem de ser efe-
tivo. Em outras palavras, significa isto que o processo deve ser capaz de produzir os
resultados que dele são esperados pela sociedade”. 29
Sendo o processo, neste sentido, instrumento de acesso a uma ordem jurídica
justa, em que são realizados os direitos substanciais. 30
29 CÂMARA, Alexandre Freitas. Redução do valor da astreintes e efetividade do processo. In ASSIS, Araken de. Et al (coords.). Direito Civil e Processo: Estudos em homenagem ao Professor Arruda Alvim. São Paulo: RT, 2008, p. 1561-1568; 30 Ibidem;
24
Para tanto, é necessário observar-se “o princípio da maior coincidência possível
entre o resultado prático do processo e resultado que se obteria com a atuação es-
pontânea da vontade concreta do direito objetivo”. 31
Em relação ao referido princípio, descreve-o muito bem a máxima chiovendiana:
”o processo deve dar, na medida do que seja possível na prática, a quem tenha um
direito, tudo aquilo, e precisamente aquilo, que ele tem o direito de conseguir”.32
Significa isto dizer, que o processo deve produzir um resultado prático equivalente
ao que se produzia se o direito tivesse sido espontaneamente exercitado, sem a ne-
cessidade da intervenção de nenhum órgão jurisdicional.33
Neste momento que manifesta-se a importância da astreintes e dos demais meios
de coerção34, pois com eles o Estado-juiz obtém, ou pode obter, mais rapidamente e
com menor custo, o resultado prático equivalente que se obteria com os meios de sub-
rogação. Em termos práticos, podemos verificar que há bons resultados no caso da
prisão civil do devedor de alimentos, outro meio este de coerção.35
Essa praticidade se torna ainda mais latente no caso de obrigações infungíveis
(como são todas as de não fazer e algumas de fazer), em que a execução por sub-
rogação se mostra impossível”. Nestes casos específicos, a utilização de meios coer-
citivos é a única forma de se conseguir com que o processo dê ao titular do direito
exatamente aquilo que ele tem o direito de conseguir”.36
31 Ibidem; 32 Ibidem. (APUD) Chiovenda, “Dell’azione nascente dal contratto preliminare”, in Chiovenda, Saggi di diritto processuale civile. Milão: Giuffrè, 1993, p. 110 (o ensaio citado foi publicado originariamente em 1911). 33 Ibidem; 34 Esses demais meios de coerção são os que estão, juntamente com a multa cominatória (astreintes), elencados no artigo 461, §4º do CPC. Sobre elas, falaremos em tópico posterior quando abordaremos acerca da conciliação da multa e outras medidas. 35 Ibidem; 36 Ibidem;
25
2 O NEOPROCESSUALISMO
2.1 NEOCONSTITUCIONALISMO
A teoria jurídico-constitucional do século XIX, em sua inteireza, passou a conceber
o Direito separadamente da moral, após os vários movimentos de positivação e siste-
matização do direito.37 O mesmo ocorria com a teoria do Estado, buscando formar o
fenômeno estatal de forma neutra, sem enveredar em Juízos de Valor.38
A fase constitucional hodierna é marcada pela superioridade da Constituição, que
realiza subordinação em relação aos poderes por ela constituídos, garantida por me-
canismos jurisdicionais de controle de constitucionalidade. Caracteriza-se ainda pela
absorção de valores morais e políticos39, dentro de um sistema de direitos fundamen-
tais autoaplicáveis. Tudo isso sem prejuízo de se continuar a afirmar a ideia de que o
poder deriva do povo manifestado por seus representantes legais”. A esse conjunto
de fatores vários autores, sobretudo na Espanha e na América Latina, dão o nome de
neoconstitucionalismo”. 40
37 “O positivismo de Kelsen é a expressão máxima dessa concepção. Nessa perspectiva, não caberia ao Direito avaliar o conteúdo particular de cada ordenamento, no sentido de verificar sua compatibili-dade com as normas morais. A justiça ou injustiça das normas jurídicas ou do seu próprio ordenamento não seria tema afeto à ciência do Direito. [...] A ascensão do partido nazista ao poder, por exemplo, ocorreu pelos meios previstos na Constituição de Weimar. Chegando ao poder, os nazistas utilizaram o Direito como instrumento para a imposição de políticas repressivas e discriminatórias [...] É certo, porém, que a Filosofia do Direito que prevaleceu entre os nazistas rejeitava importantes dimensões do positivismo, como o compromisso com a legalidade, concebendo o direito em nome da preservação do “espírito do povo” e da realização dos “interesses do Reich”. SARMENTO, Daniel. Direito Constituci-onal – Teoria, história e métodos de trabalho. Versão Eletrônica (e-Pub). Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 404; 38 Ibidem; 39 Fenômeno por vezes designado como materialização da Constituição. 40 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. Rev. E Atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 59;
26
O professor Luís Roberto Barroso explica o neoconstitucionalismo em três dife-
rentes marcos diferentes: a) marco histórico; b) marco filosófico; e c) marco teórico.41
Falar na supremacia da Constituição Federal nos parece hoje algo extremamente
natural, sendo, espantoso, entender o ordenamento jurídico sem a Constituição como
o Sol da órbita jurídica. Mas nem sempre foi assim! Como seguiremos em ver, o pro-
cesso de constitucionalização do direito começou, relativamente, em tempos recentes.
Isso muda todo o paradigma e a maneira como se fazer o direito. Isso reflete profun-
damente em cada instituto jurídico. Desde a criação da lei até a interpretação consti-
tucional, tudo começa a ter um novo prisma, agora, definitivamente Constitucional.
2.1.1 MARCO HISTÓRICO DO NEOCONSTITUCIONALISMO
Como já dito anteriormente, “o marco histórico do neoconstitucionalismo, na Eu-
ropa, foi o constitucionalismo de pós-guerra, especialmente na Alemanha e na Itália.
No Brasil, foi a constituição de 1998 e o processo de redemocratização que ela ajudou
a protagonizar”. 42
O novo nascimento constitucional no Brasil se deu justamente em um espaço de
reconstitucionalização do país, por ocasião da promulgação da Constituição Federal
de 1988. Este novo texto constitucional “foi capaz de promover, de maneira bem su-
cedida, a travessia do Estado Brasileiro de um regime autoritário, intolerante e, por
vezes, violento para um Estado democrático de direito”. 43 Mais que isso, ressalta o
professor, neste novo período constitucional houve o mais longo período de estabili-
dade institucional já vivido na história republicana do país. Para citar alguns fatos mar-
cantes, pela primeira vez um presidente sofreu um impeachment, houve revelação de
41 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). [s.d]. Artigo Científico. Disponível na Internet em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitu-cionalizacao_do_dreito_pt.-pdf>; 42 Ibidem; 43 Ibidem;
27
graves escândalos em ambas as casas do poder legislativo, foi eleito um presidente
de oposição e do Partido dos Trabalhadores, houveram mais escândalos econômicos
envolvendo esquemas de financiamento eleitoral, sendo que, todos estes episódios
aconteceram em respeito à legalidade constitucional”. É um grande progresso. Supe-
ramos a crônica indiferença que, historicamente, se manteve em relação à Constitui-
ção. E, para os que sabem, é a indiferença, não o ódio, o contrário do amor”. 44
2.1.2 MARCO FILOSÓFICO DO NEOCONSTITUICIONALISMO
O marco filosófico do novo direito constitucional é o pós-positivismo. A caracteri-
zação do pós-positivismo é a junção de dois pensamentos paradigmas para o direito:
o jusnaturalismo e o positivismo jurídico. Opostos, mas complementares”. A quadra
atual é assinalada pela superação – ou, talvez, sublimação – dos modelos puros por
um conjunto difuso e abrangente de ideias, agrupadas sob o rótulo genérico de pós-
positivismo”. 45
Neste diapasão, cabe a lição do professor Barroso:
A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias me-tafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser ins-piradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de idéias (sic) ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurí-dica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvi-mento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação en-tre o Direito e a filosofia. 46
44 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). [s.d]. Artigo Científico. Disponível na Internet em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitu-cionalizacao_do_dreito_pt.-pdf>;; 45 Ibidem; 46 Ibidem;
28
Entende-se, portanto, que o marco filosófico do neoconstitucionalismo é justa-
mente essa nova releitura filosófica, tanto no jusnaturalismo, quanto do positivismo
kantiano. Nessa nova leitura filosófica, o homem assume um papel principal, que an-
tes se encontrava apenas nos bastidores, trazendo novos conceitos como, dignidade
da pessoa humana, e direitos fundamentais bem mais solidificados.
Essa nova perspectiva traz mais humanização e reaproximação nas relações en-
tre Estado e indivíduo, acontecimentos estes, que seriam inevitáveis de acontecer,
pois só assim, estar-se caminhando para um encontro cada vez mais efetivo e equâ-
nime com a justiça.
2.1.3 MARCO TEÓRICO DO NEOCONSTITUCIONALISMO
Três grandes transformações subverteram o conhecimento convencional da apli-
cação do direito constitucional: a) o reconhecimento da força normativa à Constituição;
b) a expansão da jurisdição constitucional; e c) o desenvolvimento de uma nova dog-
mática da interpretação constitucional.
Uma das grandes mudanças de paradigma ocorridas ao longo do século XX foi a
atribuir à constituição o status de norma jurídica, superando assim um modelo que
perdurou até meados do século passado na Europa, o qual, a constituição era vista
como um documento essencialmente político. A concretização de suas propostas fi-
cava condicionada à liberdade do legislador ou à discricionariedade do administrador,
não reconhecendo, por sua vez, qualquer papel relevante ao judiciário na realização
do conteúdo constitucional.47
Não obstante, esta transformação no paradigma constitucional só chegou ao bra-
sil na década de 80 com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Este novo
47 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). [s.d]. Artigo Científico. Disponível na Internet em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitu-cionalizacao_do_dreito_pt.-pdf>;
29
modelo constitucional rompeu com a velha posição constitucional que padecia de pa-
tologias crônicas em sua essência, ligadas ao autoritarismo e à insinceridade consti-
tucional, servindo apenas como um repositório de promessas vagas e de meras exor-
tações ao legislador infraconstitucional sem aplicabilidade direta e imediata.48
Até 1945 vigorava na maior parte da Europa um modelo de supremacia do Poder
Legislativo tendo a lei como expressão da vontade geral. A partir do final da década
de 40 a onda constitucional trouxe um novo modelo de constituição, inspirado na ex-
periência americana: o da supremacia da constituição. A fórmula envolvia a constitu-
cionalização dos direitos fundamentais, que ficavam imunes em relação ao processo
político majoritário, cabendo sua proteção, nesse instante, ao Poder Judiciário. Este
novo modelo está diretamente associado ao controle de constitucionalidade e a cria-
ção de tribunais constitucionais.49
Tribunais Constitucionais foram criados ao redor do mundo adotando esta nova
política constitucional, sendo que, no Brasil, não obstante à Constituição de 1891 onde
já havia um molde incidental em relação ao controle de constitucionalidade, somente
com a Constituição de 1988 a jurisdição constitucional expandiu-se verdadeiramente.
No sistema constitucional Brasileiro, o Supremo Tribunal Federal pode exercer o
controle de constitucionalidade de forma muito mais ampla, seja em ações de sua
competência originária, seja por via de recurso extraordinário ou mesmo em proces-
sos objetivos, nos quais se veiculam as ações diretas.50
Diante de todas estas modificações no plano constitucional chega-se à interpre-
tação constitucional como uma modalidade de interpretação jurídica. Tal modalidade
48 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). [s.d]. Artigo Científico. Disponível na Internet em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitu-cionalizacao_do_dreito_pt.-pdf>; 49 Ibidem;; 50 Ibidem;
30
é derramamento direto da força normativa da Constituição, isto é, do reconhecimento
que as normas constitucionais detêm força normativa, aplicando-se assim as mesmas
técnicas tradicionais de interpretação do direito, como o gramatical, o histórico, o sis-
temático e o teleológico.51
Seguindo estas novas especificidades das normas constitucionais a doutrina e a
jurisprudência foram levadas, já de muitos anos, a desenvolver ou sistematizar um
elenco próprio de princípios aplicáveis à interpretação constitucional, sendo eles: o da
supremacia da Constituição; o da presunção de constitucionalidade das normas do
Poder Público, o da interpretação conforme a constituição, o da unidade, o da razoa-
bilidade e o da efetividade.52 53
Há que se falar nesta nova fase de interpretação constitucional, acerca da força
normativa dos princípios, pois este é um símbolo do pós-positivismo.
