a pesquisa na vida e na universidade

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Autor: Vicente Fideles Ávila

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Page 1: A Pesquisa Na Vida e na Universidade
Page 2: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

UNIVERSIDADE FEDERAL H DE MATO GROSSO DO SUL

Reitora

Célia Maria da Silva Oliveira

Vice-Reitor João Ricardo Fiigueiras Tognini

Obra aprovada pelo CONSELHO EDITORIAL DA UFMS Resolução n° 13/09

CONSELHO EDITORIAL Dercir Pedro de Oliveira (Presidente) Antônio Lino Rodrigues de Sá Cícero Antonio de Oliveira Tredezini Élcia Esnarriaga de Arruda Giancarlo Lastoria Jackeiine Maria Zani Pinto da Silva Oliveira Jéferson Meneguin Ortega Jorge Eremites de Oliveira José Francisco Ferrari José Luiz Fornasieri Jussara Peixoto Ennes Lúcia Regina Vianna Oliveira Maria Adélia Menegazzo Marize Terezinha L. P. Peres Mônica Carvalho Magalhães Kassar Silvana de Abreu Tito Carlos Machado de Oliveira

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Coordenadoria de Biblioteca Centrai - UFMS, Campo Grande, MS, Brasil)

Ávila, Vicente Fideles de A958p A pesquisa na vida e na universidade / Vicente Fideles de Ávila.

3.ed. rev. Campo Grande, MS : Ed. UFMS, 2009. 209 p. : il. ; 21 cm.

ISBN 978-85-7613-254-7

I. Pesquisa. 2. Universidades e faculdades - Brasil. I. Titulo.

CDD (22) 001.4

Page 3: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

VICENTE F I P E L E S

P E Á V I L A

A PESQUISA

NA VIDA E NA

UNIVERSIDADE

3a Edição Revisada

Campo Grande - MS

2009

é EDITORA j [ n É M s

Page 4: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

Copyright ® 1992 - Vicente Fideles de Ávila

Titulo original da 1a edição em 1995: "A Pesquisa na Dinâmica da Vida

e na Essência da Universidade"

Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica Editora UFMS

Revisão A revisão lingüística e ortográfica é de responsabilidade do autor

Ilustrações Marlei Sigrist

Publicação da

/ ( e d i t o r a

J \ \ \ IBS UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL Portão 14 - Estádio Morenão - Campus da UFMS Fone: (67) 3345-7200 - Campo Grande - MS e-mail: [email protected]

ISBN: 978-85-7613-254-7 Depósito Legal na Biblioteca Nacional Impresso no Brasil

Page 5: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

AGRADECIMENTOS

Este trabalho testemunha a permanente atitude de apoio de minha esposa, MARLENE, e se dedica ao futuro de nossas filhas FLÁVIA e ELISA, que representam e encarnam nossas esperanças vivas de um Brasil renovado pelas próximas gerações.

Page 6: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

APRESENTAÇÃO

Várias décadas de envolvimento direto com o ensino, a ciência e a cultura no Brasil (como técnico e professor desde 1966 e até como Secretário Substituto de Planejamento do então Ministério da Educação e Cultura-MEC no início dos anos 80) me respaldam a convicção de que a pesquisa é o ponto estratégico a partir do qual se viabilizará a aspirada qualidade do ensino, em todos os graus e modalidades de escolas, bem como de concretização dos sonhos de vida melhor, de dinamização material que leve à ruptura do subdesenvolvimento como círculo vicioso e do conseqüente bem-estar social brasileiro.

Em vista disso, urge educar para a pesquisa, como também se faz indispensável desmistificar o aparato ritual que a torna admirada porém inacessível à adolescência, à juventude e a quantos dela poderão se valer como fator de ascensão material, de realização pessoal, de êxito profissional e de desenvolvimento social. A própria essência da

Page 7: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

universidade, e até das instituições educacionais em geral, pode e deve ser redimensionada à luz da pesquisa como mecanismo de vida, de saber, de dinamismo e de formação.

É exatamente nas perspectivas acima que o estudo A PESQUISA NA VIDA E NA UNIVERSIDADE foi amadurecido ao longo de anos. Julgou-se oportuno, até, que sua formatação fosse enriquecida com algumas ilustrações didático-estimuladoras devido ao apelo de complexidade que se costuma conferir à matéria. Por isso, o texto é permeado por desenhos tipo cartuns - com traços simples a nanquim preto -, concebidos e executados pela professora Marlei Sigrist do Departamento de Comunicação e Artes do Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

Entende-se, outrossim, que a clientela potencialmente usuária deste trabalho abrange todos os professores universitários, todos os professores da educação básica, os alunos pelo menos universitários e do ensino médio e outros profissionais (psicólogos, sociólogos, engenheiros, médicos, advogados, economistas, administradores, jornalistas, etc.), que se interessem por pesquisa.

Vicente Fideles de Ávila

Page 8: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

SUMÁRIO

TÓPICO 1 - PRESSUPOSTOS GERAIS 13

1.1- PRESSUPOSTOS DE PESQUISA EM SI E NA VIDA 16

1.2 - QUESTIONAMENTOS SOBRE PESQUISA NA UNIVERSIDADE 17

TÓPICO 2 - PESQUISA CIENTÍFICA NÃO SÓ PARACIÊNCIA 21

TÓPICO 3-PESQUISAE LIMITAÇÃO CONCEITUAL UNIVERSITÁRIA 27

TÓPICO 4 - A PESQUISA E O PROCESSO NATURAL DE

FORMULAÇÃO EXPANSIVO-EVOLUTIVA DO CONHECIMENTO 39

4.1 - PASSOS REFERENCIAIS DO PROCESSO NATURAL DE

FORMULAÇÃO DO CONHECIMENTO 43

4.1.1 - Primeiro Passo: A Simples Apreensão 43

4.1.2 - Segundo Passo: O Juízo 47

4.1.3 - Terceiro Passo: O Raciocínio 54

4.1.4 - Análise-Síntese: Mecanismo Motor-Reator do Raciocínio 59

4.2-TENTATIVAS DE RECONSTITUIÇÃO DASEQÜÊNCIACÍCLICA

DO PROCESSO EXPANSIVO-EVOLUTIVO DO CONHECIMENTO 61

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Page 9: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

4.2.1 - Primeira Tentativa de Reconstituição 62

4.2.2 - Segunda Tentativa de Reconstituição 63

4.3 - LIÇÕES PRAGMÁTICAS DO PROCESSO

EXPANSIVO-EVOLUTIVO DE FORMULAÇÃO DO CONHECIMENTO 69

4.3.1 - Relativas ao Âmbito Geral do Processo 69

4.3.2 - Relativas à Propalada Questão Teoria Versus Prática 70

4.3.3 - Relativas à Realidade e Importância da Abstração 71

4.3.4 - Relativas ao Proceso Análise-Síntese 73

4.3.5 - Relativas à Ciência e ao Avanço Científico 74

4.3.6 - Relativas à Compreensão Básica do que é Pesquisa 75

TÓPICO 5 - A PESOU ISA NA CONCEPÇÃO CLÁSSICA USUAL 77

5.1 - BREVE ENFOQUE HISTÓRICO SOBRE OS EIXOS

CONCEITUAIS DE PESQUISA 80

5.2- ALGUMAS CONCEITUAÇÕES USUAIS DE PESQUISA 83

5.3 - DOSAGENS PARA RIGOR E ORDEM NO

PROCESSO DE PESQUISA 86

5.4 - TIPOS DE PESQUISA 89

5.5-DICAS AOS INDECISOS 101

TÓPICO 6 - A PESQU ISA NA Dl NAMIZAÇÃO DA VI DA 109

6.1 -APESQUISA NA CONQUISTADA VIDA 112

6.2 -APESQUISACOMO FATOR DE REALIZAÇÃO COLETIVA 115

6.3-A PESQUISA COMO FATOR DE REALIZAÇÃO

PROFISSIONAL E PESSOAL 119

TÓPICO 7 - A PESQUISA NO EPICENTRO DO

FENÔMENO FORMAÇÃO 131

7.1 -APESQUISACOMO DINAMISMO ENERGÉTICO DO

FENÔMENO FORMAÇÃO 135

7.1.1 - A Formação como Pesquisa de Formas 136

7.1.2 - A Formação como Capacidade de Transformação de

Acontecimentos em Experiências Significantes 136

7.1.3 - A Formação como Processo Dialético de Interrogação,

Negação e Afirmação 140

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Page 10: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

7.1.4 Principais Fatores Operacionais do

Processo de Formação: Experiência, Exercitação e Práxis 141

7.1.5 Três Destaques para Concluir 142

7.2 - EXTENSÃO DAABORDAGEM À FORMAÇÃO

DE PROFESSORES 144

7.3 - CABERIA UMA CIÊNCIA PARAA FORMAÇÃO? 147

TÓPICO 8 - A PESQUISA NA RAZÃO DE SER DA UNIVERSIDADE 151

8.1 -ASOCIEDADE COMEÇAADEBATERA

UNIVERSIDADE BRASILEIRA 154

8.2-A UNIVERSIDADE BRASILEIRA EM FASE DE GESTAÇÃO 156

8.2.1 - Fuga a Iniciativas Próprias e Compromissadas 157

8.2.2 - Discussão Improdutiva sobre Ensino, Pesquisa e Extensão 158

8.2.3 - A Universidade Ainda não se Assumiu 160

8.2.4 - Miopia Governamental em Relação à Universidade 162

8.3 - A PESQUISANACARACTERIZACÃO ESSENCIAL DA

UNIVERSIDADE 167

TÓPICO 9 - DIMENSÃO TEÓRICO-OPERACIONAL DA

PESQUISA UNIVERSITÁRIA 179

9.1 -APESQUISA NA CONQUISTADA

AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA 181

9.2 - A UNIVERSIDADE COMO AMPLO VIVEIRO DE PESQUISA 187

9.3 - A PESQUISA IMANENTE ÀAÇÃO DOCENTE 192

9.4 -A PESQUISA NÃO IMANENTEÀ DOCÊNCIA 195

TÓPICO 10-DESTAQUES RECAPITULATIVOS 197

BIBLIOGRAFIA 205

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Page 11: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

SIGLAS

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNRS Centre National de Recherche Scientifique (da França) EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias IES Insituição (ões) de Ensino Superior INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IUPERJ Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro OCDE Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico

(da Europa Ocidental) P & D Pesquisa e Desenvolvimento P.O Pesquisa Operacional PUC/RJ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUG Pontifícia Universidade Gregoriana (de Roma, Itália) UEPG Universidade Estadual de Ponta Grossa - PR UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

(da ONU - Organização das Nações Unidas) com sede em Paris - França

USP Universidade de São Paulo (mantida pelo Estado de São Paulo)

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Page 12: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

PRESSUPOSTOS GERAIS

Page 13: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

A lida com a literatura e o magistério da Metodologia Científica, bem assim com os problemas gerais da vida e da administração uni-versitária, vem me mostrando e demonstrando diariamente, há vários anos, que a área da pesquisa e da ciência está eivada de preconceitos e tabus que dificultam ou impedem o acesso de professores, técnicos, estudantes e demais profissionais e potenciais latentes à sua iniciação e prática progressiva.

Vem demonstrando inclusive que a universidade brasileira, so-bretudo a sua parcela representada por instituições mais recentes e interioranas, não acordou para o dimensionamento do que é e de como se faz pesquisa em consonância com as peculiaridades específicas da própria realidade universitária. Não se despertou para definir e assumir o seu papel como vi-veiro onde se pre-param e cultivam não só a pesquisa e a ciência como produtos mas tam-bém, e principal-mente, os seus agentes e promoto-res em processo contínuo.

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Page 14: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

Nessa perspectiva, e absolutamente convicto de que quem tudo reivindica nada quer ou pode oferecer, é que resolvi documentar as análises, as opiniões e, de modo especial, as sugestões da seqüência deste estudo, intentando incluí-las em pauta de amplo, profundo e pro-dutivo debate.

Na verdade, tudo o que se registrou em termos de análises e opiniões pertence ainda ao âmbito das chamadas hipóteses fundamen-tadas, visto o respectivo processo de demonstração sistemática de-pender inclusive da aplicação factual das propostas operacionais por elas abrangidas. São, ou pelo menos pretendem ser, portanto, hipóte-ses ou respostas, passíveis de demonstração operacional, que emer-gem de pressupostos sobre pesquisa em si mesma e na própria vida, bem como se referem a questionamentos concernentes à pesquisa típica do meio universitário.

A pesquisa não é mito nem rito. Para se entrar no seu mundo, basta que se equipe progressivamente de: a) hábito de cultivo da curio-sidade; b) disponibilidade para fundamentação e aprendizado perma-nentes; c) exercício de capacidade dinamizador-criadora; d) intenção de aprendizado cumulativo, pela conquista da paciência estratégica de se começar pelo começo ou de se preparar e ensaiar para produções sofisticadas a partir das mais simples e fáceis; e) gosto pelo desenvol-vimento de habilidades de prospecção, programação, acuidade e con-trole de observações; e f) condições mínimas de formulação de análi-ses descritivo-interpretativas, principalmente por escrito.

O cultivo da curiosidade (mencionado acima) importa, para o pesquisador, o exercício dos sentidos, da inteligência e da capacidade associativa para perceber, captar e interpretar mensagens e significa-ções lá onde o comum das pessoas não consegue chegar. Assim:

- experiências ou fenômenos simples e corriqueiros para a maio-ria poderão constituir rico e farto material de trabalho e realização para o pesquisador;

- a própria pesquisa não se configura única e exclusivamente como trato com o desconhecido em busca do absolutamente inédito (mito que se criou em seu entorno e que bloqueia a maioria das pes-

1.1 PRESSUPOSTOS DE PESQUISA EM SI E NA VIDA

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Page 15: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

soas que por ela se interessam e a ela poderiam se dedicar), mas como processo que permite, inclusive, redescobrir o já descoberto, redimensionar o já dimensionado e reaproveitar o já aproveitado. As grandes descobertas podem surgir tanto de um sofisticado e dispendioso trabalho de pesquisa (e todo país ou entidade que se pre-tende desenvolver investe maciçamente nesse sentido) como de um simples "ovo de Colombo". Essas duas dimensões não se excluem, ao contrário, complementam-se.

No que respeita à relação de pesquisa com produção, extensão e/ou aprofundamento do conhecimento, não há fenômenos positivos e negativos, visto que negativas ou positivas são as formas de relaciona-mento das pessoas com os aludidos fenômenos. Por isso, é de capital importância que os candidatos à atuação na área de pesquisa se dis-ponham e se exercitem no sentido de captar e interpretar a variedade de mensagens que a experiência do relacionamento com cada fenô-meno encerra, sobretudo quando se tratar de alguma que não os excite e motive naturalmente.

Em termos de país subdesenvolvido, mormente em matéria de competência educacional, a maior barreira com que os candidatos à pesquisa (como processo de produção de alguma forma de conheci-mento) se defrontam é a da pobreza relativa a habilidades de análise interpretativa e de sua comunicação escrita. Trata-se, pois, mais de deficiência infra-estrutural de desenvolvimento e socialização de pro-dução pessoal e institucional que da falta de potencial latente.

QUESTIONAMENTOS SOBRE PESQUISA NA UNIVERSIDADE

Legislou-se, escreve-se e fala-se diuturnamente sobre não dissociação entre ensino-pesquisa-extensão no âmbito universitá-rio. Só que até hoje (e já se vão décadas desde que a Lei n.° 5.540/ 68 entrou em vigor) não se procurou resolver teórica e operacio-nalmente questões fundamentais para viabilizar essa "não dissocia-ção", como:

a) Que é autêntica universidade e o quê a pesquisa tem a ver com isso?

b) Pesquisar, na instituição universitária, significa o quê?; signifi-ca fazer exatamente o que fazem as outras instituições especializadas

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Page 16: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

só em programar e desenvolver pes-quisa técnico-cien-tífica, como a EM-BRAPA (Empresa Brasileira de Pes-quisas Agropecuá-rias), o INPE (Ins-tituto Nacional de Pesquisas Espa-ciais), o CNRS

(Centre Nacional de Recherche Scientifique - da França) e congêneres?

c) Até que limites, em que e como o professor universitário tem de ser pesquisador?; a partir de onde e quando o professor universitá-rio, na ativa, não pode ou mesmo não deve se pretender um pesquisa-dor?; ou: não seria o caso de se pen-sar, em termos de política universitá-ria, em investimen-tos, definições e programações típi-cas de pesquisa imanente e não imanente à ação docente?

d) O esforço despendido para despertar mentes e iniciar pesso-as no processo de desenvolvimento de pesquisa e de geração de co-nhecimento deve ou não ser entendido e valorizado como verdadeiro trabalho de pesquisa no seio da instituição de ensino universitário?

e) Por quê não se orientam atividades corriqueiras de professo-res e alunos universitários (como programar, preparar e avaliar discipli-nas curriculares) no sentido de que um toque programático-metodológico sistemático as encaminhe na direção de trabalho simples, porém au-têntico, de pesquisa e produção (não apenas reprodução) de conheci-mento?

Em relação aos oito assuntos tratados nos Tópicos seguintes, do segundo ao nono, três observações introdutórias merecem destaque:

1a - Há pelo menos três casos de abordagens em que se procu-rou vislumbrar o espaço e a funcionalidade da pesquisa em cada fenô-meno através do ensaio de formulação ou reformulação do núcleo

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Page 17: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

conceituai do próprio fenômeno. Esses casos são concernentes à re-lação da pesquisa com o processo natural de formulação do conheci-mento humano (Tópico 4), com a concepção básica de formação (Tó-pico 7) e com a razão de ser da universidade (Tópico 8). Isso, porque a relação desses fenômenos com a pesquisa se passa ao nível e no âmbito da própria essência dos mesmos: por um lado, pesquisa é tam-bém processo de formulação de conhecimento e, por outro, sem pes-quisa inexistiriam tanto a verdadeira formação quanto a autêntica uni-versidade. Esta é a razão pela qual se entendeu, por exemplo, que a correta maneira de estudar a pesquisa no processo formativo ou na universidade tem início pelo marcado esforço de se buscar compreen-der o em quê consiste a verdadeira formação e o em quê consiste a autêntica universidade, visto que sem a pesquisa, mais ou menos for-malizada e tecnificada, ambos os fenômenos se assemelhariam a cor-pos inanimados, relegados à condição de "cadáveres" estáticos, frios, informes ou no máximo robotizados pela mecânica da repetição impro-dutiva de conhecimentos, hábitos e costumes. No que respeita a pes-quisa versus universidade, Demo (1990a, p. 36) é absolutamente con-tundente:

Pesquisa deve ser vista como processo social que perpassa toda a vida acadêmica e penetra na medula do professor e do aluno. Sem ela, não há como falar de universidade, se a compreendermos como descoberta e cria-ção. Somente para ensinar, não se faz necessária essa instituição e jamais se deveria atribuir esse nome a entidades que apenas oferecem aulas.

2a - O termo pesquisa não aparece iteradamente apenas ao lon-go dos oito assuntos mencionados; é a palavra-chave que se destaca desde o título principal até o último parágrafo deste estudo. Como esse termo evoca normalmente um verdadeiro mito de complexidade, sofis-ticação e aparelhagem técnicas, gostaria que as pessoas se predispu-sessem a entendê-lo, no presente trabalho, como algo que se configu-ra como processo abrangente e dinâmico de "[...] diálogo inteligente com a realidade" Demo, (1990a, p. 36), que compreende, em suas múlt iplas dimen-sões, graus pro-gressivos de siste-maticidade e perfei-ção, os quais se evoluem a partir das situações mais simples (por vezes extremamente sim-ples e cotidianas) para as cada vez

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Page 18: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

mais complexas e precisas em matéria do vigor metodológico adotado e do aparato tecnológico utilizado. Daí ser possível e necessário des-cobrir e desenvolver o espaço da pesquisa em fenômenos vitais, mas normalmente alijados dos campos específicos das especializações cientificas, como a própria vida, a formação, a realização coletiva, a realização tanto pessoal como profissional e tantos outros referidos ou não na seqüência deste trabalho. Diante do mito criado em torno de pesquisa e ciência, somos levados a nos esquecermos, ainda, de que o cientista consagrado de hoje foi o principiante desajeitado (por vezes até rejeitado) e temeroso de ontem, que se dispôs a aprender pesquisar pesquisando a partir de realidades simples, próximas e vivenciais em termos de cotidianidade.

3a- Observa-se, por último e objetivamente: apesar do tom relati-vamente enfático com que todos os assuntos são tratados neste estu-do, efetivamente se pretende abrir e não fechar a discussão em torno deles. Reiterando o já registrado no início deste Tópico, que a discus-são seja ampla, profunda e produtiva.

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Page 19: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

PESQUISA CIENTÍFICA NÃO SÓ PARA CIÊNCIA

Page 20: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

A unilateral valorização da ciência no contexto da vida hodierna tem motivado a formação da cultura de que só se faz pesquisa científi-ca para se produzir ciência e tecnologia. Os próprios manuais de metodologia científica (CERVO/BERVIAN, 1982; GALLIANO, 1979; GRESSLER, 1983; LAKATOS/MARCONI; 1983; PIERSON, 1968; RUIZ, 1982; SALVADOR, 1970; SEVERINO, 1982; e outros), embora extre-mamente úteis, enquanto instrumentos subsidiários à formação e ao disciplinamento nos campos da produção científica e da elaboração de trabalhos técnicos da cotidianidade universitária, acabam por reforçar a sedimentação desse tipo de unilateralidade em relação à pesquisa.

Pelo menos dois fatores básicos contribuem para isso: a ênfase à parte formal do método científico, no que concerne aos manuais, e a quase absoluta ignorância da juventude brasileira em matéria de ciên-cia e tecnologia (falta de noções básicas, teorias globais, finalidades e limites existenciais, etc.) até seu ingresso na universidade. Enfatize-se, até, que os re-feridos manuais contribuiriam ape-nas positivamente para a formação equilibrada de nos-sos futuros cientis-tas se não houves-se a mencionada ignorância básica por parte da cliente-

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Page 21: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

Ia usuária, reforçada inclusive pelos "cursinhos" e até pelo próprio pro-cesso mecanicista do vestibular (ora felizmente objeto de reavaliação). Essa ignorância é tão arraigada que grande parte da clientela incipiente em metodologia científica por vezes até docentes, chegam a confundi-la com "macetodologia ou receitoiogia científica".

No que se refere aos manuais, nova perspectiva começa a des-pontar: a dos autores que contextualízam ciência, tecnologia e pesqui-sa no espectro da própria vida, sem se descuidarem do vigor próprio do método científico. Apenas a título de exemplo (vez que qualquer ge-neralização poderia acarretar exclusões indevidas), iniciativas desse tipo já estão sendo constatadas em trabalhos como os de Lukesi et al. (1986), Demo (1985) e Barbieri (1990), em termos de Brasil. Aliás, da década de 1990 para cá, muito se fez nessa área.

Quanto à questão da ignorância infantil e juvenil sobre ciência e tecnologia, em si mesmas e em dimensões mais abrangentes, o pro-blema não se resolve na esfera dos manuais, por melhores que se apresentem. É questão que envolve a educação como um todo: na família, na educação infantil, na educação básica e, sobretudo, no am-biente de toda a educação superior.

A universidade tem enorme responsabilidade e espaço nessa ma-téria. Já se foi o tempo em que, com certa legitimidade, a "culpa" pelo despreparo básico da clientela era transferida em cadeia decrescente: a universidade a repassava ao ensino médio e este ao fundamental. A "certa legitimidade" se explica em função de que o acesso aos patama-res da administração educacional e da própria função magisterial, até pelo menos o final dos anos 1950, se dava, no Brasil, quase que exclu-sivamente pelos méritos da "vinculação" às oligarquias que detinham o poder político-administrativo, sem qualquer ênfase aos graus ou tipos de escolarização formal. A partir dos anos 1960, principalmente no pri-meiro decênio da ditadura militar, iniciou-se a instalação sistemática da tecnicoburocracia universitária em todos os níveis de organização e funcionamento da vida pública (principalmente nas esferas federal e estadual), criando exacerbada perspectiva de valorização hierárquica dos diplomas escolares (Decreto n.° 200/67, Lei n.° 5.692/71, etc.).

Não é à-toa que a corrida aos diplomas universitários (principal-mente para fins de magistério e administração educacional) e a própria expansão desenfreada de instituições de ensino superior constituíram uma espécie de psicose de massa em toda a década de 1970.

Em decorrência, as influências benéficas ou maléficas do ensino superior - aí incluído o praticado nas universidades - ingerem direta e imediatamente em todos os escalões tanto dos sistemas educacio-

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Page 22: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

nais formais como nos da própria administração pública como um todo. Em vista disso, pode-se afirmar sem medo de erro: genericamente falando, a melhoria da educação básica brasileira depende da melhoria do próprio "sistema" universitário, inclusive no que se refere à aludida ignorância técnico-científica básica da clientela que ingressa na univer-sidade.

Na acepção adotada há anos pelo autor deste trabalho (debatida, fundamentada e aplicada no transcorrer da disciplina Introdução à Metodologia Científica e no decurso de assessoramentos ou orienta-ções ao planejamento e execução de pesquisas e monografias), a pes-quisa científica não se restringe e se aplica apenas à produção de ciên-cia em sentido estrito. É empregada também para: geração, aplicação e transferência de tecnologia (BARBIERI, 1990); desencadeamento do processo educacional emancipatório (DEMO, 1990a); conquista da li-berdade a partir da permanente decifração de sentido existencial de tudo o que se relaciona com o ser humano em condições normais de intelecção e volição (ÁVILA, 1971); a própria dinâmica da permanente edificação da vida (MARÍAS, 1966), em seus múltiplos dimensionamentos e correlações; bem como para a conquista da autonomia e outras con-dições indispensáveis à autenticidade da vida universitária nas institui-ções de ensino superior, como se verá na seqüência de Tópicos deste mesmo trabalho.

A razão pela qual se pode afirmar, com segurança, que o empre-go da pesquisa científica não é (e nem deve ser) exclusividade de pro-dução de conhecimento estritamente científico é simples: o que torna científica a pesquisa são os quesitos metodológicos de sua programa-ção e operacionalização ou, ainda, o que caracteriza a cientificidade da pesquisa é o seu dinâmico rigor metodológico (analisado no subtópico 5.3) e não só a natureza de seus produtos. Essa razão/princípio é iterada, ora por lembrança ora por ênfase, praticamente em toda a se-qüência do presente estudo.

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Page 23: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

PESQUISA E LIMITAÇÃO CONCEITUAL UNIVERSITÁRIA

Page 24: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

Tem sido bombardeado, nas discussões universitárias, que a in-significância da pesquisa na universidade pública se deve basicamen-te ao desinteresse dos governos, expresso peia sonegação dos recur-sos financeiros compatíveis.

Há parcela de verdade nisso, mas não é tudo. O problema da pesquisa, na mentalidade brasileira em geral e universitária em particu-lar, parece situar-se em dimensão bem mais básica e elementar: não se faz mais e melhor pesquisa, porque não se soube, não se procurou saber ou não se metabolizou, ainda, o que se sabe sobre o que é real-mente pesquisa tanto para a ciência como para as demais dimensões da vida.

No fundo, a própria noção de pesquisa paira como tabu ritual, de domínio parasitário da elite intelectual científica (DEMO, 1990 e 1991a) do país, carente de desmistificação para que realmente se efetive como mecanismo estratégico do processo emancipatório da formação uni-versitária (DEMO, 1990a) e da educação libertadora no Brasil, na Amé-rica Latina e no terceiro mundo (GADOTTI, 1991).*

Não se pode acreditar que só a força da compreensão conceituai de uma determinada palavra seja o bastante para que o fenômeno por ela significado se concretize na prática. Mas seria igualmente ingênuo

Conferências proferidas pelo Prof. Dr. Moacir Gadotti (USP/SP) sobre Educação Libertadora na América Latina, em Campo Grande - MS, como parte da Semana Cultural Editora Vozes 90 anos - América Latina: Liberdade - Dependência - Liber-tação, nos dias 12 e 13 e jun/91.

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Page 25: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

desconsiderar que é pela correta - ou a mais correta pos-sível - compreen-são conceituai de um dado fenômeno que se inicia o pro-cesso de dinamiza-ção ou concretiza-ção do mesmo. É pela planta, conce-

bida como dimensão teórico-conceitual que se torna possível, e até se começa, a construção racional (programada, segura e funcional) do prédio: quanto melhor for a planta, e o entendimento que dela se tiver, tanto maiores serão as probabilidades de perfeição do edifício. Ocorre, ainda, que a própria elaboração da planta parte da compreensão inicial do que é (ou será, em termos operacionais) o edifício, respaldada nos previsíveis porquê, para quê e com quê de sua construção. Isto já é, de certa maneira, iniciação antecipada da ação ou parte operacional.

Retornando à questão concernente à importância da compreen-são conceituai, observa-se: dependendo do que se entende por pes-quisa, portas se abrirão ou fecharão no sentido de sua democratização e produção em escala maior, mais qualitativa e menos elitista. Exemplificando, se se acha que pesquisa se destina exclusivamente à produção de ciência e que ciência só é atributo ou privilégio de cientis-tas consagrados pelo batismo do reconhecimento por parte da cúpula detentora das chaves do saber dito científico, então só esse tipo de cientista estaria "habilitado" a pesquisar.

É essa, aliás, a concepção que predomina na mentalidade da juventude ingressa na maioria dos Campi universitários, quando não também na cultura de significativo con- jj ip^fc-tingente de profes- Jwraj® sores. Estes se en-carregam de . - - " ' fea f? \ J^ mitificar ainda mais ( 1 \ W N ^ ^ S P o "misterioso altar" i | jf f / 1 Ã ^ -hS/Ê da ciência, cujo > \ f K . / è^ "culto" é exercido \ \ \ m. pelos "ungidos ci- V/*2* j \ ( j ç & t y - ^ - j f r

dores", mas ape-

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Page 26: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

nas admirado e respeitado à distância pelos mortais comuns, sobretu-do o estudante recém-ingressado na universidade.

Embora de há pelo menos trinta anos empiricamente sabedor desse tipo de limitação (quiçá bitolamento) conceituai universitário so-bre ciência, pesquisa, cientista e pesquisador, este ensaísta (que tem sido também professor de Introdução à Metodologia Científica) vem pro-curando identificar, ao longo dos últimos anos (a cada início de período letivo), as percepções ou imagens que os acadêmicos têm ou fazem dos termos e figuras supracitados.

De fato, a ciência sempre se afigura a uma espécie de divindade misteriosa, inacessível à esmagadora maioria dos mortais. O cientista é representado ora como maluco (lunático, alienado, anti-social, ócu-los garrafais, cabelos esvoaçados, jaleco branco, etc.) e ora como sa-cerdote que, sub-missamente, in-censa e cultua a deusa ciência, bem como obedece ao rigor que ela lhe im-põe e ornamenta os seus altares, no mundo todo, com inventos científicos de toda ordem. Também o pesqui-sador é representa-do de duas manei-ras: oscila entre o cientista maluco e/ou sacerdote e o noviço enviado pela "deusa" ciência, com a missão de contatar o mundo real (natural) para dele subtrair o alimento (múltiplas informações) de que necessi-tam tanto a deusa ciência quanto os seus "ungidos", os cientistas.

Seria isso devaneio de "calouros" universitários? - Talvez. Mas imagens parecidas têm surgido igualmente em outras situações. Exem-plo disso é a crença de que só é científico o que é publicado em veícu-los especializados (espécies de "manuais sagrados"). Trata-se, no fun-do, da crença que a especificidade do veículo de publicação é que con-fere cientificidade à matéria por ele veiculada.

Por outro lado, e embora aparentemente oposta, a banalização conceituai da pesquisa não só esvazia o seu real significado e valor como reforça a sua mistificação. É o caso das ditas "pesquisas" esco-lares limitadas a cópias de textos, como respostas a questões formu-

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iadas pelo professor, sem nenhuma organização, interpretação e di-gestão (DEMO, 1990a) pessoal. É ainda a situação em que o aluno é estimulado a buscar nos pais, irmãos, amigos e colegas soluções substitutivas do esforço próprio de tentar. Esforço de começar e reco-meçar até achar o ponto estratégico através do qual se inicia o proces-so de desembaraçar as meadas dos problemas, sempre no sentido do simples para o complexo, do fácil para o difícil e do sensível para o abstrato.

Além de leviano, improdutivo e irresponsável, esse tipo de postu-ra degrada a pesquisa e sufoca as potencialidades, às vezes até aspi-rações, do pesquisador latente. Respalda a crença, na criança e no jovem, de que pesquisa verdadeira só é possível a poucos, aos cientis-tas já credenciados para presidirem e administrarem o ritual da ciência (como se referiu atrás). Arrebata da criança e do jovem a chance tanto de saberem como de experimentarem os fatos de que a pesquisa é processo, de que pesquisar se aprende e exercita progressiva e conti-nuamente (ninguém nasceu sabendo ou aprendeu num estalo), de que a pesquisa não só gera como recria, reordena e redimensiona conhe-cimento de toda a ordem, de que o conhecimento produzido pela pes-quisa pode ter destinação inclusive mais abrangente que a do mero enriquecimento do acervo estritamente científico, de que a pesquisa pode ser encarada e utilizada como excelente mecanismo de perse-guição e conquista da realização pessoal, profissional e societária.

A questão relativa ao fato de que, antes do agir (fazer) propria-mente dito, as pessoas, sobretudo crianças e adolescentes, preci-sam buscar o entendimento e formar a teoria (projeção conceituai) do que pretendem fazer é muito mais séria do que aparenta. Este pro-fessor, intrigado com a cantilena dos alunos no sentido de que tudo deve ser "prático", resolveu, a partir de 1987, aplicar em suas turmas um rápido teste/surpresa de compreensão de alguns termos/fenô-menos de destaque na metodologia científica: teórico, prático, con-creto e abstrato. Foi usado este tipo de ficha:

c \

I I teórico =

L I prático =

I I concreto =

r _J abstrato = V y 32

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Só depois de distribuídas cópias das fichas (uma para cada aca-dêmico) é que se orienta sobre o que se fazer com elas. São, em ver-dade, duas instruções, de forma que a segunda só deve ser anunciada depois que todos tiverem concluído o procedimento relativo à primeira:

1a - "Cada um deve assinalar com "X" a quadrícula (só uma) do termo (ou teórico, ou prático, ou concreto, ou abstrato) que mais corresponda ao tipo de atividade ou trabalho de seu maior gosto ou preferência".

2a - "Sem consultar a colegas ou dicionários, escreva (dirigindo-se a cada um) á frente de cada termo (teórico = ..., prático = ..., concre-to = ..., e abstrato = ...) uma palavra (de preferência sinônimo) indicativa do que você pensa que esse termo efetivamente significa" (quase sem-pre escrevem mais de uma).

Resultados do teste aplicado em 27 alunos do segundo período do curso de Ciências da Computação, em 22 de setembro de 1987 (a título de exemplo):

1) Declaração de gosto ou preferência de trabalho: prático = 16 (59,25%), concreto = 2 (7,41%), abstrato = 2(7,41%), teórico = 0(0,00%), não sabiam (abstiveram-se) = 7(25,93%).

2) Conceitos indicados:

a) de "prático": "concreto; real (manuseado); executado; ágil; mais ação decorrente do teórico; manuseio; objetivo; ativo (manual); exercitado = 2; de fácil desenvolvimento = 2; desenvolve fisicamente; usual; visual; útil; fácil (em geral); "exercível"; contestado; desenvolvido = 2; abrangente; embasado em resultados; por em ação o que aprende; não sei = 3".

Resultados agrupados: - variações de indicativos conceituais: 21 = 77,78%; - desconhecimentos de indicativos conceituais: 3 = 11,11%; -total de indicativos conceituais repetidos: 3 = 11,11%; - total de acadêmicos testados: 27 = 100,00%.

b) De "teórico": "escrito = 9; abstrato; idéias imagináveis; basea-do em tese; básico; essencial para a prática; pesquisa escrita; arquiva-do; conclusão; conceituai; hipótese; provável; aceitável; didático; embasado em teoria; não sei = 4".

Resultados agrupados: - variações de indicativos conceituais: 15 = 55,56%; - desconhecimentos de indicativos conceituais: 4 = 14,81%; - total de indicativos conceituais repetidos: 8 = 29,63%; - total de acadêmicos testados: 27 = 100,00%.

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c) De "concreto": "real = 7; exato = 4; fixo = 3; baseado ou com-provado = 2; palpável = 2; objetivo; básico; traz resultados aplicáveis e cientificamente testados; não sei = 6".

Resultados agrupados: - variações de indicativos conceituais: 8 = 29,63%; - desconhecimentos de indicativos conceituais: 6 = 22,22%; -total de indicativos conceituais repetidos: 13 = 48,15%; - total de acadêmicos testados: 27 = 100,00%.

d) De "abstrato": "imaginário = 5; subjetivo = 3; vago = 3; não desenvolvido; sonhador; sem base concreta; elementar; idéias; indife-rente; maciço (profundo); inatingível; restrito; sem embasamento teóri-co (filosofia); hipótese (sentimento); não sei = 5".

Resultados agrupados: - variações de indicativos conceituais: 14 = 51,85%; - desconhecimentos de indicativos conceituais: 5 = 18,52%; - total de indicativos conceituais repetidos: 8 = 29,63%; - total de acadêmicos testados: 27 = 100,00%.

3) Hipóteses inferidas

De tudo o que se registrou dos resultados reais desse teste/sur-presa podem ser inferidas algumas hipóteses de interpretação:

não uma escolha consciente, a partir dos diferentes sentidos que o termo "prático" comporta, seja na linguagem corrente (conferir o "Minidi-cionário Aurélio", de uso mais comum atualmente nas escolas de edu-cação básica) seja na linguagem técnico-científica (abordada no Tópi-co 4).

2a-Ademanda ou reivindicação de atividades ou trabalhos "prá-ticos" se faz, ainda, sem o mínimo critério de seletividade ou esco-lha em relação aos demais tipos ("teórico", "concreto" e "abstrato"), pois a esmagadora maioria dos 27 alunos demonstra (pelo teste) também desconhecer os usuais sentidos desses termos tanto na

1a-Ademan-da de atividades ou trabalhos "práticos" representa basica-mente um pleito (por vezes reivindi-cação) por situação de comodidade (trabalho fácil, agra-dável e dinâmico) e

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linguagem corren-te quanto na técni-co-científica.

3a - Se, ante-riormente ao tes-te (e sem os res-pectivos esclare-c imentos con-ceituais), o profes-sor tivesse dito aos alunos que, no se-mestre, deveriam fazer quatro traba-lhos (um teórico, um prát ico, um concreto e um abs-trato), o efeito de compreensão da

natureza desses trabalhos teria sido o da "Torre de Babel": 15 percep-ções (não importando se corretas ou não e, ainda, sem contar os "não sei") de "trabalho teórico"; 21 de "trabalho prático"; 8 de "trabalho concreto" (apesar de elevado contingente dos "não sei"); e 14 de "tra-balho abstrato".

Importa observar, em relação à representatividade e significância dos resultados desse teste, que a sua aplicação foi repetida (desde de 1987) em várias turmas de diferentes cursos, inclusive de pós-gradua-ção, sem substanciais alterações no perfil geral dos mesmos.

