a novella semanal n01
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7/25/2019 A Novella Semanal n01
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ANNO I
iSr
MJJTF
AULO,
9 DE MAIO DE 1921
NUMERO 2
A N O V E L L A
S E M A N A L
OT FT>m r>R A fH KOARIO R I H K I R O R i y A R R A N r H F S i? i PAfTI r
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7/25/2019 A Novella Semanal n01
2/25
A NOVELLA SEMANAL
D I R E C T O R B R E N N O F E R R A Z
P U B L I C A - S E A S S E G U N D A S - F E I R A S
Pa ra os 30 mi lh es de "bras ile i ros , me smo descon ta
d o s . o s a n a lp h a b e to s , a s t i r a g e n s d o s l i v r o s n a c io n a e s
so r id cu las . E a s ed ies peq uen as e nca re cem o l i
v r o ,
l imi t a m- lh e a e x p a n s o , imp e d e m a r a z o v el r e mu
n e r a o d o s a u c to r e s . V iv e mo s , a ss im , n u m c i r c u lo v i
c ioso : o l iv ro no se . d i i f imde en t re ns porque ca ro
e ca ro porq ue no se d i f funde . I s to succede com o
l ivro bom , po is dos de f anc a r ia se t i r am p or ah i deze
nas d mi l ha r es e se e sgotam edies sobre ed ies . . .
Es ta s i tuao , de to funes ta s conseqnc ias pa ra o
pa iz , sng ger i u a in ic ia t iv a da c reao des te pe r id ico ,
q u e r e p r e s e n t a , u m e s fo r o n o s e n t i d o d e v u lg a r i z a r a
b o a l i t e r a tu r a .
Po pu la r i za r o l iv ro , to rna l -o access ive l a . todos , som
d e s c u id a r d e o f a z er a o me s m o t e m p o o ma i s a t t r a h e n t e
poss ive l p, ela e sc rup ulosa e sco lha da m a t r ia e pe la a r -
I t i s t ic a confeco de cada volu me , e depois usa r de to
dos os m e ios pa ra o d i f fundi r em tod o o te r r i t r io na
cional, de f ronteira a f ronteira , e entre todas as c lassessoc iaes , desde a s ma is cu l ta s s me nos le t r ada s e is
a h i ,
r e s u m id o e m p o u c a s p a l a v r a s , t o d o o n o s so p r o -
g r a m m a . .
P a r t i c i p a n d o a o me s mo t e mp o d a n a tu r e z a d o l i v r o
e d a r e v i s t a , A N O V E L L A S E MA N A L p r e t e n d e r e u n i r
as \ a n t a g e n s d e s t a e d a q u e l l e : c o mo a r e v i s t a , s e r d e
. le i tu ra leve c va r iada , se r vendida a preo nf imo, se r
apregoada nas ruas , nas e s t r adas de f e r ro , em toda pa r
l e ,
a tod a gen te ; m as no se r fu t i l e de in te res se c -
phomero corr io e l la : pelo fundo
pe la qua l ida de e pe la
e x t e n s o d a ma t r i a c o n s t i t u i r u m a v e r d a d e i r a s ri e
de pequenos l iv ros , que se encaderna ro no f im de cada
t r im e s t r e , e m b e ll o s v o lu m e s c o m o s q u a e s s e f o r ma r
u ma b ib l i o th e c a l i t e r r i a r e a lme n te p r e c io s a .
P r e t e n d e n d o s e r l i d a , mu i to l i d a , l i d a p o r h o me n s
e c reanys . senh oras e moas , r icos e p obres , le t r ad os e
cur iosos , pe la to ta l i dad e , emf lm, da pop ula o ledora ,
procura r , nos auc tores a v ida , a aco , o in te resse , de
mo d o a c o n s t i t u i r o v e r d a d e i r o l i v r o p o p u l a r .