Expressa-se com precisão única o professor Roberto Barroso ao descrever a si-
tuação normativa dos princípios e sua interpretação quando da colisão dos princípios
instituídos. Segue o douto ensinamento:
“Princípios não são, como as regras, comandos imediatamente descritivos de condutas específicas, mas sim normas que consagram determinados valores ou indicam fins públicos a serem realizados por diferentes meios. A definição do conteúdo de cláusulas como dignidade da pessoa humana, razoabilidade, solidariedade e eficiência também transfere para o intérprete uma dose im-portante de discricionariedade. Como se percebe claramente, a menor den-sidade jurídica de tais normas impede que delas se extraia, no seu relato abstrato, a solução completa das questões sobre as quais incidem. Também aqui, portanto, impõe-se a atuação do intérprete na definição concreta de seu sentido e alcance. A existência de colisões de normas constitucionais, tanto
51 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). [s.d]. Artigo Científico. Disponível na Internet em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitu-cionalizacao_do_dreito_pt.-pdf>; 52 Ibidem; 53 Com relação à interpretação constitucional, o ilustre professor Roberto Barroso faz um paralelo acerca do modelo tradicional e do moderno modelo e interpretação constitucional, neste sentido, se mostra de grande valia que o leitor regresse ao texto de origem e faça sua leitura acerca das pondera-ções trazidas pelo professor. Cf. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constituciona-lização do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). [s.d]. Artigo Científico. Disponível na Internet em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstituciona-lismo_e_constitucionalizacao_do_dir-eito_pt.-pdf>;
31
as de princípios como as de direitos fundamentais, passou a ser percebida como um fenômeno natural – até porque inevitável – no constitucionalismo contemporâneo. As Constituições modernas são documentos dialéticos, que consagram bens jurídicos que se contrapõem. Há choques potenciais entre a promoção do desenvolvimento e a proteção ambiental, entre a livre-iniciativa e a proteção do consumidor. No plano dos direitos fundamentais, a liberdade religiosa de um indivíduo pode conflitar-se com a de outro, o direito de priva-cidade e a liberdade de expressão vivem em tensão contínua, a liberdade de reunião de alguns pode interferir com o direito de ir e vir dos demais. Quando duas normas de igual hierarquia colidem em abstrato, é intuitivo que não pos-sam fornecer, pelo seu relato, a solução do problema. Nestes casos, a atua-ção do intérprete criará o Direito aplicável ao caso concreto. A existência de colisões de normas constitucionais leva à necessidade de ponderação. A sub-sunção, por óbvio, não é capaz de resolver o problema, por não ser possível enquadrar o mesmo fato em normas antagônicas. Tampouco podem ser úteis os critérios tradicionais de solução de conflitos normativos– hierárquico, cronológico e da especialização – quando a colisão se dá entre disposições da Constituição originária. Neste cenário, a pondera-ção de normas, bens ou valores (v. infra) é a técnica a ser utilizada pelo in-térprete, por via da qual ele (i) fará concessões recíprocas, procurando pre-servar o máximo possível de cada um dos interesses em disputa ou, no limite, (ii) procederá à escolha do direito que irá prevalecer, em concreto, por realizar mais adequadamente a vontade constitucional. Conceito-chave na matéria é o princípio instrumental da razoabilidade.54
Nesta nova interpretação jurídica, agora pela Constituição, prima-se por uma in-
terpretação não mais apegada à letra fria da lei, mas por uma razoabilidade, levando-
se em considerações princípios não expressos, mas que detém força igualmente nor-
mativa.
Como veremos a seguir, começa a diluir-se o formalismo excessivo que se aplica
ao procedimento em detrimento da observação de valores intrínsecos e extrínsecos à
relação processual. Começa a valorar cada vez mais cada medida tomada dentro do
processo, não se levando em consideração apenas à luz do texto legal, mas à toda
uma expressão princípio-lógico-significativa de tratar a relação processual e o proce-
dimento em si.
54 Ibidem; Cabe ainda mais uma observação semelhante à anterior acerca da necessidade de confron-tar-se o texto do professor Luís Roberto Barroso acerca do processo de constitucionalização do Direito no que diz respeito à aplicabilidade dos princípios como norma jurídica, bem como, da interpretação dos princípios diante de uma eventual colisão entre os mesmos. Cf. BARROSO, Luís Roberto. Neo-constitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). [s.d]. Artigo Científico. Disponível na Internet em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_dir-eito_pt.-pdf>;
32
Dá-se também cada vez mais ênfase à linha jurisprudencial, interpretando o direito
sob o caso concreto, levando em considerações posições dos tribunais diversos, seja
de primeiro ou segundo grau. Isso é uma reviravolta tamanha, uma vez que nos apro-
xima cada vez mais do sistema americano, o common law.
2.2 FORMALISMO-EXCESSIVO
A palavra formalismo é amplamente utilizada por conter diversos significados,
sendo que, não obstante, neste momento limitar-se-á analisar o termo formalismo no
campo processual, mais especificamente, em sua ampla conotação.55
O termo “formalismo”, segundo Álvaro de Oliveira, devém da ideia de forma no
direito. Forma compreendida como “[...] exigência de afirmar-se a função estabiliza-
dora do direito, com vistas a se privilegiar, para além dos valores substanciais, valores
puramente formais, tais como a ordem, a permanência e a coerência”56
Segundo o autor, “o formalismo, ou forma em sentido amplo, não se confunde
com a forma do ato processual individualmente considerado”, dizendo, pois, “respeito
à totalidade formal do processo, compreendendo não só a forma, ou as formalidades,
55 Importante distinção faz a doutrina acerca da palavra formalismo em seus mais diversos sentidos, sendo utilizado, além, de realizar uma subdistinção entre formalismo em sentido estrito e formalismo em sentido amplo. Não obstante a importância das aplicações singulares do termo, nos limitamos a abordar apenas a análise ampla de sua conotação, pois é a de mais valia para a produção científica do presente trabalho. Ainda assim, se mostra aquela uma importante leitura para o leitor da presente obra. Cf. LIMA, Thiago Muniz de. Processo Civil e Filosofia: O Formalismo-Valorativo Como Concreti-zação De Uma Teoria Filosófica da Democracia. 2010. Tese de Mestrado. Disponível na Internet em: <http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_4037_dissertacao%20thiago%20muniz.pdf>. Acesso em 24/09/2014; 56 LIMA, Thiago Muniz de. (APUD) ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no pro-cesso civil: proposta de um formalismo-valorativo. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 5;
33
mas especialmente a delimitação dos poderes, faculdades e deveres dos sujeitos pro-
cessuais, coordenação de sua atividade, ordenação do procedimento e organização
do processo”, com o escopo de atingir suas finalidades primordiais.57
O formalismo serve primordialmente para imprimir efetividade e segurança ao pro-
cesso, haja vista, o formalismo denota essencialmente o poder organizador e ordena-
dor do processo, uma vez que a desordem, o caos e a confusão processual decidida-
mente não colaboram para um processo ágil. Infelizmente, o termo formalismo entrou
em desgaste quase total, se tornando um termo diretamente ligado à burocracia pro-
cessual, ou seja, o formalismo excessivo, de caráter essencialmente negativo.58
Ao meditar-se nos fatores externos do formalismo o pensamento fixa-se desde
logo, nos fins do processo, sendo que a noção de fim do processo, entrelaça-se, ne-
cessariamente, com os valores a serem idealmente atingidos por meio do processo.
Surge então a análise dos valores mais importantes para o processo: “por um lado, a
realização de justiça material e paz social, por outro, a efetividade, a segurança e a
organização interna justa do próprio processo (fair trial)”. 59 Segue a lição do Professor
Álvaro de Oliveira:
Os dois primeiros estão mais vinculados aos fins do processo, os três últimos ostentam uma face instrumental em relação àqueles. A par desses valores específicos, mostram-se ainda significativos para o processo os valores cons-titucionais e os valores culturais relacionados ao meio onde se insere deter-minado sistema processual. A efetividade e a segurança apresentam-se como valores essenciais para a conformação do processo em tal ou qual direção, com vistas a satisfazer de-terminadas finalidades, servindo também para orientar o juiz na aplicação das regras e princípios. Poder-se-ia dizer, numa perspectiva deontológica, tratar-se de sobreprincípios, embora sejam, a sua vez, também instrumentais em relação ao fim último do processo, que é a realização da Justiça do caso. Interessante é que ambos se encontram em permanente conflito, numa rela-ção proporcional, pois quanto maior a efetividade menor a segurança, e vice-versa. Assim, por exemplo, o exercício do direito de defesa, garantia ligada à
57 OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. O Formalismo-Valorativo no Confronto com o Formalismo Excessivo. [s.d.]. Artigo Científico. Disponível na Internet em: http://www.ufrgs.br/ppgd/dou-trina/CAO_O_Formalismo-valorativo_no_confronto_com_o_Formalismo_excessivo_290808.html>; Acesso em: 24/09/2014; 58 Ibidem; 59 Ibidem;
34
segurança, não pode ser excessivo nem desarrazoado. Nos casos não resol-vidos pela norma, caberá ao órgão judicial, com emprego das técnicas her-menêuticas adequadas, ponderar qual dos valores deverá prevalecer. Na ver-dade, garantismo e eficiência devem ser postos em relação de adequada pro-porcionalidade, por meio de uma delicada escolha dos fins a atingir. [...] De mais a mais, o desenvolvimento, que se pode julgar excessivo, da penalização da vida social e política exige sejam as regras jurídicas formula-das de maneira simples, clara, acessível e previsível: daí a noção de Estado de Direito e o princípio da segurança jurídica, produtos de desenvolvimentos sociais cada vez mais complexos e de evoluções cada vez mais incertas]. Numa visão mais abrangente, a ultrapassar o campo estrito do direito proces-sual, o princípio da segurança jurídica encontra-se ligado a duas exigências: qualidade da lei e previsibilidade do direito [...] [...] Essa percepção da realidade social revela-se míope e não desejada. A manutenção da ordem jurídica só pode ser realizada mediante questionamen-tos e aperfeiçoamentos, em consonância com a racionalidade, que certa-mente passa pelo Estado, mas que vai além dele, atenta aos direitos cons-truídos pelo processo histórico.60
Neste sentido, o formalismo em sua forma excessiva pode desvirtuar totalmente
os alvos do processo, agindo de forma a aniquilar o próprio direito ou determinar um
retardamento irrazoável da solução do litígio”. Neste caso, o formalismo se torna no
seu contrário: em vez de colaborar para a realização da justiça material, passa a ser
o seu algoz, em vez de propiciar uma solução rápida e eficaz do processo, contribui
para a extinção deste, sem julgamento do mérito [...]”61
O formalismo excessivo se mostra altamente danoso à fruição processual, atin-
gindo diretamente, as veias da efetividade do processo. O formalismo excessivo exclui
fatos de extrema relevância prática, em detrimento da observação de formalidades
legalistas que, em muitos casos, não se justifica.
Essa excessiva ritualística processual fecha os olhos para os corriqueiros aconte-
cimentos, muitas vezes de extrema inocência dos litigantes, e esquece-se de que o
processo deve alcançar fins outros, não sendo o procedimento um fim em si mesmo,
mas há valores a serem alcançados, valores estes, metajurídicos, de aplicação prática
e efetiva na vida do litigante.
60 OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. O Formalismo-Valorativo no Confronto com o Formalismo Excessivo. [s.d.]. Artigo Científico. Disponível na Internet em: <http://www.ufrgs.br/ppgd/dou-trina/CAO_O_Formalismo-valorativo_no_confronto_com_o_Formalismo_excessivo_290808.htm>; 61 Ibidem;
35
Diante disso, nasce, como se verá a seguir, o instrumentalismo valorativo, como
forma de ponderar o formalismo processual e pautar o mesmo sob a ótica dos valores
e garantias constitucionais, tornando o procedimento um instrumento cada vez mais
apto e eficaz na garantia destes preceitos.
Ainda cabe aqui, tecer uma observação acerca do instituo da astreintes e o for-
malismo excessivo. A ligação que há entre os dois, é de que ainda há um apego muito
grande ao formalismo processual em detrimento de valores importantes, como por
exemplo, a efetividade das decisões judiciais.
Nesse sentido, como se mostrará mais adiante, a execução provisória da astrein-
tes se mostra uma opção extremamente válida para efetivar as decisões judiciais,
quanto mais, há de se considerar, vivemos em tempos onde a sociedade olha com
bastante descrédito o poder judiciário, quase que exclusivamente, por sua falta de
efetividade.
Assim, urge a necessidade de se valorar cada vez mais determinados princípios
processuais em detrimento de um mero apego à norma, muitas vezes, como dito
acima, causando o inverso ao pretendido pelo processo, qual seja, efetivar o direito
material.
2.3 FORMALISMO-VALORATIVO
A teoria do Formalismo-Valorativo é um desaguar natural da nova ordem consti-
tucional (neoconstitucionalismo), além de estar visceralmente ligado à visão instru-
mentalista do processo, questões estas, já abordadas até aqui, justamente para fazer
o background do referente tema, além de abrir campo para o debate que se seguirá
acerca do neoprocessualismo.
36
Parece uma clara antinomia a expressão formalismo valorativo, uma vez que, du-
rante muito tempo, tentou-se separar a forma do valor. Para desconstruir essa apa-
rente antinomia, brilhantemente teorizou Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, posto que
o termo procura associar o formalismo (forma em sentido amplo), numa “releitura do
próprio processo, da sua estrutura interna, organização, conformação e funciona-
mento – à luz de uma visão axiológica e do seu inegável caráter de fenômeno cultu-
ral”.62
Sob esta teoria pretende-se afastar o formalismo excessivo sem cair num infor-
malismo, postos que, como já abordado antes, o formalismo é inerente à condição
processual para imprimir justiça, ordem, celeridade e organização ao processo, tudo
contribuindo para a perfeita justiça, mas tão somente, para conter a arbitrariedade que
engessa o judiciário e dificultando a justiça no caso concreto. O que se pretende é um
formalismo temperado. Necessário se mostra então, buscar um verdadeiro equilíbrio
entre valor e forma, preservando os direitos e garantias fundamentais, sendo norteada
pela carga axiológica dos valores sociais e constitucionais, aliando-se à efetividade
jurídica e segurança, sem desembocar em mero arbítrio ou rigidez formal.63
Devemos enxergar o formalismo sob o prisma do campo social, político e econô-
mico em que está inserido, não apenas como uma fria estrutura arquitetônica, caso
contrário, entraríamos justamente no formalismo excessivo, vazio, oco. Um bom
exemplo é o Código de Processo Civil de 1973, que já muito retalhado, tem recebido
críticas e elogios, sendo aqueles quanto á sua coerência interna e estes quanto á sua
62 LIMA, Thiago Muniz de. (APUD) ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no pro-cesso civil: proposta de um formalismo-valorativo. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 2; 63 LIMA, Thiago Muniz de. Processo Civil e Filosofia: O Formalismo-Valorativo como concretização de uma teoria filosófica da democracia. 2010. Tese de Mestrado. Disponível na Internet em: < http://por-tais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_4037_dissertacao%20thiago%20muniz.pdf>. Acesso em: 25/09/2014;
37
adequação aos valores constitucionais. 64 Isso se dá também pela distância entre a
promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988 e o Próprio Código de Pro-
cesso Civil, que é de 1973, onde estava fora do contexto neoconstitucional, contudo,
o operador e o legislador do direito devem tender para estes novos rumos e utilizar a
lei processual para aproximar ainda mais estas realidades outrora distintas. Somente
desta maneira vamos continuar assegurando os avanços sociais e institucionais que
nos trouxe a Constituição de 1988.
