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CADERNO ESPECIAL
A mídia e suas fontes no processo da gestão de risco de desastres
Sarah Cartagena
Antônio Edésio Jungles, Dr.
1. INTRODUÇÃO
A recorrência de desastres de grande porte, e que atingiram populações
em todo o território nacional nos últimos anos, tem ampliado o interesse
de diversos setores da sociedade em torno do tema de gestão de riscos e
de desastres. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT), por
exemplo, marca sua semana nacional para 2011 com o tema : "Mudanças
climáticas, desastres naturais e prevenção de riscos".
Além disto, duas comissões parlamentares foram estruturadas este
ano. A Comissão Especial de Medidas Preventivas Diante de Catástrofes
com abrangência nacional, e a Comissão Permanente de Proteção Civil da
Assembleia Legislativa de Santa Catarina que atua em âmbito estadual.
Neste contexto, também os meios de comunicação são impelidos
a ampliar sua cobertura sobre o tema, deixando de fazê-lo apenas nos
períodos em que os desastres provocam grande número de mortes, ou
quando as imagens de destruição têm forte impacto no público. É preciso,
portanto, que a mídia ponteciaJize a notícia como meio de contribuir para
a minimização dos impactos dos desastres e para a prevenção de novas
ocorrências; ou ainda encontre novas maneiras de cobertura e atuação,
articuladas à gestão de riscos e seus profissionais .
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Está claro que não se pode exigir dos profissionais e empresas de comu
nicação uma mudança de comportamento sem que antes compreendam os
aspectos que implicam na gestão de riscos e de desastres. Igualmente, os
gestores de riscos precisam reconhecer a contribuição que podem obter da
imprensa e por meio de suas assessorias de comunicação diretas ou indiretas
devem pautá-la para a cobertura adequada.
Sobre isto o Guia de Comunicação Social e Comunicação de Risco
em Saúde Animal, publicado pela Organização Pan-Americana da Saúde
(OPAS), afirma :
"Uma cobertura exagerada de uma emergência sanitária
está mais propensa a acontecer quando a informação oficial
é escassa ou considerada não confiável. Na falta de um fluxo
de informação constante de uma fonte respeitável, os rumores
vão preencher o vácuo e iniciar um ciclo de vida próprio. Se as
autoridades não estão disponíveis para comentar a emergência
sanitária, os repórteres vão encontrar seus próprios especialistas
e iniciar suas próprias investigações sobre o tema. Mesmo quan
do o fluxo de informação é eficiente, a competição da mídia para
ser a primeira a dar a notícia sobre um novo acontecimento - o
denominado 'furo jornalístico' - resulta frequentemente em
anúncios anteriores aos próprios comunicados oficiais."
Apesar do material da OPAS tratar especificamente da realidade de
emergências sanitárias, a situação se replica em todo o campo da gestão de
risco e principalmente durante a ocorrência de desastres.
É neste contexto que se faz necessária a capacitação de fontes e mídia,
para que cada um possa refletir sobre seu papel de agente social e suas
possibilidades de atuação nos quatro momentos compreendidos na gestão
do risco - prevenção, preparação, resposta e reconstrução.
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2. COMPREENDENDO O RISCO
Atualmente metade da popula ção mundial (três bilhões de pessoas)
vive em áreas urbanas, sendo o processo de ocupação o que determina
e caracteriza os riscos que enfrentam. N este sentido, alguns pontos da
ocu pação urbana devem ser destacados :
Construção: Os padrões de construção utilizados nas cidades,
principalmente em ocupações irregulares, marcam sua resiliência
aos desastres. É necessário investir em projetos de qualidade,
principalmente de prédios públicos, e dentre estes, em especial
escolas e unidades de saúde, como recomenda a UNISDR.
Solo: Conhecer o solo e avaliar adequad amente os padrões
de construção possíveis é um dos principais requisitos que
garante a construção de cidades seguras frente a desastres.
Igualmente, é preciso garantir o cumprimento dos requisitos
legais , como por exemplo, áreas de proteção ambiental e
de preservação permanente e seus limites de construção às
margens de corpos hídricos.
Infraestrutura: O investimento em infraestrutura de quali
dade está diretamente vinculado à capacidade de prevenção e
resposta aos desastres . Uma cidade que possui infraestrutura
preparada para desastres garante que o fornecimento de água
e energia elétrica, por exemplo, sejam menos prejudicados
em situações de desastres. Estruturas de drenagem bem
construídas minimizam os impactos de enchentes e inun
dações . Estradas e vias de alto padrão evitam a interrupção
e o isolamento de áreas afetadas por desastres.