A possível objeção no sentido de que os resultados do teste cons-tituem amostragem de limitação conceituai apenas no âmbito da Uni-versidade Federal de Mato Grosso do Sul (afastada centenas ou milha-res de quilômetros dos grandes centros de cultura e ciência no Brasil) poderá não ser efetivamente sustentada em função dos motivos se-guintes:

a) Também a UFMS recebe acadêmicos oriundos de grandes centros como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre. É parte daquele contingente de candidatos que fazem os "cursinhos" nesses centros e buscam esta Universidade seja simples-mente porque passam no vestibular, seja por conveniência pessoal ou familiar. É sabido de todos que o Estado de Mato Grosso do Sul foi e continua sendo um enorme ponto de convergência para gaúchos, paranaenses, paulistas, mineiros, fluminenses (inclusive cariocas),

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catarinenses e nordestinos. Exemplo típico dessa multi-repre-sentatividade é o próprio corpo docente da UFMS.

b) Até a administração universitária federal demonstra extrema-da limitação conceituai inclusive sobre pesquisa na universidade, quan-do tem acenado, ao longo da curta história universitária brasileira, à política fisiológica da repartição do dito (impróprio) "sistema universi-tário" em "categorias" como no caso dos grupos das "universidades de ensino", das "universidades emergentes" (em matéria de pesqui-sa) e das universidades consideradas "centros de excelência" (tam-bém em matéria de pesquisa). O próprio Grupo Executivo para a Reformulação da Educação Superior - GERES, criado pela portaria Ministerial n.° 100/86 e implantado pela de n.° 170, de 03/03/86, ape-sar de haver efetuado bom estudo e fornecido contribuições relevan-tes quanto a aspectos legais e funcionais concernentes às institui-ções universitárias brasileiras, tornou-se partidário, tanto na teoria comentada quanto na prática sugerida (como consta da proposta de anteprojeto de lei), de equivocados e contraditórios conceitos de uni-versidade: adotou, de um lado, a "universidade ensino" (restrita à pre-paração de recursos humanos, mas com status universitário em ma-téria de autonomia) e, de outro, a "[...] universidade do conhecimento, baseada em paradigmas de desempenho acadêmico e científico, pro-tegida das flutuações de interesses imediatistas [...]", conforme rela-tório publicado em Estudos e Debates - Revista do Conselho de Rei-tores das Universidades Brasileiras, n.° 13, jan/87. Isso é, no mínimo, desconsideração quanto ao fato de que a pesquisa não é mera fun-ção universitária: faz parte da própria essência conceituai e operacional da universidade (esta questão é praticamente o objeto central dos Tópicos n.° 8 e 9 deste trabalho).

Em perdurando dúvidas sobre a generalização dos exemplos de limitação conceituai, inferida pelos resultados do teste aludido anterior-mente, a maneira de resolvê-las é extremamente simples: basta apli-car o teste, com os mesmos termos ou com os da preferência de cada interessado (inclusive pesquisa) e apurar os resultados.

Aos impacientes quando à escolha e ao sentido dos termos con-creto, abstrato, teórico e prático, utilizados no teste, avisa-se: essas duas questões são tratadas no próximo Tópico, o de n° 4.

Antes de passar ao Tópico n° 4, convém enfatizar que limitação conceituai não quer dizer inexistência, ou mesmo, falta de potencial. Nota-se, ao contrário, que existe uma certa "fome" por pesquisa, inclu-sive junto ao estudante. O problema é que, em relação à PESQUISA NO MEIO UNIVERSITÁRIO, FALA-SE MUITO SOBRE, OMITINDO-SE

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PROCURAR SABER O QUE DE FATO É (em termos de processo, de contextualização e de finalidades múltiplas), NA VERDADE ENSEJANDO QUE SE ARREFEÇAA CHAMA DAS POTENCIALIDADES.

Saber o que de fato é pesquisa (como se disse: enquanto pro-cesso, de acordo com diferentes contextos e para variadas finalida-des) é preocupação real e constante que permeia todos os demais Tópicos que se seguem.

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TÓPICO 4 A PESQUISA E O PROCESSO NATURAL DE FORMULAÇÃO EXSPANSIVO-EVOLUTIVA DO CONHECIMENTO

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Este Tópico é ao mesmo tempo longo e denso, porque se desti-na à tentativa de SABER COMO SE SABE ou de CONHECER COMO SE CONHECE. Trata-se, pois, de matéria densa, porém acessível e absolutamente importante para tudo na vida, vez que o conhecimento não só é vida como também o é bússola da vida, em suas multivariadas formas e dimensões.

Por outro lado, sabe-se até empiricamente que pesquisar é pro-duzir (no sentido de criar, recriar, redimensionar, digerir, metabolizar, etc.) conhecimento. Como, então, entender profundamente o que é pesquisa (pesquisar), sem antes, ou simultaneamente, se buscar sa-ber como o fenômeno do conhecimento se produz (processa) na dinâ-mica evolutiva da espécie humana e de cada um de nós em particular?

E mais: entendendo como se processa a formulação e a dinamização do conhecimento humano, obter-se-ão (nesse próprio entendimento) res-postas às duas cu-riosidades, pen-dentes do Tópico anterior, concer-nentes ao porquê foram escolhidos os termos concre-to, abstrato, teóri-co e prático para o teste de sondagem de limitação con-

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ceitual e, ainda, o quê os mesmos significam no processo de geração e dinamização do conhecimento humano.

A facilitação do supra-referido entendimento deste Tópico pres-supõe, do leitor dos textos que se seguem, duas condições mínimas:

a) Supressão radical do pedagogismo ou psicologismo da educa-ção sem esforço, como se aprendizagem se processasse e conheci-mentos se adquirissem, criassem ou redimensionassem mecanicamen-te a partir apenas da veiculação estimulada, sem um mínimo de disponibi-lidade maiêutica por parte do educando. Bem ao contrário, a disponibilida-de maiêutica para partos induzidos de aprendizagem (não importa de que) e diminização enriquecedora de qualquer tipo de conhecimento deve constituir objeto educacional desde o Jardim de Infância (LIMA, 1971 e DEMO, 1990a). Se o que efetivamente vale no processo da aprendiza-gem não é o ensinar mas o "aprender a aprender", como enfatiza Demo (1990a); ou o destaque conferido pela OCDE (1974, p. 15) quanto à certe-za de que"[...] haverá sem dúvida o deslocamento da tônica de um ensino concebido como organização de saber para a de um ensino concebido como organização do ato de aprender"; ou ainda, conforme Georges (1974, p. 25),"[...] a tarefa do professor [...] é a de proporcionar o obstáculo [...]" deve-se, então, investir sem trégua no sentido do desabrochamento e desenvolvimento da vontade, da disponibilidade e do efetivo esforço de aprender do educando e do educador: aprende quem quer e se esforça ativamente para aprender. Vale registrar, nesse sentido, que a doutrina piagetiana foi inovadora em matéria sobretudo da aprendizagem mas o próprio Piaget era extremamente disciplinado e rigoroso consigo mesmo e com seus discípulos, conforme testemunhou um de seus ex-alunos, Prof. Moacir Gadotti, durante a palestra referida no Tópico anterior.

b) Disposição para uma limitada incursão na área da Teoria do Conhecimento, no contexto da lógica filosófica. É o esforço para essa disposição que efetivamente induziu a proposição da condição anteri-or. Em palavras sucintas, temos pela frente o provocante desafio do entendimento de como se configura e funciona o processo natural que a mente humana desenvolveu e continua desenvolvendo para conhe-cer. É, portanto, uma questão de lógica cuja facilidade de compreen-são e assimilação dependerá, em muito, do grau de disponibilidade maiêutica a ela dispensado.

Feitos esses preâmbulos, é chegado o momento de passar às considerações fundamentais sobre o processo natural de formulação expansivo-evoiutiva do conhecimento. Preferiu-se, por razões especifi-camente metodológicas, que a caminhada das considerações se fi-zesse de forma modular: um módulo enfocando o cerne da questão

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(4.1); o segundo reconstituindo o processo (4.2) e o terceiro (4.3) infe-rindo lições resultantes.

PASSOS REFERENCIAIS DO PROCESSO 4.1 NATURAL DE FORMULAÇÃO DO

CONHECIMENTO

Qualquer bom manual de filosofia dedica vasto espaço a essa matéria. Uns a situam no campo da Lógica, como Maritain (1958, p. 7-297) e Boyer (1940, p. 67-213), e outros, a exemplo de Jolivet (1967, p. 409-535), na área de Psicologia Racional (ou Filosófica). Mas esta abordagem se limitará apenas à súmula do indispensável à compreen-são básica do processo de formulação e dinamização do conhecimen-to humano, da qual fazem parte os quatro termos/fenômenos em refe-rência: prático, teórico, abstrato e concreto.

Na verdade, segundo a opinião deste ensaísta esses termos não ocu-pam qualquer lugar no referido processo: são os pontos cardeais do mes-mo. Aí está a resposta à questão (por quê?) de sua escolha para o teste.

Resta saber, agora, como é que se processa, dinamicamente, a elaboração do conhecimento humano (observando que chegou a hora de também o leitor pôr em uso a sua disponibilidade maiêutica):

PRIMEIRO PASSO: 4 ' 1 ' 1 A SIMPLES APREENSÃO

A mente (inteligência) se contata com o objeto a ser conhecido (coisa material, fato, fenômeno, idéia, conceito, etc.) através dos senti-dos (inclusive o "sexto", ainda em fase de se saber exatamente em que consiste). No próprio ato do contato da mente com o objeto, as proprie-dades gerais desse objeto (tamanho, forma, cor, etc.) são sacadas pelos sentidos, que as transportam até o cérebro (através de neuro-sensores por impulsos eletro-iônicos, de cuja capacidade são dotadas todas as células do sistema neurônico/nervoso, no sentido de se orde-narem em circuitos integrados com o cérebro). O cérebro processa os sinais elétricos correspondentes às propriedades sacadas (tamanho, forma, cor, etc.), permitindo que a mente (inteligência) as perceba (isto

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é, faça a percepção das imagens, figuras ou espectros de "grande", "pequeno", "duro", "mole", "vermelho", "preto", "áspero", "liso", etc.) no limite, evidentemente, das propriedades sacadas e processadas.

Esse fenômeno tem sido chamado SIMPLES APREENSÃO, desde Aristóteles (no século IV a.O). Isto, porque as propriedades do objeto são agarradas (apreendidas) pelos sentidos, imediatamente processadas pelo cérebro e primeiramente só ESTAMPADAS ou EXPOSTAS na mente.

E daí, que isso tem a ver com os termos: concre-to, abstrato, teó-rico e prático? - Tem tudo a ver com concreto e abstrato. Por quê? - Porque concreto, neste contexto, sig-nifica todo e qual-quer objeto material (sentido estrito) ou todo fenômeno pas-sível de ser captado ou percebido pelos sentidos (significado abrangente). Então, o concreto (com um e/ou outro significado) é sempre o ponto de partida ou elo inicial tanto na situação em que o processo do conheci-mento é começado da estaca-zero (questão do primeiro elo de conheci-mento da espécie humana e de cada criança) quanto na que concerne ao reinicio de cada ciclo desse processo (aperfeiçoamento, ampliação, aprofundamento, etc., do conhecimento), orientando-se necessária e permanentemente pelas dinâmicas evolutivas do geral para o particular e do simples para o complexo. Já é de Aristóteles a máxima, ainda não refutada ou modificada, de que "Nada existe na inteligência sem que an-tes tenha passado pelos sentidos" ("Nihi est in intellectu quod prius non fuerit in sensibus"). E o que passou-passa-passará pelos sentidos, em termos de primeiros elos introdutores da cadeia do conhecimento (no que respeita tanto à espécie humana quanto a cada criança individual-mente) foi-é-será o concreto entendido como objeto material. Por quê? - Porque na hierarquia dos objetos do conhecimento humano, o objeto-matéria é o mais simples (menos complexo) e mais atraente, em rela-ção aos demais fenômenos (idéias, conceitos, proposições, equações, etc.), para a captação (apreensão) dos sentidos: para serem captados pelos sentidos, idéias e conceitos precisam ser materializados através de símbolos/convenções/vibrações que os tornem sensoriáveis.

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Na realidade, os sentidos humanos (bem como os de todos os animais e, quiçá, dos vegetais) se chocam direta, contínua e acidental-mente (ou não) com um sem número de materialidades: tropeço na pedra, chute na bola, cisco no olho, espinho no dedo, onda sonora, bicho-de-pé, choque elétrico, água fria, ar quente, cheiro de suor, den-tada do cão e incontáveis outras. É importante frisar que o choque dos sentidos com o objeto-matéria (como mostram os exemplos) pode ser até acidental (não previsto, casual), mas uma vez acontecendo, funci-ona como o gesto de engatar a marcha do carro com o motor ligado (com o sistema nervoso/neuronal pronto para agir): dá início à cami-nhada do conhecimento. Nessa ótica, é lógico e legítimo pensar que o ser humano primitivo se defendesse dos animais mais perigosos (e mais poderosos) em grupo. Num determinado momento, pode ter acon-tecido de um feroz animal haver enfrentado, amedrontado e persegui-do o grupo todo. É possível, ainda, que, na fuga, um retardatário (sem-pre o mais fraco) tenha corrido pouco ou escorregado, ficando ao al-cance do bote do animal. Caído ao lado de um grande osso quebrado (pontiagudo) ou de uma vara de madei-ra lascada, funcio-nou o instinto de defesa (da auto-c o n s e r v a ç ã o ) : agarrou o osso ou a vara e vazou aci-dentalmente o cora-ção do animal que se atirou sobre ele.

Passado o susto, o seu cérebro e os demais colegas (tremenda-mente curiosos pelo fato de justamente o mais fraco ter abatido a fera) não só registraram (apreenderam) todo o ocorrido como também co-meçaram a questionar e a buscar respostas sobre os porquês da mor-te do animal naquelas circunstâncias. Moral da história? - Muito prova-velmente daí tenha surgido a lança, que, hoje e graças à evolução do conhecimento aí detonado, é nada mais nada menos que "exocet", "patriot", ogiva nuclear, canhão a laser, etc., etc.

Sobre concreto, como termo e ponto cardeal (isto é, estratégi-co) do processo de elaboração e dinamização do conhecimento, já se falou o suficiente para a sua compreensão básica. Mas, e sobre abs-trato: não se falou nada? - Em verdade, também sobre abstrato (mais precisamente abstração) falou-se o tempo todo já neste 1o passo. Ve-jamos porque:

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a) Sentidos etimoiógicos de abstrato e abstração. Originam-se do verbo latino abstrahere (abstrair) tanto na forma de particípio pas-sado (abstractum) como na de adjetivo (abstractus, a, um) e na de substantivo (o abstrato = abstractum). O próprio termo abstração tam-bém se origina de abstractio (latim), que toma o radical (abstract) do particípio passado (abstractum) do verbo abstrahere, cujos significa-dos próprios (inclusive empregados por Cícero), segundo Faria (1956), são: "levar puxando, arrancar, retirar". Isso, porque o verbo é formado de duas outras palavras latinas: a preposição a, ab ou abs significa, no caso, de (ponto de partida, de procedência, de origem ou separação) e

xar de ..., carregar de ..., arrancar de... e retirar de... . Portanto, o termo abstrato (não importa se particípio passado, adjetivo ou na for-ma substantivada) que dizer, etimologicamente, arrastado de ..., puxa-do de ..., carregado de ..., arrancado de ... e retirado de ... . E, da mes-ma forma, abstração expressa o processo ou a dinâmica pelo(a) qual e no(a) qual se produz o fenômeno de arrastamento de ... arrancamento de, etc. Pode representar, ainda, só o resultado ou o produto já arrasta-do de ..., arrancado de ..., retirado de ... . Daí a estreita relação etimológica entre abstração e extrato, ou seja, ora expressa o pro-cesso de extração e ora só o produto extraído. Isto, porque também extrato vem de extractum (seja como particípio passado ou adjetivo) do verbo extrahere formado de ex + trahere e em que ex ou e tam-bém é preposição de ... (indicativa de ponto de partida, origem ou pro-cedência como a, ab, ou abs). Assim é que abstração pode ser enten-dida ora como extrato (que consiste no produto tirado, arrancado, agar-rado, puxado, carregado ou retirado de alguma coisa) e ora como o próprio processo de extrair (tirar, arrancar, agarrar...) algo de alguma coisa.

trahere que é (em sentido próprio) "ar-rastar, puxar, carre-gar", conforme o di-c ionár io já cita-do. Em assim sen-do, pode-se con-cluir que abstrair (abstrahere) signi-f ica também, e com absoluta pro-priedade, arrastar de ... (de alguma coisa ou lugar), pu-

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b) Sentidos de abstração no processo de elaboração (formulação) do conhecimento humano. São exatamente os dois sentidos acima:

b.1 - Abstração é o processo pelo qual e no qual a mente (inteligência) apreende do (arrasta de ..., arrebata de ..., puxa de ..., retira de ..., arranca de ...) objeto em posição de ser conhecido (ob-jeto-matéria ou qualquer outro fenômeno), cujas propriedades se-jam materializadas através de símbolos, convenções ou expressões para efeito de captação dos sentidos abedecendo-se a dinâmica: das propriedades gerais para as particulares e das simples para as complexas.

b.2 - Abstração: percepção, imagem ou idéia ou discurso men-tal sobre as propriedades do objeto, apreendidas pela inteligência atra-vés dos sentidos ou, ainda, extrato mental das propriedades do objeto conhecido, apreendidas pela inteligência através dos sentidos.

No que concerne à SIMPLES APREENSÃO, estudada logo no início deste 1o passo, é bem nítida a abstração com o significado b,1, mesmo quando o processo de elaboração (formação) do conhecimen-to se encontra nessa fase inicial. Quanto ao significado b.2, começa a ser esboçado, em termos de percepção de imagem ou espectro, mas só se efetiva realmente a partir da formulação dos juízos, que veremos no segundo passo. É preciso ter em conta que abstração, entendida das duas maneiras, se aperfeiçoa, enriquece, amplia e aprofunda sem-pre, isto é no decorrer de cada ciclo (SiMPLES APREENSÃO + JUÍZO + RACiOC(NIO) bem como no transcurso de todo o processo de for-mulação e evolução do conhecimento, vez que a série seqüencial de ciclos sucessivos (SIMPLES APREENSÃO + JUÍZO + RACIOCÍNIO) se desenvolve também, e sempre, de acordo com as dinâmicas: do geral para o particular e do simples (ou mais simples) para o complexo (ou mais complexo).

Nos próximos passos, destinados ao entendimento do que são Juízo e Raciocínio, a questão dos ciclos no processo de evolução dinâ-mica do conhecimento será retomada.

4.1.2 SEGUNDO PASSO: O JUÍZO

Recapituiando: já se viu que o conhecimento começa (a partir de um elo inicial, seja coletivo em termos de espécie humana ou de ordem

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individual) pela fase mais simplificada do processo de abstração: a men-te (inteligência) arrebatando, apreendendo ou retirando do objeto (em posição de conhecimento) as suas propriedades (na dinâmica do mais geral para o mais específico, do mais sensível para o mais especulativo e/ou do mais simples para o mais complexo), sempre pela mediação dos sentidos (inclusive o chamado "sexto sentido"). É o que se denomi-na SIMPLES APREENSÃO: as percepções ou imagens das proprieda-des sacadas do objeto, pelos sentidos, são apenas ESTAMPADAS OU EXPOSTAS À MENTE, AINDASEM QUEAMENTE DELAS AFIRME OU NEGUE ALGUMA COISA. O EXTRATO (ou abstração entendida como resultado) dessa fase da abstração tratada como processo são somen-te os aspectos resultantes da estampação ou exposição das imagens ou percepções das propriedades apreendidas na mente. Feito isso, vem a segunda fase (sempre do processo de abstração ou formulação do conhecimento na mente humana), a seguir, a do JUÍZO.

Na fase do Juízo (segunda do processo), a inteligência se esfor-ça para identificar de quê são as percepções ou imagens apreendidas na primeira fase. E nesse esforço de identificação ela (inteligência) chega ao JUÍZO, que consiste exatamente"[...] na operação pela qual a inteligência pronuncia alguma coisa de outra (no caso das percepções ou imagens apreendidas), afirmando ou negando [...]" alguma coisa delas (BOYER, 1940, p. 97).

Exemplificando:

a) A criança nos primeiros meses após o nascimento, só vê vultos e mais nada. Depois de um certo tempo, esses vultos já começam a ser identificados como "bá... bá... bá" (está se iniciando a fase do juízo). Um pouco mais de tempo e cada "bá... bá... bá" dá lugar a uma determinada coisa identificada: "mamã (mamãe)... cao (carro)... miao (gato)...". É a fase em que ela (criança) começa a formular juízos ainda muito simplifi-

cados, mas efetiva-mente afirmando ou negando alguma coisa de cada ima-gem apreendida pe-los sentidos (e evi-dentemente pro-cessada pelo cére-bro), ou seja, cada vulto se refere a uma determinada coisa que a criança

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vai identificando pouco a pouco. Assim, no começo, só há silêncio intelectivo absoluto a respeito dos vultos e imagens que estão sendo permanentemente apreendidos pelos sentidos e processados pelo cé-rebro (só há manifestações sensitivo-instintivas de autodefesa: choro, arrepio, encolhimento, etc., que confirmam exatamente que os sentidos estão em contato com determinados objetos de apreensão, como ar, água, espinho na fralda, etc.); depois de alguns meses, os vultos ou ima-gens vão sendo progressivamente identificados ou revelados: primeiro em forma de esboço primitivo ("bá... bá... bá..."), evoluindo-se em segui-da para "mama, cao, miao", etc.

b) Exemplo mais ampliado e grosseiro é o de alguém que (sem óculos de grau) vê, a certa distância, apenas vultos e, em seguida e com uso de óculos, passa a caracterizar cada vulto como sendo de homem, mulher, criança, etc.

Colocando-me no lugar da criança e do deficiente visual mencio-nados, os juízos afirmativos que faço, a respeito dos vultos ou imagens apreendidas, são:

- "esta é mamã" ou esta é a imagem do objeto mamãe; - "este é cao" ou esta é a imagem do objeto carro; - "este é miao" ou esta é a imagem do objeto gato; - "este vulto é de homem" (ou este vulto é do objeto ho-

mem); - "este vulto é de mulher" (ou este vulto é do objeto mu-

lher).

Exemplos de juízos negativos, já mais complexos que os positi-vos acima: "este vulto não é de homem", "este vulto não é de mu-lher", etc., o que em verdade significa: "este vulto não é o de ho-mem", "este vulto não é o de mulher".

É exatamente nessa fase do processo de abstração ou formula-ção do conhecimento humano, a das afirmações e negações, que se inicia a aprendizagem propriamente dita, por ser o momento em que a mente começa a reagir sobre o objeto:

- na criança é a fase em que se repetem quase sempre as mes-mas perguntas "que é isso?" e respostas "isso é...", "isso não é";

- nos adolescentes, jovens e adultos, ocorre a mesma coisa, só que em velocidade e complexidade cada vez mais desafiadoras e acele-radas: os vultos e imagens são identificados como de alguma coisa (juízo positivo) ou como não de alguma coisa (juízo negativo).

É, ainda, a fase em que se inicia a elaboração da oração comple-ta (sujeito + verbo + predicado): "isto é algo, isto não é algo".

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Restam, ainda, duas questões a serem esclarecidas: uma com relação aos leques de juízos e outra sobre os tipos de memória, onde as percepções ou imagens e os juízos (isolados ou em leque) são ar-mazenados para as associações requeridas à formulação do RACIO-CÍNIO.

Sobre os leques de juízos para a formação do juízo global de um objeto como um todo.

A normalidade é a de que ninguém, mesmo a criança, apreenda só uma propriedade do objeto em situação de conhecimento (exemplo: só o formato geral). Apreende, sempre ou quase sempre, um conjunto ou le-que de propriedades de um mesmo objeto (formato, cor, espessura, quen-te, frio, etc.). A formação desse leque pode ser de duas maneiras:

- sucessivamente (uma propriedade é apreendida depois da outra, ao longo do tempo);

- simultaneamente (num mesmo ato de apreensão são capta-dos o formato, a cor, a espessura, a temperatura, etc., desse objeto).

Como já foi dito, a cada propriedade apreendida corresponde uma percepção (imagem ou vulto que é identificada na operação juízo (isto é algo ou isto não é algo). E, então, como é que se formam tanto a percepção (imagem ou vulto) quanto o juízo do objeto como um todo (mesmo que de modo extremamente genérico)? - Essa percepção (imagem ou vulto) se forma pela junção das percepções das proprie-dades apreendidas e o respectivo juízo também é obtido pela junção, em leque, dos juízos positivos ou negativos correspondentes à totalida-de (ou pelo menos parte significativa) das percepções (imagens ou vultos) existentes na mente.

Exemplo ilustrativo: experimente pegar uma caixinha que conte-nha peças de um quebra-cabeça sobre determinada figura que lhe é desconhecida. Como você identificará a figura? - Pegando peça por peça (apreenden-do-a), procurando descobrir o que cada peça repre-senta (em termos de imagem e juízo: se isto ou aquilo) e juntando uma à outra até se esboçar a figura em questão. Pode

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ser até que você não precise juntar todas as peças para descobrir a figura, mas é certo que não conseguirá apenas com a imagem apreen-dida e o juízo formulado a respeito da primeira (peça). Aqui está, por-tanto, também a base de toda a chamada metodologia indutiva. Esta e outras questões (como a da própria metodologia dedutiva) serão me-lhor explicitadas no terceiro passo ( o do RACIOCÍNIO).

Tipos de memória para armazenamento de percepções (imagens ou vultos), juízos (negativos ou positivos)

e de todas as informações ou fenômenos que ocorrem na formulação e dinamização do conhecimento humano.

Há pelo menos três tipos de memória: individual (pessoal), cole-tiva (histórica) e eletrônica artificial (a serviço tanto da individual como da coletiva).

a) A memória individual é aquele dinâmico "espaço" do cérebro que funciona como setor de arquivamento de informação, a exemplo do que ocorre numa central de processamento de dados, já que o cérebro é essa central em relação ao todo psicossomático do ser humano. Trata-se de um setor fun- . cional de arquiva- | mento com, pelo J menos, três níveis | ou dimensões de | operacionalização: |

- O nível consciente é o de maior disponibilida-de de operaciona-lização pelo cére-bro, onde se arqui-vam, definitivamen-te ou não, as infor-mações mais con-tundentes, mais significativas, me-lhor decodificadas, mais recentes, de uso imediato ou previsto, mais den-samente apreendi-das, etc.

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- O nível subconsciente, de média disponibilidade de operacio-nalização, para onde vão as informações semiprocessadas e/ou aque-las para as quais o cérebro não confere tanta importância e/ou ainda, aquelas que dão espaço às mais importantes que chegam permanen-temente à central de processamento.

- O nível inconsciente: de eventual e escassa disponibilidade de operacionalização, é uma espécie de "arquivo morto" (mas, enfatize-se, com certa e remota disponibilidade de operacionalização pelo cérebro). Para lá, vão inclusive dados brutos apreendidos pelos sentidos (até pelo "sexto") e sequer processados pelo cérebro. Por isso, se compara sempre a um vulcão latente: pode ficar adormecido

(esse nível) a vida toda, pode entrar em erupções leves (benéficas ou ma-léficas, na depen-dência dos tipos e natureza das infor-mações arquiva-das), como pode explodir até sem o controle da mente. A psicanálise freu-

diana nasceu em função dos sistemas de erupções desse vulcão.

Talvez até não constituísse exagero considerar a memória indivi-dual como uma grande área mnemônica integrada por este três princi-pais espaços de memória: consciente, subconsciente e inconsciente. E isso, sem falar no circuito pré-impresso, em DNA, de memória sensitivo-instintiva, a respeito do que não se propôs discorrer neste trabalho.

b) A memó- m mmm ria coletiva é a K ^ f n""""' "-«w que preserva a his- ^ fl v / / w t n w Pa*.

tória humana ( ^ j í / H t f M J como um todo e - < V^OVTRA*,* de cada coletivida- ( \ de em particular, \ no que se refere \ \ \ tanto ao aspecto evolutivo das cole-tividades quanto à sua criatividade e produção intelec-

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: vo-material ao longo de suas r= stências. Tam-cém essa memó-- a tem três di-mensões:

- a da tradi-ção: transmissão oral ou por proxi-midade de fatos e

- a docu-mental, em que fei-tos e fatos são es-critos ou codifica-dos em documen-tos (considerados em sentido tanto estrito como am-plo), multiplicados (em termos de policopiamento ou impressão) e colo-

cados à disposição das gerações presentes e futuras em bibliotecas e multiformes centros de documentação;

feitos de geração para geração e de povos para povos no decurso de séculos, predomi-nante onde e para quem a leitura e/ou a escrita foram ou são, ainda,

inacessíveis;

- a cultural: aquela pela qual o produto da operosidade de cada povo constitui testemunho e expressão da maneira comum de vida e da engenhosidade tanto do povo a que se refere como (direta ou indiretamen-te) de toda a espécie humana.

c) Memória eletrônica: criada pelo homem bem à semelhança de sua memória individual e em decorrência do desenvolvimento cien-tífico e tecnológico, a memória eletrônica se constitui de sofisticados espaços eletroeletrônicos destinados a dinâmicos armazenamentos de informações. Trata-se, portanto e em realidade, de mecanismo mnemônico subsidiário, dinamizador, ampliadore complementar tanto da memória individual quanto da coletiva.

Retornando às questões anteriores (apreensão de propriedades do objeto pelos sentidos, percepções ou imagens das propriedades

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expostas ou es-tampadas na men-te e juízos positi-vos ou negativos feitos a respeito das percepções estampadas), im-porta observar que a memória natu-ralmente arma-zenadora das in-formações delas decorrentes é a in-

dividual. Isto, porque é essa a memória direta e imediatamente integra-da à central de processamento da mente, o cérebro. Mesmo assim, entendeu-se oportuno apresentar uma visão geral também das memó-rias coletiva e eletrônica, visto que elas influem de maneira decisiva tanto no processo de formulação e aperfeiçoamento do raciocínio (ter-ceiro passo, a seguir), como na própria dinâmica evolutiva do conheci-mento humano em geral (item 4.2).

Recapitulando, para facilitar:

1o - A mente (inteligência) contata (via sentidos) o objeto. O cére-bro (sempre via sentidos) apreende neuro-sensorialmente os sinais correspondentes a cada propriedade do objeto, decodifica-os (ou seja, processa-os) obtendo a respectiva percepção ou imagem (ou, ainda, vulto) e a expõe (estampa) à mente: é o 1o grande passo, o da SIM-PLES APREENSÃO.

2o - A mente (inteligência), tendo a percepção (ou imagem ou vulto) de cada propriedade (apreendida pelos sentidos e processada pelo cérebro), reage sobre ela (percepção), fazendo afirmação(ões) ou negação (ões) a seu respeito, procurando identificá-la por compa-ração com informações já existentes na memória (esta percepção ou imagem é ou não é a percepção ou imagem de: grande, pequeno, espesso, mole, duro, vermelho e/ou preto, etc.). Somando ou fazen-do a junção dos juízos particulares, referentes à identificação de cada

4.1.3 TERCEIRO PASSO: O RACIOCÍNIO

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oropriedade, a mente chega a identificações também a respeito do objeto (que está sendo conhecido) como uma totalidade ("esta ima-gem, formada da junção das imagens de forma, cabelos, busto, etc., é a imagem de mulher grande; mulher bonita; mulher magra; etc."). Este é o segundo grande passo, o do JUÍZO.

3o - (Antecipando) - Combinando, associando e cruzando os uszos positivos e negativos, bem como buscando ampliar o leque de JÍZOS a respeito de propriedades apreendidas e armazenadas na me-

mória, mas ainda não ajuizadas, a inteligência dá o passo estratégico do RACIOCÍNIO: passa da junção de propriedades sobre imagem(ns), na área do juízo para a argumentação sobre essa(s) mesma(s) imagem(ns), que já é operação tipicamente de razão, por isso chama-da raciocínio. Exemplo: passa-se de juízos como "esta é a imagem de mulher", "esta é a imagem de mulher bonita", "esta é a imagem de mulher de cabelos longos", etc. (resultantes já da junção de imagens mais simples e particulares), para raciocínio ou argumentação deste tipo: "esta é a imagem de mulher bonita, porque tem cabelos longos, etc.". O RACIOCÍNIO-ARGUMENTO é, portanto, o terceiro e decisivo passo para a formulação do conhecimento humano.

A base da dinâmica do raciocínio já se encontra sumarizada aci-ma. O que parece oportuno registrar, ainda, são observações que complementam a compreensão da referida súmula, para efeito de am-pliação e aprofundamento da visão sobre essa fundamental operação para a formulação e evolução do conhecimento humano em geral e

científico em parti-cular.

Tão funda-mental é o raciocí-nio, que desde os filósofos gregos, sobretudo Aristóte-les no séc. IV a.C., se admite ser a racionalidade (isto é, o ato de racioci-nar) a principal (senão única) dife-

rença essencial que sobreleva o ser humano em relação aos outros animais pensantes.

Nessa ótica, e conforme a opinião deste ensaísta, o ser humano tem infra-estrutura potencial e factual para pensar reconhecendo e

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conhecendo, enquanto os outros animais, também com infra-estrutu-ra compatível à sua potencialidade, só pensam reconhecendo. Par-tindo da referência básica de que pensar é exercitar a inteligência, es-sas expressões significam:

- pensar reconhecendo é o exercício da inteligência limitado à identificação (reconhecimento) da imagem do objeto, em condições de ser conhecido, pela junção dos juízos a respeito das imagens de suas propriedades apreendidas;

- pensar reconhecendo e conhecendo quer dizer que a in-teligência se exercita de modo geométrica ou exponencialmente mais amplo e profundo: além da junção de imagens para a identificação ou reconhecimento do objeto (como se registrou acima), a inteligên-cia é capaz de relacionar, combinar, associar e cruzar essas ima-gens para saber (conhecer) não só o que elas são como também porquê são o que são ou o que representam e porquê representam o que representam.

Essa opinião parece estar bastante relacionada com a de Lewis (1968, p. 37):

O intelecto não é uma capacidade dada que existia previamente num estado latente; consiste em pensamentos que se formam e se modificam de acordo com os estímulos e necessidades da vida. As reações do animal são ditadas por seus instintos e hábitos, que, por sua vez, são funções de sua anatomia altamente modificada e especializada. As reações do homem são inteira-mente diferentes; ele toma de uma ferramenta apropriada e usa-a. Utilizan-do-se como se fora um novo ser, equipado com um novo órgão, ele manipula o mundo externo.

Aí está o raciocínio e é por aí que se começam a dinamicidade e o entendimento de fenômenos complexos da vida como educação, for-mação, liberdade e outros.

É por aí, ainda, que a inteligência humana foi e é capaz de entrar nos mundos intrincados e sutis: da relação entre causa e efeito, e vice-versa; das correlações entre causas e causas, efeitos e efeitos. É, ainda, pela dinâmica e eficiência desses correlacionamentos que a in-teligência humana detona e encadeia a evolução do conhecimento no sentido do conhecido para o desconhecido: a) por indução, isto é, a partir da identificação das propriedades de amostras, sensorialmente apreensíveis, infere, por generalização, a(s) propriedade(s) do todo a que pertencem as amostras, mesmo que o todo seja inatingível em todas as suas dimensões; b) por dedução, apl icando a(s) propriedade(s) generalizada(s) para o todo (conjunto) e cada uma de suas partes e subpartes (elementos e subelementos), mediante a úni-ca condição de que a parte ou subparte (o elemento ou subelemento)

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pertença efetiva-mente ao todo (conjunto) em enfoque. Exem-plos:

a) De racio-cínio indutivo: as amostras, cole-tadas em quinze sacos de soja es-t ra teg i camen te posicionados na carreta com quatrocentos sacos, são boas. Daí se infere, portanto, que toda a soja dos quatrocentos sacos da carreta é igualmente boa.

b) De raciocínio dedutivo: o agrônomo assegurou que todos os sacos de soja da carreta "A" contêm soja boa. Ora este saco de soja é da carreta "A". Logo, este saco de soja contém soja boa, de acordo com o agrônomo.

Parece importante observar que o raciocínio dedutivo foi o mais evidenciado na área científica desde a época grega antiga (princi-palmente a partir da lógica aristotélica) até o advento da chamada ciência positiva, após Gali leu-Gali lei, Francis Bacon, Kepler, Giordano Bruno e outros cientistas (ou teóricos da ciência) entre os séculos XVI e VXII d.C. Isso, por duas razões: de um lado, o ser humano se valia praticamente só de seus sentidos naturais para realizar as suas induções (observações, experimentos provocados e controlados, etc.) e, de outro, a ciência e a tecnologia pouquíssimo influenciavam pragmaticamente na vida individual e coletiva das pes-soas (ao contrário, eram rechaçadas). Embora essa situação de ênfase à dedução tenha ocorrido de fato, a história da ciência não indica (de maneira alguma) que a dedução tenha sido anterior à indução no processo de formulação e dinamização do conhecimen-to humano. Ao inverso, a indução (como já se viu anteriormente pe-los 1o e 2° passos) foi e é sempre o ponto de partida: por ela se chega a generalizações que (se consideradas seguras) são aplica-das, a seguir, por dedução.

O que se infere da história, na verdade, é que os sábios antigos, sobretudo gregos, tiveram que suprir as enormes limitações dos sen-tidos pelo esforço demonstrativo racional (induções hipotéticas) para buscarem respostas globais aos grandes e abrangentes temas cen-trais, da época, nas áreas de cosmologia, de metafísica ontológica,

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da ética natural, da física especulativa, da psicologia racional e da própria matemática. Utilizando-se das matemáticas já existentes, e por sinal bem desenvolvidas até o séc. IV a.C., conseguiram elaborar estratégias metodológicas rígidas de ampliação e checagem do tê-nue processo indutivo-sensorial, graças ao que se pôde produzir gran-des generalizações científicas: algumas efetivamente sólidas (princi-palmente na área da metafísica) e outras só equivocadamente res-paldadas, como o geocentrismo no campo da astronomia. Mas o que se ressalta é que a lógica racional exerceu o papel de complementação dos sentidos humanos na fase da ciência grega de forma análoga à função que os potentes aparatos eletrônicos o exercem na atualidade científica.

Hoje em dia, quando ainda rei-na certa mentali-dade de culto ao experimentalismo, já se recomeça a observar o empre-go sem pudor da "indução racional", como os estu-dos do astrofísico inglês Stephen

Hawcking, sobre a teoria dos buracos negros. Diz-se que através de fórmulas matemático-físicas ele deduziu.... Na realidade, não deduziu, mas inferiu que... (induziu, portanto).

A quem queira saber se a abstração (de que se falou atrás) continua na operação raciocínio, a reposta é totalmente positiva. Se os próprios atos de pensar reconhecendo e de pensar reconhecendo e conhecendo são a abstração entendida como processo, existem, então, diferentes graus de abstração, dependendo dos níveis de com-plexidade e perfeição em que ela se processa. Isso quer dizer apenas que a abstração enquanto raciocínio é mais complexa e muito mais aperfeiçoada que no seu estágio de juízo. No estágio de juízo, a abs-tração é, ainda, essencialmente identificadora, ao passo que, enquanto raciocínio, é substancialmente analítica (esta questão é tão impor-tante que mereceu destaque especial no item 4.1.4, a seguir). E no estágio, o da "simples apreensão" (que precede o do juízo)? Nesse estágio inicial, a abstração se limita à "extração" e "estampação" de espectros de propriedades do objeto, contátado pelos sentidos, na mente.

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4.1.4 ANÁLISE-SÍNTESE: MECANISMO MOTOR-REATOR DO RACIOCÍNIO

Já se frisou que, na operação raciocínio, a mente (inteligência) argumenta sobre as propriedades das imagens do objeto de conheci-mento, combinando, associando, cruzando e, evidentemente, interpre-tando imagens e outras informações sobre as propriedades apreendi-das desse objeto: "isto é, porque...".

Eis um outro conceito de análise ainda mais burilado (JOLIVET, 1967, p. 427) que o acima referido:

O pensamento humano não recebe o dado como um caos indiferenciado. Mediante operações de dissociação, decomposição e distinção, esforça-se constantemente por apreender os elementos da experiência, por compará-los entre si a fim de determinar suas relações de semelhança e a ordem sistemática que os une.

O conceito supra é claro, mas há um dado complementar impor-tante no sentido da compreensão de como a análise se desenvolve em termos operacionais. Trata-se, de fato, da explicitação de um destaque do referido conceito: "O pensamento humano [...] esforça-se constan-temente por apreender os elementos da experiência, por compará-los entre si [...]".

Não se deve interpretar que o "[...] esforça-se constantemente por apreender os elementos [...]" implica também a constante perma-nência do contato físico (via sentidos) da inteligência com o objeto do conhecimento, no caso a "experiência" sobre um fenômeno qualquer. Isto, porque a inteligência sempre se apóia nos sentidos, para acionar a partida do processo de formulação do conhecimento, mas não é es-crava deles, ou seja: dependendo das circunstâncias, a inteligência pode continuar a operar (apreender, ajuizar e argumentar) sobre as propriedades de um objeto qualquer, que esteja sendo conhecido (no caso a "experiência"), sem a contínua conexão física desse objeto com os sentidos.