É de inegável valor essas novas construções teórico-processuais, principalmente
para a humanização do processo, pois reconhece a pacificação com justiça como o
objetivo a ser alcançado, e a partir daí permitir a criatividade judicial e a quebra da
rigidez formal do processo. O juiz se torna meio para se interligar os valores colhidos
no campo social ao processo, não se submetendo a nível escravo às regras proces-
suais, e sim colocando-as a serviço do homem e da justiça, como instrumento de con-
cretização daqueles mesmos valores.65
Fica claro então, que o formalismo-valorativo é um pensamento metodológico
mais apropriado às novas dinâmicas sociais, principalmente nessa nova era constitu-
cional, onde pautou-se em garantir os valores constitucionais inerentes ao bem-estar
humano, garantido cada vez mais dignidade humana através do processo.
A Justiça está além do processo. O processo é meio de justiça. O valor não pode
ser refém do instituto e da norma, pelo contrário, a norma é um escravo a serviço do
bem e valor maior.
64 AMARAL, Guilherme Rizzo. A efetivação das sentenças sob a ótica do Formalismo-Valorativo: um método de sua aplicação. 2006. Tese de Doutorado. Disponível na Internet em: <http://www.lume.ufrgs-br/bi-tstream/handle/10183/13144/000582345.pdf?1>; 65 Ibidem;
38
2.4 COOPERATIVISMO PROCESSUAL
2.4.1 OS MODELOS PROCESSUAIS CIVIS: ISONÔMICO, ASSIMÉTRICO E COOPERA-
TIVO. BREVES CONSIDERAÇÕES.
De antemão, se faz necessário mostrar, mesmo que de forma serena, três perfis
de organização processual, quais sejam, o econômico, assimétrico e o cooperativo.
Segundo Daniel Mitidiero, “cada um desses modelos, articula de modo diferente
o problema da divisão do trabalho entre as pessoas do juízo, respondendo às condi-
cionantes culturais em que mergulhados”.66
O processo isonômico é entendido diante de certa distinção entre indivíduo, soci-
edade civil e Estado, propiciando uma certa igualdade entre indivíduo e poder público”.
Os conflitos são resolvidos nessa quadra, alcançando mão de uma racionalidade prá-
tica, assumindo a dialética papel central na busca da resolução dos problemas jurídi-
cos”. O contraditório, defere-se na função de tornar possível o diálogo judicial. A con-
duta das partes é sempre vista sob a ótica da boa-fé subjetiva. A busca pela verdade
é uma constante, entendida, contudo, como tarefa exclusivamente das partes. 67
Já o processo assimétrico, diferentemente do processo isonômico, conta com uma
configuração de radical separação entre indivíduo, sociedade civil e Estado, refletindo
diretamente na relação entre indivíduo e o poder público, “que passa a ser absoluta-
mente assimétrica (o Estado vai compreendido com um sujeito que se encontra acima
do povo)”. O Estado detém o direito a ser aplicado no processo, visando tornar segura
e certa, tanto quanto possível, a realização do direito posto.
66 MITIDIERO, Daniel. Bases Para Construção de Um Processo Civil Cooperativo O Direito Pro-cessual Civil no Marco Teórico do Formalismo Valorativo. 2007. Tese de Doutorado. Disponível na Internet em: <http-://-www.scarpinellabueno.com.br/Textos/IBDP%20-%20Bases%20cient%C3%ADfi-cas%20para%20um%20-renovado%20direito%20processual%20_Cassio%20Scarpinella%20Bu-eno_.pdf>. Acesso em 19;09;2014; 67 Ibidem;
39
A conduta dos sujeitos processuais, também são avaliadas sob o prisma da boa-
fé subjetiva, sendo que, esta observação é estritamente atinente somente às partes,
uma vez que, o Estado é desincumbido de tal ação proba, podendo até mentir para
obter a verdade, haja vista, nesse modelo processual, a procura pela verdade acaba
sendo uma tarefa a ser realizada principalmente pelo Estado, na condução ativa do
processo. 68
2.4.2 MODELO COOPERATIVO
No modelo processual cooperativo, entende-se que o Estado tem como dever pri-
mário, propiciar condições para organização de uma sociedade livre, justa e solidária,
fundando-se na dignidade da pessoa humana”. Indivíduo, sociedade civil e Estado,
acabam por ocupar assim, posições coordenadas”. O direito a ser concretizado é um
direito que conta muito com a jurisprudência como sendo ciência jurídica. Trilhando
este caminho, o contraditório acaba novamente tomando um local de destaque na
construção do formalismo processual, sendo um ótimo instrumento de “viabilização
do diálogo e da cooperação no processo, que implica de seu turno necessariamente
a previsão de deveres de conduta tanto par as partes como par ao órgão jurisdicional
(deveres de esclarecimento, consulta, prevenção e auxílio)”. 69
No modelo cooperativo “o juiz tem seu papel redimensionado, assumindo uma
dupla posição: mostra-se paritário na condução do processo, no diálogo processual,
sendo, contudo, assimétrico no quando da decisão da causa”. Para este modelo, a
boa-fé deve ser uma conduta sinalagmática das partes entre si, e delas com o juiz. O
68 MITIDIERO, Daniel. Bases Para Construção de Um Processo Civil Cooperativo O Direito Pro-cessual Civil no Marco Teórico do Formalismo Valorativo. 2007. Tese de Doutorado. Disponível na Internet em: <http-://-www.scarpinellabueno.com.br/Textos/IBDP%20-%20Bases%20cient%C3%ADfi-cas%20para%20um%20-renovado%20direito%20processual%20_Cassio%20Scarpinella%20Bu-eno_.pdf>. Acesso em 19;09;2014; 69 Ibidem;;
40
alcance da verdade, mesmo que processual, passa a ser um dever de todos persegui-
la, na medida de seus interesses. 70
Essa dupla posição do juiz (paritária no diálogo e assimétrica na decisão) e o au-
mento da força das posições jurídicas das partes, conferem marca ao processo civil
cooperativo, manifestando-se ao longo de todo o formalismo processual. Da formação
do processo ao seu exaurimento a instância ganha novos ares, tudo à luz do escopo
de decidir-se com justiça, ideia esta, que se emerge do Estado Constitucional, sob o
marco teórico do formalismo-valorativo, regido em todo seu procedimento, pela ideia
de cooperação e obter-se com brevidade e eficácia a justa composição do litígio. 71
O processo cooperativo se insere na ideia central do presente trabalho na medida
em que entendemos o processo como uma via-de-mão-dupla. Todos são responsá-
veis pelo bom andamento processual. Assim, uma parte, ao ser compelida à agir no
processo com o escopo de uma rápida resolução do conflito, mesmo que parcial ou
provisoriamente, não o faz, não está agindo dentro dos parâmetros do cooperativismo
processual, principalmente no que tange à boa-fé objetiva.
Sob esta ótica processual, cabe-se pensar em execução provisória da astreintes,
como forma de compelir à parte, a agir dentro do procedimento com subordinação ao
processo e seu escopo, independentemente de posteriores acontecimentos.
70 MITIDIERO, Daniel. Bases Para Construção de Um Processo Civil Cooperativo O Direito Pro-cessual Civil no Marco Teórico do Formalismo Valorativo. 2007. Tese de Doutorado. Disponível na Internet em: <http-://-www.scarpinellabueno.com.br/Textos/IBDP%20-%20Bases%20cient%C3%ADfi-cas%20para%20um%20-renovado%20direito%20processual%20_Cassio%20Scarpinella%20Bu-eno_.pdf>. Acesso em 19;09;2014; 71 Ibidem;
41
3 ASTREINTES: CONSIDERAÇÕES GERAIS E ALGUNS ASPECTOS RELE-
VANTES
Antes de adentrar na questão centro do presente trabalho, qual seja, a execução
provisória das astreintes, é de suma importância tecer algumas linhas prévias acerca
desse instigante instituto processual chamado astreintes. Para tanto, abordará o pre-
sente capítulo, acerca do conceito das astreintes; natureza jurídica; sua evolução;
aplicação no código de processo civil pátrio; termo inicial e final; alteração do valor
após trânsito em julgado; e alguns outros aspectos que também se mostram polêmi-
cos.
3.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DAS ASTREINTES
As astreintes, também denominada multa diária ou periódica72, “tem natureza pre-
ventiva e é utilizada como meio coercitivo, de caráter processual, cujo fim imediato é
induzir o próprio devedor a cumpria a ordem judicial emergente da tutela específica”.73
Assim escreveu Guilherme Rizzo Amaral acerca das astreintes:
“(…) as astreintes constituem técnica de tutela coercitiva e acessória, que visa a pressionar o réu para que o mesmo cumpra mandamento
72 Há uma certa discussão jurídica entre processualista acerca da nomenclatura utilizada para expres-sar o instituto das astreintes. Alguns usam a expressão multa periódica em detrimento da expressão multa diária, sob o argumento de que a multa não é, necessariamente, diária, mas pode variar de acordo com o caso concreto a sua periodicidade, podendo ser imputada sob a condição de dias, horas, minutos, semanas etc. Já a expressão multa diária, ficou amplamente utilizada devido à forma mais usual de aplicar a multa, qual seja, de forma diária. O presente trabalho filia-se na posição adotada por Alexandre Freitas Câmara que assim aduz: “Denomina-se astreintes a multa periódica pelo atraso no cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, incidente em processo executivo (ou na fase execu-tiva de um processo misto), fundada em título executivo judicial ou extrajudicial, e que cumpre a função de pressionar psicologicamente o executado, para que cumpra a prestação”. (grifos meu) 73 MENINI, Jefferson Santos. Multa Diária. Técnica Processual Para Efetivação da Tutela Específica. Mestrado em Direito. 2007. Disponível na Internet em: http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/ar-quivo.php?codArquivo=4715. Acesso em: 19/10/2014
42
judicial, consubstanciada em multa periódica a incidir em caso de des-cumprimento”.74
Ainda sobre o assunto, se posicionou Alexandre Freitas Câmara citando Marcel
Planiol e Georges Ripert:
“Chamam-se astreintes às condenações monetárias ditadas em razão de determinada quantidade por dia de atraso (ou por qualquer outra unidade de tempo apropriada às circunstâncias) e destinadas a obter do devedor a execução de uma obrigação de fazer, pela ameaça de uma pena considerável, suscetível de aumentar indefinidamente. O que caracteriza esta medida de coerção é, portanto, o exagero do mon-tante da indenização, que de maneira nenhuma representa o prejuízo causado ao credor por efeito do atraso, e que nem sequer supõe a existência desse prejuízo. A soma assim fixada é uma verdadeira pena, pronunciada a título cominatório e só em caso de que o devedor não cumpra sua obrigação no prazo fixado pelo tribunal”.75
Em suma, “denomina-se astreintes a multa periódica fixada para o caso de atraso
no cumprimento de decisão judicial que imponha obrigação de fazer, não fazer ou
entregar coisa.”76 O instituto é oriundo do direito francês e, há muito tempo, adotado
no direito brasileiro.
Na nossa legislação pátria, admite-se atualmente a aplicação desse tipo de multa
para dar efetividade a decisões que imponham deveres jurídicos de fazer, não fazer e
entregar coisa, como se pode ver pela leitura dos arts. 461 e 461 – A do Código de
Processo Civil.
A astreintes está prevista especificamente no parágrafo 4º do artigo 461 do Código
de Processo Civil, que assim aduz:
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se proce-dente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. [...]
74 AMARAL, Guilherme Rizzo, As astreintes e o processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 85. 75 CÂMARA, Alexandre Freitas. Redução do Valor da Astreintes e Efetividade do Processo. Artigo Jurídico. [s.d]. Disponível na Internet em: http://www.fernandatartuce.com.br/site/artigos/doc_view/345-reducao-do-valor-de-astreintes-e-efetividade-alexandre-f-camara.html. APUD: PLANIOL, Marcel e RI-PERT, Georges, Derecho civil, Parte B. Trad. esp. de Leonel Pereznieto Castro, México: Harla, 1997, p. 627; 76 Ibidem;
43
§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumpri-mento do preceito.77
Não se utiliza a mesma técnica para as obrigações pecuniárias, em que se prevê
uma multa única e fixa, de dez por cento do valor da condenação, na forma do disposto
no art. 475 – J do CPC.78
Quanto à sua natureza jurídica da astreintes, é unânime a afirmação de que ela
configura um meio executivo, caracterizador da técnica de coerção indireta ou, sim-
plesmente, meio de execução indireta.79
Esclarece Marinoni e Arenhart:
A multa, nesse caso, é meio de execução da sentença que concede a tutela inibitória, sendo equivocado supor que a execução somente existirá quando, havendo inadimplemento da sentença, desejar-se cobrar o valor da multa. Note-se que há uma grande diferença entre ter a multa como meio de execu-ção da sentença e a multa como valor a ser executado por meio de expropri-ação. Em um caso a multa é meio de execução; no outro ela é objeto da execução.80
As astreintes, conforme foi adotada do sistema francês, “pode ser conceituada
como o meio processual adequado a influir na vontade do réu para que ocorra o cum-
primento espontâneo da obrigação contida no comando judicial, sobretudo porque as
partes devem obediência ás ordens judiciais”.81
Ainda considerando a influência do direito francês, haja vista ser o instituto da
multa periódica (astreintes), um instituto eminentemente francês e fazendo uma leitura
77 Código de Processo Civil Brasileiro. Disponível na internet em: http://www.planalto.gov.br/cci-vil_03/leis/l5869.htm 78 CÂMARA, Alexandre Freitas. Redução do Valor da Astreintes e Efetividade do Processo. Artigo Jurídico. [s.d]. Disponível na Internet em: http://www.fernandatartuce.com.br/site/artigos/doc_view/345-reducao-do-valor-de-astreintes-e-efetividade-alexandre-f-camara.html; 79 ZARONI, Bruno Marzullo. Efetividade da execução por meio de multa. A problemática em relação à pessoa jurídica. Tese de Mestrado. 2007. Disponível na Internet em: http://dspace.c3sl.ufpr.b-r/dspace/bitstream/handle/1884/11636/DISSERTA%C3%87%C3%83O%20Bruno.pdf?sequence=1. Acesso em: 15/10/2014; 80 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Execução. São Paulo: RT, 2007, v. 3, p. 113; 81 MENINI, Jefferson Santos. Multa Diária. Técnica Processual Para Efetivação da Tutela Específica. Mestrado em Direito. 2007. Disponível na Internet em: http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/ar-quivo.php?codArquivo=4715
44
apropriada do §2º do artigo 461 do CPC, vemos que “a indenização por perdas e
danos dar-se-á sem prejuízo da multa”, isso denota o total desapego das astreintes
com um caráter indenizatório, constatando que a multa “possui o visível objetivo de
garantir a efetividade da sentença e da tutela antecipatória, fazendo com que a ordem
de fazer ou de não-fazer nelas contidas sejam efetivamente observadas”82, obser-
vando-se assim, o verdadeiro caráter coercitivo do aludido instituto.
