a participação dos escravos nos patrimônios dos campos gerais
TRANSCRIPT
0
ROGÉRIO VIAL
A PARTICIPAÇÃO DOS ESCRAVOS NOS PATRIMÔNIOS DOS
CAMPOS GERAIS (1846-1864)
Irati
2014
1
ROGÉRIO VIAL
A PARTICIPAÇÃO DOS ESCRAVOS NOS PATRIMÔNIOS DOS
CAMPOS GERAIS (1846-1864)
Dissertação apresentada como requisito parcial à
obtenção do grau de Mestre em História, Curso de
Pós-Graduação em História, Área de concentração
“História e Regiões”, da Universidade Estadual do
Centro-Oeste – UNICENTRO – PR.
Orientador: Prof. Dr. Fernando Franco Netto.
Irati
2014
2
Catalogação na Fonte
Biblioteca da UNICENTRO
VIAL, Rogério. V599p A participação dos escravos nos patrimônios dos Campos Gerais
(1846-1864) / Rogério Vial. – Irati, PR : [s.n], 2014. 115p. Dissertação (mestrado) – Pós-Graduação em História. Área de
concentração História e Regiões, Universidade Estadual do Centro-Oeste, PR.
Orientador: Professor Dr. Fernando Franco Netto 1. Paraná – província. 2. Escravidão. 3. Inventário – riqueza.
4. Economia. 5. Tráfego negreiro. 6. Dissertação – História. I. Franco Netto, Fernando. II. UNICENTRO. III. Título.
CDD 20 ed. 981.62
3
4
Para Dona Izelde Rosset Vial
(in memoriam)
5
AGRADECIMENTOS
Primeiro quero agradecer a Deus, Alá, Javé ou qualquer outro nome possível que
acreditamos reger o universo, pois mesmo sem crer na existência de um Deus, nos momentos
difíceis recorremos a essa força universal.
Quero agradecer meu orientador, Dr. Fernando Franco Netto, pelas orientações,
conselhos, viagens de estudo e congressos, mas em especial pela paciência e calma, da qual
me dava forças pra continuar, sem ele mesmo saber.
Não posso deixar de agradecer minha família, a minha preciosidade, minha filha
Naiara, a qual não gostou de saber que seu pai havia sido aceito no mestrado, pois temia ficar
sozinha à noite, ou na casa de meu pai e minha irmã. A minha esposa Iracilde, ou
simplesmente Tide, da qual busquei forças como um soldado sedento em pleno deserto, e,
como um oásis, me recompensava nas vezes que eu bebia. Ao meu gato Godofredo, animal de
estimação que eu o invejava, pois enquanto eu escrevia, ele ao meu lado dormia.
Ao meu pai Egídio, por tantas coisas que aqui certamente não cabem, pois faltaria
papel para externar meu respeito e gratidão. A minha irmã e meus sobrinhos também cabem
aqui.
Aos meus colegas de mestrado, pelas tardes chuvosas ou ensolaradas que enfrentamos
durante dois semestres. A escrita do texto foi a mais solitária possível, e vocês fizeram falta.
A minhas amigas Karoline Fin pela força quando buscava minha vaga e em especial a
Vanessa Cristina Chucailo, guardiã, ouvinte, orientadora, amiga e fonte de forças nos
momentos difíceis. Agradeço em especial.
Aos meus professores, em especial a Dra. Beatriz Anselmo Olinto e Dra. Márcia
Tembil, as quais me possibilitaram lançar novos olhares para a história, e ao professor Dr.
Claércio Ivan Schneider, o qual me ensinou a ver as possibilidades de pesquisas nos meus
textos e dos meus colegas, e hoje, uso seus ensinamentos para auxiliar outros que queriam
entrar nesse desafio.
Não posso deixar de lembrar-se dos meus professores de graduação, Professora Dulce
Tonet Estacheski, a qual me inspirou a buscar meus objetivos. Ao professor Dr. Ilton César
Martins, pela orientação ainda no projeto de pesquisa e com a ajuda nas fontes.
A importância que representam no dia de hoje é imensa, portanto não posso deixar de
agradecer novamente ao professor Dr. Claércio, e ao Dr. Carlos Alberto Medeiros Lima deixo
aqui minha admiração pelos seus estudos, textos e livros sobre escravidão. Meu respeito e
minha eterna gratidão aos dois.
A CAPES que financiou parte dessa pesquisa.
6
Cemitério de campanha
Cemitério de campanha,/Rebanho negro de cruzes
Onde à noite estranhas luzes/Fogoneiam tristemente
Até o próprio gado sente/No teu mistério profundo
Que és um pedaço de mundo/Noutro mundo diferente.
Pouso certo dos humanos/Fim de calvário terreno,
Onde o grande e o pequeno/Se irmanam num mundo só.
E onde os suspiros de dó/De nada significam
Porque em ti os viventes ficam/Diluídos no mesmo pó.
Até o ar que tu respiras/Morno, tristonho e pesado,
Tem um cheiro de passado/Que foi e não volta mais.
A tua voz, são os ais/Do vento choramingando
Eternamente rezando/Gauchescos funerais.
Coroas, tocos de velas/De pavios enegrecidos
Que em Terços mal concorridos/Foram-se queimando a meio
Cruzes de aspecto feio/De alguém que viveu penando
E depois de andar rolando/Retorna ao chão de onde veio.
Mas que importa a diferença/Entre uma cruz falquejada
E a tumba marmorizada/De quem viveu na opulência?
Que importa a cruz da indigência/A quem já não vive mais,
Se somos todos iguais/Depois da existência?
Que importa a coroa fina/E a vela de esparmacete?
Se entre os varais do teu brete/Nada mais tem importância?
Um patrão, um peão de estância/Um doutor, uma donzela?
Tudo, tudo se nivela/Pela insignificância.
Por isso quando me apeio/Num cemitério campeiro
Eu sempre rezo primeiro/Junto a cruz sem inscrição,
Pois na cruz feita a facão/Que terra a dentro se some
Vejo os gaúchos sem nome/Que domaram este Chão.
E compreendo, cemitério,/Que és a última parada
Na indevassável estrada/Que ao além mundo conduz
E aqueces na mesma luz/Aqueles que não tiveram
E aqueles que não quiseram/No seu jazigo uma Cruz.
E visito, de um por um,/No silêncio, triste e calmo,
Desde a cruz de meio palmo/Ao mais rico mausoléu,
Depois, botando o chapéu/Me afasto, pensando a esmo:
Será que alguém fará o mesmo/Quando eu for tropear no Céu???
Jayme Caetano Braun
7
RESUMO
A pesquisa se alicerça no estudo dos inventários post-mortem do Museu do Tropeiro de
Castro, no Paraná. O objetivo é analisar esses documentos e a partir daí obter informações que
demonstrem o valor atribuído aos escravos e a sua importância na composição da riqueza
expressa nos inventários. Isso demonstrará como a economia do Paraná, e dos Campos Gerais
estava integrada ao sistema comercial do Império. Para se chegar a esta resposta, é necessária
a construção de um diálogo entre outros fatores, como o fim do tráfico negreiro transatlântico,
a dinâmica comercial envolta ao café e a mineração de ouro e o tropeirismo. Esse, aliás,
aparece como o fator de ligação da economia sulina com os interesses comerciais de São
Paulo e Minas Gerais, fator de integração que permeia a sociedade dos Campos Gerais. Tendo
em foco a historiografia da economia, não é descartada a utilização e a leitura de outros
materiais que possam auxiliar a pesquisa.
Palavras-chave: Paraná provincial. Riqueza. Escravidão.
8
ABSTRACT
The research is grounded in the study of post-mortem inventories of the Drover de Castro
Museum, the Paraná. The aim is to analyze these documents and from there information that
demonstrate the value assigned to slaves and their importance in the composition of wealth
expressed in inventories. This will demonstrate how the economy of Paraná and Minas fields
was integrated into the trading system of the Empire. To get to this answer, is necessary to
build a dialogue between other factors, as the end of the transatlantic slave trade, the business
dynamics wrapped coffee and gold mining and tropeirismo. This, incidentally, appears as the
connecting factor of the southern economy and the commercial interests of São Paulo and
Minas Gerais, integrating factor that permeates society Campos Gerais. Having focused on
the historiography of the economy, is not ruled out the use and reading of other materials that
can assist research.
Keywords: Paraná province. Wealth. Slavery.
9
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 - Áreas de distribuição do trabalho tropeiro ............................................ 35
Mapa 2 - Rota dos tropeiros ................................................................................. 37
10
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Distribuição de inventários por sexo ................................................ 80
Gráfico 2 - Divisão dos escravos por sexo ......................................................... 82
Gráfico 3 - Escravos por idade nos Campos Gerais ........................................... 83
Gráfico 4 - Evolução do valor do escravo perfil nos inventários entre 1846-
1864 ..................................................................................................
87
Gráfico 5 - Valor das vacas soltas e mulas mansas encontradas no rol de
inventários entre 1846 e 1853 ..........................................................
88
Gráfico 6 - Evolução do valor do escravo perfil nos inventários post-mortem
entre 1846 a 1864 ............................................................................
96
Gráfico 7 - Evolução do valor das vacas soltas e as mulas mansas nos inventários
entre 1846 e 1864 em mim Réis .......................................................
97
Gráfico 8 - Evolução da participação do escravo na composição da riqueza
nos inventários post-mortem ...........................................................
106
11
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Atividades econômicas verificadas nos inventários .............................. 24
Tabela 2 - População do Termo de Castro por sexo, idade, estado civil e cor ....... 40
Tabela 3 - Números e composição da população na Província do Paraná.............. 45
Tabela 4 - População do Paraná entre 1798 e 1874................................................ 71
Tabela 5 - Relativo ao número de inventários com escravos.................................. 73
Tabela 6 - Valor Médio atribuído por individuo perfil .......................................... 86
Tabela 7 - Média de valores de vacas soltas e mulas mansas encontradas no rol
de inventários ........................................................................................
87
12
SUMÁRIO
Lista de Mapas ............................................................................................................. 08
Listas de Gráficos ........................................................................................................ 09
Lista de Tabelas ........................................................................................................... 10
Introdução ................................................................................................................... 12
Capítulo 1
A OCUPAÇÃO LUSA DOS CAMPOS GERAIS E A DINÂMICA
ECONÔMICA ESCRAVISTA ENVOLTA AO TROPEIRISMO .......................
28
1.1 A formação dos Campos Gerais e sua função na dinâmica ................................... 28
1.2 Castro e os Campos Gerais: População, brancos e não brancos ............................ 39
1.3 Os Campos Gerais como local de concentração de escravos ................................ 44
Capítulo 2
OS INVENTÁRIOS E SEUS ESCRAVOS ............................................................
51
2.1 Os inventários post-mortem como fontes de pesquisa ........................................... 51
2.2 A propriedade de escravos e a estrutura de posse ................................................. 67
Capítulo 3
DUAS FACES DA MESMA MOEDA ...................................................................
84
3.1 De 1846 à 1852; estabilidade no valor atribuído ao escravo ............................... 84
3.2 De 1853 à 1864; alta vertiginosa e decadência .................................................... 96
Considerações Finais ................................................................................................. 108
Referências e fontes ................................................................................................. 111
13
Introdução
A pesquisa tem como fonte principal os inventários post-mortem, documentos
inestimáveis de informações sobre os bens e costumes de populações passadas. Os diversos
conteúdos descritos nos processos dão subsídios suficientes para o desenvolvimento de
importantes estudos em áreas como a Demografia, Economia, História e Sociologia. Estes
documentos retratam a vida material e imaterial de populações que compunham as mais
diversas classes sociais. Quem houvesse minimamente algo estaria relatado nos inventários
post-mortem.
Conhecer a sociedade e as pessoas que deixaram esses relatos apenas por eles, sem
outro tipo de aporte, é no mínimo imprudente, pois bem se sabe que uma parte dessa
sociedade não estava amparada por esse tipo de ferramenta jurídica ou quem não possuísse
bens a inventariar estaria completamente de fora dessa seleção. A própria comparação simples
apenas por esse tipo de fonte delimitaria a pesquisa. Dessa forma, se busca construir uma
pesquisa aparada em métodos ligados a História Econômica, pois essa metodologia parece
mais aplicável ao objetivo do estudo, no entanto, não será abandonada a escrita leve e
objetiva.
Deseja-se encontrar nos inventários post-mortem o escravo em todas as suas maneiras.
No entanto aqui ele terá valor como mercadoria, apesar do reconhecimento como parte
importante no processo de formação da sociedade brasileira e dos Campos Gerais 1. Outros
apontamentos poderão ser realizados em outras pesquisas, nesta o objetivo delimita a
participação do escravo apenas como um produto comercial, algo que representava riqueza e
poderia ser negociado, ganhava e perdia valor, dependendo da dinâmica econômica
dominante.
Porém, e é importante destacar, que foram encontrados casos interessantes como o de
Ana Luiza da Silva 2, rica proprietária rural dos Campos Gerais a qual teve uma partilha
amigável de bens conforme ela desejou em seu testamento, mas também casos como o de
Floriana Preta Fora que possuía poucos bens, e mesmo assim foram objetos de disputa
judicial. O que falar do Tenente Antônio Fogaça de Sousa que solteiro e sem herdeiros
1 A expressão "Campos Gerais do Paraná" foi consagrada por Reinhard Maack, que a definiu como
uma zona fitogeográfica natural, com campos limpos e matas galerias ou capões isolados de floresta
ombrófila mista, onde aparece o pinheiro araucária. Ver: MAACK, Reinhard. Geografia física do
Paraná. Curitiba: Imprensa Oficial, 2002. 2 Os inventários post-mortem estudados nessa pesquisa encontram-se no Museu do Tropeiro em Castro
–PR.
14
diretos, optou por deixar através de seu testamento seus escravos como herdeiros de seus
bens?
Possuir alguns bens sejam eles poucos, velhos ou toscos, ou, em especial, algum
escravo velho, já consistia em possuir algo que resultasse algum tipo de partilha. Dentro desse
aspecto é possível constatar que quanto mais antigos os inventários e testamentos, mais cheios
de descrições e detalhes acerca dos bens possuídos, dos costumes e das condições de vida das
famílias as quais dizem respeito, sendo possível reconstruir toda uma época passada. Dados
constantes nesses documentos revelam atos sociais, costumes, vida econômica, enfim, uma
gama de possibilidade que permitem estudar sociedades e populações no passar dos tempos.
À luz que se irradia dessas laudas amarelecidas pelos anos e rendadas pelas
traças, vemo-las surgirem vagarosamente do fundo indeciso do passado e
fixarem-se nas encostas vermelhas da colina fundamental, as casas
primitivas de taipa de mão e de pilão. [...] É o sítio da roça, que aparece [...];
as palhoças de agregados e escravos; os algodoais pintalgados de branco; o
verde anêmico dos canaviais, em contraste com o verde robusto e lustroso da
mata convizinha [...] (ALCÂNTARA MACHADO, 1943, p. 23).
A poética usada por José de Alcântara Machado não é mera citação, pois o documento
permite reflorescer aspectos sociais da vida cotidiana das pessoas reunidas entorno do
inventário. De lá podem surgir informações importantes que revelam uma sociedade que nem
sempre é visitada pela história. História essa que passa pela pelos simples aspectos e vultos
escondidos dentro dos mais simples e comuns documentos que foram deixados como herança
histórica.
Os Inventários e Testamentos são documentos da maior valia como fontes
históricas. Aparentemente simples documentos de caráter jurídico-civil e
eclesiástico, quando bem analisados, mostram, ou deixam transparecer,
informações de ordem social, econômica, cultural, educacional, religiosa,
política e administrativa (FLEXOR, 1982. p. 56).
Geralmente a organização dos inventários inicia com o nome do inventariado, nome
do inventariante, título de herdeiros e lista de avaliadores. Em seguida aparece a lista de bens
e seus valores. Na maioria das vezes o inventário vem com cada grupo de bens separados,
animais, bens de raiz (imóveis), semoventes (escravos), entre outros. No entanto podem ser
encontrados diversos tipos de organização, alguns em que os bens estão mistos, outros
separados em grupos ainda mais restritos podendo conter mercadorias, ouro, prata e até
móveis e utensílios.
15
Sabe-se que os inventários não eram obrigatórios e ocorriam quando havia menores
como herdeiros e/ou bens suficientes para uma disputa da partilha, “Os Inventários eram
feitos quando existiam órfãos menores e bens a serem partilhados e podiam, ou não, incluir o
Testamento” (FLEXOR, 1982, p. 52). Mesmo assim encontramos inventários com bens
irrisórios, envolto em disputas ou ajustes econômicos, ou mesmo a situação pessoal do
inventariado que por vezes era sozinho e não possuía lista de herdeiros, acontecimento este
que em geral consistia na avaliação e no leilão dos referidos bens.
Um aspecto importante que em geral passa despercebido pelos pesquisadores que
utilizam deste tipo de fonte é a lista de avaliadores. Seria saboroso abordar e cruzar suas
avaliações durante a pesquisa buscando caracterizar também esses agentes históricos que por
vezes são ignorados. No entanto, nessa pesquisa isso não será possível. A pesquisa nos
inventários post-mortem consegue trazer a tona aspectos sociais que por vezes não são
encontrados em outros documentos.
O Inventário de Ana do Espírito Santo, datado de 1846 demonstra uma amplitude de
bens materiais:
[...] Bens de raiz.
A casa do sítio no bairro das Furnas com suas benfeitorias avaliada em
50$000. Os campos e terras lavradias avaliados em 130$000. Duas partes de
campos e terras lavradias no Bairro dos Lopes avaliadas em 64$000. Uma
parte de campos e matos na Jararaca avaliada em 40$000. Uma parte de
campos e matos no bairro das Pedras na Boa Vista avaliada em 200$000.
Um potreiro para dentro do Piray avaliado em 50$000. Uma parte de campos
e matos avaliada em 50$000.
Escravos.
Um escravo crioulo de nome Candido com 40 anos avaliado em 400$000.
Um escravo cabra de nome André com 25 anos avaliado em 550$000. Um
escravo de nação de nome Paulo com 50 anos avaliado em 200$000. Uma
escrava crioula de nome Claudina com 18 anos avaliada em 600$000. Uma
escrava crioula de nome Jacinta com 40 anos avaliada em 270$000. Uma
escrava crioula de nome Maria com 60 anos avaliada em 60$000.
Prata
Um peitoral aparelhado de prata avaliado em 30$000. Um par de estribos de
prata avaliados em 60$000. Um freio de prata com chapeado e rédeas
avaliado em 60$000. Um par de esporas de prata avaliadas em 9$400. Uma
sela velha com manta e rabicho avaliada em 7$000.
Trastes
Um caldeirão de ferro avaliado em 2$560. Dois caldeirões menores
avaliados em 2$560. Uma enxó chata avaliada em 1$000. Uma enxó goiva
usada avaliada em $640. Duas foices usadas avaliadas em 1$280. Três
enxadas usadas avaliadas em $960. Uma chaleira avaliada em $600. Uma
espingarda fulminante avaliada em 4$000. Uma balança com conchas de
folha avaliada em $800. Uma chocolateira avaliada em $640. Um par de
canastras avaliadas em 6$000. Um vestido e mantilha de cetim avaliado em
16
6$400. Quatro catres usados avaliados em 1$600. Uma mesa com gaveta
avaliada em 1$000. Dois bancos avaliados em $480.
Animais
Cento e quarenta e seis bestas xucras, cada uma avaliada em 14$000,
somando 2:044$000. Vinte bestas mansas, cada uma avaliada em 19$000,
somando 380$000. Treze cavalos mansos idosos, cada um avaliado em
11$000, somando 143$000. Três potros de dois anos, cada um avaliado em
6$000, somando 18$000. Duas bestas de dois anos, cada uma avaliada em
10$000, somando 20$000. Um pastor velho avaliado em 4$000. Duas bestas
de três anos crioulas, cada uma avaliada em 14$000, somando 28$000. Seis
bestas de ano crioulas, cada uma avaliada em 6$400, somando 38$000.
Cinqüenta e sete potros colônia, cada um avaliado em 10$000, somando
570$000. Cinco potros de ano crioulos, cada um avaliado em 4$000,
somando 20$000. Quatro potrancas de ano crioulas, cada uma avaliada em
4$000, somando 16$000. Uma égua com cria de burro avaliada em 10$000.
Duas éguas com cria de cavalo, cada uma avaliada em 8$000, somando
16$000. Vinte e quatro éguas solteiras, cada uma avaliada em 6$000,
somando 144$000.
Gado
Duas vacas com crias de ano, cada uma avaliada em 11$000, somando
22$000. Um boi de dois anos avaliado em 6$000. Três vacas solteiras, cada
uma avaliada em 7$000, somando 21$000.
Monte-mor: 6:479$960
Esta relação de bens traz diversos itens. Os escravos nesse inventário representam
pouco mais de 32% do montante dos valores totais. Porém revelam diversos aspectos da vida
da sua proprietária. Oito vacas, 269 cavalares, uma pequena quantidade de prata, seis escravos
e bens de raiz que não dariam valor suficiente para comprar sua escrava mais cara.
Quão rico poderia ser o inventário se acompanhado por um testamento? A pesquisa
teve a sorte de encontrar dentro de alguns processos de inventários algum tipo de testamento.
Além de encontrar vontades e desejos de seus testadores e também como esses concebiam a
chegada da morte, foi possível encontrar a religiosidade, o temor a Deus, as disputas internas
e as relações de poder entre diversos agentes. Relações entre senhores e escravos, relação com
a Igreja, com sua fé, com o apego aos bens e com a destinação de bens considerados
importantes para quem realmente lhes mereça a fim de tomar conta e cuidá-lo de maneira que
mantenha viva a memória ou a afeição de seu dono testamenteiro.
Ao comparar testamentos e inventários, os primeiros parecem mais atrativos, porém se
engana quem pensa assim. O inventário contém características que por vezes não aparecem no
testamento, e em hipótese alguma é menos interessante em conteúdo. Tanto os testamentos
como os inventários se mostram como fontes limitadas, pois não contemplam toda a
população, no entanto fornecem uma grande quantidade de informações sobre a sociedade em
que foram constituídos esses documentos.
17
Não obstante, entende-se que os inventários selecionados para a pesquisa, a partir de
1846, estão repletos de informações das famílias e assim permitem vislumbrar detalhes do
cotidiano, da dinâmica de vida, da economia e das relações de poder dos habitantes de Castro
e dos Campos Gerais. Uma área ampla de economia alicerçada no comércio de gado entre o
sul e as áreas produtoras de café da Província de São Paulo. Pode-se ainda encontrar aspectos
familiares como organização, lugar social de crianças e mulheres, possíveis agregados, a
nuclearização da família, enfim, uma infinidade de combinações, ações e reações dentro do
bojo familiar dessa peculiar e interessante sociedade dos Campos Gerais.
Dos testamentos que foram encontrados em Castro é possível notar que as vontades de
seus testadores estão presentes e demonstram as relações de poder que estavam presentes nos
espaços destes. Em muitos inventários não há registro de testamentos, portanto, os que
contam com esse artifício possibilitam uma análise ampla da sociedade numa proposta de
História Cultural. Podem-se encontrar aspectos como as vontades do testador sobre seu
funeral, sua filiação e naturalidade, estado civil, filhos, entre outros. Também existem
testamentos que dão liberdade aos escravos, no entanto exigem deste um tipo de serviço que
pode ser em trabalho ou em filhos escravos.
É possível encontrar inventários que parecem menos importantes, sem qualquer
quantia de terras, prata e gado. Porém são atraentes no conjunto da fonte, dando
possibilidades de interpretação social muito clara. Pequenas quantias que eram disputadas
após a morte dos proprietários. Um dos inventários que chama a atenção é de Floriana preta,
forra. Falecida, teve seus bens leiloados, porém até seu leilão houve diversos procedimentos
que determinaram o leilão de seus bens. De início, parte dos bens estava de posse do preto
José pedreiro e do escravo Salvador. O inventariante reclama os bens para que sejam,
conforme a lei, leiloados e os recursos arrecadados destinados a Fazenda Provincial. No
entanto, José pedreiro reluta na entrega dos bens que alega ter obtido quando estava,
provavelmente, amasiado com Floriana, e que havia adquirido aqueles bens sem auxilio dela,
já que a mesma se encontrava doente e pouco lhe ajudava. A falecida ainda havia lhe deixado
dívidas que ele teve que pagar. Depois desta declaração de José, o inventariante Olivério
Antonio Luiz de Mattos declara que Floriana era sua escrava e que não deixava dívidas, pois
era “muito verdadeira e segura com seus pequenos negócios” 3. Alega também que a dívida
em fazendas que José apresenta, ele as fez com tecidos que deu a outra mulher de nome Maria
com quem José “já tinha amizade” e que no dia da declaração, vivia com o mesmo. O
3 Museu do Tropeiro, Fundo Inventários, 1851-1860. Inventário de Floriana preta, forra.
18
prosseguimento do processo indica que a decisão havia sido pelo recolhimento dos bens e
posterior leilão. No entanto, José, ainda descontente com a decisão da Justiça, solicita que os
bens fiquem em seu poder, pois se sente “gravemente prejudicado” com a decisão. Porém, ao
que indica uma nota constante no inventário, os bens semoventes foram a leilão e Francisco
de Assis os arrematou pela quantia de 37$000. Não há menção neste documento referente a
um possível leilão da casa. Os bens avaliados que pertenciam a Floriana preta, forra eram:
Semoventes: Dois potros, cada um avaliado em 8$000, somando 16$000.
Uma égua oveira com cria avaliada em 8$000. Uma égua rosilha velha
avaliada em 6$000. Uma égua rosilha solta avaliada em 4$000. Bens de raiz:
Uma morada de casas e terrenos situada na Rua das Tropas avaliada em
100$$000.
Nota-se que Floriana e José pedreiro deveriam ter tido um romance, chegando a viver
juntos por um tempo. Porém, provavelmente pelo adoecimento da mesma, José acabou por
largá-la e começou a viver com outra preta, Maria. Neste pequeno inventário é possível
descobrir uma relação de convívio que resultou na posse de alguns poucos bens, que
provavelmente foram adquiridos por Floriana, mas que José, com a morte desta, se apoderou
sem direito.
Também é possível encontrar vestígios de uma relação entre um homem e uma mulher
que deixou de existir, e uma terceira pessoa, Maria, a qual passou a conviver com José, mas
que já mantinha um relacionamento com o mesmo antes da morte de Floriana. É possível
abordar, com o auxilio de outras fontes, as relações de matrimônio que permeavam o
cotidiano das pessoas comuns de Castro. Os ajustes que se faziam dentro deste espaço, e
como o casamento poderia determinar as relações sociais para estes indivíduos. As fronteiras
do casamento ou da vivência matrimonial parecem diluídas quando algo relacionado à saúde
de um dos membros da relação está debilitada. O conviver, o morar, estava ligado também a
uma provável possibilidade de ganho econômico que aparecia nos bens adquiridos. Porém,
nota-se que José usa de táticas como a apresentação de notas de compra de tecidos e fazendas,
alegando que foram adquiridas pela falecida Florinda. Uma artimanha que o declarante
buscou empregar dentro da estrutura jurídica que lhe força a devolução dos bens. Algo que
Certeau (1994, p. 44) aponta como “golpes do fraco contra o forte”, seriam “maneiras de o
fraco tirar partido do forte”. Assim José usa deste método a fim de manter os bens em seu
poder.
Mesmo com as possibilidades apresentadas até aqui, essa pesquisa se dispõe a
compreender a participação do escravo na composição da riqueza nos Campos Gerais do
19
Paraná entre os anos de 1846 e 1864. Pela dificuldade encontrada em manusear as fontes, o
recorte aparece pequeno, porém consegue apontar dois períodos em que o elemento escravo
estava inserido. O primeiro é durante o fim do tráfico que ocorre plenamente conforme alguns
historiadores, em 1855, mas que age durante anos sobre a sociedade de Castro e dos Campos
Gerais. Neste primeiro período, o valor atribuído ao escravo sobe, chegando a patamares
altíssimos no final da década de 1850. Em seguida, depois de uma breve estabilidade, seu
valor e seu preço começam a desvalorizar, perdendo importância na composição da riqueza
dentro dos inventários.
Essa participação do escravo se dá no âmbito de um aspecto delimitado, o inventário
post-mortem. Embora o curso de mestrado em História, da Universidade Estadual do Centro-
Oeste (UNICENTRO), proponha como linha de pesquisa, “Regiões: práticas socioculturais e
relações de poder”, a qual levaria qualquer pesquisador a navegar pela produção teórico-
metodológica da História Cultural, aqui se entende que a História Econômica contempla esses
espaços. Opta-se por escolher a região territorial para a atual pesquisa, delimitando os
Campos Gerais como a região contemplada. A região geográfica que desenvolve essa
atividade, é também o local que cria suas próprias regiões internas e transfere o elemento
escravo e a riqueza para dentro do inventário, deixando a margem das fronteiras criadas por
este, todos os outros que assim são diferentes.
Ao leitor e pesquisador que se utilizará deste texto, cabe alertar para a forma de
construção do texto. Aqui não se expõe razões, teorias ou métodos que explicitem a Região,
as práticas socioculturais e as relações de poder. A análise realizada propõe um caminho
diferente, a percepção destes ditames de maneira diversa, buscando entender o processo como
prática sociocultural e econômica, que determina as relações de poder na sociedade dos
Campos Gerais que está envolta a dinâmica tropeira.
A dissertação, a partir da proposta de estudar a importância do escravo na composição
da riqueza nos inventários das famílias de Castro e dos Campos Gerais, ganhou o título de A
participação dos Escravos nos Patrimônios dos Campos Gerais (1846-1864). Sendo assim o
leitor encontrará uma pesquisa com bases na História Econômica que pretende responder
questões sobre a escravidão e riqueza nos Campos Gerais do Paraná num momento em que o
país se prepara para abolir o trabalho escravo, e o seu passo inicial é o fim do tráfico negreiro
pelo Atlântico. Como essas ações ganham importância na sociedade do Paraná? Qual a
participação do escravo na composição da riqueza dos homens e mulheres dos Campos
Gerais? E, por fim, como essas ações refletiram na sociedade, oportunizando mais recursos
financeiros, ou levando a queda do preço e do número de escravos na região?
20
Para responder essas questões dividiu-se o trabalho em três capítulos, cada qual com
uma característica e um momento econômico e social que direcionou a utilização dos escravos
na sociedade dos Campos Gerais.
O primeiro capítulo aborda a ocupação lusa nos Campos Gerais e como a sociedade de
então se formou, se articulou, econômica e socialmente com o restante da Colônia e
posteriormente do Império. Essa articulação se deu em especial através do tropeirismo que foi
muito além de um simples sistema de compra e venda de gado entre as regiões meridionais do
Império e as regiões consumidoras do centro. O tropeirismo representou muito mais que isso,
servindo como meio de ligação social, cultural e econômica para diversas regiões do território
português. O Rio Grande do Sul ou as terras mais meridionais do território viviam em
profundo isolamento até 1730. As vias de ligação entre a província de São Pedro do Rio
Grande se davam pela navegação costeira entre o sul e as regiões do Rio de Janeiro e
Salvador. A abertura da estrada de Viamão que ligava essa vila até Sorocaba, centro de venda
de bovinos e muares, representou a primeira ligação direta entre as regiões meridionais e o
centro da Colônia. Essa estrada foi o fio condutor de mercadorias e de informações. Nas suas
margens surgiram vilas e cidades que naquela época eram apenas pontos de apoio à
empreitada tropeira. Com o passar dos tempos, esses locais foram adquirindo aspectos de
vilas e também recebendo outros moradores que desenvolveram as mais variadas atividades
econômicas. Enfim, o tropeirismo foi o sistema que auxiliou a integração interiorana da
Colônia, sendo também disseminador de informações, cultura e aspectos econômicos.
Nesse contexto surge Castro, a principal vila e cidade da região, no século XIX.
Utilizando os registros de viagem do francês Saint-Hilaire busca-se reconstituir a região dos
Campos Gerais naquele período. Sabe-se que isso é quase impossível, pois as mudanças na
paisagem e nos meios de transportes são fortes ao ponto de deixar qualquer experiente
viajante perdido. No entanto, pelo próprio desenvolvimento econômico e a atividade tropeira
que trilhou os caminhos da região, pode-se através das palavras de Saint-Hilaire, refazer um
pouco do que seria Castro e seus campos no século XIX.
É interessante observar que Saint-Hilaire esteve nos Campos Gerais depois de noventa
anos transcorridos da abertura do caminho das tropas, época em que o tropeirismo já estava
consolidado na região. E desde a abertura desta via de ligação, a região dos Campos Gerais
constituiu-se como uma importante área na expansão da Colônia Lusitana da América. Sabe-
se que a região começa a ser povoada após a primeira concessão de sesmaria em 1704, cedida
ao Capitão-Mor Pedro Taques de Almeida. Assim surge um ponto de apoio à uma rota
comercial. Essa rota é aberta entre 1728 e 1730, o caminho de Viamão que liga o sul da
21
colônia portuguesa com os centros de comércio de gado, em especial Sorocaba. Com isso a
região dos Campos Gerais se firmam como uma zona intermediária entre a criação e o
comércio de gado. É nessa região que a doma e a engorda são feitas e agregam valor aos
animais vindos do sul.
Alguns historiadores, entre eles Octávio Ianni (1988) afirmam que a região dos
Campos Gerais se dedicava a três atividades principais, a agricultura, a pecuária e ao
tropeirismo. Isso se deu devido a localização regional, e também a necessidade de abastecer
as zonas mineradoras. Portanto, os Campos Gerais tiveram que se adaptar a dinâmica tropeira
e dela extrair o máximo possível. Os homens e mulheres da época pesquisada se agarraram ao
tropeirismo da melhor maneira possível. Essa adaptação ao tropeirismo usa as mais diversas
formas de mão de obra.
O próprio tropeirismo se adaptou de maneira a distribuir a mão de obra e os serviços
relativos à atividade dentro de seu espaço conforme cada região. O Sul foi o espaço de
criação, os Campos Gerais foi o local de doma e engorda e o interior paulista se
responsabilizou pelo comércio.
Outro fator que merece destaque é que diferente do que ocorreu com a cana-de-açúcar,
com o café ou mesmo com o ouro, o tropeirismo não é tido como “ciclo econômico”, talvez
pela própria dinâmica do sistema tropeiro que persistiu por muito mais tempo do que qualquer
tipo de produto que tenha merecido tal discussão historiográfica. É certo que o tropeirismo se
caracterizou como importante meio de transporte do litoral para o interior, e de regiões
interioranas para outras regiões do Brasil Colonial ou Imperial. Seu fim se dá muito mais pela
abertura de novos caminhos, como os trilhos de trem, do que pela substituição deste sistema
por outra economia.
O tropeirismo serviu para integrar diferentes regiões da Colônia e do Império, além de
oferecer a oportunidade de acúmulo de grandes quantias de riqueza nos mais diversos locais
por onde esteve presente. Isso aconteceu desde as áreas de produção até a sua
comercialização.
