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III SEMINÁRIO INTERNACIONAL VIOLÊNCIA E CONFLITOS SOCIAIS: ILEGALISMOS E LUGARES MORAIS Grupo de Trabalho: Cidadania Sexual, Diversidade e Direitos Humanos: intersecções entre diferença, poder e violência A PERSPECTIVA DE UMA LITERATURA LÉSBICA NO BRASIL A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DA EDITORA BREJEIRA MALAGUETA Ismênia de Oliveira Holanda Prof. Dr. Antonio Cristian Saraiva Paiva Universidade Federal do Ceará Fortaleza, Dezembro 2011

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III SEMINÁRIO INTERNACIONAL VIOLÊNCIA E CONFLITOS SOCIAIS:

ILEGALISMOS E LUGARES MORAIS

Grupo de Trabalho: Cidadania Sexual, Diversidade e Direitos Humanos:

intersecções entre diferença, poder e violência

A PERSPECTIVA DE UMA LITERATURA LÉSBICA NO BRASIL A PARTIR DA

EXPERIÊNCIA DA EDITORA BREJEIRA MALAGUETA

Ismênia de Oliveira Holanda

Prof. Dr. Antonio Cristian Saraiva Paiva

Universidade Federal do Ceará

Fortaleza, Dezembro 2011

1. Introdução:

Nesta pesquisa parto da premissa de que a Literatura pode ser utilizada como

forma de campo de estudos para entender a Sociedade e tenho como objetivo

analisar como podemos perceber a reprodução de novas identidades de mulheres

lésbicas e bissexuais a partir da experiência da Editora Brejeira Malagueta.

O objetivo da minha pesquisa é analisar como podemos perceber a produção

(e a reprodução) de novas identidades de mulheres lésbicas e bissexuais a partir da

experiência da Editora Brejeira Malagueta. Para tanto, pretendo expor e analisar

como era mostrada a figura de lésbicas na literatura brasileira e como tem sido

mostrada essa mesma figura nas obras da Editora.

Este objetivo surge a partir da especificidade desta editora, que tem como

proposta lançar apenas livros cujas personagens principais sejam lésbicas ou

mulheres bissexuais e que mostrem a realidade destes grupos de pessoas na

atualidade brasileira.

2. Metodologias e Aporte Teórico

Tenho realizado um levantamento bibliográfico para identificar o

conhecimento já produzido sobre a temática em questão, catalogando as fontes

bibliográficas e documentais sobre o assunto, realizando, assim, um estudo sobre

quais e como tais obras poderão nos dar um aporte teórico. Em um segundo

momento pretendo realizar um estudo das obras literárias em questão à luz dos

conceitos obtidos nesta catalogação bibliográfica.

Para poder fazer um estudo sobre o processo de formação da Editora e suas

relações com o público, primeiramente coletei informações sobre a Editora em seu

site, fiz clipping de jornais, revistas, sites e programas de rádio e de TV.

Posteriormente fiz um mapeamento dos sites e blogs com os quais a Editora faz

parceria, visando entender como ocorrem essas relações.

Somente depois do estudo destes materiais, que me fizeram melhor entender

a realidade em questão foi que passei a entrar em contato com as pessoas da

Editora. Tenho mantido contato com elas e tirado dúvidas sobre pontos que não

pude acessar a partir do mapeamento feito anteriormente.

Como aporte teórico, tenho utilizado autores de diversos campos do

conhecimento, principalmente autores da Sociologia da Literatura e de Etnografias

Urbanas, assim como autores da Literatura e da História.

Para melhor pensar e entender a Literatura como campo de conhecimento

para as Ciências Sociais, tenho utilizado autores de diversos campos do

conhecimento, principalmente autores da Sociologia da Literatura e de Etnografias

Urbanas, assim como autores da Literatura e da História.

Procuro, assim, realizar uma “Leitura Etnográfica dos textos” (Darnton, 1986),

segundo a qual o autor nos fala sobre uma aproximação entre História e

Antropologia, expondo a possibilidade de existência do historiador-antropólogo ou do

antropólogo-historiador, figuras estas que não somente buscam contar a História a

partir das biografias dos grandes heróis, das grandes figuras, dos grandes

pensadores, mas a História também a partir da literatura, das anedotas, da cultura

popular, etc.

Seguindo esta mesma linha de pensamento, Tzvetan Torov, em seu livro A

Literatura em Perigo (2009), faz uma defesa desse tipo de escrita como forma de

conhecimento do mundo. Segundo ele, certos autores podem nos ensinar tanto

sobre a condição humana quantos os maiores sociólogo, não havendo

incompatibilidade entre o saber sociológico e o literário, em alguns casos.