Observação ainda mais importante, faz o professor Asdrubal Francisco Nascim-
beni, relevando um caráter híbrido:
[...] é meio coercitivo que não só visa a realização do direito do ‘credor’, mas traz consigo, também, por conseguinte, o escopo direito de que se dê cum-primento ao mandado judicial, como forma de respeito ao poder do império do Estado-juiz. ”83
Essa observação se mostra altamente importante, uma vez que demonstra outra
faceta da multa periódica, qual seja, a de dar efetividade à decisão jurisdicional. Não
somente forçar o cumprimento da ordem para evitar prejuízos futuros dentro do pro-
cesso, mas para forçar o réu a cumprir a ordem emanada do Estado-juiz, visando um
bom andamento processual para atingir suas pretensões maiores, qual seja, resguar-
dar o direito material e atender às demandas das partes.
Portanto, deve-se demarcar a natureza da multa periódica como meio executivo
destinado a pressionar a vontade do réu, com o intuito de convencê-lo a cumprir efe-
tivamente a ordem magistral imposta à ele, agindo assim, como um meio de execução
indireta, como uma tutela inibitória, imbuindo-se na obtenção da tutela reclamada pelo
direito material em jogo.84
82 Ibidem; APUD: MARINONI, Luiz Gulherme, Tutela Específica, p. 105; 83 NASCIMBENI, Asdrubal Franco. Multa e Prisão Civil Como Meios Coercitivos Para a Obtenção da Tutela Específica. Curitiba: Juruá Editora, 2005, p. 193; 84 ZARONI, Bruno Marzullo. Efetividade da execução por meio de multa. A problemática em relação à pessoa jurídica. Tese de Mestrado. 2007. Disponível na Internet em: http://dspace.c3sl.ufpr.b-r/dspace/bitstream/handle/1884/11636/DISSERTA%C3%87%C3%83O%20Bruno.pdf?sequence=1;
45
3.2 BREVES NOTAS DE DIREITO COMPARADO: A ASTREINTES EM ORDENAMEN-
TOS ESTRANGEIROS
3.2.1 ASTREINTES NO DIREITO FRANCÊS
O direito francês, após a revolução francesa, estava altamente arraigado nos ide-
ais de igualdade, liberdade e fraternidade, criando-se assim um meio propício para
uma maior valorização na do indivíduo, criando assim uma supervalorização e exces-
siva proteção ao devedor de obrigação de fazer ou não fazer, permitindo assim, o
pagamento equivalente em dinheiro.
Neste contexto, consagrou-se o princípio nemo ad factum cogi potest, segundo o
qual: “Toda obrigação de fazer ou não fazer se resolve em perdas e danos, no caso
de inexecução por parte do devedor.”85 86
Não obstante toda a boa índole do pensamento libertário da época, acerca de
questões jurídicas de justiça, a não obrigatoriedade ao cumprimento dessas obriga-
ções gerou diversas críticas, um tanto severas, da doutrina da época. Para sanar o
problema, criou-se um mecanismo de coerção pecuniária para estimular o cumpri-
mento da tutela específica: a astreintes.87
Inicialmente, justificaram a implementação da medida sob o fundamento da inde-
nização em perdas e danos, contudo, não demorou muito, acresceu o caráter coerci-
tivo à astreintes, sob a justificativa de que, “além da iurisdictio, o juiz reveste-se do
imperium pertinente ao poder estatal.”88
85 MENINI, Jefferson Santos. Multa Diária. Técnica Processual Para Efetivação da Tutela Específica. Mestrado em Direito. 2007. Disponível na Internet em: http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/ar-quivo.php?codArquivo=4715; 86 Código Napoleônico, artigo 1.142; 87 MENINI, Jefferson Santos. Multa Diária. Técnica Processual Para Efetivação da Tutela Específica. Mestrado em Direito. 2007. Disponível na Internet em: http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/ar-quivo.php?codArquivo=4715; 88 Ibidem;
46
Houve ainda por algum tempo uma certa discussão acerca da natureza jurídica
da astreintes, seria ela de caráter coercitivo ou indenizatório?
Seguindo-se a evolução doutrinária chegou-se a um denominador comum entre a
doutrina, sedimentando o entendimento de ser a astreintes um meio coercitivo e não-
dependente da indenização e perdas e danos. Neste sentido, se posicionou a Corte
de Cassação Francesa:
As astreintes, cujo único objetivo é vencer a resistência do obrigado, consti-tuem medida inteiramente distinta das perdas e danos, não tendo por objeto compensar os prejuízos sofridos pelo autor em decorrência do atraso no des-cumprimento de determinada condenação do réu.89
As principais características das astreintes, portanto, podem ser assim descritas:
a) é meio coercitivo; b) não está vinculada ao valor da obrigação principal; c) cumula-
se com o valor da obrigação principal; d) possui caráter acessório em relação à con-
denação principal; e) pode ser ficada de ofício; f) reverte-se para o credor da obrigação
inadimplida o produto recorrente de sua incidência; g) pode ser modificada pelo ma-
gistrado, dentre outras.90
Como se percebe, a astreintes do direito francês influenciou fortemente outros
ordenamentos jurídicos, inclusive o brasil.
3.2.2 NO DIREITO ANGLO-SAXÃO: O CONTEMPT OF COURT
O contempt of court é um instituto dos mais singulares do direito anglo-americano,
sendo considerado primordial meio de efetivação das decisões judiciais.91
89 AMARAL, Guilherme Rizzo. As Astreintes e o Processo Civil Brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e outras. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 29; 90 MENINI, Jefferson Santos. Multa Diária. Técnica Processual Para Efetivação da Tutela Específica. Mestrado em Direito. 2007. Disponível na Internet em: http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/ar-quivo.php?codArquivo=4715; 91 ZARONI, Bruno Marzullo. Efetividade da execução por meio de multa. A problemática em relação à pessoa jurídica. Tese de Mestrado. 2007. Disponível na Internet em: http://dspace.c3sl.ufpr.b-r/dspace/bitstream/handle/1884/11636/DISSERTA%C3%87%C3%83O%-20Bruno.pdf?sequence=1. Acesso em: 15/10/2014;
47
A astreintes do direito francês guarda uma certa semelhança com o sistema anglo-
americano, o contempt of court, contudo, não se confundem.
Enquanto no primeiro a astreintes tem natureza exclusivamente coercitiva e o valor
da multa beneficia o credor da obrigação descumprida, o segundo tem natureza mista,
sendo preponderantemente punitiva, mas também, reparatória e mista, além de o va-
lor da multa beneficiar o estado.92
Neste sentido, cabe a lição de Bruno Marzullo Zaroni:
O contempt of court é sustentado por uma multissecular teoria segundo a qual as Cortes, em razão da autoridade que lhes é historicamente conferida, e do dever de administração da justiça que lhes é atribuído, são credoras de obe-diência e deferência; se tal não se alcança de maneira espontânea, os juízes e tribunais têm o poder inerente de impor a observância de seus pronuncia-mentos, valendo-se, para tanto, de meios executivos coercitivos ou de medi-das punitivas, conforme se tratar de concretizar suas ordens ou de reivindicar sua autoridade institucional.93
Repare que o instituto do contempt of court está intimamente ligado à questão do
respeito à força jurisdicional do Estado-juiz.
Assim, o instituto do contempt of court é um instrumento bastante eficaz para pro-
porcionar maior efetividade às decisões judiciais que impõem à parte uma conduta de
fazer ou não fazer determinada obrigação, “visto que, em casos extremos, o devedor
renitente pode, inclusive, ser encarcerado, não por deixar ou não fazer determinada
conduta, mas sim por enfrentar e desafiar a autoridade de uma decisão judicial.”94
92 CRUZ, Marcos Vinício Raiser da. A Multa Diária Como Meio de Coerção Para Efetivação da Tu-tela Jurisdicional Que Impõe Às Partes Obrigação de Fazer, Não Fazer e Entregar Coisa Certa. Tese de Mestrado. 2007. Disponível na Internet em: http://www.dominiopublico.gov.br/down-load/teste/arqs/cp139520.pdf. Acesso em: 15/10/2014; 93 ZARONI, Bruno Marzullo. Efetividade da execução por meio de multa. A problemática em relação à pessoa jurídica. Tese de Mestrado. 2007. Disponível na Internet em: http://dspace.c3sl.u-fpr.b-r/dspace/bitstream/handle/1884/11636/DISSERTA%C3%87%C3%83O%-20Bruno.pdf?sequence=1. Acesso em: 15/10/2014; 94 CRUZ, Marcos Vinício Raiser da. A Multa Diária Como Meio de Coerção Para Efetivação da Tu-tela Jurisdicional Que Impõe Às Partes Obrigação de Fazer, Não Fazer e Entregar Coisa Certa. Tese de Mestrado. 2007. Disponível na Internet em: http://www.dominiopublico.gov.br/down-load/teste/arqs/cp139520.pdf. Acesso em: 15/10/2014
48
Ainda sobre essa questão do descumprimento da ordem judicial, cabe a lição do
professor Watanabe, onde ele explica que há ainda a possibilidade de cominação
concomitante entre a multa e o crime de desobediência:
[...] os atos do demandado que descumpra as ordens judiciais não somente ofendem o direito da parte contrária, como também embaraçam o exercício da jurisdição, e por isso constituem atos atentatórios à dignidade da Justiça, numa concepção que se aproxima muito da adotada pelo sistema Common Law. Para assegurar o cumprimento dessas ordens o nosso sistema proces-sual se vale da pena de desobediência (poderá haver prisão em flagrante, mas o processo criminal será julgado pelo juiz criminal competente, na forma da lei) e também da multa a ser fixada pelo próprio juiz da causa.”95
Com um olhar subjetivo do autor, quando comparamos ambos os institutos (as-
treintes e contempt of court) com o sistema da multa periódica do sistema processual
brasileiro, percebe-se a influência de ambos os institutos. Há a influência anglo-ame-
ricana, no instante que, conforme salienta Marinoni: “ainda que imediatamente tenha
por fim tutelar o direito do autor, visa precipuamente, a garantir a efetivada das deci-
sões do juiz”96. Nesse sentido podemos citar o artigo 14 do Código de Processo Civil
Brasileiro, que está eivado de características do sistema contempt of court, podendo
ser considerado um protótipo do mesmo instituto.97 Além da influência francesa no
próprio texto da lei, onde denota o caráter também coercitivo, sendo instrumento do
juízo para forçar o cumprimento da obrigação imposta.
95 WATANABE, Kazuo. Tutela Antecipatória e Tutela Específica das Obrigaões de Fazer e Não Fazer (arts. 273 e 461 do CPC). In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 27; 96 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 4. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 222; 97 Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo. [...] V – cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final. Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixados de acordo com a gravidade da conduta e não superior a 20% (vinte por cento) do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da acusa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado.
49
3.3 MOMENTO DE INCIDÊNCIA DAS ASTREINTES: TERMO INICIAL E FINAL DA AS-
TREINTES
3.3.1 TERMO A QUO (INICIAL)
Uma questão um tanto quanto polêmica em relação às astreintes são os termos
inicias e finais da multa. Acerca deste tema, há posicionamentos diversos na doutrina
e, a seguir, apontaremos alguns deles.
Preceitua o artigo 461 do CPC em seu parágrafo 4º:
§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumpri-mento do preceito. (grifo meu)
A ideia da norma é “outorgar ao juiz o poder designação de um período razoável
para o cumprimento da decisão antes que se faça incidir a sanção cominatória”98,
podendo essa sanção ser qualquer uma das indicadas no artigo 461 do CPC, inclusive
a multa periódica.