A ocupação de vastas áreas, a integração econômica e comercial das terras lusitanas e
o uso do sistema escravista brasileiro nas regiões onde o tropeirismo esteve presente,
representam muito para a formação do Brasil e destas regiões.
Neste ponto destaca-se a presença do escravo, o qual fez parte direta da dinâmica
tropeira. Pois não eram poucos os escravos que acompanhavam o seu dono na formação das
tropas e por vezes, era o líder da tropa. O trabalho escravo mesmo que não estivesse
relacionado diretamente a formação da tropa, esteve ligado a atividade tropeira dentro dos
22
mais variados contextos. É inegável a presença do escravo nesta sociedade. Seu papel dentro
da região e suas relações socioculturais ultrapassam sua condição de simples escravo e
recolocam o indivíduo em meio aos mais diversos setores, sendo ele agente ativo na formação
social e da mesma forma sendo mercadoria de lucro e de reserva de riqueza por parte dos
senhores dos campos.
Portanto, os Campos Gerais formaram algo muito maior do que um simples caminho
de tropas. Tem-se uma sociedade rural integrada ao comércio do Império, e que utilizava de
todas as formas possíveis para o acúmulo econômico.
Nessa região se estabeleceu uma sociedade formada por brancos e não brancos. Esses
não brancos, em grande quantia, representavam livres ou libertos que estavam integrados de
uma forma ou de outra dentro da economia.
Saint-Hilaire já apontava nos anos de 1820 que a região, apesar de possuir escravos,
não continha grande quantidade de braços escravizados. Esse número se confirma em 1854
quando o primeiro presidente da província, Zacharias de Góis e Vasconcelos, apresentou em
seu relatório da província pequena porcentagem de escravos.
A população não branca de Castro representava 4845 indivíduos, algo em torno de
41% da população total. Os brancos, em sua maioria, eram 6798 indivíduos e representavam
pouco mais de 58% da população do termo de Castro. As evidências apontam para uma região
de criação e de engorda de gado, tal composição se parece muito com outras regiões como
Alegrete, que o historiador Luís Farinatti (2007) aponta com um percentual bem próximo. É
bom lembrar que os escravos representavam quase 23% da população do termo de Castro, e
assim é possível reconhecer a importância do braço escravo na economia dos Campos Gerais.
No final do primeiro capítulo aborda-se brevemente a formação desta sociedade, como
estava distribuída, qual o papel e a importância do escravo, qual a proporção deste na
formação social da província. Enfim, diversos aspectos que auxiliaram na pesquisa para a
compreensão do escravo como indivíduo passível de comércio. Desta forma podem-se ver os
Campos Gerais como área de concentração de escravos, os quais estavam ligados as mais
variadas atividades comerciais e laborais da sociedade campeira.
Por fim, apresentam-se algumas circunstâncias que estabeleceram o fim da escravidão
no Brasil. Fatos e atos de política interna e externa que trilharam os caminhos para o fim lento
e gradual da escravidão no Brasil. Tais fatos e o fim do tráfico como serão visto mais adiante,
trará resultados econômicos aos Campos Gerais.
No capítulo dois é abordada a importância das fontes, os inventários post-mortem. Pois
um inventário pode oferecer inúmeras informações materiais sobre a pessoa inventariada e
23
sobre a sociedade em que vivia. Canecas, urinóis, garfos, facas, camisas, almofarizes, baús,
chapéus, galochas, cangalhas, cestos, xales, lenços, vestidos, canivetes, espelhos, copos,
peneiras, enxadas, machados, bandejas, espingardas, garruchas, balanças, freios, estribos,
bombas, pratos, imagens de santos, enfim, uma repleta gama de objetos que faziam parte da
vida cotidiana e que se encontram registrados nos inventários post-mortem do Museu do
Tropeiro na cidade de Castro, no Estado do Paraná. Esses objetos faziam parte da vida
material de uma população que possuía objetos básicos para a sua vivência, para o seu uso no
dia a dia. É praticamente impossível determinar o real valor atribuído aos objetos, pois a sua
significância no uso diário, ou seu uso em casos especiais, não aparecem nos registros das
partilhas estudadas. O significado que o proprietário atribuía a cada um dos objetos é
incalculável. Já o valor monetário aparece através da avaliação que os avaliadores designados
pela Justiça realizavam.
Junia Ferreira Furtado (2012) alerta os historiadores para os cuidados de se trabalhar
com fontes tão delicadas. Devem-se considerar as possíveis distorções nas informações ali
contidas. Alguns inventários post-mortem podem conter informações distorcidas devido ao
próprio desejo da família em camuflar os reais valores dos bens. Esse aspecto pode variar
tanto para aumentar, como para reduzir o valor do bem. Tudo dependendo das relações entre a
família do falecido e os avaliadores.
É importante destacar que até 1916, o que regrava a formação dos inventários eram as
Ordenações Filipinas, portanto, o período estudado estava estreitamente ligado a uma tradição
jurídica portuguesa. Estudar os inventários de meados do século XIX é um trabalho
fascinante, pois revela a vida material de pessoas desconhecidas para o pesquisador, num
tempo e numa época diferente da atual. Os objetos desses indivíduos do passado trazem
aspectos da vida cotidiana de um Brasil diferente do de hoje.
Infelizmente sabe-se que os inventários excluem parte da população nessa pesquisa,
mas como o objetivo é reconhecer a participação do escravo na composição da riqueza,
independente dos demais objetos, os escravos aparecem nitidamente em todas as fontes que
selecionadas para análise.
Dentro desse levantamento, é encontrada grande quantidade de inventariados ligados à
agricultura, pecuária e a produção de gêneros alimentícios. Mas também outros ligados ao
comércio de secos e molhados, que traziam grande descrição de objetos distribuídos dentro da
sociedade campeira da época.
Parte-se então para uma abordagem que elenca alguns historiadores que abordaram
inventários e realizaram pesquisas na área.
24
No fim deste capítulo verifica-se a propriedade de escravos e a posse de escravo.
Como eles estavam concentrados, e em quais atividades eram utilizados, a partir de um
apanhado sobre a própria escravidão na América e como ela se deu nas mais diversas regiões
do novo continente, suas diferenças e os aspectos em que se igualavam. Da rigidez da
escravidão nas áreas ao sul dos Estados Unidos à grande quantidade de negros no Caribe, sem
deixar de ponderar sobre a participação indígena na formação das sociedades hispânicas da
América.
Na América portuguesa, o modelo escravista favoreceu a unidade territorial e se deu
de maneira mais ou menos semelhante nas mais diversas regiões. Conforme Marquese (2006,
p. 118), havia uma paridade no início do século XIX entre brancos, mestiços e negros, com
28% de brancos, 27,8% de negros e mulatos livres, 38,5% de negros e mulatos escravizados,
5,7% de índios. Considerando que os Campos Gerais, como apresentado anteriormente, se
mostrava em meados do século XIX, com um número maior de brancos do que a média
nacional, e o elemento escravo, apesar dos Campos Gerais serem a área com maior
concentração de escravos dentro do Paraná, na média nacional a região se distingue e mostra
outros resultados. Mesmo assim, o escravo estava presente e representava boa parte do
acúmulo de riqueza nessa região.
Para Fernando Franco Netto (2007), as propriedades com escravos no Paraná em 1804
perfaziam 20,5% do total de domicílios, enquanto que em 1824 esse percentual ficou em
18,9%. Portanto o Paraná não apresentava um número expressivo de domicílios com escravos,
tônica presente nessa região do Brasil com suas atividades voltadas para a pecuária e a
lavoura de alimentos. A média de escravos por proprietário foi de 5,6 em 1804 e de 5,0 em
1824 no Paraná, refletindo a participação de pequenos proprietários de cativos. Encontram-se
médias maiores do que estas, por exemplo, em Castro (7,1 no ano de 1824). Tal índice se
manteve nas faixas apontadas pelo pesquisador.
É possível encontrar na pesquisa um Paraná que aos pouco vai diminuindo a
importância do braço escravo na sua economia. Mesmo assim, em determinados anos, o
número de escravos aumenta, mas sua participação na sociedade vai sempre decrescendo. O
ano de 1854 representa algo interessante para o período, pois, conforme poderá ser visto, e
com base em outros estudos, a década de 1840-50, foi o período em que mais houve entrada
de escravos no Brasil. Portanto, os números relativos ao Paraná também aumentam, mas a
participação na população, não aumenta, indicando a diminuição da importância deste na
composição social do Paraná.
25
No que diz respeito à economia, dos 205 inventários não foi encontrado nenhum cujas
atividades estivessem ligadas apenas ao comércio e a agricultura. Na maioria dos inventários
ligados à atividade comercial, 12 são ligados à pecuária e destes 4 são ligados também à
agricultura. A pecuária estava fortemente vinculada às atividades econômicas em geral, dos
205 inventários, apenas 20 não estavam diretamente ligados a essa atividade econômica. Por
outro lado se teve 19 inventários em que não foi possível definir a sua participação na
economia.
Tabela 1: Atividades econômicas verificadas nos inventários
Atividade Agricultura Comércio Pecuária Agricultura
e
Pecuária
Agricultura
Pecuária, e
Comércio
Comércio e
Pecuária
Atividade não
definida
Número de
inventários
18 2 43 111 4 8 19
Fonte: Rol de inventários do Museu dom Tropeiro, Castro-PR
Divididos nestes grupos que constituem a tabela acima, o maior grupo é o ligado à
pecuária e à agricultura, com 111 inventários. Em segundo lugar aparecem os inventários
ligados apenas à pecuária, totalizando 43; e em terceiro lugar o grupo ligado à agricultura,
apenas com 18 inventários. Ao agrupar esses três conjuntos de atividades encontram-se 172
inventários, que representam 83,9% do total, número superior ao de inventários que possuem
escravos. Isso evidencia que as atividades eram praticadas por pessoas que se utilizavam da
mão de obra cativa. Porém, outros agentes econômicos realizavam as mesmas atividades sem
escravos, demonstrando que o trabalho poderia ser próprio, ou de livres assalariados.
Vale ressaltar que o objetivo da pesquisa é encontrar a participação do escravo na
composição da riqueza dos homens e mulheres nos Campos Gerais, através dos inventários
post-mortem. Depois de organizar os estudos sobre Castro, sobre os inventários e deles retirar
os dados que levariam ao complemento da pesquisa, foram levantadas algumas questões que
serão apresentadas no decorrer do terceiro capítulo. Assim a pesquisa foi dividida em dois
períodos, um até 1850 quando se inicia o processo de interrupção definitiva do tráfico
transatlântico de escravos, avaliando os preços e valores e a importância na composição da
riqueza dos inventários. O segundo período iniciaria a partir de 1851 até o fim do recorte
temporal da pesquisa.
De imediato buscou-se encontrar base nos dados levantados e em teóricos que
amparassem a construção do texto dissertativo. Essa busca levou a redimensionar o ano que
determinaria a sugerida divisão. Ricardo Tadeu Caires da Silva (2010) entende que houve
26
dois períodos de comércio e valorização dos escravos nos Campos Gerais. O primeiro
momento tem seu início nos tempos coloniais com o valor dos escravos sendo relativamente
baixo. Isso devido à própria oferta de escravos em Castro ou em outras regiões consumidoras
de braços para o trabalho. Como pode ser visto no primeiro capítulo deste trabalho, Gutierrez
(2006) defende a tese de que a absoluta maioria dos escravos dos Campos Gerais eram de
crioulos, sendo uma quantia de 7 crioulos por 1 africano, mesmo assim, a oferta de escravos
nas regiões litorâneas conseguiu deixar o preço dos crioulos da região dos Campos Gerais
dentro de um patamar baixo. Porém, depois de 1850, com a Lei Eusébio de Queiroz 4, a
dificuldade no tráfico e, conforme Ricardo Tadeu Caires Silva (2010), em 1855 o tráfico de
escravos para o Brasil estava totalmente extinto. A partir deste período a região dos Campos
Gerais começa a sentir o assédio sobre seus plantéis de escravos e o valor atribuído se eleva.
É possível encontrar a divisão entre os anos de 1852 e 1853 quando o preço do escravo
nos Campos Gerais começa a subir. Entre 1846 e 1852 o preço se manteve estável. Mas como
determinar e comparar um escravo a outro em momentos diferentes, ou em anos diferentes? É
importante destacar que abordar um assunto como este não é tarefa fácil. Como comparar um
escravo com outro, de outra propriedade? A resposta desta questão fundamental para o
desenvolvimento da pesquisa é tentar elaborar a determinação de uma média. Opta-se por
buscar um tipo de escravo mais comum no rol de inventários post-mortem analisados. A
construção do indivíduo médio para fins de comparação de preço teve como parâmetros os
seguintes aspectos: sexo, idade, crioulo, profissão, estado de saúde e condições de trabalho.
Dentro dos inventários post-mortem pesquisados, encontram-se escravos com 110
anos, como no caso do escravo Felipe, de propriedade do inventariado José Joaquim Marques
de Souza, de 1864. Mesmo com 110 anos, Felipe foi arrolado no processo e avaliado como
“inútil”. Outros escravos com menor idade foram inventariados, mas naquele momento seu
valor era menor porque estava doente. Um exemplo é o escravo Amaro, 32 anos, crioulo, que
em 1963 foi avaliado em 800$000 enquanto a média de escravos para o mesmo ano foi de
1.100$000. Sua doença? Era considerado “doentio de um braço”. Seu valor perfazia 72,72%
do valor médio de um escravo em perfeito estado de saúde e de trabalho. Outro escravo,
Camilo, preto, 28 anos, foi considerado doentio, mesmo assim foi avaliado em 200$000 em
1864. Neste ano também a média de escravos foi de 1.100$000. Com esses patamares, não
4 Lei nº 581 de 04 de setembro de 1850, que proibiu o tráfico negreiro no Brasil. Ver: TELLES
FILHO, Eliardo França. Eusébio de Queiróz e o Direito: um discurso sobre a Lei nº 581 de 4 de
setembro de 1850. Revista Jurídica. Brasília, v. 7, n. 76, p.52-60, dez/2005 a jan/ 2006.
27
seria possível considerar os escravos doentes, até porque os valores variam muito e apenas os
escravos em boas condições, se assim se pode avaliar, é que entraram nessa somatória.
É importante ressaltar que esse tipo de seleção se dá pela grande dificuldade em
avaliar o estado de um plantel e a disparidade na composição deste. Foi necessário buscar um
indivíduo médio, presente em todos os anos e com amplas condições de avaliação, a fim de
estabelecer um patamar razoável. Apenas fazer a média das escravarias pelos valores
avaliados, poderia não condizer com a realidade dos valores atribuídos, pois de ano para ano a
composição das escravarias mudava e os valores determinados poderiam interferir no valor
médio real que se pretende aproximar. Assim, o indivíduo a ser localizado teve esse perfil,
homem, idade entre 20 e 30 anos, crioulo, sem profissão apontada nos inventários e em boas
condições de saúde, ou que pelo menos não fossem considerados inúteis e/ou inválidos.
A partir dessa composição de escravos se elaborou uma média de valores atribuídos
aos escravos com o perfil acima proposto. Esse indivíduo escravo será a partir de agora
reconhecido por “indivíduo perfil”.
Nos primeiros anos a curva no valor atribuído ao indivíduo perfil aponta para um
crescimento no valor e representa cinco anos de grande recebimento de escravos no Brasil,
conforme apontam diversos historiadores. E ainda demonstra três anos de repressão ao tráfico
transatlântico de escravos.
Mesmo com a grande entrada de africanos no Brasil na década de 1840-50, os
escravos crioulos sempre foram a grande maioria nos Campos Gerais, isso, talvez se explique
pela própria dinâmica que a sociedade estava inserida, tendo que possuir escravos
especialistas ou que soubessem lidar com o gado e com as mulas a fim de domá-las para
posterior venda. Os escravos africanos estavam perdendo espaço, em especial depois de 1850,
quando sua importação era considerada crime. Assim o crioulo tinha maiores condições de
trabalhar livre e nos afazeres necessários na região dos Campos Gerais.
Ainda sobre o primeiro período, deve ser destacada que a média de participação de
escravos na composição da riqueza nos inventários post-mortem girava em torno de 30%. O
restante dos bens, terras, casas, bois, vacas, cavalos, mulas, etc., representam 70% dos
inventários. Aqui só foram considerados os inventários com escravos, descartando os que não
possuíam esse elemento.
O segundo período que se inicia em 1853, com um relativo aumento dos valores dos
escravos, vai até 1855 com um valor em crescente, mas sem avançar muito.
Os dados levantados nessa pesquisa apontam para dois momentos distintos do
comércio de escravos. O primeiro momento foi marcado por um momento de adaptação à
28
nova realidade. Se for considerado que entre 1845 e 1850 desembarcaram no Brasil mais de
50 mil cativos por ano (COSTA, 1998), esse mesmo período valorizou o braço escravo de tal
maneira que a sua importância na consolidação das riquezas armazenadas pelas famílias se
tornou indispensável. Nos Campos Gerais o período de adaptação foi além, chegando a 1853,
estendendo-se até 1855. A partir deste período intermediário, ocorre uma alta vertiginosa no
valor do escravo dentro do processo de partilha dos bens, e de igual forma, sua importância no
percentual de riqueza evolui até atingir seu auge em 1858-59.
É notável que em 1858 e 1859 os escravos atinjam os maiores valores, e que o maior
percentual apareça em 1861. No primeiro momento isso também ocorre. Quando os valores
começam a se elevar, em 1853, os percentuais de participação nos inventários só aparecem
aumentando em 1855. No entanto, o ano de 1864 supera as lacunas deixadas pelos anos de
1862 e 1863, em informações mais contundentes. O ano de 1864 demonstra uma tendência de
baixa no valor do escravo e de redução na participação do escravo na composição da riqueza.
Constatar que os Campos Gerais agiram e reagiram conforme se comportou o comércio e o
tráfico de escravos no Brasil demonstra a estreita ligação da região com as demais áreas
econômicas do país. Ainda referente à conjuntura que os Campos Gerais estavam inseridos,
vale ressaltar que em 1853 a Quinta Comarca de São Paulo se desmembra e forma a Província
do Paraná. Essa nova divisão territorial também influencia no comércio da região, pois novas
alíquotas e taxas são colocadas sobre os preços dos produtos e no caso o comércio de escravos
a partir de 1855, se restringe ao tráfico interno do Império.
Carlos Eduardo Supriniak (2006) apresenta um estudo sobre a entrada de gado e mulas
no Paraná e a reação econômica no preço dos escravos para a época. Na presente pesquisa
nota-se que o escravo tem seu valor ligado à alta e a queda das mulas e do gado
comercializado. Situação que pode se estender por um período maior que carece de pesquisa.
29
CAPÍTULO 1 - A OCUPAÇÃO LUSA DOS CAMPOS GERAIS E A DINÂMICA
ECONÔMICA ESCRAVISTA ENVOLTA AO TROPEIRISMO
1.1 A formação dos Campos Gerais e a sua função na dinâmica econômica colonial
Os Campos Gerais, assim denominados graças à sua enorme extensão, não
constituem uma comarca nem tampouco um distrito. São eles como essas
regiões que em todos os países, independentemente de divisões políticas se
distinguem pelo aspecto, natureza do solo e sua produção, e cujos limites
vão até onde desaparecem as características que sugeriram a imposição de
nomes particulares e daí por diante deixam de ter aplicação. Começam os
Campos Gerais à margem esquerda do Itararé (SAINT-HILAIRE, 1964. p.
8-9).
O viajante francês ao pisar nos Campos Gerais soube claramente que estava chegando
numa região totalmente diferente. Uma região com suas particularidades e que devido a isso
se mostrava cada vez mais interessante. Sua geografia e sua composição despertaram interesse
ao viajante, porém, mesmo ele conhecedor de tantas outras localidades brasileiras, não sabia
que o povo daqui tinha suas características também diferentes de outras regiões do Brasil.
Com uma ocupação oficial lusitana de mais ou menos 110 anos, os Campos Gerais em
1820 já estavam solidificados como uma região particular. Com campos e pastagens formadas
e ocupadas por muares e gado, vindos do Sul ou criados aqui mesmo. Roças de subsistência
com milho, feijão, trigo e arroz, além de outros importantes produtos como linho, algodão e
fumo faziam parte da realidade da região quando Saint-Hilaire por aqui passou. O viajante
realizou outras anotações sobre a população dos Campos Gerais; para ele a maioria da
população era de cor branca. Tal afirmação se confirma com outros dados conforme será visto
adiante. A descrição de Saint-Hilaire sobre a população desta região era a seguinte:
Seria erro pensar-se que a maior parte dos habitantes dos Campos Gerais se
compõe de mestiços. Encontram-se ali muito mais homens realmente
brancos que nos distritos de Itapeva e Itapetininga, tendo eu verificado que
quase todos os operários da vila de Castro pertenciam à nossa raça. Assim,
não é de admirar que, a despeito de sua profunda ignorância, os habitantes
dos Campos Gerais tenham melhor pronúncia e falem mais corretamente o
português que os das vizinhanças da cidade de São Paulo, e não deem
ao ch o som de ts e ao g o de dz, alterações introduzidas na língua portuguesa
pelos índios, com os quais os colonos dos distritos de Castro e Curitiba
pouco se misturaram. (SAINT-HILAIRE, 1964. p. 14)
30
Apesar dessa comprovação, ele não exclui a existência de escravos na região, até
porque a dinâmica da região integrava também uma importante, se não a mais importante,
rota interna de comércio da época.
O caminho de Viamão, aberto entre 1728 e 1730 representa uma rota comercial que
liga continentalmente o Sul e o Sudeste. Regiões produtoras de gado e muares do Sul com
regiões consumidoras do centro. Além disso, o caminho se apresentava como uma via de
trocas comerciais, sociais e culturais, onde homens de diversas regiões interagiam e criaram
suas próprias alternativas de sociabilidade e sobrevivência.
Para entender bem a presença populacional nessa região é necessário compreender
como surge a ocupação e como se dá a integração dos Campos Gerais ao Império luso na
América.
A região dos Campos Gerais constituiu-se como uma importante área na expansão da
Colônia Lusitana da América a partir do ano de 1704. Neste ano, ocorre a primeira
distribuição de sesmaria pela Coroa Portuguesa com o nome de Sesmaria da Paragem do Iapó
(LOPES, 2004). O nome é relativo ao importante rio que corta os Campos Gerais e as suas
cheias forçavam a parada de quem por lá tentava cruzá-lo. Esse fato favoreceu o início da
ocupação oficial do território onde se localiza a cidade de Castro. É importante destacar que
Saint-Hilarie escreve que os homens dessa região não se misturaram com os indígenas. Esse
relato realizado pelo viajante não exclui a presença indígena antes da ocupação oficial da
região. Porém, é provável que os indígenas tenham sido expulsos ou se mostraram muito
hostis e não integraram a população “civilizada” dos Campos Gerais, diferente do que ocorreu
em outras áreas mais próximas a São Paulo como o próprio viajante escreve.
A primeira família a chegar oficialmente foi a do Capitão-Mor Pedro Taques de
Almeida. Foram os primeiros proprietários oficiais de terras na região, e através desta família
outras se instalaram e buscaram explorar os campos naturais para a criação e engorda de gado.
A vila de Castro, ou Iapó, surgiu com a necessidade da parada devido às cheias, mas também
como pernoite de tropas vindas do Sul. Tornou-se ponto de apoio para as tropas fornecendo
gêneros alimentícios e serviços aos tropeiros, inclusive diversões com “mulheres públicas”,
como relata Saint-Hilarie. Nos seus arredores o aluguel dos pastos a fim de pernoite ou
mesmo de espera de condições de trafegar no Caminho, possibilitava novos meios de
sociabilidade sempre acompanhados de algum tipo de comércio.
Segundo Octávio Ianni (1988), a população da região dos Campos Gerais em especial,
dedicou-se à agricultura, pecuária e ao tropeirismo, aproveitando a debilidade das vilas
paulistas em fornecer gêneros alimentícios para as Minas Gerais. Situação essa que foi
31
agravada com o grande deslocamento de populações paulistas e de outras regiões do Império,
para a região de exploração aurífera nas Minas Gerais, afetando a produção de alimentos e
consequentemente criando uma grave crise de abastecimento.
Independente das considerações relativas ao abastecimento das regiões mineradoras,
os Campos Gerais, que não despertavam qualquer tipo de interesse econômico no final do
século XVII, acabam por se tornarem um importante território já no início do século XVIII,
com a vinda da família Taques de Almeida. Até a abertura do caminho entre os campos
produtores de gado e mulas do Rio Grande do Sul entre 1728 e 1730, os Campos Gerais
foram campos de criação de gado vacum e de cavalos destinados à região de mineração. No
entanto, com a abertura do Caminho de Viamão, o Rio Grande do Sul se constitui como o
grande produtor de gado e muares, sendo que os pastos dos Campos Gerais começaram a ser
usados para invernagem, doma e engorda. Conforme aponta Maria Isabel Basilisco Célia
Danieli (2006), em sua tese de doutoramento em Desenvolvimento Econômico pela
Universidade Estadual de Campinas, durante o governo paulista de Antonio da Silva Caldeira
Pimentel, grandes esforços foram feitos para se abrir tal caminho com o claro intuito de
abastecer o comércio do interior paulista e mineiro com mulas e gado vindos do Sul. A região
dos Campos Gerais manteve um misto de produção de gado e mulas, mas esteve diretamente
ligada ao comércio já que os campos sulinos teriam maiores condições de criação. A partir
dessas circunstâncias, a sociedade dos Campos Gerais buscou se adaptar à dinâmica que o
tropeirismo trazia. Não seria de todo errado atribuir à região um tipo de economia
intermediária, onde os Campos Gerais se destacariam por engordar e domar tropas, agregando
valores aos animais vindos do Sul. Essa atividade representaria importante ocupação para os
diversos tipos de mão de obra da região.
Destacando ainda a região e suas características, é possível recorrer a Saint-Hilaire
(1964, p. 9) com sua descrição afirmando que “A região é muito diferente da que a precede, a
nordeste, e termina a pouca distância do Registro de Curitiba, onde o solo começa a
diferençar-se e, às aprazíveis paisagens, sucedem-se sombrias e majestosas florestas”.
São justamente essas paisagens aprazíveis que fizeram com que se despertasse o
interesse econômico para a região. A formação da pastagem, com campos nativos e pequenas
áreas de florestas onde a araucária se destacava, era propícia para a criação e engorda de gado
que serviria de mercadoria para abastecer as regiões mineradoras do centro. É inegável a
importância das Minas Gerais para a ocupação oficial destas pastagens e a consequente
exploração dos campos através da criação e invernagem de gado. Em sua obra, Straforini
32
(2001) aponta para uma divisão do trabalho que possibilitou a integração dos Campos Gerais
na dinâmica comercial colonial:
Enquanto no sul a divisão territorial do trabalho gerou um espaço
predominantemente criatório, no Brasil Central, o espaço era articulado em
infinitas redes de rotas, possibilitando a comunicação e a inserção de lugares
“perdidos” na economia brasileira e mundial [...] (STRAFORINI, 2001. p.
24).
Dessa maneira, o comércio que articulava a região dos Campos Gerais à dinâmica
comercial colonial era de gado e muares. O sistema tropeiro que se organizou na época a fim
de manter essa empreitada comercial consistia em três espaços articulados; primeiramente a
criação, em segundo lugar a pastagem e o adestramento, e em terceiro a comercialização.
Espaços que contribuíram significativamente para formação social e econômica do Império,
mas que também desenvolveram uma rede de compartilhamento e de comunicações
importantes para a época.
É evidente que nesses espaços essa divisão do trabalho não era totalmente rígida, pois
são encontrados criatórios em locais de doma e engorda e até nos próprios centros
consumidores. Outro fator relevante é que a formação de uma sociedade campeira na região
se dá pelos aspectos territoriais, mas também conjunturais. Territoriais, pela própria formação
da região, um local propício para a cria e engorda de gado com pastagens naturais. E
conjunturais, pois se tratava de uma via de ligação interna que recebia e fornecia informações
e aspectos culturais de outras regiões do Império. Tais trocas se davam prioritariamente pela
função que o tropeirismo tinha de levar e trazer tudo o que poderia ser transportado física ou
culturalmente. Para tanto, deve-se minimamente abordar o que seria o tropeirismo. Como
funcionava o sistema tropeiro e qual seu papel na formação social e territorial do Brasil?
Caso alguém busque nas bibliotecas obras que citem o tropeirismo como ciclo
econômico, certamente não conseguirá êxito. Diferentemente do que ocorreu com a cana-de-
açúcar, com o café ou mesmo com o ouro, o tropeirismo não é encontrado como “ciclo
econômico”, talvez pela própria dinâmica do sistema tropeiro que persistiu por muito mais
tempo do que qualquer tipo de produto que tenha merecido tal discussão historiográfica.
É que o tropeirismo se caracterizou como importante meio de transporte do litoral para
o interior, e de regiões interioranas para outras regiões do Brasil colonial ou imperial. Apesar
de ser abordado em nosso trabalho como um sistema de trocas envolto na economia e
auxiliado pelo sistema escravista brasileiro, é inegável sua contribuição em outras regiões do
Brasil para a integração das mais diversas áreas produtoras e consumidoras. Alguns trabalhos
33
demonstram a importância dos tropeiros e suas tropas no transporte de cargas. Apenas com os
trilhos de trem é que de fato o lombo da mula foi relegado a um segundo plano, isso já em
fins do século XIX e início do século XX.
O historiador Celso Furtado (2009) em sua obra Formação Econômico do Brasil
destaca a importância das mulas no transporte de açúcar, ouro e café, mas também de outros
produtos e de pessoas.
A tropa de mulas constitui autêntica infraestrutura de todo o sistema. A
quase inexistência de abastecimento local de alimentos, a grande distância
por terra que deviam percorrer todas as mercadorias importadas, a
necessidade de vencer grandes caminhadas em região montanhosa para
alcançar os locais de trabalho, tudo contribuía para que o sistema de
transporte desempenhasse um papel básico no funcionamento da economia.
Criou-se, assim, um grande mercado para animais de carga (FURTADO,
2009. p. 122).
A assertiva acima se destaca no capítulo XIII, que fala da integração das regiões
meridionais através das relações econômicas abertas pela exploração da região de Minas
Gerais. No entanto, o transporte realizado pelas mulas ultrapassou o processo de mineração e
alcançou definitivamente seu desenvolvimento alicerçado em outros processos econômicos
que são possíveis de considerar como secundários.
No Sul do Brasil, o tropeirismo interligou as diferentes regiões produtoras e
comerciais do interior. No Rio Grande do Sul, apesar de ser possível encontrar a criação de
gado anterior à mineração, seu potencial sempre foi utilizado seja para a produção de carne ou
de transporte ou mesmo de couro. No entanto, o grande comércio de gado e muares
sustentado pelo caminho das tropas que passava por Castro, era responsável por grandes
valores monetários. Farinatti (2007) aponta para a grande importância que a região dos
Campos Gerais teve na compra e venda de gado.
Desde os tempos coloniais, tropeiros desciam de São Paulo, dos Campos
Gerais do Paraná, de Lages e voltavam com tropas de muares, consistindo
em uma das mais importantes atividades econômicas do período. No meado
do século XIX, o principal destino dos muares produzidos no Rio Grande do
Sul seguia sendo a Feira de Sorocaba, de onde eram encaminhados,
principalmente, para as regiões cafeicultoras do Rio de Janeiro e, depois, de
São Paulo. O negócio de formação de tropas compostas, sobretudo, por
muares, ainda que possuíssem também alguma participação de eqüinos, sua
invernagem nos campos do Paraná e sua venda na Feira de Sorocaba,
construiu algumas fortunas de grande importância no Oitocentos, sobretudo
na província de São Paulo e na comarca, depois província do Paraná
(FARINATTI, 2007. p. 141-142).
34
Essa atividade econômica moldou o homem para lidar com tais negócios. Esses
indivíduos chamados tropeiros, segundo Farinatti (2007), conseguiram reunir grandes somas
financeiras conquistadas sobre o lombo da mula. No entanto, nem sempre o tropeiro que
conduzia a tropa era o proprietário. Os grandes compradores de gado encarregavam um
capataz de confiança para que ele e alguns escravos descessem ao Sul e organizassem uma
tropa em seu nome. O que se deve destacar é que esses indivíduos eram responsáveis por
transportar gado e mulas, mas inconscientemente, por muitas vezes, eram transmissores e
receptores de cultura e informação.
A tropa também tinha suas particularidades. O tamanho variava e ela poderia ser
composta de gado bovino ou muares. A compra e venda destes animais se dava em geral no
Sul, no Rio Grande do Sul. Se fossem mulas, ficavam nos Campos Gerais para doma, se
fossem bovinos, ficavam para recuperação de peso (engorda). Porém, muitas tropas eram
formadas no Sul e se deslocavam diretamente a Sorocaba para a venda imediata.
A economia tropeira possibilitou a ocupação de vastas áreas antes desocupadas
economicamente e sem interesse comercial. Essa ocupação oficial trouxe consigo aspectos
que aqui foram ressignificados devido às características da região. Em geral, foram
necessários vários caminhos e trilhas que ligaram economicamente e socialmente as diversas
regiões do interior brasileiro. As atividades ligadas à economia predominante também
favoreciam outras atividades econômicas que não eram o eixo central desse comércio, mas
que utilizaram das possibilidades conjunturais para agir e se integrar na dinâmica comercial
da época. Essas características foram fundamentais para a formação social e cultural de
homens que se especializaram na lida com o gado, mulas e burros, extremamente importantes
para a configuração dessa sociedade complexa criada ao lado dessas trilhas e caminhos.
A formação de Castro reuniu aspectos econômicos, sociais e culturais de pessoas que
lidavam diretamente com o tropeirismo e também dos que se utilizavam das brechas
econômicas deixadas pelo sistema. Pelos caminhos que faziam essa ligação comercial e
social, cruzavam as tropas que eram compostas por animais e por homens que necessitavam
de uma rede de serviços auxiliares, eram condutores, cozinheiros, camaradas e aprendizes,
além, é claro, do dono da tropa. Geralmente essa equipe de apoio era composta pelo elemento
escravo, presente na sociedade tropeira (MATOS, 1984). Evidentemente que após um
determinado acúmulo de riqueza, os donos das tropas não se deslocavam mais a fim de
montar nova tropa no Sul. Em geral, eles controlavam os negócios nas vilas em que se
estabeleciam e mandavam nas caravanas alguém de confiança, normalmente o capataz, e esse
35
tinha a responsabilidade de controlar e organizar o trabalho, além de garantir que nada desse
errado durante a tropeada.
Esse apoio recebido pelas tropas não era apenas no grupo que conduzia o rebanho. Ao
longo dos caminhos surgiram vilas e paragens que compunham um aparato de apoio
composto por diversos ofícios. Nesses locais se encontrava seleiros, ferreiros, alfaiates,
carpinteiros, sapateiros e comerciantes de gêneros alimentícios e de suprimento das tropas.