É exatamente neste ponto que os tipos de memória, menciona-dos no item 4.1.2, exercem os seus papéis mais importantes, em ter-mos de operação do raciocínio. A partir de alguma(s) apreensão(ões) sensorial(ais) de um determinado objeto (quanto mais melhor), a inteli-gência chega a outras, tanto do próprio objeto quanto de outros, combi-nando-as, associando-as e/ou cruzando-as com as características de propriedades armazenadas na memória individual. De elementos co-

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nhecidos, a inteligência se lança para o desvendamento de elementos desconhecidos, por inferência indutiva ou por aplicação de generaliza-ções inferidas às partes do conjunto ou universo a que se referem. Nessa tarefa, a inteligência recorre, quando necessário ou oportuno, a informações armazenadas na memória coletiva, também se valendo muito, recentemente, da memória eletrônica.

do processo analí-tico não é apenas divergente: só se ca rac te r i zando como permanente dinamismo de dissociação, de-composição e dis-tinção. Em reali-dade, é um per-curso divergente/ convergente, aná-logo ao caso de

alguém que garimpa não só pelo prazer da garimpagem, mas, tam-bém, pelo interesse tanto de uma determinada produção como da pos-se do que produz.

O lado convergente ou produto do processo analítico, visado pela inteligência, é a síntese, isto é: na dinâmica do conhecimento, só se fazem dissociação, decomposição e distinção com o objetivo das con-seqüentes re-associação, recomposição e reconstituição. Em termos conceituais mais organizados e sistemáticos, a síntese, segundo Jolivet (1967, p. 427):

[...] consiste em reconstruir os todos a partir dos elementos, não somente em vista de apreender os objetos da experiência, previamente analisados e de-compostos, em sua unidade complexa e em sua multiplicidade orgânica, mas também para criar objetos novos. Todas as técnicas, todas as ciências e todas as artes são produtos desse poder sintético [...].

Análise e síntese são, pois, dinâmicas intercomplementares do próprio processo de formulação e evolução do conhecimento, que con-ferem à inteligência humana a prerrogativa de tornar-se projetiva. Projetiva não só em termos de presente e passado, mas até no sentido de reais antecipações de futuro. Não são apenas os filósofos e os planejadores que gozam do privilégio da inteligência projetiva. São:

- todos os pesquisadores/cientistas, que descobrem ou ampliam conhecimentos e que inventam o que nunca existiu antes;

É preciso ter em conta, ainda, que o percurso

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- os engenheiros que projetam uma estrada que jamais tinham visto;

- os arquitetos que confeccionam artisticamente a planta de uma casa exatamente para que seja diferente das já construídas;

- os químicos, físicos, especialistas em informática, etc., bem como centenas de milhares de pessoas comuns que descobrem, a cada minuto ou segundo, novidades na área da ciência, da tecnologia e da própria cotidianidade da vida: descobrem fenômenos acontecidos, acontecendo e por acontecer, como podem provocar o acontecimento de outros novos e variados.

Disso decorrem três hipóteses progressivamente intercomple-mentares:

a) os lastros e disponibilidades de informações nas memórias individual, coletiva e eletrônica configuram o potencial de desenvolvi-mento integral que uma pessoa, um grupo ou uma sociedade teve, tem ou pretende ter;

b) a capacidade e a habilidade de dinamização analítico-sintéti-ca, bem como a ampliação dos mencionados lastros, possibilitam que se projetem a dimensão e o grau de desenvolvimento que uma pessoa, um grupo ou uma sociedade teve, tem ou pretende ter;

c) os investimentos planejados na ampliação de lastros de me-mórias e na educação para a formação analítico-sintética constituem os pontos estratégicos de partida para a endogeneização e dinamização do desenvolvimento, em todas as dimensões e níveis, assim como no âmbito de pessoas individualizadas, de grupos constituídos e de socie-dades organizadas.

4.2

i t f l i i i

TENTATIVAS DE RECONSTITUIIÇÃO DA SEQÜÊNCIA CÍCLICA DO PROCESSO EXPANSIVO-EVOLUTIVO DO CONHECIMENTO

Esta matéria não apenas continua tudo o que foi tratado no item anterior (em todo o 4.1) como praticamente se limita ao dimen-sionamento funcional de conceitos/fenômenos aí abordados, para efei-to precípuo de entendimento conceituai, na linha do dinamismo expan-sivo e, simultaneamente, evolutivo do conhecimento.

O termo expansivo assume, aqui, o sentido mais amplo possível, ou seja, abrange também dimensões consideradas qualitativas como aperfeiçoamento, enriquecimento, aprofundamento, especialização e

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congêneres. Já evolutivo pode ser entendido como progressão ao lon-go do tempo, mas também com as características do seu emprego na área de matemática (progressão aritmética, progressão geométrica, pro-gressão exponencial e assim por diante). Com esta conotação matemá-tica, o termo evolução já abrange, de certa maneira, bastante espaço do próprio significado de expansão. Mesmo assim, preferiu-se acoplá-los para efeito de reforço e ênfase em relação ao que vem tratado a seguir.

Fala-se muito em: teórico, prático, abstrato, concreto, aplica-do, básico, funcional, etc., quando se refere principalmente ao co-nhecimento científico e à sua dimensão tecnológica. Nada haveria de especial nisso, não fossem a ênfase e a preferência principalmente

w pelo "prático" (ou até "funcional"), justamente porque não se sabe, com lógica e clareza, o que representam os outros no contexto

| do processo de for-f \ mulação e dinami-

I zação do conheci-_ mento e até no que — — ^ r r — — ss e | e s {êm a ver com

"" o próprio "prático" ou "funcional". Ilustram bem essa situação a celeuma que se tem es-tabelecido em termos da relação entre teoria e prática, sobretudo nos meios educacionais, bem como a limitação conceituai abordada no Tó-pico 3.

A elucidação dessa questão supõe as tentativas de reconstituição, tanto quanto possível sistemática, da seqüência cíclica de formulação e dinamização expansivo-evolutiva do conhecimento. No parecer des-te ensaísta, pode-se pelo menos tentar a reconstituição da referida se-qüência de duas maneiras:

PRIMEIRA TENTATIVA DE RECONSTITUIÇÃO

Esta tentativa flui de tudo o que foi abordado no item 4.1 e se configura assim:

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a) 1o ciclo: das primeiras e simples apreensões (obtidas atra-vés dos sentidos) passa-se ao ajuizamento (afirmações ou nega-ções a respeito das propriedades apreendidas) e (em seguida) se de-cola para o raciocícino argumentativo (sobre cada propriedade, bem como sobre os produtos delas resultantes, pelo processo análise-síntese).

b) 2o e demais ciclos (cujas sistemáticas se aplicam dinamica-mente, sempre no sentido do menos para o mais complexo ou significa-tivo, a todos os ciclos que se sucederem na seqüência): os resultados ou produtos do raciocínio argumentativo do 1o ciclo detonam a geração de novas apreensões (através dos sentidos ou pelo processo lógico de análise-síntese ou pela interação de ambos), que passam por ajuizamentos (mais complexos que os anteriores), que decolam para raciocínios argumentativos (mais amplos, profundos e sofisticados); e assim por diante.

SEGUNDA TENTATIVA DE RECONSTITUIÇÃO

Nesta reconstituição, os termos/fenômenos CONCRETUDE, ABSTRAÇÃO, TEORIA e PRÁTICA constituem os quatro pontos estra-tégicos (ou cardeais, como se referiu anteriormente) do processo de expansão evolutiva do conhecimento. De fato, esta reconstituição de ciclos não é essencialmente diferente da primeira. Antes, apenas a objetiva um pouco mais e sua correta compreensão não se realizará sem que se tenha entendido bem a primeira.

Para se passar à estruturação e ordenação dos ciclos, necessá-rio se faz definir bem o sentido dos termos estratégi-cos:

a) CONCRE-TUDE deriva de concreto, cujos dois sentidos mere-cem recordação: objeto material (sentido estrito) ou todo o fenômeno

4 2 2

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materializado e, portanto, passível de ser captado ou percebido pelos sentidos, inclusive o "sexto" (significado amplo).

Nesta reconstituição, concretude deve ser entendida como qual-quer realidade possível de ser conhecida (pressupondo-se sempre que nada entra na mente sem que antes se passe direta ou indiretamente, total ou parcialmente pelos sentidos).

b) ABSTRAÇÃO, também já analisada sob os dois ângulos (cfr. 4.1.1 b): processo pelo qual e no qual a mente (inteligência) apreende do objeto em posição de ser conhecido, via mediação dos sentidos, as suas propriedades; ou extrato mental das propriedades do objeto co-nhecido, apreendidas pela inteligência através dos sentidos.

Na reconstituição, abstração significará, simultaneamente, pro-cesso e extrato, ou seja, os dois sentidos devem ser levados em con-ta. E mais, observando atentamente o conceito de síntese, formulado por Jolivet (1967, p. 427), verificar-se-á: primeiro, que a síntese é o extrato ou produto do processo de abstração no nível do raciocínio; segundo, que a síntese, embora se constitua um extrato ou produto, é dinamicamente projetiva (e não estaticamente conclusiva), pois "[...] consiste em reconstruir os todos a partir dos elementos, não somente em vista de apreender os objetos da experiência, previamente analisa-dos [...], MAS TAMBÉM PARA CRIAR OBJETOS NOVOS" (o destaque em maiúsculas é nosso). Isso quer dizer, em outras palavras, que o ato de conhecer não é despretensioso a ponto de se contentar com o co-nhecimento das propriedades que se encontram na mira direta da inte-ligência. Ao contrário, é vitalmente pretensioso: no próprio processo de entendimento de uma determinada dimensão, a mente já começa a projetar o seu retorno interventivo ao objeto, para extrair (arrancar) dele o conhecimento de outras de suas propriedades. A mente, como a bom-ba d'água, "suga e projeta" o conhecimento. Ou, ainda, a conseqüência natural do ato de conhecer é a de programar, explícita ou implicitamen-

te, nova intervenção na realidade para: conhecê-la mais e melhor, modificá-la, solucioná-la, etc. Exemplo disso, um engenheiro civil não estuda anos a fio só para o gozo da abs-tração sobre o que é o objeto ponte ou qualquer ponte em

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particular. Estuda (abstrai) para, conhecendo o que é esse objeto ponte ou esta ponte em particular, tornar-se capaz de conceber e comandar a construção de outras pontes de alguma forma diferentes do objeto ponte ou daquela ponte que estudou (sob algum aspecto, nunca uma ponte será igual a outras).

Isso posto, convém retornar ao termo abstração, acrescentando-lhe mais uma 3a dimen-são: 1a, a de pro-cesso de puxar as propriedades do objeto; 2a, a de ex-trato ou síntese do conhecimento con-seguido pelo racio-cínio; e 3a, a de pro-jetar novas interven-ções no objeto.

Só que esta terceira dimensão, a de projeção interventiva, cons-tituirá a essência do que está sendo denominado TEORIA.

c) TEORIA é, portanto, a dimensão projetivo-interventiva da abs-tração humana na realidade ou concretude abstraída, objetivando sim-plesmente conhecê-la mais e melhor e/ou, ainda, alterá-la de alguma maneira.

Nesta dimensão projetivo-interventiva (a terceira da abstração como um todo), e em acordo sempre com a lógica do geral para o

particular e do sim-ples para o comple-xo, a mente se ocu-pa de questões como a de situar o que a atrai no obje-to, a de questionar sobre o quê e (e porquê) do objeto ou de parte dele lhe interessa ou con-vém, a de progra-mar (como, com

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quê, quando, onde, etc.) agir na proporção da intensidade do interesse ou conveniência, e assim por diante.

Tudo isso é feito de duas maneiras:

- naturalmente, em que pelos recursos lógicos da análise-sínte-se espontâneas a mente resolve os problemas;

- apoiadamente: a mente busca auxílios logísticos e instru-mentais externos ou até se ocupa da concepção e projeção de ins-trumentais subsidiários externos próprios, quando se depara com um certo grau de complexidade para a solução de seus problemas (daí porque a mente cria não só em relação ao que ela pretende alcançar, mas também no que respeita aos meios para conseguir o que intenciona).

Na área da formulação e dinamização do conhecimento, TEO-RIA pode, portanto, ser entendida como mapeamento ainda abstrato porém essencialmente projetivo da intervenção ou reintervenção da mente (inteligência) na concretude ou realidade que está sendo conhe-cida.

d) PRÁTICA é um termo que pode ser empregado tanto como substantivo (a prática) quanto como adjetivo: atividade prática (fem.), trabalho prático (masc.).

Enquanto substantivo (cfr. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1. ed., 9a impr., Rio: Nova Fronteira, sem data), prática é o"[...] ato ou efeito de praticar [...]", em que praticar tem o sentido de "[...] levar a efeito; fazer, realizar, co-meter ou executar [...]". Disso resulta que prática, como substantivo, é o ato ou efeito de fazer, realizar, cometer ou executar. Já o Dictionnaire Encyclopédique Pour Tous - Petit Larousse lllustré (Paris, Librairie Larousse, 1980) resgata sua etimologia grega "pratiké tekhné = ciência

prática", diferenci-ando-a de "theorie" entendida como "[...] conhecimento especulativo, ideal, independente de aplicações [...]". Daí por que a prática significa em fran-cês, e também em português,"[...] Exe-cução de um proje-

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to, de uma idéia; aplicação [...]", além de outros sentidos corriqueiros como "experiência", "habilidade", etc.

Prático, na condição de adjetivo e no contexto aqui enfocado, é, segundo o citado Petit Larousse,"[...] o que não fica só na teoria; o que é relativo à ação, à aplicação [...]".

No que se refere à segunda reconstituição dos ciclos de formula-ção e dinamização do conhecimento, um pouco à frente, a PRÁTICA decorre da TEORIA e significa: ato de aplicação ou execução de uma idéia de intervenção na concretude, projetada ou mapeada no âmbito da teoria.

Recapitulando, os sentidos dos termos estratégicos desta se-gunda reconstituição são:

a) CONCRE-TUDE: qualquer realidade possível de ser conhecida pela via direta ou in-direta, próxima ou remota dos sentidos ou, simplesmente, qualquer objeto ou fenômeno na forma que se permita ser conhecido pela inte-ligência humana.

b) ABSTRAÇÃO, aqui empregada com dois significados: primei-ro, de processo pelo qual e no qual a mente (inteligência) apreende da CONCRETUDE (objeto em posição de ser conhecido), via mediação dos sentidos, as suas propriedades; segundo, de extratos mentais: percepções/imagens/vultos apreendidos, afirmações ou negações ajui-zadas e sínteses obtidas ao nível do raciocínio.

c) TEORIA: dimensão projetivo-interventiva da abstração huma-na no sentido de conhecer mais e melhor a concretude (ou objeto de conhecimento) e/ou, ainda, de alterá-la de alguma maneira.

d) PRÁTICA: ato de aplicação ou execução de uma idéia de in-tervenção na CONCRETUDE, projetada ou mapeada no âmbito da TEORIA.

Agora, sim, fica simples encadear esta segunda reconstituição da seqüência de ciclos do processo de formulação expansivo-evolutiva do conhecimento:

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1o CICLO:

Da CONCRETUDE (C1), como 1o elo da cadeia, a mente pas-sa à ABSTRAÇÃO (pelas operações de apreensão, ajuizamento e raciocínio) das propriedades sacadas da realidade ou concretude; ain-da no âmbito da abstração, formula TEORIAS ou prospecção de ou-tras intervenções na realidade ou concretude, para alterá-la ei ou conhecê-la mais; por fim, a mente encerra o 1o ciclo pela PRÁTICA ou execução das prospecções teorizadas de in-tervenção (com seus recursos lógicos próprios e/ou com apoio logístico e instrumental externo) na dinâmica da CONCRETUDE (C2) também mais complexa, como na representação, em que:

2o CICLO:

(cuja sistemática também se aplica dinamicamente, sempre no sentido do menos para o mais complexo ou significativo, a todos os ciclos que se sucederem na seqüência): os resultados da inter-venção do ciclo anterior ampliam as possibilidades de a CONCRE-TUDE fornecer mais elementos a ABSTRAÇÕES mais complexas, que geram TEORIAS ou projetos mais elaborados de reintervenções na concretude, que são executados ou levados à PRÁTICA (sempre com os recursos lógicos próprios da mente e/ou com apoio logístico

e instrumental externo) na di-nâmica real idade da CON-CRETUDE; e assim por dian-te, formando a espiral do co-nhecimento que evolui de um ponto C1 da real idade ou concretude e se dinamiza ace-lerando: da somatória para a progressão aritmética, para a progressão geométrica, para a progressão exponencial, em termos de volume, qualidade e diversificação (formando no-vos ciclos).

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LIÇÕES PRAGMÁTICAS DO PROCESSO EXPANSIVO-EVOLUTIVO DE FORMULAÇÃO DO CONHECIMENTO

Incontáveis são as lições que podem ser tiradas de tudo o que se registrou neste Tópico, principalmente no item das duas tentativas de reconstituição do processo de formulação expansivo-evolutiva do co-nhecimento humano. Algumas são elencadas a seguir e outras pode-rão ser tiradas de acordo com a motivação e prioridade de interesses de cada leitor.

Dentre as lições que merecem destaque, sobressaem-se as:

RELATIVAS AO ÂMBITO GERAL DO PROCESSO

É pela riqueza e dinamicidade de nossa efetiva capacidade de conhecer, sempre mais e melhor, que descobrimos a riqueza e a dinamicidade de tudo o que nos cerca no mundo e em nossa própria vida. É pelo conhecer, no seu sentido mais abrangente e profundo, que se conquistam, se reconhecem e se experimentam fenômenos tão importantes como liberdade, autonomia, cooperação, equilíbrio so-cial, equilíbrio ecológico, doença, morte, nascimento, ciência, tecnologia, simplicidade, honestidade, hierarquia de valores e tudo o mais que nos atinge ou em que nós pisamos, no dia-a-dia e nos gran-de momentos, à espera de que o descubramos, o vivenciemos e o respeitemos, como no caso do imemorável achado da ínfima flor no minúscu-lo planeta do Pe-queno Príncipe de Saint-Exu-péry.

Dentre to-das as concre-

I 4.3.1

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tudes ou realidades possíveis de serem conhecidas pela mente, só o ser hu-mano é capaz de co-nhecer as demais no nível da complexida-de abordada nas duas reconstitui-ções. Dentre todas essas realidades, no entanto, aquelas que mais têm condições de serem conhecidas por vezes são exatamente as que po-dem se deixar conhecer menos. Nos reinos mineral e vegetal, todos os seres estão simplesmente aí, de certa maneira até desafiando no sentido de que sejam conhecidos e apreciados. Só no reino animal, guardião da capacidade de conhecer, é que as coisas mudam: esconde-esconde para os animais em geral e camuflagem para o ser humano inteligente. Daí porque promover justiça e reparar injustiça não é simples problema de inteligência, mas de inteligência não camuflada, que busca não apenas o conhecimento das realidades cognoscíveis, como também o desvendamento das verdades que elas são e indicam.

RELATIVAS À PROPALADA QUESTÃO TEORIA VERSUS PRÁTICA

No cotidiano, fala-se sobre teoria e prática como se esta fosse a mocinha e aquela a vilã do filme da vida. A verdade parece ser outra: a prática é a dimensão-ação da teoria que a fundamenta, a contextua e a projeta. A prática está para a teoria assim como a demarcação da terra indígena está para o respectivo mapeamento ou, ainda, como

a at iv idade de y fi edificar o prédio

A f) V w ^ j e s * a P a r a a c o r " I j p k respondente plan-

2. jM j j t . -T iW pN ta: se o mapea-jJ< v S f ^ w C v m e n t o f ° r falho,

% J\Q YÍLJkV ^ ^ b Í » - ^ - ^ ' falha será a de-V l ^ ^ V . j . f. ;< j y marcação: se a

. Planta for boa, boa V j K Í r % será a edificação.

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Pode ocorrer até teoria que projete a prática sem que esta se efetive. Mas jamais haverá verdadeira prática sem ser projetada ria te-oria. Teoria sem prática se limita a atividade meramente mental, por vezes constitui até excesso de compreensão e visão de determinadas coisas em relação às reais condições de efetivamente realizar tudo que se projeta fazer. Prática sem teoria é simplesmente praticismo, ativismo ou "jeitinho" infundado, imprevisto e inconseqüente. Só funcio-na por casualidade.

RELATIVAS À REALIDADE E IMPORTÂNCIA DA ABSTRAÇÃO

A abstração é preconceituosamente entendida e tida por muita gente (cfr. Tó-pico 3, que trata da limitação conceituai) como algo imaginá-rio, irreal, alienado, sonhador, sem base concreta, subjetivo, vago e assim por di-ante. Se assim fos-se, imaginário, ir-

Teoria não é imaginação e nem masturbação mental. É con-seqüência do processo "bumerangue" da mente humana, o do sem-pre pretensioso e dinâmico ato da compreensão-intervenção (ou sim-plesmente trabalho de ABSTRAÇÃO) da mente, que tem levado o

ser humano não só a conhecer e apro-veitar mais e melhor a realidade do mun-do e da vida, como também à doentia ambição de possuí-la, dominá-la e ma-nipulá-la a seu bel-prazer.

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real, etc., seria quem pensa dessa forma e nisso ignorantemente acredi-ta. Por quê? - Porque é pela abstração que a mente é capaz de saber o quê é um machado, uma faca, uma montanha, um átomo e tudo o mais, sem ter que enfiá-los fisicamente nos seus sentidos, no seu cérebro, na sua memória e nas suas operações de ajuizamento e análise-sínteses dos raciocínios quantitativa e qualitativamente complexos. Ou, ainda, é pela abstração que a inteligência capta-imaterializando, analisa e conhe-ce toda a realidade (inclusive a física), independentemente de suas di-mensões, seus tipos e suas naturezas.

Há profissionais, de variados tipos e calibres, que se vangloriam de serem "práticos" e abominarem abstrações e teorias. Dentre eles se encontram engenheiros, arquitetos, médicos, veterinários, econo-mistas, administradores, comunicadores e muitos outros. Esquecem-se, ou ainda não se deram conta, de que trabalham muito mais no campo da abstração que no da autêntica prática:

- engenheiros e arquitetos buscando conhecer as realidades da engenharia e da arquitetura e elaborando projetos e plantas (de inter-venção) para mestres, contramestres, pedreiros, serventes, etc., exe-cutarem em termos de prática;

- médicos e veterinários diagnosticando (isto é, buscando abstrair as relações efeitos/causas bem como outras correlações possíveis, a partir do quadro sintomático da doença), prognosticando (projetando o quadro medicamentai e outros cuidados compatíveis com o diagnóstico) e, por fim, receitando, operando ou vacinando (ou seja, só agora praticando o projeto prognosticado com base no diagnóstico);

-economistas, administradores, físicos, químicos, comunicadores, geólogos e a grande maioria dos profissionais de nível mais elevado, cuja lógica profissional exige: permanente e boa compreensão da res-pectiva realidade a ser trabalhada, projeção de atividades a serem reali-zadas e, nem sem-pre, a conseqüente prática do que foi projetado.

Até mesmo aqueles profissio-nais mais relaciona-dos com o campo da prática só a concre-tizam, de fato, se têm pelo menos o conhecimento empí-

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rico da teoria que a fundamenta, con-textua e projeta: que será, por exemplo, do pedreiro encar-regado da constru-ção de uma casa se não souber decifrar a sua planta?

RELATIVAS AO PROCESSO 4 3 4 ANÁLISE-SÍNTESE

Não há síntese sem análise, ou seja, o processo analítico do raci-ocínio também se desenvolve ao tipo da trajetória "bumerangue": vai decompondo, para se entender mais e melhor, e volta recompondo o que foi e está sendo entendido. Por isso, aquele lugar comum "comigo é tudo curto e grosso", do sujeito que "desenvolve" uma idéia num ou dois parágrafos, pode ser interpretado de duas maneiras: 1a - o sujeito já analisou previamente a idéia e, no texto, só se ocupa da síntese (cerne) da questão; ou 2a - o indivíduo é muito mais "curto e grosso" do que pensa: demonstra que efetivamente não sabe analisar e muito menos se expressar por escrito. Conta-se, neste sentido, que o famo-so pregador jesuíta, Pe. Antônio Vieira, certa vez fez um sermão, numa das igrejas de São Luiz - MA, tão longo que causou estranheza até a ele mesmo. Por isso, resolveu concluí-lo mais ou menos assim: des-culpem-me ter sido longo por não haver tido tempo de ser breve. Inde-pendentemente da autenticidade e fi-delidade histórica do acima mencio-nado, vale o ensinamento analí-tico.

Não há aná-lise sem síntese: se houvesse, se-ria a dispersão to-

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tal, a ida sem retor-no, como no caso do "mecânico pi-careta" que des-monta o carro, embaralha as pe-ças e as abandona à ferrugem. Isso não significa, por C - * — — -=-*= 1 — outro lado, que toda síntese precisa ser perfeita. Não existe, aliás, síntese perfeita. A síntese perfeita contrariaria a própria dinâmica do conhecimento. Exis-tem, portanto, sínteses: mais ou menos lógicas, mais ou menos su-perficiais, mais ou menos profundas, mais ou menos convincentes e assim por diante.

A ciência não é só uma extensão artificial da maneira natural de conhecer. É, na verdade, sua reprodução, só que aberta à participação de indivíduos, grupos e instituições, subsidiada por métodos, técnicas e instrumentais, que ampliam as condições humanas de conhecer com segurança, e desenvolvida em regime cumulativamente progressivo, de sorte que de fragmentos, conseguidos ao longo do tempo e por di-versas pessoas, se constróem degraus e alavancas que permitem ao ser humano penetrar, pouco a pouco e cada vez mais, nos meandros da constituição, organização e dinâmica dos fenômenos que integram esta enorme e inesgotável realidade chamada natureza. Se se prestar bem a atenção, ver-se-á que a metodologia geral da ciência, também globalmente falando, se desenvolve com a mesma lógica do processo natural de conhecer: da apreensão da realidade se inferem generaliza-ções que projetam hipóteses e caminhos para novas e mais comple-xas apreensões sobre o que são, para que servem e como se compor-tam os fenômenos da natureza. Em resumo: o conhecimento de como se conhece naturalmente leva, também e necessariamente, ao conhe-cimento de como se conhece cientificamente.

No que concerne à relação entre o processo natural do conheci-mento humano e o avanço científico, apenas um exemplo é suficiente para elucidar a questão. Em 1989, este ensaísta teve a oportunidade

4.3.5 RELATIVAS À CIÊNCIA E AO AVANÇO CIENTÍFICO

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de ouvir uma palestra da Profa. Dra. Ariadne M. B. Rizzoni Carvalho, da UNICAMP, sobre inteligência artificial na área computacional. Embora leigo na referida área, pôde captar o esboço geral de que a inteligência artificial só se efetivará quando se equipar algum computador, em ter-mos de hardwares e softwares, para desenvolver as operações de apre-ensão, juízo e raciocínio praticamente idênticas às da mente humana. Pelo entendido, parece que já se conseguiu significativo progresso em relação às duas primeiras operações, restando ainda o grande desafio no sentido de efetivamente levar o computador à realização de raciocí-nios analíticos complexos e inovadores.

RELATIVAS À COMPREENSÃO BÁSICA 4 ' 3 ' 6 DO QUE É PESQUISA

HBMI Logo no segundo parágrafo introdutório deste longo e denso Tó-

pico se fez a seguinte indagação:

[...] sabe-se até empiricamente que pesquisar é produzir no sentido de criar, recriar, redimensionar, digerir, metabolizar, etc.) conhecimento. Como, então, entender profundamente o que é pesquisa (pesquisar), sem antes, ou simul-taneamente, se buscar saber como o fenômeno do conhecimento se produz (processa) na dinâmica evolutiva da espécie humana e de cada um de nós em particular?

É possível que o leitor já tenha formulado a sua resposta à inda-gação. Mesmo assim, não é demais enfatizá-la. Como se registrou na lição relativa à ciência (4.3.5), e tendo em vista que o mecanismo dinamizador básico da ciência não é outro senão a pesquisa, fica rela-tivamente simples perceber que pesquisa é, do ponto de vista da com-preensão conceituai de sua essência básica, nada mais nada menos que recurso sistemático de geração, ampliação e redimen-cionamento de conhecimento que reproduz artificial ou provocadamente a metodologia natural de que a mente humana se vale para desenvolver o processo de formulação e dinamização do conhecimento. É pela pesquisa que a mente humana estende as suas condições de conhecer aos fenômenos que extrapolam os limites naturais de alcance dos seus sentidos e das suas facul-dades inatas de apreender, ajuizar e raciocinar de forma contínua e progressivamente expansivo-evolutiva.

A par dessa compreensão panorâmica da relação direta entre pesquisa e processo natural de conhecimento, uma correlação metodológica mais explícita pode ser detectada. Trata-se do fato de

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que a dinâmica metodológica da pesquisa, genericamente considera-da, envolve encadeamento de passos sucessivos análogos aos do pro-cesso natural de conhecer: 1o - coleta e processamento de informa-ções sobre as propriedades do objeto de pesquisa = "simples apreen-são"; 2° - configuração de performance dos resultados processados = "juízo"; 3o - análise interpretativa e argumentativa de compreensão das propriedades apreendidas através dos dados coletados, processados e configurados = "raciocínio".

Esses passos formam ciclos que se sucedem da mesma ma-neira que os da seqüência reconstituída no item 4.2.1. Sem demasiado esforço, cada leitor interessado poderá fazer a reconstituição da se-qüência de ciclos da pesquisa em torno, também, dos outros fenôme-nos-chaves (concretude, abstração, teoria, prática), utilizados para a segunda tentativa de reconstituição no item 4.2.2.

Cabe frisar, ainda, que a relação direta da pesquisa com o pro-cesso natural de conhecer se dá sempre, ou seja, ocorre mesmo nos casos em que a pesquisa não se destine à produção de conhecimento estritamente científico, como se iterou no Tópico 2 deste trabalho. Isto, porque a relação que se estabelece entre ambos se configura pela se-melhança, analogia ou até quase identidade de suas propriedades bá-sicas e não pela natureza de seus resultados, ou seja, embora de modo artificial ou provocado, a pesquisa reproduz o processo natural de pro-dução do conhecimento, não importando se categorizado como cientí-fico ou atinente a qualquer outra dimensão da vida.

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A PESQUISA NA CONCEPÇÃO CLÁSSICA USUAL

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Na concepção clássica, pesquisa sempre se relacionou com ciência, inclusive filosofia e, portanto, com o método científico. Daí a razão por que se estigmatizou a generalizada crença de que só se faz pesquisa científica para se produzir ciência e tecnologia em sentido estrito ou formal, como se acentuou no segundo Tópico atrás.

Em verdade, a pesquisa não só se relacionou com o método científico, mas sempre foi, e continua sendo, a própria alma ativa ou fator dinamizador tanto do método científico quanto da ciência que dele resulta. Por isso é que se inicia esta abordagem da pesquisa, na con-cepção clássica, exatamente pela decifração de seu espectro na conceituação do próprio método científico.

Segundo So- m^ÊÊÊBR lages (1964, p. 20-22), o encaminha-mento do método científico se desen-volve em torno de três eixos pilares: o do rigor, o da or-dem e o da pro-gressão. Alterando um pouco a se-qüência acima, a ordem se estabele-ce, nos passos do método científico, t y

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"[...] em oposição à fantasia que reinava outrora em muitos campos do pensamento. Tal ordem não exclui o tateio, de que as descobertas não prescindem, ao contrário do que dão a entender as exposições escola-res [...]". A progressão (o caráter progressivo do método científico ou, ainda, a lógica das crescentes aproximações sucessivas) acontece "[...] em contraste com a primeira ambição do pensamento, que é ir logo ao definitivo". Por último, embora se tratando do fator mais enfáti-co - o rigor -, que consiste no:

[...] encaminhamento do pensamento metodológico [...] sempre aproximativo [...] é uma disciplina que o pensamento, pouco a pouco, se impõe a si próprio, sob o influxo das matemáticas, cuja aplicação ao real introduziu a noção de medida num crescente número de domínios.

Em realidade, esses três eixos são as colunas que sustentam e orientam também a concepção clássica e usual de pesquisa, o que se explicitará em sucinto enfoque histórico, no enunciado de algumas de-finições ou conceituações de pesquisa e, em seguida, numa análise mais abrangente sobre esses eixos no contexto da pesquisa enquanto processo dinâmico.

BREVE ENFOQUE HISTÓRICO 5,1 SOBRE OS EIXOS CONCEITUAIS

DE PESQUISA

A ênfase no rigor e na ordem, quando se refere a método ou pesquisa científica, não é coisa só do positivismo científico comteano do séc. XIX e nem do experimentalismo do séc. XX. É tão antiga quanto a própria história da ciência. Segundo o citado Solages, "Não resta dú-vida que o primeiro esforço para matematizar a ciência é bem mais antigo, pois que remonta a Pitágoras", no séc. VI a.C., contrariamente aos que pretendem atribuir ao mecanicismo aflorado no séc. XVII, de Galileu-Galilei (1564-1642) a Pascal (1623-1662), a caracterização do aspecto quantitativo como o "[...] único que se presta a mensuração e permite, por conseguinte, estabelecer relações matemáticas entre as várias grandezas consideradas".

Vale ressaltar que a lógica aristotélica, enquanto também "[..,] teoria de pesquisa" na visão de Dewey (in: ABBAGNANO, 1982), foi buscar nas matemáticas, principalmente na doutrina pitagórica (THONNARD, 1976), os fundamentos de seu rigoroso ordenamento racional, tendo em vista que, à época, o trabalho da razão tinha que superar e ampliar as extremadas limitações dos sentidos para iteração

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e aprofundamento de contatos da mente inclusive com os objetos ma-teriais do conheci-mento. Daí a esma-gadora predomi-nância da dinâmica especulativa sobre os aspectos indu-tivo-experimentais, em todos os tipos de demonstração científica, até o sur-

gimento da mentalidade e dos instrumentos que permitiram a concep-ção e o ensaio dos primeiros passos da ciência positiva, por volta dos sécs. XVIA/XII, com os citados Galileu-Galilei e Pascal, Copérnico (1473-1543), Kepler (1571-1630), Francis Bacon (1561-1626), Giordano Bru-no (1548-1600), Descartes (1596-1650) e outros.

Em todo esse período inicial da história da ciência, do método científico e, conseqüentemente, da pesquisa científica, a configuração geral da demonstração científica era, aproximadamente, a seguinte: de poucos e limitados elementos indutivo-experimentais, obtidos através da capacidade natural dos sentidos, a mente tinha que multiplicar es-forços para inferir generalizações e aplicá-las dedutivamente com se-gurança, o que só se tornou possível com a razão suportada pela lógi-ca matemática, vez que não havia sequer lente óptica para estender a visão e muito menos amplificadores e outros instrumentais modernos de extensão e ampliação artificial das condições sensitivas do ser hu-mano.

Nesse contexto, evoluiu o saber clássico grego do séc. VII a.C. (a partir de quando se começa a ter registro histórico), com Thales de Mileto, até seu apogeu nos sécs. IV/III a.C., com a imortal tríade: Sócrates, Platão e Aristóteles. Foi assim que se processou o renascimento científico medieval, nos sécs. XII/XIII, do qual surgiu a instituição universitária, não só como legado histórico mas, e sobretu-do, como entidade perpetuadora dos constantes renascimentos da so-ciedade (pelo menos isso é o que ficou encravado na sua origem). Ainda foi no clima de absoluta predominância do esforço racional-indutivo na área de pesquisar e produzir ciência, porém já com certo apoio de instrumental rudimentar mas fundamental - como o astrolábio, a bús-sola, o quadrante e a balestilha -, que as áreas da engenharia da nave-

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' ' ^"^"-ss"- Com o ad-vento da ciência

positiva, cujo arcabouço teórico sistemático foi enciclopedicamente ensaiado por Francis Bacon no séc. XVII, em convívio com ilustres ci-entistas como Galileu-Galilei e outros já mencionados, a sociedade co-meçou a se interessar diretamente sobretudo pelos resultados da ci-ência, o que não só acarretou o desencadeamento da chamada revolu-ção industrial, na segunda metade do séc. XVIII, como também colo-cou a ciência numa M M In a l i posição de risco e comprometimen-to. Tanto isso é fato, que em pleno curso do séc. XIX surgia o fenômeno Marx (1818-1883) como expressão e resultado dos efei-tos da tecnologia científica na eco-nomia, na política e na própria concep-ção, organização e funcionamento da vida na empresa e na sociedade. A situação de risco e comprometi-mento da ciência, em todos os setores do planeta e da vida, talvez já tenha atingido o seu ápice na última década do séc. XX. Isto porque, a par dos extraordinários efeitos positivos da ciência e da tecnologia, a maioria das nações apostou de olhos tão fechados na ciência pragmá-tico-experimental que a própria convocação da Conferência Mundial so-bre o Meio-Ambiente, a ECO-RIO-92 como foi chamada pela impren-sa, constituiu testemunho universal do uso acrítico e inescrupuloso da

gação e da as-tronomia tiveram avanços tão signifi-cativos que o res-pectivo legado his-tórico se constituiu do próprio desve-lamento do conti-nente americano, no apagar das lu-zes do séc. XV.

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ciência e de seus efeitos tecnológicos não apenas nas condições da so-brevivência huma-na, como, inclusive, nas da permanên-cia de qualquer tipo de vida sobre a terra.

Esse apanha-do histórico permite entrever que toda a evolução científica e

tecnológica da humanidade vem se orientando pelos três eixos pilares do método científico apontados por Soiages: o rigor, a ordem e a pro-gressão. Mas há duas questões que merecem discussão mais aprofundada. A primeira se refere ao rigor, à ordem e à progressão concernentes à produção mas não ao emprego adequado de ciência e tecnologia (o que gerou a ECO-RIO-92, como se viu acima). Asegunda diz respeito ao rigor, à ordem e à progressão utilizados para caracte-rizações genéricas de ciência, método científico e, lógico, pesquisa ci-entífica, sem se dar conta ou se demonstrar que a própria pesquisa se desenvolve de maneira processual, de sorte que o rigor e ordem da fase inicial não têm a mesma configuração que os das demais e su-cessivas fases do processo (essa questão é retomada no item 5.3).

No que concerne especificamente ao método científico, abran-gendo evidentemente a pesquisa, destaca-se a questão, já abordada no Tópico 2, de que não se utiliza método científico (ou pesquisa cien-tífica) só para se produzir ciência e tecnologia "stricto sensu" (também isso será lembrado ou enfatizado praticamente em todo o curso deste ensaio).

Nas conceituações de pesquisa, a seguir, ver-se-á que o eixo da progressão só foi explicitado por Pierson, que lhe dedicou a (se-gunda) parte descritiva do conceito. Nos demais casos, esse eixo é

5.2 ALGUMAS CONCEITUAÇÕES USUAIS DE PESQUISA

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suposto, implícito ou subentendido. Já os eixos rigor e ordem apare-cem em todas as conceituações, embutidos nos termos ou expres-sões: a) "[...] minudentes e sistemáticos [...]"; b) "[...] controlada ou direta [..,]"; c)"[...] sistemática levada a efeito no mundo real"; d)"[...] emprego de processos científicos [...] os processos de pesquisa ci-entífica têm maior probabilidade [...]"; e)"[...] atividades realizadas de forma intencional e sistemática [...]"; f)"[...] inquérito ou exame cuida-doso [...]"; g)"[...] investigações controladas"; h)"[...] método científi-co de tomada de decisão [...]"; i)"[...] os passos formais [...] são uma sistematização [...]".

Isso observado, talvez seja de valia o contato direto com a íntegra de todas as conceituações de pesquisa, transcritas, a seguir, na se-qüência acima indicada:

a) Ado Novo Dicionário Aurélio:

"Investigação e estudo, minudentes e sistemáticos, com o fim de descobrir ou estabelecer fatos ou princípios relativos a um campo qual-quer do conhecimento".

b) Ade Dewey (in: ABBAGNANO, 1982):

[...] transformação controlada ou direta de uma s i tuação indeterminada em outra, que seja de-terminada, nas dis-tinções e relações que a consti tuem, de maneira a con-verter os elementos da situação originá-ria em uma totalida-de unificada.

c) A de Pier-son (1968, p. 329 e 60):

Investigação sistemática levada a efeito no mundo real (e não apenas no de idéias); na significação científica do conceito, sempre se orienta pelas teori-as anteriores e se esforça para relacionar com elas, logicamente, todas as novas descobertas, verificando assim a teoria anterior, modificando-a ou mostrando a necessidade de abandoná-la.

