a natureza humana e a origem da religiÃo em feuerbach

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A NATUREZA HUMANA E A ORIGEM DA RELIGIÃO EM FEUERBACH Fonte: http://www.mundofilosofico.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=296:a- natureza-humana-e-a-origem-da-religiao-em-feuerbach&catid=3:filosofia&Itemid=2 A consciência de Deus é a consciência de si do homem, o conhecimento de Deus, o conhecimento de si do homem (FEUERBACH, A Essência do Cristianismo, p. 22) Este fragmento retirado da introdução da mais importante obra de Ludwig Feuerbach, A Essência do Cristianismo (1841) representa a raiz de todo pensamento filosófico do autor, no que se refere à problemática da religião, tendo como critério de estudo e pesquisa, reflexões a cerca da antropologia e teologia, o conjunto de suas obras torna-se terreno fértil, de onde germinaram frutos para o pensamento posterior, riquíssimas influencias para a filosofia que estaria por vir. Ao afirmar que, a consciência de Deus é a consciência de si do homem, e que para o conhecimento também é válida tal proposição, o autor supõe uma igualdade entre tais dimensões, a saber, a humana e a divina; tornando-as faces da mesma moeda e ao mesmo tempo, propondo uma nova perspectiva para as questões referentes a origem do homem e do próprio Deus, como também da intima relação entre as duas partes. O estudo do homem e da humanidade de maneira totalizante, levando em conta todas as suas dimensões, e até mesmo suas particularidades, acompanhou o desenvolvimento do homem e os progressos realizados por suas atividades no decorrer de toda história, desde os filósofos pré-socráticos que cunharam as primeiras questões a cerca do comportamento humano, passando pela antiguidade clássica, adentrando a Idade Média, com Santo Agostinho, descrevendo o homem cristianizado como superior aos demais de sua época; até os tempos modernos com suas subdivisões do estudo antropológico; ressalta-nos a primazia das questões referente ao homem e suas reflexões sobre o gênero humano, como propulsores da evolução da humanidade. No que diz respeito à teologia, o cenário é o mesmo, mudando alguns personagens, em épocas diferentes, inseridos em culturas dispares e tradições peculiares, certezas pautadas pela fé e incertezas alimentadas pela razão, constituem a atmosfera de reflexão à cerca da existência ou inexistência de Deus, e também sobre os princípios basilares e fundamentos de sustentação do sentimento religioso, e da religião em si. Feuerbach viria a transmutar a relação sujeito e objeto nas questões antropológicas-teológicas, propondo uma espécie de antropologia invertida. O século XIX fora marcado por inúmeras transformações especialmente no que diz respeito ao estudo do homem e de suas composições, ou seja, existe uma preocupação em elevar o nível das reflexões feitas a partir do homem; as análises historiográficas se canalizam à medida que novas descobertas são feitas a partir dos estudos dos povos primitivos e de suas civilizações, há a necessidade de se desvendar os mistérios da linguagem, de se instrumentalizar os conteúdos científicos; enfim, um período marcado por preocupações, interesses inteiramente humanos, Feuerbach encontra-se inserido em meio a tantas transformações que seu pensamento fora influenciado por tal contexto, principalmente em suas reflexões sobre o homem e a sociedade; entre a humanidade e a história, que estão estritamente ligados a religião. A proposta de Feuerbach apresenta-se como uma visão inovadora ao que ate então havia sido produzida, opondo-se as teorias vigentes; segundo as próprias palavras do autor: Esta minha doutrina é simplesmente: teologia é antropologia” ( Preleções Sobre a Essência da Religião, 1848, Pág 23), deixa-nos cientes de que, questões teológicas

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Page 1: A NATUREZA HUMANA E A ORIGEM DA RELIGIÃO EM FEUERBACH

A NATUREZA HUMANA E A ORIGEM DA RELIGIÃO EM FEUERBACH

Fonte: http://www.mundofilosofico.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=296:a-natureza-humana-e-a-origem-da-religiao-em-feuerbach&catid=3:filosofia&Itemid=2

A consciência de Deus é a consciência de si do homem, o conhecimento de Deus, o

conhecimento de si do homem (FEUERBACH, A Essência do Cristianismo, p. 22)

Este fragmento retirado da introdução da mais importante obra de Ludwig Feuerbach, A

Essência do Cristianismo (1841) representa a raiz de todo pensamento filosófico do

autor, no que se refere à problemática da religião, tendo como critério de estudo e

pesquisa, reflexões a cerca da antropologia e teologia, o conjunto de suas obras torna-se

terreno fértil, de onde germinaram frutos para o pensamento posterior, riquíssimas

influencias para a filosofia que estaria por vir.