Em Castro não era diferente, as fazendas compunham um espaço organizado de diversos
ofícios ligados ao sistema tropeiro.
Os indivíduos na fazenda distribuem-se em uma estrutura ocupacional
determinada. As atividades resumem-se em; vigilância do gado, com as
decorrências normais, tais como a reunião dos animais em recantos
prefixados, para protegê-los de animais selvagens, aborígenes, ladrões; a
reunião dos currais; o cuidado com as vacas de cria e bezerros; a marcação,
um a um, que se realiza duas vezes por ano; a castração dos touros que se
pretende engordar para o comércio de carne, também efetuada uma vez cada
semestre; as queimadas, duas ou três vezes por ano, de trechos de pastagens,
de modo a proporcionar sempre relva tenra e verde ao gado; distribuição
periódica de sal, dado o insuficiente teor salino das pastagens e, em parte, o
papel dessa substância na domesticação do gado; o esquartejamento dos
animais destinados ao consumo local; o curtimento e preparação de couros
para a confecção de implementos de peões ou artefatos domésticos; a doma
de cavalares ou muares destinados ao uso do pessoal da fazenda; o transporte
de animais, nas viagens para o mercado, etc. (IANNI, 1988. p. 56).
Essa breve descrição de Octávio Ianni proporciona uma visão dos trabalhos nas
fazendas de Castro e dos Campos Gerais. Porém, deve-se ressaltar que as próprias fazendas
acabavam sendo locais de apoio aos tropeiros vindos do Sul. Pequenos negócios, serviços,
trocas comerciais deveriam fazer parte da vida cotidiana dos moradores das fazendas. Pela
própria dinâmica comercial e de divisão de trabalho que a América Portuguesa estava
inserida, certamente o braço escravo estava presente, e é bem provável que desempenhasse a
maioria dos serviços descritos acima. A região dos Campos Gerais, formada socialmente por
indivíduos ligados ao sistema tropeiro, trazia suas características essenciais para o
desenvolvimento da cria e da engorda de gado. Sua localização facilitava a engorda e a doma,
pois o trecho a ser percorrido até Sorocaba era bem menor que o percorrido pelo gado vindo
do Sul.
36
Mapa 1: áreas de distribuição do trabalho tropeiro.
Fonte: STRAFORINI, Rafael. No caminho das tropas. Sorocaba: TCM, 2001. p. 25.
Nota-se que a dinâmica em torno do tropeirismo favorecia uma divisão do trabalho
que não se dava completamente nas fazendas dos Campos Gerais, isso ocorria na dinâmica
comercial territorial envolvida no sistema. A divisão era composta basicamente da seguinte
maneira: Rio Grande do Sul e regiões serranas de Santa Catarina se dedicavam à criação; aos
paranaenses cabia o aluguel dos campos, a invernada e a engorda; por fim, os paulistas
desempenhavam o papel de ligação entre os centros produtores e os centros consumidores
(conforme Mapa 1). Esse sistema possibilitava uma ligação, mesmo que indireta, entre
diversas regiões econômicas, sociais e culturais do território brasileiro.
[...] pode-se inferir que o papel dos criadores e comerciantes de animais de
Castro permitiu que se estabelecesse uma articulação com a economia
colonial sustentada igualmente por pequenas trocas comerciais que se davam
ao longo dos caminhos percorridos pelas tropas, considerando os espaços de
descanso das mesmas (MARTINS, 2011. p. 53).
Os apontamentos de Ilton César Martins auxiliam na concepção comercial que
interligava Castro e os Campos Gerais com as demais regiões do Império. Porém, não se pode
37
ingenuamente definir que apenas isso ocorria. As trocas mais importantes estavam ligadas ao
campo cultural e social, não somente ao econômico. Os diversos serviços disponíveis ao
longo dos caminhos favoreciam a instalação de vilas e/ou paragens que possibilitavam um
descanso ou mesmo, devido a inundações, uma parada forçada para as tropas. É inegável que
os tropeiros exerceram uma importante atividade de integração territorial, trazendo e levando
gado, mas também as mais diversas mercadorias e notícias, espalhando pelo interior uma
complexa rede social que se formava com a compra e venda de animais.
A região que estudada estava integrada nesse sistema, agia e reagia conforme as
necessidades que o sistema tropeiro requeria.
Os Campos Gerais e a vila de Castro estavam, portanto, dentro desse
processo. Constituindo-se num importante entroncamento e ponto de parada
dos tropeiros que por ali transitavam, aproveitando-se das amplas condições
geográficas que lhe eram favoráveis a vila de Castro floresceu. Mais do que
parada, as localidades dos Campos Gerais eram pontos de criação e de
comércio, onde muitas pessoas fixaram moradia levando em consideração a
possibilidade de crescimento (MARTINS, 2011. p. 54).
Evidentemente, é encontrado em Castro e nos Campos Gerais as características de
uma economia fortemente ligada ao tropeirismo. Não se pode ignorar a prática de invernagem
de gado que possibilitava um ganho econômico considerável nesses locais. Entre 1855 e 1860
a região alcançou o seu ápice no que se refere à invernagem de gado. São encontradas mais de
30 mil cabeças de muares invernando nos Campos Gerais em 1860, e mais de 100 mil
chegaram em Sorocaba vindas do Paraná (HARTUNG, 2005).
Na época, Castro se destacou dentro dos Campos Gerais não só pela economia, mas
também pela política. Surgem lideranças provinciais que acabaram governando a província e
mais tarde o estado do Paraná.
A constituição dessa região se completa com as diversas localidades que compunham
os Campos Gerais, como Lapa, Ponta Grossa, Piraí e Jaguariaíva, e mesmo Guarapuava e
Palmas que estavam sob jurisdição castrense durante certo período. Com a criação da
Província do Paraná em 1853, a Câmara da Vila de Castro administrava as Freguesias de
Ponta Grossa, Jaguariaíva, Guarapuava e Palmas. Em 1849 ocorre o desmembramento e
criação da Vila de Guarapuava. No ano de 1864, Ponta Grossa é desmembrada, e elevada à
categoria de Vila. Com o passar dos anos outras vilas surgiram como Tibagi em 1872, a Vila
de Jaguariaíva em 1876. Em 1876 surge São José da Boa Vista e em 1881 desmembra-se a
vila de Piraí.
38
É importante salientar que, com base nos estudos de Kátia Andréia Vieira de Melo
(2004), Castro possuía grande atividade econômica voltada à produção de gêneros
alimentícios, em especial feijão e milho, relegando a Ponta Grossa e Guarapuava a criação e a
engorda de gado. É de se destacar que a “grande atividade econômica” de que fala Kátia
Melo, compunha fatia importante na produção de riqueza para uma região cujo enfoque
sempre foi o abastecimento de outras regiões consumidoras. A produção de gêneros
alimentícios aparece em grande proporção nos estudos das fontes, as quais serão destacadas
posteriormente. Ainda assim, toda essa região era composta por grandes propriedades, com
fazendas extensas ligadas a atividade tropeira 5. No mapa abaixo se pode ver como essa
dinâmica econômica se integrava e se distribuía.
Mapa 2: Rota dos tropeiros.
5 Pode-se aprofundar o assunto consultando os seguintes autores: MACHADO, Brasil Pinheiro.
Formação da estrutura agrária tradicional dos Campos Gerais. Boletim da Universidade Federal do
Paraná. Curitiba: UFPR, n. 3, jun. 1963, p. 1-27. BALHANA, Altiva Pilatti. Mudança na estrutura
agrária dos Campos Gerais. Boletim da Universidade Federal do Paraná. Curitiba: UFPR, n. 3, jun.
1963, p. 28-52 BALHANA. Altiva Pilatti; MACHADO, Brasil Pinheiro. Campos Gerais: estruturas
agrárias. Curitiba: UFPR, 1968. MOTIM, Benilde Maria Lenzi. Estrutura fundiária do Paraná
tradicional – Castro: 1850-1900. Dissertação de mestrado. Curitiba, 1987.
39
Fonte: PAIXÃO CÔRTES, João Carlos. Danças Birivas do Tropeirismo Gaúcho. Porto Alegre:
CORAG, 2000, p. 52.
Esse mapa ilustra o caminho que os tropeiros realizavam e como essas rotas estavam
interligadas numa dinâmica comercial e social que permeou o Brasil Meridional integrando
este, a região Central que na época possuía uma dinâmica prioritariamente de exploração
mineira. Contudo, essa ligação com o Centro continuou e se consolidou durante o século XIX,
quando as mesmas tropas vindas do Sul serviram de meios de transporte nas regiões cafeeiras
que se instalavam no Rio de Janeiro e São Paulo, mais recentemente. As tropas continuaram
fazendo parte do dia a dia da população dos Campos Gerais por um longo período.
O século XIX representa o momento em que a economia dos Campos Gerais se integra
na dinâmica capitalista comercial solidificado durante o Império no Brasil. Ao falar dos
Campos Gerais paranaenses, é inevitável abordar o tropeirismo, a criação de animais, a
compra e venda de gado e muares e as relações que este sistema tem com a escravidão. É
evidente a sua importância para o povoamento e ocupação do espaço, além deste se tornar
uma via de ligação comercial e cultural entre as diversas regiões do Império.
Em geral, todas as atividades estavam relacionadas diretamente ou indiretamente ao
tropeirismo, pois, avaliando mais cuidadosamente as fontes, dos 205 inventários, todos
possuem algum tipo de ligação com a atividade tropeira. Mesmo nos inventários de
comerciantes ou de produtores de alimentos existem vestígios desta ligação. O comércio
dependia diretamente das vias de acesso que o tropeirismo mantinha abertas. A agricultura de
produção de gêneros alimentícios dependia dessa dinâmica para distribuição e venda de sua
produção. Enfim, o tropeirismo abria as portas do comércio e da economia para a região dos
Campos Gerais.
Ainda utilizando os inventários post-mortem é encontrado um grande número de
utensílios utilizados em ferrarias, marcenarias e selarias que serviam de apoio aos tropeiros.
Também em grande parte dos inventários post-mortem, em especial os de pequena monta, são
encontrados utensílios relacionados à agricultura, o que indica o cultivo para a sobrevivência
das famílias, ou ao comércio e abastecimento interno das vilas e as necessidades dos
tropeiros. Provavelmente a venda de produtos agrícolas representava uma importante
alternativa econômica para a população menos favorecida dos campos.
40
1.2 Castro e os Campos Gerais: População, brancos e não brancos.
A população do Termo de Castro, área de jurisdição da Vila de Castro, estava inserida
no contexto tropeiro, com uma economia voltada para o comércio de gado e muares. A
composição desta população era basicamente de brancos, mulatos e pretos. Utilizando os
registros de Saint-Hilaire pode-se acreditar na veracidade de suas anotações na qual afirmava
que a maioria da população da região era branca (1964, p. 14). Não muito diferente, o
primeiro presidente da Província do Paraná, Zacarias Góes e Vasconcelos também informa
em seu relatório anual de 1854 que a maioria da população da região de Castro era composta
por brancos.
Tabela 2: População do Termo de Castro, por sexo, idade, estado civil e cor.
Termo de
Castro
Castro Ponta
Grossa
Jaguariaíva Tibagi Total
Quarteirões 15 17 2 7 41
Masculino 2893 1652 688 750 5983
Feminino 3006 1381 383 890 5660
Até 21 anos 4009 1572 627 931 7139
21 a 40
anos
1094 986 318 408 2806
Mais de 40 796 475 126 301 1698
Solteiro 3952 1865 688 1188 7693
Casado 1413 1021 320 410 3164
Viúvo 534 147 63 42 786
Brancos 3618 1889 490 801 6798
Mulatos 1295 746 260 492 2793
Pretos 986 398 321 347 2052
Escravos 796 1069 440 354 2659
Total 5899 3033 1071 1640 11643
Fonte: Relatório do Presidente Zacarias Góes e Vasconcelos de 1854. Também pode ser encontrada
tabela semelhante em MARTINS, Ilton. Eu só tenho três casas: a do senhor, a cadeia e o cemitério:
crime e escravidão na comarca de Castro (1853-1888). 2011. 251 f. Tese (Doutorado em História)
UFPR, Curitiba. p. 60.
É no mínimo imprudente aceitar os dados apresentados como a mais pura verdade. É
provável que a forma de arrolamento dessas informações não conseguiu buscar a realidade da
sociedade do Paraná provincial, mas é o que serviu como base neste estudo. Seguindo a tabela
acima que reunia os números de todo o Termo de Castro, no qual ainda estavam inseridas as
localidades de Ponta Grossa, Jaguariaíva e Tibagi, é encontrado 58,39% da população
especificada como sendo de cor branca. Maioria absoluta na região dos Campos Gerais. O
41
restante da composição populacional de Castro estava distribuído entre mulatos e pretos,
sendo 23,99% de mulatos e 17,62% de pretos. Essa concentração de 41,61% da população
não branca também se distribuía em escravos e livres totalizando 4845 indivíduos, destes
54,88% eram escravos. Esse número de escravos representava 22,83% da população total do
Termo de Castro em 1854. Separando cada localidade encontram-se os seguintes números
relativos entre população e escravos: Castro, 13,49% de escravos; Ponta Grossa, 34,92% de
escravos; Jaguariaíva, 41,08% de escravos; e Tibagi, 21,59% de escravos. Mesmo Castro
sendo o local com menor porcentagem de escravos no total da população, em números
absolutos, era o segundo local de maior concentração desse contingente populacional, 796.
Perdia para Ponta Grossa que tinha em números absolutos 1059 escravos. Mesmo assim a
localidade que havia proporcionalmente uma porcentagem maior de escravos era Jaguariaíva
com 440 indivíduos que representavam 41,08% de toda a população. Índices altos se
comparados com outras regiões da recém-criada Província do Paraná, como é possível
verificar adiante na tabela 3 - Números e composição da população da Província do Paraná.
A formação da população dos Campos Gerais em 1854 pode não ser a mesma que
Saint-Hilaire conheceu em 1820, mas demonstra uma tendência em ter uma maior população
branca. A composição assim distribuída é semelhante às de outras áreas de cria e de engorda
de gado do Brasil Meridional.
Segundo os dados dos inventários, a média de escravos por estabelecimento
pertencente a criadores é de 05 cativos, variando, nos processos pesquisados,
entre nenhum e treze escravos. O baixo número de escravos se deve ao fato
das atividades desempenhadas nas estâncias (a criação de gado e,
eventualmente, também a plantação de culturas alimentares e a fabricação de
farinha de mandioca) exigirem bem menos mão-de-obra do que a produção
de café ou a fabricação do charque, por exemplo (FARINATTI, 2007. p. 6).
Esse baixo número de escravos no meio campeiro é encontrado constantemente no
Brasil Meridional e também se apresenta na região dos Campos Gerais. Mesmo em
Jaguariaíva onde existe o maior índice, é possível entender como escravarias pequenas. Tais
números aparecem no capítulo que trata da estrutura de posse de escravos.
Assim percebe-se que em meados do século XIX, os Campos Gerais eram compostos
por um número alto de população branca, com um índice importante de não brancos
ultrapassando 41% da população. Além desse aspecto verifica-se um número de escravos
relativamente alto para o restante do Paraná, em comparação com outras áreas que também
faziam uso de mão de obra cativa.
42
Embora a escravidão esteja presente em diversas regiões do Império, em algumas ela
era sentida muito mais do que em outras. Em Castro, tanto nos Campos Gerais como nas
regiões produtoras de gado de todo o Sul, excluindo as áreas charqueadoras do Rio Grande do
Sul, o escravo era um elemento presente, mas não determinante no mundo do trabalho. Dessa
maneira, ao utilizar o braço escravo, o Paraná cria características próprias,
A região dos Campos Gerais estava inserida no contexto escravista da época, e,
portanto, também recebe e se relaciona com esse tipo de exploração de trabalho. No entanto,
costumeiramente se encontra relatos sobre a suavização que a escravidão teve nesta parte do
antigo Império Português.
Duas léguas depois de ter deixado Caxambu, parei numa fazenda que trazia
o mesmo nome do seu dono, o tenente Fugaça.
O proprietário estava ausente no momento de minha chegada, mas fui bem
acolhido pelos seus escravos. Suas maneiras corteses e o contentamento que
traziam estampado na face haviam feito que eu os tomasse por inicialmente
homens livres. Mas tratava-se de escravos, que me fizeram os maiores
elogios ao seu amo. Depois disso já não mais me surpreendia vê-los tão
satisfeitos e tão prontos a me servir. Se muitas vezes os negros têm um ar
melancólico, sofredor e estúpido, e se chegam mesmo a se mostrar
desonestos e imprudentes, é porque são maltratados (SAINT-HILAIRE,
1978, p. 23).
Saint-Hilaire preconiza em diversas partes de sua obra que os escravos da região dos
Campos Gerais eram mais dóceis, inteligentes, corteses, bondosos e fiéis aos seus senhores. O
caso do tenente Fugaça, ou Fogaça, surpreende ainda mais se considerar que o referido senhor
de escravos alforriou todos os seus escravos em testamento, repartindo seus bens de igual
forma 6. Por outro lado, percebem-se outros proprietários de escravos que mesmo em vida e
com suas vontades testadas, não deixam escravo algum alforriado. Também, considera-se que
o viajante pernoitou em fazendas que os escravos recebiam um tratamento mais suave por
parte de seus proprietários ou que os escravos que tinham contato com o viajante, eram mais
sociáveis que a maioria.
Homem de seu tempo, Saint-Hilaire, entre outros, conseguiu ver esse aspecto
característico da escravidão dos Campos Gerais em relação aos outros locais onde os escravos
estavam presentes. Esse panorama que ele enxergou, ou quis enxergar, contribuiu para uma
visão pouco realista da escravidão nessas paragens 7. Suas observações contribuíram em
6 Museu do Tropeiro, Testamento do Tenente Fogaça, 1860.
7 Encontram-se trabalhos que demonstram a violência contra o escravo em terras paranaenses, entre
eles é possível citar MARTINS, Ilton C. Escravidão e Criminalidade nos Campos Gerais Paranaenses:
43
muito para o entendimento que o sistema tropeiro tinha para o desenvolvimento econômico e
social da região.
Não é possível desconsiderar que a sociedade dos Campos Gerais, mesmo gravitando
em torno do tropeirismo, estava imersa numa dinâmica das relações de trabalho. Dessa forma,
é inegável a presença do braço escravo na produção agrícola e comercial de Castro.
Utilizando as tabelas disponíveis da época, encontra-se um número razoável de escravos.
No período em que o tropeirismo encontrava-se consolidado, já com regular
comércio de tropas na feira de Sorocaba, no ano de 1836, a presença escrava
na região atingiu sua maior proporção. Para uma população de 10.857
pessoas a presença escrava correspondia a 27,5%, totalizando 2.986
escravos. Já para o ano de 1854, logo após a criação da Província, a
população total da região dos Campos Gerais alcançava 22.187 pessoas,
sendo que 5.121 eram escravos, o que correspondia a 23,1% (MARTINS,
2011. p. 57).
Além dos apontamentos de Martins, podem-se encontrar outras estimativas que vão ao
encontro da presença escrava na região dos Campos Gerais. Destaca-se que a presença de
escravos em Castro é basicamente de crioulos 8. Gutierrez (2006) aponta para uma
composição de seis crioulos por um africano com uma produção natural de escravos com 70%
dos cativos crioulos, e 30% africanos. Na população cativa de Castro havia equilíbrio entre
sexos; crianças abaixo de nove anos constituindo mais de 27% da população escrava e alto
índice de casamentos, ficando entre 20% a 25%, chegando a atingir até 40% nos plantéis com
mais de 40 escravos.
Brevemente podem-se contextualizar os Campos Gerais dessa maneira: uma sociedade
envolta ao tropeirismo, dedicada ao auxilio das tropas e à engorda e doma de gado e muares
onde o trabalho escravo estava presente. A complexidade que se reconhece em Castro sugere
uma sociedade com suas particularidades, seus usos e costumes, sua dinâmica econômica e
social, tudo isso interligado a um espaço muito maior que compunha a sociedade brasileira do
século XIX.
Essa constatação se dá revisando as fontes principais, os inventários post-mortem, mas
também é possível recorrer aos relatórios dos presidentes de província, mapas econômicos e
outros documentos da Câmara. Esses documentos, os quais serão utilizados adiante na
o caso de Castro. In: PAIVA, Eduardo F.; PEREIRA IVO, Isnara; MARTINS, Ilton C. (orgs.)
Escravidão, Mestiçagens e Identidades Culturais. São Paulo: Anaa Blume, 2010. 8 Crioulo é o escravo nascido na terra, o negro nascido no Brasil.
44
produção deste texto, conseguem constituir um retrato das atividades econômicas,
principalmente ligadas à agricultura e ao comércio.
Durante esse período Castro se desenvolveu dentro dessa dinâmica ligada à rota
tropeira do Sul até Sorocaba. Esse caminho traçado pelas tropas foi dando origem a vilas e
cidades onde seus moradores procuravam obter algum tipo de ganho econômico,
aproveitando-se das circunstâncias oferecidas por essa atividade comercial. Esses homens
buscavam sobreviver oferecendo serviços aos tropeiros que chegam à região conduzindo
tropas para a doma e posterior comércio nas feiras de Sorocaba. O interessante é que devido à
abertura do território, a terra e o seu aproveitamento parecia ser acessível a todos,
independente de sua condição social, principalmente no que se refere à propriedade antes da
Lei de Terras de 1850. O período posterior a 1850 favorece a confecção de inventários a fim
de garantir a pose da terra de seus ancestrais, coisa que no período anterior não se fazia
necessário.
Pois é nesses inventários que se encontram diversos valores, uns altos e outros nem
tanto, muitas vezes construídos através da labuta em torno da dinâmica tropeira. Porém se
deve resguardar certo receio quanto a isso. Bem se sabe que o acesso a terra poderia ser aqui
um pouco mais fácil do que em outras regiões, mas limitava o acesso à população pobre em
geral aos meios de acumulação econômica. O compadrio, muito utilizado no interior do
Brasil, poderia camuflar alguns arranjos em torno da propriedade da terra. Para Itamar Souza
(1981), o compadrio estava estritamente ligado à dinâmica protecionista se tornando um
vínculo tão forte que se constituía num dever moral.
1.3 Os Campos Gerais como local de concentração de escravos
Devido à possibilidade de acesso a terra com a produção agrícola e a economia ligada
à dinâmica tropeira, a população de Castro e do Paraná cresceu consideravelmente durante o
século XIX. É possível visualizar que durante esse período uma metamorfose geográfica no
processo de concentração populacional. No início do século XIX a população se concentrava
no litoral, com o passar dos anos essa concentração se desloca para a região do planalto
curitibano, estendendo-se pela região dos campos (BALHANA, MACHADO, 1968).
Esse deslocamento de concentração populacional também influenciou diretamente na
elevação do número de escravos nos Campos Gerais. A utilização da mão de obra escrava era
45
comum nas atividades de pecuária e agricultura, porém muitos escravos eram empregados em
serviços urbanos e ligados à prestação de serviço e ao comércio. Essa elevação no número de
escravos também influenciava diretamente no aumento da riqueza. Mesmo com uma
predominância de pequenas escravarias, sente-se que a utilização dessa mão de obra na
economia também representava um acúmulo de riqueza na aquisição de escravos. E se deve
considerar que as escravarias de Castro mantiveram por um longo período, um número baixo
de escravos. Encontra-se, na totalidade de inventários post-mortem estudados, apenas uma
escravaria com 140 escravos, a de Ana Luiza da Silva.
A força de trabalho empregava a mão-de-obra cativa e sua utilização era
comum nos domicílios ligados as atividades da agricultura e da pecuária. O
volume de escravos sofreu elevação importante durante os anos em Castro, o
que infere sobre o aumento de riqueza na localidade durante o período do
XIX. A predominância em Castro era da pequena propriedade, isto é, em
torno de 60% possuíam quatro ou menos cativos (FRANCO NETTO,
OLIVEIRA, PACHECHNE, 2010. p. 4).
Ao considerar algumas informações referentes à população e à escravaria na Província
do Paraná em meados do século XIX, pode-se dizer que a sociedade era composta por um
quarto de escravos. A região dos Campos Gerais era a que apresentava o maior número de
escravos e a que mais se assemelhava a outras regiões do Brasil (PEREIRA, 1996). Essa região
representava grande reserva de mão de obra escrava, e a dinâmica tropeira era a grande
responsável por esta situação. O emprego desse tipo de trabalho não se dava apenas no
campo, mas também no comércio e nos serviços.
Tabela 3: Números e composição da população da Província do Paraná
Cidade Habitantes Brancos Pardos Pretos Escravos Escravos/Habit. Não
brancos
Escravos
não
brancos
Paranaguá 6533 4150 1109 1274 1274 19,50% 2383 53,46%
Guaraqueçaba 3476 2846 382 248 248 7,13% 630 39,37%
Guaratuba 1564 736 630 198 175 11,19% 828 21,14%
Antonina 4160 2664 604 892 838 20,14% 1496 56,02%
Morretes 3709 1563 1234 912 755 20,36% 2146 35,18%
Curitiba 6791 4624 1293 874 578 8,51% 2167 26,67%
São José 4660 2696 992 972 365 7,83% 1964 18,58%
Campo Largo 3690 2101 979 610 359 9,73% 1589 22,59%
Palmeira 1818 1028 427 363 269 14,80% 790 34,05%
Iguaçu 1652 952 629 71 71 4,30% 700 10,14%
Votuperava 2018 1060 815 143 126 6,24% 958 13,15%
Príncipe 5406 ---- ---- ---- 1858 ---- ---- ----
Rio Negro 1884 868 952 64 77 4,09% 1016 7,58%
Castro 5899 3618 1295 986 796 13,49% 2281 34,90%
Ponta Grossa 3033 1889 746 398 1059 34,92% 1144 92,57%
46
Jaguariaíva 1071 490 260 321 440 41.08% 581 75,73%
Tibagi 1640 801 492 347 354 21,59% 839 42,19%
Guarapuava 2520 1193 909 418 379 15,04% 1327 28,56%
Palmas 734 354 220 160 158 21,53% 380 41,58%
Fonte: PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Semeando Iras Rumo ao Progresso: ordenamento
jurídico e econômico da sociedade paranaense, 1829-1889. Curitiba: Ed. UFPR, 1996.
Essa população escrava que compunha importante fatia populacional do Paraná
provincial na época do governo de Zacharias Góes de Vasconcelos representa uma tendência
dentro do quadro de inventários pesquisados, demonstra um apego ao escravo.
É importante ressaltar que a escravidão se apresentou em linhas gerais, sempre com o
Senhor sendo a figura máxima desse cenário, o qual sempre teve ampla autoridade para agir
sobre seus escravos, seja com benevolência ou com crueldade. Evidentemente, existiram
aqueles preocupados com o bom rendimento do trabalho cativo, fornecendo uma boa
alimentação e condições razoáveis de assistência sanitária. Mesmo aqueles Senhores mais
benevolentes buscavam se convencer de que o cativeiro era a melhor proteção para o negro na
condição de escravo, e que estes vivias felizes, sempre cantando (COSTA, 1998). Uma
dinâmica de relações sociais que sempre privilegiava os senhores.
Nos últimos anos da escravidão, principalmente no Oeste Paulista, onde predominou
de 1850 em diante a lavoura cafeeira, inicialmente com o emprego de mão-de-obra cativa,
muitos senhores já previam a substituição desses escravos por colonos. Alguns fazendeiros
ordenaram a destruição das senzalas, para que em seu lugar fossem construídas casas de três
ou quatro cômodos, as quais futuramente abrigariam esses novos trabalhadores livres
(COSTA, 1998).
Alguns serviços feitos por escravos podiam ser remunerados, especialmente aqueles
ligados à conservação da propriedade, como a reparação de estradas, conserto de cercas,
limpeza dos córregos. Em outros casos, uma fonte de renda alternativa para os escravos rurais
era o cultivo de roças de subsistência. “Em certas fazendas, era costume dar a alguns
escravos, a título de recompensa, um lote de terra, onde podiam cultivar gêneros de
subsistência, cujo lucro lhes pertencia” (COSTA, 1998, p. 295). O fato de um Senhor ceder
alguns pedaços de terras para que o escravo cultivasse, demonstra a quebra da hierarquia
rigidamente imposta pelo sistema escravista. A concessão de alguns privilégios aos escravos
demonstra que era necessário buscar um equilíbrio dentro dessa relação fundamentalmente
opressora. O Senhor permitia as concessões desde que o escravo seguisse as regras,
principalmente as de submissão. Em alguns casos a alforria vinha se o escravo prestasse bons
serviços.
47
Não diferente se fez nas regiões atingidas pela atividade tropeira. Apesar de em
número menor de escravos seu papel era fundamental na execução de atividades ligadas ao
campo. Não somente, como dito anteriormente, na produção de gêneros de subsistência, mas
também na própria condução de trabalhos que requeriam mais habilidade. Os preparativos
para a organização da tropa eram realizados pelo seu dono, o qual dispunha de ajudantes
escravos para a condução e auxílio em atividades como a cozinha e outros serviços que
ocupavam mão de obra cativa. A grande maioria das fazendas possuía escravos e que pela
dinâmica econômica estavam ligados à lida com o gado e com as roças de subsistência que
abasteciam o comércio local e os tropeiros viajantes.
Porém, a instituição da escravidão perde força no século XIX. Em meados daquele
século, o Império do Brasil desfere um duro golpe na escravidão. Deve-se fazer uma breve
explanação dos fatos e atos que culminaram para acelerar o fim da escravidão. Esse fim, ou a
dificuldade em buscar mão de obra africana trouxe consigo um aumento no valor do escravo a
nível geral, e que também foi sentido nos Campos Gerais.
Para Emília Viotti da Costa (1998, p. 29), a acumulação capitalista, associada à
revolução nos meios de transportes e no sistema de produção favoreceu o crescimento
populacional na Europa e possibilitou a divisão do trabalho que deu impulso à expansão do
mercado internacional, fazendo com que estruturas rígidas do sistema colonial se tornassem
obsoletas, e assim sua manutenção seria impossível. Vale ressaltar que a autora sugere que a
escravidão se tornou um sistema de trabalho inoperante que cada vez mais era alvo da atenção
de setores que não estavam a ela vinculados, e que avançava para o seu fim. Era inevitável
que o debate sobre o fim da escravidão viesse à tona nas disputas de poder, fossem elas na
metrópole ou nas colônias.
A Inglaterra teve papel fundamental com a sua pressão pelo fim do tráfico negreiro. O
imenso Império Inglês proibiu o comércio de escravos em 1808 e a escravidão foi abolida na
Grã-Bretanha e nas suas colônias em 1833. Essas ações tornaram os ingleses os maiores
defensores do fim da escravidão. Porém, engana-se quem acha que os motivos pelos quais os
ingleses desejavam o fim desta instituição eram de ordem humanista, pois as suas colônias do
Caribe, produtoras de açúcar em especial, já não possuíam essa vantagem, de mão de obra
cativa, em relação a Cuba e ao Brasil, e o fim da escravidão nesses locais poderia quem sabe,
igualar as disputas dos mercados internacionais (BETHELL, 1976).
A Inglaterra soube forçar Portugal a abolir o tráfico desde a época colonial. Em 1808,
Portugal teve que aceitar ajuda da Inglaterra frente ao avanço Napoleônico, e esse auxílio
custou um acordo que era extremamente favorável aos ingleses. Em 1810, a assinatura de um
48
acordo econômico deu grandes vantagens aos ingleses no comércio, e fez com que o Príncipe
Regente concordasse com ações que colocariam fim, de forma gradual, à escravidão
(BETHELL, 1976).
Logo depois, em 1815, D. João assina um novo tratado em que proíbe o tráfico de
escravos acima da linha do Equador. No entanto, esse acordo pouco ajudou no combate ao
tráfico, já que maior parte dos escravos provinha de regiões ao Sul do Equador (BETHELL,
1976). Em 1817, D. João permite que navios ingleses vistoriassem embarcações que
estivessem fora dos portos e ancoradouros autorizados a comercializar cativos (RODRIGUES,
2000).
Cinco anos depois, o que dava novamente à Grã-Bretanha alto poder de barganha
contra a escravidão era a independência do Brasil. Preocupada em ser reconhecida como
independente pelas nações europeias, a nova nação se viu obrigada a ceder novamente às
pressões inglesas. Essas pressões foram tão fortes que os ingleses queriam a imediata
suspensão do tráfico a fim de reconhecer o Brasil como independente. Em 1826, o Brasil
cedeu às pressões. E, em 1827, um acordo foi assinado determinando que o tráfico fosse
totalmente ilegal em três anos, e pelo tratado, além dessa concessão, garantia à Inglaterra de
que nenhum dos seus produtos teria taxa acima de 15% ao entrar no Brasil (MANCHESTER,
1973).
Manolo Florentino destaca em sua obra Em costas negras que o Brasil, buscando
evitar constrangimentos, formula uma lei que proibia o tráfico. Lei esta que foi aprovada em 7
de novembro de 1831 e contou com o clima reformista que a política brasileira vivia devido à
abdicação de D. Pedro. Essa Lei foi aprovada pouco menos de oito meses depois do fim do
prazo que o acordo de 1827 previa. Além disso, os acordos de 1826 e 1827 impulsionaram o
tráfico que estava preocupado com o resultado dessas ações, esse impulso forçou uma
pequena queda na procura de cativos nas vésperas da aprovação da referida Lei
(FLORENTINO, 1997).
Porém, mesmo com a Lei, a sociedade continuou apoiando a escravidão, além do mais
a atividade cafeeira necessitava de braços escravos para sua empreitada. Também a
descentralização do poder experimentada no período contribuiu para que os traficantes
ficassem sem ter fiscalização e punição. E os interesses capitalistas estavam intimamente
ligados ao tráfico, pois de tal atividade provinham grandes quantias em dinheiro (TAVARES,
1988).
O que se nota é que houve um breve período de reestruturação do tráfico, e logo após
esse momento as importações voltaram a todo vapor, pois a lavoura do café se desenvolvia
49
num ritmo acelerado e o açúcar também teve um breve aquecimento nas exportações que,
mesmo não sendo tão forte, contribuiu para o aumento do tráfico (BARICKMAN, 2003).
Essa situação se estendeu até 1845 quando os ingleses aprovam a Lei Bill Aberdeen
que permitia aos navios ingleses a captura, o afundamento e/ou o aprisionamento de navios
negreiros nas águas brasileiras. Essa ação não inibiu o tráfico, muito pelo contrário, entre
1845 e 1850 desembarcavam no Brasil mais de 50 mil cativos por ano (COSTA, 1998). Houve
um aumento no tráfico e mais navios chegavam com cativos vindos da África. Emilia Viotti
da Costa diz que a partir de então
[...] navios nacionais, com carga nacional, tripulação nacional, que se
dedicavam à navegação costeira eram apreendidos sem nenhuma
consideração e enviados para Santa Helena, mesmo que não fossem
encontrados sinais evidentes de traficância de escravos. De 1849 a 1851
foram tomadas, condenadas e destruídas pelo cruzeiro inglês, na forma do
citado Bill, 90 embarcações suspeitas de tráfico (1998, p. 82).