Pretendo, também, utilizar o conceito da “Sociologia das Formas Literárias”

(Moretti, 2007), que possibilita um diálogo entre o sistema de interpretações do

campo literário e as “interpretações nativas” sobre as vivências das minorias sexuais

femininas. Podemos, assim, correlacionar estes conceitos com os de Paul Ricoeur

(2010), através das identidades narrativas. Este autor nos afirma que a identidade

pessoal surge na forma de narrativa e que a vida é uma narrativa em busca de

narrador, partindo disso, ele conclui que a obra literária somente é finalizada quando

é lida, interpretada e sentida pelo leitor, pela leitura particular deste e pelos efeitos

que a obra causa no leitor, então, o processo final de sua produção é subjetivo, visto

que é feito pelos diversos leitores.

4. E assim surgem: brejeiras e malaguetas

Criada no início dos anos de 1990, a Edições GLS, vinculada a Editora

Summus foi o primeiro selo brasileiro de livros dedicados às minorias sexuais

(Faccó, 2003), sob a responsabilidade de Laura Bacellar, que tem uma larga

experiência no mercado de livros em geral e uma atuação consistente junto aos

grupos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros).

Este selo tentava suprir esta demanda, não só de mulheres, mas de todo um público

LGBT, que não se sentia representado em obras literárias que circulam nas grandes

editoras.

A proposta da Edições GLS era, portanto, publicar textos que mostrassem as

realidade dos diversos grupos de pessoas que não seguem a lógica da

heteronormatividade (Heilborn, 1996). Esta editora abriu espaço para a publicação

de livros de autores que descrevem as homossexualidades e têm como

personagens principais homossexuais que se aceitam e convivem bem com as suas

sexualidades, vistas apenas como um, dentre outros tantos, caracteres de suas

vidas. Neste sentido, tais obras versam sobre realidades distintas de pessoas

comuns, mas têm como eixo temático a questão de serem homossexuais.

Segundo Laura Bacellar, em entrevista que realizei com ela:

Quando começou a haver abertura em nossa cultura para obras

positivas, lá pelos anos 90, em conseqüência da queda de barreiras do

Brasil à cultura mundial [...] eu aproveitei para fazer um projeto de editora

que atendesse todas as minorias sexuais. Consegui "vendê-lo" à Summus,

e assim criamos o selo Edições GLS. Fiquei muito satisfeita em ter tido a

oportunidade de publicar simplesmente a primeira obra de temática lésbica

da literatura brasileira com final feliz, Julieta e Julieta, de Fátima Mesquita.

Meu projeto ali era de publicar para todo mundo, gays, lésbicas, bissexuais,

trangêneros. Fiz alguns livros que acho pioneiros até hoje, nem vou listar.

(Laura Bacellar, mensagem pessoal, 2011a)

Seguindo a idéia da Edições GLS, outras editoras também lançaram selos

voltados para o público LGBT, como o selo Alethéia, da Editora Brasiliense, e o selo

Contraluz, da Editora Record. (Dalboni, 2009)

Porém, Laura Bacellar afirma que mesmo com esse espaço para publicações,

a Edições GLS era vinculado a um grupo editorial conservador, não publicando

obras que ela achava essencial. Além disso, as lésbicas ainda mantinham uma

menos visibilidade que os gays, pois “apesar de todo o preconceito, os gays ainda

conseguem um pouco mais de espaço nas editoras em geral, em especial com o

aumento da visibilidade do segmento com as paradas e toda a movimentação

resultante (Bacellar, 2011a). Com esta afirmação, podemos perceber que mesmo

dentro dos mercados minoritários há uma dominação masculina (Bourdieu, 2002),

pois mesmo não seguindo uma norma heteronormativa, tais minorias estão inseridas

numa sociedade baseada na dominação falocêntrica.

Devido a esses problemas com o selo, Laura Bacellar resolveu se retira dele

e começar a trabalhar especificamente com lésbicas. Juntando-se com outras

mulheres, umas envolvidas, outras não envolvidas no mercado editorial, ela lançou a

Editora Brejeira Malagueta, que visa a promoção e a divulgação de escritoras que se

voltavam para o publico lésbico e bissexual.

A Editora Brejeira Malagueta surgiu como uma espécie de resposta à

demanda de leitoras que buscavam em sites de autoras independentes livros que

versassem sobre questões relativas às realidades de mulheres lésbicas e

bissexuais.