A pesquisa tem apenas um valor instrumental; sua finalidade não é eliminar as teorias e sim melhorá-las; é a de nos ajudar a conseguir um corpo de conhecimentos que tenham sido verificados, não apenas no mundo das idéias, mas também, e mais significativamente, no mundo das coisas.

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d) Ade Barbieri (1990, p. 56):

Por pesquisa se entende aqui o conjunto de atividades realizadas de forma intencional e sistemática para produzir novos conhecimentos.

e) Ade Gressler (1979, p. 16):

Pesquisa é um inquérito ou exame cuidadoso para descobrir novas informa-ções ou relações, ampliar e verificar o conhecimento existente.

É usual falar em pesquisa mencionando-a como simples coleta de dados. No entanto a pesquisa científica pode ser entendida como forma de observar, verificar e explanar fatos para os quais o homem necessita ampliar sua com-preensão, ou testar a compreensão que já possui a respeito dos mesmos.

[...] empregaremos o termo "pesquisa" para designar a classe geral de investigações con-troladas.

g) Ade Seiitiz et ai. (1965, p. 5):

O objetivo da pesquisa é descobrir respostas para perguntas, através do emprego de proces-sos científicos.

Tais processos foram criados para aumentar a probabilidade de que a informação obtida seja sig-nificativa para a pergunta proposta e, além disso, seja precisa e não-viesada. Certamente, não existe garantia de que qualquer empreendimento de pes-quisa apresente, na realidade, informação significativa, precisa e não-viesada. Mas os processos de pesquisa científica têm maior probabilidade de fazê-lo do que qualquer outro método conhecido pelo homem.

h) Ade Shamblin/Stevens Jr. (1979, p. 13), referente especifica-mente à pesquisa operacional:

A Pesquisa Operacional (P.O.) é um método científico de tomada de decisão e, neste contexto, remonta a Frederick W. Taylor, e a Gilbreths e Henry Gantt. Mas só por ocasião da Segunda Guerra Mundial o termo pesquisa operacional foi usado para descrever um método nascido de grupos interdisciplinares de cientistas que pretendiam resolver problemas estratégicos e táticos de ad-ministração militar. Após a guerra, este método espalhou-se pelas organiza-ções industriais e, com o advento dos computadores avançados, tornou-se um tipo de abordagem comum na solução de problemas organizacionais.

i)Ade Salvador (1970, p. 12-17), limitada à pesquisa bibliográfica:

[...] Há duas formas fundamentais de adquirir conhecimentos: a pesquisa da realidade ou pesquisa de campo e experimental, e o estudo da literatura ou pesquisa bib l iográf ica. A pesquisa bibl iográf ica é, pois, um estudo

f) Ade Ackoff (1975, p. 6):

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recapitulativo de revisão da literatura existente em biblioteca [...]. Os passos formais que sugerimos são uma sistematização do que, em essência, vem sendo praticado por pesquisadores experimentados. É que tais passos são indicados pela própria teoria da aprendizagem com base nos procedimentos espontaneamente adotados na resolução de problemas.

Importa ressaltar que todos os autores supracitados, inclusive aqueles em cujas conceituações sintéticas os eixos pilares rigor, or-dem e progressão menos aparecem, dedicam centenas de páginas exatamente para mostrarem e demonstrarem, minudentemente, como os mesmos se estruturam, interagem e dinamizam no encaminhamento teórico-operacional do processo de pesquisa.

5.3

Em tese, nada há de mais em se falar de rigor e ordem para o méto-do científico, para a pesquisa e para a própria ciência. Já se referiu ao fato de que ciência e tec-nologia são fenô-menos que impli-cam riscos e com-promissos: a par de suas metodologias (metá = além + odós = cami-nho + logía = estudo, pesquisa) se projetarem sempre para o desco-nhecido (o que está cada vez mais além..., do lado de lá..., depois...), seus resultados podem beneficiar, prejudicar ou até inviabilizara causa da vida e do equilíbrio natural do planeta que é nosso berço, nossa casa.

Por mais que se procure depurar a pesquisa do positivismo mecanicista, mesmo aqueles tipos ou modelos de pesquisa mais isen-tos (como os casos da pesquisa-ação e da pesquisa participante, pró-prias da área social) não há como prescindir do rigor e da ordem (or-denação), pois se caracterizariam como meras conveniências, sem fundamentação, análises e resultados sistemáticos.

DOSAGENS PARA RIGOR E ORDEM NO PROCESSO DE PESQUISA

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Há, por outro lado, uma questão extremamente gra-ve em relação à ên-fase no rigor e na ordem em matéria de pesquisa, méto-do científico e ciên-cia: a generalização indiscriminada des-ses fatores confere "status" ao pesqui-sador-cientista talvez até maior que o justo devido, mas amedronta os candidatos potenciais e mitifica os fenômenos tanto da pesquisa quan-to da ciência, como se comentou no Tópico 2 deste trabalho.

Essa questão se deve ao fato de se falar ou até escrever sobre pesquisa e ciência, principalmente nos meios educacionais, sem se ter em conta que ambas se desenvolvem em dinâmica de processo e não de monobloco. O próprio eixo progressão é indicativo dessa dinâmica. Retroagindo um pouco à citação de Solages (1964, p. 20) quando se referiu à ordem em "[,..] oposição à fantasia que reinava outrora em muitos campos do pensamento", salta aos olhos a seguinte ponderação: "Tal ordem não exclui o tateio, de que as descobertas não prescindem, ao contrário do que dão a entender as exposições escola-res [...]", o que é de certo modo partilhado por dois outros autores (DEMO, 1985, p. 23 e GOODE/HATT, 1979, p. 155):

- Demo: Pesquisa é a atividade científica peia qual descobrimos a realidade. Partimos do pressuposto de que a realidade não se desvenda na superfície. Não é o que apareça à primeira vista. Ademais, nossos esquemas explicativos nunca esgotam a realidade, porque esta é mais exuberante que aqueles.

- Goode/Hatt: A observação pode assumir várias formas e é, ao mesmo tem-po, a mais antiga e mais moderna das técnicas de pesquisa. Inclui as expe-riências mais casuais, não controladas, até os registros mais exatos por meio de filme na experimentação de laboratório.

Talvez seja ainda na linha da não exclusão do tateio referido por Solages que Pierson (1968, p. 82) distingue a pesquisa social em "[...] experimentações espontâneas" e "pesquisa formal propositadamente empreendida a fim de resolver problemas [...]". Diz o autor:

Experimentações espontâneas sempre se realizam por toda a parte (indús-tria, política, etc.): 1 - Cada uma destas se orienta por uma ou mais teorias, explícitas ou implícitas. 2 - Estas, porém, não se apresentam em forma de hipóteses. 3 - Nem são submetidas propositadamente a provas em relação à sua validade (especialmente no que se refere a "casos negativos).

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(Aí está a razão da ressalva, na definição à letra c do item 5.2: "[...] na significação científica do conceito [...], ou seja, o conceito lá transcrito se refere à "pesquisa formal" e não a "experimentações es-pontâneas").

Em termos mais explícitos, o que se quer dizer em relação a rigor e ordem em pesquisa é que:

a) a dinâmica da pesquisa é processual, ou seja, se desenvolve sempre por progressão ou aproximações sucessivas: do mais sensí-vel para o mais especulativo, do mais simples para o mais complexo e do mais geral para o mais particular (de acordo com a própria lógica natural do conhecimento humano, rememorando o Tópico 4);

b) em razão dis-so, a intensificação do rigor e da ordem é também progressiva: acontece na medida em que a evolução do próprio processo da pesquisa se dá nas di-reções supramencio-nadas, inclusive na do óbvio ou quase óbvio para o inédito;

c) assim, o grau de exigência em matéria de rigor e ordem pode começar relativamente brando, no início, para se tornar progressiva-mente cada vez mais vigoroso à medida que avança o processo da pesquisa;

d) assim, ainda, qualquer candidato pode começar do começo a se ingressar no mundo da pesquisa, com a calma e a certeza de que as exercitações, mesmo os ensaios-e-erros analisados, lhe pre-pararão teórica e operacionalmente para a produção da pesquisa, ao longo de alguns anos, com a pro-gressão de rigor e ordem proporci-onal aos seus inte-resses e dedica-ção.

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Ao invés de se instalar uma espécie de terrorismo psicológico em relação à pesquisa e à ciência, de um lado, ou de banalizá-las com caricaturas de compilações frustrantes, dever-se-ia estimular as crian-ças, os adolescentes, os jovens e os adultos a tentarem pesquisar, a partir de problemáticas simples ou até da busca de esclarecimentos científicos (relação causa e efeito e vice-versa) para a própria sabedo-ria popular, vivenciada diuturnamente e por vezes consolidada em pro-vérbios, pensamentos, hábitos e costumes típicos.

Não é só andar que se aprende andando. Pesquisar também se aprende pesquisando, desde que, ao contrário de se amedrontar, se motive para tal.

No contexto universitário, esse ponto de vista é ampliado no Tópi-co 9, que trata da universidade como viveiro de pesquisa.

5 . 4 TIPOS DE PESQUISA

Sem nenhum intuito enciclopédico, parece oportuno, vez que esta parte do trabalho se refere a uma visão abrangente da pesquisa na concepção clássica usual, que o leitor tenha acesso também a algu-mas classificações de tipos ou modelos de pesquisa ora em corrente circulação.

As classificações aqui apresentadas não foram selecionadas por-que melhores ou piores que outras de outros autores. São apenas pon-tos de referência para quem está começando, agora, a travar contato mais acirrado com o mundo da pesquisa. Em verdade, este assunto de classificação é G . extremamente po- ^ O f i / L g ^ % s

lêmico, tanto é que , . só aqui três pro- "õ lL jL . :

postas são apre- / t a l ^ ^ C T i G g a / j * sentadas. Espera- ^ H g E f e J W t s ^ ^ M ^ se até, e com tor- J f i g . f f i g v f f i ' ^ A A I j X z X ^ cida, que o tímido ' ~ ' principiante de hoje seja exatamente jHPj . , aquele que seieci- . J u ^ C S . ^ onará ou mesmo ,

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formulará, amanhã, propostas mais apropriadas que a de Isaac/Michael (1987), a de Demo (1985) e a da OCDE/Manual Frascati (apud BARBIERI, 1990). As duas primeiras se referem à pesquisa em geral e a última concerne especificamente a P&D ou "Pesquisa e Desenvolvi-mento Experimental".

Como o objetivo fundamental deste item é o de informar so-bre classificações de tipos e não o de exaurir o debate a respeito de sua configuração e legitimação teórico-operacional, estudos mais aprofundados poderão ser desenvolvidos pelos interessados a partir, quem sabe, das próprias fontes supracitadas. Em assim sendo, e limitando-se à transcrição ou tradução (no caso de Isaac/ Michael) do estritamente essencial, as classificações são as que se seguem:

a) Proposta de Isaac/Michael (1987, p. 43-55): De cada um dos nove tipos de pesquisa apontados pelos autores, só houve a preo-cupação de traduzir aquilo que permite a sua boa compreensão. Para cada tipo, outras referências complementares e de cunho mais operacional (como características e, por vezes, até su-gestão de roteiros programáticos) po-dem ser consulta-das diretamente no original. Com c in-tuito de garantir a qualidade da tradu-ção, foram solicita-dos os préstimos da Profa. Wanda Pires Nogueira, do-cente de Língua In-glesa do Departa-mento de Letras do Centro de Ciência Humanas e Sociais da UFMS, que gentilmente se dispôs a realizá-la. Esta tipologia é voltada mais para a área educacional.

a.1 - Pesquisa Histórica

Finalidade:

Reconstruir o passado sistemática e objetivamente colecionando, avaliando, verificando e sintetizando evidências para estabelecer fatos e chegar a con-clusões defensáveis, freqüentemente em relação a hipóteses particulares.

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Exemplos:

Um estudo das origens das práticas de agrupa-mento nas escolas pri-már ias nos Estados Unidos para compreen-der suas bases no pas-sado e relevância para o presente; testar a hi-pótese de que Francis Bacon foi o verdadeiro autor das "obras de William Shakespeare.

Descrever sistematicamente os fatos e características de uma dada popula-ção ou área de interesse, de maneira real e correta.

Exemplos:

1. Uma pesquisa de opinião para avaliar o status de pré-eleição das atitudes do eleitor em relação ao vínculo de eleição escolar.

2. Uma pesquisa comunitária para estabelecer as necessidades de um pro-grama educacional.

3. Um estudo e definição de todas as posições pessoais num centro de educação.

4.Um relatório dos resultados de escores de testes num distrito escolar,

a.3 - Pesquisa de Desenvolvimento

Finalidade:

Investigar padrões e seqüência de crescimento e/ou mudança como função de tempo.

Exemplos:

1. Estudos de cresci-mento longitudinal me-dindo di retamente a natureza e o índice de mudanças em uma amostra das mesmas crianças em diferentes estágios de desenvol-vimento.

2. Estudos de cresci-mento de grupos re-presentativos medindo indiretamente a nature-za e proporção destas

a.2 - Pesquisa Descritiva

Finalidade:

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mesmas mudanças e desenhando amostras de diferentes crianças repre-sentativas de níveis de idade.

3. Estudos de probabilidades destinados a estabelecer padrões de mudan-ça no passado a fim de predizer padrões ou condições futuras.

a.4 - Pesquisa de Estudo de Caso e de Campo

Finalidade:

Es tudar in tens iva-mente a experiência, o es tado atual e as interações ambientais de uma determinada unidade social: um in-divíduo, grupo, insti-tuição ou comunida-de.

Exemplos:

1. Os estudos de Piaget do desenvolvi-

2. Estudo em profundidade de um aluno com dificuldade de aprendizagem por um psicólogo ou de um estudante, em período probatório, por um assis-tente social.

3. Estudo intensivo da cultura da cidade do interior e da condições de vida em ambiente de uma grande metrópole.

4. Estudo de campo exaustivo da vida cultural numa distante reserva indígena no Sudoeste.

a.5 - Pesquisa Correlata

Finalidade:

Investigar a extensão em que variações de fator correspondem com varia-ções em um ou mais fatores baseados em coeficientes de correlação.

Exemplos:

1. Um estudo investigando a relação entre a média como sendo o critério variável e um número de outras variáveis de interesse.

2. Estudo de um fator analítico de vários testes de personalidade.

3. Estudo para prever o sucesso em escola de graduação baseado na intercorrelação de padrões para variáveis de não-graduados.

a.6 - Pesquisa Comparativo-Casual Finalidade:

Investigar pos-síveis relações de causa-efeito, observando-se alguma con-seqüência existente e buscando pesquisar nos dados obtidos plausíveis fatores causais. Isto contrasta com o método experimental que coleta seus dados sob condições controladas no presente.

mento cognitivo das crianças.

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Exemplos:

1. Identif icar fatores que caracterizam pes-soas com altos e bai-xos índices de aciden-tes, util izando dados dos registros das com-panhias de seguro.

2.Determinar os atribu-tos de professores efe-tivos como definidos, por exemplo, pela ava-liação de seu desem-penho e outros dados dos arquivos pesso-ais. Documentos de

professores durante os dez últimos anos são então examinados, comparan-do-se estes dados à quantidade de freqüência escolar ou a cada um dos diversos outros fatores.

3. Buscar padrões de comportamento e conclusão associados a diferenças de idade na época da entrada na escola, usando dados descritivos de com-portamento e escores de testes nos registros cumulativos de alunos atual-mente no 6° grau.

a.7 - Verdadeira Pesquisa Experimental

Investigar as possíveis relações de causa-e-efeito expondo um ou mais grupos experimentais a uma ou mais condições de tratamento e comparar os resultados a um ou mais grupos de controle que não recebam o trata-mento.

Exemplos:

1. Investigar os efeitos de dois métodos de ensino de um programa de histó-ria do 12° grau como função de tamanho de classe (grande e pequena) e de níveis de inteligência do estudante (alto, médio, baixo), usando a determina-ção, ao acaso, de professores e alunos por nível de inteligência do método e tamanho da classe.

2. Investigar os efeitos de um novo programa de prevenção ao abu-so de drogas nas atitu-des de aluno de 3o ano ginasial, usando gru-pos experimentais e de controle que estejam ou não expostos ao programa, respectiva-mente, e usando um plano de pré-teste/pós-teste no qual apenas a metade dos estudan-

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tes receba ao acaso o pré-teste para determi-nar o quanto uma mu-dança de atitude pode ser atribuída ao pré-teste ou ao programa educacional.

3. Investigar os efeitos dos dois métodos de avaliação do aluno no desempenho de crian-ças em 23 escolas ele-mentares de um dado

distrito de subúrbio. Neste estudo N seria o número de salas de aula, em vez de crianças, e o método seria determinado por técnicas estratíficadas ao acaso de forma que houvesse uma distribuição equilibrada dos dois méto-dos às salas de aula em diferentes níveis escolares e diferentes localiza-ções sócio-econômicas de escolas.

a.8 - Pesquisa Quasi-Experimental

Finalidade:

Aproximar as condições do verdadeiro experimento num cenário que não permita controle e/ou manipulação de todas as variáveis relevantes. O pes-quisador deve compreender claramente quais compromissos existem na validade interna e externa de seu projeto e proceder dentro destas limita-ções.

Exemplos:

1. Investigar os efeitos da prática espaçada versus prática concentrada em memorizar listas de vocabulário em quatro cursos de língua estrangeira, em cursos ginasiais, sem ser capaz de determinar que os estudantes recebam tratamento ao acaso ou de supervisionar bem de perto seus períodos de prática.

2. Avaliar a eficácia de três métodos para ensinar princípios e conceitos bási-cos de economia a cri-anças de um curso pri-mário, quando alguns dos professores inad-vert idamente tiveram permissão de optar por um dos métodos devido à impressão causada pela aparên-cia dos materiais.

3. Pesquisa educacio-nal envolvendo plano de pré-teste e pós-tes-te em que variáveis tais como maturidade, efei-tos do testar, regres-

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são estatística, desgaste seletivo e estímulo da novidade ou adaptação são inevitáveis ou desconsideradas.

4. A maioria dos estudos de problemas sociais de delinqüência, tumultos, vício de fumar ou casos de doença cardíaca, em que o controle e a manipula-ção não são sempre possíveis.

a.9 - Pesquisa-Ação

Finalidade:

Desenvolver novas habilidades ou novos métodos bem como resolver pro-blemas com aplicação direta à sala de aula ou ao ambiente de trabalho.

Exemplos: Um programa de treinamento interno para auxiliar e treinar pesso-as para trabalharem com mais eficácia com crianças de grupos minoritários; desenvolver um programa exploratório na prevenção de acidentes num curso de educação para motoristas; para solucionar o problema da apatia em aula de orientação em determinado curso secundário; testar um novo método para interessar mais estudantes na escolha de cursos relacionados com a educação.

Características:

1. Prática e diretamente relevante a uma situação real no mundo do trabalho. O objeto desta pesquisa são estudantes, funcionários da escola e outros com os quais você esteja primordialmente envolvido.

2. Fornece uma estrutura ordenada, para a solução de problemas e novos desenvolvimentos, que é superior ao método impressionista e fragmentário que costumeiramente caracteriza os desfechos na educação. É também empírico no sentido de que se baseia em observações reais e dados de comportamento e não recai sobre 'estudos' de comitês subjetivos ou opini-ões de pessoas baseadas em suas experiências passadas.

3. Flexível e adaptável, permite mudanças durante o período de experimenta-ção, sacrificando o controle em favor da reação, experimentação e inovação imediata.

4. Enquanto tenta ser sistemática, a pesquisa-ação ressente-se da falta de rigor científico, porque sua validade interna e externa é fraca [...]. Seu objetivo

é s i tuacional , sua amostragem é restrita e não representativa e tem pouco controle so-bre as variáveis inde-pendentes.

Por esta razão, as des-cobertas, ainda que úteis dentro das di-mensões práticas da situação, não contri-buem d i re tamente para o corpo geral do conhecimento educa-cional.

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b) Propos- ta de Demo (1985, p. 23-28), em termos gerais de pesquisa:

b.1 - Pesquisa teóri-ca: aquela que monta e desvenda quadros teóri-cos de referência. Não existe pesquisa pura-mente teórica, porque já seria mera especulação. Mera especulação é a re-flexão aérea subjetiva, à

revelia da realidade, algo que um colega cientista não poderia refazer ou controlar.

b.2 - Pesquisa metodológica: não se refere diretamente à realidade, mas aos instrumentos de captação e manipulação dela. Para muitos será estranho imaginar uma pesquisa metodológica, porque não é usual colocar as coisas assim. Cremos, no entanto, que é fundamental estabelecer a im-portância da construção metodológica, porque não há amadurecimento cien-tífico sem amadurecimento metodológico.

b.3 - Pesquisa empírica: aquela voltada sobretudo para a fase experi-mental e observável dos fenômenos. É aquela que manipula dados, fatos concretos. Procura traduzir os resultados em dimensões mensuráveis. Ten-de a ser quantitativa, na medida do possível.

O grande valor da pesquisa empírica é o de trazer a teoria para a realidade concreta. Foi muitas vezes abusada, e não há metodologia mais superficial e medíocre que o empirismo, porque crédulo. Acredita na realidade que observa. Ora, as coisas mais relevantes da realidade não se manifestam à primeira vista e sempre há dimensões refratárias à mensuração. Se levarmos em conta somente o mensurável, ficaremos com o superficial. Mas, se soubermos usar, a dedicação empírica chega a ser um remédio para as ciências sociais.

b.4 - Pesquisa prática: [...] é aquela que se faz através do teste prático de possíveis idéias ou posi-ções teóricas. Certamen-te é uma função da práti-ca testar se a teoria é fan-tasia, especulação ou se é real.

Todavia, a prática tem a função mais essencial de representar o lado políti-co das ciências sociais. Aí, a própria omissão é uma prática, porquanto há de significar o favorecimento da situação vigente.

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Seja qual for a dimensão visualizada, a prática também é uma forma de desco-brir a realidade. Aparece muitas vezes em pessoas que somente sabem pela prática, já que nunca pararam para teorizar, ou sequer saberiam fazer isto de forma explícita. No cientista social é a ocasião de descortinar horizontes que não tinham sido percebidos na teoria ou mesmo surpresas à revelia da teoria.

c) Proposta da OCDE/Manual Frascati (in: BARBIERI, 1990: 57-58), também em termos gerais de pesquisa:

C. 1 - Pesquisa básica: [...] é o trabalho teórico ou experimental empreen-dido primordialmente para a aquisição de uma nova compreensão dos fun-damentos subjacentes aos fenômenos e fatos observáveis, sem ter em vista nenhum uso ou aplicação específicos.

C.2 - Pesquisa aplicada: [.,.] é também investigação original concebida pelo interesse em adquirir novos conhecimentos. É, entretanto, primordial-mente dirigida em função de um fim ou objetivo prático ou específico.

c.3 - Desenvolvimento experimental: [...] é o trabalho sistemático, deli-neado a partir do conhecimento preexistente, obtido através de pesquisa e/ ou experiência prática, e aplicado na produção de novos materiais, produtos e aparelhagens, no estabelecimento de novos processos, sistemas e servi-ços, e ainda no substancial aperfeiçoamento dos já produzidos ou estabele-cidos.

Dois tipos de pesquisa, usualmente muito mencionados, não fo-ram contemplados em nenhuma das propostas acima: bibliográfica e participante.

Quanto á pesquisa bibliográfica, duas observações podem ser feitas: primeira, já se encontra conceituada no item 5.2, letra i; segun-da, a pesquisa inteiramente bibliográfica só existe, conforme indica a conceituação, quando toda ela consiste em"[,..] um estudo recapitulativo de revisão da literatura existente em biblioteca", mas ocorre, no entan-

to, que constitui parte de qualquer outro tipo de pes-quisa, sob a deno-minação "revisão de literatura" ou "re-visão bibliográfica" ou, ainda, "revisão documentai", vez que a identificação do que já se fez ou produziu em rela-ção a qualquer ob-jeto de pesquisa re-quer esse tipo de

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"revisão" (e isso sem falar no indispensável subsídio que a área docu-mental-bibliográfica presta ao desenvolvimento de análises-sínteses no decorrer de qualquer pesquisa).

No que respeita à pesquisa participante, muitíssimo citada no âmbito das ciências sociais, é melhor que a palavra seja dada a Le Boterf (apud BRANDÃO, 1985, p. 51-52):

Em uma pesquisa tradicional a população pesquisada é considerada passi-va, enquanto simples reservatório de informações, incapaz de analisar a sua própria situação e de procurar soluções para seus problemas. Nesse caso, a pesquisa fica exclusivamente a cargo de "especialistas" (sociólogos, eco-nomistas, etc.), pois somente estes possuiriam a capacidade de formular os problemas e de encontrar formas de resolver. Desse modo, os resultados da pesquisa ficam reservados aos pesquisadores, e a população não é levada a conhecer tais resultados e menos ainda a discuti-los.

Essas várias características explicam a pouca eficácia que podem alcançar as medidas decididas a partir de tais pesquisas. De fato, essas medidas deparam com a resistência da população, que não faz questão de se engajar num projeto em cuja elaboração ela não teve a possibilidade de participar.

Considerando as limitações da pesquisa tradicional, a pesquisa participante vai, ao contrário, procurar auxiliar a população envolvida a identificar por si mesma os seus problemas, a realizar a análise crítica destes e a buscar as soluções adequadas. Deste modo, a seleção dos problemas a serem estu-dados emerge da população envolvida, que os discute com especialistas apropriados, não emergindo apenas de simples decisão dos pesquisado-res.

Uma outra denominação que aparece com certa freqüência é "pesquisa exploratória". Em verdade, o próprio termo "exploratório" já dá a idéia do que consiste essa "pesquisa": procedimento de lei-tura, consultas, enquetes, etc., prévios e necessários à delimitação de temas, à formulação de hipóteses fundamentadas (com forte pro-babilidade de serem demonstradas), à seleção de recursos e ins-trumentos para os procedimentos de-monst ra t ivos de hipóteses e assim por d iante. Nos meios acadêmi-cos, em que a mai-oria das pesquisas não envolve riscos e compromissos maiores (ou seja, são apenas "exp lora tór ias" ) ,

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chega a ser admitido que uma hipótese pode ou não ser comprova-da, Mas em circunstâncias em que os riscos, os custos e os com-promissos são elevados, por vezes vitais, não se elabora hipótese com apenas 50% de chance de demonstração confirmativa; requer-se, em condições normais, mais do que isso: pelo menos forte pro-babilidade de demonstração confirmativa. Isso é observado inclusi-ve nos contratos de risco; imaginem só se uma empresa se dispõe a investir milhões de dólares na prospecção de petróleo, numa área, não se respaldar na forte probabilidade de que o mesmo exista ou, ainda, de que seja possível a sua exploração (seria burrice total ou "roleta russa" irresponsável). Imaginem, também, se alguém se pro-põe a arcar com todos os ônus da prospecção mineral de uma área, sem, antes, ter buscado, de alguma maneira informações sobre a sua configuração geológica que sinalizem no sentido da forte proba-bilidade do minério desejado ou de outra forma de resultados com-pensatórios.

Por aí se enten-de bem tanto a fun-ção quanto a impor-tância da "pesquisa exploratória" num de-terminado processo de pesquisa ou até de compra e venda de qualquer coisa de certo valor.

Para encerrar este item sobre tipos de pesquisa, regis-tra-se a posição ge-ral que este ensaísta tem assumido junto aos principiantes em matéria conceituai de ciência e tecnologia. Trata-se apenas de uma tentat iva de esquematização di-dática da variada e quase interminável lista de denomina-ções de pesquisa

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("básica", "aplicada", "teórica", formal", "abstrata", "experimental", "factual", "empírica", "pura", "fenomenológica", etc., etc.).

Do ponto de vista geral e didático, parece que as coisas podem começar, de maneira bem mais simplificada, pela identificação, em todo o universo da pesquisa, de apenas duas grandes categorias: a das pesquisas abstratas e a das pesquisas experimentais.

Essas duas categorias se configuram peia natureza das pesqui-sas:

- abstratas (especulativas, teóricas e/ou formais) são aquelas pesquisas cuja natureza não permite a manipulação ou o contato sen-sorial, direto ou indireto, do pesquisador com o objeto pesquisado;

- experimentais são aquelas cuja natureza permite a manipula-ção ou o contato sensorial supramencionado.

Mas ambas as categorias se desdobram em aplicadas (utilitári-as, funcionais, etc.) e básicas (por ve-zes ditas puras) em razão da previ-são de emprego ou

não emprego de suas metodologias e/ou resultados, quando da pro-gramação e realização das mesmas.

Pelo preconceito apriorístico que se tem contra "abstrato", quem não leu o Tópico 4 deste trabalho pode ter levado um susto quando se deparou com a seqüência: pesquisas abstratas aplicadas. Para se acalmar, basta lembrar-se de que há pesquisas abstratas, extrema-mente comuns nas áreas da Matemática e da Física (para não "ape-lar" às das áreas da Filosofia, da Psicologia, etc.), que são aplicadas sem trégua nos programas nucleares, espaciais, de revolução informática e em inúmeros outros setores da vida. Não há, portanto, porque se assustar, basta saber o que é efetivamente abstrato ou abstração.

Isso posto, fica fácil entender, também, que há pesquisas experi-mentais básicas, ou seja, para as quais não se prevê nenhuma finali-dade pragmática ao longo pelo menos de sua concepção programática, visto que a pesquisa se torna aplicada (mesmo se iniciando como bá-sica) exatamente no momento em que se lhe descobre e destina um objetivo ou papel pragmático.

f básicas abstratas

apieadas

Pesquisa S básicas

©ípôfimanteía apficâãas

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Ademais, esse tipo de esquematização didática não contrariaria as classificações já referidas e outras existentes, bem como as que ainda vierem a ser propostas. Apenas as agrupa, resgatando o real sentido de abstrato, para efeito de mais rápida e melhor visão geral do conjunto.

Conversemos diretamente agora. Se você está lendo isto, é por-que não está tão indeciso assim. Você está procurando algum apoio para se decidir de vez ou para ajudar um colega ou amigo a transpor o muro da indecisão.

Pois bem, são quatro as recomendações: arrisque-se, exerci-te-se, programe-se e nunca pare de produzir.

ARRiSQUE-SE

Deixe de lado aquela conversa de que "eu não sou capaz", "eu sou da roça", "eu fiz curso noturno", "eu trabalho pra viver", "isto é muito complicado", "eu invejo quem sabe", "...se eu tivesse recursos...", "...um dia, quem sabe...", e todas as outras "justificativas" que você acaba de lembrar.

za que você respira, aspira, toca, vê, pisa, come, compra, faz, omite, discute, respeita, teme, aceita, rejeita, reivindica, conhece, desconhe-ce, tem vontade de conhecer, gostaria de realizar, gostaria que outros realizassem; b) de tudo o que está aqui (em você), os seus sentidos, o seu sistema neuronal, o seu rico cérebro, a sua inteligência potencial-mente ilimitada, a sua memória disponível, a sua capacidade de querer alguma coisa, a possibilidade de você se exercitar para realizar muito do que pretende, os problemas até de sobrevivência que você tem que

DICAS AOS INDECISOS

Para você, para todos nós, a entrada e a caminhada no mun-do da pesquisa e da ciência só dependem de duas coisas: a) de tudo o que está aí, acontecendo no infini-to universo da nature-

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resolver, o apoio de alguém com quem você convive, a po-bre biblioteca mas à sua disposição, a sua própria existên-cia dependente de outras que também dela dependem.

Essa cami-nhada tem ou terá um começo, mas os seus meios e fim só dependerão de você. Tire da cabeça essa estória de que você não faz porque os outros não deixam. Se o problema é o da falta de tempo e recursos, "pesquise" para conquistá-los com criatividade, dig-nidade e contribuindo para sua realização, para o bem de todos e de-senvolvimento da nação.

Não pense que você deve partir de onde estão as celebridades científicas. Elas estão aqui, hoje, porque partiram anteontem do ponto em que você se encontra agora.

É, foi e será sempre assim que se chegará lá. Não há exceções e muito menos você será uma delas. Até o superdotado passa por isso. Só que nem sempre o superdotado é aquele que tem mais dotes. Pode ser também aquele que exercita e aproveita mais e melhor os dotes que tem. Se todos nós utilizássemos mais de 4% de nossa capacida-de intelectivo-neuronal, além de superdotados seríamos super-desenvolvidos, pois "[...] o ser humano não utiliza mais de 2 ou 3% de

sua capacidade ce-rebral" (LIMA, 1971, p. 47).

Perca o me-do de fundamentar e documentar suas idéias. É claro que você ficará exposto a críticas. Mas é claro também que suas idéias e seus achados documen-tados servirão de

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"lance mínimo" à "indução de partos" de novas idéias e novos achados por outros, não importa se com a finalidade de lhe aplaudir ou contrariar.

Respeite a tudo e a todos, mas não cultive a depen-dência como ca-muflagem à autocobrança contra a mediocridade. Se você não se dispuser a cres-cer, ninguém terá como lhe ajudar. Se você se dispuser a crescer, não crescerá só, outros lhe acompanharão.

EXERCITE-SE O segundo passo rumo à pesquisa é o da disponibilidade para

exercitação. E o terceiro são as próprias exercitações. De quê? - De duas coisas: análise interpretativa e habilidade de comunicação es-crita.

Essas duas coisas são fundamentais. Mas se você é fraco em ambas, não se desanime. É só começar a exercitá-las, e já. Se for capaz de redigir a análise de um fato qualquer a cada quatro dias, che-gará ao fim do primeiro ano com 91 exercícios, ao fim do segundo com 182 e ao fim do terceiro com 273. Se você começar já, os três anos passarão sem você sentir. Se você não começar, os anos passarão

mas você sentirá a falta dos exercícios. E mais, ao final de alguns meses de exercícios sistemá-ticos, você será ca-paz de produzir em poucas horas o equivalente ao con-seguido com muito esforço nos quatro dias da fase inicial. Em conseqüência,

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você poderá multiplicar, ao invés de somar, os resultados dos exercíci-os em termos tanto de quantidade como de qualidade. Tudo depende de você iniciar e perseverar.

PROGRAME-SE Há subsídios metodológicos que ajudam muito nos exercícios ana-

líticos. Nunca comece um trabalho de análise mental ou escrita sem, antes, programar as trilhas ou os caminhos que pretende seguir. Suge-re-se, para tanto, que ramifique as trilhas ou caminhos em três dire-ções: a) para o entendimento por dentro do próprio fato; b) para a am-pliação desse entendimento pela comparação do que se pretende ana-lisar desse fato com o que já foi ou está sendo analisado de outros idênticos, semelhantes ou contrários; c) para a formulação de sínteses indicativas do que efetivamente se entendeu pelas análises e de como proceder com relação ao que foi entendido.

Em terminologia técnica, as mencionadas direções são: a) a da análise diagnostica, que objetiva o conhecimento por dentro do objeto ('diá = através de + gnôsis - conhecimento, do grego antigo), indo dos efeitos ou sintomas exteriores às causas profundas; b) a da análise comparativa, que auxilia o conhecimento diagnóstico pela confronta-ção de sintomas e causas do objeto da análise com sintomas e cau-sas de outros objetos já analisados; c) análise prognostica, aquela que viabiliza a formulação das sínteses resultantes das análises anterio-res, indicativas ou precursoras (prógonos = precursor no grego) de iniciativas ou medidas a serem tomadas como próximo passo.

Desenvolva a saudável mania de analisar e sintetizar, para efeito de conhecimento, todo e qualquer objeto ou fenômeno com que se de-pare, mesmo no cotidiano das con-versas, dos estu-dos, do trabalho, da família, da política, etc. Evite aceitar ou rejeitar uma coisa sem antes procurar entendê-la ao máxi-mo, analisando-a ou decompondo-a, diagnostica e com-parat ivamente, e sintetizando-a ou

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r e c o m p o n d o - a prognosticamente.

Logo que vo-cê achar conveni-ente, poderá dar um passo mais ar-rojado e formai, ode começar a desen-volver o que cos-tumo denominar PROGRAMAÇÃO RESTRITA AO Dl-MENSIONAMENTO ESSENCIAL DA PESQUISA, que implica:

a) Caracterização e delimitação do problema da pesquisa. Trata-se, em síntese, da identificação, contextuaiização e formu-

lação do problema para o qual se procurará resposta ou solução atra-vés da pesquisa pretendida.

b) Formulação da(s) hipótese(s). Hipótese é resposta ou solução programada (portanto ainda pré-

via, provável e sujeita à comprovação ou demonstração) ao problema da pesquisa (sobre o qual se falou acima).

Não confundir, todavia, hipótese de pesquisa com raciocínio hi-potético ou com probabilidade sem compromisso. É resposta ou solu-ção compromissada (portanto fundamentada na teoria científica que lhe concerne e, quando a teoria científica for deficitária, respaldada por

sondagens e/ou testes de "pesquisa exploratória"). Teo-ria cientí f ica é o acervo de conheci-mentos já produzi-dos sobre uma ma-téria, objeto ou fe-nômeno.

Não se pode investir (tempo, cré-dito, dinheiro, etc.) na busca de solu-ção ou resposta

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que poderá ou não ser conf irmada. Deve-se investir, sim, em hipóte-se^) com forte pro-babilidade de confir-mação (já vimos isso antes).

c) Indicação de variáveis Deixando de lado detalhes técnicos (variável dependente, inde-

pendente, interveniente, etc.), variáveis são os caminhos estratégicos em torno dos quais se concentrarão, dinamizarão e organizarão da-dos, informações, análises e provas necessárias à demonstração ci-entífica de qualquer hipótese formulada. Exemplos:

- na área demográfica: sexo, idade, distribuição, concentração, migração, etc.;

- na área econômica: salário, renda, vencimento, poder aquisiti-vo, PIB, PNB, renda per capita, etc.;

- na área educacional: aprovação, reprovação, evasão, repetência, nível de escolaridade, etc.;

- na área da saúde: nutrição, incidência de determinada moléstia, leitos hospitalares, atendimento médico, exames laboratoriais, etc.;

- e assim por diante.

d) Previsão de procedimentos A organização e o processamento de dados, informações, análi-

ses e provas referentes a cada hipótese exigem também prévia e deta-lhada programação de todas as ações ou operações que garantirão a efetiva concretização da demonstração científica da(s) hipótese(s), atra-vés dos "caminhos estratégicos" (variáveis) adotados.

Nota: Por vezes, o projeto de pesquisa se limita à citada Progra-mação Restrita ao Dimensionamento Essencial da Pesquisa, sobretu-do na área acadêmica ou quando a sua realização não depende subs-tancialmente da decisão de terceiros, isto é, não está sujeita a rigoroso controle externo. Mas há também muitos casos em que a pesquisa tem de ser programada no âmbito de um projeto completo. Vamos dei-xar essa coisa do projeto completo para uma outra ocasião, senão a conversa ficará muito comprida e você começará a se desanimar.

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NAO PARE DE PRODUZIR Se você achou os

subsídios metodoló-gicos complicados de-mais e conhece ou tem orientações melhores, não pare de querer pro-duzir. Aliás, não pare de produzir inclusive por nenhuma outra razão: nem por preguiça, nem por falta de tempo, nem por falta de dinheiro, nem porque ficou sen-sibilizado com a comis-são que podou a sua ' -proposta... nem por nada.

Atrás de um bom produto se encontra algum esforço, algum tra-balho de pesquisa, não importa se mais ou menos formal, mais ou menos técnico. E isto é mii vezes melhor que a frustração, a incompe-tência e a mediocridade.

Além do mais, e ao contrário do que muitos pensam, o trabalho científico é extremamente criativo. Se o pesquisador/cientista cria, des-cobre, reformula, etc., por que justo você deveria copiar tudo? - Pois crie, invente e recrie também, inclusive ou sobretudo na área metodológica. Etimoiogicamente, já vimos, metodologia significa estu-dar e/ou pesquisar caminhos para se conhecer o que não foi conheci-do, o que se situa além do já conhecido (metá = além + odós = cami-nho + logía = estudo, pesquisa).