O prazo deve ser razoável, não tão extenso, a ponto e se perder o objeto da pres-
tação e não tão curto, a ponto de impedir o cumprimento efetivo. 99
Essa fixação, contudo, não é obrigatória. Deve existir apenas em casos onde a
complexidade, natureza ou urgência da causa, se fizer necessário um tempo mínimo
para cumprimento da obrigação imposta.100
98 ZARONI, Bruno Marzullo. Efetividade da execução por meio de multa. A problemática em relação à pessoa jurídica. Tese de Mestrado. 2007. Disponível na Internet em: http://dspace.c3sl.u-fpr.b-r/dspace/bitstream/handle/1884/11636/DISSERTA%C3%87%C3%83O%-20Bruno.pdf?sequ-ence=1. Acesso em: 15/10/2014 99 Ibidem; 100 Ibidem;
50
Basta pensar-se nas obrigações negativas (não fazer), quando por exemplo, o juiz
determinar que não polua-se, não exponha produto nocivo, não viole propriedade pri-
vada, etc., não é necessário impor tempo mínimo para cumprimento, haja vista que
esse tipo de obrigação é de cumprimento imediato.101
Ou também em situações de obrigações positivas (fazer) que se revelam extre-
mamente urgentes, quando o juiz obrigar a que se realize intervenção cirúrgica, ou
manter eficácia de contrato de seguro de vida.102
Levando-se em consideração a determinação data pelo artigo 461 em seu pará-
grafo 4º, é necessária a aferição do termo inicial da multa, ou seja, o momento em que
vai começar a incidi-la para efeito de quantificação, tanto para aplicação quanto para
sua execução.
Existem três correntes de maior expressão, discutindo acerca do melhor momento
do termo inicial da astreintes.
A primeira corrente, de menor expressão, advoga a tese de que a incidência da
astreintes se dá desde o momento da intimação do réu.103 Mesmo minoritária essa
corrente, já se posicionou desta forma o Superior Tribunal de Justiça.104
A segunda, entende que a multa começará a incidir desde o instante em que se
findar o decurso do prazo para cumprir com a ordem mandamental, “ou seja, é o ins-
tante seguinte ao descumprimento do preceito judicial. 105
101 ZARONI, Bruno Marzullo. Efetividade da execução por meio de multa. A problemática em relação à pessoa jurídica. Tese de Mestrado. 2007. Disponível na Internet em: http://dspace.c3sl.u-fpr.b-r/dspace/bitstream/handle/1884/11636/DISSERTA%C3%87%C3%83O%-20Bruno.pdf?sequ-ence=1. Acesso em: 15/10/2014; 102 Ibidem; 103 CRUZ, Marcos Vinício Raiser da. A Multa Diária Como Meio de Coerção Para Efetivação da Tutela Jurisdicional Que Impõe Às Partes Obrigação de Fazer, Não Fazer e Entregar Coisa Certa. Tese de Mestrado. 2007. Disponível na Internet em: http://www.dominiopublico.gov.br/down-load/teste/arqs/cp139520.pdf. Acesso em: 15/10/2014; 104 (STJ, 1º Turma, REsp 518.155 RS, Relator Ministro Luiz Fux, j. 17.02.2014, DJU 28.04.2014, p. 232) 105 CRUZ, Marcos Vinício Raiser da. A Multa Diária Como Meio de Coerção Para Efetivação da Tutela Jurisdicional Que Impõe Às Partes Obrigação de Fazer, Não Fazer e Entregar Coisa Certa. Tese de Mestrado. 2007. Disponível na Internet em: http://www.dominiopublico.gov.br/down-load/teste/arqs/cp139520.pdf. Acesso em: 15/10/2014;
51
Coaduna com o pensamento, Eduardo Talamini: “decorrido o prazo concedido
para cumprimento do preceito – ou não havendo a pronta obediência, quando se exige
cumprimento imediato -, passa a incidir a multa.”106
Também assim se posiciona Humberto Theodoro Júnior: “A multa vigorará a partir
do momento fixado pela decisão, o qual se dará quando expirar o prazo assinado pelo
juiz para o cumprimento voluntário da obrigação”.107
A terceira corrente, entende que a multa será exigida somente no momento após
o último prazo para cumprimento da obrigação, ou seja, se a parte detém 3 dias para
cumprir o preceito judicial, no quarto dia de descumprimento começará a incidir a
multa.
Assim entende, por exemplo, Araken de Assis: “o ‘dies a quo’ da pena é aquele
imediatamente posterior ao do vencimento do prazo de cumprimento”.108
O presente autor, se filia à posição minoritária acerca do debate, qual seja, a pri-
meira corrente aqui expressada. O entendimento é simples: mesmo que o juiz tenha
apontado um prazo razoável para cumprimento da obrigação, por exemplo, três dias,
o réu, desde a citação, já está ciente que deve cumprir com o mandamento jurisdicio-
nal. Assim, se o réu, dentro do prazo estipulado cumprir com a obrigação, nenhuma
outra sanção cairá sobre ele. Contudo, se o mesmo não vier a cumprir com a obriga-
ção no prazo estipulado, a multa deverá contar desde o dia em que ela tomou ciência
da decisão.
Veja bem, não há que se falar em iniciar-se a execução se o prazo fixado for
respeitado, contudo, se o réu tinha pré-ciência do prazo fixado e mesmo assim se
106 TALAMINI, Eduardo. Tutela Relativa aos Deveres de Fazer e Não Fazer: CPC, art. 461; CDC art. 84. São Paulo: RT, 2001, p. 248 107 Ibidem. APUD THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não Fazer. Revista do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 105, jan/mar. 2002, p. 27; 108 Ibidem; APUD ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. 7ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 498;
52
omitiu, entende este autor, por bem, que a multa deverá começar a calcular-se desde
o dia em que o réu tomou conhecimento.
Neste sentido, se posicionou o ministro Luiz Fux, no REsp 518.155 do STJ.
3.3.2 TERMO AD QUEM (FINAL)
Com relação ao termo final do processo, é omisso qualquer dispositivo legal para
tanto, coisa que é manifestamente obvia, uma vez que, só se cessará a aplicação da
multa com o respectivo cumprimento da obrigação demandada, ou, por algum outro
motivo, quando se tornar impossível sua execução.
Conforme preleciona José Miguel Garcia Medina, dizendo que não deve o juiz
fixar termo final da incidência da multa, a não ser que esteja diante de uma obrigação
que também se sujeite a prazo final. Pode acontecer, contudo, que o juiz estabeleça
que a multa se altere a partir de determinado momento, contudo, não estará ainda
fixando termo final para a incidência da mesma.109
3.4 PROCEDIMENTO SATISFATÓRIO PARA EXECUTAR-SE A ASTREINTES
Havido a incidência da astreintes em determinada situação, há unanimidade na
doutrina no sentido de que o meio idôneo para efetivação da execução do referido
valor é a execução de quantia acerta, disciplinada no artigo 475-J110 e seguintes, do
Código de Processo Civil.
Esta é a lição de Humberto Teodoro Jr.:
A astreintes consiste numa ‘condenação pecuniária proferida em razão de tanto por dia de atraso [...]’ Uma vez, porém, que se cuida de condenação de natureza pecuniária, a forma obrigatória de sua execução é a da execução
109 MEDINA, José Miguel Garcia. Execução Civil, Coleção Estudos de Direito de Processo Enrico Tul-lio Liebman,v. 48, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 253; 110 Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
53
por quantia certa ou, como dizem os italianos, a execução por ‘expropriação forçada’111
Não obstante o fato de que a obrigação imposta ao réu, não seja de natureza
pecuniária (obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa), a partir do momento que
incide a multa periódica, a mesma desvirtua-se, quanto à natureza, do principal, tendo
caráter exclusivamente pecuniário112, que, na maioria das vezes, terá uma liquidez
imediata, ou melhor, por simples cálculo aritmético113.
Trata-se, ainda de uma execução de título judicial e não extrajudicial114. Isso se
dá pelo entendimento do inciso I, do artigo 475-N do Código de Processo Civil115, pois
a cominação da astreintes se deu em decisão/sentença, mesmo que interlocutória
como em antecipação de tutela, que reconheceu a existência de obrigação de fazer,
não fazer ou entregar.
Sob a ideia de ser a decisão interlocutória que antecipa os efeitos da tutela um
título judicial executável, assevera Sérgio Cruz Arenhart:
É preciso advertir, também, que a decisão que impõe multa coercitiva consti-tui título executivo judicial – ainda que não arrolado expressamente no art. 584 [atual art. 475-N] do CPC. Embora, em relação aos títulos executivos, valha o princípio da taxatividade, no sentido de que somente são títulos exe-cutivos os documentos expressamente arrolados em lei, impõe-se a conclu-são de tratar a decisão impositiva de multa de título concebido pelo sistema, mesmo sem menção expressa a essa nomenclatura no art. 84 (ou no art. 461). Esta é, aliás, a única interpretação possível, ou então se estaria pre-vendo o cabimento de multa, sem a possibilidade de realizá-la (ou sem a forma de fazê-lo), quando necessário.116
Corrobora para o entendimento Araken de Assis, que para tal:
111 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Medida Cautelar, Multa Diária. Exequibilidade. Revista de Pro-cesso. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 96, out./dez. 1999, p. 211. 112 Art. 475-B. Quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do art. 475-J desta Lei, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005) 113 CRUZ, Marcos Vinício Raiser da. A Multa Diária Como Meio de Coerção Para Efetivação da Tutela Jurisdicional Que Impõe Às Partes Obrigação de Fazer, Não Fazer e Entregar Coisa Certa. Tese de Mestrado. 2007. Disponível na Internet em: http://www.dominiopublico.gov.br/down-load/teste/arqs/cp139520.pdf. Acesso em: 15/10/2014; 114 Ibidem; 115 Art. 475-N. São títulos executivos judiciais: I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia; 116 ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da Tutela Inibitória Coletiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 368
54
É importante frisar, neste particular, que as decisões interlocutórias, ou seja, os atos decisórios que resolvem a questão incidente relativa à antecipação dos efeitos do pedido, fornecem ao autor título para iniciar a execução, em alguns casos de modo preciso e claro (v.g., art. 701, § 2º: “... valendo a deci-são como título executivo”), em outros de forma genérica (art. 733, caput: “Na execução de sentença ou de decisão...”). O princípio do título se encontra reforçado pela dicção explícita do art. 475-N, I.117
Essa questão, contudo, não é pacificada. Para alguns doutrinadores a decisão
interlocutória que antecipa os efeitos da tutela não pode ser considerado um título
judicial, por entender que o disposto no artigo 475-N é norma taxativa.
Sob essa égide, leciona José Miguel Garcia Medina:
Os títulos executivos são taxativamente estabelecidos pela norma jurídica (numerus clausus), e ‘em nenhuma hipótese é lícito ao intérprete acrescer, sob pena de ilegítima violação da esfera do (suposto) devedor’. Considerando que a decisão que antecipa os efeitos da tutela não é dotada de tal abstração [...], e tendo em vista, que as hipóteses em que se permite a antecipação dos efeitos da tutela não são taxativamente estabelecidas pela norma jurídica, parece-nos que este instituto não se amolda ao conceito tradicional de título executivo.118
Discorda-se, data vênia, com a posição do doutrinador acima. Pois, com a leitura
do artigo 475-N, que diz que “a sentença proferida no processo civil entendemos que
reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar
quantia”. A decisão interlocutória que antecipa os efeitos da tutela tem o mesmo efeito
da sentença definitiva, quanto à sua força, se diferindo dela por sua precariedade.
Mas sua força jurídica em criar obrigações entre as partes é clara, sendo que, quando
se trata de tutela específica nas obrigações de fazer e não fazer, ou entregar, nos
parece sensato entender a mesma com igual significação da sentença para todos os
efeitos práticos, inclusive para a execução.
117 ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 581; 118 CRUZ, Marcos Vinício Raiser da. A Multa Diária Como Meio de Coerção Para Efetivação da Tutela Jurisdicional Que Impõe Às Partes Obrigação de Fazer, Não Fazer e Entregar Coisa Certa. Tese de Mestrado. 2007. Disponível na Internet em: http://www.dominiopublico.gov.br/down-load/teste/arqs/cp139520.pdf. Acesso em: 15/10/2014. APUD: MEDINA, José Miguel Garcia. Execu-ção Civil: Princípios Fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 95/96;
55
O título exequendo deverá preencher os requisitos de liquidez, certeza e exigibili-
dade. Terá o credor que demonstrar, além de qualquer dúvida, que o devedor foi de-
vidamente intimado a realizar a obrigação imposta e que o prazo razoável fixado não
foi respeitado. Importante salientar que não cabe ao credor a prova da violação ou
descumprimento do prazo ou obrigação, sendo que, “caberá ao executado, em sua
defesa (a ser exercida pela via do incidente de impugnação do artigo 475-L do diploma
processual) fazer prova de que realizou o comando judicial”119 dentro do prazo e dos
termos exigidos.
3.5 BENEFICIÁRIO DO CÉDITO RESULTANTE DA ASTEINTES
Há uma manifesta desídia do legislador pátrio, no que tange ao beneficiário ou
legitimado ativo para cobrar o valor decorrente do descumprimento da ordem judicial,
no que diz respeito ao instituto da multa periódica.
Mesmo não havendo previsão legal acerca da destinação do valor da multa, é
dominante o entendimento no campo doutrinário e jurisprudencial, de que ao autor é
devido o crédito auferido da incidência da multa120. Essa preferência é resgatada da
influência francesa das astreintes, como já pouco dito anteriormente,121 dada o seu
caráter privado.
119 MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A Multa (Astreintes) Na Tutela Específica. 2013. Tese de Mestrado, disponível na internet em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-12022014-110131/publico/Dissertacao_de_Mestrado_Newton_Marzagao.pdf. Acesso em: 23/10/2014; 120 MENINI, Jefferson Santos. Multa Diária. Técnica Processual Para Efetivação da Tutela Específica. Mestrado em Direito. 2007. Disponível na Internet em: http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/ar-quivo.php?codArquivo=4715. Acesso em: 19/10/2014 121 ZARONI, Bruno Marzullo. Efetividade da execução por meio de multa. A problemática em relação à pessoa jurídica. Tese de Mestrado. 2007. Disponível na Internet em: http://dspace.c3sl.u-fpr.b-r/dspace/bitstream/handle/1884/11636/DISSERTA%C3%87%C3%83O%-20Bruno.pdf?sequence=1. Acesso em: 15/10/2014
56
Contudo, há que se lembrar, como já dito anteriormente no presente trabalho, que
o contempt o court do direito inglês, confere ao Estado, a legitimidade para ser o cre-
dor e recebedor dos valore porventura auferidos pela incidência da multa periódica,
uma vez que para esse instituto, havia proeminência no caráter público, explicando
assim a ideia de ser o Estado o credor.