Nestes sites, tais escritoras, como Karina Dias, que, em geral, não

conseguiam publicar suas obras em editoras, disponibilizavam-nas para download

gratuito, buscando assim criar um público fiel de leitoras tanto para seus textos

diários publicados em blogs, quanto para seus textos maiores, que eram a maioria

livros de romances românticos.

Segundo informações obtidas no próprio site da Editora, ela se propõe a

produzir livros que “provoquem a imaginação, sejam divertidos e contribuam para

que as lésbicas tenham uma vida mais feliz” (QUEM..., 2011), na medida em que os

livros mostram mulheres de bem com a vida e com as suas sexualidades. Na

verdade, esta é uma forma de mostrar que tal atitude é possível, diferentemente do

que era exposto em livros anteriores que versavam sobre lésbicas.

Segundo elas, o projeto de criação da editora tem sido algo essencialmente

comunitário, visto que manter uma pequena editora é um trabalho que exige além do

capital financeiro, um esforço coletivo para divulgar e manter a editora, sobretudo

diante do forte mercado editorial, do baixo consumo de livros pelos brasileiros e da

especificidade desta temática. Entretanto, segundo o exposto pelas próprias donas

da editora, elas não tinham tanto capital financeiro, mas somente inteligência,

criatividade e bom humor, necessitando, desta forma, do apoio das leitoras,

principalmente aquelas que já acompanhavam a produção das escritoras através de

blogs e de alguns poucos livros lésbicos que eram publicados no Brasil. Assim, este

projeto editorial constitui-se como uma atividade que tem levado em conta as

mudanças que a internet tem trazido para o mercado editorial, assim como para o

mercado fonográfico e fílmico (Segadilha, 2008).

A Editora Malagueta tornou-se, então, a primeira editora brasileira a publicar

livros para lésbicas editados por lésbicas. Mais do que isso, ela é a única editora da

América Latina, que se insere no chamado seguimento “editorial L2L” (que em inglês

significa “de lésbicas para lésbicas”) (QUEM..., 2011), que é algo que já tem um

espaço firmando nos seguimentos editoriais da Europa e Estados Unidos.

É interessante o fato de a Editora Malagueta reivindicar para si tal rótulo,

mesmo sabendo ele carrega em sim um estigma (Goffman, 1987) vinculado a

representações cotidianas (Goffman, 2007) de mulheres lésbicas e bissexuais. É

contra tais estigmatizações que a editora se coloca, não somente através da

publicação dos livros, mas também através de eventos voltados para este público

especifico.

Entretanto, mesmo sendo os livros dirigidos para mulheres lésbicas e

bissexuais, não somente estas os lêem, pois estas obras são essencialmente

permeadas por questões relativas ao feminino. Na sua maioria, tratam-se de obras

de fácil leitura e categorizadas como “romances românticos” na disputa de poder no

campo literário (Bourdieu, 1996). Infelizmente, podemos afirmar que esta

categorização se relaciona com o fato de tal escrita ter uma forte relação com a

escrita feminina (Branco, 1991) e que os romances românticos (ou ditos

folhetinescos) (Gontijo, 2010) são hoje posto como algo de menor valor para os

atuais cânones literários, que prezam pela intelectualidade da obra, mais do que

pelo seu alcance de público, alcance este que é uma preocupação das editoras.

A Editora Malagueta faz também um recorte em relação às autoras que

publica: somente são publicados livros escritos por mulheres, pois o corpo editorial

acredita que para escrever sobre mulheres lésbicas ou bissexuais é necessário ser

lésbica ou bissexual. Elas defendem que, por mais que um homem utilize da sua

imaginação, ele não poderá expressar a visão e o sentimento em relação ao mundo

que uma mulher expressa e principalmente se esta mulher for homossexual. Esta

atitude, porém, não é somente uma visão preconceituosa em relação aos homens,

mas sim uma forma de tentar dar legitimidade ao que é dito nos livros, uma forma de

que eles reflitam a realidade das leitoras. E isto é mais provável, segundo elas, que

ocorra caso a escritora tenha uma vivência de mundo próxima a das leitoras.

Esta discussão sobre a legitimidade de escrever sobre e para mulheres é um

debate constante que vem ocorrendo na literatura. Será que um homem poderia

escrever sobre a forma de pensar e agir de uma mulher, criando uma personagem

feminina? E sobre uma mulher lésbica? Como poderia um homem expressar tal tipo

de sentimento e realidade? Este debate é fecundo e polêmico, porém a Editora tem

mantido essa posição, publicando somente escritoras lésbicas. (Perguntas..., 2011)

A editora também se recusa a publicar livros de cunho pornográfico, ou seja,

obras que tratam da lesbiandade apenas como um meio de despertar a excitação

sexual dos leitores, em sua grande maioria homens. Assim a editora preza que seus

livros tenham “cenas quentes”, o que é expresso até pelo nome da editora, porém

tais cenas são marcadas por um erotismo que reflete as reais situações de

relacionamentos e de relações sexuais entre mulheres. Busca-se, desta forma, uma

apresentação das personagens como pessoas e não como objetos, pois o objetivo é

construir as personagens com a descrição das situações que envolvem os

momentos eróticos, e não somente uma representação de cenas de relações

sexuais pura e simplesmente, como costuma ocorrer em materiais pornográficos.