Ao afirmar que, a consciência de Deus é a consciência de si do homem, e que para o

conhecimento também é válida tal proposição, o autor supõe uma igualdade entre tais

dimensões, a saber, a humana e a divina; tornando-as faces da mesma moeda e ao

mesmo tempo, propondo uma nova perspectiva para as questões referentes a origem do

homem e do próprio Deus, como também da intima relação entre as duas partes.

O estudo do homem e da humanidade de maneira totalizante, levando em conta todas as

suas dimensões, e até mesmo suas particularidades, acompanhou o desenvolvimento do

homem e os progressos realizados por suas atividades no decorrer de toda história,

desde os filósofos pré-socráticos que cunharam as primeiras questões a cerca do

comportamento humano, passando pela antiguidade clássica, adentrando a Idade Média,

com Santo Agostinho, descrevendo o homem cristianizado como superior aos demais de

sua época; até os tempos modernos com suas subdivisões do estudo antropológico;

ressalta-nos a primazia das questões referente ao homem e suas reflexões sobre o gênero

humano, como propulsores da evolução da humanidade.

No que diz respeito à teologia, o cenário é o mesmo, mudando alguns personagens, em

épocas diferentes, inseridos em culturas dispares e tradições peculiares, certezas

pautadas pela fé e incertezas alimentadas pela razão, constituem a atmosfera de reflexão

à cerca da existência ou inexistência de Deus, e também sobre os princípios basilares e

fundamentos de sustentação do sentimento religioso, e da religião em si. Feuerbach

viria a transmutar a relação sujeito e objeto nas questões antropológicas-teológicas,

propondo uma espécie de antropologia invertida.

O século XIX fora marcado por inúmeras transformações especialmente no que diz

respeito ao estudo do homem e de suas composições, ou seja, existe uma preocupação

em elevar o nível das reflexões feitas a partir do homem; as análises historiográficas se

canalizam à medida que novas descobertas são feitas a partir dos estudos dos povos

primitivos e de suas civilizações, há a necessidade de se desvendar os mistérios da

linguagem, de se instrumentalizar os conteúdos científicos; enfim, um período marcado

por preocupações, interesses inteiramente humanos, Feuerbach encontra-se inserido em

meio a tantas transformações que seu pensamento fora influenciado por tal contexto,

principalmente em suas reflexões sobre o homem e a sociedade; entre a humanidade e a

história, que estão estritamente ligados a religião.

A proposta de Feuerbach apresenta-se como uma visão inovadora ao que ate então havia

sido produzida, opondo-se as teorias vigentes; segundo as próprias palavras do autor:

“Esta minha doutrina é simplesmente: teologia é antropologia” (Preleções Sobre a

Essência da Religião, 1848, Pág 23), deixa-nos cientes de que, questões teológicas

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recaem inevitavelmente, necessariamente em questões humanas; em analises e reflexões

tendo como objeto o homem, em todas as suas atividades e com todas as suas

determinações puramente humanas, rebaixando dos céus todas as discussões realizadas

a cerca de Deus, dissipando os ares metafísicos e transcendentes que ate o momento

pairavam sobre os estudos teológicos.

Afirmando a igualdade entre teologia e antropologia, tudo o que fora exposto e

defendido sobre Deus, e também sobre religião ganham uma nova perspectiva, clareada

sob a luz da razão e lapidava pela minuciosa atividade intelectual. Dos céus para terra,

Deus deixa de ser a realidade sobrenatural tornando-se uma realidade palpável, pelo

menos pelo tato da razão, as atenções voltam-se para o homem, para que a partir dele

seja possível intuir alguma idéia a cerca de Deus. “Feuerbach substitui o Deus do céu

por outra divindade, o homem “de carne e de sangue”( REALE & ANTISERI, 1991 )

As argumentações que edificaram essa nova investida de Feuerbach, o pilar de

sustentação para essa Antropologia Invertida concentra-se justamente na relação

sujeito/objeto, entre o homem e o objeto religioso, este que adquiriu várias

denominações, conforme inumeráveis religiões existentes.