Sem alternativa e se vendo humilhado, o Império foi obrigado a ceder aos ingleses e
de fato coibir o tráfico negreiro. Não poderia haver outra humilhação que ver seu comércio
afetado diretamente por ataques a navios comerciais que nada tinham a ver com a escravidão.
Assim, as autoridades se viram obrigadas a instituir medidas concretas que levassem ao fim
do tráfico (CONRAD, 1975).
Em 1850 a Lei Eusébio de Queiroz foi aprovada. Tal Lei foi modernizadora, pois
desmembrava a responsabilidade do tráfico entre traficante e comprador. Com a nova Lei
apenas o traficante seria punido por um tribunal a cargo da Marinha. O pagamento de multa e
a prisão, além de algumas expulsões, foram à tônica da Lei. Os compradores seriam punidos
na justiça comum.
Segundo Jaime Rodrigues (2000), o êxito da Lei foi exatamente a separação de
interesses entre traficante e comprador, de outra forma estaria fadada a ser mais uma Lei sem
eficácia, como a de 1831.
Silva (2010) aponta para alguns aspectos fundamentais e decisivos para o fim do
tráfico:
Intervenção inglesa (externa) é apontada como o principal fator de contenção
do tráfico de africanos para o Brasil. Mas além da clássica análise de Leslie
Bethell alguns autores têm chamado a atenção para a importância de outros
fatores, notadamente aqueles ligados aos acontecimentos internos, como
causas importantes no referido processo. Aliás, vale lembrar que o próprio
Bethell aponta alguns desses fatores em sua obra, como por exemplo, a
50
preocupação do governo com as proporções que o tráfico negreiro alcançara
nos primeiros anos da década de 1830 e também em fins dos anos 1840.
Segundo ele, tais importações maciças constituíam uma ameaça para os
interesses econômicos – a longo termo – do país, para o seu equilíbrio racial
e sua estabilidade interna – além de encorajar o desprezo geral pelas leis
(SILVA, 2010. p. 12).
Alguns historiadores, como Sidney Chalhoub (1990), reconhecem as pressões externas
no que diz respeito ao fim do tráfico de escravos. No entanto ele sugere que o medo interno de
uma africanização do Brasil incomodava a polícia e os políticos da Corte que preferiram
proibir a vinda de africanos.
Pode-se considerar que tanto as pressões externas quanto as internas pressionaram as
bases da escravatura e foram complementando a intenção inicial assinada ainda em 1810 pelo
Príncipe D. João que estabelecia uma gradual e demorada superação da escravidão. Leis,
acordos e atos foram sendo construídos para que o fim do tráfico não fosse de uma hora para
outra, e assim não prejudicando a economia brasileira por falta de mão de obra. O correto é
que em 1850 as ações fora tão incisivas que de fato determinaram o fim do tráfico
transatlântico de seres vivos.
Os Campos Gerais vivenciaram toda essa agitação em torno das mudanças na
legislação que regulamentava o tráfico. Mesmo que as leis proibitivas, como a Lei do Ventre
Livre (1871) e a Lei dos Sexagenários (1885), viessem mais de vinte anos depois do fim
efetivo do tráfico, estas apenas contribuíram para o fim eminente da escravidão que se
aproximava a cada dia. A Lei Eusébio de Queiroz foi a que de fato deu um duro golpe na
instituição da escravidão, bloqueando a vinda de novos escravos e desorganizando um
comércio transatlântico altamente lucrativo, que fornecia braços baratos para o
desenvolvimento econômico do Brasil.
A década de 1840, como apontado anteriormente, foi um período de alta entrada de
escravos, e por volta de 1855 o tráfico estava definitivamente extinto do território brasileiro
(SILVA, 2010). O recorte temporal da pesquisa se explica principalmente por esse motivo.
Uma década de alta vinda de escravos ao Brasil (1840) e logo em seguida, cinco anos após a
aprovação da Lei Eusébio de Queiroz, o tráfico já estava completamente extinto. Os
inventários post-mortem poderão demonstrar como a sociedade dos Campos Gerais se
comportou nesse período. Como os proprietários de escravos sentiram essa nova dinâmica
econômica que geria o comércio de mão de obra?
Desta forma, se entende que foi importante realizar uma análise populacional de
Castro, apresentando as suas características gerais, relacionando-as com as de outras
51
localidades da Província do Paraná. Não somente isso, os Campos Gerais também têm suas
especificidades econômicas voltadas ao tropeirismo e às atividades dependentes deste. Sua
população de maioria branca se utilizava da mão de obra escrava na dinâmica tropeira. E essa
sociedade de brancos, mulatos e pretos tem mais de 20% de sua população cativa. População
essa que representa uma instituição chamada escravidão e que já no início do século XIX
recebe golpes na tentativa de eliminá-la do sistema capitalista moderno. Essas ações aliadas às
tensões políticas e econômicas determinam fatores importantes na composição das escravarias
dos Campos Gerais.
52
CAPÍTULO 2 - OS INVENTÁRIOS E OS SEUS ESCRAVOS
Neste segundo capítulo pretende-se abordar a importância dos inventários post-
mortem na pesquisa histórica. No que diz respeito a Castro e os Campos Gerais, a pesquisa foi
exaustiva e demorada, requereu atenção e cuidado com os dados. Mesmo assim, ao final do
capítulo percebem-se algumas características sobre a posse de escravos nos Campos Gerais.
Essa abordagem é extremamente importante neste momento da escrita, pois o objetivo do
terceiro e último capítulo é produzir uma leitura detalhada do valor do escravo na composição
da riqueza nesta região. Qual a sua importância dentro deste sistema econômico forjado pelo
tropeirismo na região dos campos paranaenses.
2.1 Os inventários post-mortem como fontes de pesquisa
Um inventário pode oferecer várias informações materiais sobre a pessoa inventariada
bem como sobre a sociedade em que vivia. Os produtos inventariados eram os mais diversos:
canecas, urinóis, garfos, facas, camisas, almofarizes, baús, chapéus, galochas, cangalhas,
cestos, xales, lenços, vestidos, canivetes, espelhos, copos, peneiras, enxadas, machados,
bandejas, espingardas, garruchas, balanças, freios, estribos, bombas, pratos, imagens de
santos, enfim, uma infinidade de objetos que faziam parte da vida cotidiana e que se
encontram registrados nos inventários post-mortem presentes no Museu do Tropeiro na cidade
de Castro, no Estado do Paraná.
Esses objetos representam parte da vida material de uma população, que os utilizavam
em seu dia a dia. É quase impossível determinar um real valor atribuído aos objetos, pois a
sua significância no uso diário, ou seu uso em casos especiais, não aparecem nos registros das
partilhas estudadas. O significado atribuído pelo proprietário a cada um dos seus objetos é
incalculável. Mas o valor monetário surge através da avaliação realizada por pessoas
designadas pela Justiça. Junia Ferreira Furtado (2012) alerta os historiadores para os cuidados
em trabalhar tão delicadas fontes. Devem-se considerar possíveis distorções nas informações
ali contidas. Alguns inventários post-mortem podem conter informações alteradas devido ao
próprio desejo da família em camuflar os reais valores dos bens. Esse aspecto pode variar
tanto para aumentar, como para diminuir o valor de um bem. Dependia das relações entre a
família do falecido e os avaliadores. Um estudo que aponte as relações sociais entre as
53
famílias inventariantes e os avaliadores designados para cada um dos inventários post-mortem
ainda é necessário para poder delimitar possíveis distorções nas informações. No entanto,
entende-se que um padrão de relações sociais e de poder entre esses agentes não é possível
para entender um número de documentos espalhados pelas mais diversas regiões do Brasil
Oitocentista. Esse tipo de ação ainda pode favorecer a omissão de bens nos inventários, bens
que poderiam ter sido repartidos entre os herdeiros sem que houvesse a necessidade de
constar no processo de partilha.
As Ordenações Filipinas que regraram as partilhas em Portugal e nas suas posses
ultramarinas, e as quais foram válidas no Brasil até 1916 quando o Código Civil Brasileiro
regulamentou os testamentos e inventários post-mortem, continham partes interessantes no
que diz respeito às partilhas dos bens. É fundamental estudá-las no caso de analisar
documentos do século XIX para poder compreender a forma de confecção do documento, sua
importância e sua organização na vida judicial.
Aqui também é necessário avaliar com cuidado esses inventários, pois em geral eles
eram concebidos dentro de um padrão documental de organização, e o processo de partilha
seguia a mesma lógica. O mais interessante é encontrar junto um inventário post-mortem e um
testamento, ou, como designava as Ordenações Filipinas, o testamento vinha antes, e depois à
relação de bens, o inventário. Isso possibilitaria compreender o valor e os desejos que o morto
possuía em vida sobre seus bens e quais as relações de poder e de sociabilidade que ali se
apresentavam no momento da confecção destes documentos.
As diferentes temáticas que aparecem dentro dos inventários post-mortem podem
determinar desde a simples constatação de atividade econômica do falecido, analisando as
dívidas passivas e ativas destes, bem como os bens e ferramentas de trabalho abundantes nos
processos de partilha do século XIX. Também é possível constatar a religiosidade e devoção
do falecido analisando as imagens de santos e capelinhas arroladas nos bens deste. Claro que
a religiosidade pode ser muito melhor percebida nos testamentos, mas é possível vê-la
também nesses documentos. Outra temática, a instrução no mundo letrado, pode se apresentar
dentro dos inventários post-mortem e aparece quando se busca encontrar livros e cadernos de
anotações nesses documentos. É possível realizar uma análise do grau de instrução e
letramento de populações através das partilhas.
A temática relacionada à escravidão também aparece dentro dos inventários post-
mortem, pois o valor venal de um escravo induz a importância que o inventário ganhava,
principalmente nas partilhas de monta pequena. As fontes apresentam uma dinâmica bastante
54
interessante, pois quando o monte-mor era de valores baixos, menos de 5:000$000 (cinco
contos de Réis) o escravo ou os escravos perfaziam a grande maioria dos bens inventariados.
No entanto, essas fontes se tornam excludentes ao considerar que apenas uma parcela
da população realizava tais documentos. Quem poderia ser inventariado? Apenas as pessoas
que possuíssem bens a serem inventariados. A ligação dos inventários com a temática
econômica é inegável. Aqui ela se apresenta de maneira mais clara e expõe a cultura material
de uma elite econômica, ou de um grupo participante no acúmulo de bens ao longo de uma
vida. Guardar, economizar e possuir, principalmente depois da Lei de Terras de 1850,
obrigava aos herdeiros buscar através da partilha e do inventário, os bens do falecido. Essa
relação se dá pela propriedade da terra, pois um inventário e uma partilha garantiriam a posse
de determinada área de terras que o falecido possuía e que porventura ainda não tivesse
registrada nas paróquias, como previa a Lei. É importante destacar que esses fragmentos da
história desvelam uma parte da sociedade composta por homens e mulheres de seu tempo,
com mentalidades e sociabilidades construídas sobre o seu mundo.
Mesmo considerando que os inventários post-mortem excluem certa parcela da
população, em especial a população desprovida de bens e valores de maior monta, se encontra
em alguns estudos como o de Maria Sylvia de Carvalho Franco em sua obra Homens livres na
ordem escravocrata (1983) a qual demonstra o quão pobre eram as casas do interior paulista.
Não diferente disso, a região dos Campos Gerais se encontrava dentro deste contexto de
materialidade. Alguns inventários surpreendem pelo número de bens arrolados, com grande
quantidade de itens de vestuário ou de utensílios usados no dia a dia, porém, quando isso
ocorre, em geral o inventário está ligado ao comércio.
É importante lembrar que a região gravitava em torno da dinâmica tropeira, que
consistia no comércio de gado e mulas vindas do Sul do Brasil. Além dessa atividade
principal outras estavam interligadas ao tropeirismo, como o comércio de gêneros
alimentícios e a prestação de serviços relacionados à atividade. Mesmo com uma dinâmica
girando em torno do tropeirismo e do comércio, isso não quer dizer que os bens possuídos
eram de alto valor econômico, em geral eram muito baixos na verdade, no entanto possuíam
algum valor sentimental para seus proprietários.
Avaliando alguns inventários, surgem vestígios de uma ocupação comercial que não
representa efetivamente, uma estrutura ligada à vida urbana. Nota-se o primeiro caso: o
inventariado é José Oliveira Prestes, e o inventariante é Francisco Xavier de Gamarros 9.
9 Todos os inventários aqui analisados estão nos arquivos do Museu do Tropeiro em Castro – PR.
55
Dentre os bens avaliados se encontra um escravo e uma variada gama de bens relacionados ao
comércio de roupas e tecidos.
Avaliação dos bens: Nove peças de chita azul avaliadas em 59$360; Nove
peças de chita número dois avaliadas em 61$600; Três peças de chitas de
cores número três avaliadas em 24$108; Treze peças de chita número quatro
avaliadas em 109$008; Duas peças de chita número seis avaliadas em
20$328; Oito peças de chita número sete avaliadas em 84$000; Oito peças
de chita número oito avaliadas em 98$784; Duas peças de colcha avaliadas
em 21$000; Quatro peças de xadrez avaliadas em 19$995; Uma peça de
xadrez moderna com cinqüenta e cinco côvados avaliada em 12$266; Uma
peça de xadrez moderna avaliada em 10$166; Quatro peças de chita
avaliadas em 40$572; Cinco cortes de vestido avaliados em 44$100; Duas
peças de riscado azuis avaliadas em 23$803; Uma peça de riscado avaliada
em 11$910; Uma peça de riscado azul avaliada em 7$125; Duas peças de
picotes estreitos avaliadas em 32$298; Duas peças de amorim avaliadas em
10$620; Quatro peças de amorim avaliadas em 20$728; Duas peças de
amorim número seis avaliadas em 11$686; Quatro peças de amorim número
sete avaliadas em 28$664; Cinco peças de amorim número oito avaliadas em
41$345; Quatro peças de amorim número nove avaliadas em 37$484; Quatro
peças de amorim número dez avaliadas em 41$892; Cinco peças de amorim
número doze avaliadas em 38$840; Dez peças de algodão avaliadas em
34$034; Sete peças de algodão mais encorpado avaliadas em 15$312;
Dezenove peças de algodão de meia largura avaliadas em 56$172; Vinte e
uma peças de algodão fino avaliadas em 69$765; Nove peças de algodão
avaliadas em 32$076; Cinco americanos largos avaliados em 41$200; Cinco
encorpados avaliados em 21$160; Duas peças de algodão avaliadas em
30$070; Quatro peças de algodão trançado avaliadas em 16$800; Dez jardas
de fio grosso avaliadas em 2$530; Quatro peças de algodão americano
avaliadas em 39$284; Duas peças de riscado branco avaliadas em 19$240;
Duas peças de riscado de primeira sorte avaliadas em 23$308; Três peças de
riscado mesclado avaliadas em 28$800; Duas peças de riscado avaliadas em
24$827; Quatro peças de zuarte avaliadas em 24$696; Três peças de zuarte
melhores avaliadas em 19$845; Três peças de linho avaliadas em 84$010;
Uma peça de casimira avaliada em 25$675; Uma peça de brim avaliada em
11$319; Uma peça de brim fino avaliada em 15$888; Uma peça de brim
super fina avaliada em 30$783; Uma peça de brim branco avaliada em
15$655; Uma peça de brim avaliada em 14$630; Duas peças de brim listado
avaliadas em 19$845; Duas peças de brim listado de cor avaliadas em
41$812; Duas peças de ganga avaliadas em 37$170; Uma peça de xadrez
avaliada em 16$828; Uma peça de holanda avaliada em 5$515; Uma peça de
lila preta fina avaliada em 14$883; Duas peças de algodão alvejada avaliadas
em 22$790; Vinte e oito côvados de casimira avaliados em 61$740; Uma
peça de ganga azul avaliada em 35$396; Uma peça de ganga mais encorpada
avaliada em 59$203; Duas peças de cassa avaliadas em 4$860; Dez xales
brancos avaliados em 5$050; Quinze libras de linho em novelinhos avaliadas
em 22$500; Três xales grandes avaliados em 7$875; Três xales de cores
avaliados em 3$720; Quatro xales grandes avaliados em 3$680; Seis xales de
casimira avaliados em 21$168; Doze côvados de _____ preto avaliados em
60$852 ; Vinte e cinco côvados de casimira avaliados em 56$950; Trinta e
nove côvados de baetilha rosa avaliados em 20$007; Quatorze côvados de
pano azul fino avaliados em 51$156; Nove pares de suspensórios avaliados
em 2$340; Onze pares de suspensórios avaliados em 3$465; Vinte e um
56
côvados de belbute avaliados em 8$694; Uma resma de papel marca Paris
avaliada em 3$780; Uma resma de almaço avaliada em 3$360; Meia resma
de papel marca Florete avaliada em 1$769; Uma dúzia de facas de cabo
preto avaliadas em 9$450; Um xale de seda avaliado em 12$600; Dois xales
de casimira avaliados em 7$056; Três xales de seda e algodão avaliados em
7$275; Dois xales de tapete avaliados em 5$150; Um tecido de algodão
avaliado em 1$260; Sete tecidos azuis franjados avaliados em 6$440; Um
tecido de lã e seda avaliado em 5$512; Nove lenços brancos com cercadura
avaliados em 2$835; Dois lenços avaliados em $945; Vinte e um lenços
vermelhos com figuras avaliados em 5$145; Vinte e quatro lenços avaliados
em 8$330; Vinte e dois lenços franceses vermelhos avaliados em 7$480;
Onze lenços avaliados em 3$740; Dois lenços pretos avaliados em 7$720;
Três lenços de nobreza avaliados em 4$901; Um par de sapatos avaliado em
4$000; Um côvado e três quartos de chamalote preto avaliado em 6$174;
Sete côvados e três quartos de veludo preto avaliado em 36$462; Sete pentes
de marfim avaliados em 1$760; Três maços de cadarço branco avaliados em
1$575; Uma libra de linha em novelinho avaliada em 1$875; Três dúzias de
lápis fino avaliadas em $360; Três grosas e um terço de colchetes avaliadas
em 2$520; Três grosas de botões avaliadas em 2$160; Cinco grosas e um
terço de botões de porcelana avaliadas em 2$346; Um maço de cordão
avaliado em $440; Duas grosas e meia de botões de cinco furos avaliadas em
$600; Trinta e dois botões avaliados em $320; Duas dúzias de botões
dourados avaliadas em $360; Um chumbeiro e polvarinho de chifre avaliado
em 4$000; Uma escova avaliada em $200; Uma tesoura de mola avaliada em
$500; Um ponche de pano avaliado em 36$000; Um ponche com gola de
veludo avaliado em 42$000; Um ponche maior avaliado em 50$000; Um
ponche menor com gola de veludo avaliado em 42$000; Um ponche
ordinário avaliado em 38$000; Uma libra de linho em novelo avaliada em
1$500; Dois capotes forrados de baeta vermelha avaliados em 28$000; Um
capote avaliado em 8$000; Um par de canastras cobertas de couro avaliado
em 10$000; Um par de canastras cobertas de sola avaliado em 12$000; Dois
pentes de marfim avaliados em $730; Meia dúzia de pentes avaliados em
$480; Quatro vidros avaliados em 1$046; Três peças de fita de chamalote de
cores avaliadas em 16$400; Uma peça de fita avaliada em 4$785; Uma peça
de fita lavrada de cor avaliada em 7$262; Quatro peças de fita avaliadas em
3$840; Uma peça de fita número quatro avaliada em 1$450; Duas peças de
fita número dois avaliadas em 1$200; Três peças de fita número um
avaliadas em $960; Dez pares de meias para senhora avaliados em 3$200;
Uma dúzia de meias para senhora vermelhas avaliada em 4$320; Uma dúzia
de meias para senhora super finas avaliada em $500; Sete pares de meias
curtas de homem avaliados em 2$500; Uma dúzia de meias inferiores
avaliada em 3$969; Quatrocentos e noventa e nove côvados de baeta sortida
avaliados em 439$120; Cinqüenta e três côvados de baeta variada avaliados
em 26$500; Seis pares de meias finas de cor avaliados em 2$205; Sete pares
de meias ordinárias avaliados em 1$414; Setenta e duas varas de linha para
capa avaliadas em 17$280; Nove peças de cadarço avaliadas em 1$800; Um
par de arreios novos com cincha, sobrecincha e rabicho avaliado em 40$000;
Uma espingarda avaliada em 4$000; Um cobertor vermelho avaliado em
6$000; Quatro peças de cadarço vermelho avaliadas em $480; Três libras de
canela avaliadas em 3$360; Mil agulhas portuguesas avaliadas em 1$000;
Uma quarta de linha Guimarães número doze avaliada em 4$200; Sete
canivetes avaliados em 2$240; Uma libra e uma quarta de retrós sortidos
avaliada em 15$750; Cinco varas de riscado de algodão branco avaliadas em
2$000; Dezenove lenços avaliados em 6$460; Sete pares de suspensórios
avaliados em $730; Trastes e roupas Uma sobrecasaca avaliada em 30$000;
57
Uma sobrecasaca azul avaliada em 5$000; Uma jaqueta avaliada em 6$000;
Um lenço de gorgorão avaliado em 3$000; Uma calça de pano azul avaliada
em 1$280; Uma calça de casimira avaliada em 1$280; Um colete de pano
forrado avaliado em 2$000; Um colete de chamalote avaliado em 4$000;
Uma calça de casimira avaliada em 3$840; Uma calça usada avaliada em
$320; Uma calça de amorim avaliada em $800; Uma calça bordada avaliada
em 2$000; Um ponche velho avaliado em 4$000; Uma japona avaliada em
5$000; Um estojo com duas navalhas avaliado em 1$600; Prata Um rabicho
com seis botões avaliado em 3$000; Quatro colheres de sopa de prata, quatro
garfos, quatro colheres para chá e uma concha, tudo avaliado em 42$000;
Um copo de prata avaliado em 25$800; Uma salva avaliada em 13$400;
Quatro facas com cabo de prata avaliadas em 9$600; Uma bomba avaliada
em 3$120; Um par de esporas de prata avaliado em 25$920; Semoventes Um
escravo crioulo de nome José, com 50 anos, solteiro avaliado em 400$000;
Uma besta marchadora avaliada em 50$000; Seis bestas velhas, cada uma
avaliada em 16$000, somando 96$000; Doze bestas redomonas, cada uma
avaliada em 30$000, somando 360$000; Uma égua oveira avaliada em
10$000; Uma égua baia velha avaliada em 5$000; Móveis Quatorze
cangalhas sem ligais avaliadas em 84$000; Doze couros de vaca avaliados
em 36$000; Dois pares de bruacas avaliados em 6$000; Uma panela de ferro
avaliada em 1$920; Uma panela de ferro avaliada em 1$600; Uma marca
nova avaliada em $640; Um machado velho avaliado em $500; Um tacho de
cobre avaliado em 8$000; Um serigote com cabeça de ferro com estribos e
pequenos passadores de prata, freio, baixeiro e carona de sola avaliado em
20$000; Uma barraca usada de algodão avaliada em 4$000; Um pelego de
cama branco avaliado em 2$000; (Fundo de inventários do Museu do
Tropeiro. 1851-1860)
O inventário foi realizado em 1851 e o orçamento foi de dinheiro em moeda:
1:020$580 (um conto, vinte mil e quinhentos e oitenta Réis); dívidas ativas: 19$760
(dezenove mil e setecentos e sessenta Réis); dívidas passivas: 5:099$482 (cinco contos,
noventa e nove mil quatrocentos e oitenta e dois Réis); roupas: 72$120 (setenta e dois mil
cento e vinte Réis); prata: 122$840 (centos e vinte e dois mil oitocentos e quarenta Réis);
semoventes: 521$000 (quinhentos e vinte e um mil Réis); móveis: 164$660 (cento e sessenta
e quatro mil seiscentos e sessenta Réis). O monte-mor 6:805$889 (seis contos, oitocentos e
cinco mil e oitocentos e oitenta e nove Réis) e o monte partível de 1:706$407 (um conto,
setecentos e seis mil e quatrocentos e sete Réis). Não consta qualquer tipo de bens de raiz,
como casas ou campos. Mas o comerciante estava numa posição privilegiada da sociedade.
Possuía grande quantia de bens, bem como um escravo que representava apenas 5,9% do total
dos bens do inventariado. Certamente esse escravo de nome José, que era solteiro, e que foi
avaliado em 400$000 (quatrocentos mil Réis), também estava inserido numa dinâmica de
econômica que mantinha a casa de comércio aberta. Excluído as dívidas, o monte partível se
reduz consideravelmente baixando para apenas 1:706$407, dessa forma o escravo José
58
aumentava sua participação no bolo. Agora o escravo representava 23,44% do monte partível,
recebendo uma participação maior no que restou de bens do inventariado.
Um dos itens interessantes que se percebe entre os diversos bens do finado José
Oliveira Prestes é a quantidade de animais ali encontrados. Desconsiderando os animais
domados que poderiam ser usados para o transporte das mercadorias que ele vendia, acha-se
“12 bestas redomonas avaliadas em 360$000” (trezentos e sessenta mil Réis), valor que
representava quase o valor do escravo José. Apenas essa evidência já aponta para um
comércio diretamente ligado à atividade tropeira, e que provavelmente se encontrava num
perímetro além da área urbana de Castro. Essa possibilidade se apresenta quando se pergunta
onde ele deixava os referidos animas se não em um campo fora da vila? Necessita-se obter em
outras fontes informações que pudessem desvendar as relações sociais e de poder que o finado
José de Oliveira Prestes possuía, pois se recorda que ele não deixou qualquer bem imóvel
como casa, campos ou capoeiras. É bem provável que ele se encontrava sob proteção de
alguém ou em área pertencente a algum proprietário de terras, que além de protegê-lo,
emprestava ou alugava os campos onde seus animais pudessem ficar e a casa de comércio
onde ele vendia seus produtos.
O interessante nesse tipo de posse é que se pode considerar a dinâmica econômica das
cidades e vilas na região dos Campos Gerais como um misto de diferentes atividades. O
mundo do trabalho do senhor de escravo e do escravo era parecido, e quem sabe os dois até
dividiam as mesmas tarefas no comércio e na lida com o pequeno plantel de animais. Mesmo
assim o status de proprietário de escravo para a sociedade que gravitava em torno do mundo
rural ainda era de grande importância em meados do século XIX, independente da divisão que
o trabalho recebia no dia a dia.
O segundo caso que merece destaque é do falecido Ignacio Mariano de Oliveira,
datado de 1853.
Inventariado: Ignacio Mariano de Oliveira
Inventariante: Rafaela Rolim de Moura
Título de herdeiros
01- Veríssima de Oliveira com 8 anos
02- Delfina Onorata de Oliveira com 6 anos
03- Firmina com 2 anos
04- Graciano com 4 anos
Avaliadores: José Joaquim Marques de Souza e Francisco Rodrigues de
Macedo.