D e s t i n a n d o - s e a s e t o r n a r u m in s t r u me n to d e p r o
pag and a das boas le t r a s dos me lhore s auc to res e dos
me lh o r e s l i v ro s n a c io n a e s n o s e l im i t a r a p u b l i c a r
t r aba lho s ind i tos . No se r ia e s te o m e lho r me io de se
c u m p r i r e s t a p a r t e d o p r o g r a m m a t r a a d o , h a v e n d o p o r
a h i ,
e squec ida e
i g n o r a d a d a ma io r p a r t e d o p u b l i c o ,
tan ta cousa op t i m a a ped i r um edi to r . Ass im, A NO
V E L L A S E MA N A L s e p r o p e a s a lv a r d o o lv ido - as me
lhores paginas e sgotadas e a s sepul tadas em col lcces
d e j o r n a e s e r e v i s t a s p r e c io s id a d e s q u e r e p r e s e n t a m
u m o p u le n to t h e s o n r o l i t e r r i o q u a s i d e t o d o d e s c o n h e
c ido e inacces s ive l . Das obra s a in da em ext rac ao no
me rcad o l iv re i ro , des ta ca r a exemp lo do que se f az
em v r ios pa izes , em antho log ias de gran de e pequeno
tomo, d idac t icas e popula res , e em publ icaes pe r id icas
as que se jam a me lho r m os t ra do l iv ro e do auotor ,
de sor te a des pe r ta r nos le i to res o dese jo de le r os l i
v ros que , sem- esse r ec la m e , mu i tos provave l
me n te n u n c a l e r i a m . E i s so f a r f o r n e c e n d o a o me s mo
tem po todas a s ind ica es "prec isas p a ra que qua l quer
pessoa possa f aze r encommenda , ao seu l iv re i ro ou d i -
rec tam ent e ao ed i tor , da obra da qu a l se apresen to u
a q u i u ma p e q u e n a a m o s t r a e d a s o u t r a s o b r a s d o me s
mo a n b to r . E s t a p u b l i c a o c o n s t i t u i r , p o r t a n to , a o
me s mo t e mp o q u e u m a b u n d a n t e r e p o s i t r i o d e i n f o r
ma e s b ib i i o g r a p h i c a s . u m a s e lo c t a d e p e q u e n a s o b ra s
exce l len tes , o rgan izad a com o f ito de to rn a r me lhor co
n h e c id a a n o s s a l i t e r a tu r a , d e n t r o d a s n o s s a s p r p r i a s
f r o n t e i r a s .
No v ive rem os , porm , de a lh e ia se iva . ' "Teremos a
nos sa . co l lab ora o espec ia l , de um pu nh ado dos r aais
n o t v e i s e s c r i p to r e s c o n t e mp o r n e o s e a c o lh e r e mo s c o m
p r a z e r e r e m u n e r a r e mo s to d o s o s t r a b a lh o s i n t e
re ssan tes que nos se jam enviados por auc tores oonhec i -
dos o desconhec idos , oons j i -grados e s t r ean tes , comtanto
uue taes obras tenh am va lo r e se jam conform es com a
fe io d 'A NOVE I .LA, i s to , que ten ha m peq uen a ex
tenso e possam se r l idas por toda gento .
P r e f e r im o s d a r ma io r d e s e n v o lv ime n to e d i o d o
conto e da nov e l la nes te s vo l um es , por se rem esses os
g n e r o s q u e c o n t a m , e n t r e o p u b l i c o , ma io r n u m e r o d e
a p r e c i a d o r e s . Ma s n o n o s r e s t r i n g i r e m o s a e l le s , e m
b o r a d el l es t e n h a m o s t i r a d o o t i t u lo d e s t a p u b l i c a o .
Todos os ou t ros gnero s te ro o sen lo ga r no nosso
s u p p l e me n to , v e r d a d e i r a g a z e t a l i t e r r i a d e p e q u e n a s
propo res , onde se enc on t ra r um pou co de- tudo o s '
d o me lh o r .
E i s a h i a o q u e v e m A N O V E L L A S E MA N A L , q u e
se co l loca d ispos io do pub l ico , dos auc to res e dos
edit ore s, aos quae s, deseja ser vir e dos quaes ospera re
c e b er u m a c o l h i m e n t o s y m p a t h i c o .
Os EurroiKS.