Inicialmente o autor faz uma distinção clara entre o objeto sensível e o objeto religioso,

pautada estritamente na consciência que o homem possui de tais objetos, consciência

esta que é um fator elementar à existência humana e conseqüentemente as suas

atividades, argumenta a existência de dois tipos de consciência, uma no sentido estrito e

outra no sentido de sentimento de si.

A consciência no sentido de sentimento de si repousa da faculdade de diferenciação

sensível, de percepção das coisas exteriores segundo certos traços perceptíveis. No

sentido estrito a consciência só existe quando um ser tem como objeto o seu gênero, a

sua essencialidade, podendo ser dominada também como consciência de si. Feita tal

distinção o autor passa então a discutir a relação entre sujeito/objeto, entre o homem e

objeto religioso.

Na relação com os objetos sensíveis a consciência do objeto pode ser distinguida da

consciência de si, mas no caso do objeto religioso a consciência coincide imediatamente

com a consciência de si (FEUERBACH, A Essência do Cristianismo, p. 22)

A partir deste fragmento, fica explicito o campo de atividade em que estão inseridos os

tipos de consciência propostos pelo autor, no caso dos objetos sensíveis, dá-se o

reconhecimento, a partir da consciência no sentido de sentimento de si, justamente por

ser caracterizada como percepção das coisas exteriores ao homem, ou seja, na práxis

humana ao utilizar-se de suas capacidades sensíveis no tocar, no ver, no sentir; em

relação a um objeto que esta fora de si; tal consciência permite ao homem reconhecer-se

como sujeito, distinguindo-se do objeto com o qual se relaciona. Enquanto que, no que

se refere ao objeto religioso, a sua existência se dá a partir da consciência no sentido

estrito, ou seja, a consciência de si, da sua própria essencialidade, no intimo contato

consigo mesmo, ligado a subjetividade que lhe é própria, intrínseco as suas

determinações e paixões, encontra-se o objeto religioso.

Logo, sintetiza-se a distinção entre objetos sensíveis e objeto religioso, a partir da

atividade da consciência em relação aos objetos, nos objetos sensíveis no momento em

que o homem encontra-se diante de uma situação que lhe é externo, haja vista que, o

objeto sensível se encontra fora do homem, enquanto que no objeto religioso, o homem

se depara com o afastamento do que lhe é externo, desligando-se dos limites da

sensibilidade e coincidindo consigo mesmo; o objeto religioso é então intrínseco a

essência do homem.

Temos que, na relação do homem com a natureza, a atividade da sua consciência,

capacita-o a eleger os objetos necessários ao conhecimento, a sobrevivência, enfim a

Lia
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sua existência. Feuerbach distingui a partir da consciência os tipos de objeto, igualando

a consciência de si do homem ao objeto religioso; ao fazer isso, fundamenta a

objetivação da essência humana, na eleição do objeto religioso.

Outro aspecto importante para que possamos compreender o pensamento de Feuerbach,

no que diz respeito a essa antropologia invertida, é entendermos em que de fato consiste

esse processo de objetivação da essência humana.

Já identificamos os tipos de consciência, relacionando as suas atividades no

reconhecimento dos objetos e acima de tudo na distinção entre os objetos sensíveis e o

objeto religioso, chegando à conclusão de que, a consciência do objeto religioso não é

outra coisa senão a essência objetivada do sujeito, do homem; passemos então aos

argumentos do autor que expressam o processo que caracteriza o momento que se dá a

objetivação da essência humana.

O homem, a essência humana, é dotado de determinações puramente humanas, por

exemplo, o ato de pensar, de sentir, o agir a partir de seus pensamentos e conforme os

seus sentimentos são aspectos que fazem parte da essência humana, que o autor

denomina-os como determinações.