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A PESQUISA NA DINAMIZAÇÃO DA VIDA

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Não é sem discussão que se aceita a essencialidade da vinculação da pesquisa à vida humana e, por extensão, a todo o universo da vida no planeta. Já de início emerge fundamental questionamento: como relacionar necessariamente pesquisa e vida humana, se esta surgiu e se desenvolveu ao longo de milhares de anos sem sequer a existência daquela?

Do prisma histórico, a pesquisa tem sido considerada um fenô-meno inseparável da ciência, caracterizando-se, em conseqüência, como produto e recurso bastante recente da vida humana. Nessa linha de raciocínio, parece ter sentido a segunda parte da questão: a vida humana se desenvolveu ao longo de milhares de anos sem sequer a existência da pesquisa.

Ocorre, porém, que essa discussão toma outro rumo se orienta-da para a retros-pecção no sentido de que a própria pesquisa (entendida como amplo e con-tínuo processo de busca e produção de conhecimentos) tenha sido exata-mente o recurso que a mente huma-na criou e desenvol-veu ou desenvolveu &

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criando para subsistir-evoluindo ao longo de milhares de anos, sendo a pesquisa científica apenas a forma mais elaborada dentre as diversificadas maneiras de dinamização desse permanente processo de busca, adaptação e produção de conhecimentos no decurso da his-tória coletiva e pessoal.

6.1 A PESQUISA NA CONQUISTA DA VIDA

Analisou-se longa e tanto quanto possível densamente no Tópico 4, anterior, a dinâmica do processo natural de formulação espansivo-evolutiva do conhecimento, concluindo-se, no item 4.3.6, que pesquisa (mesmo na sua acepção científica usual) é

[...] o recurso sistemático de geração, ampliação e redimensionamento do conhecimento que reproduz artificial ou provocadamente a metodologia natu-ral de que a mente humana se vale para desenvolver o processo de formula-ção e dinamização do conhecimento [ou, ainda] é pela pesquisa que a mente humana estende as suas condições de conhecer aos fenômenos que extrapolam os limites naturais de alcance dos seus sentidos e das suas faculdades inatas de apreender, ajuizar e raciocinar de forma contínua e pro-gressivamente expansivo-evolutiva.

Com relação a essa conceituação, importa observar duas coi-sas: primeira, a pesquisa é um recurso da mente humana; segunda, é um recurso criado pela própria mente humana (sobre o que já se falou no item 4.2.2 c) no decorrer da evolução das capacidades individuais e coletivas da espécie.

Não consta, até prova em contrário, que a mente humana te-nha recebido ou "pirateado", de algum extraterreno, um "software" de como pes-quisar, de co-mo estender artificialmente as suas condi-ções naturais de conhecer. Opostamente, estudos antro-pológicos, ar-queo lóg icos , filosóficos, bio-

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Mesmo a ex-traordinária capacidade de multiplicação de conhecimentos e tecnolo-gias dos dias atuais é resultado dessa paciente evolução. Basta ob-servar, por exemplo, que a velocidade quase instantânea da comu-nicação hoje, e envolvendo grande parte da população da terra, não ultrapassou os 17 km/h até o início da segunda metade do século XIX.

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lógicos, históricos, físicos, químicos, etc., vêm mostran-do, pouco a pouco, que tanto a vida quanto este ser humano que co-nhecemos são, agora, apenas es-tágios-produtos de lenta, paciente e contínua evolução.

Durante milênios, a comunicação iimitou-se à velocidade e ao alcance dos mensageiros a cavalo (inclusive diligências), dos bar-cos a vela e dos primeiros trens (primeira linha, Liverpool-Manchester, inaugurada em 1830). Progrediu, logo após, em duas direções: a do transporte de passageiros, cargas e notícias (expan-são e melhoria das linha férreas e das outras embarcações a vapor em toda a segunda metade do século XIX, bem como aproveita-mento em escala do automóvel e do avião já nos primeiros anos do século XX); e, simultaneamente, a das telecomunicações (embora limitada, em ter-mos de abran- . f ~ \ J gência, mas já [ | quase instantâ- \ \ ] nea) de mensa-gens e notícias com o uso do telé- t f / ' j A X X \ A \ grafo, por Morse, -- \ em 1844, do tele- j ^ ^ ^ S f ^ * j fone, por Graham f * Bell, em 1876 e da V - - -r a d i o t e l e g r a f i a ^ ^ ^ sem fio (rádio), por / / Marconi, em 1897. f

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Com o aperfeiçoamento das fontes geradoras de energia elé-trica, a partir das duas últimas décadas do séc. XIX até hoje, a comunicação se sofisticou e diversificou tanto (circuitos, por saté-lites, de TVs, computadores, FAX, telefonia, Internet, etc.) que, além de quase instantânea, tornou possível realizar a integração tam-bém quase simultânea de praticamente todas as populações dos cinco continentes terrestres.

Todos esses enormes avanços científicos e tecnológicos são historicamente recentíssimos, mas passam aos que deles só usufru-em, sobretudo adolescentes e jovens (até a maioria dos que nasce-ram a partir da década de 50, em pleno início da era espacial), a im-pressão de que tudo se fez de um dia para o outro e com o suporte da ciência e da tecnologia, como se elas constituíssem um fenômeno ou milagre a parte da própria evolução milenar do conhecimento e da vida humana.

Na verdade, o ser humano teve que pesquisar ou procurar "apren-dera aprender" (expressão enfatizada por DEMO, 1990a) ao longo de toda a sua história (rever o caso da evolução da lança primitiva à ogiva nuclear no item 4.1.1), tomando como referência de partida situações instintivas, a exemplo da mencionada, visto que, segundo Lima (1970, p. 148),

O instinto é a lógica da anatomia e da fisiologia. A anatomia e a fisiologia humana são plásticas (aprendem). O homem não vem programado. Os es-quemas hereditários do homem não são especializados. É na relação com os demais que adquire suas qualidades humanas. O homem tende a assi-milar o meio. Nesta atividade: ou modifica o meio (faz cultura), ou se modifica (aprende) [...].

Ainda no que se refere à dinâmica da permanente construção ou conquista da vida, Marías (1966, p. 200) vai mais longe:"[...] a vida me é dada, não me é dada feita mas pelo contrário me é dada por fazer, me é dada como quefazer ou tarefa [...] que eu tenho que fazer aqui e ago-ra [...]".

Para Marías, a vida que"[...] me é dada como quefazer [...]" não é uma "tarefa" a ser feita só pelo ser humano enquanto espécie ou cate-goria histórica, geral e coletiva. Eu, você, João, Maria, Manoel, Elisa, Antônio, Flávia, Francisco, Marlene, etc. etc., recebemos (cada um re-cebeu) ou ganhamos a vida como alguém que herda a infra-estrutura, a planta geral e até os recursos básicos para construção e manuten-ção do complexo edifício da vida. Como, quando, com quê e para quê efetivamente edificar são questões cujas respostas couberam, cabem e caberão ao ser humano como espécie e a cada um de nós enquanto indivíduo-pessoa pesquisar e viabilizar.

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6.2 A PESQUISA COMO FATOR DE REALIZAÇÃO COLETIVA

Ocorre, no entanto, que nin-guém está sozinho nessa busca ou pesquisa de solu-ções e viabilidade. Todos nós temos a mesma "tarefa" que é a de encontrar-mos os caminhos e meios para cons-truirmos a vida que nos é dada apenas como algo "que-fazer". Todos podemos nos ajudar, mas não sem esforço simultanea-mente pessoal e coletivo. Por isso é que existem família, educação, escola, universidade, bem como vasta e variada gama de outros meios auxiliares ao desenvolvimento da vida coletiva e individual. Mas são apenas meios auxiliares, ou seja, jamais substituem a pesquisa pró-pria: de cada pessoa, de cada família, de cada grupo ou de cada na-ção. O esforço pessoal e coletivo é necessário, tendo em vista que o ser humano é essencialmente gregário mas apenas perifericamente solidário. Aessencialidade gregária lhe é conferida pelo instinto de pre-servação, e autoconservação da espécie, ao passo que a solidarieda-de se lhe afigura como fenômeno residual, resultante da intuição (em estado mais primitivo) e do raciocínio analítico (em estágios mais avan-çados), sobre a necessidade e/ou conveniência de se estender aos "outros" aquilo que extrapola pelo menos os limites mínimos da autopreservação individual. Se a solidariedade estivesse gravada ins-tintivamente em cada um de nós, inexistiriam religiões, entidades filan-trópicas, instituições judiciárias e as próprias ideologias que a pregam e promovem, sob as denominações amor e justiça. Inexistiriam a insti-tuição política e tantas outras, dentre as quais inclusive aquelas que se aproveitam da carência de solidariedade (ou falta de amor e justiça) para sua ilegítima e, por vezes, injusta autopromoção.

Já a gregariedade é impulsiva diante de qualquer ameaça ou até interesse de autopreservação: vários se unem, quando se trata de união

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voluntária ou instin-tiva, mas cada um com o objetivo ou impulso de se pre-servar. Exemplo bem típico de um fenômeno de gregariedade vo-luntária sem solida-

riedade foi dado por uma brasileira, residente no Kwait, quando entre-vistada sobre as razões da Guerra do Golfo Pérsico. Reproduzindo, o que ela disse foi mais ou menos isto: "eu sou contra o meu irmão; mas eu e meu irmão somos contra o nosso vizinho; mas eu, meu irmão e nosso vizinho somos contra o estranho do bairro; e assim por diante; eles pensam dessa forma".

A gregariedade sem solidariedade foi sempre a "razão" de todas as guerras, de todos os conflitos, de todos os desentendimentos, de todos os descalabros ecológicos e do próprio subdesenvolvimento, caracterizado pela exploração de uns (pessoas ou países) para man-ter a riqueza e o bem-estar de outros. Visto sob esse prisma, o subde-senvolvimento é, também, um descalabro ecológico.

Mas se a solidariedade é objetivada por nós, intuitiva e/ou analiti-camente, ela também é um elemento, uma faceta da vida, que nos é dada como algo "quefazer", inclusive coletivamente. Só que, nesse caso, deverá haver gregariedade com solidariedade, de forma que a agrega-ção se faça não só com vistas à autopreservação individual mas, e sobretudo, em função da reunião de forças, da soma de fragmentos e da multiplicação da competência para se atingirem objetivos coletivos, em termos de grupos sociais e de nação.

ingênuo, tolo ou mal-intencionado é quem pensa que os países ricos nos desenvolverão um dia e por mera solidariedade. Pode ser até que nos "cultivem" para que a "fonte" não se seque de vez. Para compre-ender isso, basta observar a nature-za. Fique-se debai-xo de uma laranjei-ra cheia de pulgões e procure-se verifi-car com atenção o

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Page 107: A Pesquisa Na Vida e na Universidade

que se passa. Os pulgões são, na verdade, um campo de cultivo de formigas doceiras grandes e miúdas. Elas os "cultivam" para sugarem as suas secreções adocicadas. Portanto, as formigas jamais "quere-riam" que os pulgões se acabassem, como também jamais "permitiri-am" que deixassem de ser pulgões. O que fazem é alimentá-los sem-pre para que excretem também cada vez mais. O que "interessa" às formigas, em última análise, é a autopreservação e o bem-estar delas mesmas e não a vida e a comodidade dos pulgões.

Pois é, se quisermos, como nação, fugir da condição de "roça de pulgões", temos que buscar e encontrar as saídas e isso se faz com pesquisa que gere conhecimentos; que avolume e diversifique ciência, tecnologia e bem-estar; que nos torne sujeitos de nosso desenvolvi-mento, o qual também está aí como algo "quefazer".

No que respeita especificamente ao caso do desenvolvimento brasileiro, Kujawski (1991, p. 203-4) ressalta com absoluta proprie-dade que:

O princípio responsável pela crise não está na economia, mas na vida e na História do homem brasi leiro contemporâneo; está na perplexidade hamletiana de não saber o que fazer. A desordem política e a subversão moral não passam de desdobramento dessa mesma perplexidade vital: não saber o que fazer. Eis aí por que vamos tão mal. Não por culpa da economia, da política ou da moralidade, e sim porque estamos em crise, perplexos e faltos de rumos em nossa vida mesma, em nossa capacidade de projeção na História. Tão faltos de rumos, que alguns já não querem andar, desconhe-cendo a sábia lição do poeta espanhol Antonio Machado: "Caminhante, não há caminho. O caminho se faz ao caminhar".

Caminhar juntos, solidários, pesquisando e fazendo o nosso próprio caminho é, efetivamente, o ponto vital da realização coletivo-nacional de todos os países que realmente querem se desenvolver. Vale registrar, nesse sentido, mais uma lição das formigas, agora daquelas minúsculas e aparentemente incapazes de caçarem uma mosca, um besouro ou até outra formiga grande. A questão é que caçam, em trabalho conjunto, evidentemente. Primeiro, sondam o besouro. Depois, após várias investidas, uma se agarra numa per-na traseira do animal, enrolando-se nela. O besouro perde o equilí-brio e, incomodado, começa a girar nervosamente (mas a formigui-nha continua lá). Tão logo o animal se cansa, uma segunda formi-guinha investe contra a outra perna traseira e o besouro não tem mais domínio de si. Em seguida, outras formigas se agarram nas que se encontram enroladas, formando uma corrente de formigas em cada perna. Assim, cada corrente se estriba por lados opostos, de forma que o besouro se imobiliza e o bando todo o ataca sem maiores dificuldades.

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Se até as for-miguinhas "pesqui-sam" e encontram os meios instintivos para imobilizarem o grande besouro, por que é que não seríamos capazes de buscar e en-contrar os meios para, como nação, dominarmos o "monstro" do sub-

desenvolvimento? - E uma das "pernas estratégicas" do "monstro" do subdesenvolvimento, que devemos "agarrar" de imediato, é a da pes-quisa. Isso, porque o desenvolvimento é gerado e operacionalizado pela ativação, articulada e intercomplementar, de três mecanismos fundamentalmente estratégicos da atualidade: a pesquisa, a ciência e a tecnologia. Através da pesquisa se chega à ciência, pela metabolização do conhecimento alienígena e produção do próprio (por criação e adequação), e a tecnologia tanto decorre como alimenta a pesquisa e a ciência.

Hoje, ao contrário de décadas atrás, pesquisa-ciência-tec-nologia constituem os principais pontos nevrálgicos de avaliação sobre a situação de desenvolvimento ou subdesenvolvimento de países e povos. Antes, eram "renda per capita", "estoque de ouro", "reserva de divisas", "capacidade industrial instalada", etc., pratica-mente todos os indicadores prioritariamente relacionados com o vo-lume e a diversificação da produção econômica efetiva. Na atualida-de, avalia-se a capacidade potencial e instalada de pesquisa-ciên-cia-tecnologia para se diversificar, avolumar, adaptar, criar, etc., tanto na área econômica quanto em todas as demais que compõem o universo da vida: áreas social, cultural, educacional, esportiva e as-sim por diante.

A pesquisa é porta e caminho à conquista da vida tanto para coletividades como para pessoas individualizadas (fato este reiterado no próximo item), que assumem o desafio de se tornarem sujeitos de sua própria realização histórica. É a saída para a situação crítica bra-sileira, denunciada na citação de Kujawski, aquela do não sabermos o que fazer ou de estarmos "[...] em crise, perplexos e faltos de ru-mos em nossa vida mesma, em nossa capacidade de projeção na História".

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6.3 A PESQUISA COMO FATOR DE REALIZAÇÃO PROFISSIONAL E PESSOAL

Tem sido cu-rioso, e de certa maneira tristemen-te grotesco, seguir os passos de uma pessoa, em nosso meio, no período compreendido en-tre as últimas sé-ries do ensino fun-damental até a apo-sentador ia, pas-sando pela univer-sidade (ou qualquer curso superior). Esse período compreende fases de expectativas e realidades que se sucedem até a sonhada aposen-tadoria:

a) - No final do ensino fundamental, quando o adolescente come-ça a vislumbrar os atrativos da vida, joga-se duro para se chegar ao ensino médio. Há famílias que não podem, como as de classe média baixa, mas suportam qualquer sacrifício para investirem no filho.

b) - Durante o ensino médio, o jogo endurece ainda mais, depen-dendo das pretensões universitárias e do gargalo do concurso vestibu-lar para os chamados cursos "nobres".

uma vida universitá-ria "à ilha da fanta-sia" cedem lugar a um sem número de reclamações: pro-fessores fracos, fal-ta de laboratórios e de equipamento, bi-blioteca deficitária, aulas monótonas, inexistência de con-dições de pesquisa, etc., etc..

c) - Ao entrar na universidade, os sonhos de

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d) - Ao chegar à segunda metade do curso, a sonhada universi-dade se torna insuportável. A ansiedade pelo diploma (para muitos a única razão de continuarem até o fim) transforma a vida universitária numa chatice. E o que passa a importar freneticamente é a expectativa

do consultório, da clínica, do escritó-rio, do exercício téc-nico, da profissão rendosa, da ascen-são econômica, do lazer sofisticado, da "posse do mundo".

e) - Findo o curso universitário, inicia-se o embate no mercado de tra-

balho (exceção feita aos privilegiados que recebem escritório, clínica, direção de empresas e outros, com respectivas clientelas, de herança familiar ou por apadrinhamento). No jogo da pechincha de mercado, baixam-se os níveis de pretensão até se chegar ao possível, mesmo que não "ideal".

f) - Começa-se a luta profissional, sempre em busca de "algo melhor". Mas, nos primeiros meses e anos, tudo bem: "no mínimo se adquire experiência" para emprego melhor e mais rendoso. Com base no ganho real e na expectativa de melhora, compram-se (quase sem-pre a crédito) carro, casa e o mobiliário mínimo, pelo menos, para o começo da nova moradia. Aí vêm os problemas: o tempo de "experi-ência" se estica, o patrão, agora mais familiarizado, "pede" mais, o colega "incompetente ganha mais que eu", "só fico aqui por mais al-gum tempo", e as-sim se vai.

g) - Passa-dos quinze ou vin-te anos de traba-lho, o élan profis-sional vai cedendo lugar à ânsia pela aposentadoria. A cada ano que pas-sa, o espectro da aposentadoria se amplia e se confi-

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gura com mais ni-tidez. Mais um pou-co, e a idéia da aposentadoria vira obsessão. Agora é o trabalho, a profis-são que ficam in-suportáveis.

6 6: UfmtÊÊÊm » ^Pêsmtvfmwma*

h) - Vem a aposentadoria. No começo , tudo bem (como sem-pre). Passado al-gum tempo , a a p o s e n t a d o r i a não pode ser go-zada, porque os proventos são in-suf ic ientes para as despesas, e a so lução é o

reingresso no mercado de trabalho, que faz restrição ao aposenta-do (a menos que seja bom profissional de verdade e a empresa precise dele). Mesmo assim, resta frustração de não poder usufruir da aposentadoria.

i) - Vem, de novo, a aposentadoria: compulsória ou pleiteada. E novos problemas surgem, dentre eles se destacando o complexo de inutilidade, de abandono, de isolamento. E isso sem falar nas perdas de "status", como ocorre com muitos juizes, médicos, promotores, po-líticos de carreira, diretores e execu-tivos de grandes fir-mas, oficiais milita-res e todos que hajam se elevado no reconhecimen-to público pelo mé-rito próprio ou "res-peito" ao cargo e à profissão, sem se prepararem psico-lógica e existen-

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cialmente para se aposentarem. Há honrosas exce-ções, mas a ima-gem que mais vem se associan-do ao aposentado de fato é a da ocio-sidade e frustração em casa (onde "só atrapalha", se ho-mem) e no banco da praça, onde se

suicida existencialmente.

j) - Em síntese: estuda-se para trabalhar, trabalha-se para se apo-sentar e aposenta-se para se frustrar. Eis porque essa trajetória é ao mesmo tempo triste e grotesca.

Pela lógica, tudo isso deveria ser bem diferente: a) estudar para se capacitar: desenvolver mentalidade, adquirir embasamento, projetar teorias de futuro, exercitar-se em anál ises-sínteses interpretativas, desenvolver habilidades de comunicação de idéias próprias (oralmente, por escrito e artisticamente, conforme o caso), iniciar-se em determinada profissão; b) trabalhar para: produzir, cri-ar, servir, redimensionar, redimensionar-se, contribuir, realizar-se pes-soal e profissionalmente; c) aposentar-se para: descansar-se do jugo do trabalho compulsório, sistematizar (analisar, escrever e divulgar), com criatividade, experiências amadurecidas prazerosa ou doloro-samente ao logo de trinta, quarenta ou mais anos de trabalho, não importando se como empregado, patrão, dono da própria iniciativa ou profissional liberal.

A máxima de que o trabalho dignifica o ser humano continua com sua validade. Mas o que se vem observando no mundo subde-senvolvido é que a maioria das populações da terra não se dá ao luxo de trabalhar para se dignificar, pelo fato de ter que trabalhar apenas para sobreviver: morre de trabalhar, trabalhando. Até os que ganham com isso morrem trabalhando para que outros trabalhem mais e ganhem menos. Tanto para uns (em esmagadora maioria) como para outros (em minoria absoluta) o trabalho já virou obses-são. E, mesmo assim, poder-se-á observar que já houve épocas piores, as da escravatura e do trabalho proletário rural. Talvez seja até uma espécie de "consolo histórico" constatar que as massas,

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hoje, podem ter a obsessão do trabalho pela subsistência, vez que o trabalho escravagista e proletário se fazia apenas sob o jugo da subserviência e opressão.

O fato é que o mundo do trabalho a todos mais sufoca que dignifica, porque leva o ser humano a olhar só o que faz, no deses-pero de fazer mais para subsistir melhor ou para simplesmente ter mais. E isto não ocorre por "culpa" do trabalho, é conseqüência da própria visão e postura do ser humano em relação ao trabalho, uma de suas criações ao longo da história de sua evolução. Na condição de autor e ator do trabalho, compete ao ser humano redimensioná-lo sem extingui-lo.

Teorias e tentativas nessa área vêm sendo formuladas e en-saiadas, dentre as quais se destaca a doutrina marxista, formulada por Marx e Engels no curso do séc. XIX (sobretudo a partir do Mani-festo do Partido Comunista em 1848 e da publicação de O Capital de Marx, por Engels, em 1867). A Organização Internacional do Tra-balho - OIT foi criada em 1919 pelo Tratado de Versailles, depois anexada (em 1946) à Organização das Nações Unidas - ONU. É uma entidade especializada que reúne representações de gover-nos, empregadores e empregados dos países associados. A par da OIT, existem em quase todos os países do mundo complexas estru-turas administrativas e volumosos corpos de leis concernentes a questões do trabalho.

Mesmo assim, o trabalho, enquanto instituição humana, conti-nua a desafiar propostas e posturas no sentido de que deixe de ser instrumento de opressão para se tornar meio de libertação e realiza-ção.

Segundo Pieper (1968:5-18), há na própria rotina da vida alguns "abalos" que per-mitem ao ser hu-mano transcender o mundo do traba-lho. São esses "abalos" que levam o homem a filoso-far, a rezar, a amar, a temer a morte, e a se elevar pela contemplação da arte, ou seja, por esses "abalos"

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"[...] o homem experimenta a limitação deste mundo das ocupações diárias; ele as transcende e ultrapassa".

A posição de Pieper faz sentido, em termos gerais e para a fina-lidade a que se propôs (a de analisar as questões "que é filosofar, que é acadêmico?"), mas deixa a impressão de que filosofar, amar, rezar, etc., representam a transcendência do homem em relação ao mundo do trabalho e não a transcendência do próprio mundo do trabalho. Nes-se caso, filosofar, rezar, amar, etc., significariam apenas fenômenos de sublimação do homem em relação ao mundo do trabalho, ou seja, permitiriam ao homem fugir do afogamento das "ocupações diárias", a ele retornando quando não estivesse filosofando, amando, rezando, con-templando ou temendo.

Nessa concepção, o mundo do trabalho se afiguraria á penitenciá-ria dos homens que cumprem pena em regime semiaberto: durante a maior parte do tempo, ficam presos no trabalho; mas, ocorridos os referidos "abalos", se libertam, por algum momento, enquanto filoso-fam, amam, etc. Nessa linha de pensamento, uma indagação mais direta e profunda se faz necessária: que fazer para elevar (transcen-der) o mundo do trabalho em si mesmo, objetivando a que ele próprio enseje o filosofar, o amar, o rezar, o temer e o contemplar ao trabalha-dor enquanto trabalha? - Em outras palavras, que fazer para que o tra-balho se eleve à condição de meio de libertação e realização do traba-lhador?

Em 1971, este ensaísta publicou um estudo, com o título "Liber-dade e seus Condicionamentos Histórico-Sociais", no qual enfoca a liberdade como exercício da capacidade de decifrar sentidos (significa-ções) em tudo com que nos relacionamos, inclusive nos condiciona-mentos que nos impõem limitações, de toda ordem, ao iongo de nossa vida em estado de consciência normal. Trata-se, portanto, de um pro-cesso de decifração que implica:

a) aperfeiçoamento e exercitação constante de nossas capaci-dades intelectiva, emocional e volitiva;

b) permanente dinamismo de ampliação (conquista) ou redu-ção (perda) quantitativa e qualitativa de significados, sem a incidên-cia de meios-termos, ou seja, o fato da não ampliação das conquis-tas já significa a sua redução. Esta temática é reiterada no item 7.1.2b.

Segundo a visão acima, liberdade ou libertação depende visceralmente da exercitação da busca de sentidos nas coisas e não só das coisas em si, mesmo que elas se nos afigurem tempo-

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rária ou definitiva-mente como con-dicionamento. Daí porque, também, a p romoção do trabalho que liber-ta, que leva à re-alização profissi-onal e pessoal , diz respeito ape-nas aos seus au-tores e atores, e

não ao fenômeno do trabalho em si mesmo. Tanto é que um mes-mo tipo de trabalho pode ser gratificante para uns e penalizante para outros.

Uma outra ênfase é a de que se descubram sentidos no próprio trabalho e não apenas na sua funcionalidade: subsistência, salário, status e similares. Do contrário, o trabalho já é ou pode vir a ser um processo de tortura permanente. Ademais, a realização ou libertação no trabalho não se processa só quando se faz o que se gosta. Na maioria das vezes, ocorre ou deve ocorrer diferentemente: tanto o autor como o ator do trabalho têm que exercitar o aprendizado no sentido de torna-rem "gostoso" o próprio trabalho. Em outros termos, a questão princi-pal é a de tornar "gostoso" o que se faz e não a de só se fazer o que já é "gostoso".

É nesse contexto de decifração e interpretação de sentidos no e do trabalho, de qualquer tipo, que entra a pesquisa. E isso pelas se-guintes razões:

Primeira razão: a pesquisa é também um tipo de trabalho como outro qualquer.

Para qualquer tipo de trabalho, inclusive o da pesquisa, exigem-se do trabalhador:

a) conhecimento do que se faz;

b) fundamentação metodológica sobre como se faz;

c) habilidade exercitada para se fazer bem o que se faz;

d) disponibilidade para aperfeiçoar sempre o que sempre se faz;

e) planejamento ou programação mínima do que se deve ou quer fazer;

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f) competência de geração de resultados ou produtos que compensem os esforços e recursos despendidos para se fazer o que se deve ou quer fazer;

g) efetiva capacidade de transformação de esforços, recur-sos, ações, iniciativas, criatividade, relacionamento e produtos em realização profissional e pessoal.

Observando com atenção, verificar-se-á que apenas dois pontos diferenciam, entre si, todos os tipos de trabalho: os propósitos ou ob-jetivos e a metodologia de cada um. Dependendo do que se quer como resultado ou produto, na linha dos objetivos e das maneiras metodológicas de agir para se conseguirem os resultados aspirados, é que se configuram e diferenciam os tipos de trabalho, permanecendo as sete características, anteriormente relacionadas, comuns a todos eles.

No caso da pesquisa, já se referiu várias vezes aos seus propó-sitos e metodologia, mas vale relembrar:

a) propósitos: descobrir, criar, aprofundar, ampliar e/ou redimensionar conhecimentos em suas dimensões teórica e aplicada;

b) metodologia: é típico da pesquisa o seu prévio planejamento (mais ou menos formal, mais ou menos perfeito, mas sempre intenci-onal), porque pesquisar é exatamente buscar, perquirir o conhecimen-to de algo de acordo com alguma programação; do contrário, não se faria pesquisa, mas improvisação, "jeitinho", ou até casualidade (coi-sas descobertas por casualidade são válidas, evidentemente, mas não resultam de pesquisa, o que é igualmente evidente).

O fato de a pesquisa ser um tipo de trabalho, diferenciando-se dos demais pelos mesmos elementos que diferenciam a todos entre si, significa que pesquisar não é privilégio exclusivo de ninguém. É um tipo de trabalho aberto a todos que por ele se interessam, seja como ocupação principal (pesquisador profissional) seja como atividade sub-sidiária ao exercício da profissão ou até como lazer-mania.

Segunda razão: a pesquisa como atividade subsidiária ao exercício de qualquer profissão pode contribuir para a realização profissional e pessoal no próprio trabalho

e durante a aposentadoria.

É sabido que o exercício profissional, em qualquer setor, precisa de certa organização e ordem, mas não admite estagnação ou mera repetição indefinida de hábitos incorporados mecanicamente. Comporta

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criatividade e aperfeiçoamentos que podem ser exigidos pela própria natureza do trabalho ou desenvolvidos como iniciativa do trabalhador, inclusive em proveito próprio.

É muito comum, no Brasil, verificar que profissionais inteligentes e de nível superior são capazes de exercer uma profissão convivendo com os mais variados problemas, pessoas, documentos, situações, dados e informações sem deles tirar contribuições úteis tanto à melhoria do trabalho em si como ao enriquecimento pessoal.

Dois casos, vivenciados por este ensaísta, ilustram essa situa-ção:

1o - Em 1977, um professor orientador de estágio em zona rural para alunos do curso de Farmácia e Bioquímica, da Universidade Esta-dual de Ponta Grossa - PR, me convidou para passar um dia com a equipe no campo. Verifiquei (o que na verdade já sabia) que o professor há quase dois anos dedicava oito horas de trabalho por dia útil, com diferentes equipes de estagiários, a levantamentos, análises e caracte-rizações de situações rurais típicas das áreas de estágio em Farmácia e Bioquímica, tais como incidência e tipos de verminose, virose, usos e fontes medicamentais próprias (farmacopéia popular), hábitos e teores energéticos alimentares, e assim por diante.

De volta ao Campus, e percebendo o meu entusiasmo pelo tra-balho que estava sendo realizado, o professor me abordou: - "Pretendo fazer mestrado, mas não tenho idéia de que pesquisa desenvolver para o trabalho de dissertação". Sem pestanejar, disse-lhe: "mas você tem uma vasta pesquisa entabulada e em andamento, por que não a siste-matiza e escreve?" - Na hora, a resposta foi: "a gente não foi preparado para a pesquisa, por isso não sei como sistematizá-la". Respondi-lhe: "peça a ajuda de alguém, leia alguma coisa sobre pesquisa, mas não deixe de documentar todo esse trabalho, indo ou não fazer o mestrado". Alguns anos de-pois, o professor começou a escre-ver sobre o assun-to, tomando a inici-ativa de começara dimensionar o pró-prio trabalho como pesquisa e, simul-taneamente, meio de auto-real iza-ção. Trata-se do

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professor Antonio Carlos Schafranski, que (em co-autoria) teve seu pri-meiro ensaio A Verminose na Área de Atuação do Programa CRUTAC-PG publicado pela UEPG em 1984.

2o - Em 1986, conversava com um magistrado, muito preparado e que, segundo informações, escrevia muito bem. O assunto eram os problemas típicos da área da magistratura e do sistema judiciário bra-sileiro. Dizia ele que esses problemas poderiam ser resolvidos, mas não havia pré-disposição administrativo-política para isso. Por essa razão, queria aposentar-se o mais breve possível, visto que a rotina burocrático-processualística de audiências, sentenças, administração judiciária, etc., já se tornava enfadonhamente cansativa e desgastante.

Ocorreu-me de sugerir-lhe que selecionasse os problemas que mais lhe interessassem, formulasse algumas hipóteses de solução e utilizasse toda a rotina burocrático-processualista para reunir provas e argumentos, visando à produção de um extraordinariamente bem fun-damentado livro quando se aposentasse.

Não conversamos mais sobre o assunto, mas continuo absolu-tamente convicto de que se pelo menos vinte por cento dos magistra-dos brasileiros assim procedessem o nosso sistema judiciário estaria se real imentando dessas val iosas exper iênc ias, longamente vivenciadas, para a sua evolução fundamentalmente sadia. Estou con-victo, ainda, de que esses magistrados jamais teriam tempo, motiva-ção e espaço para frustrações quando aposentados, vez que continu-ariam contribuindo e recebendo o reconhecimento público.

Esses casos ilustram o quanto um profissional com um pouco de conhecimento teórico e aplicado de pesquisa pode contribuir pelo menos em três direções: na da recuperação de interesse por fatos, convivências e idéias que acabam sendo abafados pela rotinização autodecadente do trabalho; na do posicionamento do trabalhador como agente ativo de mudanças evolutivas em sua área ocupacional; e na da conseqüente conquista de sentidos para o próprio trabalho e para sua realização pessoal e profissional, enquanto estiver na ativa (analisando problemas, elaborando hipóteses, delineando esboços de argumenta-ção e coletando provas e subsídios demonstrativos no próprio traba-lho) e durante a aposentadoria: escrevendo sem temor de sensibilizar, de rebaixar-se ou de perder emprego, publicando livros e artigos, profe-rindo palestras e, enfim, contribuindo de toda forma com sua longa vivência e alicerçada experiência.

É muito comum ouvir pessoas conscientes de sua capacidade reclamarem que não são valorizadas no seu ambiente de trabalho. E isso ocorre, de fato, sobretudo em setores públicos e privados em que

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a administração se pauta mais por critérios "políticos" que técnicos. Acontece, porém, que essa questão de valorização envolve dois as-pectos: o da valorização que é conferida ao trabalhador e o da que o próprio trabalhador procura promover e conquistar. Os dois aspectos são importantes, mas, na maioria das vezes, a valorização só é "conferida" como resultado de um longo processo de conquista.

Por outro lado, o processo de conquista não se faz só com rei-vindicações repetitivas e lamuriantes. Faz-se sobretudo com produ-ção fundamentada, documentada e publicada, que acaba por contri-buir e angariar a atenção, o reconhecimento e a valorização. Essa conquista se faz freqüentemente ao inverso do que se aspira, ou seja, na linha do reconhecimento público à chefia imediata e não ao contrá-rio, como sempre tem sido o desejo de nossa imediatista mentalida-de brasileira.

Seriam incalculáveis a quantidade e a variedade das produções científicas, técnicas e culturais se os advogados, médicos, dentistas, economistas, administradores, professores, engenheiros, analistas de sistemas, matemáticos, geógrafos, veterinários, enfermeiros, empre-sários (da agricultura, do comércio, da indústria e da prestação de ser-viços), bem como todos os profissionais pelo menos de nível superior, organizassem e manipulassem seus fichários, arquivos, acervos e ex-periências tanto para o exercício técnico da profissão como para a pro-dução de estudos, ensaios, artigos, livros e tudo o mais que um pouco de visão e exercitação na área da pesquisa lhes proporcionasse.

Mais que montanhas de livros, ensaios e artigos, teríamos um Brasil dinâmico e com perspectivas, ao contrário da situação a que assistimos: a de "esperarmos" (talvez até acreditarmos) que nossos credores internacionais nos farão um ato de caridade, "perdoando" a dívida externa que já pagamos múltiplas vezes (mas não conseguimos fazer valerem as provas) e nos desenvolvendo por puro sentimento de solidariedade.

Só sairemos bem dessa situação quando (sem mito, sem eco-nomia de energias e jogando nossa produção por portas, janelas e fres-tas) efetivamente levarmos a pesquisa às fábricas, aos campos agrí-colas, aos escritórios, às escolas, às universidades e instituições iso-ladas de ensino superior, à administração pública, aos consultórios, às clínicas, aos hospitais, ao comércio, às entidades de classe, às famíli-as, aos fóruns e tribunais, às casas legislativas, ao exercício profissio-nal e até aos entretenimentos, individuais e coletivos, pelo menos da população brasileira que teve, tem e terá o privilégio do acesso ao nível universitário de educação e instrução.

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A PESQUISA NO EPICENTRO DO FENÔMENO FORMAÇÃO

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Todo este tópico resultou de uma preocupação pessoal de longa data, que pode interessar também a todos os educadores e educandos.

Desde 1968, quando me alistei para a batalha do magistério universitário, comecei a tomar consciência de que se falava e es-crevia sobre formação de professores, formação de mão-de-obra, formação de engenheiros, advogados, médicos, administradores, etc., mas não se discutia exatamente o que é formação, simples-mente formação. Constatei que a questão embutida no objetivo geral dos então 1o e 2° graus "[...] proporcionar ao educando a for-mação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades [...]", transcrita do art. 1o da Lei n.° 5.692/71, não mereceu maiores considerações além daquelas genéricas já conhecidas até pela etimologia do termo FORMAR (que em latim significa dar, conferir ou fazer forma).

Em contexto mais específico de educação e personalidade, a sín-tese mais comum de compreensão do fenômeno for-mação nunca foi muito além da regis-trada por Ávila (1967, p. 231), meu homônimo, profes-sor da PUC/RJ:

O termo é aí emprega-do quase como sinôni-

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mo, e mais precisamente, como complementação do processo educativo em todas as dimensões a que este se estende. Assim como da educação, fala-se também da formação física, moral, intelectual, sexual, cívica, etc. Em sentido mais restrito, quando nos referimos a uma pessoa de formação, queremos dizer que é uma pessoa de altos princípios morais e de comporta-mento coerente com esses princípios.

Nunca consegui descobrir uma razão lógica que sustentasse a formação (mesmo como dar ou conferir forma) na condição de sinônimo ou complemento do processo educativo, sobretudo quan-do se sabe que esse processo guarda relação muito estreita com o âmbito da educação promovida pela sociedade, portanto sempre formal, não importando o maior ou menor grau de organização e sistematicidade por ele envolvido. Minha indagação era: será que formação não é um processo próprio e essencialmente fundamen-tal para a educação?

Essa dúvida perdurou até 1978, quando descobri uma publi-cação conjunta (de 1974) do "Instituí de Formation et d'Études Psychosociologiques et Pédagogiques" com a "Petite Bibliothèque Payo t " de Par is , i n t i t u lada " F O R M A T I O N 1 - QUELLE FORMATION?" (Formação 1 - Qual Formação?), com dois ensai-os: a) "La Formation en Questiorí' (A Formação em Questão), de Alexandre Lothellier (p. 15-87), conselheiro técnico e responsável pela "Escola de Formação e do Serviço "Métodos" do citado insti-tuto, bem como professor da Universidade de Nantes; b) e "Quelle Formation?" (Qual Formação?) de Bernard Honoré (p. 89-183), psiquiatra e diretor do instituto.

Estava, na mesma época, interessado em me aprofundar um pouco no campo específico da formação de professores, evidentemente no contexto do próprio fenômeno básico da formação. Realizei, portan-to, breve estudo/consulta também sobre esse tema que, me parece, pode vir a ser igualmente de interesse do leitor.

Esses dois estudos/consultas foram elaborados em francês, para efeito de desenvolvimento de tarefas concernentes ao processo de doutoramento, e guardados sem publicação até o presente mo-mento. Ao longo dos anos decorridos após 1978, venho não só refle-tindo como também questionando sobre a realidade, em termos de visão fundamentada e atualizada, desses estudos/consultas. Como não encontrei pontos que exijam, no meu parecer, modificações subs-tanciais, limito-me a traduzi-los, com alguns acréscimos de atualiza-ção, conservando a forma original de apresentação (organização das idéias a partir de cuidadosa seleção de textos que as explicam ou conceituam).

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O que me chamou à atenção, genericamente faiando, foi o fato de que a pesquisa (sempre intencional, mas não importando as especificações que a caracterizem: formal, informal, sistemática, cien-tífica, espontânea, etc.) constitui a fonte de geração e dinamização de grande parte da energia que o fenômeno formação envolve e requer.