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Serviços: O acesso a serviços como transporte, educação e
saúde determina a escolha dos cidadãos pela ocupação das
áreas urbanas. Em geral, os centros urbanos sofrem acen
tuadamente com ocupações irregulares em decorrência do
acesso aos serviços básicos. Construir uma rede ampla e
eficiente desses serviços favorece a aceitação de moradores
ao serem realocados de áreas de risco para áreas periféricas,
e minimiza o inchaço dos centros urbanos.
A ideia de que é a maneira como a ocupação urbana se dá que
interfere na geração do risco, vincula-se aos conceitos de Ulrich Beck,
sociólogo alemão que afirma não haver distinção entre quem gera o
risco e quem é afetado por ele, assim como não há, para o risco, limites
político-geográficos a respeitar. É a noção de corresponsabilidade que
deve ser enfatizada a todos os segmentos sociais, como agentes diretos
do risco. É ao mesmo tempo a culpa e a solução, pois ao perceber-se
como responsável pelo risco, percebe-se também como agente passível
de reação aquele que está no controle e, portanto tem a capacidade de
modificar a produção daquilo que lhe coloca em risco.
Peruzzo (1998), entretanto, afirma "nossas tradições e nossos costumes
apontam mais para o autoritarismo e a delegação de poder do que para
assumir o controle e a corresponsabilidade na solução de problemas."
O que se depreende da frase de Peruzzo é a cultura de passividade,
ao mesmo tempo em que ocorre a escolha de vilões. Não há vilões, não
há mocinhos, estrutura frequente nos meios de comunicação de massa
quando na cobertura de desastres . Não se ignora aqui os processos de
exclusão social, que certamente interferem na capacidade de resposta
e abrangência de ação. Mas, como afirma Beck, já não se vive mais na
cultura em que o controle do bem e do mal é atribuído a deuses. Hoje,
é o homem, como sociedade, que produz o risco, e é ele, unicamente,
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que deve assumir a responsabilidade por minimizá-lo. Minimizar o risco
é, portanto, minimizar também as diferenças sociais hoje instaladas.
É o que afirma estudo da OXFAM (2009) :
"para milhões de homens e mulheres em todo o mundo
é a sua vulnerabilidade e não as ameaças que enfrentam, que
determinará se irão sobreviver ou não. ( ... ) Vulnerabilidade
é o resultado direto da pobreza; das escolhas políticas, da
corrupção e ganância que as determinam; e da indiferença
política que lhe permite continuar a existir."
Assim, quando se fala em redução de vulnerabilidades está se pensando na
formação cartesiana do risco, em que ameaça e vulnerabilidade são seus eixos.
RISCO ..., c..,. C ~
E C
vulnerabilidade
Segundo o esquema, a minimização do risco pode se dar pela redução
direta do eixo da ameaça ou da vulnerabilidade. Reduzir ameaças, entretanto,
é de maneira geral, mais complexo, a exemplo das iniciativas de adaptação
às mudanças climáticas, estudos e pesquisas do IPCC, ou investimento em
tecnologias de monitoramento. Por sua vez, a redução de vulnerabilidades
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pode se instalar na atividade diária de todo cidadão, a começar pela com
preensão e percepção do risco, passando por desenvolvimento de medidas
estruturais, como investimento em soluções de engenharia.
No sentido da compreensão e percepção do risco, os meios de co
municação exercem um papel fundamental na ampliação do debate e
valorização do tema, por meio da comunicação de risco.
3. A CONTRIBUiÇÃO DA COMUNICAÇÃO DE RISCO
Ampliar o debate acerca da formação do risco e da ocupação de áreas
de risco nas cidades é, de imediato, uma das mais estratégicas contri
buições da comunicação de risco. Para tanto, faz-se necessário que os
profissionais de comunicação e as fontes oficiais ampliem também as
relações de troca e produção de informação. Significa dizer que tanto
melhor será a cobertura do risco e do desastre, quanto mais próximos
estiverem mídia e fontes.
Isto porque embora a ocorrência de desastres tenha tornado-se,
ano a ano, mais frequente, o tema é ainda incipiente nos espaços de
discussão de que dispomos, tanto acadêmicos quanto não científicos.
Propor a discussão de diferentes tópicos, sem vilões nem mocinhos,
como já mencionado, é uma das propostas da comunicação de risco
baseando-se no entendimento de que quanto mais clareza cidadãos e
gestores públicos tiverem das causas da formação do risco, mais palpável
tornam-se as sol uções.
Este artigo, que marca o encerramento do caderno especial "Perceben
do Riscos, Reduzindo Perdas", aponta para algumas indicações coleta das
durante a execução do projeto Promoção da Cultura de Risco (PCRD),
ao qual este caderno integra-se, e que desenvolveu nos últimos dezenove
meses estudos e capacitações. Como produto da Secretaria Nacional de
Defesa Civil, os dados coletados durante a pesquisa e os textos produzidos
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nos cadernos consistem em amplo material para continuação dos estudos e pesquisas
ampliadas sobre comunicação de risco, além de pauta para a imprensa.