Este posicionamento nos leva a refletir sobre a distinção entre erotismo e

pornografia, segundo Gloria Steinem (1997), escritora feminista norte-americana, a

palavra pornografia em seu original grego significa “escrever ou descrever sobre

prostituta”, ou seja, ela já em si já revela um desequilíbrio de poder, uma dominação

sexual. Já a palavra erotismo, também de origem grega, carrega em si a idéia de

amor e reciprocidade. Segundo Steinem, “A pornografia nada tem a ver com o sexo.

Ela tem a ver com o desequilíbrio de poder e exige que o sexo seja usado como

forma de agressão.” (STEINEM, 1997, p. 285)

Assim, Steinem afirma que ainda há pouco erotismo e muito pornografia,

dada a dificuldade de homens escaparem da dominação masculina que eles

exercem e que é exercida por eles e conseguir imaginar e representar os caminhos

da identidade feminina. Bacellar (Neves, 2011) também afirma que obras literárias

pornográficas conseguem espaço no mercado editorial, enquanto obras com erótica

feminina e, principalmente, lésbicas não conseguem.

O grupo de mulheres que a Editora Brejeira Malagueta objetiva atingir é

formado por aquelas que não mais estão em conflito com suas sexualidades. São

mulheres que convivem bem com elas mesmas, mesmo sabendo-se pertencentes a

uma minoria sexual dentro de uma sociedade preconceituosa, e que não têm os

outros aspectos de suas vidas pautados pela questão da sexualidade.

Devido ao fato da editora presumir que as suas leitoras já são lésbicas que

não têm problemas em relação a isso, procura-se abordar os assuntos da vida

cotidiana sob a perspectiva de quem está à margem da sociedade por não pertencer

à maioria de orientação heterossexual, mas nem por isso merece menos respeito ou

validação. Busca-se entender e respeitar que ser lésbica é diferente de ser

heterossexual, mas tal diferença não torna nenhum grupo menos importante e

merecedor de respeito diante da sociedade. Entretanto, mesmo as obras sendo

voltadas para tais mulheres elas tem feito sucesso com mulheres heterossexuais,

pois como mesmo elas não sendo lésbicas, através dos livros a desenvolvem a

capacidade de realizar uma comunicação com seres diferentes, como propõe

Todorov (2009)

Além disso, o corpo editorial, afirma que obras de cunho moralizante ou com

finais tristes para as minorias sexuais e obras que partem para o apelo pornográfico

em relação à lesbiandade são mais facilmente aceitas pelo mercado editorial, o que

já não acontecia em relação as obras como as da Editora Malagueta.

Mesmo com as dificuldades editoriais em relação à edição de livros, à

tiragem, à distribuição e ao preço dos livros, a Editora Malagueta vem se firmando

junto aos grupos de mulheres lésbicas e bissexuais consumidoras de obras

literárias. Mais que isso, entendo que tem ajudado, com seus eventos, a reproduzir

novas identidades lésbicas que se constituem no Brasil atual, assim como as

culturas de grupo em torno destas pessoas.

5. Relações com o público: mundo online e vida offline

Fato importante para o crescimento da editora tem sido a sua relação com o

público através da internet, visto que visto que é uma estratégia mercadológica da

editora fazer parcerias com sites e blogs lésbicos para divulgação dos livros e dos

eventos por ela realizados.

Nós oferecemos livros para resenharem, divulgamos os links deles

quando fazem matérias, mandamos notícias quando as temos. Algumas de

nossas escritoras têm um relacionamento próximo com uma série de

blogueiras, então se trocam informações a rodo.(Laura Bacellar, Mensagem

pessoal, 2011b)

Esse fato ocorre pela especificidade do público a ser alcançado, pois muitas

destas mulheres que leem os livros da editora já liam anteriormente blogs nos quais

tais livros eram disponibilizados de forma gratuita.