Objetivar a essência humana consiste no momento em que o homem projeta tais

determinações elevando-as aos céus, santificando-as, divinizando-as, idealizando um

ente supremo que as possui e se faz valer a partir delas, ou seja, um ente divino detentor

de determinações divinas, que são nada mais que determinações humanas, purificadas e

libertas das limitações do homem.

Afirma Feuerbach:

A religião, pelo menos a cristã, é o relacionamento do homem consigo mesmo, ou, mais

corretamente: com a sua essência; mas o relacionamento com a sua essência como uma

outra essência. A essência divina não é nada mais do que a essência humana, ou melhor,

a essência do homem abstraída das limitações do homem individual (FEUERBACH, L.

A Essência do Cristianismo, p. 24).

O autor da primazia ao homem em sua relação com Deus; a inversão antropológica dada

por Feuerbach caracteriza-se pela objetivação da essência do homem, e

consequentemente por sua alienação ao objeto religioso.

Ao projetar a si mesmo, o homem aliena-se de si mesmo, gerando a divisão consigo

mesmo. Então a alienação religiosa, segundo Feuerbach, é tomar como Deus algo que

na verdade é apenas expressão do próprio homem, ilusão, ídolo (ZILES,

Urbano. Filosofia da Religião. São Paulo: Editora Paulinas. 1991, p. 108 (Coleção

Filosofia)

Dessa forma, reconstruímos os argumentos de Feuerbach que expressão a nova

perspectiva antropológico-teológica encontrada na introdução de sua obra, A Essência

do Cristianismo (1841) em uma de suas seções, assim intitulada: “A Essência da

Religião em Geral”; ao entendermos essa antropologia invertida, adquirimos bases

sólidas para compreendermos as minúcias do pensamento filosófico do autor,

principalmente no que diz respeito a religião e seus princípios constituintes.

O objetivo agora é atentarmos, aos aspectos originários da religião, as bases e

fundamentos que alicerçam o sentimento religioso; ao afirmar que na religião o homem

projeta sua própria essência, idealizando um ente supremo e divino, este que é dotado de

determinações humanas, que nada possui de sobrenatural e transcendente, mas que sua

constituição pauta-se necessariamente no homem e nas suas vontades, desejos e

paixões; reproduziremos os argumentos do autor que comprovam tais idéias, partindo

dos princípios psicológico-subjetivos da religião encontrados na essência humana. “...O

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sentimento de dependência é a base da religião, mas o objeto primitivo desse sentimento

é a natureza...”(FEUERBACH, Preleções Sobre a Essência da Religião, p. 29)

Com base neste fragmento, podemos identificar dois aspectos que servem de embriões

para a origem da religião, assinalados pelo próprio autor; primeiro a origem

psicológico-subjetiva da religião, caracterizada pelo sentimento de dependência e, por

conseguinte o objeto primeiro ou primitivo da religião, a natureza.

Nota-se que, Feuerbach defende um principio psicológico como origem da religião, o

sentimento de dependência, afirmando ainda, que este é a base, o fundamento da

religião; sentimento este encontrado na relação de dependência do homem com a

natureza, o objeto primitivo do sentimento religioso.

O autor retira da história da humanidade e das religiões em geral, principalmente das

religiões primitivas, substrato suficiente para enfatizar sua argumentação, no que diz

respeito a origem da religião, caracterizando esta relação de dependência entre homem e

natureza a partir do sentimento de medo e do sentimento de finitude do homem. “Os

antigos ateus e mesmo muitos deístas tanto antigos quanto recentes declararam ser o

medo, que nada mais é do que o aspecto mais popular e mais evidente do sentimento de

dependência, a mola-mestra da religião.” (FEUERBACH, Preleções Sobre a Essência

da Religião, p .30).

É bem fácil, notarmos o caráter historiográfico da exposição de Feuerbach em suas

preleções sobre a origem da religião; o autor faz questão que em suas explanações haja

exemplos históricos confirmando suas argumentações, no que diz respeito ao

sentimento de medo como manifestação pratica da relação de dependência entre o

homem e o objeto religioso o autor afirma: “A explicação da religião a partir do medo é

confirmada, sobretudo pela experiência, uma vez que todos ou a maioria dos povos

rudes fazem objeto de religião só ou principalmente os fenômenos aterrorizantes da

natureza.” (FEUERBACH, Preleções Sobre a Essência Religião, p. 30).