Aos auc to res
Acce i ta remos com praze r toda oo l -
laboi ao in te re ssan te pa ra qua lqu er
das seces deste per idico.
Os auc t ores devem nos rem et t e r os
s e u s t r a b a lh o s , d e c l a r a n d o o se u n o m e ,end ereo e o preo pelo qua l no s of-
fereveni a sua col lab ora o .
Os or ig inaos devem se r e se r ip tos de
um s lado do pape l , em ca l l ig rapbia
bem leg ve l o de pre fe ren c ia dac ty lo-
grgphadws.
Toda a cor resp ond nc ia deve se r
endere ada . Soc iedade Ed i tor a Olc -
Lrurio J-ibeiro Ca ix a po st al n . 1172
S. Paulo .
Aos ed i tores
A N O V E L L A S E M A N A L p u b l i c a r
c o m p r a z e r , e g r a tu i t a m e n t e , o t i t u lo ,
nom e do auc tor , p reo e nom e e en
dereo do edito r , de toda s as obra s
ed i tadas no Bras i l , bas tando pa ra i so
que os ed i tores lhe envie m aqu e l la s
ind icaes .
De todas as obras das quaes lhe for
r e me t t i d o u m e x e mp la r , p u b l i c a r a -
lm d isso uma not ic ia c r i t ica .
Aos le i to res
A N O V E L L A S E M A N A L a m b i c i o
na ser l ida em to da par to : c id ade s,
v i l la s , povoaes , e s t r ada s de f e r ro ,n a v io s , h o t i s , c l u b s , b ib l i o th e c a s , e t c ,
e s tand o por isso organ isand o u m se r
v i o d e d i s t r i b u i o q u e s e r o ma i s
comple to poss ive l , de sor te a no 'ha
ve r ponto do te r r i t r io nac iona l onde
n o t e n h a, le i to res o no se ja encon
t rada \ e n d a . Pa ra ob te r e s te r e su l
tado contamos com o auxi l io dos
nossos le i to res , aos quaes pedimos que
n o s i n d iq u e m e n d e r e o s d o l i v r a r i a s ,
agenc ias e vend edores ele jo rna es e
pessoas e ins t i tu ies que p ossam se
in te ressa r pe la venda ou le i tu ra des
te pe r id ico em qu a lq uer loca l id ade ,
por insignif icante que seja .
I n t e r e s s a d o s t a m b m e m c o n h e c e r
os e sc r ip tores e poe ta s de m r i to de
todos os Estados e de todas as pocas,
a l im de lhes pod er d ivu lga r a obra ,
m u i t o a g r a d e c e r e m o s q u a l q u e r i n d i
cao que a e s te r e spe i to nos se ja
f o r n e c id a , r o g a n d o a to d o s q u a n to s
q u e i r a m n o s a u x i l i a r n e s t e t r a b a lh o
q u e .
n o s ' e n v i e m r e l a e s d e a u c to r e s
e de l iv ros publ icados , de modo a nos
h a b i l i t a r a a d q u i r i r o s v o lu me s p a r a
o s e x a min a r .
I m p o r t an t e
Toda pessoa que angar ia r t r s a ss i
g n a tu r a s d ' A N O V E L L A S E MA N A L ,
e n v i a n d o - n o s a d e a n t a d a m e n te a re s
p e c t i v a imp o r t n c i a , t e r d i r e i t o a
u m a a s s i g n a t u r a g r a t u i t a .
A to d a p e s s o a q u e a n g a r i a r q u a l
q u e r n u me r o d e a s s ig n a tu r a s d ' A N O
VELLA SEM AN AL of fe rece remos a
t i tu lo de br inde , l iv ros , e sco lh idos no
ca ta logo de qua l qu er l i v ra r ia do Bra
s i l ,
no valor de 20 o |o sob re o preo
to t a l d a s a s s ig n a tu r a s a n g a r i a d a s .
As s i g n a t u r a s
Anrto
Semest re
Trimestre . .