Diante da omissão legislativa, há uma certa polarização de opiniões dentro da
doutrina nacional.
De um lado, como é o posicionamento de Marinoni, defendem “a idéia (sic) se-
gundo a qual a multa, que não tem a finalidade de conferir ao autor um plus indeniza-
tório, mas visa garantir a efetividade da tutela jurisdicional, deveria ser revertida ao
Estado.”122
De outro, como posiciona-se, por exemplo, Eduardo Talamini, sugerem que “não
existe melhor garantia para que ocorra a necessária pressão psicológica na vontade
do réu do que colocar o direito ao crédito e a legitimidade para executá-lo nas mãos
da parte que tem interesse imediato no atendimento da ordem judicial.”123
Barbosa Moreira critica a destinação do valor cobrado pela incidência da multa
periódica: “já que ela não tem caráter ressarcitório, mas visa assegurar a eficácia prá-
tica da condenação, constante de ato judicial, não parece razoável que o produto de
sua aplicação seja entregue ao credor, em vez de ser recolhido aos cofres públicos.”124
Ressalta em vias contrárias, Marcelo Guerra:
Realmente, é forçoso reconhecer que o credor não tem, em princípio, direito a receber nenhuma quantia em dinheiro, em razão direta do inadimplemento do devedor, que não seja aquela correspondente às perdas e danos. Na re-
122 Ibidem; 123 Ibidem; 124 Ibdem; APUD: MOREIRA, Barbosa. O Processo Civil Brasileiro: Uma Apresentação. Temas de Direito Processual, p. 14;
57
lação entre credor e devedor, o primeiro só tem direito ou a prestação contra-tada ou ao equivalente pecuniário dessa mesma prestação (o ressarcimento em dinheiro pelos prejuízos resultantes da não realização da prestação).125
Resta ainda, uma terceira via, uma hibridização proposta pelo direito português,
quando confere o produto da multa periódica em pro-rata entre o Estado e a parte
credora, bem como anota João Calvão da Silva, onde para ele, a hibridização da multa
atende às duas finalidades precípuas: “o cumprimento da obrigação e favorecer o res-
peito pela autoridade judicial, a fim de que o devedor leve as coisas a sério e não
desrespeite o juiz e o interesse do credor.”126
Parece que a posição de João Calvão da Silva, ofertando a hibridização do desti-
natário da multa, dispõe-se de uma coerência epicurista, optando o presente autor por
essa vertente doutrinária.
Concorda ainda com essa corrente, Marcelo Lima Guerra, quando conclui que
talvez necessário pensar em estabelecer que o direito à multa competiria, pelo menos
parcialmente, ao Estado, pois o réu não pode ignorar uma ordem, mesmo que interlo-
cutória, sob o pretexto de que, em momento ulterior, a própria obrigação principal im-
posta inicialmente pelo magistrado, torne-se indevida.127
125 ZARONI, Bruno Marzullo. Efetividade da execução por meio de multa. A problemática em relação à pessoa jurídica. Tese de Mestrado. 2007. Disponível na Internet em: http://dspace.c3sl.ufpr.b-r/dspace/bitstream/handle/1884/11636/DISSERTA%C3%87%C3%83O%-20Bruno.pdf?sequence=1. Acesso em: 15/10/2014; APUD: GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: RT, 1999, p. 589 126 Ibidem; APUD: SILVA, João Calvão da. Cumprimento e sanção pecuniária. 2. ed. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1997, p. 239-241; 127 ZARONI, Bruno Marzullo, Op. Cit. APUD: Guerra, Marcelo Lima. Execução Indireta, p. 210;
58
4 MOMENTO PROCESSUAL DE EXECUÇÃO DA ASTREINTES
Neste quarto e último capítulo, desenvolveremos a questão núcleo do presente
estudo, qual seja, execução provisória das astreintes, sendo que, acerca do presente
tema, há três correntes doutrinárias predominantes que discutem o momento proces-
sual adequado para execução da astreintes.
Há uma primeira linha que advoga a tese da execução provisória das astreintes,
ou seja, antes do trânsito em julgado.
Uma segunda linha doutrinária, entende que a execução das astreintes deverá
ser feito, após a preclusão da decisão que a fixou.
Já, uma terceira linha, entende ser possível a execução da astreintes somente
após o trânsito em julgado.
A seguir, veremos cada uma dessas linhas de pensamento e seus argumentos
ensejadores.
4.1 POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DAS ASTREINTES, FUNDADA EM DECISÃO
PROVISÓRIA.
4.1.1 CONCEITO DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA
Assim dispõe o artigo 475-I em seu parágrafo 1º: “É definitiva a execução de sen-
tença transitada em julgado e provisória quando se tratar de sentença impugnada me-
diante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo.”128
128 JR. Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil – Execução. 4ª ed. Vol. 5. Salvador: JusPo-divm, 2012, p. 195;
59
A execução provisória, portanto, permite ao vencedor efetivar uma decisão que
lhe foi favorável ainda que tenha sido impugnada por recurso.129
Explica o professor Cássio Scarpinella, que entende-se por execução provisória, a
possibilidade de a sentença ou o acórdão serem executados, antes de seu trânsito
em julgado. Noutro giro, “a execução provisória é a autorização para que uma decisão
judicial surta efeitos concretos mesmo quando existem recursos pendentes de exame
perante instâncias superiores.” A este modelo de execução, se referem expressa-
mente os artigos 521 e 527 do Código de Processo Civil.130
O professor Cássio Scarpinella, observa que tradicionalmente, a temática que en-
volve a execução provisória atrela-se exclusivamente às decisões de mérito (acórdãos
e sentença), ou quando diferente, a determinados atos ou fatos a elas equiparadas
pelo legislador, que estão expressas no diploma legal, como por exemplo, os títulos
executivos extrajudiciais constantes no artigo 585 do Código de Processo Civil.131
Em uma perspectiva mais democrática, o aludido professor entende que o fenô-
meno da execução deva ser entendido de forma mais ampla, “que diga respeito a
qualquer decisão judicial, mesmo que não seja final.”132
É o caso da decisão interlocutória que antecipa os efeitos da tutela ou que defere
uma providência cautelar. Para o professor, merece essa decisão ser tratada como
um caso típico de execução, sendo que, neste caso, justamente por não estar diante
de uma decisão final, deva ser submetida à execução provisória.133
129 Ibidem; 130 BUENO, Cássio Scarpinella. Execução Provisória. Artigo Jurídico. 2005. Disponível na Internet em: http://www.scarpinellabueno.com.br/Textos/Execu%C3%A7%C3%A3o%20provis%C3%B3ria.pdf. Acesso em: 22/10/2014; 131 Ibidem; 132 Ibidem; 133 Ibidem;
60
Essa questão está diretamente ligada com a questão abordada no tópico 3.4,
acerca da consideração da decisão interlocutória como título judicial, sendo que, a
explicação do professor acima, reforça essa tese.
4.1.2 EXECUÇÃO PROVISÓRIA OU EXECUÇÃO FUNDADA EM TÍTULO PROVISÓRIO?
Nestas vias conceituais, parece-nos indispensável a dissociação feita por Mari-
noni e Arenhart, entre execução provisória e execução fundada em decisão provisória.
O Processo Civil Brasileiro, ao referir-se à possibilidade de promover execução
na pendência de recurso, usa-se a expressão “execução provisória da sentença”, con-
tudo, essa expressão está equivocada.
Neste sentido, assevera Marinoni que:
A execução dita provisória não é diferente da execução de sentença já tran-sitada em julgado”. Ainda que a execução possa ser limitada e, portanto, in-completa [...], os atos executivos praticados em virtude de sentença que ainda não foi confirmada pelo tribunal não podem ser chamados provisórios.134
Marinoni busca em Carnelutti uma expressão mais adequada, tendo se referido
ao que o dito doutrinador chamou de “execução imediata”. Mesmo com ressalvas,
entendeu o referido autor ser essa uma expressão “inegavelmente mais adequada do
que a expressão ‘execução provisória’.”135
Sempre houve uma confusão entre “execução provisória” e “execução incom-
pleta”.136 Marinoni observa que provisório é o título (a sentença), podendo existir exe-
cução completa e execução incompleta fundadas em títulos provisórios. O título é pro-
visório enquanto não se exauri sua cognição. E termina dizendo que, “a provisorie-
dade da sentença se liga à sua imutabilidade e não à sua eficácia. Uma sentença
134 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil – Execução. 2ª ed. Vol. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 367; 135 Ibidem. APUD: Francesco Carnelutti, Istituzioni Del Processo Civile Italiano, v. 2, p. 93 e ss; 136 Ibidem;.
61
pode ser provisória ou mutável e levar à realização do direito do autor. Tudo é uma
questão de política legislativa.”137
4.1.3 EXECUÇÃO PROVISÓRIA OU EXECUÇÃO ANTECIPADA (OU IMEDIATA)?
O professor Cássio Scarpinella Bueno, ainda segue tecendo considerações im-
portantes acerca do instituto da execução provisória das astreintes.
O aludido doutrinador ergue uma distinção bastante pertinente, que não se torna
uma distinção apenas etimológica, pelo contrário, a forma etimológica em que se apre-
senta o instituto difere em muito de sua essência, conforme anotou o professor Scar-
pinella Bueno, dizendo que a “execução provisória, em si considerada, nada tem de
provisória”138, e ainda arremata dizendo que a “execução provisória é muito mais uma
execução antecipada do que, propriamente, provisória.”139
Assevera o professor que os efeitos da execução provisória serão sentidos, ob-
servados, com uma breve restrição imposta pela lei, mas não serão propriamente pro-
visórios. Sendo que, para ele, os efeitos de uma execução provisória detêm os mes-
mos efeitos de uma execução que não fosse provisória, sendo correto compreender
o instituto como sendo, na verdade, uma execução imediata ou antecipada140, expres-
são essa, como vimos no tópico anterior, cunhada por Carnelutti conforme demons-
trou o professor Marinoni.
Segue na íntegra, a lição do professor Cássio Scarpinella:
Certo que a “execução provisória” carece de uma confirmação ulterior — ela se processa sob condição resolutiva —, mas isto, pelas razões que acabei de expor, não a torna provisória. Nenhum ato jurisdicional posterior (o provi-mento ou o desprovimento do recurso) modificará, substancialmente, os atos praticados sob as vestes de uma execução provisória. Tais atos prosseguirão até seus ulteriores termos, no caso de confirmação do título executivo que enseja a execução ou, inversamente, à parte que os sofreu será reconhecido um outro título executivo para perseguir perdas e danos. Nisto, penso, não
137 Ibidem; 138 BUENO, Cássio Scarpinella. Execução Provisória. Artigo Jurídico. 2005. Disponível na Internet em: http://www.scarpinellabueno.com.br/Textos/Execu%C3%A7%C3%A3o%20provis%C3%B3ria.pdf. Acesso em: 22/10/2014; 139 Ibidem; 140 Ibidem;
62
há nenhuma “provisoriedade” nos atos executivos mas, sim, bem diferente-mente, uma imediatidade ou antecipação dos efeitos executivos da decisão jurisdicional. Se há algo de provisório em uma tal execução, uma tal caracte-rística só pode ser do título que a fundamenta. Este sim, rigorosamente, é que depende de uma ulterior “confirmação” mercê do sistema recursal. As-sim, por força destas considerações, a chamada “execução provisória” não é, propriamente, nem “execução” e nem “provisória”. Ela é — dentre tantas ou-tras — técnica de efetivação imediata ou antecipada de decisões jurisdicio-nais ainda pendentes de uma ulterior confirmação mercê do sistema recursal do Código de Processo Civil.141
Neste sentido, vê-se que é um equívoco a expressão “execução provisória”, no
instante em que a complexidade do instituto mostra que ele, nada tem de provisório.
Essas observações se mostram importantes no instante em que, através delas,
se poder entender as entrelinhas do instituto, não nos deixando adstrito apenas aos
pré-conceitos que nos vem à mente quando nos deparamos com a alcunha “execu-
ção provisória”, pois, por ela – a expressão – pode-se pensar primariamente em uma
execução que gera efeitos provisórios, ou seja, uma execução temporária, que preci-
sará de confirmação futura para se tornar definitiva, coisa que, como vimos, não é
compatível.
4.1.4 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À EXECUÇÃO PROVISÓRIA DAS ASTREINTES
Não obstante à pertinente observação do professor acima citado, esse é o caso
da execução das astreintes quando a decisão que consubstanciou-o é de cognição
não exaurida, ou seja, é uma decisão precária, como, por exemplo, a decisão que
antecipa os efeitos da tutela, para melhor apreciação a posteriori, ou mesmo, a sen-
tença pendente de recurso, tal como visto acima.
Sobre a referida possibilidade, assevera Eduardo Talamini, citado por Fredie Di-
dier Jr., que a multa é exigível “assim que eficaz a decisão que a impôs – ou seja,
quanto não mais sujeita a recurso com efeito suspensivo ex lege.”142
141 BUENO, Cássio Scarpinella. Execução Provisória. Artigo Jurídico. 2005. Disponível na Internet em: http://www.scarpinellabueno.com.br/Textos/Execu%C3%A7%C3%A3o%20provis%C3%B3ria.pdf. Acesso em: 22/10/2014; 142 JR., Fredie Didier. Op. Cit. APUD: TALAMINI, Eduardo. Tutela Relativa aos Deveres de Fazer e de Não Fazer..., p. 460.