Os povos mais rudes, na África do Norte e na América temiam os rios, principalmente

em regiões onde desembocavam cachoeiras ou nas extensões em que se formavam

redemoinhos perigosos; os hotentotes adoravam os espíritos maus, por medo do que

poderiam lhes causar; em Roma e também em Esparta, construa-se templos para o

objeto ou ser que lhes causavam temor. Estes são alguns exemplos apresentados pelo

autor na referida obra, mostrando que um olhar mais profundo e investigativo na

historia do homem e da religião em geral, comprova a tese de que o medo é um dos

aspectos causador de dependência do homem em relação a algum outro objeto, este que

por sua vez, pode vir a se tornar objeto de adoração religiosa.

Porem, o medo não é a explicação completa e suficiente para a origem da religião,

Feuerbach cita exemplos de civilizações antigas, cujo sentimento de medo era

principalmente, e em até certo ponto, fundamentalmente o sentimento primitivo e

originário da religião, mas o que acontece é que em muitos casos, o sentir medo, é um

sentimento passageiro, no entanto, o autor afirma que tal sensação permanece pelo

menos nos limites da imaginação, e que sua principal característica consiste no fato de o

medo se estender para além do presente, ou seja, medo de males possíveis e futuros.

Outro aspecto tão importante quanto o sentimento de medo na origem da religião é o

sentimento de finitude do homem; acabamos de ver que a sensação de medo, como

manifestação da relação de dependência entre o homem e o objeto religioso, é defendido

pelo autor como fundamento elementar para a origem da religião; mas Feuerbach

enfatiza este princípio psicológico subjetivo da religião, introduzindo o sentimento de

finitude do homem, como um dos pilares constituintes do sentimento religioso e da

religião em si. “Sentimento de dependência e de finitude são então o mesmo sentimento.

Mas o sentimento de finitude mais delicado, mas doloroso para o homem é o sentimento

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ou a consciência de que ele um dia certamente acaba, de que ele morre.”

(FEUERBACH,Preleções Sobre a Essência da Religião, p. 36).

Enquanto o sentimento de dependência é a origem, a base, o fundamento da religião; a

finitude, a certeza da morte; é o que alimenta, o que nutre a religião. O homem finito,

com medo da morte, ou melhor, ciente de que um dia morrerá, cria um Deus infinito e

imortal, nesse ponto retornamos a idéia de que na religião o homem projeta a sua

própria essência, encarando-a como uma essência diferente; o homem é finito e

limitado, características encontradas em sua essência.

Pela dificuldade de reconhecer em si mesmo a existência de uma essência positiva e

infinita, esse homem acaba por transformar-se num ser fraco, pecador, sem sentido e

alienado diante de algo maior e mais poderoso que ele, um ser em quem não admite a

possibilidade de equipar-se (ALVES, 2002).

A partir do sentimento de finitude o homem idealiza um ente supremo e divino, que está

fora de si; objetiva sua própria essência nesse ser e aliena-se a ele; logo temos que, essa

alienação do homem para com o objeto religioso, se dá por medo em alguns casos,

como nos mostra o autor; e também pelo sentimento de finitude do homem.

Deus é infinito e ilimitado, ou seja, o homem inferioriza-se diante do ser divino

atrelando a ele qualidades superiores, que a essência humana não manifesta, são

negativos a essência humana; mas que julgando-as elevadas e somente possíveis em um

ser superior, satisfazem seus anseios mais íntimos, seus medos e carências. “Todos os

atributos de Deus são atribuídos negativos que expressam uma grandeza e um poder

acima de nossa compreensão”(SOARES, 2010).

Trataremos agora do egoísmo humano, como um dos princípios subjetivos psicológicos

para a origem da religião, caracterizado pelo autor, por ser de caráter moral, necessário,

imprescindível, que está fundado na essência do homem; sem leva em conta, o seu saber

e querer, podendo ser definido como o amor do homem por si mesmo, o amor pela

essência humana.

Feuerbach afirma que o sentimento de egoísmo é inato ao homem, está em seu

organismo, sentimento sem o qual não pode viver e pelo qual toma para si mesmo

conforme a natureza, e conseqüentemente, conforme a razão, tudo o que lhe apraz, o

afirmar-se do homem perante todas as instâncias, por fim o autor define o egoísmo

como: instinto de auto-conservação.

