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A METODOLOGIA DA EVIDÊNCIA Sobre pesquisa no contexto de processos de Desenvolvimento, mudança e inovação Autor: Adriaan Bekman IMO – Instituto para o desenvolvimento do ser humano e das organizações Zeist, Holanda Tradução: Hermanus J Meijerink Revisão: Ana Lúcia Muller Introdução Processos sociais acontecem em contextos organizacionais. As pessoas vivem e trabalham em contextos organizacionais. Da manhã até a noite, do tempo de juventude até a velhice, a vida do ser humano se desenrola de uma maneira organizada. As inter-relações naturais de onde temos a nossa origem estão se desintegrando e estamos condenados a sobreviver nesta vida organizada criada por nós mesmos. Algumas tendências sintomáticas nos mostram o que isto significa. Não morremos no mesmo local onde nascemos. Nos afastamos da religião dos nossos antepassados. As grandes histórias da humanidade que falam de formação de comunidade são colocadas nas bibliotecas da nossa memória. Casamentos se transformam em divórcios. Não escolhemos a mesma profissão dos nossos pais. Convicções ideológicas se desintegram. A comunidade natural que nos coloca no mundo, que nos carrega e protege, que nos coloca limites e que tenta segurar-nos, esta comunidade natural em grande parte deixa de existir para muitos de nós. Uma conseqüência marcante desta tendência e que parece estar aumentando numa velocidade alucinante durante os últimos séculos, é que sentimos a necessidade de entender as conseqüências deste desenvolvimento. Como Aristóteles já previa, nós caímos fora do processo natural da criação, quebramos e atravessamos suas fronteiras naturais da criação e adentramos ‚um mundo sem fronteiras‛ (Guido Berns, 1998). Assim nos vimos obrigados a nos organizar. Ao organizarmos e criarmos organizações procuramos dominar e controlar nossas próprias criações, que não estão sujeitas aos quadros e forças do mundo natural, que nos foi dado. Apesar do fato de nós mesmos fazermos as nossas próprias criações e formarmos as organizações, não nos foi concedido um entendimento automático e um insight sobre nossas próprias criações. Somente podemos compreender as nossas criações pela reflexão sobre os processos e seus efeitos, realizados pelas nossa próprias ações. Isto requer uma metodologia

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A METODOLOGIA DA EVIDÊNCIA Sobre pesquisa no contexto de processos de

Desenvolvimento, mudança e inovação Autor:

Adriaan Bekman IMO – Instituto para o desenvolvimento do ser humano e das organizações

Zeist, Holanda

Tradução:

Hermanus J Meijerink Revisão:

Ana Lúcia Muller

Introdução

Processos sociais acontecem em contextos organizacionais. As pessoas vivem e

trabalham em contextos organizacionais. Da manhã até a noite, do tempo de juventude até a velhice, a vida do ser humano se desenrola de uma maneira

organizada. As inter-relações naturais de onde temos a nossa origem estão se

desintegrando e estamos condenados a sobreviver nesta vida organizada criada por

nós mesmos. Algumas tendências sintomáticas nos mostram o que isto significa. Não morremos no mesmo local onde nascemos.

Nos afastamos da religião dos nossos antepassados.

As grandes histórias da humanidade que falam de formação de comunidade são colocadas nas bibliotecas da nossa memória.

Casamentos se transformam em divórcios.

Não escolhemos a mesma profissão dos nossos pais.

Convicções ideológicas se desintegram.

A comunidade natural que nos coloca no mundo, que nos carrega e protege, que nos

coloca limites e que tenta segurar-nos, esta comunidade natural em grande parte deixa

de existir para muitos de nós. Uma conseqüência marcante desta tendência e que parece estar aumentando numa

velocidade alucinante durante os últimos séculos, é que sentimos a necessidade de

entender as conseqüências deste desenvolvimento. Como Aristóteles já previa, nós caímos fora do processo natural da criação, quebramos

e atravessamos suas fronteiras naturais da criação e adentramos ‚um mundo sem

fronteiras‛ (Guido Berns, 1998). Assim nos vimos obrigados a nos organizar. Ao organizarmos e criarmos organizações procuramos dominar e controlar nossas

próprias criações, que não estão sujeitas aos quadros e forças do mundo natural, que

nos foi dado. Apesar do fato de nós mesmos fazermos as nossas próprias criações e

formarmos as organizações, não nos foi concedido um entendimento automático e um

insight sobre nossas próprias criações.