Gostaria que o leitor se preocupasse não só com a observação da essencialidade da pesquisa em todo o processo básico da forma-ção (até mesmo antes de se perguntar para quê...), mas inclusive com a ampliação e o aprofundamento das análises no âmbito desse pro-cesso. O que se propõe sinteticamente nos dois estudos/consultas, a seguir (7.1 e 7.2), é apenas uma espécie de roteiro de provocação aos referidos aprofundamento/ampliação.

Pode-se começar este estudo/consulta pela questão tradicional: que é formação, como processo em si mesmo? - A resposta não é tão fácil quanto a indagação. Há respostas, sem dúvida, que evidenciam as características realmente fundamentais da formação, mas sem a preocupação com a rigorosa unificação intencional de um conceito glo-balmente extensivo, precisamente definido e definitivamente acabado. Honoré (p. 104) aponta com precisão a dificuldade, talvez até impossi-bilidade, de se pretender um trabalho de definição exaustiva sobre a formação em geral, visto a pesquisa constituir o núcleo estratégico do respectivo processo: "A constatação do inacabamento na condição humana confere à formação um sentido de pesquisa dos possíveis".

Mesmo assim, convenci-me de que a constatação das referidas características fundamentais me levará à compreensão de tudo aquilo que mais direta e genericamente interessa saber sobre formação nes-te breve estudo. Para tanto, apoiar-me-ei nos dois autores citados, Lothellier e Honoré, dando maior ênfase quantitativa às citações de Lothellier e chamando à atenção para o fato de que suas colocações se embasam nos princípios de sua especialização, a Psicosociologia, mas evidentemente em perfeita harmonia com os postulados filosófi-co-existenciais relacionados com o tema em estudo.

Feitas essas observações preliminares, é o momento de se passar, objetivamente, às características fundamentais do fenômeno formação:

A PESQUISA COMO DINAMISMO ENERGÉTICO DO FENÔMENO FORMAÇÃO

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7.1.1 A FORMAÇÃO COMO PESQUISA DE FORMAS

Para Lothellier (p. 56),

A formação é pesquisa de forma e não análise de elementos. Tudo é informe enquanto não é assumido por nós. Tudo ao nosso redor é "matéria prodigio-samente enorme, imperceptível, incerta, impessoal". Todavia, esta realidade é a grande geradora de formas... A formação é o debate sobre as formas, sobre os modos de expressão...

A formação é o trabalho sobre as formas que realizam uma existência e estas formas de existência, condicionadas historicamente, estão em reforma per-manente, sob pena de não sobreviverem senão deformadas, esclerosadas, mortas, ultrapassadas. Esta idéia de forma implica aquela de metamorfose. Cada forma define um conjunto provisório - que requer a sua própria finalida-de - e acarreta outra pesquisa de forma.

O texto acima implica a idéia de situação na existência. Situação evidentemente inteligente e consciente. Mas não basta saber se locali-zar na existência de maneira passiva. É preciso reconhecer e assumir o próprio lugar na totalidade da existência.

A formação deve, portanto, tornar possível ao ser humano tanto o reconhecimento quanto o ato de assumir de fato a existência, o que faz emergir a segunda característica tratada a seguir.

Lothellier (p. 77) ensaia uma conceituação mais sistematiza-da de formação: "A formação é a capacidade de transformação dos acontecimentos cotidianos vagamente experimentados em ex-periência significante, no horizonte de um projeto pessoal e cole-tivo".

Precisando um pouco mais, o texto enseja que a formação tem o objetivo de desenvolver a capacidade de o ser humano transformar os acontecimentos, cotidianos e extraordinários, em experiências significantes (com efetiva significação para a existência). Quanto à pró-pria formação, enquanto processo, a interpretação que me aflora e con-vence é a de que ela diz respeito à dinâmica pela qual a mencionada

7.1.2

A FORMAÇÃO COMO CAPACIDADE DE TRANSFORMAÇÃO DE ACONTECIMENTOS EM EXPERIÊNCIAS SIGNIFICANTES

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capacidade de transformação po-de ou deve ser con-quistada pelo ser humano.

O aspecto processo, supra-referido, será obje-to da próxima (ter-ceira) característi-ca. Com isso, pare-ce-me oportuno analisar um pouco

mais a dimensão objetivo ou finalidade da formação.

A capacidade de transformar, de fato, acontecimentos ordinários e extraordinários em experiências significantes para a existência (con-cebida simultaneamente em sua totalidade pessoal e coletiva) evoca e implica duas outras dimensões relativas à maneira concreta de o ho-mem se situar face e na própria existência, busca (pesquisa) perma-nente da verdade e exercício da liberdade:

a) Busca (pesquisa) permanente da verdade. Poder-se-ia até supor, pela evidência em sentido estrito, a exis-

tência de conformidade da inteligência com a verdade, o que consistiria no conhecimento do objeto tal como é e aparenta, ou seja, o conheci-mento perfeito. Isto significaria o acesso da inteligência à verdade inte-gral e objetiva do que é conhecido.

Mas de que serviria essa suposição, se o homem tem em si mes-mo a evidência que manifesta a verdade da relatividade, do dinamismo do universo e da própria existência? - O que importa é o conhecimento, seja qual for o seu grau de perfeição que manifesta a verdade e que, no mesmo ato, induz o engajamento ativo no dinamismo da existência. É necessário, ainda, que o conhecimento intelectual seja intrinsecamen-te vinculado à capacidade de decifrar as significações situacionais e relacionais de tudo o que é conhecido.

Estou ciente de que essa maneira de tratar a relação do homem com a verdade, pelo conhecimento, ultrapassa o domínio de uma única ciência, seja ela a filosofia, a psicologia, a sociologia ou outra. Mas es-tou ciente também que se faz necessário considerar qualquer ato do

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homem como sen-do de todo homem, isto é, de cada ho-mem como uma to-talidade. Em conse-qüência, tem-se que levar em conta que a formação que vise o desenvolvi-mento da capacida-de do conhecimen-to intelectual, sem (ao mesmo tempo e

no mesmo processo) desenvolver a capacidade de decifração de sig-nificações situacionais e relacionais do que é conhecido, leva o ser humano ao suicídio existencial.

Se, de um lado e apesar de tudo, a formação pudesse conduzir o homem ao assentimento da verdade de sua existência e da existência de tudo o que integra o seu universo e, de outro, fosse incapaz de engajar o homem na existência total e pessoal, o resultado seria o seguinte: construiria apenas um homem que conheceria verdades e que viveria, mas incapaz de ser efetivamente humano, visto que o homem se humaniza pela coexistência significante. É exatamente nesse sentido que entendo esta outra posição conceituai de Lothellier (p. 55): "A for-mação é, portanto, um ato existencial de busca (pesquisa) da verdade, ato que transforma os acontecimentos da vida em experiência, com a ajuda da reflexão".

b) Exercício da liberdade. Observação preliminar: esta dimensão retoma as abordagens

sobre liberdade, constantes do item 6.3, e constitui praticamente uma extensão da primeira, a da busca (pesquisa) da verdade.

Deixando de lado abstrações muito metafísicas sobre liberdade, indaga-se simplesmente: que é o exercício da liberdade, pelo homem, senão a aptidão adquirida de decifrar novas significações e de as incor-porar à existência pessoal, em harmonia com os critérios próprios da natureza e segundo a hierarquia dos valores? - Ser livre, na minha opi-nião, consiste em se tornar efetivamente capaz de ampliar e aprofundar, progressivamente (ou seja, sem descontinuidade), o horizonte de sen-tidos da existência pessoal no contexto de toda a existência, como uma totalidade dinâmica. Qualquer estreitamento ou descontinuidade des-

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se horizonte, que também pode ser progressivo, ocasi-ona a diminuição do ser livre de fato.

A ampliação do horizonte de sentidos (ou signi-f icações) pode acontecer com ou apesar dos condici-onamentos. Há con-dicionamentos que fazem parte inte-

grante da própria vida dos seres humanos. Nesse caso, só permane-cem restritivos ao exercício da liberdade até que se descubram suas significações e as incorporem conscientemente na vida. Mas há, tam-bém, condicionamentos que impedem realmente o exercício da liber-dade. São aqueles que negam parcial ou totalmente a existência. Ainda em relação a estes, é necessário saber descobrir o que são e o que efetivamente restringem ou impedem para que se possa encontrar os meios de como os superar, evitar ou afastar, objetivando a que se abra caminho de constante ampliação do horizonte da conquista de senti-dos para a vida.

Observa-se que esta maneira de conceber o exercício da li-berdade não conduz a um personalismo extremado. Ao contrário, o ato de decifrar as significações de minha existência e para a minha existência é uma operação de reconhecimento, efetivo e afetivo, apenas daqueles valores que me concernem como sujeito da ação. E mais: o ato de incorporar ou assumir tais significações não se faz em detrimento de outras existências personificadas ou não, porque não são objetos de posse individual (a menos que sejam represen-tadas por símbolos materiais como, por exemplo, dinheiro). E, ainda assim, a posse (quando passível de existir) deve ser também cons-tantemente sujeita à decifração de sentidos, pelo menos no que concerne à sua validade, à sua legitimidade, à sua oportunidade e assim por diante.

A incorporação de sentidos se faz pelo auto-enriquecimento, ou seja, pela reorientação da vida personificada segundo novas sig-nificações ou valores efetivamente reconhecidos, conforme Honoré (p. 104):

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O alvo da formação nos parece que deva ser a descoberta ou o reconheci-mento de um horizonte pessoal e de um horizonte social, formados por todas as atividades criativas, significantes, realizadas individual e coleti-vamente.

Em vista de tudo o que foi exposto, a formação tem por objetivo o desenvolvimento da capacidade humana de transformação dos acon-tecimentos da existência em experiências significantes, de forma que o homem possa buscar (pesquisar) constantemente a verdade, adqui-rindo nessa busca as aptidões para o exercício concreto da liberdade pessoal.

A discussão, decorrente da interrogação, incita o homem à aber-tura (LOTHELLIER, p. 60): "A interrogação é, portanto, o trabalho da discussão (do diálogo ao dialético) de hipóteses de interpretação, de todas as tentativas de aprofundamento e de elucidação".

A negação impulsiona o homem a interferir na sua própria maneira de mudar (LOTHELLIER, p. 60): "Tornar-se uma pessoa significa ser capaz de realizar sua própria negatividade: não ape-nas dizer não ao que é, mas produzir disto que é aquilo que não era ainda".

A afirmação manifesta o poder que o homem tem em si mesmo (LOTHELLIER, p. 62):

7.1.3 A FORMAÇAO COMO PROCESSO DIALÉTICO DE INTERROGAÇÃO, NEGAÇÃO E AFIRMAÇÃO

A formação não é uma preparação para o de-pois, para o alhures; é já uma maneira de nos tratarmos, de nos com-preendermos (ou não), de nos reconhecermos ou de nos rejeitarmos (tudo não se "arranja"). É, portanto, questão de implicação [...]. Esta afir-mação é, então, mani-festada pela nossa pre-sença e pela nossa escolha de valores. Ou, de preferência, pela in-

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serção de nossas valorizações: criatividade, responsabilidade, autenticida-de em nossas situações [...]. É a inserção num esforço coletivo e não o exercício de uma liberdade solitária [...]. A formação não é, de maneira algu-ma, [...] separada das realidades.

Três dimensões da formação decorrem desse processo dialético de interrogação, negação e afirmação:

a) Dimensão pessoal: a formação visa o desenvolvimento da pessoa a partir de suas potencialidades e de seus próprios proble-mas.

b) Dimensão relacionai: "A formação começa um trabalho co-mum, ligando saber e vivido, antigo e novo, conhecido e desconhecido. Ajudando a dar à luz o universo de cada um, o formador descobre o seu próprio" (LOTHELLIER, p. 66).

c) Dimensão situacional: é a consolidação e a dinamização das relações pessoais e relacionais ao nível dos conjuntos, como partes que se situam e se engajam nas totalidades maiores (instituições, es-truturas, sistemas, etc.), estabelecendo-se a reciprocidade através dos fatos de assumir, analisar e renovar as maneiras de ser e de se organi-zar dessas totalidades:"[...] unicamente neste nível de estrutura (isto é, da globalidade das relações existentes entre os elementos de um con-junto) é que podem aparecer novas significações, contradições e con-flitos" (LOTHELLIER, p. 68).

Atendo-se ao estritamente essencial sobre cada um desses fa-tores:

a) A experiência "[...] é o reencontro com o desconhecido, o tra-balho metódico do sentido (LOTHELLIER, p. 71), compreendendo três tipos (a experiência comum, a questionada e a científica):"[...] Entre a experiência comum (não refletida) e a experiência científica (controla-da) se desenvolve a experiência questionada, refletida. É a pesquisa de possíveis significados, sem a imposição de um significado único" (LOTHELLIER, p. 75).

b) A exercitação:"[...] consiste em afirmar experiências, em for-mular novas hipóteses, em definir um controle". Consiste, portanto,"[...] em organizar um saber, em refletir um processo histórico que ajusta

7.1.4

PRINCIPAIS FATORES OPERACIONAIS DO PROCESSO DE FORMAÇÃO: EXPERIÊNCIA, EXERCITAÇÃO E PRÁXIS

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teoria e prática [...] é o momento em que se esforça para conferir sen-tido ao conjunto das experiências" (LOTHELLiER, p. 79).

c) A práxis "[...] é a unidade ativa da experiência e da experimen-tação, como elaboração da realidade social [...] é a prática socializada que se torna consciente dela mesma. Ou ainda, é a experiência organi-zada, controlada, que se tornou consciente dela mesma pela sua ma-neira de se situar na totalidade social. O comportamento é função da experiência, lembra Laing, e a práxis é comum à experiência comparti-lhada" (LOTHELLIER, p. 82).

Pretendeu-se, desde o início, que estes estudos/consultas fos-sem o mais conciso possível, mesmo versando sobre matéria tão com-plexa como formação. Foi o que efetivamente se tentou realizar, enfocando os aspectos principais do tema em torno das quatro carac-terísticas fundamentais, cujos perfis vêm de ser esboçados.

O que se segue não é propriamente conclusão mas apenas um "recorte", do qual resultam os seguintes destaques:

a) O primeiro se refere aos problemas que tornam difíceis a for-mulação de definição objetiva e à sistematização de mecanismos de controle da formação.

Segundo Lothellier (p. 58),

A formação é inseparável de suas conseqüências e de seu controle, da me-dida de seus efeitos. Esta verificação deve ser presenciada de três modos:

7.1.5 TRES DESTAQUES PARA CONCLUIR

pela avaliação, pela críti-ca e pela pesquisa. Em sendo assim, toma-se consciência da extraordi-nária dificuldade para de-finir a formação em ter-mos objetivos, visto que, para verificar se a finali-dade está sendo atingi-da, necessário se faz obri-gar-se a se definir. Os ob-jet ivos são, em geral, pouco definidos e muito vagos. Mas não se trata

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somente da precisão dos objetivos considerados "desejáveis" ou justos; trata-se também da questão de precisar critérios.

b) O segundo acentua a necessidade da pesquisa metodológica.

A posição de Honoré (p. 162) é a de que:

As condições da formação estão por ser criadas. É certo que há experiências em curso, muitas vezes realizadas de forma anárquica, mas os estudos metodológicos ainda são muito limitados. O problema que se coloca aqui, à formação, é mais o de uma corrente de pesquisa metodológica do que o da definição de métodos precisos, cuja configuração estável se contraditaria com os objetivos vistos.

O texto acima enseja duas inferências inteiramente opostas: de um lado, todos os que se ocupam com a formação, intentando dinamizar seriamente o seu processo operacio-nal (através do qual ela se torna realmente efi-caz), têm vastíssimo campo metodológico a pesquisar; de outro, to-

dos os que se contentam em se posicionar na defensiva, praticando ape-nas os métodos estabelecidos, sem a pesquisa das inovações reque-ridas, estão condenados à contradição, ocasionada pela fixidez ou estag-nação do que já foi estabelecido, visto se chocarem contra a própria dinâ-mica, que é uma constante essencial do processo de formação.

c) O terceiro consiste em se tentar dois ensaios de definição, apesar das dificuldades apontadas: de formação psicossociológica, por Lothellier (p. 81), e de formação sem adjetivação complementar, para efeito de fechamento deste estudo.

Para Lothellier,

A formação psicossociológica é a exercitação metódica e permanente da conscientização e da atualização de todas as dimensões sócio-existenciais de uma pessoa, de um conjunto de pessoas e de integrantes de uma institui-ção no horizonte de um projeto coletivo e pessoal.

No que respeita a um esboço de definição de formação (sim-plesmente formação), tomaria como base o conceito citado e comen-tado no item 7.1.2, com alguns acréscimos decorrentes das quatro características analisadas: a formação é o processo pelo qual se pesquisa, exercita e desenvolve, metódica e permanentemente,

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a capacidade de o ser humano transformar os acontecimentos or-dinários e extraordinários de sua existência, espontânea ou sis-tematicamente vivenciados, em experiências significativas para os projetos de realização pessoal e coletiva.

7.2 EXTENSÃO DA ABORDAGEM À FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Nas décadas de 70 e 80, esteve em muita evidência o movimen-to contestatório da escola institucionalizada, tida como perpetuadora do massacre despersonalizante do indivíduo. Segundo essa corrente, os professores se incluiriam entre os principais agentes de massificação do indivíduo. Pregou-se, inclusive, a conveniência ou mesmo a neces-sidade do desaparecimento tanto da instituição escolar como dos pro-fessores institucionalizados.

Ivan lllich, um dos líderes desse movimento, estampou a sua idéia-chave no próprio título de seu livro Uma Sociedade Sem Escola (Editions du Seuil, Paris, 1971), cuja repercussão na França despertou o contra-ataque direto de Hubert Hannoun, nada menos que ex-diretor do Institu-to de Pesquisas Pedagógicas de Paris (antiga Escola Normal de Pa-ris), que revidou sem rodeios com outro livro intitulado Ivan lllich ou A Escola Sem Sociedade (Editions ESF, Paris, 1973).

Preferi, em 1978, e continuo preferindo agora, interpretar esse movimento como um grito de alerta contra o

Sem entrar a fundo na análise de mérito da polêmica, embora o tenha feito em 1978, o que se conclui é que, segundo o citado movimen-to, ter-se-ia que reformular radicalmente não só o perfil e o papel ativo do professor, sobretudo nas sociedades pobres do planeta, como também, e em decorrência, os respectivos princípios e processo de sua for-mação, extinguindo-se as figuras institucio-nalizadas da escola e do professor.

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mecanicismo efetivamente subserviente e confinante das teorias e prá-ticas educacionais à mitológica eficacidade dos métodos sublimados pelo gargalo da "s is temat ização c ient í f ica" (metodo log ismo, pedagogismo, psicologismo, sociologismo educacional, etc.), cuja credibilidade ficou na dependência de uma minoria, cada vez menor, de "experts consagrados" internacionalmente.

Em termos de posicionamento pessoal, identifico-me mais com a opinião de Hannoun, no citado livro, segundo a qual os problemas e as dificuldades apontados pelo movimento constestatório têm razão de ser, devendo-se, portanto, buscar (pesquisar) soluções (sobretudo no sentido de uma evolução sadia) para os mesmos ao invés de se pretender suprimi-los, pela extinção de tudo o que é institucionalizado em matéria de escola e mestres.

É importante frisar, no entanto, que o referido grito de alerta pro-vocou eco de imediato junto aos interessados pelas questões educaci-onais de nosso tempo, fora dos países pobres. A pedagogia libertadora, bandeira de nosso ilustre educador Paulo Freire desde os anos 60, começou a ter repercussão na Europa. Em 1976, Jakob Robert Schmid publicou em Paris, o seu livro O Mestre-Camarada e a Pedagogia Libertadora, em que (dentre muitas outras colocações) nos fornece o perfil funcional do professor da escola ativa, confrontando-o com o da escola tradicional (p. 77):

O professor da classe ativa não pontifica de sobre um púlpito; ele não se posta diante de sua classe como um oficial diante de seu pelotão. O novo mestre desceu da cátedra e se encontra habitualmente em qualquer parte da classe, trabalhando no meio dos alunos: ele ajuda este aqui, corrige o traba-lho daquele lá, esclarece uma dificuldade a todo um grupo. A aula ativa é um trabalho ombro-a-ombro. Esse contato permanente, que resulta desta ma-neira de trabalhar, favorece, de imediato, uma certa intimidade que havia sido excluída outrora [...].

Os quest iona-mentos e posturas na l inha da educação l ibertadora começa-ram a conquistar espa-ço também na esfera de organismos inter-nacionais, sobretudo a UNESCO, observando que Paulo Freire mui-to contribuiu para isso durante seu exílio em Paris (o que pude

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constatar até pessoalmente). Em conseqüência, também se ampliou o debate sobre o perfil e o papel do professor. Pouco a pouco, a tônica predominante na prática da escola tradicional, a do professor como pontificador e instrutor ou transmissor de conhecimentos teóricos e aplicados, foi dando lugar à teoria do professor formador, ou seja, da-quele que ajuda os educandos a desenvolverem as suas capacidades de transformação dos acontecimentos da existência (inclusive os co-nhecimentos, não importando de que tipo, forma ou natureza) em ex-periências significantes para a integralidade de suas vidas e das coleti-vidades em que elas se desabrocham e desenvolvem.

Nesse contexto, as próprias expressões "formação de professo-res" ou "formação de professor" não dizem tudo, visto que o que entra efetivamente em jogo é a formação de formadores ou a formação do formador. Em outros termos, a formação de professores, enquanto pro-cesso que começa mas não termina em um curso, implica duas di-mensões a serem de fato e simultaneamente consideradas: as de vi-sar o educando (no caso o aluno-mestre do futuro) como aquele que está em processo de formação agora para continuá-la na condição de formador daqui a pouco, como diz Lothellier (citação já feita no item 7.1.3 b): "Ajudando a dará luz o universo de cada um, o formador des-cobre o seu próprio".

Léon (1974, p. 100) é também dessa opinião: Formar um mestre é, sem dúvida, ajudar a se conhecer melhor. Mas é, ao mesmo tempo, ajudar a melhor conhecer as condições dos próprios comportamentos sobre as atividades dos alunos.

A questão, segundo Hannoun (1973, p. 48), de que "[..,] formar um mestre é formar aquele que amanhã formará alunos para o depois de amanhã" (ou ainda: é formar hoje aquele que amanhã formará alu-nos para o depois de amanhã) é complexa, porém viável:

A solução a este difícil problema parece-nos residir no nível de uma efetiva previsão, talvez uma orientação, do futuro social pelos própri-os homens, ao invés de se contentarem em sofrer essa evo-lução. Ademais, o ensino (como um dos fatores essenci-ais a estas orienta-ção e previsão) de-veria estar estreita-mente associado à sua elaboração.

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Quanto à solução supra, apenas enfatizaria um pouco mais a "orientação do futuro", substituindo o talvez por e: "A solução para este difícil problema parece-nos residir no nível de uma efetiva previsão e orientação do futuro social pelos próprios homens..." (sem nenhuma outra alteração).

Numa tentativa de síntese, a formação de professores parece consistir, por fim, em dinâmico processo que visa, simultaneamente, duas dimensões de apoio ao formando de hoje, já na condição poten-cial de formador de amanhã: a) ajuda no sentido de que o mesmo se fundamente, exercite e desenvolva a sua capacidade de transforma-ção de todos os acontecimentos da existência, inclusive o aspecto instrucíonal, em experiências significantes no âmbito dos projetos de vida individual e coletiva; e b) oportunidade, também de fundamenta-ção, exercitação e maturação, para que o formador de amanhã conti-nue a dinamizar permanentemente a sua capacidade de transforma-ção, através da ajuda que vier a prestar ao desenvolvimento das mes-mas qualidades no futuro educando, visto que "[...] ajudando a dar à luz o universo de cada um, o formador descobre (e desenvolve) o seu próprio [...]" ou, ainda, segundo a "verdade fundamental" de Piletti (1989, P-18):

[...] é educando que se aprende a educar. O que exige a capacidade de modi-ficar a rota sempre que não chegamos ao objetivo. É a maneira como se faz a formação do educador [...] E, apesar da tentativas, parece que empacamos nas velhas fórmulas, fugimos da inovação como o diabo foge da cruz, teme-mos perder espaços conquistados, colocamos o interesse corporativista aci-ma do interesse educacional. Precisamos avançar.

7.3 CABERIA UMA CIÊNCIA PARA A FORMAÇÃO?

Pois é o que propôs Honoré (1974, p. 180-81), diretor do "Instituí de Formafion eí d'Éfudes Psychosociologiques eí Pédagogiques", mencionado na inírodução desíe Tópico. Segundo ele,

A aquisição de conhecimentos, sua inserção nas significações novas (que os transformam no curso das intenções, no campo das experiências vividas); a expressão desses conhecimentos para fins de aquisições de novidades e mutualidades, ou seja, sua utilização na práxis; tudo isso que não forma a sintaxe, mas o conteúdo, e que põe em jogo a criatividade humana entra no campo da formática [...] Entendemos por formática, portanto, a ciência que tem por objetivo o estudo do fenômeno 'formação'.

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Em termos gerais, não me preocupo muito com a questão se a formação deve ou não abranger uma ciência só para ela. Julgo extre-mamente importante e urgente, no entanto, que esse fenômeno seja, em si mesmo, foco de maior interesse e estudo sobretudo por quem deixa transparecer alguma sensibilidade mais substantiva em relação à formação do homem e da nação brasileira.

Do contrário, ficaremos repetindo "velhas fórmulas", como afirmou Piletti, pretendendo "formar" professores, economistas, médicos, odontólogos, especialistas, etc., sem sequer sabermos ou questionarmos sobre o que é efetivamente formar. É por aí que começaremos a distinguir, em teoria e prática, o formar do domesticar, do plasmar, do condicionar, do "especializar" (na realidade bitolando) professores, economistas, médicos, engenheiros, etc.; e até dos ensinar e "educar" das maneiras como têm sido concebidos e concretizados nos cursos de educação básica e de nível superior, inclusive nos das áreas da pós-graduação.

Sou de opinião, por outro lado, que sem pesquisa jamais se en-tenderá e implementará a autêntica formação, visto tratar-se de fenô-meno extremamente dinâmico, que se organiza e operacionaiiza de forma processual, através da soma contínua de conquistas significan-tes. Vale, nesse sentido, relembrar três frases de Lothellier, citadas no item 7.1.1: "A formação é pesquisa de forma e não análise de elemen-tos [...]"; "A formação é o debate sobre as formas, sobre os modos de expressão [...]"; e "A formação é o trabalho sobre as formas que reali-zam uma existência [...]".

Talvez seja ainda por aí que tenhamos a oportunidade de rever-ter o espantoso estigma de nosso vasto currículo histórico de "refor-mas" que nada formam de novo ou pretendem "reformar" o que

nunca ainda se-quer se "formou": por exemplo, o mote do momento, na área educacio-nal, é a "reforma universi tár ia de cima para baixo (a partir de esquemas propostos pelo MEC) e não de con-solidação formati-va da própria uni-vers idade brasi-leira.

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Como podemos reformar aspectos educacionais, culturais, polí-ticos, etc., de nossa sociedade sem sequer nos preocuparmos em saber, na teoria e prática, o que é formar?; sem nos formarmos?; sem incorporarmos a idéia e o fato de que a reforma nada mais é do que expressão de dinamicidade do próprio processo de formação, quando entendido e praticado com autenticidade? - Relembrando Lothellier (já citado no item 7.1.1 e continuando a última frase acima):

A formação é o trabalho sobre as formas que realizam uma existência e estas formas de existência, condicionadas historicamente, estão em reforma per-manente, sob pena de não sobreviverem senão deformadas, escierosadas, mortas, ultrapassadas.

Reformas descontextualizadas de autêntico processo de forma-ção são apenas pacotes-artifícios que expressam tão-somente a falta de identidade e visão de quem as planeja e "operacionaliza" (ou finge que as operacionaliza). Mais uma vez parece que Kujawski (1991:203) está com a razão: "O princípio responsável pela crise não está na eco-nomia, na vida e na História do homem brasileiro contemporâneo; está na perplexidade de não saber o que fazer".

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A PESQUISA NA TOPICO S RAZÃO DE SER DA

UNIVERSIDADE

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Depois de abordagens sobre diferentes enfoques metodológico-conceituais de pesquisa e de sua relação tanto com o desenvolvimento e formulação do conhecimento científico como com a própria evolução da vida humana, individual e gregariamente dimensionada, chegou a vez do trato da pesquisa no prisma especificamente universitário, o que se iniciará neste Tópico e terá continuidade no próximo.

Ao projetar as idéias fundamentais desta última parte do tra-balho, julguei oportuno, necessário mesmo, buscar o entendimento não apenas da pesquisa na universidade mas da própria configura-ção básica do que é ou venha a ser a autêntica universidade en-quanto instituição societária universal. Isto porque, na minha con-cepção, a autêntica universidade foi, é e continuará sendo uma en-tidade laboratorial da sociedade (seja da sociedade como categoria geral seja daquela unidade social organizada em que se situa cada célula universitária), constituindo o clima de pesquisa e a compe-tência produtiva, que envolve explícita ou implicitamente eficiência inquiridora, o divisor de águas entre a universidade autêntica e a meramente rotulada como tal.

Neste Tópico, preocupei-me em saber se nossa instituição uni-versitária nacional tem reflexo na sociedade brasileira (8.1), se nos-sas universidades já se consolidaram como tal ou se encontram ain-da em processo de "gestação" (8.2) e se havia um meio analógico que facilitasse visão clara das propriedades configurativo-dinâmicas da autêntica universidade (8.3). Como divisor de águas entre a uni-versidade autêntica e a não autêntica, a pesquisa permeia todos es-ses enfoques.

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Só no próximo Tópico, o nono, serão reveladas dimensões teóri-co-operacionais específicas da pesquisa na universidade.

8.1 A SOCIEDADE COMEÇA A DEBATER A UNIVERSIDADE BRASILEIRA

Fel izmente, está se propagando o debate sobre a universidade brasi-leira em escala po-pular e nacional. Os meios de comu-nicação de massa vêm aumentando significativamente espaços à compe-tência e à incompe-tência da universi-

dade brasileira, dentre eles se destacando jornais de grande circula-ção, revistas de relevância nacional, bem como noticiários televisados e radiofônicos.

Tenho observado, pela leitura corriqueira e lembrando que este texto foi elaborado em 1992, que o semanário Veja da Editora Abril S.A., por exemplo, dedicou sete páginas do n.° 24 (de 8 de maio de 1991), com tiragem de novecentos e oito mil exemplares, à denúncia de que "O País Arrisca o Futuro nas Universidades", sem falar em entrevistas de desta-que ("páginas amarelas") como as feitas com o médico-cientista, Prof. Isaías Raw, da USP/SP, com o Prof. Edmundo Campos (sociólogo) do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ, com o Prof. Gianotti, etc., em números anteriores. E isso sem mencionar maté-rias e até cadernos universitários que têm circulado em grandes jornais como Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Estado de São Paulo, O Globo e tantos outros. A própria Televisão brasileira vez por outra se ocu-pa seriamente de reportagens universitárias que vão muito além do sim-ples resumo informativo.

Embora os destaques levantados sejam de cunho quase sem-pre pessimista, por vezes até apocalíptico, o próprio fato de a grande

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imprensa se preocupar com a matéria já é de extrema relevância. A sociedade sempre investiu tanto em impostos quanto em crédito de futuro na instituição universitária. E o mais significativo, e grave, nisso é que o maior investidor tem sido exatamente aquela camada da popula-ção com menos chance de acesso sobretudo às universidades públi-cas e gratuitas, federais e estaduais. Mas continua investindo, seja pela compulsoriedade tributária seja pela esperança de que alguém da fa-mília tenha um diploma de "doutor".

Essa é uma expectativa que permeia todas as classes sociais, principalmente as mais pobres, talvez até como mecanismo de fuga (sublimação) da pobreza e miséria de um presente sem perspectiva. Daí o sucesso da tese "o pobre gosta de luxo" do carnavalesco Joãozinho

Trinta, então da Es-cola de Samba Bei-ja-Flor de Nilópolis, que efetivamente tomou iniciativas de aproveitar a utopia do "luxo" para a luta real contra a misé-ria humana e soci-al. Daí, ainda, o su-cesso das telenove-las que "transpor-tam" os confinados

dos barracos e da falta do que comer e vestir para os suntuosos palá-cios e hotéis de Paris, Londres e Nova Iorque.

Acredito, no entanto, que por trás da utopia universitária coletiva (a do sonho de se ter um médico, engenheiro ou advogado na família) se situe uma aspiração (quiçá objetiva) implícita (portanto ainda não questionada e racionalizada) de que a universidade venha a ser, algum dia, uma espécie de maternidade de renascimento contínuo da nação brasileira, onde não só se faça o "dar à luz" à produção e reprodução do conhecimento, em todas as suas dimensões, como também se concretize o surgimento das lideranças-agentes que pesquisem, tes-tem, disseminem e administrem soluções alternativas para a pobreza sócio-econômica e para as expectativas de equilíbrio e realização de ordem pessoal e societária.

O fato de a grande imprensa se preocupar com a matéria é revelador, primeiro, de que o assunto universidade começa a ser incor-porado no processo de seletividade do "marketing" empresarial (já dá "ibope") e, segundo, porque amplia e diversifica incomensuravelmente

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a participação popular, direta ou indiretamente, no debate universitário, restrito até bem pouco ao âmbito elitizado e ocasional de assembléias legislativas, conselhos educacionais, órgãos governamentais especializados e de diminutos grupos ideológica e/ou profissionalmen-te interessados pelo assunto.

Em termos de Brasil, pode-se acreditar que a universidade não é uma entidade que já morreu e não sabe. Permite-se, isto sim, admitir a idéia de que a maioria das instituições ditas universitárias está, ainda e apenas, em fase de "gestação", sem concreto "nascimento" para as reais dimensões universitárias da formação (abordadas no Tópico 7 anterior) dos agenciadores de nossa sociedade. Na opinião de Demo (1991 a, p. 3-4), "A universidade precisa deixar seu passado reprodutivo, de entidade de ensino, para assumir a condição de entidade de pesqui-sa. [...] Cabe à universidade acompanhare incorporara produção oriunda de outros centros, mas isto não substitui jamais a produção própria, por mais modesta que seja".

E nesse lento processo de "gestação", na estufa da legitimidade legal já conseguida, sequer o lado reprodutivo do ensino vem funcio-nando a contento:"[...] encontraremos em alguns países latino-ameri-canos um completo alheamento da universidade em relação a seu meio social, assim como um sistema curricular meramente simbólico" (Pi-menta, 1984, p. 47), o que é mais contundente, explícita e atualizadamente

8.2 A UNIVERSIDADE BRASILEIRA EM FASE DE "GESTAÇÃO"

enfo-cado por Demo (1991b, p. 7):

[...] a universidade tam-bém apre-senta faces de inadequação relati-va aos desaf ios do mundo moderno, assu-mindo a condição de uma das instituições mais conservadoras na sociedade, no contexto de uma ironia já mais típica que estranha: lá, onde se fabricam as teorias de mudança, é

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Trata-se, portanto, de escolas tradicionais, e em crise, que preci-sam sair do estado de latência deteriorante em que se encontram, pelo cultivo parasitário de vícios e mediocridades instaladas na cultura organizacional e na burocracia operacional. Destacam-se, a seguir, aqueles vícios mais diretamente relacionados à falta ou omissão de visão e compromisso no que respeita ao progressivo "parir" a universi-dade autêntica.

o lugar em que menos \ se muda. O conheci-I mento, quando existe,

volta-se muito mais a coibir mudanças estru-

•*; turais, do que a fomentá- las. Nossas instituições de educa-ção superior são ca-racteristicamente "ins-tituições de ensino", ou seja, de conhecimento repetido e imitado. [...]

| Quem pesquisa deve ensinar, mas só ensi-na quem pesquisa [...]"

FUGA A INICIATIVAS PRÓPRIAS 8 - 2 - 1 E COMPROMISSADAS

A conhecida deturpação da lei de Lavoisier (nada se perde, nada se cria; tudo se copia) tem sido uma constante em grande parte das instituições universitárias brasileiras, não só na área do ensino reprodutivo. Começam pelos próprios estatutos e regimen-tos gerais. Em 1985, analisei dezoito estatutos e regimentos, de di-ferentes instituições, e pude constatar que a ampla e irrestrita "isonomia" normativa já era uma prática entre grupos de IES, no caso autarquias e fundações. E, assim mesmo, com variações que não chegavam a ultrapassar as fronteiras básicas da legislação vi-gente para cada tipo de entidade. Pelo visto, os lay-outs normativos e administrativos de quase todas as nossas IES são cópias de algu-ma matriz já aprovada pela instância competente, com alguns reto-ques que visam a fazer crer na especificidade de cada um, sobretu-do no que se refere a número e denominações de unidades admi-nistrativas.

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No fundo, a impressão que fica é a de que temos a síndrome do pa-vor pelo risco das experiências não previamente regu-lamentadas ou, de preferência apro-

vadas. Nossa aversão por propostas arrojadas, porém criteriosas, talvez se explique pela neurose autoritária, decorrente do verdadeiro autoritarismo vigente em toda a história brasileira (evidenciado na recente ditadura militar) ou exercitada pelo hábito inveterado de se criar ambiente autoritário a cada momento de debate sobre proble-mas institucionais: consomem-se muito mais tempo, energias e re-cursos para a detecção e presunção de impedimentos e dificulda-des do que para a pesquisa e o aviamento de soluções criativas. Ao invés da persistente busca de saídas, nós nos aplicamos à cata de fechaduras.

8.2.2 DISCUSSÃO IMPRODUTIVA SOBRE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO

Estéril tem sido a discussão acadêmica sobre indissocia-bilidade (hierarquia, espaço, etc.) em relação ao "tripé" ensino, pes-quisa e extensão, sem determinação institucional e profissional que oriente a universidade rumo à efetiva produção. Aliás, até o conceito acadêmico de produção tem sido vazio ou, quando muito, formal: nos ímpetos moralizantes cobram-se genericamente trabalhos (so-bretudo pesquisas) técnico-científicos, com rigor saneador, mas aceita-se a rotina improdutiva até dos que pregam a moralização alheia. Por outro lado, aqueles que se dedicam à produção sem ró-tulo (assistência técnica, orientação em toda a sua permanência no Campus, estímulo ao desenvolvimento cultural, técnico e científico dentro e fora das obrigações compulsórias, etc.) são, normalmente, jogados na vala do contingente improdutivo, visto que os processos de gerenciamento dos departamentos e das demais unidades admi-nistrativas se fazem quase sempre sem critérios de sistematici-

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Comparti lho a opinião (DEMO

t 1990ae 1991 a) de —* «f ci116 0 q116 importa

•*- v — ——• de fato é a produ-ção com um certo

nível de qualidade, "[...] por mais modesta que seja". Entendo que por trás, na frente, no fundo, em cima ou do lado de uma produção já se situaram, se situam ou se situarão (em termos de curto, médio e longo prazos) as dimensões pesquisa-ensino-extensão. E isso com ou sem projeto específico (o projeto é sempre um instrumento, mas o que vale são os processos e resultados), em se tratando de traba-lhos técnico-científicos formais (escritos) ou de competente esfor-ço de orientação, assistência e estímulo a que outros se despertem e multipliquem, agora ou depois, suas efetivas capacidades e habi-lidades produtivas. Isto porque, no contexto universitário, quem pro-duz é aquele que veste a camisa de formador e/ou formando e não apenas aquele que escreve, embora o processo de formação impli-que também o exercício da habilidade da comunicação escrita de conhecimentos criados, redimensionados ou simplesmente meta-bolizados.

dade e mecanis-mos gerenciais de efet ivo acompa-nhamento, contro-le e avaliação de desempenho fun-cional.