Numero avulso
20 000
10 000
5 000
400
S O C I E D A D E E D I T O R A O L E G A R I O R I B E I R O - R . D r . A b r a n c h e s 4 3 C a i x a P o s t a l 1 1 7 2 - T e l e p h . : C i d a d e 5 4 4 1 - S . P A U L O
http://antagens/http://enda/http://enda/http://enda/http://antagens/ -
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A N N O I
A N O V E L L A S E M A N A L - S o P au lo , 9 d e M aio
r
d e I 1 9 2 1
N U M E R O 2
O S U P E R - H O M E M E O
T R O U X A A m a d e u
A m a r a l .
O D E S T A C A M E N T O -
G o d o f r e d o R a n g e i .
F R U T A B R A V A A f r a n i o
P e i x o t o .
SUMMARIO
T E R R A P R O H I B I D A
O s c a r L o p e s .
S U P P L E M E N T O A v i d a
a n e c d o t i c a e p i t t o r e s c a
d o s g r a n d e s e s c r i p t o r e s
M o n t e i r o L o b a t o - B . F .
C u r i o s i d a d e s l i t e r r ia s
- Eu -
c l y d e s d a C u n h a n o P e r u .
V i d a l i t e r r i a - A m o d e r n a
o r i e n t a o d a n o v e l l a .
O s n o s s o s p o e t a s - Os ve r
s o s d o I m p e r a d o r .
O SUPER-HOMEM E O fROUXA
Jlio de S passou e repassou distraidamente o
guarda-napo sobre os beios carnudos, distendi-
dos num vago- sorriso tranquillo. O comp anheiro
de mesa, que ouvira calado a abundante narrati
va, aconchegou a gola erguida do sobretudo, e,
com uma voz cujo timb re e cuja toada diziam,
antes e melhor que as palavras, a indole de uma
filosofia, de resignao e de comodismo :
Mas isso cana, Jlio, no cana ? De to
das essas aven turas , de tod as essas idas e vindas ,
viagens, festas, pndegas e idilios, o que tens ti
rado,
de certo, a concluso de que no ha como
a gente viver na sua terra, com os seus.. .
Jlio de S cravou os olhos nos do comen sal,
carregando cenho.
Ests doido. Eu quero l saber de soceg o
Eu quero l saber de calma, de paz, de vida me
tdica No nasci para isso, meu velho.
E o outro, apertando com as mos a gola do
sobretudo, o guarda-chava entre os joelhos :
Gostas ento de uma vida desordenada e
spera ? -
Qu anto mais, melhor. A vida de carneiro
no me tenta. A agitao um a necessidade do
meu temperamento. E mais,: uma maneira por
que eu entend o, c po r umas idias, qu e devo
viver a minha vida, Se eu no fosse um exhube-
rante por n atureza, seria um agitado por convi
co.
P ara mim a vida q ue m erece ser vivida a
vida ultra-movimentada: movimento incessante, em
todos os sentidos; expanso fsica, expanso afecti-
va, expanso dos instintos, expanso do espirito;
viagens e lutas, paixes e negcios, prazeres, jo
go,
carraspanas, ar te, , mulheres, sport, tudo , e
tudo de pressa, sem parar em coisa alguma nem
em parte alguma.
Ento, convico t u a . . .
Convico, sim, senhor.
, Convico, no, senhor. Dize que tu gostas,
que o teu tem pera me nto te leva por a, que o
teu feitio d par a essa vida dispersiva e doida .
Conv ico, que no. Qu e diabo de convico
pode ser essa, J lio Tu
m o s . . .
No confundo nada. O que estou com a
boca seca. Este diabo de vinho . . . Garon,m ais
meia garrafa de cerveja aqui para este senhor, e
v se me arranjas a um Bourgogne gelado ,
mais decente do que essa coisa que me/ des te ha
pouco. Digo-te que no confundo nada. Repito
que,
se assim no vivesse por temp eram ento, vi
veria assim por efeito de uma maneira minha de
encarar as coisas. N o sou um simples pratican
te ,
sou um teorista da vida superactiva. A exis
tncia repousada, assente, dentro de um quadro
prefixado, com principios gerais imutveis e com
um programa particular miudamente estabelecido,
confundes os ter-
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apenas um atentado contra a natureza. A vida
do homem no pode ser uma construo arqui-
tectonica,
s
com terreno escolhido a dedo, com
plantas matematicamente organizadas, com mate
riais conhecidos, com destinao certa. Toma no
ta deste teorm a negativo : a nossa vida n o
uma construo. A nossa vida apenas is to : vi
da um a coisa cuja essn cia e cujosentido nos
escapam,' que nos superior, que nunca conse
guiramos abarcar nos limites da nossa concincia*
.porque esta no lhe apreende seno umas plidas
falhas, nem sub jugar nossa vo ntade, que s
forte quando se lhe submete a la ...