Somente podemos compreender as nossas criações pela reflexão sobre os processos e

seus efeitos, realizados pelas nossa próprias ações. Isto requer uma metodologia

adequada para esta pesquisa. Para isso podemos entrar em contato com as ciências

sociais, que se dedicam hoje em dia de maneira pós-moderna a questões que surgem

das criações humanas. Neste artigo queremos oferecer uma contribuição para este caminho de

reconhecimento, apresentando uma metodologia com a qual podemos pesquisar

nossa própria criação, a organização. Primeiro apresentaremos uma breve visão geral do quadro teórico nas ciências sociais,

no qual esta metodologia de pesquisa se situa. Apresentaremos os pontos-chave da

nossa metodologia, daremos algumas possibilidades de atuação e ilustraremos a metodologia por meio de umexemplo.

Nosso objetivo é colocar esta metodologia no espaço científico da atualidade e torná-

la disponível para todos os pesquisadores que tenham interesse no trabalho de

pesquisa sobre a criação humana e seu desenvolvimento, mudança e inovação.

Pesquisa nas ciências sociais.

A fim de possibilitar um processo consciente de pesquisa para questões que aparecem na nossa sociedade organizada, as ciências sociais têm usado metodologias da ciência

natural e espiritual,

que foram desenvolvidas nos últimos séculos. As ciências naturais se concentraram no século passado na abordagem empírica de Newton e deixaram de lado a metodologia

fenomenológica da forma como tinha sido desenvolvida na tradição alemã de Goethe e

Schiller. A abordagem empírica se baseia na suposição de que somente uma análise

quantitativa pode mostrar evidência. Com base em hipóteses e usando técnicas de estatística, a evidência é alcançada e a questão é provada até que provas posteriores

mostrem que é ‚falsa‛ e invalidem as conclusões encontradas.

Desde Kuhn sabemos que a informação empírica possui apenas um significado limitado para pesquisar questões sociais. A abordagem empírica leva a interpretações

científicas de material de pesquisa que facilmente se desconectam da realidade social

por delimitarem os aspectos que foram pesquisados. Conclusões e descobertas não

mais correspondem à experiência atual das pessoas envolvidas na questão e no

processo de pesquisa. As descobertas empíricas se mantêm na superfície da realidade.

A realidade social é mais complexa do que pensamos inicialmente, ela tem mais

dimensões que são observadas e identificadas pelos pesquisadores. A realidade social muda constantemente. Precisamos de fenomenologia para nos mover dentro dos

fenômenos e quando aprofundamos mais, começamos a compreender do que

estamos tratando. Fenomenologia é para nós a metodologia que, ao observar fenômenos sobre um

período mais longo, começa a identificar o ‚Gestalt‛ arquetípico atrás dos fenômenos,

que molda o padrão no qual os fenômenos se apresentam. Goethe praticava esta

metodologia e a descreveu de uma maneira delicada. Fenomenologia é a metodologia

da observação que nos conduz para além dos fatos observáveis. Ela nos ajuda a chegar

a imagens e interpretações vivas de fenômenos sociais.

Não podemos desprezar esta metodologia para fazer pesquisa social.

Em grande parte as ciências espirituais foram influenciadas pelos paradigmas das

ciências naturais. Aqui encontramos também a convicção dominante de concentrar-se

em fatos objetivos e mensuráveis. Fatos precisam ser testados como falsos ou verdadeiros. Ciências espirituais já exigem, por sua própria natureza, técnicas especiais

de observação. Isto torna as ciências espirituais difíceis de serem praticadas por não

iniciados. A filosofia moderna nos mostra isto.