Segundo a informação da própria Laura, em entrevista que realizei via e-mail

no dia 14 de junho de 2011:

A internet é essencial para a divulgação de qualquer pequena

editora, e também para a divulgação de qualquer acontecimento cultural ou

político de teor LGBT. Não há outro canal no momento que se compare em

eficácia, portanto sem ela não existimos. (Laura Bacellar, Mensagem

pessoal, 2011b)

Outro aspecto relevante dessa relação com a internet tem sido o fato de

muitas mulheres homossexuais estarem “saindo do armário” apenas de forma online

em seus blogs, mas não de forma offline. Assim, a internet tem sido para tais

mulheres uma forma de sobrevivência e de expressão de intimidades veladas.

Por isso também a importância de tais livros para estas mulheres, pois como

a própria Hanna Korich, uma das donas da Editora, expressou em entrevista ao

Jornal O Estado de São Paulo :

Eu tive dificuldades para me aceitar, porque vivia em um universo

profissional cheio de preconceitos, que era o de advogados, além do

ambiente familiar. Foram os livros que me ajudaram a ter compreensão de

mim mesma. Pensando na minha trajetória, entrei nesse projeto para que

outras tenham a mesma oportunidade que eu tive. (Vallerio, 2009)

Podemos afirma que para algumas mulheres que vivem em ambientes menos

abertos a homossexualidade meios de comunicação como a internet, filmes e livros

tem sido uma forma de aceitação de si, o que pode ser percebido pelo grande

número de blogs que divulgam a cultura lésbica e que dão suporte mútuo para estas

mulheres.

Karina Dias, escritora que ficou famosa na internet e depois publicou um dos

sucessos da editora, o livro Aquele Dia Junto ao Mar, em entrevista para o Jornal O

Estado de Minas, afirma que a maioria de suas leitoras lésbicas tem dificuldade em

lidar com a própria homossexualidade. Segundo ela, “Várias só conseguem viver o

amor delas na internet, lendo os romances e contos que escrevo.” (Januzzi, 2010).

6. Pensando e realizando o futuro de uma literatura lésbica brasileira

Posso perceber, a partir das falas das mulheres envolvidas na Editora Brejeira

Malagueta, assim como nas suas próprias leitoras e nas escritoras, o intuito de fazer

nascer uma nova literatura no Brasil, uma literatura feita por e para lésbicas, dando

visibilidade a esta grupo marginalizado da sociedade. Este intuito remete ao que nos

diz Foucault (1997), quanto à questão da estética da existência, que seria uma

prática ética de produção de subjetividade, definindo critérios éticos e estéticos de

bem viver, sendo um terreno de criação de si, de um estilo próprio da conduta de si,

cuidado de si e cuidados dos outros.

Já Todorov afirma que “ao dar forma a um objeto, um acontecimento ou um

caráter, o escritor não faz a imposição de uma tese, mas incita o leitor a formulá-la:

em vez de impor, ele propõe.” (Todorov, 2009. p. 78), assim podemos pensar tais

romances como uma forma de incitação sobre as mulheres lésbicas, incitação esta

não mais marcada por estereótipos que somente aumentavam a angústia e o

preconceito em relação às minorias sexuais.

Elas estão se propondo a pensar uma nova realidade para as lésbicas, uma

realidade feliz e tranqüila que somente ocorre para uma parte minoritária destas

mulheres, pois ainda vivemos numa sociedade que trata de maneira diferente as

minorias, não só as sexuais. Como podemos perceber em um texto publicado no

site da Editora:

Nosso conselho editorial adotou essa linha porque acreditamos –

seguindo o exemplo de filósofos como Platão, aliás – que nada existe se

não for imaginado antes. Ora, se não imaginarmos (através da ficção, por

exemplo) que é possível ser feliz amando outra mulher, como poderemos

tornar isso realidade? Se não falarmos entre nós, em livros escritos de

lésbicas para lésbicas, que podemos ser completas, emocionalmente

equilibradas, sexualmente livres vivendo ao lado de outra mulher, quem é

que vai fazê-lo? Nossa adorável sociedade machista e heterossexista?

Literatura que descreve em detalhes (muito bem escritos, aliás) a

infelicidade de mulheres não héteros e fora da norma nós já temos aos

montes, esse espaço não precisa ser conquistado. Mas finais felizes para

romances entre mulheres é uma insistência de muito pouca gente, por isso

a Editora Malagueta adotou essa linha. (PERGUNTAS..., 2011)

E é isso que a Editora tem realizado: pensar um futuro digno para mulheres

homossexuais, mas incentivando sempre que a sociedade torne tal futuro uma

realidade e que estas mulheres busquem construir e vivenciar este futuro, podendo

explorar suas sexualidades como sendo apenas mais um aspecto de suas vidas e

não o que as caracteriza como indivíduos.

Referências:

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