No que é pertinente a religião, principalmente ao objeto religioso, o sentimento de

egoísmo que se refere o autor, se reconhece a partir do conceito de vantagem, ou seja,

no ideal religioso o homem procura um beneficio para si, os objetos de adoração,

necessariamente devem acrescentar um algo a mais na existência humana, ou ate

mesmo proporcionar-lhe requisitos indispensáveis a felicidade e ao prazer; tais

benefícios geram no homem sentimento de gratidão, de amor de alegria e também de

adoração.

Nesse sentido, o egoísmo humano, o qual se refere o autor está diretamente ligado ao

objeto religioso, os poderes que possui, as maravilhas que realiza, são condizentes as

vontades do homem religioso, proporcionam a ele vantagens indispensáveis a sua

existência; as atividades do Deus do homem, devem necessariamente suprir os seus

anseios.

A Antropologia Invertida proposta por Feuerbach; parte do princípio de que, na religião

o homem objetiva sua própria essência, que o Deus adorado pelo homem nada possui de

sobrenatural, muito pelo contrário, é um ser dotado de determinações puramente

humanas, esta tese fica bem clara, quando o autor expõe seus argumentos a cerca da

origem da religião; defendendo princípios subjetivos-psicológicos como Germens para

o sentimento religioso; como o sentimento de medo, de finitude do homem e o egoísmo

Page 6: A NATUREZA HUMANA E A ORIGEM DA RELIGIÃO EM FEUERBACH

humano; fundamentando o conceito proposto pelo próprio autor de que, Teologia é

Antropologia.

Em meio a tantas mudanças no âmbito econômico, político e social manifestadas no

decorrer da história, é facilmente perceptível as peculiaridades que compõem o gênero

humano, características moldadas pelas influências exercidas pelo espaço/tempo em que

vivem; são culturas e tradições diferentes, pensamentos e crenças que se estabelecem e

que são conflitantes; movendo o progresso das condições humanas, principalmente em

aspectos como: política, ética e religião; questões referentes a Deus, e ao

relacionamento do homem para com Deus, sempre haverão de permear os anseios da

humanidade, sedenta por respostas e por motivos claros e indubitáveis a cerca da

própria existência.

Feuerbach, em meio a tantas mudanças e paradigmas pressupostos em seu tempo,

propõem-se a investigar e a analisar o homem sob uma ótica inovadora; dando vazão ao

livre pensamento, concentrando seus esforços em solucionar as questões referentes ao

homem utilizando-se apenas da racionalidade, ou capacidade intelectual, livrando-se

dos devaneios ilógicos e irracionais, especialmente se tratando do tema religião; credita

ao homem total autonomia e liberdade em relação a um possível ser supremo, e a partir

do gênero humano e de suas determinações provar que a divindade adorada, nada mais é

que a subjetividade do homem, projetada, idealizada, objetivada na forma de um ente

supremo, denominado Deus.

REFERÊNCIAS

ZILES, Urbano. Filosofia da Religião. São Paulo: Editora Paulinas. 1991. p. 108

(Coleção Filosofia).

ALVES, Polliana Pires do Carmo. O Problema da Alienação em Ludwig Feuerbach,

2002. 134 F. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Filosofia e Teologia, Universidade

Católica de Goiás, Goiânia, 2002.

ALVES, Rubem, O que é religião?, 6ª Edição, SP, Ed. Loyola, 1999.

REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario. História da Filosofia. Vol. III. SP, Ed. Paulus,

1991.

SOARES, Kitah. Porque a Infinitude de Deus Inviabiliza a Finitude do Homem, na

Essência do Cristianismo, em Feuerbach.

http://aessenciadocristianismo.blogspot.com/2010/01/porque-infinitude-de-deus-

inviabiliza.html, Acesso: 17 de agosto de 2011.

FEUERBACH, L. Preleções Sobre a Essência da Religião. Trad. de José da Silva

Brandão. Campinas, SP: Papirus, 1989.

FEUERBACH, L. A Essência do Cristianismo. 2ª Edição. Trad. de Adriana Verissímo

Serrão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1991.