Todos os princpios morais com que ns pen
samos dominar a matria e o instinto se repar
tem em duas classes : ou so inerentes^ prpria
indole das coisas, e nesse caso no valia a pena
gastar tanto tempo e tanto esforo em compen-
di-los, ou so pu ro artificio hu ma no , intil e
ridculo como a preteno de um sujeito que fosse
pregar normas de movimento e de orientao s
ondas do mar. De resto, nem podemos saber
quais so os princpios que existem na prp ria
natureza e quais os que la desconhece e rejeita.
No ha normas de vidal Nenhuma norma. Nin
gum sabe se o santo- que passou pelo mu ndo
em pan turrado de virtudes, d izendo palavras de
concrdia e de piedad e, d istribuin do benefcios
aos hom ens, no ter feito m aior mal ao homem
do que o bandido de alma opaca e de mos mo r
t fe ra s. .- Aquele que espalha esmolas e consola
es pod e gar ant ir e suavizar, a existncia a al
guns que consideraria menos dignos dela; o que
cria exaltaes e represlias em torno
(
de si coo
pera para a formao de coraes fortes, de almas
altivas, de energias indmitas.
E, de p, batendo no om bro do amigo es
tar ecido :
A vida para ser vivida. Viva cada qual a
sua vida. A maior virtude que um homem
pode ambicionar a de viver amplam ente,
desasbombradamente, sem restrices, sem liames,
sem dobras, sem receios, deixando livre ao pr
prio ser o mxim o de expanso a que le possa
ating ir. A tens a min ha mo ral, e a tens o que
eu fao: vivo, num esforo contnuo, numa con
tnua agitao, sem pre fremente, inquieto e ane-
lante, sem pre envolto na maravilhosa nuvem das
sensaes que me mandam os sentidos hipereste-
ziados, tudo vendo, tudo palpando, tudo experi
mentando. Vivo, numa palavra, durante o meu
fugitivo minuto de existncia, a prpria vida
eterna , magnfica e indecifrvel do univ erso .
E sabes que mais ? Vam os em bora .
Jlio de S tomou o chapu, e, acendendo um
charuto:
Vais para casa ? Pois vamos juntos. Eu no
vou a parte nenhuma. Talvez recolha tambm.
E os dois, brao dado, sairam da claridade e
da tepidez do bar, me rgulh ando na cerrao da
rua, ponteada de pequenos borres de luz. Jlio
de S, as mos enfiadas no s bolsos, a bengala a
eme rgir de um deles, encostada ao om bro, apoia
va-se rudem ente ao brao do comp anheiro pa-
cho rren to, e falava sem pre, numa voz cada vez
mais pastosa:
T no vives, meu caro Lucas, ti no co
nheces a vida ...
O outro tentou uma rplica. No conhecia a
vida que le, Jlio, levava e ex altava, m as conhe
cia-a por uma outra face, menos fascinadora tal
vez, mas com certeza mais no br e. Era a vida
apagada, subterrne a e sofredora do maior nume
ro ,
a vida feita de sacrifcios quo tidiano s, de
desejos contidos, de aspiraes imoladas, de sonhos
recalcados, de trabalho tenaz, absorvente, esma
gador, opinitico, herico ...
E sublinhava com o ges to o ultimo qualifica
tivo. Tinha a sua poesia, pois no tinha ? Mas o
jul io, feroz:
Poesia A poesia do Dever, hein ? Que raio
de poesia tu achas nu m a vida artificial, toda de
restrices duras, que te foi imposta sem discusso
nem consulta, e que assim acceitas e praticas ?