Avaliação dos bens
Cinqüenta e cinco côvados de chita azul com ramos amarelos avaliados em
9$900; Oito peças de chita azul avaliadas em 35$640; Cinco peças de chita
59
avaliadas em 25$545; Duas peças de chita roxa fina avaliadas em 14$280;
Três retalhos com vinte e oito côvados avaliados em 7$840; Seis retalhos de
chita avaliados em 30$960; Quatro peças de chita de calças avaliadas em
26$820; Seis côvados de chita roxa manchada avaliados em 5$200; Um
retalho de chita avaliado em 1$050; Um retalho de chita fina escura avaliado
em 4$760; Sete cortes de vestido de chita avaliados em 21$000; Quatro
retalhos de riscado escuro avaliados em 9$840; Duas peças de riscado xadrez
avaliadas em 10$640; Sete peças de zuarte avaliadas em 36$400; Cinco
peças de riscado avaliadas em 27$722; Uma peça de algodão azul avaliada
em 10$560; Uma peça de gazineta azul avaliada em 25$680; Seis côvados
de gazineta de lista avaliados em 2$880; Seis peças de algodão avaliadas em
38$480; Uma peça de riscado azul avaliada em 7$440; Uma peça de picote
azul avaliada em 13$900; Duas peças de brim listado avaliadas em 15$660;
Uma peça de brim de linho em algodão escuro avaliada em 13$300; Um
peça de brim de cor avaliada em 21$840; Uma peça de brim listado avaliada
em 14$960; Uma peça de ganga amarela avaliada em 22$400; Uma peça de
setineta avaliada em 7$000; Uma peça de brim branco avaliada em 15$000;
Uma peça de brim de lista azul avaliada em 8$400; Uma peça de brim
avaliada em 7$700; Vinte e um côvados de gazineta avaliados em 12$600;
Trinta e dois côvados de algodão avaliados em 10$240; Setenta e sete
côvados de algodão melhor avaliados em 27$720; Sete côvados de brim
avaliados em 5$600; Oito côvados de casimira avaliados em 3$200;
Dezesseis côvados de casimira xadrez avaliados em 12$800; Três cortes de
calças de casimira listada avaliados em 18$000; Treze côvados e meio de
casimira avaliados em 16$200; Um corte de calça de casimira preta avaliado
em 9$000; Um corte de calça de pano preto avaliado em 5$280; Doze varas
de brim xadrez avaliadas em 9$360; Nove jardas e meia de brim listado
avaliadas em 10$030; Cinco peças de morim marca dois avaliadas em
15$000; Uma peça de morim ordinário avaliada em 1$938; Duas peças de
morim ordinário avaliadas em 6$000; Sete varas e meia de morim avaliadas
em 3$000; Uma peça de paninho fino avaliada em 4$000; Seis varas e meia
de cambraia avaliadas em 4$800; Quinze peças de algodão avaliadas em
40$480; Três peças de algodão encorpado avaliadas em 10$800; Cinco peças
de algodão em retalho avaliados em 12$825; Cinco peças de algodão de fio
grosso avaliadas em 4$095; Uma peça de algodão avaliada em 6$000; Uma
peça de retalho avaliada em 1$540; Dois côvados e três quartas de sarja preta
avaliados em 7$700; Quatorze côvados de belbute azul avaliados em 1$680;
Uma peça de baetilha xadrez avaliada em 43$680; Uma peça de alpaca preta
avaliada em 38$000; Uma peça de pano azul fino avaliada em 16$335; Uma
peça de pano azul ordinário avaliada em 43$999; Uma peça de alpaca preta
avaliada em 13$440; Sete côvados e meio de pano azul avaliados em
18$750; Quatorze côvados e um terço de pano azul mais ordinário avaliados
em 22$993; Seis côvados e dois terços de pano verde fino avaliados em
19$998; Uma peça de algodão azul avaliada em 10$400; Uma peça de ganga
avaliada em 10$540; Nove côvados de holanda de linho avaliados em 1$440;
Uma peça de holanda avaliada em 3$840; Quinze côvados de paninho preto
avaliados em 1$950; Uma peça de paninho avaliada em 5$100; Cinco xergas
brancas avaliadas em 25$000; Um baixeiro avaliado em 3$000; Um
coxonilho preto avaliado em 3$000; Cinco coletes de fustão avaliados em
8$000; Dois coletes de brim avaliados em 3$200; Um colete de chamalote
avaliado em 4$000; Um colete de seda avaliado em 2$200; Dez xales de lã
avaliados em 40$000; Três xales de casimira avaliados em 12$000; Dois
xales avaliados em 9$600; Oito xales de seda, cada um avaliado em 7$000,
somando 56$000; Um xale avaliado em 5$000; Nove xales brancos
avaliados em 18$000; Dois xales de seda avaliados em 16$000; Onze xales
60
de cassa, avaliados em 2$015; Vinte e seis lenços de sedo avaliados em
41$600; Um lenço de seda verde avaliado em 1$000; Cinco lenços de seda
pretos avaliados em 3$750; Dez xales de chata grandes e com franja
avaliados em 11$660; Três xales de metim avaliados em 4$500; Dois xales
de tapete avaliados em 3$000; Três tecidos de algodão avaliados em 2$400;
Um xale de lã avaliado em 4$000; Cinco xales de algodão avaliados em
2$000; Seis xales de chita com ramos amarelos avaliados em 6$000;
Quarenta e seis lenços de cassa xadrez avaliados em 9$200; Duas dúzias de
lenços avaliadas em 7$200; Nove lenços ordinários avaliados em 4$640;
Dois lenços brancos bordados avaliados em $320; Dois lenços de cassa
avaliados em 2$740; Oito lenços pintados avaliados em 1$256; Sete xales
brancos avaliados em 4$550; Uma dúzia de lenços de cassa xadrez avaliada
em 2$400; Nove xales de seda avaliados em 13$500; Seis dúzias e três
lenços de frade avaliadas em 12$500; Quatro dúzias e sete lenços avaliados
em 11$000; Um corte de vestido avaliado em 4$000; Duas dúzias de lenços
avaliados em 6$000; Quatro côvados de veludo preto avaliados em 20$000;
Uma camisa avaliada em 1$200; Um par de calças avaliado em 2$000; Um
paletó de ganga amarela avaliado em 4$000; Uma calça de ganga amarela
avaliada em 2$240; Seis xales avaliados em 6$000; Sete lenços de chita
avaliados em 1$400; Quatro dúzias e sete lenços bons avaliadas em 9$500;
Treze lenços franceses avaliados em 6$318; Três xales de chita avaliados em
3$510; Oito lenços avaliados em 8$400; Três dúzias e dois lenços avaliadas
em 13$800; Treze lenços sortidos avaliados em 2$700; Dezoito lenços
avaliados em 6$120; Uma xerga grossa avaliada em 5$000; Uma peça de
cordão de seda avaliada em $600; Quatro canivetes de cabo branco avaliados
em 2$000; Oito canivetes com cabo de búfalo avaliados em 1$840; Nove
canivetes com cabo de chifre avaliados em 1$980; Dezenove canivetes
avaliados em 3$800; Onze canivetes marca anzol avaliados em 1$474; Meia
grosa de botões de duraque avaliada em 1$000; Três dúzias de carretéis de
linha avaliadas em 1$500; Um espelho grande avaliado em $640; Dois
espelhos avaliados em $960; Um espelho inferior avaliado em $400; Um
espelho pequeno avaliado em $160; Uma libra de grampos avaliada em
$800; Uma grosa de botões de cinco furos avaliada em $360; Um pente de
cabeleira de chifre avaliado em $120; Três caixas de sardinhas avaliadas em
1$920; Quatorze novelos de marca avaliados em $420; Uma peça de cadarço
preto de algodão avaliada em $160; Quatro varas de cadarço de cinto
avaliadas em $240; Uma libra de massa mulata avaliada em 2$160; Um par
de ferros de rosca para armar rede avaliado em $640; Uma bandeja avaliada
em 2$000; Duas bandeja pequenas avaliadas em $800; Um caixa de chá pela
metade avaliada em 8$800; Vinte peneiras finas avaliadas em 4$000; Nove
enxadas avaliadas em 7$200; Duas arrobas de alvaiade avaliadas em
12$000; Quatro facões com cabo de chifre avaliados em 4$000; Um facão
com cabo de osso avaliado em 3$000; Uma dúzia de pares de dobradiças de
patente avaliadas em 3$200; Duas dobradiças menores avaliadas em $400;
Três cocos para beber água avaliados em $600; Dezessete botões de peito
dourados avaliados em $680; Oito maços e meio de cadarço branco
avaliados em 5$100; Quatro peças de cadarço cor-de-rosa avaliadas em
1$700; Cinqüenta varas de cadarço de seda preto avaliadas em 2$560; Uma
caixa com rendas avaliada em 4$000; Doze onças de retrós de cores
avaliados em 9$750; Dois chapéus de sol de paninho avaliados em 4$000;
Um chapéu de seda preto avaliado em 7$000; Dez castiçais de latão
avaliados em 4$800; Um polvarinho e chumbeiro de dois canos avaliados
em 3$000; Uma espingarda de dois canos avaliada em 42$000; Uma balança
com marca de meia libra avaliada em 3$000; Dez freios de ferro avaliados
em 10$000; Cinco pares de estribos campeiros amarelos avaliados em
61
2$400; Trinta e sete argolas grandes de metal avaliadas em 5$180; Vinte e
cinco argolas pequenas avaliadas em $750; Duas mil e quinhentas agulhas
em caixa avaliadas em 6$000; Cinco mil agulhas inglesas avaliadas em
10$000; Seis mil agulhas portuguesas avaliadas em 6$000; Uma caixa de
penas avaliada em $640; Três sabonetes finos avaliados em $720; Cinco
navalhas em estojo avaliadas em 5$000; Sete libras de linha de sapateiro
avaliadas em 4$480; Um novelo de fio grosso avaliado em $240; Uma faca
grande com cabo preto avaliada em $500; Três facas com oito polegadas
avaliadas em 1$200; Oito facas com seis polegadas avaliadas em 1$920; Seis
facas com cabo branco de nove polegadas avaliadas em 4$000; Uma dúzia
de facas de oito polegadas avaliada em 3$840; Oito facas de sete polegadas
avaliadas em 1$920; Duas facas de seis polegadas avaliadas em $400; Cinco
dúzias de botões dourados avaliadas em 1$200; Sete dúzias de fivelas
avaliadas em 1$600; Uma grosa de colchetes avaliada em $640; Duas
tesouras de mola avaliadas em 1$600; Um espanador de pena avaliado em
2$400; Quatro camisas de lã avaliadas em 8$000; Três peças de metim de
forro avaliadas em 10$500; Vinte pares de chinelos de tapete avaliados em
23$360; Quinze pares de sapatos franceses avaliados em 17$510; Dois pares
de coturnos avaliados em 8$000; Três pares de botinas de crianças avaliados
em 3$000; Um livro pautado com trezentas folhas avaliado em 2$800; Dois
livros com duzentas folhas avaliadas em 1$900; Duas dúzias e cinco pares
de elásticos avaliadas em 9$635; Dez e meia pulia (sic) de cordovão avaliada
em 37$350; Dez pulias de carneiro avaliadas em 20$000; Meia pulia
envernizada avaliada em 1$500; Três dúzias e cinco pares de meias curtas
avaliadas em 12$300; Dezoito pares de meias compridas finas avaliados em
8$250; Dez suspensórios de meias avaliados em 1$600; Uma dúzia de pares
de meias avaliada em 4$800; Oito pares de meias curtas avaliados em
1$280; Seis pares de meias de seda avaliados em 12$000; Três ramos de
flores avaliados em 2$400; Duas mil espoletas avaliadas em 2$400; Quatro
pedras de lousa avaliadas em $800; Vinte chapéus finos avaliados em
44$000; Nove chapéus mais ordinários avaliados em 10$800; Um chapéu
avaliado em 4$000; Treze chapéus de palha avaliados em 1$820; Quatro
chapéus de castor brancos avaliados em 8$800; Noventa e dois côvados de
baeta azul avaliados em 73$600; Oitenta e sete côvados de baeta verde e
vermelha avaliados em 62$640; Trinta libras de linhas em novelos avaliadas
em 36$000; Cinco varas de três quartos de pano de algodão avaliadas em
1$750; Seis libras de linhas avaliadas em 4$800; Onze fechaduras de gaveta
avaliadas em 2$400; Um machado avaliado em 3$000; Um couro de veado
avaliado em 2$000; Um tacho de cobre avaliado em 2$800; Um tacho de
cobre avaliado em 2$400; Três caldeirões e três caçarolas avaliados em
9$100; Duas chocolateiras de ferro avaliadas em 2$210; Uma chaleira de
ferro avaliada em 2$100; Quatro arrobas de fumo para cigarros avaliadas em
20$000; Um prato de folha avaliado em $250; Oito libras de verdete
avaliadas em 8$000; Seis libras de enxofre avaliadas em $480; Duas libras
de roxo terra avaliadas em $200; Uma libra de verde montanha avaliada em
$720; Cinco pares de dobradiças para caixa avaliados em 2$100; Uma arroba
e meia de chumbo para munição avaliada em 7$750; Duas libras de erva-
doce avaliadas em 1$120; Uma libra e uma quarta de canela avaliada em
$960; Meia libra de cravo do reino avaliada em $280; Dois penicos azuis
avaliados em 4$000; Três escarradeiras avaliadas em 2$400; Um bule
pintado cor de café avaliado em 2$000; Um açucareiro avaliado em 1$600;
Dois bules brancos avaliados em 1$200; Três canecas brancas avaliadas em
$960; Uma caneca pintada avaliada em $320; Quatro copos de bebida para
beber água avaliados em 3$200; Quatro copos grandes em forma de cálice
avaliados em 2$560; Uma manteigueira pequena cor-de-café avaliada em
62
1$000; Um lombilho com carona, freio, estribos, bocais, rabicho, baixeiro e
xerga avaliado em 35$000; Três pares de sapatões para homem avaliados em
2$400; Um par de sapato inglês avaliado em 3$000; Uma balança de concha
avaliada em 8$000; Uma chocolateira avaliada em 1$120; Uma balança
avaliada em 1$600; Uma parelha de couro de veado avaliada em 2$000;
Uma morada de casas com quintal na Rua das Tropas avaliada em
1:000$000; Doze cadeiras avaliadas em 50$000; Uma mesa grande avaliada
em 6$000; Três catres de couro avaliados em 18$000; Duas mesas pequenas
avaliadas em 6$000;
Uma escrava mulata de nome Maria crioula avaliada em 500$000; Uma
escrava de nome Romana preta crioula avaliada em 700$000;
Três vacas com cria, cada uma avaliada em 12$000, somando 36$000; Oito
vacas soltas, cada uma avaliada em 10$000, somando 80$000; Duas
novilhas de dois anos, cada uma avaliada em 5$000, somando 10$000; Três
terneiros de ano, cada uma avaliada em 3$500, somando 10$500; Treze
novilhos, cada um avaliado em 6$000, somando 18$000; Um cavalo tordilho
manso avaliado em 20$000; Um macho avaliado em 30$000; Uma mula
pelo de rato avaliada em 100$000; Um par de esporas avaliado em 374$040;
Três casais de colheres e garfos de prata avaliados em 17$760; Um botão de
peito de pedra avaliado em 4$000; Um botão de peito pequeno avaliado em
2$000; Um par de canastras cobertas de couro avaliado em 10$000; Um par
de canastra menor avaliada em 8$000; Um potreiro no rocio desta Vila que
segue para a Aparição avaliado em 80$000;
Relação dos devedores à casa Comercial do finado Ignacio Mariano de
Oliveira; Existente no 1º caderno: Rufino, alfaiate 2$100; Marcelino José da
Silva, Bairro das Pedras 1$360; Maria do Carmo $760; Genoveva 6$360;
Benedito, escravo do Ajudante 5$900; Ignacio, escravo de Sr. Ribas Vila
$340; Joaquim Pereira $800; Mathias Subtil 6$280; Joaquim de Santo
Amaro 2$620; Américo Pedrozo Ribas 5$120; Joaquina 15$160; Francisca,
bugra $480; Elisbão Marcelino, escravo do Carmo $640; Ana do Belém
1$800; Firmino José dos Santos $800; Leocadia, escrava da Senhora
Euristela $960; Maria Pacheco $420; Rafael, escravo 2$820; João Pereira
Pinto 3$860; Salvador Rodrigues 20$020; José, escravo de Candido dos
Santos 1$000; Victor Mariano $920; Ignacio Moreira Vilella 71$660;
Adriano Rodrigues $600; Jerônimo Serra 13$300; Amantino Novaes de
Mesquita 24$600; Manoel Eleutério camarada de Dona Maria Romana $640;
David Inocêncio Pacheco $860; Francisco forro da casa do Sr. Moreira
4$040; Francisco de Almeida Guimarães 13$090; Sra. Felicia 11$520; José
Bueno 11$520; Manoel Moreira Garcês 26$000; Vicente, escravo do Sr.
Marques 4$780; Alberto, escravo do Carmo 1$120; Luiz, escravo $480; João
Baptista 6$980; Benedita Pacheco $640; Fortunato Alves 4$480; Salvador
Ferreira de Albuquerque 4$320; Ana Teles $430; Candido Santos
13$680; Joaquim Antonio de Oliveira 16$220; Angelo escravo 2$000;
Pereirinha 1$340; Joaquim Ribeiro 20$000; Mestre Francisco do Carmo
95$420; Lucinda 3$240; José escravo do Sr. Macedo $840; Athanagildo
Ribeiro 5$800; Generoso Ferreira 20$500; Anastacio da Silva 2$120;
Antonio Machado e Silva 48$860; Maria Martins 11$600; José Dias 1$000;
Valentim Pedrozo Garcia 9$490; José Eleutério 4$760; Antonio Machado da
Silva 48$660; Prudente Alves Pereira 3$780; José Mendes 14$800; Joaquim
Ribeiro dos Santos 15$500; Felisbino Rodrigues 8$600; Benedita mulher do
Alferes 7$820; Antonio Ribeiro 2$000; Eduardo da Costa 4$000; Cristina
9$500; Salvador 2$100; Rosa Negra cozinheira do Nunes 4$300; José
Francisco de Quadros 29$900; Zeferino Penteado 17$280; José Rodrigues
3$620; Serafim Machado Bueno 7$100;
Caderno 2
63
Venâncio, escravo do ajudante, Passo Fundo 5$680; Pedro Henrique de
Oliveira 17$440; Daniel Pires 3$320; Joaquina Rolim de Oliveira 22$460;
Marcelino José da Silva 1$360; Firmina 32$160; Benedito, escravo do
ajudante 4$000; Balduina, escrava da Sra. Florinda $560; Joaquim Machado
1$640; José Pinheiro 3$680; Salvador Francisco 5$300; Beneverato 8$000;
Elisbão Marcelino, Capão Alto $640; Cristina 1$600; Izabel Maria preta
7$760; Benedita, mulher do alferes 9$520; Firmino José dos Santos $800;
Mariazinha filha do Prudente 6$040; Rafael, escravo de Maria Angélica
2$800; Elias 112$800; José Francisco de Quadros 10$000; Thomé, escravo
de Dona Catharina 1$280; Fortunato Alves da Silva, Aparição 16$300; José
Maria. Carpinteiro 3$000; Florinda Rolim de Moura 46$740; Luis Paes
3$000; Maria filha de João Nunes 4$500; Felicidade mãe desta $480;
Antonio escravo da São Thomé 14$820; Ignacio Moreira Villela 71$660;
Dona Clara Joaquina Novaes 12$440; Leonor de Almeida 13$060; Francisca
Domingues 2$600; Prudente Alves $780; Joaquim Antonio $600; Francisco
de Almeida Guimarães 21$470; Rufino 6$800; Antonio José de Oliveira
17$820; José escravo do Alferes Alvaro 2$000; Luis, escravo $480;
Francisco de Paula Medeiros $920; Bernardina Ramalho 19$520; José
escravo do Sr. Macedo $840; Joaquim Antonio 1$040; Francisco de Paula
negro 2$920; A mulher de Joaquim Lucinda 1$200; José Ignacio de Moraes
2$400; Joaquim do Lago 6$520; Paulo Generozo 7$500; Jezuina 6$000;
João Grande, Carpinteiro $860; Francisco Ribeiro $540; Maria Joaquina
6$900; Manoel José de Souza 5$580; Caetano escravo do Ajudante 4$840;
José Pedro 1$800; Januário escravo de Gregório Maciel 2$500; Francisco
José de Lima 17$160; Thomás Nunes Barboza 26$170; João Antonio
Soares, Rio Abaixo 1$080; Candido Paes Almeida, Santo Antonio 13$680;
Timóteo 33$120; Pedro Correa da Silva, Lago 38$000; José de Sampaio,
Furnas 8$000; Francisco de Sales 15$500; Domingos Rodrigues 5$500;
Francisca mulher do Sr. Camargo $480; Zeferino sapateiro de Dona Mecia
8$820; Bernardo Ferreira de Albuquerque 7$360; Manoel José Borges e
Silva 2$000; Salvador José da Luz, Lago 12$360; Mathias Subtil 1$540;
Antonio Pires 12$400; José Pinheiro 3$000; Joaquim, morador em Santo
Antonio 1$000; José Congo _______ de Dona Catharina 1$090;
Dívidas do livro
João Pereira Borges, Guartelá 10$620; Gaspar, camarada do Alvaro 2$590;
Francisco Xavier, Catanduva 5$000; Silvério Pinto 8$000; Alvaro
Gonçalves Martins 82$260; Francisco Paes 10$000; Joaquim Antonio da
Silveira 8$380; Manoel Jozé de Siqueira 4$120; João Rodrigues Rapozo,
Agua Suja 17$010; Antonio Nunes Correia $350; Manoel Vidal, Catanduva
4$080; Francisco de Araujo 1$500; Fidélis José de Moraes 5$040; Ana Teles
27$840; João Rodrigues Rapozo 37$420; Joaquim Ribeiro dos Santos
18$500; Antonio Francisco das Chagas 1$280; Antonio Furquim de Almeida
38$140; Delfina 9$540; Manoel José Nogueira, Furnas 13$920; Antonio
Pereira 31$430; Manoel José do Prado 25$960; Manoel Biscaia Catanduva
4$660; Manoel Rodrigues de Oliveira 9$540; Antonio Rodrigues Barboza
15$390; Athanagildo Alves da Silva 4$540; Joaquim Ribeiro Baião 7$020;
Fortunata 12$800; Paulino José de Araujo 2$000; Gabriela 9$600; Antonio
José Teixeira 2$920; Miguel Ribeiro dos Santos 13$040; Manoel Lopes de
Almeida 2$920; Miguel Ribeiro dos Santos 13$040; Manoel Lopes de
Almeida 6$000; Francisco Ignacio de Almeida 46$600; Maria Ramalho
18$840; Venancio Lopes de Almeida 7$040; Francisco Castelhano 8$000;
José Pedro da Cunha 8$000; José Rolim de Moura Paca $500; João Alfaiate
2$400; José Antonio Paes 16$070; Joaquim Luiz da Silva 17$520; Manoel
Soares Leal 8$300; José Francisco de Souza 36$140; Manoel Antonio dos
Santos 2$640; José Felisbino do Prado 4$900; Felicio Antunes das Neves
64
16$460; Francisco de Medeiros 20$560; Galdino Alves 1$200; Joaquim
Generozo Vieira 3$000; Calisto, escravo 1$600; Manoel genro de Benedita
Pacheco 1$500; Clemencia, escrava 17$500; Miguel, escravo 8$180;
Joaquim da Rocha $640; Rosa, preta 1$460; Francisco Pacheco 1$620;
Antonio Francisco Dias 30$240; José Francisco 1$000; José Francisco,
Alfaiate 4$000; O escravo da ___________ da Joaquina 1$500; Pedro Bodes
2$500; Joaquim Rodrigues de Moraes 5$460; José Felisbino 1$000; Antonio
Ribeiro dos Santos 9$400; João Ribeiro $920; João Rodrigues 1$000; João
Daniel 16$240; Manoel, escravo do Álvaro $900; José, escravo do Sr.
Candido 1$200; João Patronilho 7$000; Joaquim José Borges 3$900; Izabel
escrava da Sra. Izabelina 2$160; Sra. Conceição 10$980; Sra. Rosária
19$140; Joaquim Antonio de Oliveira 1$660; Manoel José da Paixão 3$560;
José Pires de Moraes 3$680; Anacleto Pereira Bueno 10$040; Antonio
Pedroso de Moraes 4$270; Anacleto Baptista $800; Joaquim Ferreira Pinto
1$000; José Maria oficial de Justiça 1$300; Francisco Lombilheiro 2$800;
Mariazinha filha do Camargo 3$900; Bernardo Sujo 8$000; Francisco
Ribeiro da Motta 2$800; Roberto Rodrigues 1$000; Doutor Evaristo
Ganthier 27$000; Maneco 2$000; Rufino Alfaiate 12$000; Francisco, filho
da Sra. América 13$900; Claro filho do Camargo 1$300; Maria Madalena
1$960; Theodoro, filho do Emidio 4$150; Manoel José do Prado $840;
Professor 12$740; Manoel Rodriguez de Oliveira 2$400; Antonio Caetano
Soares 9$890; Joaquim Moreira Villela 8$520; Paulo Generozo 7$520;
Jezuino da casa do Dr. Motta 6$000; João carpinteiro $860; Benedita
Gonçalves 6$120; Francisco Ribeiro $540; Maria Joaquina 6$940; Manoel
José de Souza 5$580; Januário, escravo de Gregório Maciel 2$160;
Francisco Théo 1$400; Luz escravo $640; João Antonio Soares 10$080;
Candido dos Santos 13$680; Francisco José Machado 2$340; Antonio,
escravo de Dona Clara 1$180; Francisco, escravo de Dona Ana 1$040;
Thomé, escravo de Dona Catharina 1$280; Ignacia Leite $720; Manoel,
camarada de Alvaro 3$100; Benedito Pacheco $640.
Orçamento
Bens móveis: 151$120
Bens semoventes: 421$500
Fazendas: 2:373$088
Escravos: 1:200$000
Trastes de prata: 60$600
Bens de raiz: 1:080$000
Dívidas ativas: 8:046$009
Monte-mor: 13:332$317
Dívidas passivas: 2:227$958
Monte menor 11: 104$958
Neste caso se percebe outra particularidade, o falecido Ignacio Mariano de Oliveira
não deveria ser um senhor muito idoso, mas não é possível encontrar seu registro de batismo
na Igreja Matriz de Castro, nem mesmo o de casamento com sua esposa Rafaela Rolim de
Moura, a qual é a inventariante e possui quatro herdeiros entre 2 e 8 anos, filhos do casal.
Neste caso constata-se um grande número de aviamentos e produtos que provavelmente
faziam parte do armazém de secos e molhados da família. O monte-mor totaliza 13:332$317
(treze contos, trezentos e trinta e dois mil, trezentos e dezessete Réis) e as dívidas ativas
perfazem 60,35% do total. Enquanto isso, os escravos representavam apenas 9% na
65
participação dos valores dos bens. No geral, admite-se que Ignacio Mariano de Oliveira era
um comerciante possuidor de um armazém de secos e molhados, possuía duas escravas que
provavelmente auxiliavam na casa e no comércio, e, além disso, possuía cabeças de gado,
cavalos e mulas com arreios para o transporte de mercadorias. Ignacio estava diretamente
ligado ao tropeirismo, seja como negociante, seja como tropeiro na busca de mercadorias.
Mesmo assim, deve-se tomar cuidado com a análise destes documentos, pois enquanto alguns
inventários post-mortem trazem um grande número de itens, outros trazem o mínimo. Outro
Ignacio, falecido em 1847, possuía alguns bens, pouco mais de um conto de Réis, Porém, em
seu inventário, as informações dão conta de que os escravos tinham papel importante no
acúmulo de dinheiro.
Inventariado: Ignacio Ferreira Roberto
Inventariante: Ana Tenoria de Almeida
Título de herdeiros
01- Vicente Ferreira, falecido, deixou os filhos seguintes:
- Joaquim com 17 anos
- Manoel com 11 anos
02- Maria Ignacia, casada com Joaquim Antonio Teixeira
03- Angelina, solteira com 15 anos
04- Ignacia Ferreira, falecida, deixou somente um filho de nome Demétrio
Avaliadores: Capitão Ignacio Ferreira Pinto e o Tenente José Ignacio dos
Santos.
Avaliação dos bens
Um par de canastras velhas avaliado em 3#200. Um ponche velho avaliado
em 4#000. Uma xerga avaliada em 3#000. Uma colcha de pano avaliada em
2#000. Uma faca com cabo de prata avaliada em 10#000. Uma calça
avaliada em 4#000. Uma cartucheira velha com fivela de prata avaliada em
2#000. Um par de esporas de prata avaliado em 24#000. Um par de esporas
de prata avaliado em 6#800. Seis camisas velhas avaliadas em 2#400. Uma
sobrecasaca avaliada em 4#000. Uma jaqueta de pano azul avaliada em
5#000. Uma calça de pano azul avaliada em 5#000. Três catres tecidos de
couro avaliados em 6#000. Um catre avaliado em 2#000. Uma mesa avaliada
em 1#600. Um banco grande avaliado em #800. Um capote velho avaliado
em 4#000. Um par de estribos de ferro com bocais de prata avaliado em
4#000. Uma espingarda velha avaliada em 3#200. Uma cuia prateada com
bomba avaliado em 2#560. Quatro casais de talheres de prata avaliados em
22#400. Um par de estribos de prata avaliado em 70#000. Uma sela com
rabicho avaliada em 5#000. Um freio de prata avaliado em 40#000. Um
cinto com peças de prata avaliado em 4#000.
Semoventes. Dez novilhas de três anos, cada uma avaliada em 7#000,
somando 70#000. Três novilhas de dois anos, cada uma avaliada em 5#000,
somando 15#000. Um novilho de ano avaliado em 3#200. Nove vacas com
cria, cada uma avaliada em 9#000, somando 81#000. Três vacas soltas, cada
uma avaliada em 7#000, somando 21#000. Três novilhos de três anos, cada
66
um avaliado em 6#000, somando 18#000. Três novilhos de dois anos, cada
um avaliado em 5#000, somando 15#000.
Escravos.Um escravo de nação de nome João com 50 anos avaliado em
300#000. Um escravo de nação de nome Matheus com 55 anos avaliado em
250#000.
Animais. Dois cavalos mansos, cada um avaliado em 10#000, somando
20#000. Uma égua boa avaliada em 7#000. Uma égua com cria avaliada em
8#000. Quatro éguas velhas, cada uma avaliada em 4#000, somando 20#000.
Uma besta mansa avaliada em 17#000. Um macho gateado velho avaliado
em 8#000. Uma besta zaina velha avaliada em 12#000. Um potro avaliado
em 3#200. Um potro avaliado em 5#000.
Bens de raiz. A casa do sítio com suas benfeitorias avaliada em 60#000. Os
campos, matos pertencentes ao dito sítio avaliados em 200#000. Uma
morada de casa térrea nesta Vila na rua direita avaliada em 300#000. Uma
cômoda velha avaliada em 3#200. Uma mesa velha com gaveta avaliada em
2#000. Um catre avaliado em 1#600. Um banco comprido avaliado em #800.
Monte-mor 1:812$360
Ignacio Ferreira Roberto teve em seu inventário post-mortem um pequeno valor de
pouco mais de um conto e oitocentos mil Réis, no entanto a sela, as canastras, as esporas, as
xergas, o freio, o ponche, os estribos demonstram a atividade em que ele estava envolto. Seus
dois escravos, João e Matheus, ambos com mais de 50 anos, provavelmente lhe ajudavam nas
lidas do campo, quando cuidavam dos animais que constam no inventário e em períodos de
montar a tropa, estariam com ele. Esses dois escravos foram avaliados em 550$000
(quinhentos e cinquenta mil Réis) e perfaziam 30,35% do total dos bens inventariados. Seu
valor demonstra a importância que o escravo tinha dentro de um sistema econômico de
exportação, numa economia que comprava e vendia gado e muares. Os escravos de Ignacio,
além de lhes servirem como mãos de obra também representavam um acúmulo de capital.
Como as principais fontes de pesquisa se darão sobre os inventários post-mortem
localizados no Museu do Tropeiro, a avaliação destes documentos permite remontar um
passado material que revela valores materiais e imateriais atribuídos aos mais diversos bens.
Como se vê, o inventário post-mortem constitui uma importante fonte de informações para
esse tipo de pesquisa, onde a materialidade de uma época expõe as características da
sociedade. Além de destacar os bens e os seus valores, consegue-se entender os diversos usos
que os homens daquele período faziam desses objetos de uso cotidiano.
Mas, seriam de fato uma fonte importante os inventários post-mortem? Os trabalhos na
historiografia brasileira que utilizam desse tipo de documento são inúmeros; destacam-se
alguns que por pioneirismo ou mesmo pela metodologia aplicada às fontes, trazem algumas
respostas no que tange à pergunta anterior. Se não utilizaram em toda a obra essas fontes,
67
fizeram da sua leitura um importante instrumento para a análise da riqueza nas mais variadas
épocas do Brasil, em especial, o século XIX.
Um dos principais trabalhos que não se pode deixar de lembrar é a obra de Gilberto
Freyre Sobrados & Mucambos. Produzida como se fosse uma segunda parte da obra Casa
Grande & Senzala que, resguardadas as suas críticas, surgem numa época em que a pureza da
raça era assunto aqui e em todo o mundo ocidental. Freyre lança a primeira obra quase como
uma resposta ao eugenismo cada dia mais crescente a época. Sobrados & Mucambos ganha
mais aproximação à história que a obra anterior. Além disso, a preocupação mais direcionada
aos aspectos materiais do que culturais que aparecem na obra, demonstram uma visão da
sociedade por um aspecto diferente, através da materialidade da vida.
Alcântara Machado não pode ficar de fora. Ele e sua obra Vida e morte do
bandeirante, estão no rol dos pioneiros em buscar nos inventários post-mortem aspectos
materiais e imateriais das populações do século XIX. A valorização destes documentos como
fonte para entendimento da vida cotidiana possibilitou uma nova metodologia de pesquisa.
Num outro tempo e modelo de escrita pode inicialmente parecer superficial, com exacerbada
descrição, mas com uma excelente leitura de aspectos menos importantes, destacam-se as
dificuldades e carências dessa sociedade.
Na mesma linha e tão importante como as obras anteriormente citadas, encontra-se
Sérgio Buarque de Holanda que em sua obra Caminhos e Fronteiras aborda
metodologicamente a historiografia a fim de analisar questões e temas de uma sociedade em
que a dinâmica material revelaria muitos aspectos culturais.
Se esses são considerados pioneiros, ressalta-se que a pesquisa terá aporte em outras
obras de igual valor e que da mesma maneira buscaram através do viés, averiguar como se
constituía a sociedade do século XIX. Maria Sylvia de Carvalho Franco, em Homens livres na
ordem escravocrata, aborda a violência em que estavam inseridas essas sociedades. Seus bens
matérias revelam uma sociedade empobrecida e violenta em que o homem vivia e morria.
Num mundo material em que as diferenças entre as camadas mais abastadas e os pobres
pouco apareciam, percebe-se que a vida cultural também estava presente nos documentos que
eram poucos valorizados pela historiografia.
Outra obra que versa sobre aspectos da sociedade paulista do século XIX é o trabalho
de Zélia Cardoso de Mello, Metamorfoses da riqueza. Apesar de sua obra ser dirigir a uma
transformação da riqueza rural em capital industriário, é possível extrair aspectos relativos à
concepção de riqueza, pois possuir um escravo numa sociedade com escravos poderia
68
representar inúmeras estratégias e de relações dentro de uma sociedade caracteristicamente
pobre de bens materiais.
Tratar do tema riqueza conjugado com a escravidão dentro de uma pesquisa força a
buscar em outros locais e regiões, com outras bases de análise e de aporte para a pesquisa. A
obra Riqueza e escravidão de Cláudia Eliane Parreiras Marques Martinez aborda através dos
inventários post-mortem a vida material e cultural de Bomfim do Paraopeba em Minas Gerais
do século XIX. Sua pesquisa concentra-se nos escravos enquanto distribui seu estudo sobre
uma gama de possibilidades que ultrapassam nossa perspectiva inicial. O enfoque é outro, e a
abordagem deverá se revelar outra, mas também de relativa importância.
A proposta aqui é justamente abordar a riqueza e a escravidão no contexto dos
inventários post-mortem, portanto se faz necessário adentrar nessa perspectiva elencando
anteriormente a estrutura de posse de escravos que se contata na historiografia e nas fontes, a
fim de contemplar o objetivo da pesquisa.
2.2 - A propriedade de escravos e a estrutura de posse.
A América portuguesa teve uma característica ímpar na composição social e
econômica em comparação com os demais modelos de colonização aplicados no continente.
Com uma grande territorialidade centrada na América do Sul e sem que houvesse alguma
outra nação europeia em meio ao seu território 10
o Império português trilhou um caminho de
exploração econômica em que a mão de obra escrava sempre esteve presente, nas mais
diversas regiões do território. A total integração de regiões produtoras e consumidoras dentro
do Império possibilitou uma movimentação de mercadorias que favoreceu os diversos setores,
onde, por ocasião dessa ligação interna, trabalhavam reforçando a produção agroexportadora
que se localizava na produção açucareira e posteriormente no café do Rio de Janeiro e de São
Paulo.
Evidentemente essa configuração econômica que se formou em especial entre os
séculos XVIII e XIX, contribui para a distribuição demográfica da população em geral, a qual
dificilmente poderia ser comparada a outras regiões americanas. Esse modelo de distribuição
geográfica e econômica favoreceu a um determinado tipo de escravidão nesses locais.
10
Não se considera aqui as invasões de outros países e nem a União Ibérica.
69
Contribuíram para o sistema se manter ativo nas mais diversas regiões, no entanto com
formatos diferenciados.
Pode-se fazer uma breve análise com as colônias francesas e inglesas do Caribe, onde
a atividade econômica estava voltada diretamente para a produção açucareira. Na região
caribenha havia um relativo descompasso entre o número de brancos e de negros
escravizados. Os escravos superavam em muito a população branca.
O predomínio numérico dos últimos foi esmagador, mesmo em colônias com
maior número relativo de colonos de origem européia. Esse foi o caso de
Barbados, que, durante o Setecentos, teve sempre cerca de quatro escravos
negros para cada branco. Já em colônias como São Domingos, às vésperas
da revolução a proporção era de quinze escravos para cada branco.
Tampouco o número de negros e mulatos livres chegou a equipar-se com o
de escravos. Em São Domingos, esses grupos — que seriam decisivos para o
início da revolução que acabou por levar ao término da escravidão e do
domínio francês — não somavam mais do que 30 mil indivíduos, número
equivalente ao da população branca. Na Jamaica, a proporção era ainda
menor (MARQUESE, 2006. p. 117).
Evidentemente, a região portuguesa permitia uma distribuição mais razoável entre
brancos e negros do que o Caribe. As regiões de colonização inglesa ao Sul e também as
repúblicas americanas do Sul dos Estados Unidos se deparavam com uma divisão entre
brancos e negros, muito mais rígida do que a encontrada na América portuguesa.
Finalmente, pode-se reconhecer que as regiões de colonização espanhola tiveram uma
característica diferente das regiões inglesas e portuguesas, com algumas exceções, o elemento
indígena esteve fortemente presente nas sociedades hispânicas da América. Neste contexto, a
América espanhola possuiu um tipo de mescla entre o elemento indígena e o escravo negro no
que se refere ao uso de mão de obra. Em regiões cafeeiras como a Colômbia que somente
aboliu a escravidão em 1851, a presença do negro é maior e mais visível. Portanto, apesar de
representar a maioria na dinâmica de mão de obra, nas regiões colonizadas pela Espanha, o
escravo teve papel diferente do que no Brasil. Houve regiões que tiveram essa caracterização,
mas não foi algo contínuo dentro do sistema colonial espanhol (MARQUESE, 2006).
Nos territórios portugueses havia uma diferença substancial, um considerável número
de população livre que era negra, descendente de africanos e/ou mestiça que convivia na
mesma sociedade em que havia um grande número de escravizados e de brancos dominantes.
É evidente que havia diferenciações dentre uma e outra região do território, com
características da mesma forma diferentes. Resguardadas essas diferenças, pode-se considerar
70
que havia uma paridade entre os três grupos principais: brancos, negros e mestiços livres, e
negros escravizados.
Em que pesem as variações de capitania a capitania (no extremo norte e no
extremo sul, por exemplo, havia predomínio indígena) e as imprecisões dos
dados demográficos disponíveis, a população colonial brasileira no início do
século XIX guardava as seguintes proporções: 28% de brancos, 27,8% de
negros e mulatos livres, 38,5% de negros e mulatos escravizados, 5,7% de
índios (MARQUESE, 2006. p. 118).
Essa paridade propicia um equilíbrio entre os três principais grupos que formam a
sociedade colonial brasileira. Os índios, alijados cada vez mais, representam a menor parcela
populacional. Essa configuração deve ser tomada com cuidado, pois em alguns casos, e os
Campos Gerais tem sua especificidade, se compõe com uma organização diferente.
Resguardando as diferenças regionais, consideram-se esses números como um indicador de
média, no entanto é importante analisar região por região, conforme a dinâmica econômica de
cada local.
Diversos fatores contribuíram para a formação de uma sociedade assim distribuída.
Dentre eles, se destaca a mestiçagem, a invenção do mulato que Luis Felipe de Alencastro
(2000) aborda em seu livro O trato dos viventes, a recolocação cultural e familiar que
possibilitou novos formatos sociais, e, claro, a política de alforrias. Esses quatro aspectos
favoreceram o uso do mulato em diversos setores, possibilitando a formação de uma
complexa sociedade plurirracial.
É importante salientar que a dinâmica escravista do tráfico para a América portuguesa
e as condições escravistas aqui implementadas contribuiu decisivamente para que o escravo
fosse uma mercadoria socialmente barata (FLORENTINO, 1997). Tudo isso permitiu que a
sociedade obtivesse uma configuração diferente do que qualquer outra região americana, e,
além disso, contribuiu pra que a escravidão se disseminasse por todas as regiões da América
portuguesa de maneira decisiva. Contribuições que mantiveram o território com
características culturais e econômicas particulares.
O desenvolvimento das mais diversas regiões se deu de maneira que os escravos
participassem ativamente do processo econômico. Cada região ativamente econômica até
meados do século XIX teve o braço escravo presente.