A discussão sobre a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão é, de per si e em última instância, um trabalho que des-gasta mas nunca levou ou levará a lugar nenhum, por reduzir-se a artifício acadêmico de se pressuporem indissociáveis coisas (con-ceitos e fatos) que jamais foram dissociados entre si. Exemplos: a) se faço um bom trabalho de ensino, a pesquisa está presente no embasamento e a extensão na extrapolação de seus efeitos para os meios da convivência familiar, profissional e social do meu aluno, independentemente se hoje, amanhã ou depois; b) se faço um bom trabalho de pesquisa, o mesmo influirá no meu afazer de ensino (se sou professor) ou no magistério de outros professores, como incidirá direta ou indiretamente em meus intercâmbios com a comunidade extra-universitária. Então, o que importa é trabalhar bem (fundamen-tando-se e impregnando-se do que se faz) e não o cultivo da obses-

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são pelo rótulo: ensino, pesquisa ou extensão (essa questão será retomada no item 8.3).

8.2.3 A UNIVERSIDADE AINDA NÃO SE ASSUMIU

••.••: S, ^ ^ De fato, os ^ i f g f é ^ t í à movimentos uni-

* k f S i í ^ . versitários se ca-g r ^ r a c t e r ' z a m P o r rei-

A \ J s f i p K - ^ j ^ g s r ^ ^ J S f e ^ 1 ^ .' se todas justas, jí X' >-. / I v n X , mas vazias de ii I A í f f ' ^ r í p f ^ ' " j l t J ^ ^ j y auto-análíses so-

i f * v y j ' ' | bre iniciativas que // . v ' ' 'S í fs L J í as próprias uni-/ / \ \ ( / / U ve rs idades de-

V ^ f íe=» ^ / A VW-gs i d r 7 vam tomar para | i — . JT "^ - - s e t rans fo rma-

ttC? * rem. Isto não quer dizer que não haja

pessoas preocupadas com o assunto e nem iniciativas esporádicas nesse sentido, como: Seminário sobre Situação e Perspectiva do Ensino Superior no Brasil, promovido pelo Núcleo de Pesquisa sobre Ensino Superior da Universidade de São Paulo, em 5 e 6 de abril de 1989, bem como recentes trabalhos de Demo (Universidade e quali-dade, in: Educação Brasileira, 1990b; Educação superior e desenvol-vimento, 1991a; Educação e desenvolvimento, 1991b; Pesquisa-prin-cípio científico e educativo, 1990a), de Schuch Jr. (A questão dos ob-jetivos institucionais da universidade, in: Educação Brasileira, 1990), de Cano et al. (Universidad y Poder em América Latina, in: Educação Brasileira, 1990) e as próprias entrevistas com os professores Isaías Raw, Edmundo Campos (já mencionados), e tudo o mais que vem sendo publicado.

São apenas iniciativas de pessoas isoladas e equipes ou esparsas unidades institucionais sensibilizadas e com visão da problemática. Ocorre, porém, que esse tipo de preocupação não parece ter impreg-nado efetivamente o grosso da população que compõe e operacionaliza a vida universitária. Não faz parte, pelo que vem ocorrendo, das angús-

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tias e muito menos dos objetivos dirigentes, docentes, técnico-admi-nistrativos e até discentes da esmagadora maioria das IES brasileiras. Nas áreas dirigente, docente, técnico-administrativa e discente, fala-se, como nunca, sobre diálogo democrático, idéias pluralistas, gestão participativa, processos dialéticos e similares. Mas o que se tem verifi-cado na práxis é a ênfase no dirigismo ideológico, em que o "diálogo", "o pluralismo de idéias", "os critérios de gestão" e as "premissas dialéticas" aceitas e praticadas são aquelas decorrentes da equivoca-da aplicação de convicções metodológico-ideológicas da política parti-dária.

Prega-se muito e duramente sobre o que os outros devem fa-zer, mas não se programa efetiva e compromissadamente o que cada segmento, unidade gerencial e órgão colegiado devem assu-mir para que a universidade (cada universidade) se evolua no senti-do de autêntico projeto formativo-educacional. A imaturidade históri-ca nos leva à crença, à ingenuidade e talvez até ao capricho de pensarmos que aspirações e convicções partidárias, grupais ou mesmo pessoais , co inc idem com obje t ivos soc ie tár ios e institucionais. Em assim sendo, a pluralidade ideológica conduz ao impasse de alternativas, ao invés de favorecer a formação de le-ques de propostas viáveis, com espaço participativo para todos e qualquer um que efetivamente pretendam engajar-se na construção teórico-operacional da vida institucional, independentemente do res-pectivo credo ideológico.

O que se tem observado é que a pluralidade ideológico-somativa ainda está por emergir, enquanto o que efetivamente vem acontecendo no interior das instituições é a alternância dos autoritarismos de posi-ção (absoluto no regime da ditadura militar) e de oposições (predomi-nante na atualidade).

A inexperiência histórica nos leva, ainda, à exótica postura de agirmos acreditando (sic) que a prática da "polêmica dialética", apoia-da exclusivamente nos eixos denúncia-reivindicação, é o bastante para que a universidade saia da crise que não é só financeira: é sobretudo de capacidade, competência e produção.

E tendo em conta que por trás da produção estão a capacidade e a competência de algum tipo ou grau de pesquisa, a crise se afigura, no fundo, como um grande problema de mentalidade e habilidade de pesquisa na instituição universitária brasileira. As soluções estão por aí, em alguma parte, à espera de que as pesquisemos e as concretize-mos pela soma operativa de esforços, em contexto de pluralidade ideo-lógico-profíssional, formativamente construtivo-produtiva, seja pela ob-

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tenção de resultados acabados seja pela geração de iniciativas e engajamento em processos que objetivem a multiplicação de produtos de sadia evolução a médio e longo prazos.

8.2.4 MIOPIA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO À UNIVERSIDADE

Na verdade, as questões ana-lisadas nos itens anteriores (8.2.1 a 8.2.3) represen-tam aquilo que se poderia chamar amplos aspectos de miopia ins-titucional.

Enfocare i , agora, a miopia de um outro prisma (ou seja, no das áreas governa-mentais federai, estadual e municipal em relação à universidade), mas entendendo que também esse prisma tem muito a ver com a miopia institucional. Por quê? - Porque míope é a visão de quem são enxerga o notório fato de que os políticos e governantes de hoje foram, em mai-oria absoluta (pelo menos nos âmbitos federal e estaduais) os universi-tários de algum destaque anteontem; de quem não vê que concebem e tratam agora o chamado "siste-ma universitário" / / ' / i S I 7 x brasileiro da ma-neiracomoapren- f J W-. deram a concebê- _ > i > j / /*** V Io e a tratá-lo en- y " A-^Xtf^ f rr '^. • ' ""•• \ quanto universitá- / / g ^ ^ ^ ^ t ^ f f / " ^ \ rios no passado, . / / • . \ ou seja. como um I j ^ ^ f j / . ' mal necessário • * M S ^ ^ P 1 ^ v % *

ou fábrica de diplo- V ^ ' r mas (quiçá até la- \ boratório de cor-

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rupção: "colas", "pesquisas" copiadas, "co-autorias" falsas em traba-lhos acadêmicos, "espertezas" em embrulhar professores e alunos, etc.) para ascensão social e profissional, ressalvadas honrosas exce-ções, evidentemente.

Em decorrência, o resgate da credibilidade depende também, e fundamentalmente, de cada instituição universitária. A universidade que se valorizar agora, através de toda a sua comunidade universitária, estará investindo no seu próprio futuro, pelo reconhecimento de seus egressos que ocuparem posições de definição e mando no diferentes níveis e âmbitos da textura polítíco-administrativa.

Mesmo assim, a área executivo-governamental vem mostrando miopia cabal em relação ao potencial que são sobretudo as universida-des, a começar pelas mantidas pela União e pelos Estados. São mons-

tros cultivados nos quintais dos gover-nos, que sequer procuram aprovei-tara força que têm para a atuação per-manente na base de todo o processo de desenvolvimen-to material e social tanto do país como de cada cidadão, sem se desvirtua-rem de seus obje-

tivos e funções específicas (ao contrário, cumprindo-os melhor em ter-mos de qualidade e quantidade).

Em 1976, quando atuava como técnico na Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG, já me preocupava com essa questão. Em reunião na Secretaria de Planejamento do Estado do Paraná, tive a oportunidade de interpelar a cúpula técnica do planejamento estadual mais ou menos no seguinte teor: por quê o Estado por um lado man-tém as suas universidades e instituições isoladas de ensino superior e, por outro, as alija da formulação e operacionalização de seus planos, programas e projetos de desenvolvimento?; por quê o Estado não in-veste credibilidade e recursos no sentido de que as IES se transfor-mem em fontes contínuas de geração não só de conhecimento como, inclusive, de desenvolvimento em suas respectivas áreas de atuação?; por quê, ao invés de manter as IES como entidades semivivas e de custear onerosos programas infra-estruturais de desenvolvimento, o

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Estado não investe, com exigência de retorno, no sentido de que a ins-tituição universitária estadual rompa os grilhões do academicismo for-mal e comece a trabalhar com metas arrojadas de mentalização, de realização de pesquisas, e experimentos, e de prestação de serviços outros que tornem as comunidades universitárias autênticos agentes multiplicadores de capacidade e competência no desencadeamento de processos com opções alternativas de desenvolvimento?

A impressão que se tem hoje (1992), em relação a esse questio-namento, é a de que as coisas não mudaram significativamente nos anos que se passaram em termos tanto de Paraná quanto de Brasil. As IES federais e estaduais são tidas muito mais como peso orça-mentário que mananciais passíveis de serem aproveitados em prol do desenvolvimento do país e da consolidação formativa da nação. E o mais curioso, para não dizer lamentável, é que as entidades gover-

namentais são ca-pazes de investir ou até s imples-mente gastar so-mas exorbitantes na montagem e manutenção de outros monstros (centros de aper-feiçoamento de re-cursos humanos, grandes laboratóri-os de produção e testes nas áreas

agrícolas, farmacêuticas, etc.), cujas funções poderiam, se planeja-das com eficiência, ser absorvidas com menos ônus financeiro pelas IES e sistematicamente cobradas pelas agências de desenvolvimen-to da respectiva esfera administrativa.

Envolvendo dirigentes, professores, técnicos e alunos nesse tipo de trabalho, a universidade se configuraria, pouco a pouco, como au-têntica entidade laboratorial de pesquisas e testes de alternativas de desenvolvimento, não apenas compatíveis mas até inerentes aos seus objetivos e atividades formativas. O ensino seria motivado e revitalizado. A extensão deixaria o seu caráter fisiológico de programas e projetos artificialmente acoplados à rotina universitária, pois tudo o que se reali-zasse na universidade produziria reflexos diretos e indiretos na dinâmi-ca organizacional e funcional da vida societária, em termos de curto, médio e/ou longo prazos. A dimensão extensionista da universidade se

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incorporaria natural e essencialmente à pesquisa e ao ensino ou de-correria diretamente da produção universitária.

Quanto ao receio de a universidade se tornar agência manipulável de administração do desenvolvimento, de perder as suas característi-cas de instituição de formação educacional autônoma, até um simples raciocínio lógico permite entrever que esse é o tipo de problema que só se concretiza quando as pessoas nele envolvidas são incompetentes, o que não se pode pressupor aprioristicamente.

Sob esse as-pecto, as entidades governamentais têm sido mais míopes que as próprias ins-tituições universitári-as. O não enga-jamento dessas ins-tituições em planos e programas de de-senvolvimento refle-te exatamente a vi-são imediatísta que vem caracterizando os constantemente frustrados progra-mas governamen-tais nacionais e es-taduais, Isso, por-que o desenvolvi-mento não é só questão objetiva de ciência, tecnologia e recursos financei-

O que efetivamente não deveria ocorrer é a universidade ficar mendigando, de "pires na mão", quando poderia receber reforços, em matéria de recursos de toda ordem (inclusive para a melhoria de salários), mediante compromissos de retornos previamente acor-dados. O que não poderia acontecer são os governos e as entida-des universitárias, por eles mantidas, ficarem em permanente clima de rixa, de discór- ; dia, de caprichos, de oposição e de mútuo descrédito.

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ros. Inicia-se pelo processo de formação da cabeça, da mentalidade, da cultura e das perspectivas sócio-pessoais de cada indivíduo, de cada cidadão. E é exatamente aí que as instituições universitárias poderiam tornar-se fortes, úteis, atraentes e produtivas, sem se desviarem um milímetro sequer de sua trajetória formativa.

Não se pode dizer, em princípio, que as IES públicas são arredias a esse tipo de engajamento e compromisso, visto que nunca foram ou são instadas para tal, em clima de diálogo objetivo, de co-responsabili-dades gerenciais e de mútuo respeito institucional. Estudos com esse propósito, como o de Sobral (1989), mostram que é necessário muito esforço para detectar as ligeiras alusões às universidades, sem efetivo comprometimento das mesmas, nos planos nacionais e setoriais de desenvolvimento.

A questão de as IES restarem na condição de pesos orçamentá-rios, sob a ótica das cúpulas administrativas governamentais, sempre se me afigurou como algo extremamente contraditório e absurdo, ex-pressão permanente da incompetência do gerenciamento público no Brasil. São numerosas, enormes e estrategicamente bem situadas or-ganizações que poderiam ser aproveitadas como verdadeiras estações permanentes de geração, irradiação e aperfeiçoamento de contínuos, alternativos, dinâmicos e compatíveis iniciativas e processos de de-senvolvimento local, regional e nacional.

Para se ter uma idéia do potencial universitário, em matéria de desenvolvimento, não são necessárias grandes elocubrações. Basta um pequeno exercício de raciocínio: mesmo que cada IES pública se limitasse a trabalhar bem (em termos de mentalização, teorização e iniciação operacional) só a clientela que nela se ingressa a cada ano ou semestre, ao final de cada qüinqüênio o país contaria com a entra-da em ação de milhares de agentes multiplicadores de iniciativas e progresso, se inclu-ídos na categoria de agentes, pelo menos mental i -zados, aqueles que deixam as institui-ções antes da con-clusão dos respec-tivos cursos. E a questão da forma-ção dos agentes de multiplicação é de estratégica e extre-

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mada importância, pois serão eles que influenciarão tanto os seus meios de vida e trabalho como também subsidiarão os primeiros pas-sos das gerações que nascem e crescem ao longo do processo. Só a título de exemplo: se houvesse um bom trabalho desenvolvimentista junto aos professores que saem licenciados dos cursos superiores, dentro em breve boa parte dos alunos da educação infantil e da edu-cação básica passaria a receber as influências benéficas e regulares sobre essa questão no decorrer de todos os seus processos de edu-cação. E isso sem falar no efeito multiplicador espontâneo que todos fariam na futura condição de pais, colegas, políticos, gestores empre-sariais e governamentais.

Só resta mais uma indagação: se tudo o que se disse é tão óbvio, por quê nossos governos federais, estaduais e municipais não procu-

— — raram, até hoje, en-volver, de fato e para valer, as IES sob sua jurisdição, ou situadas nos res-pectivos territórios, em seus planos, programas e proje-tos de desenvolvi-mento local, regio-nal e nacional?

Esse tipo de miopia tem cura.

A PESQUISA NA CARACTERIZAÇÃO ESSENCIAL DA UNIVERSIDADE

Todos os aspectos tratados no subitem precedente se referem a problemas concernentes à falta de visão ou miopia por parte tanto das instituições universitárias quanto da área executiva dos governos fede-ral, estaduais e municipais. De fato, esses aspectos se sintetizam em apenas um: a universidade é improdutiva porque sequer se conhece e assume. Governos e universidade padecem da mesma doença diagnosticada por Kujawski (1991, p. 202-207) como sendo o problema básico de toda a crise brasileira: não sabem o que fazer justo porque

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ainda não se preocuparam em conhecer a si mesmos para gerarem autopropostas de compromisso evolutivo.

Em virtude disso e no intuito de subsidiar análises e posturas mais aprofundadas, tentarei caracterizar pelo menos aquilo que enten-do como essência do esboço estrutural-funcional da instituição ou en-tidade universitária propriamente dita. Para tanto, associarei a universi-dade, como instituição laboratorial da sociedade, à figura da lente (aquela plaqueta arredondada e côncava de vidro que aglutina e condensa os raios da luz).

Logo que comecei a me relacionar diretamente com a idéia e o fato da universidade, no começo da década de 60, entrou em acirrada discussão a extinção do regime da cátedra e dos respectivos lentes catedráticos, em preparação ao advento da chamada Lei de Reforma do Ensino Superior no Brasil, a de n.° 5.540/68. Embora tivesse estu-dado um pouco de latim, a expressão lente catedrático me represen-tava a idéia de um fenômeno relacionado com noções de Óptica da Física: o lente catedrático seria aquele professor cujo lastro de for-mação e erudição lhe permitia captar os raios do saber, compreendê-los para si mesmo e repassá-los aos alunos universitários, à seme-lhança do que ocorre com a lente óptica que recebe os raios solares, os condensa e os projeta concentrados e incandescentes, com pos-sibilidade até de in-flamar o material combust ível por eles atingidos (fiz muitas experiênci-as nesse sentido, com lentes de ócu-los de grau ou com lupas, bastante usadas há alguns anos).

O interessan-te é que essa ima-gem, que fiz do len-te catedrático e, por aproximação, de todos os professores de universi-dade, despertou em mim enorme admiração e respeito pelo professor universitário de modo geral, tanto é que batalhei para me tornar um deles. Essa imagem foi consolidada, na prática, pelo fato de ter tido a honrosa oportunidade de fazer minha primeira licenciatura-mestrado na Pontifícia Universidade Gregoriana -PUG (1961 -65) de Roma-ltália, cuja direção, da Ordem Jesuíta, tinha o privilégio de convocar os me-

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Ihores professores (jesuítas) do mundo para lá lecionarem. Os proble-mas metodológicos de uma didática secularmente tradicional se me afiguravam como secundários, tendo em vista que cada professor, além de elevadíssima titulação, produzia os textos de apoio (verdadeiros li-vros para uso dos estudantes), sempre com posicionamentos doutri-nários próprios.

Essa imagem perdurou em mim até 1968, exatamente o ano de promulgação da Lei n.° 5.540, quando me iniciei na carreira do magistério superior e me propus a completar duas outras licencia-turas. Nessa época, realizei também duas descobertas frustran-tes: a) o termo lente, aplicado para professor, não procedia (como eu imaginava) da palavra latina lens-tis (lens = nominativo e lentis = genit ivo) que significa originalmente lentilha, cujo formato arrendodado-achatado-abaulado inspirou a denominação da lente óptica, mas resultou de elisões ocorridas no termo legentem, que é a forma acusativa do gerúndio substantivado legens do verbo legere (ler) e significa, portanto aquele que lê (está lendo) ou leitor; b) a segunda descoberta consistiu em vir a saber e comprovar que o

professorado uni-versitário brasileiro havia efetivamente encarnado a fun-ção de lentes (en-quanto leitores re-petidores e repro-dutores acrít icos de conhecimentos) muito mais a sério do que o ensejado pela origem etimo-lógica do termo:

oxalá tivessem entendido, de fato e ignorantemente como eu, que lente universitário seria aquele professor dotado de infra-estrutura formativa para captar os raios do saber universal da respectiva área de atuação, com a competência mínima no sentido de digeri-lo, con-forme Demo (1990a, p. 17) quando se refere ao essencial em ter-mos da criatividade requerida do professor, e de disseminá-lo de maneira interventiva (ou seja, tocando, desafiando ou "inflamando") para a co-digestão dos estudantes universitários.

Ressalvada a gratificante excepcionalidade das chamadas "ilhas do saber", emergidas aqui e acolá no Brasil, mas que honram a institui-ção universitária universal, perdura até hoje a frustração acima referi-

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da. Só que vim a constatar também, através da convivência universitá-ria e de alguns estudos históricos na área, que o problema do profes-sor leitor, ensinadore mero reprodutor não representa uma deficiência de responsabilidade exclusiva do corpo professoral universitário. O Es-tado autoritário brasileiro tem enorme parcela de culpabilidade histórica nisso, desde os primórdios do ensino superior no país, pela Lei de 11 de agosto de 1827, que implantou simultaneamente os dois primeiros cursos jurídicos, os de São Paulo e Olinda.

Só a análise do art. 7o já seria suficiente para se ter uma idéia do dirigismo estatal na área magisterial dos lentes. Mas, considerando outras curiosidades históricas (sobretudo as referentes às cadeiras curriculares, aos proventos estabelecidos, ao funcionamento simultâ-neo dos cursos de doutorado, para a formação de lentes, e de prepa-ração dos candidatos ao ingresso no bacharelado, etc.), resolvi trans-crever a íntegra da citada Lei (Gazeta Mercantil, São Paulo, 11/08/88):

Lei de 11 de Agosto de 1827. Cria dous Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, um na Cidade de S. Pauio e outro na de Olinda.

Dom Pedro Primeiro, por graça de Deus e unânime aclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os nossos súditos que a Assembléia Geral decretou e nós queremos a Lei seguinte:

Art. 1o - Criar-se-ão dous Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, um na Cida-de de S. Paulo, e outro na de Olinda, e neles no espaço de cinco anos, e em nove cadeiras, se ensinarão as matérias seguintes:

1o ANO - 1a cadeira. - Direito Natural, Público, Análise da Constituição do Império, Direito das Gentes, e Diplomacia.

2o ANO - 1a cadeira. - Continuação das matérias do ano antecedente. 2a

cadeira. - Direito Público Eclesiástico.

3o ANO - 1a cadeira. - Direito Pátrio Civil. 2a cadeira. - Direito Pátrio Criminal com a Teoria do Processo Criminal.

4o ANO - 1a cadeira. - Continuação do Direito Pátrio Civil. 2a cadeira. - Direito Mercantil e Marítimo.

5o ANO - 1a cadeira. - Economia Política. 2a cadeira. - Teoria e Prática do Processo adotado pelas leis do Império.

Art.2o Para a regência destas cadeiras o Governo nomeará nove lentes pro-prietários, e cinco substitutos.

Art.3o Os Lentes proprietários vencerão o ordenado que t iverem os Desembargadores das Relações, e gozarão das mesmas honras. Poderão jubilar-se com o ordenado por inteiro, findo vinte anos de serviço.

Art.4o Cada um dos Lentes Substitutos vencerá o ordenado anual de 800$000.

Art.5° Haverá um Secretário, cujo ofício será encarregado a um dos Lentes Substitutos com a gratificação mensal de 20$000.

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Art,6o Haverá um Porteiro com o ordenado de 400$000 anuais, e para o ser-viço haverão os mais empregados que se julgarem necessários.

Art.7° Os Lentes farão a escolha dos compêndios da sua profissão, ou os arranjarão, não existindo já feitos, contanto que as doutrinas estejam de acordo com o sistema jurado pela Nação. Estes compêndios, depois de aprovados pela Congregação, servirão interinamente; submetendo-se po-rém à aprovação da Assembléia Geral e o Governo os fará imprimir e fornecer às escolas, competindo aos seus autores o privilégio exclusivo da obra, por dez anos.

Art.8o Os estudantes, que se quiserem matricular nos Cursos Jurídicos, de-vem apresentar as certidões de idade, porque mostrem ter a de quinze anos completos, e de aprovação da Língua Francesa, Gramática Latina, Retórica, Filosofia Racional e Moral, e Geometria.

Art.9o Os que freqüentarem os cinco anos de qualquer dos Cursos, com aprovação, conseguirão o grau de Bacharéis formados. Haverá também o grau de Doutor, que será conferido aqueles que se habilitarem com os requi-sitos que se especificarem nos Estatutos, que devem formar-se, e só os que o obtiverem, poderão ser escolhidos para Lentes.

Art. 10° Os Estatutos do Visconde da Cachoeira ficarão regulando por ora naquilo em que forem aplicáveis; e se não opuseram à presente Lei. A Con-gregação dos Lentes formará quanto antes uns estatutos completos, que serão submetidos à deliberação da Assembléia Geral.

Art.11° O Governo criará nas Cidades de S. Paulo e Olinda as cadeiras neces-sárias para os estudos preparatórios declarados no art. 8o.

Mandamos portanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento e exe-cução da referida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente, como nela se contém. O Secretário de Estado dos Negóci-os do Império a faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio de Janeiro, aos 11 dias do mês de agosto de 1827, 6o da Independência e do Império.

IMPERADOR (com rubrica e guarda).

Aos interessados em aprofundar estudos históricos sobre a si tuação do lente catedrático no pe-ríodo 1 8 2 7 - 1968, Fávero et ai. (in: Educação Brasilei-ra, 1990) apresen-tam sínteses de-monstrat ivo-com-parativas, além de 15 referências bi-bl iográficas-docu-mentais, de muita valia.

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O que mais diretamente se relaciona com a questão do profes-sor "leitor" (portanto não criativo) é o fato de o lente jamais ter tido auto-nomia doutrinária. A sua criatividade foi, desde o início, castrada pelo Estado que lhe impôs o sistema doutrinário "[...] jurado pela Nação", a censura (aprovação) da Congregação, da Assembléia Geral e, lógico, do próprio governo imperial, com a contrapartida de bons salários e honrarias de Estado.

É fácil perceber que essa castração doutrinária teve longa dura-ção inclusive em termos legais, pois só em 1945, pelo Decreto n.° 8.393 (17/12/45),

[...] foi concedida à universidade do Brasil (Rio de Janeiro) uma autonomia administrativa, didática e financeira, prevendo a participação da comunidade universitária na gestão da universidade, através de uma Assembléia Univer-sitária, composta por professores, funcionários e alunos.

Com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei n.° 4.024, de 20.12.61 - foram ratificados os princípios da autonomia contidos na legislação de 1945, através do art. 80 [...], (VAHL, in: Educação Brasileira, 1990).

Como se vê, só no final de 1961 as autonomias, inclusive a didá-tico-científica aqui destacada, passaram a existir legalmente para todo o país, quando se ensaiava uma esperançosa brisa de efetiva liberda-de no Brasil. Ocorre, no entanto, que ironicamente o ato regulamentador dessas autonomias foi exatamente a Lei n.° 5.540/68, que as manteve no texto legal sem que de fato pudessem ser exercitadas, em virtude de 1968 ter sido o ano de recrudescimento (o dos atos mais repressi-vos) da ditadura militar, já repressora desde a sua instalação em 1964.

Daí para cá, todos conhecemos a história: só em 1988 os entra-ves repressivos quanto ao exercício das liberdades de pensar e agir foram extirpados da Constituição, ficando mantidas as autonomias uni-

versitárias no art. 207, talvez com contexto polít ico mais favorável no sentido de que se propicie a sua real efetivação.

Mesmo de-pois de haver enfa-tizado a ininterrupta castração estatal da liberdade de cá-tedra ou autonomia

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didático-científica, em todo o período da história universitária brasilei-ra, faço questão de reiterar que a intervenção do estado, embora opres-sivamente nociva, não justifica toda a ineficiência produtiva tanto da área docente quanto da instituição universitária como um todo. E as-sim penso por três motivos: a) quando subsiste um potencial real de eficiência, a opressão ao invés de o anular o incita à geração de laten-tes porém criadoras iniciativas, que passam a tomar corpo logo em seguida aos primeiros momentos de distensão ou até na própria pro-vocação do processo distensivo: isso era esperado da universidade brasileira no apagar das luzes da ditadura militar, mas até o presente não se têm indícios de que esteja de fato ocorrendo em escala; b) a universidade começa a sentir os reflexos das cobranças de eficiência e produtividade, como se registrou no subtópico 8.1, mas parece aco-modar-se ao estigma da ineficiência, transferindo o problema para a crise com suas nefastas conseqüências (salários baixos e falta de verbas para custeio e investimento); todavia, se houvesse verdadeiro lastro de autoconsciência crítica e de potencial produtivo, a situação de crise se reverteria em desafio à eficiência, vez que de crise só se sai com competência produtiva (não há outro caminho e muito me-nos atalho); c) a instituição universitária pública brasileira nutre o in-gênuo equívoco de esperar que os governos a tornem competente (concedendo-lhe verbas a mancheias), contrariamente à lógica que recomenda o oposto: em condições normais e a médio ou longo pra-zo, é a instituição universitária que tem mais chances de influir positi-va ou negat ivamente nas capacidades e competência dos governantes, como se frisou na introdução do item 8.2.4, vez que tais influências têm ocorrido sempre (até algumas conquistas, como a das autonomias legais, delas decorrem) e que se desconhecem pro-vas da situação oposta em todos os anos da história universitária brasileira, ou seja, desde 11 de agosto de 1827.

Feito todo esse extenso elenco de considerações introdutório-contextuais, é o momento de retomar o propósito anunciado no início deste item do trabalho: buscara compreensão conceituai descritiva da universidade autêntica pela sua associação analógica às propriedades da lente óptica ou, mais precisamente, da lupa.

Na minha visão, a universidade, enquanto instituição universal, se afigura a uma espécie de potente lupa que cada sociedade cons-trói (institui), com as seguintes propriedades básicas: a) captar con-vergentemente os raios das luzes do saber universal, independente-mente de sua natureza, forma, tipo ou especificação própria; b) decodificá-los, metabolizá-los, recriá-los, aprofundá-los e/ou redimensioná-los em termos de produção pessoal, grupai e institucional;

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c) disseminá-los in-tens ivo-d i fus iva-mente, de forma que cada atividade desenvolvida no âmbito da universi-dade irradie diver-gentemente as suas influências benéfi-cas à totalidade da realidade societária, através da dinâmica dos processos de efeitos multiplica-dores que se desencadeiam a partir de fenômenos e pessoas mais próxima e diretamente atingidos (no caso da lupa, um foguinho conse-guido com a condensação de raios solares numa moita de sapé pode incendiar um campo inteiro); d) realizar, simultaneamente aos procedi-mentos acima mencionados, o caminho inverso: captar da sua própria realidade (a de cada universidade) e da realidade societária, em que se situa, tudo o que pode e/ou deve ser conhecido, criado ou inventado; sistematizá-lo em termos de conhecimentos técnico-científicos confiáveis; e disseminá-los no universo do saber universal.

A imagem visual que pode ajudar à melhor compreensão do deli-neamento conceituai descrito acima é a seguinte:

Já ouvi dizer que todas as comparações claudicam e que muitas sequer têm "pernas". No caso da imagem, acima, pode ser até que claudique como analogia da instituição universitária universal, mas (pelo menos para mim) indica muito bem que a característica fundamental da universidade é o trabalhar irradiando, o que significa o mesmo que pesquisar disseminando o conhecimento, em processo que se orienta por vias de mão dupla: a que se dinamiza no sentido da captação de conhecimento do acervo universal do saber metabolização institucional disseminação interventivo-difusora na realidade societária; e a da rota inversa, captando conhecimentos da realidade societária metabolizando-os e sistematizando-os institucional-mente remetendo-os para... e disseminando-os no acervo universal do saber.

É por aí que entendo a diferença entre universidade e outra enti-dade escolar-ensinadora qualquer; que reitero o posicionamento de que a universidade é uma entidade laboratorial ou espécie de maternidade

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de conhecimento para e na sociedade. É em razão disso que assimilo, com concordância absoluta, o perfil geral do professor, principalmente universitário caracterizado por Demo (1990a, p. 48-49):

[...] vale perguntar: o que é o professor?

a) em primeiro lugar, é pesquisador, nos sentidos relevados: capacidade de diálogo com a realidade, orientado a descobrir e a criar, elaborador da ciên-cia, firme em teoria, método, empiria e prática;

b) é, a seguir, sociabilizador de conhecimentos, desde que tenha bagagem própria, despertando no aluno a mesma noção de pesquisa;

c) é, por fim, quem, a partir de proposta de emancipação que concebe e realiza em si mesmo, torna-se capaz de motivar o novo pesquisador no alu-no, evitando de todos os modos reduzi-los a discípulo subalterno.

[...] somente tem algo a ensinar quem pesquisa.

É de se observar, no entanto, que o pesquisar disseminando e o disseminar pesquisando não são questões só de professor ou de cor-po docente da universidade. São dinâmicas processuais inerentes à própria natureza da universidade, inclusive no que se refere às manei-ras de se constituir, administrar e agir. Tudo na universidade tem de ser encarado como de cunho laboratorial para a realidade societária em que se insere e, ainda, para a macro-realidade do saber universal. O problema é que, como se tratou no Tópico 2, quando se fala em pes-quisa se pensa imediatamente em algo tremendamente sofisticado e ritualizado. Não é bem assim, já o vimos no subtópico 5.3. Enquanto processo, a pesquisa abrange dosagens, em matéria de rigor e ordem, do "diálogo inteligente com a realidade [...] fala contrária entre atores que se encontram e defrontam" (DEMO, 1990, p. 36-37) a até inquiri-ções extremamente complexas, com tecnologia dita de ponta, nas áre-as nuclear, biogenética, da química fina, da metafísica, da física quântica, da microbiologia e correlatas.

Isso quer di-zer que há espaço para engajamento de todos os inte-grantes de cada co-munidade universi-tária nas dinâmicas do pesquisar disse-minando e do dis-seminar pesqui-sando. A própria or-ganização adminis-trativo-funcional da

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universidade deve tornar-se exemplo dinâmico de como organizar outras instituições de su-porte logístico da soc iedade. Por isso, sequer a ad-ministração univer-sitária escapa ao pesquisar dissemi-nando e ao disse-minar pesquisando.

Agora, é hora de retomar a questão da estéril discussão sobre indissociabilidade entre ensino, pesquisa, extensão e, acrescento, ad-ministração, as tradicionalmente chamadas funções básicas da uni-versidade: as três primeiras compondo o "tripé" da área-fim e a última constituindo o pivô da área-meio (item 8.2.2). Disse e reafirmo, após o ensaio de caracterização do perfil da autêntica universidade, que a dis-cussão não leva a lugar nenhum (a não ser que perda de tempo e des-gaste de energias se afigurem como "objetivos" almejados), por tratar-se de debate acadêmico que pressupõe indissociados fenômenos intercomplementares que jamais se desassociam entre si.

Quanto à intercomplementariedade entre pesquisa, ensino e ad-ministração, acho suficiente relembrar o que foi enfatizado há pouco: o pesquisar disseminando e o disseminar pesquisando as envolvem to-das no processo de mão-dupla explicativo da imagem da universidade associada alegoricamente às propriedades da lupa receptora e retro-alimentadora dos raios de luzes do saber universal. Não pode haver, na universidade, ensino sem pesquisa e administração; e administração sem pesquisa e ensino. O contrário é, em minha opinião, mero exercí-cio acadêmico do faz de conta que "universidade" é UNIVERSIDADE tanto na "teoria" quanto na "prática".

E a extensão, por quê ficou de fora? - Porque, também no meu parecer e de acordo com a opinião dos autores citados, a extensão não existe como função da universidade, mas consiste na dimensão interventivo-difusiva da própria essência de universidade como entida-de laboratorial da sociedade. Ou, ainda, conforme Schuch Jr. (in: Edu-cação Brasileira, 1990:137):

O aprofundamento desta reflexão, embasada numa forte consciência do papel social da universidade e na constatação de algumas distorções, leva ao entendimento de que extensão não é uma atividade diferenciada que tem

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configuração própria como as atividades de ensino e as atividades de pes-quisa. Extensão é o "caráter" que o ensino e a pesquisa verdadeiramente universitários devem ter.

Segundo Demo (1991a, p. 7-8 e 1990a, p. 15):

O problema da extensão é ainda assunto duvidoso, quando toma feição de atividade extrínseca à vida acadêmica, voluntária e residual. Por certo, inco-moda demais à universidade o fato de que, quanto mais se "estuda" a pobre-za, menos se vê correlação com seu combate.

[...] é possível inclusive dizer que a extensão tradicional não faria falta, se a prática fosse curricular, desde os semestres iniciais, na condição de uma disciplina qualquer, e retornasse sempre à teoria.

[...] é possível elaborar uma proposta de pesquisa que dispense a muleta da extensão, se for apenas muleta. Quando a prática se reduz a "estágio", a extensão é necessária. Se, porém, prática fosse curricular, já é extensão.

Embora venha enfatizando a pesquisa no decurso de todo este trabalho, reafirmo aqui a certeza de que o ingresso no mundo da boa pesquisa-ensino ou do bom ensino-pesquisa, de maneira interveniente e irradiante na realidade societária, se inicia pela determinação inarredável de produzir com certa qualidade, em termos de assimila-ção e cunho personalizado. A determinação e o fato de produzir (seja por escrito ou em forma de orientação, assistência, assessoramento, etc.) leva necessariamente à pesquisa e à disseminação do conheci-mento, com metodologia menos formal no começo e progressivamen-te mais sistematizada a partir de um certo marco de familiarização com o próprio processo produtivo.

A universidade que efetivamente se determinar a produzir, mes-mo que não conte com sofisticados insumos logísticos de partida, cri-ará alternativas metodológicas e contará, sem dúvida, com boas dinâ-micas e bons resultados difusivos de ensino, pesquisa e administra-ção, como dimensões intercomplementares da instituição universitá-ria.

Algumas Dicas aos Indecisos se encontram no subtópico 5.5. Seria interessante recordá-las no caso da persistência de qualquer tipo de vacilamento por parte de quem vem me acompanhando pela leitura do presente trabalho. São apenas dicas, mas podem ajudar: pelo me-nos foi o que se intencionou ao serem formuladas.

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DIMENSÃO TEÓRICO-OPERÂCIONAL DA PESQUISA UNIVERSITÁRIA

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Enquanto no Tópico anterior se buscou a configuração essencial da universidade a partir do pesquisar disseminando e do disseminar pesquisando, dá-se ênfase, neste, a aspectos diretamente relaciona-dos à teoria funcional da pesquisa no âmbito da instituição universitária sobretudo brasileira.

Nesse intuito, quatro abordagens ou pontos de vista são enfocados: a pesquisa na conquista da autonomia universitária (9.1); a universidade entendida como amplo viveiro de pesquisa (9.2); a pes-quisa imanente à docência (9.3); e a pesquisa não imanente (embora subsidiária e complementar) à docência em sentido estrito (9.4).

Na verdade, o que ora se pretende é o encaminhamento de aná-lises, discussões e perspectivas para o campo da práxis da pesquisa na configuração essencial e no contexto específico da instituição uni-versitária e, por extensão, de outras entidades de natureza tipicamente formativo-educacional.

A PESQUISA NA CONQUISTA DA 9 , 1 AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA

O acompanhamento de discussões em torno dessa questão me tem levado à constatação de um aparente dilema: de um lado, a falta de autonomia inviabiliza a pesquisa e, de outro, a falta de pesquisa inviabiliza a autonomia.

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Esse tipo de dilema só se torna-ria real se autono-mia fosse algo que se ganhasse, com-prasse ou herdas-se por inteiro, ou seja, se constituís-se um fator com-pletamente exóge-no à organização e ao funcionamento de cada instituição, não implicando pro-

cesso algum de conquista da parte de quantos (pessoas e entidades) a aspiram. Ocorre que as coisas não são bem assim, como lucida-mente mostra Schuch Jr. (in: Educação Brasileira, 1990, p. 144):

A autonomia não pode ser concebida como uma concessão que a lei consa-gra. É uma conquista que o ser maduro e responsável atinge. Na medida em que as pessoas e grupos amadurecem, tendem a repelir uma relação de mando-obediência, inerente a uma relação de dominação a exigir reciproci-dade de tratamento. Isto é autonomia. Não serão as leis que a efetivarão. Será, sim, a ação competente e responsável da instituição, orientada por uma atividade de insubordinação às normas burocráticas que cerceiam a ação da universidade.

A autonomia é, portanto, objeto de conquista permanente por parte de qualquer instituição que por ela se interesse ou dela necessi-te. E a autonomia pressuposta como pré-requisito necessário para a dinamização da pesquisa, no âmbito de uma instituição universitária, é a da sua autodeteminação no sentido de que: primeiro, se posicione política e gerenciaimente na perspectiva de sua própria evolução para autêntica universidade (a pesquisa é componente essencial, como se viu no Tópico 8); segundo, se proponha a saber, decidir, progra-mar, executar e avaliar os procedimentos, inclusive estratégicos, de pesquisa que efetivamente se dimensionem às circunstâncias que lhe são típicas, sem cópia de protótipos e a partir de suas concretas potencialidades e condições de começar e operacionalizar o proces-so de sua evolução pela implementação de eficiente competência pro-dutiva.