63
Segundo esse entendimento, poderia se dar a execução imediata da multa que
foi fixada em decisão antecipatória dos efeitos da tutela, pois, em regra, o agravo de
instrumento não tem efeito suspensivo, sendo assim, caberia a “execução provisória”
do crédito.143
Esse entendimento corrobora expressamente para a questão da eficácia proces-
sual, uma vez que, a não possibilidade de executar-se imediatamente a multa, mesmo
que fundada em título precário, retiraria boa parte da sua força coercitiva, não sendo
suficiente para intimidar o réu a cumprir com a obrigação imposta. 144
Caso em decisão final, compreenda-se que a parte credora não tinha razão no
pleito, ficaria o crédito sem efeito, sendo que, suspenderia o processo de execução
provisória, sendo que, o que já tenha sido eventualmente pago, deverá ser restituído
ao autor.145
Acerca dessa eventual restituição dos valores eventualmente pagos, caso a deci-
são se reverta em provimento definitivo, há um posicionamento extremado de Joaquim
Felipe Spadoni, que para ele, mesmo que se reverta o provimento, a multa continua
sendo devida:
[...]a ordem judicial terá sido sempre violada, e a multa sempre será devida, mesmo diante de posterior improcedência do pedido do autor.146
Contudo, o posicionamento de Spadoni parece um tanto quanto extremado, não
se fazendo, diante da realidade processual, um meio viável, haja vista que, não seria
justo à parte vencedora, arcar com a multa oriunda das astreintes, sendo que, a deci-
são que a culminou se mostrou equivocada.
143 I JR., Fredie Didier. Op. Cit. APUD: TALAMINI, Eduardo. Tutela Relativa aos Deveres de Fazer e de Não Fazer..., p. 460. 144 Ibidem; 145 Ibidem; 146 MENINI, Jefferson Santos. Multa Diária. Técnica Processual Para Efetivação da Tutela Específica. Mestrado em Direito. 2007. Disponível na Internet em: http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/ar-quivo.php?codArquivo=4715. Acesso em: 19/10/2014; APUD: SPADONI, Joaquim Felipe. Ação Inibi-tória: A Ação Preventiva Prevista no Art. 461 do CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 181
64
Isso não obsta a necessidade de pagamento, haja vista, há que se levar em con-
sideração a força mandamental da decisão, além de contribuir para um bom anda-
mento processual, sendo que, reforça-se mais uma vez, se ao final reverter-se a
causa, será devolvido ao ganhador os valores eventualmente pagos.
Garcia Medina assim se posiciona:
“Na doutrina, tem-se defendido que a multa fixada liminarmente só é exigível após a sentença, orientação esta que decorre, na verdade, da aplicação ana-lógica de outros preceitos legais, tais como o art. 12, § 2º, da lei da Ação Civil Pública e o art. 213, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente. O art. 461 do CPC, no entanto, não estabelece similar restrição. Argumenta-se, na dou-trina, que a coerção neste caso consistiria na ameaça de pagamento da multa, e não na sua imediata exigibilidade. Esta não é, contudo, a nossa opi-nião, pelo menos ante o que dispõe o art. 461 do CPC, que, como se viu, não estabelece tal orientação. No que tange à atuação das medidas executivas, há que se ter em consideração o princípio do meio mais idôneo, tantas vezes referido. Ademais, considerando que a sentença final pode demorar a ser proferida, a exigibilidade imediata da multa contribuiria para um maior grau de coercibilidade."147
Assim também se posiciona, Marcelo Guerra:
Realmente, não há razão para negar a possibilidade de se promoverem exe-cuções parciais da multa diária, enquanto ela ainda está incidindo. É que nes-sas situações a determinação do valor a ser cobrado não precisa mais do que uma simples operação aritmética.148
Enfatiza, com grande propriedade, Eduardo Talamini:
A inexequibilidade (sic) imediata da multa que acompanha a tutela anteci-pada retira boa parte da eficiência concreta no meio coercitivo e, consequen-temente, das próprias chances de sucesso da antecipação. A ameaça de pronta afetação do patrimônio do réu através da execução do crédito da multa é o mais forte fator de influência psicológica. A perspectiva remota e distante da execução depois do trânsito em julgado nada ou muito pouco impressi-ona.149
Frise-se aqui, que a questão da “execução provisória” somente se dará na ausên-
cia de recurso com efeito suspensivo, havendo, contudo, a “execução provisória” fica-
ria prejudicada até decisão ulterior.
Foi essa o entendimento do STJ em decisão proferida em 2007:
147 GUERRA, Marcelo Lima. Execução Contra o Poder Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, pp. 326 e 327; APUD: MEDINA, José Miguel Garcia. 148 Ibidem, p. 212; 149 TALAMINI, Eduardo. Tutela Relativa aos Deveres de Fazer e Não Fazer. CPC, art. 461; CDC art. 84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 254;
65
FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INTERRUPÇÃO. DECISÃO IN-TERLOCUTÓRIA. RELIGAMENTO. DESCUMPRIMENTO. ASTREINTES. EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE. I - Trata-se de recurso especial interposto contra o acórdão que manteve de-cisão interlocutória que determina a imediata execução de multa diária pelo descumprimento da ordem Judicial. II - Considerando-se que a "(...) função das astreintes é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer, incidindo a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância" (REsp nº 699.495/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 05.09.05), é possível sua execução de imediato, sem que tal se configure infringência ao artigo 475-N, do então vigente Có-digo de Processo Civil. III - "Há um título executivo judicial que não se insere no rol do CPC 475-N mas que pode dar ensejo à execução provisória (CPC 475-O). É a denomi-nada decisão ou sentença liminar extraída dos processos em que se permite a antecipação da tutela jurisdicional, dos processos cautelares, ou das ações constitucionais" (CPC comentado, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de An-drade Nery, Editora Revista dos Tribunais, 9ª ed, pág. 654). IV - A hipótese em tela se coaduna com o que disposto no artigo 461, § 4º, do CPC, tendo em vista o pleno controle da recorrente sobre a execução da ordem judicial. V - Recurso especial improvido. 150
Bem como, em outras decisões:
AGRG NO ARESP Nº 50.816 – RJ (2011/0139139-6). SEGUNDA TURMA. RELATOR: MINISTRO HERMAN BENJAMIN. VOTAÇÃO UNÂNIME. J. 07.08.2012. DJE 22.08.2012 PROCESSUAL CIVIL. ASTREINTES. FIXAÇÃO EM ANTECIPAÇÃO DE TU-TELA. EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE. 1.- É desnecessário o trânsito em julgado da sentença para que seja execu-tada a multa por descumprimento fixada em antecipação de tutela. Precedentes STJ 2.- Agravo Regimental Não Provido. AGRG NO RESP Nº 1.299.849 – MG (2011/0311516-1). TERCEIRA TURMA. RELATOR: MINISTRO SIDNEI BENETI. VOTAÇÃO UNÂNIME. J. 19.04.2012. DJE 07.05.2012 AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO – AS-TREINTES FIXADA EM SEDE DE TUTELA ANTECIPADA – POSSIBILI-DADE – DECISÃO AGRAVDA MANTIDA – IMPROVIMENTO. 1.- É possível a execução da decisão interlocutória que determinou o paga-mento de astreintes no caso de descumprimento de obrigação, não havendo que se falar em violação do artigo 475-N, do Código de Processo Civil. Pre-cedentes. 2.- O agravante não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclu-são do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. 3.- Agravo Regimental Improvido.
Bastante relevante esses julgados, por fazerem referência também à questão da
decisão interlocutória ser um título executivo, sem haver, contudo, infringência do ar-
tigo 475-N do CPC, conforme foi abordado em tópico anterior (3.4), além, claro, de
150 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2007
66
alertar acerca da possibilidade prática da “execução provisória” as astreintes, reafir-
mando ainda mais seu caráter intimidador.
Pode-se perceber que todos os doutrinadores citados aqui, colocam bastante
atenção à questão da efetividade do instituto, sendo que, a não possibilidade de exe-
cutar-se provisoriamente o valor auferido, faz com que a astreintes perca, ou reduza
consideravelmente o seu poder coercitivo.
Conforme visto nos capítulos introdutórios (1 e 2), a questão da instrumentalidade
processual deve ser levada em consideração nesse ponto. O formalismo-excessivo
deve dar lugar ao valor. Neste sentido, parece ser um apego exacerbado à técnica
processual não entender possível a execução provisória das astreintes.
Neste sentido, Eduardo Talamini entende que “a inexequibilidade imediata da
multa que acompanha a tutela antecipada retira boa parte da eficiência concreta do
meio coercitivo e, consequentemente, das próprias chances de sucesso da antecipa-
ção.”151
O presente autor, filia-se à essa linha doutrinária, entendo ser plausível os argu-
mentos elencados, principalmente, quando se aplica todo o conceito de celeridade,
efetividade e instrumentalidade as formas processuais.
Não obstante, diante da necessidade de uma visão democrática do instituto, se-
guirá as visões contrárias à essa, onde se exporá os argumentos favoráveis, tanto à
possibilidade de execução antes do trânsito em julgado, mas após confirmação da
decisão que a determinou, quanto da possibilidade de execução apenas após o trân-
sito em julgado.
151 TALAMINI, Eduardo. Tutela Relativa aos Deveres de Fazer e Não Fazer. CPC, art. 461; CDC art. 84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 259
67
4.2 POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DAS ASTREINTES ANTES DO TRÂNSITO EM
JULGADO, MAS APÓS CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO QUE A DETERMINOU
Essa corrente doutrinária, entende ser este o momento adequado para a execução
da multa periódica, qual seja, após ter havido a preclusão da decisão interlocutória –
que antecipa os efeitos da tutela, por exemplo -, que ensejou a astreintes. Ou seja,
após exaurido o prazo para o recurso cabível e capaz de alterar o teor da decisão,
qual seja: o agravo, no caso de decisão interlocutória.
Se porventura ter se recorrido da decisão - agravado ou apelado -, e a mesma ter
sido julgada improcedente pelo tribunal ad quem, independentemente de qual seja o
desfecho do processo, confirmando ou não aquela decisão, é devido o valor cominado
em sede de multa periódica, podendo a mesma, a partir desse momento, ser execu-
tada provisoriamente.
E complementa esse pensamento Arenhart:
[...] a função da multa é garantir a obediência à ordem judicial, não se podendo abrir espaço para o requerido questioná-la [...], sob pena de ne-gar-se-lhe todo caráter coercitivo. Pouco importa se a ordem se justificava ou não; após a sua preclusão temporal, ou eventualmente, a análise do recurso contra ela interposto junto ao tribunal, só resta o seu cumpri-mento, sem qualquer ulterior questionamento. Se, no futuro, aquela deci-são será ou não confirmada pelo provimento final (definitivo) da causa, isso pouco importa para a efetividade da primeira ordem. Merece ela ser respeitada (quando editada) pela simples razão de decorrer da autoridade pública adequada. Está em jogo, afinal, a própria autoridade do Estado. [...] Se o conteúdo dessa ordem será, posteriormente, infirmado pelo exame final da causa, isso pouco importa para o fato de que deveria a ordem, enquanto vigorou, ser cumprida de maneira inquestionável.152
Neste mesmo sentido, leciona o ministro do STF, Teori Albino Zavascky:
[...] as decisões que [...] fixam multa coercitiva por atraso no cumprimento de obrigação de fazer e de não fazer [...], são decisões que definem outra norma jurídica individualizada, diferente da que é objeto do processo, surgida de fato gerador novo, ocorrido no curso do processo e por causa dele. Assim, inde-pendentemente da solução que for dada à causa pela sentença definitiva, as
152 ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da Tutela Inibitória Coletiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 371-372;
68
decisões interlocutórias, naqueles casos, têm vida própria e, operada preclu-são em relação a elas, podem servir de título para execução definitiva.”153
Fica claro o entendimento de que será necessário, para essa linha doutrinária,
que se torne preclusa a decisão interlocutória que concedeu os efeitos da tutela, seja
por decurso do prazo de interposição de recurso, seja, por julgamento do agravo em
que mantém a decisão.
Para alguns doutrinadores mais afincos ao instituto do contempt of court do sis-
tema americana, a multa seria devida mesmo que houvesse uma decisão final que
julgasse improcedente a decisão interlocutória que outrora fixou às astreintes, sob o
argumento de que a multa estraria estritamente atrelada ao respeito à decisão magis-
tral, conforme leciona Spadoni:
[...] os valores da multa passam a ser devidos desde o momento em que for constatado o não cumprimento do preceito judicial pelo réu, podendo, desde logo, ser cobrados judicialmente, em execução definitiva, sem que haja a ne-cessidade de se aguardar o trânsito em julgado da eventual sentença de pro-cedência. [...] Assim sendo, se o réu não atender à decisão eficaz do juiz, estará desrespeitando a sua autoridade, ficando submetido ao pagamento da multa pecuniária arbitrada, independentemente do resultado definitivo da de-manda. Em sendo a decisão que impôs a multa cominatória posteriormente revogada, seja por sentença ou por acórdão, ou mesmo por outra decisão interlocutória, em nada restará influenciado aquele dever que havia sido an-teriormente imposto ao réu. 154
Contudo, o posicionamento de Spadoni, data vênia, parece um tanto quanto equi-
vocado, pois o instituo da multa periódica do Código Processual Brasileiro, tem mais
a ver com o instituto francês da astreintes, não podendo ser confundido com o con-
tempt of court americano.