Como há muito é consenso na historiografia brasileira, a partir do século
XVIII, com o impacto da mineração, houve grande diversificação na
economia colonial. Antes de mais nada, pelo aparecimento de uma produção
71
ativa voltada ao abastecimento do mercado interno, como a pecuária no Rio
Grande do Sul e no vale do São Francisco, ou a produção de mantimentos na
própria capitania de Minas, em São Paulo e no Rio de Janeiro. O surgimento
de vários núcleos urbanos em Minas e Salvador, também ativaram a
economia interna. A produção de tabaco, no Recôncavo Baiano, foi outra
atividade que recebeu impulso, pois se tratava de uma mercadoria central
para a aquisição de cativos na Costa da Mina, especialmente valorizados nas
zonas mineradoras. E, por último, não se pode esquecer que os enclaves de
plantations açucareiras no Recôncavo Baiano, na Zona da Mata
pernambucana e em Campos dos Goitacazes mantiveram sua vitalidade ao
longo do século, a despeito da competição antilhana, que havia excluído seus
produtores dos mercados inglês e francês. O que importa para esta análise é
o fato de todas essas atividades — rurais e urbanas — terem se baseado na
escravidão, com uma estrutura de posse dos escravos que os distribuía por
diferentes faixas de riqueza, sem concentrá-los apenas nas mãos dos
senhores mais capitalizados ou mesmo dos proprietários brancos
(MARQUESE, 2006. p. 119).
Aproveitando ainda a análise de Marquese, considera-se que a dinâmica escravista na
América portuguesa contribuiu decisivamente para a interligação entre as mais diversas
regiões do território. Ligou o Norte/Nordeste açucareiro ao Sul gaúcho produtor de gado.
Esses caminhos de ligação também tiveram suas características moldadas pelo sistema e
reforçaram a dinâmica implantada que sustentava a exploração capitalista de mão de obra,
como também dos meios de acumulação de capital. Os Campos Gerais faziam parte deste
contexto de integração nacional, contribuíam com a passagem e ligação para as regiões
nacionais.
Assim se considera que a propriedade de escravos estava distribuída por todo o
território de colonização portuguesa na América. As diferenças entre as diversas regiões eram,
principalmente, devido a sua própria dinâmica econômica. Os Campos Gerais também se
interligavam dentro desse contexto de colonização portuguesa que utilizava o braço cativo
para a produção. Independente se aqui a lavoura ou a pecuária eram diferentes da plantations
nas regiões açucareiras ou cafeeiras, o braço escravo estava presente na dinâmica produtiva e
social.
Para entender um pouco melhor a propriedade de escravos e a estrutura de posse deve-
se recorrer a estudos voltados para esses fatores dentro do território paranaense. Para isso, se
recorre a Horácio Gutierrez, considerado o primeiro a entrar em contato com as fontes que
poderiam dar uma base de estudos. No entanto, seu trabalho faz uma análise desse quadro no
início do século XIX 11
. Mesmo com esse recorte diferente, é importante analisar seus dados,
11
GUTIERREZ, H. Senhores e escravos no Paraná. 1800-1830. Dissertação de Mestrado, São Paulo, USP,
1986.
72
pois trazem um modelo de posse que os Campos Gerais, em especial, continuariam utilizando
até o período final da escravidão, ou até que ela já não se tornasse mais vantajosa.
Também se pode recorrer aos números anteriores a fim de buscar um auxílio na
compreensão de outros fatores que pudessem interferir na posse de escravos na região da
Província do Paraná. Dentre eles se destaca que:
As propriedades com escravos em 1804 perfaziam 20,5% do total de
domicílios, enquanto que em 1824 esse percentual ficou em 18,9%. Portanto
o Paraná não apresentava um número expressivo de domicílios com
escravos, tônica presente nessa região do Brasil com suas atividades voltadas
para a pecuária e a lavoura de alimentos. A média de escravos por
proprietário foi de 5,6 em 1804 e de 5,0 em 1824 no Paraná. Refletindo a
participação de pequenos proprietários de cativos. Encontram-se médias
maiores do que estas, por exemplo, em Castro (7,1 no ano de 1824)
(FRANCO NETTO, 2007. p. 227).
Se a média nesse primeiro quarto do século XIX mantinha um padrão girando em
torno de 20% dos domicílios com escravos, pode-se buscar uma conta aproximada com a
presente pesquisa, que encontrou no período de dezoito anos, 205 inventários, destes 139
possuíam escravos. Em números percentuais representa 67,8% dos inventários com escravos e
apenas 32,2% sem escravos em Castro. Ao analisar o Paraná com um todo, depara-se com a
relativa queda no número de escravos em relação ao total da população. Na tabela a seguir
localiza-se entre os anos de 1854 e 1866 uma queda na participação do escravo na sociedade.
De 16,4% em 1854, cai para 11,7% em 1866. Considerando ainda o ano de 1836 que é o
último ano em que aparecem dados relativos à população antes da emancipação política do
Paraná se verifica uma diferença ainda maior, pois em 1836 os escravos perfaziam 18,4% do
total da população paranaense.
Tabela 4: População do Paraná de 1798 a 1874
Anos Escravos % Total da
população
1798 4273 20,3 20999
1804 5077 19,3 26370
1810 5135 18,6 27589
1811 6840 19,6 34940
1816 5010 17,6 28470
1819 10191 17,0 59442
73
1824 5855 17,8 32887
1830 6260 17,1 36701
1836 7873 18,4 42890
1854 10189 16,4 62258
1858 8493 12,2 69380
1866 11596 11,7 99087
1868 10000 10,0 100000
1872 10715(a) 8,5 126722(b)
1874 11249 8,8 127411
Notas: (a) – dados provenientes da matricula especial de escravos.
(b) – dados provenientes do recenseamento geral da população.
Negrito nosso.
Fonte: PENA, Eduardo S. O jogo da face: a astúcia escrava frente aos senhores e à lei na Curitiba
provincial. Dissertação de Mestrado. Curitiba: UFPR, 1990. p. 39.
A queda percentual da população escrava em relação ao total da população do Paraná
provincial, em especial a partir de 1854, representa um fenômeno que ocorre a nível regional.
Não se nega que esse tipo de fenômeno possa ter ocorrido com menor intensidade em Castro e
na região dos Campos Gerais. A região é reconhecidamente a que possui o maior número de
escravos em meados do século XIX, e o resultado do fim do tráfico de escravos pode ter
influenciado a recuperação dos plantéis em outras áreas que estavam sob a influência de
outras ondas econômicas, como a região de Curitiba que perde muitos escravos no período
pós 1850 (PENA, 1990).
Enquanto a média de escravos na Província do Paraná em 1854 era de 16,4%, a região
dos Campos Gerais, mais especificamente o Termo de Castro, que correspondia às localidades
de Castro, Ponta Grossa, Jaguariaíva e Tibagi, possuíam 22,83% de escravos na sua
população. Mesmo com o abastecimento de cativos da região curitibana, é bem provável que
os proprietários agropastoris dos Campos Gerais tenham sentido que a entrada de escravos era
importante. Já as outras regiões, em especial as próximas à Curitiba estavam ligadas à outra
dinâmica econômica no qual o homem livre se encaixava mais no mundo de trabalho.
A posse de escravos nas mais diferentes regiões do Paraná provincial traz uma
informação importante sobre as escravarias. No geral, elas são compostas por um pequeno
plantel de escravos. Para Curitiba, em 1870, a média de toda a Comarca era de 3,2 escravos
por proprietário. Só em Curitiba a média era de 5,3 e em São José dos Pinhais de 3,9, portanto
médias baixas, mesmo num recorte temporal que difere da pesquisa. Para as escravarias de
Castro os números são superiores ao se analisar os inventários post-mortem de 1846 a 1864
74
percebem-se uma média de 7,6 escravos por inventário com escravos. Dessa forma, se vê que
do total de inventários mais de 67% possuíam escravos e destes a média era de 7,6 escravos.
Eram plantéis relativamente pequenos, porém maiores dos que encontrados na região de
Curitiba.
Tabela 5: Relativo ao número de inventários com escravos
Ano Total de
inventários
Com escravos Total de
escravos
Média anual
1846 6 4 33 8,25
1847 14 12 90 7,50
1848 12 7 27 3,85
1849 8 7 70 10,0
1850 9 7 39 5,57
1851 12 7 21 3,00
1852 9 5 25 5,00
1853 17 14 76 5,42
1854 15 9 49 5,44
1855 9 6 23 3,83
1856 16 11 69 6,27
1857* 13 10 165 16,5
1858 12 8 64 8,00
1859 8 4 21 5,25
1860 10 6 79 13,1
1861 16 11 85 7,72
1862 2 1 1 1,00
1863 3 2 9 4,50
1864 13 8 100 12,5
Nota: *Ano com a maior escravaria inventariada, 140 escravos de Ana Luiza da Silva.
Fonte: Rol de inventários do Museu do Tropeiro. 1846-1864.
A média varia de ano para ano devido à morte do proprietário, ora depara-se com
escravarias maiores e ora, escravarias menores. A quantidade varia conforme a elaboração de
inventários post-mortem. A menor média aparece em 1862 quando se contata apenas um
inventário com um escravo, aliás, esse ano e o de 1863 são peculiares na pesquisa, pois se
encontram nesse período apenas cinco inventários. Não se sabe afirmar se foram apenas esses
75
os inventários realizados ou se os demais desapareceram do Museu do Tropeiro. Pode ter
ocorrido algum tipo de paralisação no Fórum de Castro, período sem juiz, ou sem algum
funcionário encarregado para isso, não é possível afirmar o que aconteceu no período. Mesmo
assim opta-se por aproveitá-los, sendo incluídos na base analisada a fim de se prolongar o
período até 1864. A maior média é de 1857, onde se encontra o inventário de Ana Luiza da
Silva. Nesse inventário se acham 140 escravos que entraram na partilha dos bens da
inventariada, somado com os 25 dos demais inventários se chega à média de 16,5 para o ano,
a maior do período estudado. No entanto, excluindo os 140 escravos de Ana Luiza da Silva, a
média despencaria para 2,77 escravos por inventário, uma das menores média encontrada.
Isso indica que a média em geral era muito baixa e que a propriedade de escravos estava
ligada a uma atividade que necessitava de poucos braços: a pecuária.
Os escravos que estavam na cidade também tinham uma relativa baixa na média, até
pelo perfil que essa mão de obra desempenhava na cidade. Os trabalhos na esfera urbana eram
empregados na vida doméstica e no comércio e/ou nos serviços. Magnus Roberto de Mello
Pereira (1996) aponta para uma legislação que deveria combater firmemente o uso de
escravos no comércio da capital Curitiba, onde a legislação regulava o uso dessa mão de obra.
Situação semelhante se aplica no caso de Paranaguá, onde o escravo também não deveria ser
utilizado no comércio. É importante ressaltar que mesmo com as proibições ao comércio
estabelecido em utilizar trabalho escravo, o comércio ambulante nunca ganhou qualquer tipo
de sanção e o escravo era amplamente utilizado.
Já Castro e as vilas dos Campos Gerais não assumiram esse tipo de postura. Em 1862
Ponta Grossa praticamente transcreveu a Lei de Curitiba, porém o artigo 60 que proibia o uso
de escravos em casas de comércio não foi aderido. Assim também ocorreu em outros locais,
como em Castro. É evidente que o emprego de mão de obra escrava no comércio das cidades
dos Campos Gerais representava grande participação no mundo do trabalho. A dinâmica de
uso e classificação de mão de obra era diferente entre Paranaguá e Curitiba, em relação a
Castro e às demais regiões campeiras. Curitiba é a capital provincial e a busca por uma
urbanidade voltada à modernidade que não poderia conviver com o estigma da escravidão,
instituição arcaica que demonstrava o atraso da terra. Nas regiões campeiras onde o escravo
estava envolto a uma dinâmica rural arraigada nas antigas estruturas, era natural a sua
utilização nas mais diversas atividades.
Outra possibilidade levantada por Magnus Roberto de Mello Pereira (1996) gravita em
torno da questão das redes de relações que os escravos poderiam constituir ao estarem mais
diretamente ligados ao público em geral. O convívio com outros escravos, com livres, brancos
76
ou mestiços, ex-escravos, enfim, uma extensa lista de contatos, poderiam lhes favorecer a
fuga e o consequente anonimato dentro de uma sociedade em que a dinâmica econômica
favorecia o trabalho livre. Dessa forma, impedindo os contatos ou diminuindo as
possibilidades, se reduziria a possibilidade de fuga.
A legislação quase sempre recaia sobre o proprietário que utilizava essa mão de obra e
aos livres que se associavam ao acobertamento da fuga. Punir o escravo era desperdício de
mão de obra. Ainda utilizando o estudo de Magnus, pode-se visualizar que a legislação que
regulava as atividades com utilização de escravos se proliferou a partir de 1860. Essa
regulamentação buscava sempre controlar e diminuir a participação dos escravos na trama
social da província. Os anos finais da escravidão mostravam que a sociedade estava mais
permeável à participação do escravo.
Naqueles anos, a urbanização e a indústria ervateira produziam toda uma
rearticulação social que era concretamente vivida como uma democratização
das oportunidades de mercado. Os fazendeiros dos Campos Gerais tomaram
o caminho das cidades, ocupando o crescente mercado das profissões
liberais, ou venderam suas terras e passaram a especular com títulos públicos
(PEREIRA, 1996. p. 87).
Essa rearticulação social promoveu algumas mudanças no período posterior ao ano de
1860, mas que já eram sentidas anos antes. Porém, o estudo busca evidenciar a posse de
escravos por um número de proprietários que estavam não somente nas zonas rurais, mas
também nas áreas urbanas.
Vejamos como estão distribuídos os inventários com escravos, seus proprietários e ano
de inventário:
Tabela 6: distribuição dos inventários com escravos
Ano Inventariado Nº de escravos
1846 Dona Ana Gertrudes Maria do Espírito Santo 06
1846 João Damasceno Pacheco 13
1846 Ana do Espírito Santo 06
1846 Rita Cândida de Oliveira 11
1847 Thereza Antonia de Jesus 03
1847 Ignácia Martins de Oliveira 04
1847 José Nogueira Bauman 14
1847 Carlos José de Oliveira 14
1847 Maria Ferreira do Sacramento 14
1847 Bento da Rocha Ribeiro 05
1847 Ana Bandeira de Almeida 22
1847 Ignacio Ferreira Roberto 02
77
1847 Manoel Ferreira Bueno 06
1847 José Joaquim de Godoy 01
1847 João Batista Penteado 07
1847 Maria da Encarnação 06
1848 Maria Francisca 04
1848 Ana dos Santos Martins 06
1848 Luiza Angélica Ferreira 01
1848 Manoel José de Sant’ana 07
1848 Felizarda de Mello Rego 07
1848 Antonio Ribeiro dos Santos 01
1848 Lucidório José de Farias 01
1849 Maria do Rosário Carneira 07
1849 Brígida Maria de Oliveira 01
1849 Francisca Marcondes Ribas 07
1849 Aurélio da Costa Portella 04
1849 José Joaquim de Andrade e Silva 23
1849 Dionizio Pranedes dos Santos 01
1849 Bernardo Moreira Paes 27
1850 Thereza Maria de Jesus 03
1850 Antonio Moreira Juju 05
1850 Ana de Mello 13
1850 Francisco Antonio de Oliveira 02
1850 Francisco de Paula Teixeira 08
1850 Theodora Maria de Jesus 05
1850 Carlos Antonio Serra 03
1851 José Oliveira Pretes 01
1851 Manoel José Moreira 03
1851 Ana dos Santos 07
1851 Izabel dos Santos Martins 04
1851 Francisca de Assis Mascarenhas 02
1851 Maria Luiza e Maria Angelica 01
1851 Marquesa Maria Ferreira 03
1852 João Batista Carneiro 03
1852 Maria Marques da Silva 03
1852 Marcelino Rodrigues de Oliveira 01
1852 Diogo Narcizo Bello 07
1852 José Soares de Faria 11
1853 Manoel Pereira de Souza 03
1853 Lourenço Justiniano de Siqueira 10
1853 Francisco Saraiva 02
1853 Ignácio Mariano de Oliveira 02
1853 Bento Lopes de Almeida 03
1853 Claudio Furquim de Camargo 11
1853 Maria Nunes de Siqueira 02
1853 Escolástica da Purificação 07
1853 Joaquim Roberto de Oliveira 08
1853 Antonio Pereira Lima 10
1853 Ana Esméria de Mello 05
1853 Maria Furquim de Camargo 02
1853 Maria Rodrigues de Araújo 01
78
1853 José Joaquim de Almeida 10
1854 Theodora Carneira 08
1854 Antonio Teixeira da Silva 01
1854 Maria Carolina de Mello 19
1854 Maria Joaquina de Mello Rego 01
1854 Bento Manuel de Oliveira Lima 06
1854 José João Palhano 03
1854 Francisco Ferreira de Almeida 04
1854 Melchior Ribeiro Lima 07
1854 Ana do Rosário Carneiro 01
1855 Maria Soares de Oliveira 09
1855 Raquel Maria de Jesus 02
1855 Joaquim Barbosa da Silva 01
1855 José da Luz Siqueira 06
1855 Firmino de Matos 04
1855 Maria da Anunciação Carneira 01
1856 Ana Maria Castanho de Araújo 16
1856 Manoel de Oliveira Prestes 07
1856 Mariana Ferreira do Sacramento 15
1856 Placidina Barbosa de Sá 01
1856 Arcangela Alves da Mota 03
1856 Antonio José de Assumpção 14
1856 Antonio Jardim 01
1856 Iria Estelita da Piedade 05
1856 João dos Santos Martins 01
1856 Joaquim Garcia 04
1856 Amantino Novaes de Mesquita 02
1857 Manoel Joaquim Alves 02
1857 Méssia Nunes de Siqueira 04
1857 Manuela Ferreira do Sacramento 07
1857 Joaquim Martins de Oliveira 01
1857 Ana Esméria de Carvalho Neves 03
1857 Antonio Bueno Galvão 02
1857 Euzébio Felix Silva 01
1857 Miguel da Rocha Ferreira Carvalhaes 12
1857 Manoel da Costa Portella 04
1857 Ana Luiza da Silva
1858 Patricio Teixeira de Oliveira Cardozo 18
1858 Felipa Neris de Lima 10
1858 Maria Pereira Gomes 01
1858 Domingas Fagundes 01
1858 João Soares Fragoso 07
1858 Antonio Rodrigues de Araújo 05
1858 Cipriano de Souza Netto 05
1858 Ana Angélica do Belém 17
1859 Antonio Alves de Carvalho 05
1859 Iria Barbina Chaves 01
1859 Tenente Modesto Antonio de Oliveira 07
1859 Barbara Ferreira Ribas 08
1860 Ana Luiza de Lima 19
79
1860 Maria dos Santos 01
1860 Salvador Pereira Vidal 04
1860 Carlota Carolina Carneira 11
1860 Fabiana Domingues Borges 08
1860 Ana Rodrigues Ferreira 36
1861 Tenente Coronel Francisco de Paula Ferreira Ribas 03
1861 José Ribeiro da Fonseca Leme 10
1861 Dona Ana Sutil 08
1861 Francisco Antonio de Matos 05
1861 Manoel da Paixão 01
1861 Alvaro Gonçalves Martins 23
1861 Izabel Furquim de Camargo 08
1861 Anacleta Alves Teixeira 02
1861 Dona Delfina Maria do Rosário 14
1861 Cassilio Maciel de Almeida 01
1861 Capitão Gaspar Eduardo 09
1862 Leonor Bueno de Almeida 01
1863 Joaquim Anacleto da Fonseca 02
1863 Manoel Moreira Garcez 09
1864 José Joaquim Marques de Souza 33
1864 Dona Maria Joaquina de Sá Marcondes 03
1864 Antonio José de Azevedo 11
1864 Maria Antonia de Oliveira 01
1864 Francisco Lourenço de Brito 38
1864 José Mathias de Almeida 07
1864 Maria do Carmo 06
1864 Francisco José da Silva 01
Fonte: Rol de inventários do Museu do Tropeiro, Castro-PR.
Pode-se considerar que esse tipo de distribuição dos escravos nos Campos Gerais se
dava muito pela quantidade de terras e de gado do proprietário, no entanto não é isso que
acontece, pois em geral essa lógica não aparece nos inventários. De modo geral a propriedade
de escravos não está diretamente ligada à propriedade de terras. Muitos desses inventários
com escravos se quer fazem menção a qualquer posse de terra ou mesmo de gado. Assim,
pode-se definir que na região dos Campos Gerais, a estrutura de posse de escravos não estava
diretamente associada a terra, e talvez muito mais relacionada à atividade econômica que o
proprietário se inseria.
Estudos referentes à estrutura e posse de escravos apontam para outros tipos de
reorganizações sociais. Em São Paulo, Francisco Vidal Luna e Iraci Del Nero da Costa
produziram um estudo que realizou um levantamento de localidades paulistas que no ano de
1804 tiveram um breve surto populacional e assim participaram de um fenômeno de aumento
populacional. Na obra Posse de Escravos em São Paulo no início do século XIX, (1983) Luna
e Costa apontam para uma sociedade na qual 24,5% dos domicílios possuíam escravos.
80
Embora diferente da porcentagem que se encontra de inventários com escravos, o estudo
caminha para uma semelhança, a pequena posse de escravos, com 70% dos proprietários
possuindo entre 1 e 5 escravos. E tendo apenas 1,5% de proprietários com 41 ou mais
escravos. Algumas questões importantes merece atenção como, por exemplo, as atividades
que promoviam um número maior de escravos no levantamento. As atividades ligadas aos
engenhos de açúcar faziam a média subir para mais de 10 escravos.
José Flavio Motta, em Corpos Escravos, vontades livres: posse de cativos e família
escrava em Bananal (1801-1829), também traz dados importantes no que diz respeito à
atividade econômica. Motta (1999) aponta para uma mudança na estrutura de posse de
escravos com a cafeicultura abrindo novas áreas na região. No entanto, a média das
escravarias não era muito alta, em 1801 a média era de 9,1 escravos, em 1817 a média era de
8,3, e em 1828 a média se elevou para 11,7 escravos.
Na Bahia no final do século XVIII e início do século XIX a proporção de pequenos
proprietários também é a tônica. Schawartz em Segredos Internos: engenhos e escravos na
sociedade colonial (1988) aponta para uma estrutura de posse de pequenos proprietários, mas
com uma diferença importante: os proprietários voltados à produção de açúcar e aguardente
possuíam um número maior de escravos, enquanto os proprietários envolvidos com a
produção de gêneros alimentícios formavam a base de pequenos proprietários. A dinâmica
econômica volta a influenciar os dados referentes à posse de escravos. Se a produção era
rentável, certamente o número de cativos era maior. A média baiana de escravos por plantel
também não era muito diferente. Na região do Recôncavo baiano urbano a média era de 4,0
escravos, no sertão a média era de 5,2, região que produzia gado e mandioca. Já na região do
Recôncavo baiano de atividade mista a média girava em torno de 6,6 escravos e na região do
que a atividade estava voltada à produção do açúcar foi de 11,7. Ou seja, quanto maior a
rentabilidade das regiões rurais, maior o número de escravos.
Nos Campos Gerais, em meados do século XIX, encontram-se informações que
apontam para uma sociedade composta com pelo menos 22,83% de escravos. Essa
composição populacional sugere um número maior de escravos do que nas outras regiões da
recém-criada Província do Paraná. No entanto, a média das escravarias inventariadas para o
período de dessa pesquisa gravita em torno de 7,2 escravos. A propriedade de escravos nos
Campos Gerais estava centrada na posse masculina, dos 205 inventários pesquisados, a
grande maioria era de propriedades do sexo masculino. Percebe-se que 123 inventários são de
propriedade masculina, e 82 de propriedade feminina.
81
Gráfico 1: Distribuição de inventários post-mortem por sexo de inventariado.
Fonte: Inventários post-mortem do Museu do Tropeiro de Castro entre os anos de 1846 a 1864.
Essa característica é muito importante para se compreender a distribuição de bens no
mundo campeiro. Os homens compunham a grande maioria dos proprietários nos Campos
Gerais. Porém, a participação de mulheres é relativamente alta ao avaliar que a sociedade da
época, era constituída de maneira semelhante entre homens e mulheres, dos 11643 habitantes
do Termo de Castro em 1854, 5983 são homens e 5660 são mulheres. Em porcentagem essa
população se distribui da seguinte forma: homens 51,38%, mulheres 48,62%. Tal distribuição
se assemelha com outras regiões campeiras, como demonstra Luiz Augusto Ebling Farinatti
em sua obra Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na Fronteira Sul do
Brasil (1825-1865), a distribuição em Alegrete entre homens e mulheres é de 52,7% de
homens e 47,3% de mulheres em 1859, para uma população de 10699 habitantes. É bom
lembrar que Alegrete desempenhava um papel de produtor de gado e muares na Fronteira Sul
Brasileira no mesmo período que Castro e os Campos Gerais se destacavam pela compra, cria
e engorda de gado e muares. Além disso, resguardada suas particularidades, as duas regiões
possuem uma população semelhante com relação aos números: 11643 habitantes em Castro
no ano de 1854, e 10699 habitantes para Alegrete em 1859. Outra semelhança que se deve
ressaltar é que a porcentagem de escravos nas duas sociedades também é próxima, enquanto
Castro, no ano de 1854 possui 22,83% da população na condição de escravos, Farinatti aponta
para Alegrete em 1859 uma população de escravos que perfazia 23,6% do total da população.
Comparativamente, pode-se citar Guarapuava, que em 1840 possuía uma distribuição de
Masculinos Femininos
82
sexos no total da população composta da seguinte maneira: homens 54,5% e mulheres 45,5%.
Além disso, Guarapuava possuía 11,9% de escravos no total da população (FRANCO NETTO,
2007). Isso demonstra que cada uma das sociedades se comportava da forma que lhe
propiciasse maior rentabilidade em relação aos escravos, mas a população entre homens e
mulheres se equiparava sendo a menor diferença entre sexos encontrada em Castro e a maior
em Guarapuava. Outro fator a ser considerado nas comparações realizadas é que a própria
formação de Guarapuava se constitui de maneira diferente. Enquanto Castro e Alegrete
surgem dentro de uma dinâmica econômica da época, Guarapuava tem sua ocupação realizada
no início do século XIX apenas, e assim mesmo, o território se constituiu como área de
degredo entre 1812 e 1859, recebendo condenados de várias regiões do Brasil, em sua grande
maioria homens (PONTAROLO, 2010).
No que diz respeito à composição de proprietários de bens inventariados a
porcentagem fica a seguinte para Castro: homens 60%, mulheres 40%. A participação das
mulheres na distribuição dos bens inventariados é menor que a sua participação na sociedade
dos Campos Gerais. E mesmo assim se deve ressaltar que essa participação poderia ser menor
ainda, pois em grande parte desses inventários de propriedade feminina o que ocorre é uma
segunda partilha. Anteriormente falece o homem da casa, proprietário dos bens. A partilha se
dá entre a viúva e os filhos. Anos depois ocorre a morte da viúva, e esta gera uma nova
partilha dos mesmos bens já inventariados na morte do esposo. Esse tipo de partilha
diminuiria ainda mais a participação das mulheres na distribuição de riquezas nos Campos
Gerais.
Mesmo assim as principais atividades que aparecem nos inventários post-mortem
pesquisados relacionam-se às lidas do campo (ver tabela 1, p. 24). Não foi encontrado
nenhum inventário cujas atividades estivessem ligadas ao comércio e a agricultura apenas. Na
maioria dos inventários relacionados à atividade comercial (14 no total), 12 estão ligados à
pecuária e destes 4 são ligados também à agricultura. A pecuária estava fortemente presente
nas atividades econômicas em geral. Dos 205 inventários, apenas 20 não se relacionavam
diretamente a essa atividade econômica. Porém, em 19 inventários em que não foi possível
definir a sua participação na economia.
Divididos nestes grupos que constituem a tabela acima, o maior grupo é o ligado à
pecuária e à agricultura, com 111 inventários. Em segundo lugar aparece o grupo de
inventários ligados apenas à pecuária, 43 inventários, e em terceiro lugar aparece o grupo
ligado à agricultura, apenas com 18 inventários. Ao agrupar esses três grupos de atividades
encontra-se 172 inventários totalizando 83,9% do total de inventários. Número superior ao de
83
inventários que possuem escravos, pois de 205 inventários 139 possuíam escravos. Isso
evidencia que as atividades eram praticadas por pessoas que se utilizavam da mão-de-obra
cativa, 67,8%. Porém, outros agentes econômicos realizavam as mesmas atividades sem
escravos. Isso demonstra que o trabalho poderia ser próprio, ou de livres assalariados.
Dos 139 inventários pesquisados, 1057 escravos estão inventariados, perfazendo uma
divisão por sexo com pequena diferença favorável aos escravos do sexo masculino em relação
aos de sexo feminino.
Gráfico 2: Divisão dos escravos por sexo.
Fonte: Inventários post-mortem do Museu do Tropeiro de Castro (1846-1864).
A diferença nos plantéis é de apenas 79 homens a mais do que de mulheres no
cativeiro. A porcentagem resultante desta soma é 53,7% de escravos homens e 46,2% de
escravos mulheres, uma diferença de apenas 7,5% em toda a população escrava. Diferença
menor que a encontrada em Guarapuava no ano de 1840. Lá a proporção era de 63% de
escravos homens e de 37% de escravos mulheres. Uma diferença de 26% a mais de cativos do
sexo masculino. Assim pode-se considerar uma distribuição praticamente igual de sexos nas
escravarias dos Campos Gerais. Essa distribuição também contribuiu para formação de uma
grande gama de pequenos escravos. Essa composição pode ser vista claramente no gráfico
abaixo.
440
460
480
500
520
540
560
580
homens Mulheres
escravos por sexo
escravos por sexo
84
Gráfico 3: Escravos por idade nos Campos Gerais.
Fonte: Inventários post-mortem do Museu do Tropeiro de Castro (1846-1864).
Mesmo com uma grande quantidade de escravos sem idade definida, pois esses dados
não constavam nos inventários post-mortem pesquisados, nota-se um grande número de
crianças menores de 14 anos nos plantéis de escravos. Esse dado traduz uma importante
informação: as escravarias dos Campos Gerais estavam produzindo seus próprios escravos
através da reprodução endógena. Não foi possível realizar um levantamento dos locais de
origem dos escravos inventariados, não é possível através destes inventários, encontrar dados
suficientes a fim de dar fé a uma possível composição escrava com a sua origem.
Foi possível realizar brevemente um levantamento de como se organizava a posse e a
estrutura de escravos na região dos Campos Gerais. Mas, mesmo que fosse possível avançar
mais, deve-se compreender o que essa posse de escravos era realmente valiosa para os
homens daquela época. Assim, o próximo capítulo da pesquisa pretende abordar essa relação
entre o inventariado e seus bens, especialmente, escravos.
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
de 0 a 14 anos de 15 a 50 anos acima de 51 anos sem idade definida
Escravos por idade
Escravos por idade
85
CAPÍTULO 3 - DUAS FACES DA MESMA MOEDA
Nesse capítulo pretende-se demonstrar, com base na tese defendida por Ricardo Tadeu
Caires Silva (2010), que houve dois períodos de comércio e valorização dos escravos nos
Campos Gerais. O primeiro momento tem seu início nos tempos coloniais com o valor dos
escravos sendo relativamente baixo. Isso devido à própria oferta dessa mão de obra em Castro
ou em outras regiões consumidoras de braços para o trabalho. Como visto no capítulo 1 desta
pesquisa, Gutierrez (2006) defende que maioria dos escravos dos Campos Gerais era
composta por crioulos, e mesmo assim, a oferta de escravos nas regiões litorâneas conseguiu
baixar o preço dessa mão de obra na região dos Campos Gerais. Depois de 1850, com a Lei
Eusébio de Queiroz, o tráfico de escravo se viu em apuros, sendo praticamente extinto. Logo,
as consequências começam a ser sentidas na região dos Campos Gerais, como o crescente
assédio sobre seus plantéis de escravos, e consequente, a elevação o valor atribuído a eles.
Como já dito anteriormente, pretende-se trabalhar nesta pesquisa basicamente com os
inventários post-mortem encontrados no Museu do Tropeiro em Castro. Tal proposta
contempla o objetivo da pesquisa de reconhecer o papel dos escravos na composição da
riqueza dos homens e mulheres dos Campos Gerais.
3.1 De 1846 a 1854; estabilidade no valor atribuído ao escravo.
O ano que inicia a pesquisa é o de 1846, data que representa o início do recorte
histórico das fontes selecionadas. Mais precisamente o período entre 1846 e 1864, uma vez
que este demonstra que os Campos Gerais estavam ligados diretamente aos acontecimentos
nacionais e internacionais. Por vezes se pensa nas dificuldades de se locomover, levar e trazer
mercadorias e notícias numa época totalmente diferente. Olha-se para o passado buscando
entendê-lo muitas vezes a partir de um olhar pessimista. Outras vezes, se olha para esse
mesmo passado que está logo ao lado, que fez parte de um cotidiano, e não é possível sugar
dele todas as informações necessárias para reconstituí-lo tal como ele foi.
Dentro deste processo metodológico que a pesquisa se propôs a adentrar, buscando
informações adicionais sobre a vida da comunidade escrava e qual o seu papel na economia
desta região que se consolidou como via de integração desde o período colonial até início do
século XX, encontram-se diversas informações que podem auxiliar na compreensão deste
passado. Entre essas informações acha-se a questão do trabalho escravo presente nas mais
86
diversas atividades econômicas da época. A agricultura de subsistência ou de produção de
alimentos, contou com a força do escravo; o comércio também utilizou dessa forma de mão
de obra. Em muitos casos, o escravo trabalhava lado a lado com o seu proprietário. Esse
mesmo escravo é encontrado nas atividades relacionadas ao tropeirismo e à pecuária.
Nota-se que a cria e a doma tinham um papel importante na dinâmica econômica e a
pecuária, e estavam inseridas nesse contexto de exploração econômica voltada ao
abastecimento. Os Campos Gerais eram integrados no contexto desta economia colonial e
posteriormente, mantiveram seu status como via de integração. A dinâmica tropeira
contribuiu para deixar uma rota dentro do sistema econômico da Colônia e do Império.
Porém, com o desenvolvimento da pesquisa se percebe uma evidente influência externa na
economia dos Campos Gerais. O escravo com o passar dos anos, se converte num tipo de
poupança ou rendimento. Vê-se como sua importância no cenário nacional rendeu ganhos e
como incrementou o valor dos inventários post-mortem em determinado período.
Para dar conta de analisar os preços dos escravos, estabeleceu-se conforme explicado
em capítulos anteriores, um perfil médio para comparação, que chamado de indivíduo perfil.
Uma vez que os homens representavam o maior índice no conjunto dos planteis, optou-se por
determinar primeiramente, que esse escravo médio, seria do sexo masculino.