Isto posto, a relação entre autonomia (entendida como autode-terminação institucional supramencionada) e pesquisa (como com-ponente essencial da autêntica universidade) se comportará à seme-lhança da bateria que imediatamente após ter possibilitado a partida

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do motor passa a ser automaticamente carregada da energia resul-tante de seu funcionamento. Em outras palavras, o problema pesqui-sa na universidade brasileira se situa quase que exclusivamente no campo da mentalidade e do amadurecimento, referido por Schuch Jr., que leve à autodeterminação pela postura de emancipação atra-vés do diálogo inteligente com a realidade, do conhecimento em suas multivariadas formas e da vida como um todo. Na opinião de Demo (1990), esse diálogo é a própria pesquisa desmistificada da sofistica-ção de protótipos paramétricos alienados. Assim, a autodetermina-ção (ou autonomia exercida de fato, no sentido de evoluir-se para au-têntica universidade), tanto se desemboca necessariamente na pes-quisa como dela se alimenta para a conquista progressiva de novas dimensões:

Não é possível discutir "autonomia da universidade" sem produção própria, a começar pelo fato de que gastos com mero ensino já não são justificáveis. Por outro lado, uma universidade dotada de convincente produção própria cria naturalmente sua autonomia, seja pela necessidade de liberdade de pesquisa, expressão e criação, seja pela importância do que gera em termos de ciência e tecnologia, bem como arte e cultura, seja pela conquista de possíveis mercados (DEMO, 1991a, p. 5).

Pelo que se tratou até aqui, parece óbvio e fácil, em tese, a uni-versidade brasileira autodeterminar-se, pela pesquisa, à evolução para autêntica universidade. Na realidade, porém, essa questão (até de so-brevivência para a esmagadora maioria das instituições universitárias nacionais) não só ainda não se resolveu como também já se involuiu da situação de mero desafio para a de verdadeiro impasse. E as princi-pais explicações históricas para esse atípico fenômeno de involução são, a meu ver, duas: uma relacionada com a própria origem das uni-versidades brasileiras e outra com o desuso da autonomia por parte de cada instituição universitária.

No que respeita especificamente à origem de nossas instituições universitárias, é público e notório que surgiram ou surgem em decor-rência muito mais de interesses eleitorais, confessionais e empresari-ais do que de política social. Existe até uma espécie de "jurisprudência" no sentido de que pelo menos uma universidade federal seja compo-nente necessário do enxoval de qualquer Unidade da Federação (Esta-do) que se emancipe. Isso significa que o mais importante tem sido a iniciativa da criação e instalação formal da universidade, deixando para o depois (isto é, à consagrada capacidade do "jeito" brasileiro) tanto a programação do provimento de recursos humanos, científicos e tecnológicos quanto a previsão dos suportes financeiros para a sua efetiva manutenção.

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Esse estigma de origem poderia, como de fato pode, ser corrigi-do ou pelo menos amenizado, ao longo do processo de funcionamento de cada instituição, não fosse um outro fator histórico: obstinado desu-so, ao invés de cultivo, da autonomia universitária. Vigente como dispo-sitivo legal desde 28 de novembro de 1968 (art. 3o da Lei n.° 5540/68) e matéria constitucional a partir de 5 de outubro de 1988 (art. 207 da Constituição da República Federativa do Brasil), a autonomia, sobretu-do didático-científica e administrativa, vem constando de estatutos mais como figura de retórica normativa do que como respaldo jurídico à efe-tiva conquista da maturidade universitária.

É evidente que houve e há mo-tivos externos que têm influído profun-damente para que a autonomia supraci-tada permaneça na situação de letra morta, usada ape-nas como ornamen-to de oratória e pro-gramação de inten-ções sem objetivos reais. Os mais co-

a) Cerceamento político-ideológico imposto inclusive à instituição universitária pelo autoritarismo, em cujo contexto aflorou a própria Lei n.° 5.540/68. No que respeita especificamente à intromissão do Estado na liberdade didático-científica de cátedra, desde a lei imperial de 11 de agosto de 1827 até 1988 (com a eliminação dos chamados "entulhos autoritári-os" da Constituição), resumo histórico pode ser relido no subtópico 8.3. Mas será que essa situação melhorou com a promulgação da Lei n° 9394/96 (LDBEN)? - Pela Maneira como o MEC vem conduzindo a ava-liação das IES, de seus cursos de graduação e de seus programas de pós-graduação, parece que piorou ao invés de melhorar.

b) Direcionismo administrativo-financeiro determinado e exercido pelas principais instituições mantenedoras, sobretudo ao nível de União e de Unidades da Federação, no que se refere a pessoal, fomento e outros custeios. O principal efeito desse direcionismo vem sendo o da atrofia da capacidade institucional de decisão e produção, a partir das potencialidades e peculiaridades locais, induzindo (em conseqüência) a que se confira maior importância à obediência a parâmetros e rubricas

nhecidos e nomeados são:

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pré-determinados do que a iniciativas e produção'de-cunho finaiístico. Desde 1984 (cfr. ÁVILA, 1999), venho estudando sistematicamente as questões do direcionismo e do centralismo relacionados com a autogestão municipal dos serviços sociais básicos, principalmente os concernentes à organização e ao funcionamento da educação formal do país.

c) Teimosia do centralismo brasileiro, por razões meramente admi-nistrativas (como se mencionou atrás), de tentar encurralar todas as IES brasileiras num grande "sistema universitário", desdobrado praticamente em "subsistemas" federal, (aí incluindo-se todas as IES particulares, de acordo com o LDBE n° 9394/96), estadual, municipal tentando isonomizar até o isonomizável ao longo de uma história cujo recente capítulo se es-creveu com a "isonomia de vencimentos" dos servidores das universida-des federais autárquicas e fundacionais pelo "Plano Único de Classifica-ção e Retribuição de Cargos e Empregos", anexo ao Decreto n.° 94.664/ 87. Este é o tipo de isonomia, dentre as "isonomias universitárias", que embora tendo razão de ser, prende a capacidade produtiva da universida-de na camisa de força dos seus próprios parâmetros. Por quê? - Porque não se fez isonomia de piso (de mínimo), mas de tudo em matéria de regime de trabalho, das classes e cargos próprios das carreiras docente e técnico-administrativa dos servidores universitários.

Como se viu, há importantes razões, externas ao âmbito próprio das instituições universitárias, que exercem real influência no sentido de que as autonomias didático-científica e administrativa continuem sempre letra morta a enfeitar estatutos, regimentos, planos, progra-mas e até discursos estéreis, relativos a objetivos e funções societárias (de natureza científico-técnica e cultural-artística) da universidade.

Contudo, o obstinado desuso da autonomia, pelas próprias insti-tuições universitári-as, parece constituir a mais significativa de todas as razões que vêm impedindo a universidade bra-sileira de decolar de sua base-escola (tradicional) para o vôo seguro de labo-ratório (dinâmico) da sociedade, histo-ricamente consoli-dada, porém em marcha permanen-

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te rumo a um futuro que se deve definir mediante funda-mentadas e sábias alternativas.

E o ingredien-te básico para se obter o desuso da autonomia com "su-cesso" tem sido, como não poderia deixar de ser, o ar-raigado parasitismo que se instalou no campo decisório-

programático das instituições, de forma que não se tomam iniciativas sem que as mesmas estejam sempre e "previamente regulamentadas" ou determinadas, em detalhe, pelo dirigente (autoridade administrativa ou colegiada) "maior", ou seja, não se realiza a "[...] ação competente e responsável [...] de insubordinação às normas burocráticas que cercei-am a ação da universidade", referida no texto de Schuch Jr., citado no início deste subitem. E quando a premência da realidade institucional exige um posicionamento ativo e operacionalmente agressivo, a estraté-gia mais eficiente, para despistar ou driblar as conseqüentes responsa-bilidades gerenciais, tem sido a de submeter a matéria a uma extensa cadeia de conse-lhos, comissões, assessorias, grupos de trabalho e outros, que se encarregam de amenizá-las, ou até de esvaziá-las, sem, na verdade, promover e praticar a autêntica gestão democrática.

Essa ques-tão, caracterizada como verdadeira fuga histórica à conquista da real autonomia (pelo pesquisar disseminado ou disseminar pesquisando) permeia praticamente todo o Tópico anterior, podendo ou devendo ser relido para efeito de complementação e diversificação de arrazoados, argumentos e conclusões também nesta ótica.

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9.2 A UNIVERSIDADE COMO AMPLO VIVEIRO DE PESQUISA

A universidade brasileira (pelo menos no que se refere à maioria das entidades legalmente constituídas como tal) ainda não formou consciência teórica e prática de que a instituição universitária tem de encarar a pesquisa na sua própria razão de ser, mas com configura-ção e exercitação bem diferenciadas em relação ao que se teoriza e concretiza em outras entidades especializadas, limitadas unicamen-te à programação e produção de pesquisa (a exemplo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE, da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias - EMPRAPA e similares). Enquanto nes-sas entidades a pesquisa é objetivada como meio ou recurso para a

detectação, co-nhecimento e/ou solução de deter-minadas situações ou problemas, na universidade a pes-quisa é (ou deverá ser) elemento de fundamen tação , fermentação e di-namização do pro-cesso format ivo (conforme tratado no Tópico n.° 7) de

sólidos e autênticos cidadãos, seja no âmbito da capacidade e com-petência da realização pessoal e profissional, seja no do agenciamento da cultura, da ciência e da tecnologia, visando à dimensão coletiva do desenvolvimento que leve à realização em escala societária. Em suma, nas instituições especializadas, a pesquisa visa a busca de res-postas para os respectivos problemas investigatórios; mas, na univer-sidade, a pesquisa objetiva a formação tanto do cidadão, quanto do pesquisador.

Essa é a razão fundamental pela qual venho enfatizando itera-damente a universidade como entidade laboratorial da sociedade, para a contínua formação da cidadania e nacionalidade. Essa é, ainda, a razão que permite não confundir universidade tanto com mero instituto limitado à preparação de cientistas quanto com outra escola qualquer

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que objetive ou realize apenas o trabalho de reprodução institucional e habilitação profissional de seus alunos.

Em decorrência, a universidade é ou deverá tornar-se viveiro institucional de pesquisa formativa em que se cultivem as sementes das potencialidades dos seres humanos por ela direta e indiretamente atingi-dos, de forma que: a) todos se embasem e exercitem para o desenvolvi-mento da cidadania até os limites de sua plenitude; b) a maioria conquis-te uma base técnico-profissionalizante com competência produtivo-cria-tiva; e c) uma minoria dinâmica descubra e desabroche, pelo menos ao nível de eficiente iniciação, a vocação de cidadãos-cientistas. Daí as se-guintes peculiaridades da pesquisa tipicamente universitária:

-A universidade não pode pesquisar visando só os resultados da pesquisa. Apropria pesquisa constitui (ou deve constituir) o seu meca-nismo essencial de formação e qualificação do cidadão geral, do cida-dão-profissional e do cidadão-cientista em particular.

- A tarefa da universidade, em matéria de pesquisa, começa bem aquém do fato propriamente dito de pesquisar. É da sua incum-bência formar e qualificar a sua clientela inclusive no sentido de que se desperte, capacite e se instrumentalize (isto é, se motive e en-saie) para os primeiros passos na linha da produção de pesquisa pro-priamente dita, do ponto de vista técnico-científico. Essa é uma tarefa extremamente importante, porém relativamente difícil e ingrata. Difí-cil, por causa do constante reinicio: começa-se tudo de novo, e da estaca-zero, ao ingresso de cada turma de acadêmicos. Ingrata, pelo fato de que não se tem retorno imediato: pode até acontecer que o futuro pesquisador sequer se lembre, um dia, que o ponto de partida de seu êxito tem muito a ver com aquele humilde e introdutório traba-lho, desfocado de sua memória ao longo das etapas posteriores e da própria sucessão dos anos.

A universida-de é, portanto, o viveiro onde se plantam e cultivam as sementes da pesquisa, da ciên-cia e da tecnologia para a sociedade as colher como fruto e patrimônio. O mesmo não

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acontece com as entidades, não importa se públicas ou não, desti-nadas unicamente ao desenvolvimento da pesquisa e, logicamente, de ciência e tecnologia. Também elas estão na sociedade, só que estão mais para celeiro do que para viveiro, visto que lhes compe-te mais produzir e estocar pesquisa, ciência e tecnologia do que executar a tarefa da respectiva iniciação, afeta prioritariamente à universidade. Isto não quer dizer que a universidade não possa ou não deva também produzir e estocar. Quer dizer que, numa linha de prioridades, lhe cabe essencialmente formar e qualificar (ou prepa-rar) para produzir pesquisa, ciência e tecnologia, conferindo a toda produção e estoque, que nesse sentido puder viabilizar, funções sub-sidiárias (em termos de apoio, fundamentação, exercitação, complementação, etc.) às supracitadas formação e qualificação. Em síntese, a) a universidade tem de despertar e desenvolver, a partir do ponto zero, se necessário, as potencialidades pessoais e soci-ais de sua clientela; b) a universidade pode e deve produzir e esto-car pesquisa, ciência e tecnologia, mas sempre e simultaneamente formando recursos humanos para outras entidades especializadas nesse tipo de produção e estoque, bem como para a própria socie-dade como um todo, ou seja: a universidade não pode se interessar só pelos produtos da pesquisa; nessa área, o processo é tão ou até mais importante que os próprios produtos, devendo-se incluir na compreensão de processo também a face da moeda representada pela formação qualitativa de recursos humanos, sem restringi-la apenas à processualística da programação e execução de uma pes-quisa técnico-científica, por mais significativa que venha a ser.

Recapitulando o Tópico 2 deste trabalho, uma outra questão de relevo que se coloca, quando se fala ou escreve sobre pesquisa na universidade, é a da pesquisa científica voltada com certa exclu-sividade, do ponto de vista conceituai, para a produção de conheci-mentos científicos e tecnológicos. Trata-se de abordagem incorre-ta, visto que:

a) Acomplexidade e a própria dinamicidade do mundo atual con-ferem à pesquisa posição subsidiária de destaque à tomada de inici-ativas e à implementação de atividades em todos os setores da vida (nos âmbitos profissional, empresarial e até no cotidiano da luta pela subsistência digna), deixando absolutamente óbvio que não se faz pesquisa científica somente para produzir ciência e tecnologia em sentido estrito.

b) A caracterização essencial da pesquisa como científica reside na forma pela qual os procedimentos são programados e opera-

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cionalizados e não na natureza de sua destinação. A título de exemplo, pode-se e deve-se fazer pesquisa científica (isto é, com procedimen-tos cientificamente sistematizados) para se caracterizar a frota de ve-ículos que melhor atenda às finalidades e condições de uma determi-nada empresa de grande porte. Essa constituiria uma pesquisa cientí-fica não destinada, a rigor, à produção de ciência ou tecnologia propria-mente dita ou "stricto sensu."

Todas as considerações apresentadas neste subitem, no senti-do de que a maneira de encarar e desenvolver pesquisa na universida-de é diversa da forma como outras entidades especializadas a enten-dem e desenvolvem, parecem óbvias. Mas apenas "parecem", porque essa não tem sido nem a teoria e nem a prática pelo menos da maioria (se não de todas) as instituições universitárias brasileiras. Para a mai-or parte, a pesquisa se apresenta como necessidade em termos de aspiração, porém utópica quanto à sua concretização, porque normal-mente vem sendo tratada ora como mito e ora como matéria de ficção científica. Para uma minoria dentre as instituições universitárias brasi-leiras, a pesquisa já é um fato apenas parcial, visto estar na dependên-cia mais de professores, isolados ou em equipes, do que de uma glo-

bal e permanente postura polít ico-operacional da pró-pria instituição co-mo um todo.

Assim, uns fazem pesquisa real, para produzir conhecimento ci-entífico e/ou tec-nológico, mas a maioria da comuni-dade universitária nada faz(por vezes

até desestimula os que a fazem) quase sempre com base na capciosa alegação de que não há recursos, sobretudo financeiros, para a pes-quisa. Isto se deve justamente ao mito de que pesquisa científica só se caracteriza como tal se se constitui, metologicamente, de alta comple-xidade técnico-científica e se se destina, finalisticamente, apenas à pro-dução de conhecimento científico e/ou tecnológico com muita ou ao menos certa dose de sofisticação e "ineditismo".

Trata-se, no fundo, de impasse gerado e alimentado pelo pró-prio desuso das autonomias didático-científica e administrativa no

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âmbito do gerenciamento de cada instituição universitária. A universi-dade se encara e se contenta, na prática histórica, como escola marcada pelo determinismo de sua gênese: formalização, ao nível de "3o grau", do repasse de instruções e da iniciação meramente profis-sional da juventude, visando à perseguição de objetivos ditados por circunstancialidades imediatas, impostas pelo estilo político, adminis-trativo e normativo de cada facção ideológica que assume o poder, quer dentro quer fora da instituição, exercendo-o como se no perfil de uma gestão se encerrasse a infinitude de diversificações da dinâmica social. Esse totalitarismo "administrativo-estilístico" impede que a uni-versidade construa a sua própria identidade institucional, ensejando-Ihe uma truncada história, estigmatizada por permanente: a) solução de continuidade de propósitos, iniciativas, definições e programação; b) dependência conceituai, decisória e operacional de idéias e mode-los exógenos.

O setor mais afetado nesse estado de indefinição e insegurança é o da pesquisa. Isto porque a pesquisa, na concepção e programação que lhe convém na instituição universitária e com as variações que resultam do estágio de potencialidades e condições de cada instituição isoladamente considerada, é o mecanismo estratégico e dinamizador pelo qual a universidade pode dar o passo decisivo no sentido de evo-luir-se da situação que é, a de mera escola, para a que deve ser, a de laboratório formativo da sociedade.

O círculo vicioso dessa dependência só se romperá:

a) Quando a maioria das universidades brasileiras acabar com a tradicional mania de copiar tudo, ou quase tudo, de protótipos consa-grados no país ou no exterior, tomados acriticamente como modelos conceituais programáticos e operacionais (conforme matéria tratada no subitem 8.2.1);

b) Quando, mais especificamente, cada instituição universitária efetivamente se preocupar em conceituar e operacionalizar o que vem sendo denominado, neste Tópico, pesquisa universitária: aquela que se dimensione às potencialidades de suas maneiras de ser e agir en-quanto instituição (da sociedade) integralmente comprometida com a formação e a qualificação de sua clientela como autênticos cidadãos. Cidadãos dos quais: uma maior ia sempre se l imitará a instrumentalizar-se para o exercício tipicamente profissional e ape-nas a minoria se sentirá estimulada a preparar-se realmente para o importante e até certo ponto exigente trabalho da produção científica propriamente dita. Dessa minoria é que surgirão os cientistas de que o país tanto necessita.

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9.3 A PESQUISA IMANENTE À AÇÃO DOCENTE

Em termos atuais, a situação do professor universitário brasileiro face à pesquisa é extremamente confusa, até contraditória. Não foi pre-parado para pesquisar; sem pesquisar jamais será um autêntico pro-fessor; seu compromisso e tempo enquanto professor impõem condi-ções e limites quanto ao tipo e à natureza da pesquisa que efetivamen-te deve (ou deveria) realizar; a instituição lhe imputa a responsabilidade programática e operacional por toda a pesquisa que ela mesma (en-quanto instituição e não importa por que motivos) entende necessário ou oportuno executar. Só o fato de ter sido aprovado em concurso, no caso das instituições públicas, ou de ser contratado para o magistério superior, em outras instituições, vem sendo o bastante para se pensar, por vezes até normatizar, que o docente é profissional "polivalente", tecnicamente "capaz" de detectar ou "adivinhar" e suprir as carências de pesquisa de que a universidade necessita em sua área de atuação. Disso é cobrado, também teoricamente, mesmo que a instituição não tenha definido para si mesma o que se deve entender por pesquisa, quando solicitada ou exigida vinculadamente ao exercício da docência.

Uma situação historicamente bem ilustrativa dessa questão é a do regime de dedicação exclusiva em universidades públicas. Anterior-mente à crise econômica, a dedicação exclusiva constituía um estímu-lo à produção quer na área da pesquisa quer na da extensão. Com a crise econômico-social, a intenção de estímulo continua, mas sem se saber bem para que: melhoria e aumento de produção ou reequilíbrio da situação finan-ceira do docente E m DO

universitário, carco-mida pela defasa-gem do processo inflacionário (com-plementação sala-rial)?

o I t e i s » m P N T F UM LWO

Todavia, em ambas as ocasiões (antes e durante a crise), ameaçou-se e ameaça-se

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cobrar, sem sucesso, produção científica dos docentes nesse regi-me de trabalho. Por quê sem sucesso? - Porque não se pode cobrar, em âmbito institucional, aquilo que a instituição não procura definir para si mesma em termos do quê é e de como programar, executar e avaliar, em consonância com as condições de sua própria realidade. Instituição alguma pode se sentir moral ou eticamente apta a exigir de alguém algo que ela mesma não saiba o que é política e programatica-mente.

Enquanto perdurar essa indefinição, o efeito continuará sendo o mesmo de sempre: "intenciona-se" cobrar produção de pesquisa de todos (ou pelo menos dos que detêm regime de dedicação exclusiva nas IES públicas), mas, na prática, só produzem aqueles docentes que, por iniciativa e esforço pessoal (às vezes até desestimulados pela burocracia institucional), conseguem fazer valer a vontade e persistên-cia pessoais sobre a falta de visão, definição e programação de curto, médio e longo prazos da própria universidade; esforço e iniciativa de produção que realizam apesar do acúmulo de outros serviços que lhes são intempestivamente solicitados (participação em comissões, colegiados, vistorias, grupos de trabalho e outros), justamente porque são os que demonstram capacidade e interesse em produzir.

Trata-se de um fenômeno que afeta inclusive os docentes nos quais as instituições investem em termos de pós-graduação, visto que saem para se capacitar sem perspectivas institucionais de aproveitamento pro-dutivo em seu retor-no; uns se sobres-saem, como se dis-se por esforço e ini-ciativa pessoais, mas a maioria se acomoda à rotina do "ensino", à espera de uma "aposenta-doria" que ponha fim a essa angustiante situação em que to-dos perdem: profes-sores, universidade e, sobretudo, socie-dade.

Dois aspectos essenciais devem ser considerados no dimensio-namento da pesquisa imanente à docência:

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a) Envolvimento do trabalho com as disciplinas (sua organiza-ção, seu desenvolvimento e sua avaliação) em processo permanente de pesquisa, posicionando-a e reposicionando-a em seu contexto organizacional-curricular, sócio-cultural, técnico-científico, mercadológi-co, metodológico e outros. Trata-se de pesquisa que abranja da "pre-paração de aula" (ou digestão e metabolização do conhecimento a ser tratado) à possível e desejável produção científica e artístico-cultural propriamente dita, sempre compatível com os compromissos e as con-dições específicas do docente enquanto docente.

b) Reconhecimento, como produtividade em matéria de pesqui-sa, de esforços e iniciativas que o docente encetar dentro ou fora da sala de aula, no sentido de despertar, estimular e apoiar alunos, cole-gas, técnicos e outras pessoas, da instituição ou de fora dela, para que se engajem no processo de iniciação e dinamização de pesquisas bá-sicas e aplicadas de que tanto o país necessita.

Para isso, é necessário que se confira mais atenção e valorização à produtividade/produção que à formalidade dos respectivos instrumentos programáticos. Em outros termos, a preocupação com a legitimidade dos planos, programas e projetos tem sua razão de ser na administração uni-versitária: não se pode banalizar e muito menos malbaratar recursos. Mas daí ao culto pelo ritual estéril do formalismo vai uma distância simultanea-mente contraditória e sem tamanho, visto que esse formalismo ritual é, de per si, um mecanismo dos mais poderosos e eficientes em matéria de banalização e malbaratamento do suor da sociedade.

É nesse contexto que as figuras do planejamento e especialmente do projeto vêm perdendo crédito e função. Ao invés de restarem, como de fato e de direito, na condição de mecanismos e/ou instrumentos téc-nicos de definição, precisão e viabilização de iniciativas que produzam efetivamente resultados otimizados, passaram a ser interpretados e uti-lizados como ferramentas de controle dirigido, pelas quais se estimula a quem se quer estimular, se premia a quem se quer premiar, se "congela" a quem se quer "congelar" e se castiga a quem se quer castigar. Trata-se de um instrumental técnico manipulado até inconscientemente como filtro ideológico-gerencial em todos os níveis e patamares da administra-ção pública brasileira. Daí ter-se passado tão rapidamente de uma fase primitiva, a dos tropeços com as primeiras iniciativas de projeto, no limiar dos anos 70, à verdadeira febre do projetismo até o presente.

Como não é pela má utilização que se determina a razão de ser de uma coisa, também não é pelo seu abuso que o projeto perde as suas funções e finalidades. O que é necessário, urgente mesmo, é colocá-lo no seu devido lugar, enquanto instrumento técnico de traba-

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Iho otimizado e não de controle dirigido. Em termos concre-tos, trata-se de re-p o s i c i o n a m e n t o que só acontecerá quando a política institucional de es-tímulo, apoio e com-pensação conferir mais ênfase à pro-dutividade/produ-

ção do que ao projeto ou outro instrumento que lhe sirva de suporte programático. Esse reposicionamento gerará pelo menos dois efeitos extremamente significativos para todas as áreas de atuação da univer-sidade: o da extinção do nefasto costume de se medir "produção" pelo número de "projetos" formalmente aprovados e o de estimular que o processo produtivo da instituição incorpore tudo o que cada compo-nente seu for capaz e tiver condições de efetivamente criar ou fazer.

A pesquisa imanente à docência é fundamental mas não cobre todo o espaço de pesquisa da universidade que caminha na perspecti-va de laboratório da sociedade. Nesse tipo de instituição, torna-se ób-vio que a política de pesquisa deve começar por ela, sem, todavia, se esgotar nela. Deve estender-se ao âmbito:

[...] daquela pesquisa com resultados e dinâmica também de interesse do processo ensino-aprendizagem, mas cujos agentes ou executores nada têm a ver com a aptidão, o vínculo e ação magisterial. É aquela que deve ser admin is t rada e real izada por técnicos dev idamente mot ivados e instrumentados para tal.

Pelo inchaço e falta de racionalidade da burocracia administrativa, acabou-se por desvirtuar e desviar as funções do chamado corpo técnico de suas verda-deiras finalidades, limitando-se ao subaproveitamento como preparadoras e/ ou executoras de trabalhos dos respectivos dirigentes. Já não se distinguem, na prática, diferenças de funções e atribuições entre o pessoal técnico e o administrativo, visto que ambos foram totalmente absorvidos pela proces-sualística burocrática. O técnico, na vida universitária, é praticamente aquele que prepara e por vezes assina e despacha processos, podendo até ocupar

B 0 P 8 3 A PESQUISA NÃO IMANENTE À DOCÊNCIA

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postos de chefia. Suas capacidade e condi-ções de iniciat ivas, dinamizadoras da insti-tuição, foram mutiladas em alguns e totalmente anuladas em outros pela dependência e disponibilidade que se devem aos estilos, in-teresses e vontades da hierarquia. O "bom téc-nico" é aquele que não prende documentos em sua mesa e que aten-de ao chefe na hora e à altura de sua chamada.

Infelizmente não tem sido aquele que pesquisa, cria e propõe situações e condições no sentido de a instituição melhor conquistar os seus objetivos e cumprir a sua finalidade (ÁVILA, 1986, p. 28-29).

É pelo adequado aproveitamento do pessoal técnico que cada instituição universitária conquistará o seu espaço na área da pesquisa avançada ou de ponta, se começar pela definição de um referencial de partida com base em suas reais potencialidades e condições de pro-dução. Uma vez bem começado (sem megalomanias e discursos intencionais vazios), esse é um tipo de processo que tende a se aper-feiçoar e expandir progressiva e constantemente.

É também por aí que surgirá a figura do pesquisador no quadro de pessoal das universidades, destacando-se do simples técnico ad-ministrativo ou de manutenção, que dará retaguarda e complementação ao trabalho de base, levado a efeito pela pesquisa tipicamente voltada para a fundamentação e o exercício da docência. Nada impedirá, aliás, que professores também sejam liberados, dependendo de suas apti-dões pessoais e das condições das próprias instituições, para se dedi-carem à pesquisa pela pesquisa (isto é, tão somente por seus proces-so e resultados), sem se preocuparem direta e imediatamente com a sua aplicabilidade e repercussão na ação magisterial.

É de se frisar, no entanto, que as instituições principiantes só se decolarão, em sua evolução para autênticas universidades, se investi-rem maciçamente, em termos de decisão e esforços, a partir da pes-quisa imanente à docência, tendo em vista que por aí se inicia o pro-cesso de preparação e cultivo dos viveiros de pesquisadores tanto para a pesquisa universitária não imanente à docência quanto para as enti-dades externas, especializadas unicamente em programação e reali-zação de pesquisas que interessem à sociedade.

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TOPICO 10 DESTAQUES IICAPITULATIVOS

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O intuito iniciai deste trabalho foi o de explicitar posicionamentos, com razoáveis suportes de embasamento lógico e teórico sobre pes-quisa, na vida e na universidade, a título de subsídio a professores, técnicos, estudantes e a quantos mais possa interessar (profissionais liberais, pais, lideranças de movimentos classistas, diretores e execu-tivos empresariais, políticos, serventuários públicos, e outros), objetivando a que o processo de desenvolvimento brasileiro se dinami-ze pela desmistificação da pesquisa e pela sua inserção na cultura nacional e na cotidianidade da vida moderna a exigir cada vez mais disposição e competência para a criatividade individual e coletiva.

Nessa perspectiva, foram abordados oito grandes enfoques, cujos teores gerais assim se condensam:

1o Ao contrário do que generalizadamente se pensa, pesquisa científica não se aplica só à produção de conhecimentos científicos e tecnológicos propriamente ditos. Isto, porque o que determina o caráter científico da pesquisa é a sistematicidade de sua metodologia e não a natureza ou a tipologia de seus resultados (Tópico n.° 2).

2° Fala-se e se reivindica sobre pesquisa, ciência e tecnologia no ambiente universitário, mas o que se verifica de fato é enorme distorção conceituai sobretudo no que concerne à compreensão de ciência, ci-entista e pesquisador e de outros fenômenos chaves para o entendi-mento básico de como se processa e aplica o conhecimento, principal-mente no que se refere a prático, teórico, abstrato e concreto (Tópi-co n.° 3). Quanto às imagens reinantes sobre ciência, cientista e pes-quisadores, o que se detecta é a generalizada mistificação dessas fi-guras, cujos efeitos psicológicos nas pessoas "não iniciadas", sobretu-

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do jovens e adolescentes, são o da admiração sacralizada (ou de res-peito temeroso) e o da sensação de impotência e inatingibilidade quan-to às condições de acesso a mundos tão rituaiizados e misteriosos como os por elas representados.

3o A tentativa de desvendamento de como se caracteriza e de-senvolve o processo evolutivo-expansivo natural do conhecimento hu-mano, nas dimensões tanto individual (ou de cada pessoa considerada intelectivamente normal) como histórica (ou do prisma evolutivo da pró-pria espécie), leva necessariamente à compreensão conceituai, ao ní-vel de essência, do que efetivamente é pesquisa (Tópico n°4). Isto, por-que: a) a pesquisa é a maneira pela qual o ser humano amplia, aprofunda e complementa a sua faculdade natural de conhecer, estendendo seus sentidos e propriedades intelectivas, de forma artificialmente provocada, à apreensão e compreensão de realidades inacessíveis às suas limita-das condições inatas de travar contato sensitivo-inteligente com fenô-menos complexos ou fora de sua área de captação espontânea; b) a metodologia da pesquisa (da mais simples à mais tecnicamente sofis-ticada) praticamente reproduz, de forma artificial, os passos e procedi-mentos característicos do processo natural de conhecer.

4o Foi realizada a análise de conceitos clássicos usuais de pes-quisa (Tópico n°5), pela qual se constatou que o rigor e a ordem ou ordenação constituem a tônica dominante das definições estudadas. Observou-se que a visão clássica de pesquisa, a partir da tônica supramencionada, reforça a idéia mitificada de pesquisa, justamente por não enfocá-la como processo dinâmico, em contínua progressão, que parte de um ponto extremamente simples, ou seja, com um míni-mo de rigor e ordem na fase inicial, para exigente sistematização em estágios mais avançados, sobretudo no daquele denominado pesqui-sa de ponta. Em vista disso, enfatiza-se que o candidato potencial a pesquisador/cientista pode e deve começar pelo começo, sem preven-ções psicológicas e aparatos tecnológicos, tornando-se ciente de que o interesse e a exercitação crescentes lhe instrumentarão, progressi-vamente, na escala da perfeição em matéria de pesquisa e ciência.

5o No que respeita a pesquisa e vida, três aspectos foram anali-sados no Tópico n.° 6: a) segundo Marías (1966), a vida não nos foi dada pronta mas como QUEFAZER, cabendo-nos a tarefa de desenvolvê-la ou formá-la (ou seja, implicando permanente pesquisa de formas) em cada um de nós, sobretudo no contexto da complexida-de técnico-científica e inter-relacional do mundo atual, com perspecti-vas de tornar-se cada vez mais acelerada e acentuada para o futuro; b) a pesquisa é, hoje, elemento vital à realização coletiva seja porque

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sem pesquisa-ciência-tecnologia não se promove o desenvolvimento nem de país e nem de nação, seja pelo fato de que a realização coleti-va, no caso a brasileira, depende substancialmente do desenvolvimen-to de nosso potencial humano, objetivando criatividade que leve à des-coberta de saídas e soluções para vários e graves problemas que afe-tam a vida nacional, tais como dívidas externa e interna, educação, saúde, habitação, meio-ambiente, e outros; c) a pesquisa é ou pode vir a ser mecanismo estratégico tanto de realização pessoal como profis-sional, encarada ora já como trabalho significante e ora como meio para se decifrar o sentido do trabalho, permitindo evoluir-se para o tão aspirado tipo de trabalho que dignifica e liberta o trabalhador.

6o Refere-se sempre à formação disto ou daquilo (de professo-res, médicos, engenheiros, etc.), mas pouco ou quase nada se produz sobre o que é e representa o próprio fenômeno FORMAÇÃO, indepen-dentemente de sua conotação específica quando aliado a outro termo ou fenômeno (como no caso da formação de professores, por exem-plo). Por isso, o Tópico n.° 7 foi destinado tanto á tentativa de análise sobre o que é formação quanto à detectação do papel da pesquisa (mais ou menos sistemática, mais ou menos científica em termos de rigor, ordem e progressão) nesse fenômeno. Inferiu-se, nessa pers-pectiva, que formação é constante pesquisa de formas ou processo pelo qual o ser humano se capacita para desenvolver suas faculdades no sentido de transformar todos os acontecimentos (ordinários e extra-ordinários) de sua vida em experiências significantes no âmbito dos projetos individuais e coletivos.

7o Quanto à pesquisa na essência da universidade, considerou-se, no Tópico n.° 8, que a instituição universitária brasileira começa a se tornar matéria de debate público, graças ao espaço que vem con-quistando no seio da grande imprensa (principalmente escrita e televi-sada) e se encontra em fase de "gestação", vez que as ÍES, em termos de maioria absoluta, ainda não se assumiram como autênticas entida-des efetivamente universitárias. Em decorrência, analisou-se o quê é autêntica universidade, cuja conclusão fundamental aponta no sentido daquela que pesquisa disseminando interventivo-difusivamente e dis-semina pesquisando, isto é, descobrindo e/ou metabolizando, pelo diá-logo inteligente com a realidade (Demo, 1990a), as razões de ser das coisas e do próprio saber em suas múltiplas dimensões.

Assim entendida, a autêntica universidade se configura como maternidade do conhecimento (ambiente onde se "dá à luz" e se irra-dia toda ordem de conhecimento) e entidade laboratorial de formação permanente tanto de nacionalidade como da própria sociedade em

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sua marcha evolutiva rumo a futuro cada vez mais complexo e exi-gente em matéria de capacidade, competência, iniciativa e habilida-de. Nesse contexto, perde sentido a histórica mas estéril discussão da "indissociabilidade" entre ensino, pesquisa e extensão, vez que o pesquisar disseminando (ou vice-versa) engloba em um só processo essas três "funções", categorizadas como dissociáveis apenas em tese, ou para efeito de razão, deixando amplo e legítimo espaço à implementação de corajosa política de produção. Isto, porque a pro-dução com um mínimo de qualidade, decorre da pesquisa e leva inexoravelmente à disseminação interventivo-difusiva em todo o raio de abrangência de cada instituição universitária. Dispensa, inclusive, a vigente artificialidade da "fabricação" de atividades extensionistas para, na prática, eximirem a própria instituição universitária de se engajar por inteiro no processo do pesquisar disseminando e do dis-seminar pesquisando.

8o Enfocaram-se, por último, quatro dimensões teórico-operacionais da pesquisa universitária: a) autonomia e pesquisa são fenômenos interdependentes, ou seja, a pesquisa decorre da au-todeterminação de cada IES, no sentido de rumar-se para autêntica instituição universitária, mas é por sua efetiva dinamização que se conquista, processualmente, a real autonomia; b) a universidade como maternidade do conhecimento e entidade laboratorial formativa da sociedade está mais para viveiro que celeiro de pesquisa, visto o processo formativo de base (mentalização, motivação, iniciação, etc., dos pesquisadores potenciais, que em princípio são todos os univer-sitários) lhe importar tanto quanto ou até mais acentuadamente que os próprios produtos ou resultados da pesquisa (ao inverso do que ocorre nas entidades especializadas, em que os produtos são o que mais interessa, já que não se pautam por compromisso formativo explícito); c) se, por um lado, o professor que não pesquisa também de fato não ensina (porque defasa o que aprendeu ou sequer metaboliza o que transmite), por outro, não lhe pode imputar ou cobrar senão atividades permanentes de pesquisa que sejam essencialmente imanentes à ação docente; d) a pesquisa não imanente à docência deve ser implementada, na universidade, como subsídio embasador e complementar à pesquisa docente, mas sob a responsabilidade operacional direta de técnicos especializados, ensejando a que se desatrelhe o pessoal técnico de funções meramente burocráticas, como tem sido o caso até o momento, e a que se institua a figura do pesquisador profissional nos quadros de pessoal das instituições uni-versitárias.

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ENFIM F a l a - s e

muito em moder-nidade para o de-s e n v o l v i m e n t o brasileiro. No meu entender, a mo-dernidade que alavancará o país da crise atual (de-corrente de sua própria situação de subdesenvolvi-mento histórico) é a da formação, em cada mente, da cultura da

pesquisa/produção como ingrediente básico de realização pessoal, profissional e nacional, objetivando a que cada brasileiro cultive efetiva-mente a sua cidadania pela dinâmica do progressivo tornar-se sujeito de sua história individual e da história da sociedade que integra e tem o compromisso de ajudar a organizar e desenvolver. E a universidade, con-figurada como maternidade de conhecimento e entidade laboratorial de formação da sociedade, é o ambiente-viveiro próprio para o desabro-char e irradiar, de maneira difusivo-multiplicativa, desse tipo de cultura.

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Cabe, por último, enfatizar que este trabalho não encerra e nem fecha qualquer dos temas e subtemas nele estudados. Bem ao contrá-rio, o que intencionalmente se pretendeu, e continua sendo desejado agora, é que as abordagens aqui enfocadas sirvam de subsídio e com-bustível para o esquentamento do debate permanentemente produtivo sobre a extensa temática do espaço essencial (e não meramente aci-dental, como tem sido tratado) da pesquisa/produção desmistificada e desritualizada tanto na totalidade da vida atual quanto na dinâmica formativa do âmbito universitário.

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DADOS SOBRE O AUTOR

VICENTE FIDELES DE ÁVILA: • Doutor em Política e Programação do Desenvolvimento pela Université de Paris I/Panthéon-Sorbonne, França. • Mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, Itália. • Licenciado em Filosofia Pura e Pedagogia. • Professor aposentado de Planejamento Educacional e Metodologia de Pesquisa (em Programas de Pós-Graduação) e de Introdução à Metodologia Científica (em Cursos de Graduação) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, no campus de Campo Grande. • Ex-docente dos Programas de Mestrado em Educação/Formação de Professores e atual professor do Mestrado em Desenvolvimento Local da Universidade Católica Dom Bosco-UCDB, de Campo Grande - MS.

MARLEI SIGRIST, ilustradora desta obra, é professora aposentada do Departamento de Comunicação e Artes da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

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