Nesse sentido, anota também Arenhart:
[...] Está em jogo, afinal, a própria autoridade do Estado. Não se pode, por-tanto, dizer que ocorreu apenas o inadimplemento de uma ordem do Estado-juiz. Ocorreu, em verdade, a transgressão de uma ordem, que se presume legal. Se o conteúdo desta ordem será, posteriormente infirmado pelo exame
153 ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 8. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2000, p. 214/215 154 SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória: a ação preventiva prevista no art. 461 do CPC. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007
69
final da causa, isto pouco importa para o cumprimento da ordem em si [...] (grifado no original)155
Cabe aqui, a crítica feita por Guilherme Rizzo Amaral, que se mostrou bastante
pertinente, quando afirma, referente ao posicionamento de Arenhart, que “o proces-
sualista comete erro justamente ao comparar as astreintes a instituto distinto, qual
seja, o contempt of court americano [...] as astreintes, diferentemente do instituto
do contempt of court, não tem caráter punitivo” (grifado no original)156, sendo este o
mesmo posicionamento de Fredie Didier Jr.157
Não se pode confundir os sistemas acima mencionados, pois apesar de congru-
entes, são bem diferentes.
Assim, fica claro o entendimento de que para essa linha doutrinária, será neces-
sário a preclusão da decisão que fixou a multa para, só assim, poder executá-la. Exe-
cução essa que não seria mais provisória, mas sim, definitiva.
4.3 POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DEFINITIVA DAS ASTREINTES, SOMENTE
APÓS TRÂNSITO EM JULGADO
Há ainda, uma terceira linha de pensamento doutrinário. Para essa vertente, só
seria possível executar-se à astreintes após o trânsito em jugado da sentença, execu-
ção essa, que não seria mais provisória, mas definitiva.
É o que anota Luiz Guilherme Marinoni:
O que importa, em outras palavras, quando se pensa na finalidade coercitiva da multa, é a ameaça do réu ter que futuramente arcar com ela. É importante deixar claro que a multa cumpre seu papel através da ameaça que exerce
155 MENINI, Jefferson Santos. Multa Diária. Técnica Processual Para Efetivação da Tutela Específica. Mestrado em Direito. 2007. Disponível na Internet em: http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/ar-quivo.php?codArquivo=4715. Acesso em: 19/10/2014; APUD: ARENHART, Sérgi Cruz. A Tutela Inibi-tória da Vida Privada. p. 199-203; 156 AMARAL, Guilherme Rizzo, As astreintes e o processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 160-161 157 JR. Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil – Execução. 4ª ed. Vol. 5. Salvador: JusPo-divm, 2012, p. 455
70
sobre o réu. A multa, para exercer sua finalidade coercitiva, não precisa ser cobrada antes do trânsito em julgado. A finalidade coercitiva não se relaciona com a cobrança imediata da multa, mas apenas com a possibilidade de sua cobrança futura. Tal possibilidade é suficiente para atemorizar o demandado e, assim, convencê-lo a adimplir.158
Neste mesmo sentido, compreende Dinamarco:
Enquanto houver incertezas quanto a palavra final do poder judiciário sobre a obrigação principal, a própria antecipação poderá ser revogada e, com ela, as astreintes. A provisoriedade das antecipações [...] é reflexo não só da su-mariedade da cognição com base na qual são concedidas, mas também de seu caráter auxiliar em relação à efetividade da tutela jurisdicional – donde se infere a legitimidade do impor o desembolso a um sujeito, que no pronuncia-mento final de mérito, seja liberado da própria obrigação principal.159
Neste sentido, vem mais proficuamente decidido o STJ, como se pode ver em uma
decisão de 2010:
AGRAVO REGIMENTAL - RECURSO ESPECIAL – TUTELA ANTECIPADA - DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO - MULTA DIÁRIA - EXIGIBILIDADE – TRÂN-SITO EM JULGADO – DECISÃO AGRAVADA MANTIDA - IMPROVIMENTO. I. Esta Corte proclamou que, fixada multa diária antecipadamente ou na sentença, consoante o § 3º e 4º do art. 461 do CPC só será exigível após o trânsito em julgado da sentença (ou acórdão) que confirmar a fixação da referida multa, sendo devida, todavia, desde o dia em que se deu o descumprimento. II. A agravante não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. Agravo Regimental improvido.
Com todo o devido respeito aos grandes mestres aqui mencionados, e pela linha
mais abundante de jurisprudência federal no âmbito do STJ, entende-se aqui, diante
de argumentos já demonstrados, que a execução provisória está diretamente ligada à
questão da efetividade da tutela jurisdicional, diferentemente do que discorre Marinoni.
Para o mesmo, a simples possibilidade, de no futuro ter que arcar com as conse-
quências financeiras da multa, é suficiente para pressionar o réu. O que discorda-se
aqui, pois é extremamente diferente o demandado ver-se instantaneamente subtraído
158 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Execução. São Paulo: RT, 2007, v. 3, p. 82; 159 CRUZ, Marcos Vinício Raiser da. A Multa Diária Como Meio de Coerção Para Efetivação da Tutela Jurisdicional Que Impõe Às Partes Obrigação de Fazer, Não Fazer e Entregar Coisa Certa. Tese de Mestrado. 2007. Disponível na Internet em: http://www.dominiopublico.gov.br/down-load/teste/arqs/cp139520.pdf. Acesso em: 15/10/2014; APUD: DINAMARCO, Cândido Rangel. A Re-forma da Reforma. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 138;
71
em seu patrimônio, do que se veria em simplesmente saber, que haverá a possibili-
dade de em um futuro, bem remoto, devido à extrema morosidade da justiça, diga-se
de passagem, ser cobrado da referida multa.
Em contrário sensu, anotou Marcelo Guerra:
A utilidade em se promover a execução parcial da multa quando ainda esteja incidindo sobre a esfera jurídica do devedor já foi evidenciada na doutrina francesa, para hipótese semelhante. É que tal possibilidade reforça a eficácia da própria multa como medida coercitiva, por fazer com que o devedor se sujeite, concreta e rapidamente, às consequências da sua recusa em adim-plir.160
Também leciona contrariamente, Cássio Scarpinella:
[...] deixar a multa do art. 461 para ser cobrada apenas depois do trânsito em julgado e, pois, depois da fixação definitiva das responsabilidades de cada parte pelos fatos que ensejarem a investida jurisdicional, seria esvaziar o que ela tem de mais relevante: a possibilidade de influenciar a vontade do execu-tado e compeli-lo ao acatamento da determinação judicial e, conseqüente-mente (sic), à satisfação do exeqüente (sic), que teve reconhecido em seu favor o direito à prestação da tutela jurisdicional.161
Parece que os favoráveis à execução das astreintes somente após o trânsito em
julgado, tapam os olhos e não conseguem (ou não querem) enxergar a realidade da
efetividade do instituto. Alguns fundamentam na segurança processual em detrimento
da efetividade, que, como vimos anteriormente, também é um princípio básico do pro-
cesso.
Contudo, parece que isso já se torna um apego exacerbado ao formalismo pro-
cessual, sendo que, mesmo com a execução imediata da multa periódica, se em de-
160 VILANOVA, André Bragança Brant. As Astreintes E Sua Inserção Na Perspectiva Democrática De Processo: Análise Democrática Do Art. 46. 2010. Tese de Mestrado. Disponível na Internet em: http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_VilanovaAB_1.pdf. Acesso em: 15/10/2014; APUD: GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 213. 161 MARZAGÃO, Newton Coca Bastos. A Multa (Astreintes) Na Tutela Específica. 2013. Tese de Mestrado, disponível na internet em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-12022014-110131/publico/Dissertacao_de_Mestrado_Newton_Marzagao.pdf. Acesso em: 23/10/2014; APUD: BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil – Tutela Jurisdicio-nal Executiva. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v.3, p. 417;
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cisão final não se confirmar os efeitos da decisão interlocutória que cominou a astrein-
tes, o então ganhador poderá reaver quaisquer valores pagos, não se consubstanci-
ando, por isso, a tese da insegurança jurídica.
Deve-se levar em consideração o valor aplicado ao instituto, além da efetividade
processual que está em jogo, sob a ótica do novo tempo processualista que estamos,
além, é claro, das configurações atuais à quais está submetida o sistema judiciário,
que, diga-se de passagem, não são muito animadoras.
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CONCLUSÃO
Todo o esforço intelectual imprimido sobre esse trabalho foi de grande valia para
entender um instituto extremamente importante na prática jurídica, a saber, a multa
periódica, comumente chamada, astreintes.
Não apenas isso, os capítulos introdutórios delinearam uma importante conceitu-
ação acerca das linhas atuais de direito processual e constitucional, com ênfase na
efetividade processual, principio este, que deve nortear toda a relação jurídico-pro-
cessual na resolução da lide.
Assim, no primeiro capítulo abordou-se o tema da instrumentalidade processual.
Essa fase atual do direito processual tem ênfase na ideia do processo como servi-
ente do direito material, conforme destaca-se na teoria circular do direito. Assim
muito bem frisou Fredie Didier, onde diz que o direito material é o arquiteto, para
quem se serve o direito processual, sendo este o engenheiro, apto a erguer os proje-
tos do direito material.
Essa relação se torna altamente indispensável no estudo do direito processual
hodierno, haja vista que, por mais normal que pareça essa afirmação, nem sempre o
fora assim.
Se faz necessário um estudo mais meticuloso acerca do assunto, levando-se em
consideração, toda largura do ensino acerca da instrumentalidade.
Cuidou-se no presente trabalho de que todos os capítulos demonstrassem certa
ligação com o tema, pois é lógico que assim ocorressem! Justamente por isso, tentei
criar um link entre a instrumentalidade processual, ou seja, o princípio da efetividade
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processual e o instituto da astreintes, sendo que, a possibilidade de aplicar-se a exe-
cução provisória ao referido instituto, aumentaria, energicamente, sua efetividade na
aplicação jurisdicional.
Já no segundo capítulo, deparou-se com o neoprocessualismo, que é um desdo-
bramento lógico da instrumentalidade processual, como visto. Neste momento, des-
taca-se a importante teoria do formalismo-valorativo, como tema central da nova di-
nâmica processual.
O formalismo-valorativo denota uma menor reverência aos protocolos processu-
ais, enfatizando cada vez mais no valor da norma e não em sua mera forma, sem
contudo, afastar a segurança e ordem processual.
Essa nova ordem reflete potencialmente no instituo da astreintes no que tange
sua possibilidade de execução provisória, uma vez que, argumentos mais enfáticos
contra à referida possibilidade, se encontra justamente, calcados em um formalismo-
processual, analiticamente, se torna excessivo.
Essa questão neoprocessual entre efetividade e segurança jurídica, deve ser
mais explorada pelo leitor nas obras aqui citadas, ou em outras de também funda-
mental importância, contudo, enfatizou aqui a questão da efetividade processual, de
forma extensiva e até mesmo fastio, quando tratou-se da execução provisória das
astreintes.
Em capítulo seguinte, o terceiro, abordou-se especificamente acerca do instituto
da astreintes, seu conceito, natureza jurídica dentro do processo civil brasileiro e tam-
bém em direito comparado, mesmo que em breves linhas, além de algumas questões
um tanto quanto divergentes mais muito relevantes para a compreensão do instituto.
No quarto e último capítulo, abordou-se a questão núcleo do presente trabalho, a
possibilidade de execução provisória das astreintes.
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No mesmo capítulo, contudo, algumas questões processuais sobre execução,
que também não somenos importantes, foram questionadas para uma melhor com-
preensão do leitor, da execução provisória face à astreintes.
Finalmente, levantou-se as linhas doutrinárias de pensamento, especificamente
três, tanto na doutrina quanto no STJ, que é a responsável pela unificação jurispru-
dencial no âmbito da lei federal, como é o caso do Código de Processo Civil.
A primeira linha doutrinária, acredita ser possível a execução provisória das as-
treintes, levantando, principalmente, a questão da efetividade processual, uma vez
que, a possibilidade de execução provisória daria muito mais efetividade ao instituto,
ao passo que, contrário sensu, retiraria grande parte das intenções coercitivas do
instituto.
Já a segunda linha doutrinária, essa um tanto quanto mediana, entende que seria
necessário a preclusão da decisão que deferiu a astreintes, seja a decisão interlocu-
tória, seja a sentença final. Aquela, após o prazo de recurso, ou após recurso que
manteve a decisão interlocutória que antecipa os efeitos da tutela. Essa, após seu
trânsito em julgado, ou após recurso de agravo que foi recebido em efeito devolutivo.
Uma terceira corrente doutrinária, mais ortodoxa, entende não ser possível a exe-
cução provisória das astreintes, arguindo em primeiro plano, a necessidade de segu-
rança jurídica, entendendo ser a execução provisória aplicada ao instituto da astrein-
tes, uma violação ao princípio da segurança jurídica, entre outros, claro. Para esses
ilustres doutrinadores, seria necessário esperar o trânsito em julgado do procedi-
mento para executar-se o que for de direito, inclusive, os valores auferidos em face
da multa periódica, comumente chamado astreintes.
Filia-se à posição da possibilidade da execução provisória das astreintes, pois,
diante de todo o estudo realizado acerca do presente trema, pareceu ser a linha
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mais coerente dentro dos nossos novos paradigmas socioprocessuais que incidem
sobre nosso ordenamento e configuração jurídica.
Nesse sentido, foi para o autor de grande valia todo o esforço intelectual de pes-
quisa científica para elaboração do presente trabalho, por todo o aprendizado em di-
reito.
Não obstante, saber que o vasto mundo jurídico é infinitamente maior que o até
aqui estudado, o presente trabalho deu ao autor uma diferente percepção da investi-
gação científica, fazendo brotar a palpável experiência do enriquecimento jurídico-in-
telectual que a vida acadêmica requer de um aluno e futuro operador do direito.
Esse então aluno, contudo, sabe que há muito ainda que ser feito e aprendido,
principalmente para a realização de uma sociedade mais bela, justa e igualitária, en-
tendo ser o Direito, um meio altamente eficaz de pacificação e justiça social, além da
possibilidade de através dele, concretizar todos os ideais sociais tão airosamente es-
culpidos na nossa Carta Magna de 1988, podendo deferir, à toda e qualquer pessoa,
um mínimo existencial capaz de gerar dignidade à pessoa humana.
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