O segundo aspecto se deu em relação à idade do indivíduo. Os escravos da região, em
especial os homens, estavam ligados ao sistema tropeiro, o qual requeria força e habilidade
para a doma. Mesmo que o escravo não precisasse realizar a doma, outras atividades ligadas
ao tropeirismo necessitavam de força física, assim seu melhor potencial se dava entre os 20 e
30 anos. Sabe-se que os homens que lidavam com a doma precisavam de experiência no
serviço, mas mesmo assim se considera, para essa pesquisa, que o escravo atingia seu ápice
produtivo e de força de trabalho entre os 20 e 30 anos. Então se define que a avaliação se
daria sobre a média de escravos do sexo masculino entre 20 e 30 anos.
A naturalidade dos escravos não era algo corriqueiro nos arquivos pesquisados, porém
consideramos que a população escrava dos Campos Gerais era de 70% de crioulos para 30%
africanos (GUTIERREZ, 2006), conforme já foi defendido. Sendo assim, fica evidente que
esse item deve se dar sobre a origem majoritária das escravarias. Os escravos crioulos, sendo
a maioria nos plantéis, compõem o tipo originário mais presente nos inventários post-mortem.
Dessa forma, opta-se por considerar apenas escravos com origem crioula.
Outro item que pouco aparecia nos inventários post-mortem pesquisados referia-se à
profissão dos escravos. Poucos retinham essa observação. Na verdade praticamente não
encontramos escravos com a profissão definida e quando apareciam estavam ligados a outras
87
praças, como Itú ou Campinas, sendo descartados desse perfil. Assim, opta-se por considerar
o escravo que não possuía qualquer tipo de profissão e desconsidera o ramo de trabalho dele,
se era na agricultura, pecuária ou comércio.
Dentro dos inventários post-mortem pesquisados escravo doente ou com idade muito
avança era considerado inútil, logo seu valor era mais baixo. Porém existem as exceções, um
exemplo é o caso do escravo Camilo, preto, 28 anos, foi considerado doentio, mesmo assim
foi avaliado em 200$000 em 1864. Neste ano também a média de escravos com o perfil
selecionado foi de 962$500. Com esses patamares, não seria possível considerar os escravos
doentes, até porque os valores variam muito e apenas os escravos em boas condições se assim
se pode avaliar, é que entraram nessa somatória.
É importante ressaltar que esse tipo de seleção se dá pela grande dificuldade de avaliar
o estado de um plantel e a disparidade na composição deste. Foi necessário buscar um
indivíduo perfil médio presente em quase todos os anos e com amplas condições de avaliação,
a fim de estabelecer um patamar razoável. Apenas fazer a média das escravarias pelos valores
avaliados, poderia comprometer a verificação, pois de ano para ano a composição das
escravarias mudava e os valores atribuídos poderiam interferir no valor médio real que se
pretende aproximar. Mesmo assim utilizaremos essas médias encontradas nas escravarias a
fim de relacionar com as diversas possibilidades da pesquisa. Logo o indivíduo a ser
localizado teve o perfil de acordo com as características descritas acima.
Com base nessa composição de escravos se elaborou uma média de valores atribuídos
aos escravos com o perfil proposto. Esse indivíduo escravo será na pesquisa reconhecido por
indivíduo perfil. Essa média busca diminuir possíveis diferenças de ano para ano e de plantel
para plantel. No entanto, sabe-se que tal medida não elimina possíveis distorções, mas deve
reduzir significativamente as possibilidades de erro de cálculo. Com auxílio das fontes de
pesquisa, os 205 inventários post-mortem e a seleção dentre os 1057 escravos, entre dos
indivíduos que correspondem ao perfil traçado, foi possível elaborar um índice que demonstra
a valorização e desvalorização do preço do escravo ao longo destes 18 anos de pesquisa.
Tabela 7: Valor médio atribuído por indivíduo perfil
Ano 1846 1847 1848 1849 1850 1851 1852 1853
Valor 550$000 604$166 500$000 561$111 587$500 612$500 583$333 778$571
Fonte: Inventários do Museu do Tropeiro em Castro-PR.
88
Observando a tabela 7 notamos um aumento de 228$571 (duzentos e vinte e oito mil e
quinhentos e setenta e um Réis) no preço de um indivíduo perfil. Isso significa quase 41,6% de
aumento no valor médio atribuído nos inventários. Mesmo com algumas altas e baixas para o
período de 1846 a 1853, o valor faz uma curva crescente. Essa mesma curva não se encontra
em outros tipos de produtos para a época. Mas quais produtos utilizar para o período?
Optou-se em obter o preço médio de animais como vacas soltas e mulas mansas.
Dessa forma criou-se uma tabela semelhante a anterior utilizando os preços das vacas soltas e
das mulas mansas encontradas nos inventários.
Tabela 8: Média de valores de vacas soltas e mulas mansas encontradas no rol de inventários
Ano 1846 1847 1848 1849 1850 1851 1852 1853
Vacas 8$333 8$090 8$250 7$500 8$833 6$750 8$000 7$437
Mulas 26$500 25$250 25$400 28$750 21$666 32$000 28$333 39$600
Fonte: Inventários do Museu do Tropeiro em Castro-PR.
Comparativamente o valor das vacas soltas se manteve numa média de 7$900 (sete mil
e novecentos Réis) enquanto o valor atribuído às mulas mansas saiu de um patamar de
26$500 (vinte e seis mil e quinhentos Réis) para 39$600 (trinta e nove mil e seiscentos Réis)
mantendo a curva crescente que os escravos com o perfil estabelecido mostraram. Esse
aumento médio ultrapassa o aumento no valor dos escravos, pois o valor atribuído as mulas
mansas sobem mais 49,4% do valor inicial, enquanto os escravos subiram 41,6%.
É difícil determinar como o valor dos escravos sobe quase 42% e das mulas mansas
quase 50%, enquanto as vacas soltas mantiveram uma média quase sem alteração. O ano de
1853 marca inclusive um preço médio menor do que em 1846. No entanto é possível notar as
curvas que o valor dos escravos e das mulas mansas manteve no período estudado.
Gráfico 4: Evolução do valor do escravo perfil nos inventários entre 1846 e 1853
Fonte: Inventários do Museu do Tropeiro em Castro-PR.
89
No gráfico 4 nota-se a variação do valor atribuído ao escravo perfil representada pela
linha mais escura. Já na linha mais clara tem-se o valor médio atribuído às escravarias,
levando em consideração homens, mulheres, crianças, adultos e idosos, sadios e doentes,
enfim, todos os escravos avaliados com algum valor.
O valor médio é menor que o encontrado nos escravos dentro do nosso perfil
escolhido, mas mantém um padrão que, apesar dos altos e baixos, demonstra uma elevação
entre o valor inicial que era de 384$393 (trezentos e oitenta e quatro mil e trezentos e noventa
e três Réis) para 518$421 (quinhentos e dezoito mil e quatrocentos e vinte um Réis), um
aumento de pouco mais de 34,5%, menor que indivíduo perfil pesquisado.
Já no gráfico 5 nota-se que o valor das vacas soltas e das mulas mansas não
acompanharam um padrão; o valor da mula mansa sobe um patamar de quase 50%. O valor
das vacas soltas se manteve baixo, praticamente não oscilando durante o período,
diferentemente do valor de escravos e de mulas.
Gráfico 5: Valor das vacas soltas e mulas mansas encontradas no rol de inventários entre 1846 e 1853.
Fonte: Inventários do Museu do Tropeiro em Castro, 1846-1864.
Deve-se considerar a média histórica inflacionária que Paulo Roberto de Almeida
(2001) defende em seu livro Formação da diplomacia econômica do Brasil, o qual estabelece
como média 1,2% ao ano de inflação entre 1822 e 1913. Porém, em 1963, constata-se em uma
das avaliações, uma dívida do finado Balduíno José Duarte que rendia 1,5% ao mês. O
dinheiro emprestado era justamente para a formação de tropa nos campos do Sul e posterior
pagamento. Pode-se considerar esse índice elevado, o qual parece injusto, mas acertado entre
financiador e devedor, e usado para a agiotagem. Tal valor contabiliza 18% ao ano, taxa
muito alta, mesmo com a posterior elevação do preço do escravo. No entanto, esse patamar
90
está acima da inflação, e a valorização entre 1846 e 1853 já demonstra que os fatores que
levaram ao fim do tráfico de escravos estavam atuando sobre as escravarias do interior do
Brasil, e em áreas que o café e a cana-de-açúcar não tinham uma ligação direta.
Ao utilizar a tabela de conversão elaborada por Katia de Queirós Mattoso, em sua obra
Ser escravo no Brasil, de 1982, nota-se que o valor em libras de uma vaca solta em 1846
perfazia 0,93 Libras, sendo que em 1853 o mesmo valor representava 0,99 Libras. Porém o
valor real das vacas soltas havia reduzido para apenas 0,88 Libras. O preço das mulas fez um
caminho diferente, pois em 1846 era de 2,97 Libras enquanto que em 1853 sobe para 4,70
Libras. Tal valor em Libras representa um aumento de mais de 58%. Entretanto o valor do
escravo perfil não atinge 50% de aumento a mais do valor em Libras. Assim, é possível dizer
que mesmo com um aumento menor, preço do escravo manteve-se próximo ao aumento do
valor atribuído aos das mulas mansas.
O perfil de produção encontrada na região dos Campos Gerais está voltado para o
fornecimento de mulas e gado para outras regiões produtoras, em especial de açúcar, café e de
minérios. Porém, também existiam produtores de açúcar e aguardente nos Campos Gerais, o
que demonstra que a região, além de estar diretamente relacionada ao comércio integrado a
dinâmica tropeira, também estava ligada intimamente com a produção de bens exportados,
tais como o açúcar.
É importante ressaltar que durante a pesquisa, deparou-se com engenhos de açúcar e
de aguardente nos Campos Gerais. Um exemplo disso é a contenda ocorrida em 1848 entre o
Capataz de Joaquim Carneiro do Amaral, Izaias José da Silva, o qual foi agredido “sem
motivo” pelo foro Adão, ex-escravo do Capitão-Mor José Carneiro Lobo. Fazendo sua queixa
ao escrivão da Vila de Castro, relata que “[...] chegava no engenho do finado Cap. Mor as três
horas da tarde mais ou menos, picou o cavalo em que andava e gritou ao suplicante que ali se
pegavam mas e desta sorte arremessou-se para o suplicante e já com duas armas de fogo
engatilhadas [...]” 12
. Pois se “chegava ao engenho” é evidente que a produção de aguardente e
açúcar relacionada no relatório do Presidente da Província em 1854 13
, possuía produtores na
região dos Campos Gerais.
Também em 1848, no inventário post-mortem do senhor José Joaquim de Andrade e
Silva está relacionado um Engenho no local denominado Taboão. Outro engenho que aparece
12
Auto de infração encontrado junto aos inventários post-mortem do ano de 1848 no Museu do
Tropeiro em Castro – PR. 13
Relatório do presidente da província do Paraná, o conselheiro Zacarias de Góes e Vasconcellos, na
abertura da assembleia Legislativa Provincial em 15 de julho de 1854. Curityba, Typ. Paranaense de
Candido Martins Lopes, 1854. p. 73 disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/614/
91
nos inventários era de propriedade do senhor Francisco Antonio de Oliveira, em 1850,
conforme a avaliação, seu engenho estava deteriorado e valia 120$000 (cento e vinte mil
Réis). Mesmo o engenho considerado deteriorado e o seu proprietário possuidor de outras
ferramentas, em especial ferramentas de carpinteiro, havia ainda tachos e panelões
relacionados à produção de açúcar. Morador da vila de Castro, seu Francisco demonstra,
mesmo morto, que se produzia açúcar na região dos Campos Gerais. Em 1864 encontra-se o
engenho de José Joaquim Marques de Souza proprietário de 33 escravos, quase todos com
perfeitas condições de trabalho. A escravaria demonstra que o trabalho no engenho
requisitava de braços, e para a região dos Campos Gerais, a quantidade estava acima da média
de todos os anos, como já foi visto anteriormente. Mesmo com esses apontamentos, os
engenhos eram uma espécie de economia secundária, a qual estava ligada ao sistema
econômico, mas que não fazia parte determinante desta economia. Desta maneira, o valor
comercial do escravo, ou o valor atribuído ao indivíduo perfil nos Campos Gerais, não estava
diretamente ligado à produção de cana ou a qualquer outro produto. Estava sim ligada à
dinâmica escravista que o país se encontrava, com o eminente fim do tráfico e a recolocação
da mão de obra cativa dentro de um remodelado mundo do trabalho.
Essa nova dinâmica ficou evidente a partir de 1856, abordagem que será realizada
adiante. Avaliando o quadro inflacionário e as vendas do período, percebe-se um aumento em
torno de mais de 25% acima, do valor atribuído. Em grande parte destes inventários se
percebe a presença dos escravos.
A participação do escravo na composição da riqueza entre 1846 e 1853 é significativa,
mas contribui com valor cada vez menor conforme aumenta o monte-mor do inventariado.
Resultado que aparece em vários inventários do período pesquisado. Em 1847 descobre-se o
inventário de Thereza Antonia de Jesus, possuidora de três escravas entre 16 e 40 anos, as
quais representavam 1:400$000 (um conto e quatrocentos mil Réis), dentro de um monte-mor
de 8:400$000 (oito contos e quatrocentos mil Réis). O valor dos escravos perfaz 16,66% do
total de riqueza que a inventariada possuía. O valor correspondente aos escravos, neste caso,
representa um valor pequeno no montante total, algo que em virtude de uma abolição naquele
momento perderia poucos recursos. Ainda em 1847 a pesquisa se depara com outro inventário
com somas interessantes. O inventariado foi Carlos José de Oliveira, dono de uma fortuna no
valor de 5:656$740 (cinco contos, seiscentos e cinquenta e seis mil e setecentos e quarenta
Réis), possuidor de quatorze escravos e com a avaliação que permite determinar que seus
investimentos se davam dentro do sistema tropeiro. Não possuía ferramentas para a
agricultura, mas possuía boa quantidade de cavalares e gado vacum, além de possuir tralhas
92
para montagem de tropa. Bens de raiz eram poucos, na verdade aparece apenas um bem de
raiz, uma casa de morada localizada na freguesia de Ponta Grossa. Neste monte-mor, os
escravos representavam 64,71% de toda a riqueza acumulada, percentual que aumenta quando
o monte-mor é menor. Entre os inventários com monte-mor inferior a cinco contos de Réis e
que possuem escravos a participação destes no total da riqueza é cada vez mais alto. O
escravo aparece como uma poupança de reserva que pode ser vendida ou usada em momentos
de crise ou de dificuldade financeira.
Um inventário que aponta bem essa relação e que possuía grande monta com alto valor
da avaliação foi o de Dona Maria Ferreira do Sacramento. Possuidora de parte da Fazenda
Pitangui, e com mais de 690 cabeças de muares (mulas, burros e cavalos), 1450 cabeças de
gado, (vacas, bois e bezerros) e 72 ovelhas, possuía 14 escravos. Seu monte-mor foi de
81:613$525 (um conto, seiscentos e treze mil e quinhentos e vinte e cinco Réis). Seus
escravos foram avaliados em 8:180$000 (oito contos, cento e oitenta mil Réis), e
representavam apenas 10,02% do total dos bens. Mesmo assim, é neste inventário que se
localiza o maior valor atribuído aos escravos em média. Dona Maria possuía uma escrava, a
Balbina, a qual foi avaliada em 850$000 (oitocentos e cinquenta mil Réis). Comparando com
o Senhor Carlos José de Oliveira que teve avaliada com o valor maior a escrava Mariana, de
16 anos, com um valor atribuído de apenas 520$000 (quinhentos e vinte mil Réis). Mesmo
comparando os valores das duas escravarias, a de Carlos com valor de 3:660$000 (três contos
e seiscentos e seiscentos mil Réis) com o da Dona Maria Ferreira, 8:180$000 (oito contos,
cento e oitenta mil Réis), nota-se que a importância no total da riqueza, os escravos tem uma
importância muito maior no monte-mor menor.
Até o momento foi analisado dois montantes de pouco mais de 5 contos e de outro
com pouco mais de 81 contos. O da Dona Thereza, superou 8 contos de Réis de monte-mor e
teve índice baixo de participação dos escravos no montante final. Já Bento da Rocha Ribeiro
possuía um monte-mor de 10:746$040 (dez contos, setecentos e quarenta e seis mil e quarenta
Réis) e os escravos tiveram a participação de 2:720$000 (dois contos e setecentos e vinte mil
Réis), esse valor representa 25,31% do montante geral. Bento da Rocha era tropeiro, pelo que
consta nos autos da partilha, e faleceu em direção a São Paulo, possuía tropa formada, mas
entre seus diversos bens, encontravam-se áreas de cultivo de roças. Os seus cinco escravos
estavam diretamente ligados ao cultivo das referidas roças e na formação da tropa. Seus
animais representavam pouco mais de um conto e duzentos mil Réis. Menos da metade do
valor atribuído aos escravos. Essa evidência permite considerar que esses mesmos escravos
representavam força de trabalho e auxiliavam no aumento da riqueza do seu dono. Já Dona
93
Ana Bandeira de Almeida, também inventariada em 1847, teve o valor do monte-mor em
29:465$000 (vinte e nove contos e quatrocentos e sessenta e cinco mil Réis) e os seus vinte e
dois escravos foram avaliados em 10:614$000 (dez contos e seiscentos e quatorze mil Réis).
Esse valor perfaz 36,02% do total dos bens da Dona Ana Bandeira, e as suas atividades
estavam voltadas para a pecuária e a agricultura. Seus bens de raiz perfaziam 42,08%, então
se considera que boa parte dos escravos, servia como reserva econômica, mas, com um
monte-mor de tal monta e com boa quantidade de prata no inventário post-mortem, sugere que
a proprietária não tinha dificuldades financeiras.
Ao analisar os inventários com monte-mor menor, percebe-se que os escravos ganham
cada vez mais importância econômica. Ignácio Ferreira Roberto foi inventariado em 1847 e
possuía bens no valor total de 1:812$360 (um conto, oitocentos e doze mil e trezentos e
sessenta Réis), e seus dois escravos, João e Mateus, com 50 e 55 anos respectivamente,
representaram 550$000 (quinhentos e cinquenta mil Réis), 30,35% do valor total dos seus
bens. Porém, ainda em 1847, aparece um inventário interessante, o de Dona Maria da
Encarnação. Esta possuía 2:690$000 (dois contos e seiscentos e noventa mil Réis) e seus seis
escravos representavam 83,27% do total dos seus bens. Dentre os escravos havia Francisco,
de 80 anos, e Salvador, de apenas três anos. A própria formação dessa escravaria é muito
curiosa, havia três crianças, Salvador, de três anos, José, de cinco anos, Anastácia, de oito
anos, depois vinham Efigenia, de 25 anos, Ana, de 45 anos e o Francisco, de 80 anos. Pela
formação do plantel, Efigenia e Ana eram responsáveis pela maioria dos serviços, Francisco,
mesmo avaliado em 40$000 (quarenta mil Réis), poderia ajudá-las, mas não era, certamente,
um trabalhador que conseguia manter os serviços em dia.
Apesar do ano de 1847 fornecer tantas informações que levam a acreditar na
importância do escravo, em outros anos, se evidencia esta mesma configuração. Em 1848 a
pesquisa encontrou um inventário post-mortem com o valor total de 4:050$000 (quatro contos
e cinquenta mil Réis), sendo que os escravos representavam 85,18% do total, seu valor
atribuído era de 3:450$000 (três contos e quatrocentos e cinquenta mil Réis). O restante dos
bens era referente a uma parte de campo e um paiol velho com ferramentas. O inventariado
era o senhor Manoel José de Sant’ana. Apesar dos campos e do paiol, fica difícil determinar
em qual tipo de trabalho Manoel estava envolvido. Mesmo sem nenhuma cabeça de gado ou
de muares e pela descrição de “campos”, suponha-se que ele estivesse ligado à atividade
tropeira e que os seus sete escravos, sendo três crianças, seriam uma forma de poupança e até
de ganho extra com algum tipo de aluguel. Ainda em 1848 foi encontrado outro inventário
com menos de cinco contos de Réis e que havia grande quantidade de escravos. Sua
94
proprietária era Dona Felizarda de Mello Rego, que possuía sete escravos, três com 50 anos
ou mais e quatro com menos de dezesseis anos. Um plantel muito diferente no que diz
respeito à idade. Já no percentual do valor total os escravos representavam quase a metade dos
bens da finada, perfaziam 48,98% dos 3:876$320 (três contos, oitocentos e setenta e seis mil e
trezentos e vinte Réis). Uma boa quantia de dinheiro convertida em escravos, porém, a
atividade voltada à pecuária e à agricultura necessitava tanto de mão de obra escrava quanto
livre; o escravo Pedro de 16 anos era o mais bem avaliado do plantel, os demais eram duas
escravas com mais de 50 anos e um escravo, João, também com mais de 50 anos, o restante
eram crianças. Também em 1848, o finado Antonio Ribeiro dos Santos teve seus bens
inventariados e dentro desta avaliação, aparece um escravo de nome José, avaliado em
400$000 (quatrocentos mil Réis). O monte-mor era um dos mais baixos que foi encontrado,
apenas 1:202$800 (um conto, duzentos e dois mil e oitocentos Réis). O escravo deste tropeiro,
(pois o restante dos bens indica que essa era a sua atividade econômica) representava 33,27%
de toda a riqueza acumulada. Valor médio num monte-mor baixo como este.
Já dona Brigida Maria de Oliveira, inventariada em 1849 também era possuidora de
uma única escrava, Rita, de 32 anos, avaliada em 550$000 (quinhentos e cinquenta mil Réis).
Seus onze herdeiros dividiram a quantia de 2:053$060 (dois contos, cinquenta e três mil e
sessenta Réis). Neste caso a escrava Rita representava pouca coisa, 26,79% do total da
herança. No entanto, o inventariante de dona Brigida era seu filho Lucidório Rodrigues de
Almeida, o que indica que este inventário já era uma pequena parte de outro inventário, o do
esposo de dona Brigida. A inventariada possuía como filho mais novo José Rodrigues de
Almeida, de 13 anos, e supõe-se que seu finado esposo tenha falecido de 1836 em diante. No
entanto, buscando em outros inventários não foi possível encontrar algum que ligue dona
Brigida a alguém. Porém, como foi alertado nos capítulos anteriores, esse tipo de abordagem
merece cuidados especiais, pois algumas informações acabam incompletas, caso ocorrido
aqui. Pode-se encontrar alguma ligação nos livros de batismo dos filhos, ou nos livros de
casamento, ou ainda de óbitos da Paróquia de Castro. Porém, não foi possível visitá-los em
tempo hábil para a pesquisa, então o caso apresentado é em partes, inclusivo, e fazem parte
das dificuldades encontradas pelo historiador em relação as suas fontes.
Em 1851, a finada Marquesa Maria Ferreira teve os seus bens inventariados e dentro
desta avaliação foi localizada uma escrava, Joaquina, com 16 anos, Antonio, africano de 30
anos e Antonio, 1 ano. O valor destes três escravos totalizou 1:450$000 (um conto,
quatrocentos e cinquenta mil Réis), sendo que o total do inventário foi 2:745$880 (dois
contos, setecentos e quarenta e cinco mil e oitocentos e oitenta Réis). Os escravos
95
representavam 52,82% da riqueza acumulada pela Marquesa. Deve-se lembrar de que esse
tipo de estrutura nos inventários, com valores abaixo de cinco contos de Réis e com escravos,
são a tônica das avaliações. Maria Marques da Silva inventariada em 1852 possuía três
escravos, sendo duas crianças e uma escrava com 40 anos. Seu monte-mor foi avaliado em
2:069$410 (dois contos, sessenta e nove mil e quatrocentos Réis), seus três escravos foram
avaliados em 1:100$000 (um conto e cem mil Réis). O percentual destes escravos representa
53,16% de sua riqueza. Também um valor alto (acima de 50% do inventário post-mortem), o
que indica uma reserva econômica convertida em escravos.
Fechando o período de 1846 a 1853 foi localizado outro inventário post-mortem com
os valores semelhantes. O finado Manoel Pereira de Souza teve os seus bens inventariados e
neles foi encontrado três escravos avaliados em 1:500$000 (um conto e quinhentos mil Réis).
Duas escravas, uma de 48 anos avaliada em 400$000 (quatrocentos mil Réis) e outra com 29
anos, avaliada em 600$000 (seiscentos mil Réis), o único escravo do sexo masculino, Pedro,
com 33 anos, foi avaliado em 500$000 (quinhentos mil Réis). Independente dos valores
individuais, o valor total dos escravos representava 69,47% do total da riqueza do inventário.
Novamente foi encontrada essa estrutura de posse, com os escravos assumindo grande
participação no montante geral dos bens.
Ainda em 1853 o finado Francisco Saraiva teve seus bens inventariados e os escravos
totalizaram 1:120$000 (um conto e cento e vinte mil Réis) sendo que o monte-mor foi de
1:224$020 (um conto, duzentos e vinte e quatro mil e vinte Réis). Assim os escravos de
Francisco Saraiva representavam 91,5% da fortuna acumulada pelo agricultor. O valor
percentual dos escravos era alto. Esse inventário foi superado apenas pelo do finado Bento
Lopes de Almeida, que possuía três escravos que foram avaliados em 1:750$000 (um conto e
setecentos e cinquenta mil Réis) o valor em si não é muito, apesar de ser elevado se for
considerado o perfil do escravo construído no início deste capítulo. Porém, a totalidade de
bens do finado Bento foi avaliada em 1:778$270 (um conto, setecentos e setenta e oito mil e
duzentos e setenta Réis), assim os escravos representam 98,42% da riqueza acumulada por
Bento. Outros inventários aparecem constantemente girando na soma de seis contos de Réis e
com uma média de quatro contos de Réis, isso representa de 60% a 70% do valor total do
inventário.
Esse ciclo de acumulação financeira através dos escravos continua no segundo período
da pesquisa, porém, nesse segundo momento se vê uma elevação de mais de 300% no valor
atribuído aos escravos perfil. Dentre 1846 e 1853 foram encontradas variações de preços,
como já apontamos anteriormente, o fim desse período aponta para uma elevação do valor
96
atribuído aos escravos, tanto na média das escravarias, quanto no valor médio do escravo
perfil. Os anos de 1854 e 1855 representam uma brecha na avaliação desse indivíduo perfil,
pois em 1854 apenas um escravo é identificado para fazer a média dentro desse esquema. No
entanto, a média das escravarias mantém o patamar, altas e baixas, chegando a ter a maior
média no ano de 1857 com 1:210$000 (um conto e duzentos e dez mil Réis). Porém, a maior
média de valor atribuído ao indivíduo perfil aparece em 1860 com 1:757$142 (um conto,
setecentos e cinquenta e sete mil e cento e quarenta e dois Réis).
Adiante, no gráfico 8, é possível visualizar o desenvolvimento do valor atribuído aos
escravos e analisar a tendência de alta que se inicia em 1853 e termina em 1860. A partir de
1860 o valor começa a diminuir, baixando a patamares vistos em anos anteriores, perdendo
até 40% do seu valor em quatro anos.
Para avaliar os bens de um inventário post-mortem, em geral, eram designados pela
Justiça, dois avaliadores. Mas entre os inventários pesquisados de 1846 a 1853, não foi
encontrada nenhuma dupla de avaliadores, que se repetia de um processo para outro, mesmo
entre os anos. Houve repetição de avaliadores, mas com outro companheiro de avaliação.
Portanto, constata-se que a avaliação ou as avaliações eram realizadas a partir de diferentes
olhares e interpretações. Essa questão poderia se desmembrar em outra pesquisa, uma vez que
se reconhece a importância que essas figuras representavam no contexto geral dos inventários
post-mortem, uma vez que eram esses cidadãos avaliadores que atribuíam os valores aos bens
inventariados.
Como apontado anteriormente, o valor atribuído ao escravo perfil teve ondas de
aumento e retrocesso quanto ao seu preço. Esse comportamento acontece justamente num
período de chegada de escravos, vindos através do tráfico africano. Entre 1845 e 1850
desembarcavam no Brasil mais de 50 mil cativos por ano (COSTA, 1998), e justamente nessa
época um descontrole no valor do escravo é percebido, entre altas e baixas, o valor se mantem
numa média próxima dos 550$000 (quinhentos e cinqüenta mil Réis).
Porém, por volta de 1855 o tráfico estava definitivamente extinto em território
brasileiro (SILVA, 2010). E é a partir deste período que se vê a elevação vertiginosa dos
valores dos escravos. Em 1856 o escravo perfil é encontrado por um valor médio de
1:000$000 (um conto de Réis), preço que representa um crescimento de quase 90% em seu
valor atribuído. Assim percebe-se o aumento no valor do escravo encontrado nos inventários
post-mortem dos Campos Gerais.
97
3.2 De 1853 a 1864: alta vertiginosa e decadência.
O segundo período da pesquisa se inicia em 1853 com a elevação dos valores
atribuídos aos escravos. Como foi dividido o período entre 1846 a 1852, opta-se por utilizar o
primeiro ano do próximo período para conseguir desenvolver a pesquisa de maneira clara e
objetiva, lembrando que a avaliação do preço atribuído ao escravo segue o modelo do
indivíduo perfil, descrita no início deste capítulo. Para melhor entender o processo que se
desenvolveu no período, foi elaborado um gráfico evolutivo com o preço do escravo perfil e a
média das escravarias.
Gráfico 6: Evolução do valor do escravo perfil nos inventários post-mortem entre 1846 a 1864.
Fonte: Inventários do Museu do Tropeiro em Castro, 1846-1864.
Percebe-se que o valor em 1854 representou o menor valor atribuído aos escravos
perfil nos inventários post-mortem, e a partir daí manteve uma evolução crescente até 1860
quando a média do escravo perfil chegou a 1:757$142 (um conto setecentos e cinquenta e sete
mil, cento e quarenta e dois Réis), sendo que alguns escravos chegaram ao preço individual de
2:100$000 (dois contos e cem mil Réis). Deve-se destacar que foi encontrada a mesma
dinâmica de baixos valores de monte-mor tendo alta participação de escravos na sua
composição, isso ocorre frequentemente até pelo menos o ano de 1859.
98
Comparativamente com os valores das vacas soltas e das mulas mansas podemos notar
abaixo, no gráfico 7, a evolução de todos os anos encontrados e como se portou a média
desses animais em relação a dos escravos.
Gráfico 7: Evolução do valor das vacas soltas e as mulas mansas nos inventários entre 1846 e 1864
em mim Réis.
Fonte: Inventários do Museu do Tropeiro em Castro, 1846-1864.
Comparativamente se buscou encontrar animais em todos os anos, porém, não foi
possível verificar mulas mansas nos anos de 1862, 1863 e 1864. Dessa forma se manteve a
queda em relação às mulas soltas, algo que também acontece com vacas soltas e outros
animais. Logo, em 1853 ocorre um aumento no valor dos escravos. Neste ano o valor médio
do escravo perfil chega perto de 800$000 (oitocentos mil Réis), e a partir deste ano, mesmo
obtendo uma alta no valor médio, as escravarias dos Campos Gerais oscilam para cima e para
baixo de maneira vertiginosa.
Um exemplo claro desta oscilação aparece nos anos de 1856 e 1857. No primeiro ano
o valor médio das escravarias é de 662$956 (seiscentos e sessenta e dois mil, novecentos e
cinquenta e seis Réis), já no ano seguinte, em 1857, o valor médio alcança 1:210$000 (um
conto e duzentos e dez mil Réis), o maior valor médio de todo o período estudado. O valor
médio das escravarias de modo geral, quase dobra de valor, enquanto o valor médio atribuído
99
ao escravo perfil aumenta cerca de 50%, iniciando uma alta constante até 1860, ano em que
encontramos a maior média de valor atribuído ao escravo perfil.
Mas como se comportou a avaliação de ano a ano?
Em 1854 o primeiro inventário localizado possuindo escravos é de Dona Theodora
Carneira, possuidora de oito escravos avaliados em 5:900$000 (cinco contos e novecentos mil
Réis), teve seu bens avaliados em 16:107$500 (dezesseis contos, cento e sete mil e quinhentos
Réis). Neste caso, com valor de mais de dezesseis contos, a porcentagem que cabe aos
escravos é de 36,63%, ainda assim, o valor supera 1/3 (um terço) do valor total. Dessa forma,
compreende-se que os escravos cada vez mais ganham valor nos inventários e na participação
dentro deste. Inventários com escravos, com valores menores de cinco contos de Réis, são
cada vez mais escassos. Mesmo num inventário pequeno, como o de Antonio Teixeira da
Silva, que em 1854 foi inventariado e possuía apenas um escravo, este representou mais de
70%, índice diferente ao de Dona Theodora Carneira, não só em valores do monte-mor, como
a representação do escravo dentro do inventário. O inventário de Dona Maria Carolina
Carneira, que também teve sua avaliação realizada em 1854, aponta para um monte-mor de
14:410$000 (quatorze contos e quatrocentos e dez mil Réis) e a participação dos escravos
soma 9:600$000 (nove contos e seiscentos mil Réis), perfazendo um total de 66,62% dos
bens. A partir deste inventário é encontrado esse perfil de reservas econômicas em escravos,
com uma participação cada vez maior nos inventários seguintes. Ao analisar alguns
inventários post-mortem mostrando o comportamento de cada um dos inventariados
escolhidos isso fica cada vez mais evidente.
Ainda em 1854, foi localizado o inventário do finado Bento Manuel de Oliveira Lima,
pequeno criador de vacas e cavalos, e agricultor, possuidor de alguns escravos avaliados em
3:250$000 (três contos e duzentos e cinquenta mil Réis) que contribuíam com 58,68% dos
5:538$300 (cinco contos, quinhentos e trinta e oito mil e trezentos Réis). Outro inventário que
foi encontrado em 1854 com escravos é de João José Palhano, possuidor de grande quantia de
gado, cavalos e muares, e também de razoável quantia de terras entre campos e roças. Entre
seus bens aparecem apenas três escravas avaliadas em 1:200$000 (um conto e duzentos mil
Réis). Neste caso e pela própria composição do inventário com grande variedade de bens as
escravas têm pequena participação, pois representam apenas 17,72% do monte-mor do finado
que possuía bens avaliados em 6:772$960 (seis contos, setecentos e setenta e dois mil e
novecentos e sessenta mil Réis). Já o finado Francisco Ferreira de Almeida teve seus bens
inventariados, também no ano de 1854, e surpreendentemente, na lista de avaliação de bens
não aparecem panelas, pratos, botas, facas, arreios, cabeças de gado ou mulas, e sim apenas
100
quatro escravos avaliados em 3:000$000 (três contos de Réis) que era tudo que o finado
Francisco havia deixado. Um inventário peculiar, pois em geral eram arrolados todos os bens
do falecido, desde roupas, até terras. Neste caso, não foi possível sequer estabelecer a
atividade econômica do inventariado.