Um dos grandes pontos que se deve enfatizar na discussão, por exemplo, é sobre
as razões de as áreas de risco serem ocupadas. Dentre os fatores abordados durante o
PCRD, além dos estudos internacionais que apontam para os benefícios percebidos,
estão as demais decisões pessoais que contribuem para essa ocupação; a diferença da
percepção do risco entre "pobres" e "ricos", e a influência que a tomada de decisão do
gestor público tem na formação de áreas de risco das cidades; considerando ainda a
inexistência de fron teiras político-geográficas para o risco.
Cabe ainda à comunicação de risco pensar na capacitação das fontes oficiais. Exem
plo clássico do despreparo das fontes é a indecisão em relação ao melhor momento
para comunicar os riscos e os limites entre os efeitos de pânico e de resposta adequada
quando a comunicação é realizada. Em Santa Catarina, por exemplo, a imprensa
divulgou a decisão de um prefeito de afastar do cargo um coordenador municipal de
defesa civil, argumentando que o mesmo havia dito que a cidade não seria afetada
pelas in undações deste mês de setembro, e depois ter de decretar estado de calamidade.
Este é o momento de refletir sobre as ferramentas de comunicação que tal gestor
de defesa civil dispunha para assessorá-lo e definir pela melhor estratégia de ação.
Precisamos, para compreender a situação, fazer a nós mesmos perguntas como: Têm
as fontes oficiais confiança na divulgação do que dizem por parte da imprensa? Estão
essas mesmas fontes preparadas para definir o melhor momento e a melhor mensagem
a ser divulgada? Tem a imprensa familiaridade suficiente com o assunto para participar
do processo de decisão em conjunto com as fontes oficiais? Qual o papel das novas
mídias e das redes sociais nesse contexto?
A cobertura da mídia é hoje ainda marcada pela cobertura do desastre . Segundo
os dados levantados pelo PCRD, na coleta de notícias de grandes jornais dos Estados
brasileiros, 92% das matérias pesquisadas tratavam do desastre e apenas os demais 8%
abordavam o risco de desastre como assunto principal. Inverter a lógica da cobertura
favorece a reflexão social sobre causas e consequência, e assim, favorece igualmente a
prevenção e minimização dos efeitos de uma ocorrência.
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Por fim, o PCRD discutiu também a percepção do risco em comunidades.
Viajando quinze capitais brasileiras e visitando comunidades expostas aos mais
variados riscos, a equipe de pesquisa do projeto investigou a percepção de risco de
moradores de área de risco. Infelizmente, fatores como exclusão social e violência
ainda desv irtuam o olhar das comunidades para o risco. No levantamento, pro
blemas com drogas, traficantes , violência e insegurança estavam ac ima do risco de
inundações ou deslizamentos na escala de preocupação dos moradores.
Inserir a mídia nessa discussão promove um efeito de realidade há muito não
visto em nosso país. O que temos hoje é a noção do risco para o outro. Nos relatos,
observa-se frequentemente a fala, ainda, da proteção divina, ou mesmo da proteção de
autoridades. Quando se enfatiza e se massifica a discussão, a noção de realizada passa
a fazer parte do cotidiano dos cidadãos e da sociedade. Para tanto, faz-se necessário
investir na capacitação de mídias e fontes, de maneira a torná-los preparados a utilizar
a comunicação de risco como ferramenta para gestão de riscos de desastres.
REFERÊNCIAS
PANAFTOSA-OPAS/OMS. Guia de comunIcação social e comunicação de
risco em saúde animal. Rio de Janeiro: OPAS, 2007.
PERUZZO, C. K. Comunicação nos movimentos populares : a participação na
construção da cidadania. Petrópolis: Vozes, 1998. P73.
OXFAM International. The Right to Survive - The humanitarian challenge for
the twenty-first century. Inglaterra: OXFAM Internation a l, 2009. P4-5.
Autores
Sarah Marcela Chinchilla Cartagena é Relações Públicas formada pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); possui
experiência em consultoria de responsabilidade social e comunicação de risco no setor petrolífero. Atualmente é
pesquisadora do CEPEO UFSC na área de comunicação de risco e coordena as atividades de comunicação do centro.
Contato: [email protected]
Antônio Edésio Jungles possui doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
e pós-doutorado pela University of Alberta. Atualmente é Professor Adjunto da UFSC e Diretor Geral do CEPED UFSC.
Contato: [email protected]