A poesia da canga . . , a poesia da pol . . .
Ga guejan do estas coisas, Julio sacudia pesada
mente o brao do amigo. E, num repelo forte,
que o levou de brusco parede:
E' isso que tu achas belo, meu pedao d'asno ?
O amigo pachorrento olhou-o na cara, insulta
do,
e fez o gesto de quem queria desvencilhar-se
e ir embora. Mas Julio de S reteve-o. Ora essa
J no se podia brin ca r Deixasse de tolices. A-
migos sempre . . .
Agora Julio de S, com o chapu atirado para
a nuca, pendurava-se ao brao do camarada, res
mungando desculpas entremeiadas de elogios e
de indirectas. Estava m aado r, carinho so e irri
tante . Sucum bido sob a dura prov a, Lucas ia e
vinha, aos bolus, jungido ao brao pesado do
bom io, ao long o da intermin vel rua deserta.
Passou um car ro. Lucas meteu-se nele com o im
po rtu no , resignado a.sofr-lo at que o largasse
em casa. Abandon-lo no podia, no seria de
cente. Tinha de ser naquela hora o seu arrim o;
era o seu protector forado. O super-homem de-
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pendia, naquele momento, do seu sacrifcio; sem
este,
talvez tivesse de dorm ir na rua, como um
beberro vulgar, ou num posto de policia.
Aos solavancos d o car ro, sob. o ar frio que
zunia na cober ta, Julio espalhou-se mo lemen te
nas almofadas, as plpeb ras descidas sob re os
olhos mortios. E quando chegaram casa, saltou
ssinho, quasi firme, e bate u. Um a luz amarela
veju de den tro, por baixo da porta, sobre a so-
leira. Em seguida silenciosamente, a porta abriu-
se ,
e apareceu o vulto de uma velhinha, vagam ente
lambido pelo claro, alongando de sob o chaile
traado o brao que sustentava o lampio caseiro.
Sorria, curvada e trmula, na longa resignao de
um velho sacrifcio. Era a me do notivago.
Mas havia no seu semblante e na sua voz um
vago e suave resentimento. Julio, como quem est
acostumado, no lh'o percebeu. Percebeu-o e com-
prehendeu-o vivamente o Lucas, que com enfado
se atirou para o fundo do carro, depois de uma
despedida apressada.
Adeus, , super-homem
Adeus, trouxa Medita no que eu te disse,
mastigou Julio de S , cusp inhan do gr oss o.
De dentro do carro, numa volta, Lucas ainda
viu o filsofo, com u m p na soleira, a acender
pachorrentam ente um cigarro sob re a chamin
do lampio , que a velhinh a lhe baixara altura
do nariz.
AMADEU AMARAL
(Da Academia Brasileira)
O D E S T A C A M E N T O
Quasi todo o do min go o B ahiano turbava o so-
cego das Trs Barras es bordoan do sua compa
nheira, a Rufina. A bod a era desen volta, dava
corda ao prim eiro que enco ntrass e; e como o
Bahiano no era cego e havia deliberado casar
com ella brevemente, esmerava-se em trazer sem
pre limpa a sua ho nr a; lavava-a como podia, a
eachao, a porrete, e com isso se tornara o ter
ror ao pacatssimo arraialete mineiro, ao qual se
antolhava com a temib ilidade de um famigerad o
facnora. A C ma ra, a sum ma potncia local, em
conseqncia de suas terrificantes faanhas, reu
nia-se s vezes ext rao rdin ariam en te e fazia pre s
so no sub-delega do, o Ton iquinho da Cando la,
para por cobro quelles desmandos. Toniqui
nho,
porm, humillimo boticrio de natural pouco
bellicoso, magricela, vozinha habitualmen te cho
rosa, explicava aos encanecidos vereadores:
Se autuo o Bahiano , elle capaz de me
matar1
Basta prendel-o correcionalmente por alguns
dias;
insinuavam-lhe.
Crescia a difficuldade. Nem p ens ar em tal 1
O caso, como se v, punha-o em aperturas. Se
os amigos do directorio o no coagissem ser
vir, Toniqu inho j se teria demittido d o cargo
policial.