Ainda em 1854 o inventário de Melchior Ribeiro Lima, falecido em 26 de junho de
1854, tinha um monte-mor avaliado em 5:760$000 (cinco contos e setecentos e sessenta mil
Réis). No entanto, junto do processo de partilha, aparece um testamento onde cinco dos seus
sete escravos já tem seu destino definido, e são avaliados por um valor muito baixo, apenas
390$000 (trezentos e noventa mil Réis), uma média de 78$000 (setenta e oito mil Réis) cada
um. Enquanto outras duas escravas “uma escrava crioula de nome Geralda com 40 anos
avaliada em 500$000 e uma crioulinha, filha da mesma de nome Lina avaliada em 300$000”
totalizam 800$000 (oitocentos mil Réis). Essa diferença nos valores pode ter ocorrido pela
destinação já dada anteriormente aos outros escravos e que, em conluio com os avaliadores,
reduziram o valor a fim de burlar o fisco. Esses arranjos poderiam ocorrer, dependendo muito
da relação dos herdeiros com os avaliadores. Neste caso, o nome dos avaliadores não aparece
no processo de partilha, mais um indício de fraude.
É importante lembrar que o ano de 1854 aparece com o índice de valor médio
atribuído ao escravo perfil de 500$000 (quinhentos mil Réis), e no ano de 1856 a média sobe
para 1:000$000 (um conto de Réis) praticamente dobrando de valor, num período de dois
anos. O ano de 1856 marca o início do período em que o escravo perfil fica acima de
1:000$000 (um conto de Réis), algo que perdura até 1863, quando o valor médio atribuído
volta a ser inferior a 1:000$000 (um conto de Réis). Pode-se ver agora o comportamento de
alguns proprietários de escravos e como isso refletiu nas avaliações dos processos de partilha.
O primeiro processo contendo escravos que foi encontrado em 1855 é de Dona Maria
Soares de Oliveira, ela possuía nove escravos, sendo quatro menores de 12 anos e cinco
adultos. Todos foram avaliados em 5:950$000 (cinco contos e novecentos e cinquenta mil
Réis), e seu monte-mor era de 6:059$000 (seis contos e cinquenta e nove mil Réis). Neste
caso, os escravos representam nada mais, nada menos que 98,2% dos seus bens. Em seu
testamento, Dona Maria diz ser possuidora de doze escravos, porém, três deles estão com a
sua filha Angélica, a qual, por desavenças, Dona Maria deserdou, requisitando de volta seus
três escravos anteriormente doados. No entanto, o processo corria na justiça, e ela ainda não
tinha a posse dos mesmos. Nos casos de Raquel Maria de Jesus e de Joaquim Barbosa da
Silva, ambos inventariados em 1855, o que chama a atenção é o perfil de seus escravos. Dona
Raquel possuía dois escravos, Ignácio e Teodoro, um com onze e outro com seis anos,
101
crianças ainda e nenhum outro escravo. Joaquim também possuía uma escrava, Benedita, sete
anos. Três escravos com idade nova, sem qualquer outro escravo no plantel. Seria um
investimento para o futuro?
José da Luz de Siqueira, falecido que teve seu inventário realizado em 1855, possuía
seis escravos que totalizaram 4:150$000 (quatro contos e cento e cinquenta mil Réis), valor
pequeno para esse fazendeiro que possuía grande quantia de terras e de gado, que elevaram
seu monte-mor ao valor de 14:706$460 (quatorze contos, setecentos e seis mil e quatrocentos
e sessenta Réis). A média encontrada nos inventários neste período tinha um grande valor de
escravos, e isso representava importantes peças na engrenagem econômica e de reserva de
capitais. Uma abolição neste período representava enormes perdas para uma sociedade não
muito rica, e que tinha boa parte de seus bens convertidos em escravos.
O ano de 1856 é marcado por ser o primeiro em que o valor atribuído aos escravos nos
inventários post-mortem supera o valor de um conto de Réis. Depois deste ano, até o fim de
do recorte temporal da pesquisa (1864), o valor mesmo baixando consideravelmente em
relação ao ano de maior valor (1860), o final do período não se afasta muito abaixo de
1:000$000 (um conto de Réis). Portanto, 1856 representa o aumento de quase 100% dos
valores de escravos para o período de 10 anos. O valor dos escravos representa uma
importante fonte de lucros durante o período. Neste ano é possível verificar vários inventários
post-mortem com escravos. A participação em porcentagem no monte-mor também se eleva e
a propriedade de escravos representa grande acúmulo de riqueza.
Em 1856 aparece o inventário com o maior monte-mor 14
de propriedade da finada
Mariana Ferreira do Sacramento, a qual possuía 41:295$500 (quarenta e um contos, duzentos
e noventa e cinco mil e quinhentos Réis). Mesmo com tal montante, seus 15 escravos
representavam 27,36% do total de sua riqueza. Apesar deste volume, o percentual de
participação dos escravos no montante final não é o menor valor encontrado. A finada
Placidina Barbosa de Sá possuía apenas um escravo velho que foi avaliado em 650$000
(seiscentos e cinquenta mil Réis), valor que representou apenas 4,6% de seus bens avaliados
em 14:103$600 (quatorze contos, cento e três mil e seiscentos Réis). Outro valor com
percentual abaixo deste foi encontrado no inventário post-mortem de Dona Iria Estelita da
Piedade, possuidora de cinco escravos que representaram apenas 20,19% dos bens da finada
que foram avaliados em 18:077$720 (dezoito contos, setenta e sete mil e setecentos e vinte
Réis). Percentuais maiores são encontrados em monte-mor menores. Em 1856 foram
14
Excluindo-se o inventário de Ana Luiza, de 1857 que é o maior de toda a pesquisa.
102
encontrados os maiores percentuais justamente nos menores monte-mor de inventários com
escravos, esse resultado aparece na partilha de bens do senhor João dos Santos Martins, o qual
possuía um escravo de 15 anos avaliado em 700$000 (setecentos mil Réis) que perfazia
64,87% do monte-mor avaliado em 1:079$800 (um conto, setenta e nove mil e oitocentos
Réis). No inventário de Antonio Jardim que teve um monte-mor avaliado em 1:568$512 (um
conto, quinhentos e sessenta e oito mil, quinhentos e doze Réis), sua única escrava, Efigenia,
representava 81,25% de sua herança a ser partilhada.
Na média geral dos inventários post-mortem com escravos para o ano de 1856 aparece
com 38,5% da riqueza representada por escravos, superando a média constatada entre 1846 e
1855 que girava em torno de 30% da riqueza acumulada. Esse dado demonstra a influência do
valor atribuído ao escravo no montante geral da riqueza. Também é necessário destacar que
dentre os inventários que não possuíam escravos no ano de 1856, nenhum deles superou a
cifra de dois contos de Réis. Valor baixo se for considerado que dos onze inventários
possuidores de escravos encontrados para o período, apenas o do finado João dos Santos
Martins e o de Antonio Jardim não alcançaram esse valor. Dos nove restantes, um foi inferior
a cinco contos de Réis, três tinham somas entre cinco e dez contos de Réis e os outros cinco
superaram a quantia de dez contos de Réis. Isso demonstra que as grandes fortunas também
tinham grande participação de escravos em sua formatação. E assim o elemento escravo
ganha importância no acúmulo de riqueza para a sociedade dos Campos Gerais.
Em 1857 o valor atribuído aos escravos continua subindo. O valor do escravo perfil
tem uma média de 1:500$000 (um conto e quinhentos mil Réis), valor que representa mais de
172.6% do que o registrado em 1846. O escravo, com a elevação do seu valor, tende a
aumentar sua participação no montante de riquezas da época. No ano de 1857 foram
encontrados nove inventários post-mortem com escravos, e o valor percentual mais baixo de
representação dos escravos na formação da fortuna foi de 10,16% encontrado na partilha de
Dona Manuela Ferreira do Sacramento.
Porém, aqui aparece um reforço à tese de que os grandes montantes possuem menor
participação de escravos na sua composição. Dona Manuela teve seus bens inventariados no
valor de 61:465$510 (sessenta e um contos, quatrocentos e sessenta e cinco mil e quinhentos e
dez Réis). Para o ano, perdeu apenas para Dona Ana Luiza da Silva, maior proprietária de
escravos, com um plantel de 139 escravos e seu monte-mor foi avaliado em 868:263$335
(oitocentos e sessenta e oito contos, duzentos e sessenta e três mil, trezentos e trinta e cinco
Réis), e seus 139 escravos avaliados em mais de 140:000$000 (cento e quarenta contos de
Réis). Mesmo assim, sua escravaria representava mais de 16% de toda sua riqueza, e Ana
103
Luiza era considerada a mais rica mulher dos Campos Gerais para a época (LOPES, 2004).
Comparativamente, Dona Manuela dispunha de um percentual menor de escravos na
composição de sua riqueza em relação à Dona Ana Luiza. O percentual maior apresentado
pela Dona Ana Luiza poderia aparecer pelo grande número de fazendas, casas e sítios que
eram de propriedade da mesma. A colocação e distribuição dos escravos estavam ligadas à
fazenda e ao sítio pertencente à Ana Luiza. E cada um desses locais tinha sua própria
atividade econômica, ora a pecuária, ora a agricultura, e conforme sua utilização, a
distribuição de mão de obra escrava era distribuída.
Dentre os demais inventários é notória a participação dos escravos na composição da
riqueza. Els chegam a representar 43,93% de toda a riqueza avaliada nos inventários post-
mortem deste ano. A maior taxa percentual é de Ana Esméria de Carvalho Neves cujos todos
os bens são convertidos em escravos. Logo abaixo dela aparece o inventário do finado
Eusébio Felix da Silva com 60% de participação de escravos no montante final dos bens. Este
também é o menor montante partível dentre os inventários possuidores de escravos,
2:497$000 (dois contos, quatrocentos e noventa e sete mil Réis). Valor comparativamente
baixo se for analisado com o maior monte-mor, porém ele é um conto de Réis maior que o
valor mais alto dos inventários sem escravos. Isso permite deduzir que a média por escravo na
época era de aproximadamente um conto de Réis, valor que é reconhecido quando é realizada
a média de escravos para o período, 1:210$000 (um conto, duzentos e dez mil Réis). Lembra-
se que o perfil de escravos delimitado no início do capítulo é de 1:500$000 (um conto e
quinhentos mil Réis). Dos dez inventários encontrados nesse ano de 1857, dois deles não
possuíam monte-mor, portanto, não foi possível determinar a participação dos escravos no
montante geral. Dos oito restantes, quatro possuíam valor do monte-mor inferior a cinco
contos de Réis. Um possuía valor entre cinco e dez contos de Réis e três acima de dez contos
de Réis, sendo um deles o de Dona Ana Luiza, que pelo valor alto e pela sua importância,
destoa de qualquer outro monte-mor do período.
Em 1858 o valor médio das escravarias cai para pouco mais de oitocentos mil Réis,
mas o escravo perfil continua subindo e atinge seu segundo maior valor entre o período
estudado, recebendo avaliação de 1:600$000 (um conto e seiscentos mil Réis).
Tal elevação comprometeu a participação do elemento escravo na composição da
riqueza nos Campos Gerais. Esse fator já foi demonstrado aqui nos anos anteriores ao recorte
da pesquisa. Para os anos de 1858 e de 1859 a participação do escravo na composição da
riqueza foi muito semelhante ao ano de 1857, pois o braço escravo contribuiu com 43,66% no
total da riqueza inventariada. A tendência é que a participação do escravo na composição da
104
riqueza nos Campos Gerais baixe em conformidade com o preço. Porém, separando os anos
de 1858 e 1859, percebe-se que em 1858 o escravo chegou a superar o índice de 50% na
participação da riqueza, perdendo espaço em 1859. O número de inventários com escravos
também é menor em 1859, e apenas com a avaliação dos anos de 1860 e 1861 é que se pode
constatar a diminuição da participação dos escravos na composição da riqueza.
Ainda abordando o período 1858/59, constata-se que os pequenos montantes avaliados
não possuíam escravos e dos inventários sem escravos, nos dois anos, apenas um superou os
cinco contos de Réis, os demais variavam de quatrocentos mil Réis a dois contos e quinhentos
mil Réis. Algo que veio se mantendo nos últimos anos pesquisados. Dentre os inventários
selecionados o que mais possuía participação de escravos no montante final da partilha foi um
com 22:544$000 (vinte e dois contos e quinhentos e quarenta e quatro Réis), pertencente ao
finado Patrício Teixeira de Oliveira Cardoso, e a participação dos escravos na partilha obteve
o índice de 87,38%. Um alto valor de monte-mor e com grande participação dos dezoito
escravos. A menor participação foi também de um inventário de 1858, com a partilha dos
bens de Dona Maria Pereira Gomes, a qual possuía um escravo avaliado em 800$000
(oitocentos mil Réis) que representou em torno de 8% do total do inventário.
Os anos de 1860 e 1861 marcam uma desvalorização das avaliações dos escravos nos
inventários post-mortem. Mesmo caindo o valor médio para o perfil de escravo que
estabelecido no início deste capítulo, esse preço se mantém alto, girando em torno de
1:500$000 (um conto e quinhentos mil Réis) para o ano de 1861 e 1:757$142 (um conto e
setecentos e cinquenta e sete mil e cento e quarenta e dois Réis) para 1860. Portanto, em 1860
encontramos o maior valor médio de escravos com o perfil traçado para a pesquisa.
Encontram-se novamente escravos com valores superiores a dois contos de Réis. A
participação no montante dos bens mantém a tendência de alta, mesmo que o preço diminua
em 1861. Em 1860 o percentual de participação na riqueza dos inventariados atinge o índice
de 50,42%.
Fato também surpreendente é que os inventários com escravos e com monte-mor não
baixaram de quatorze contos de Réis. O menor montante encontrado foi do finado Salvador
Pereira Vidal com 14:144$000 (quatorze contos, cento e quarenta mil Réis), e deste valor,
31,1% eram em escravos. O maior monte-mor do período foi do Tenente Antonio Fogaça de
Souza, com 41:665$500 (quarenta e um contos, seiscentos e sessenta e cinco mil e quinhentos
Réis). Porém, o tenente Fogaça, como era conhecido, libertou todos os seus escravos com a
sua morte e dividiu seus bens com seus vinte e nove ex-escravos. Português, solteiro e sem
105
outro familiar, ele optou por dividir seus bens entre os seus escravos que lhe ajudaram a
conquistar tal quantia.
Esse acúmulo de capitais com a presença escrava continuou durante o ano de 1861.
Mesmo tendo caído o valor atribuído ao escravo perfil, os dados encontrados nos inventários
post-mortem deste ano indicam um aumento na participação do escravo no montante total da
partilha. É possível encontrar a participação média nos inventários indicando 61,76% da
riqueza atribuída à posse de escravos. O número de inventários com escravos é de onze,
conforme aponta a tabela 5 no segundo capítulo. Um número que representa quase o dobro de
inventários do ano anterior. Nesse período foram encontrados três inventários incompletos
sem monte-mor, do restante, dois possuíam um montante menor que cinco contos de Réis, um
entre cinco contos e dez contos de Réis. Os outros seis, com monte-mor superior aos dez
contos de Réis.
O maior monte-mor era de Alvaro Gonçalves Martins, 66:297$430 (sessenta e seis
contos, duzentos e noventa e sete mil e quatrocentos e trinta Réis). Os escravos perfaziam
30,77% da riqueza avaliada neste inventário, não sendo um índice muito grande, porém o
valor era de 20:400$000 (vinte contos e quatrocentos mil Réis). O maior percentual de
participação era de Dona Ana Sutil, que possuía um monte-mor de 10:573$620 (dez contos,
quinhentos e setenta e três mil e seiscentos e vinte Réis) e seus escravos representavam
87,95% de sua riqueza.
A participação do braço escravo nos inventários continuou mesmo depois de 1855,
ano que foi defendido como o último ano do tráfico transatlântico, ano em que o tráfico não
mais agia sobre terras brasileiras. No entanto, a participação do escravo na composição da
riqueza cada vez mais ganhava importância.
Em 1862 e 1863 aparece uma lacuna nos arquivos de inventários do Museu do
Tropeiro em Castro. Nesses dois anos foram localizados apenas cinco inventários, e destes
apenas três com escravos. Mesmo com essas poucas informações, foram encontrados dois
escravos que se encaixavam no perfil traçado no início deste capítulo, com valor inferior ao
dos anos anteriores, e que demonstra que a curva decrescente no valor atribuído ao escravo
dentro do inventário continua e culmina em 1864 com certa estabilidade.
No ano de 1863 o valor médio atribuído ao escravo perfil, fica na média de 900$000
(novecentos mil Réis), mesmo com poucas informações e não encontrando nenhum escravo
inventariado em 1862, a não ser uma escrava velha com valor atribuído de 200$000 (duzentos
mil Réis), opta-se por manter essa avaliação e reconhecer esse valor médio como verdadeiro,
106
pois em 1864, último ano do recorte temporal, o valor médio atribuído também ficou na casa
de 962$500 (novecentos e sessenta e dois mil Réis).
A participação do escravo na composição da riqueza também cai em relação ao ano de
1861, agora sua participação é de pouco mais de 50%. Porém, sua presença em alguns
inventários ainda continua alto, no segundo maior monte-mor encontrado no ano de 1864 é de
23:233$740 (vinte e três contos, duzentos e trinta e três mil e setecentos e quarenta Réis),
95,89% da riqueza que correspondia à avaliação do plantel de escravos do finado Francisco
Lourenço de Brito. Já o menor percentual de participação de escravos na composição da
riqueza que foi localizado nestes inventários foi de 21,4%, no menor monte-mor encontrado,
4:204$000 (quatro contos e duzentos e quatro mil Réis) de Maria Antonia de Oliveira.
Os dados levantados nessa pesquisa apontam para dois momentos distintos do
comércio de escravos. O primeiro marcado por um período de adaptação à nova realidade. Se
for considerado que entre 1845 e 1850 desembarcaram no Brasil mais de 50 mil cativos por
ano (COSTA, 1998), esse mesmo período valorizou o braço escravo de tal maneira que a sua
importância na consolidação das riquezas armazenadas pelas famílias se tornou indispensável.
Nos Campos Gerais o período de adaptação foi além, chegando até 1853 e estendendo-se até
1855. A partir deste período intermediário, ocorre uma alta considerável no valor do escravo
dentro do processo de partilha dos bens, e de igual forma, sua importância no percentual de
riqueza evolui até atingir seu auge em 1861.
É notável que em 1860 os escravos atinjam os maiores valores, e que o maior
percentual apareça em 1861. No primeiro momento isso também ocorre. Quando os valores
começam a se elevar, em 1853, os percentuais de participação nos inventários só aparecem
aumentando em 1855.
Mesmo encontrando algumas dificuldades em estabelecer esses valores para 1862 e
1863, o ano de 1864 supera as lacunas deixadas pelos anos anteriores e traz informações mais
confiáveis. O ano de 1864 demonstra uma tendência de baixa no valor do escravo e de
redução na participação do escravo na composição da riqueza. Constatar que os Campos
Gerais agiram e reagiram conforme se comportou o comércio e o tráfico de escravos no Brasil
demonstra a estreita ligação da região com as demais áreas econômicas do país.
Ainda referente à conjuntura que os Campos Gerais estavam inseridos, vale ressaltar
que em 1853 a Quinta Comarca de São Paulo é desmembrada para formar a Província do
Paraná. Essa nova divisão territorial também influenciou o comércio da região, pois novas
alíquotas e taxas são colocadas sobre os preços dos produtos, e no caso do comércio de
escravos a partir de 1855, se restringe ao tráfico interno do império.
107
No gráfico abaixo pode ser vista a evolução no percentual de acúmulo de riquezas
representada pelo valor atribuído aos escravos.
Gráfico 8: Evolução da participação do escravo na composição da riqueza nos inventários post-
mortem.
Fonte: Inventários do Museu do Tropeiro em Castro – 1846 - 1864
Nota-se que os escravos representaram sempre boa porcentagem na composição da
riqueza dos homens e mulheres dos Campos Gerais, no Paraná. Essa participação aumentou a
partir de 1856, e a escalada acompanhou o valor médio atribuído aos escravos nos inventários
post-mortem. Com a decadência nos valores dos escravos dentro dos inventários, a
participação também decai.
Os Campos Gerais mantiveram o seu ritmo econômico com os escravos de sua época.
O que trouxe importância nos inventários post-mortem, não foram os escravos, mas as
manobras políticas e econômicas envolto ao tráfico negreiro, em especial na década de 1850.
O fim do tráfico transatlântico elevou o valor do escravo nos Campos Gerais. Eles
representavam o próprio dinheiro de seu proprietário. Vender um escravo, ou ter um escravo
era o mesmo que possuir uma grande quantia de dinheiro. Em 1864, sentindo o fim deste
sistema, o valor começa a despencar e a sua importância como mão de obra e como poupança,
também diminui.
Se utilizar os valores de vacas soltas e de mulas mansas é possível notar a mesma
tendência de alta entre os anos de 1856 em diante. Mas devido à falta destes animais nos
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
1846 1847 1848 1849 1850 1851 1852 1853 1854 1855 1856 1857 1858 1859 1860 1861 1862 1863 1864
Evolução da participação do escravo na riqueza
108
inventários entre 1862 e 1864, a pesquisa talvez tenha ficado deficiente quanto aos valores
atribuídos aos animais neste período final.
O certo é que o escravo e as mulas mansas tiveram altas e baixas em períodos
parecidos, mostrando que, além dos golpes internos e externos que o sistema escravista estava
recebendo, outros fatores também contribuíram para a manutenção ou o aumento dos valores
dos escravos nos inventários. Quem sabe um estudo mais abrangente e abordando outras
fontes se fizesse necessário para compreender mais profundamente esses fatores dentro do
contexto econômico dos Campos Gerais, mas que infelizmente não cabe a presente pesquisa.
109
Considerações Finais
Os Campos Gerais se formaram a partir de alguns fatores que estavam diretamente
ligados a dinâmica econômica e militar da colônia portuguesa na América. Sua população se
concentrou em atividades econômicas que a região melhor lhe proporcionaria, dentre essas
atividades a produção de gêneros alimentícios e a criação de gado. Contudo ainda na primeira
metade do século XVIII, o caminho de Viamão é aberto e com ele a predominância na criação
se transfere para a doma e a engorda.
Esse sistema se completa com a participação dos homens e mulheres no comércio de
gado e muares. Os homens partem para o sul da colônia, no continente de São Pedro, e de lá
trazem as tropas de mula e gado que seria domadas e engordadas nos Campos Gerais. O
sistema tropeiro se estabelece e com ele as paragens se tornam vilas, e depois cidades. A
região, já em meados do século XIX, se torna, juntamente com o litoral e a região curitibana,
na nova Província do Paraná.
Dentro deste contexto, a escravidão age conjuntamente em toda a região de
colonização portuguesa, e os Campos Gerais também recebem grande quantia de escravos. É
de se considerar que para tanto a própria região aparece como a maior área de concentração
de escravos no Paraná. Mesmo sendo uma região com grande número de escravos, os Campos
Gerais tiveram uma média muito pequena de escravos em relação com outras regiões do
Brasil, e, além disso, não teve grandes plantéis. Em meados do século XIX a maior escravaria
era de pouco mais de 140 escravos e estava ligada a maior proprietária de terras da região.
Essa ligação entre terras e escravos aparece nos inventários post-mortem que a
pesquisa abrange. A atividade campeira, ligada à cria e engorda de gado e muares, e a
produção agrícola é a grande responsável pela ligação do escravo ao seu proprietário. Os
Campos Gerais se destacam justamente por essas atividades.
Pode-se considerar que esses aspectos foram fundamentais na formação da sociedade e
também na formação econômica da região. O acúmulo de riquezas que o sistema tropeiro
propiciava era transferido, em muitas oportunidades, para a compra de braços escravos. A
constatação sobre esses dados também pode ser vista na pesquisa dos inventários post-
mortem, onde o levantamento demonstra que os proprietários de pequenas escravarias
possuíam boa parte da sua riqueza, convertida em escravos. Quanto maior era o monte-mor do
inventariado, menor era a participação do escravo no montante. Esses dados remetem a um
diagnóstico em que a participação do escravo nos inventários era importante para a época,
principalmente se considerarmos que a maioria dos proprietários possuía poucos escravos.
110
Sua aquisição ou mesmo a produção e ampliação endógena dos plantéis destacava a
importância que a propriedade de escravos representava na região dos Campos Gerais.
O braço escravo estava ligado as mais diversas atividades, desde o pequeno comércio
até a grande propriedade produtora de gêneros alimentícios e de animais. Ora o escravo tinha
seu lugar definido, como um agente de trabalho escravizado, ora trabalhando ao lado do
próprio proprietário, pois a lida no campo ou a formação da tropa obrigava o emprego deste
tipo de mão de obra lado a lado. O tropeirismo favoreceu esse tipo de relação de trabalho,
mais branda, se é possível considerar algum tipo de escravidão algo brando, porém essa
relação muito estreita e de formação de pequenos plantéis com crescimento endógeno
possibilitou esse estreitamento.
Mesmo assim, esse tipo de relação não descartou o comércio humano que a escravidão
desenvolveu, e mesmo com as relações mais próximas, o escravo continuou sendo um bem
vendível, passível de valor. Portanto, encontra-se na pesquisa dados que apontam para uma
manutenção no preço do escravo em patamares semelhantes até o fim do tráfico de escravos
ocasionado pela Lei Eusébio de Queiroz (1850). Logo após o total encerramento do tráfico
ocorre uma alta considerável no valor atribuído ao escravo nos Campos Gerais,
principalmente a partir da metade da década de 1850. Isso se mantém por um período curto de
anos e em 1864 já se pode constatar uma retração nos valores dos escravos dentro dos
inventários post-mortem. A primeira hipótese se daria como uma tendência de defesa do
assédio de outras regiões consumidoras de braços escravos, sobre a escravaria paranaense. No
entanto surge outra possibilidade que leva em consideração os estudos de Eduardo Supriniak
quanto à compra e venda de mulas e gado vindos do sul. Para ele ocorre uma elevação no
preço do escravo, mas essa elevação se dá atrelada ao aumento no preço de mulas e gado.
Essa última hipótese também se mostra possível na presente pesquisa, pois no mesmo
período, com pequenas diferenças de dados, também ocorre uma elevação no valor das mulas
mansas e das vacas soltas.
A posse e a propriedade de escravos nos Campos Gerais permitem concluir que a
região e os seus moradores utilizaram o braço escravo de várias maneiras, inclusive como um
fator de acúmulo de riqueza. A escravidão propiciou a oportunidade para pequenos tropeiros,
pequenos comerciantes, pequenos agricultores, obterem um bem de relativo valor e com boa
aceitação no mercado. Essa relação que o escravo estabeleceu economicamente determinou
sua participação no total da riqueza destes homens que agiram e reagiram em seu tempo
conforme lhe foi possível para sobreviver. O escravo, além de braço para o trabalho,
contribuiu com sua cultura e seus costumes para a sociedade, e foi reserva financeira de fácil
111
venda que ajudou na acumulação de algumas das somas financeiras de homens e mulheres
dos Campos Gerais do Paraná.
112
REFERÊNCIAS
Fontes
PARANÁ, Província do. Relatório do presidente da província do Paraná, do conselheiro
Zacarias de Góes e Vasconcellos, na abertura da Assembléia Legislativa Provincial em 15 de
julho de 1854. Curityba, Typ. Paranaense de Candido Martins Lopes, 1854. Disponível em
http://www.crl.edu/brazil/provincial/paran%C3%A1 acesso em dezembro de 2013.
Rol de Testamentos e Inventários Post-Mortem do Museu do Tropeiro de Castro. Castro – PR
Referências de apoio
ALCÂNTARA MACHADO, José de. Vida e morte do bandeirante. 2ª. Ed. São Paulo:
Livraria Martins, 1943.
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul,
séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Formação da diplomacia econômica no Brasil. 2ª Ed. São
Paulo: SENAC, 2001.
BALHANA. Altiva Pilatti; MACHADO, Brasil Pinheiro. Campos Gerais: estruturas agrárias.
Curitiba: UFPR, 1968.
BARICKMAN, Bert J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no
Recôncavo, 1870-1860. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003.
BETHELL, Leslie. A abolição do tráfico de escravos para o Brasil. Tradução de Vera Nunes
Neves Pedroso. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura; 1976.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis, Rio de Janeiro:
Vozes, 1994.
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão
na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
CONRAD, Robert E. Os últimos anos da escravatura no Brasil. Tradução de Fernando de
Castro Ferro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1975.
COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. 3ª ed. São Paulo: UNESP, 1998.
DANIELI, Maria Isabel Basilisco Célia. Economia mercantil de abastecimento e tributária:
São Paulo, século XVIII e XIX. 2006. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico)
UNICAMP, Campinas.
113
FARINATTI, Luís Augusto E. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na
Fronteira Sul do Brasil (1825-1865). 2007. 421f. Tese (Doutorado em História Social) UFRJ,
Rio de Janeiro.
FLEXOR, Maria Helena Ochi. Inventários e Testamentos como Fontes Primárias de Pesquisa.
Boletim Histórico e Informativo do Arquivo do Estado de São Paulo, 3 (2): 53-56, abr.-jun.
1982.
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras. Uma história do tráfico atlântico de escravos
entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVII e XIX). São Paulo: Companhia das Letras,
1997.
FRANCO NETTO, Fernando, OLIVEIRA, Mariani de, PACHECHNE, Larissa. Compadrio
Livre, Escravo ou Forro: estratégias de sobrevivência dos cativos nos Campos Gerais do
Paraná no Período Imperial. In: XVII Encontro Nacional de Estudos Populacionais. 2010,
Caxambu: ABEP 2010. Disponível em <
http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2010/docs_pdf/tema_10/abep2010_2071.pdf >.
Acesso em: 21 fev. 2013.
FRANCO NETTO, Fernando. População, escravidão e família em Guarapuava no século
XIX. Guarapuava: UNICENTRO, 2007.
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo:
Kairós, 1983.
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. Decadência do patriarcado rural e
desenvolvimento urbano. 9ª.ed .Rio de Janeiro: Record, 1996.
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
FURTADO, Júnia Ferreira. Testamentos e inventários. A morte como testemunho da vida. In:
PINSKI, Carla Bassanezi; LUCA, Tania Regina ( orgs.) O Historiador e suas fontes. São
Paulo: Contexto, 2012.
GUTIERREZ, Horácio. Donos de terras e escravos no Paraná: padrões e hierarquias nas
primeiras décadas do século XIX. In: HISTÓRIA, São Paulo. v. 25, n. 1, p. 100-122, 2006.
HARTUNG, Mirian. Muito além do céu: Escravidão e estratégias de liberdade no Paraná do
século XIX. In: TOPOI, Rio de Janeiro. v. 6, n. 10, p. 143-191, jan.-jun. 2005.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. 3ª. Ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994.
IANNI, Octávio. As metamorfoses do escravo. São Paulo: Hucitec; Curitiba: Scienciaet
Labour (UFPR), 1988.
LOPES, José Carlos V. Fazendas e sítios de Castro e Carambeí. Curitiba: Torre de Babel,
2004.
114
LUNA, F. V.; DA COSTA, I. Del N. Posse de escravos em São Paulo no início do século
XIX. Estudos Econômicos, São Paulo, 13 (10), jan – abr, 1983.
MACHADO, Alcântara. Vida e morte do bandeirante. São Paulo: Martins Editora, 1953.
MANCHESTER, Alan K. Preeminência inglesa no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1973.
MARQUESE, Rafael de Bivar. A dinâmica da escravidão no Brasil: Resistência, tráfico
negreiro e alforrias, séculos XVII a XIX. In: I Encontro entre Historiadores Colombianos e
Brasileiros. Bogotá, 2006. Disponível em: <
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002006000100007 >.
Acesso em: 19 fev. 2013.
MARTINEZ, Cláudia E. P. M. Riqueza e escravidão: vida material e população no século
XIX Bomfim do Paraopeba/MG. São Paulo: Annablume, 2007.
MARTINS, Ilton C. Eu só tenho três casas: a do senhor, a cadeia e o cemitério: crime e
escravidão na comarca de Castro (1853-1888). 2011. 251 f. Tese (Doutorado em História
Social) UFPR, Curitiba.
MATOS, Mário. Fases de prosperidade e de declínio do tropeirismo. In: FRIOLI, Alfredo;
BONADIO, Geraldo (org.). O Tropeirismo e a formação do Brasil. Sorocaba: Academia
Sorocabana de Letras; Fundação Ubaldino do Amaral, 1984.
MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982.
MELLO, Zélia C. de. Metamorfoses da riqueza: São Paulo, 1845-1895. São Paulo: Hucitec,
1985.
MELO, Kátia Andréia Vieira de, Comportamento e práticas familiares nos domicílios
escravistas de Castro (1824-1835) segundo as listas nominativas de habitantes. 2004. 189 f.
Dissertação (Mestrado em História). UFPR, Curitiba.
MOTTA, José Flávio. Corpos escravos, vontades livres: posse de cativos e família escrava
em Bananal (1801-1829). São Paulo: FAPESP: Annablume, 1999.
PENA, Eduardo S. O jogo da face: a astúcia escrava frente aos senhores e à lei na Curitiba
provincial. 1990. 189 f. Dissertação (Mestrado em História). UFPR, Curitiba.
PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Semeando Iras Rumo ao Progresso: ordenamento
jurídico e econômico da sociedade paranaense, 1829-1889. Curitiba: Ed. UFPR, 1996.
PONTAROLO, Fabio. Homens de ínfima plebe: os condenados ao degredo interno no Brasil
do século XIX. Rio de Janeiro. Apicuri, 2010.
RODRIGUES, Jaime. O infame comércio. Propostas e experiências no final do tráfico de
africanos para o Brasil (1808-1850). Campinas, SP: Unicamp/Cecult, 2000.
SAINT-HILAIRE, Auguste de, Viagem a comarca de Curitiba. Tradução de Carlos da Costa
Pereira. São Paulo. Companhia Editora Nacional, 1964.
115
SCHAWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: Engenhos e escravos na sociedade colonial. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988.
SILVA, Ricardo Tadeu Caires, O fim do tráfico atlântico de escravos e a política de alforrias
no Brasil. Anais do 6º Seminário do trabalho, UNESP, Marília. 2010.
STRAFORINI, Rafael. No Caminho das Tropas. Sorocaba: Editora TCM-Comunicações,
2001.
SUPRINYAK, Carlos Eduardo. Comércio de animais de carga no Brasil Imperial: uma
análise quantitativa das tropas negociadas nas províncias do Paraná e São Paulo.
2006. Dissertação (Mestrado em Economia) UNESP, Araraquara.
TAVARES, Luís Henrique Dias. Comércio proibido de escravos. São Paulo: Ática, 1988.
116