A busca por objetividade pela metodologia natural e espiritual encontra uma oposição

crescente dos cientistas sociais. O pesquisador é parte da realidade, eles dizem, por isso o pesquisador não pode fazer pesquisa objetiva. Fazer pesquisa já influencia a

realidade social. Os estudos de Hawthorne nos mostraram isto de forma convincente.

Também cientistas naturais duvidam do paradigma da pesquisa objetiva. Heisenberg (1974), por exemplo, chegou à mesma conclusão:

quando um pesquisador observa fenômenos, estes fenômenos mudam. Pesquisa é

também uma intervenção na vida natural e a transforma em uma vida organizada. Cientistas pós-modernos apóiam este ponto de vista. ‚Não existe verdade universal e

objetiva‛, eles dizem. Eles enxergam a nossa realidade como uma ‚realidade

interativa‛.

Queremos ilustrar este ponto de vista descrevendo quatro exemplos.

Em primeiro lugar o surgimento da metodologia da Pesquisa na Ação (Action Research). Nesta abordagem a interação entre o pesquisador e a realidade é colocada no centro

da metodologia. Barney G. Glaser e Anselm M. Strauss apresentaram em 1967 sua ‚The

discovery of Grounded Theory‛ (‚A descoberta de teoria fundamentada‛). Eles criticaram a metodologia sociológica dualista da época, que utilizava de um lado a

abordagem quantitativa, analítica, e de outro, a abordagem direta qualitativa, baseada

em pressuposições.

Durante os anos setenta a metodologia de Pesquisa na Ação procurou uma nova

maneira de pesquisa social. Pesquisa na Ação pode ser descrita como ‚uma família de

metodologias que perseguem ao mesmo tempo ação (ou mudança) e pesquisa (ou

compreensão)‛. Na maioria das suas formas ela o faz

usando um processo cíclico ou em espiral que se reveza entre ação e reflexão

crítica e que

continuamente refina seus métodos, informações e interpretações à luz da

compreensão desenvolvida em ciclos anteriores. Assim constitui-se um processo emergente, que recebe forma na medida em que a

compreensão aumenta; é um processo interativo, que converge para uma

compreensão melhor do que acontece. Na maioria das suas formas ela também é participativa (entre outras razões, é

geralmente mais fácil atingir mudança quando as pessoas afetadas pela mudança são

envolvidas) e qualitativa‛. (Dick, 1999)

Uma segunda abordagem interessante para pesquisar questões sociais é o

Construtivismo. Ele se baseia em visões filosóficas e sociológicas pós-modernas.

Cientistas como Weick, Chia e, na Holanda, van Dongen representam esta abordagem. A essência do seu pensamento é que o indivíduo pode ver a realidade social como uma

realidade interativa. O ponto central é: ‚quem é o que e o que é quem‛; com isto se quer

expressar que tudo é observado por pessoas concretas com base na sua própria percepção e vivência da realidade, mas que nestas expressões e vivências não se

encontra a verdade. Esta é construída a posteriori por meio de interação um com

o outro. Chia (1996) caracteriza as ciências tradicionais como ‚rio abaixo‛, quer dizer, como pesquisa em leitos cristalizados. Ele recomenda pesquisa ‚rio acima‛, mais

próximo à fonte e origem, onde a correnteza dos acontecimentos ainda é imprevisível.

Weick (1995) nos mostra que não é possível fazer pesquisa objetiva na realidade social,

uma vez que esta realidade acontece e se manifesta nas nossas mãos. Somente depois podemos refletir sobre o que pensamos que aconteceu. Então vemos que diferentes

observações e interpretações exercem um papel com as pessoas que estão envolvidas

no processo. Um bom exemplo de uma metodologia baseada neste ponto de vista é a avaliação de

4a geração de Guba e Lincoln (1989). Nesta metodologia os pesquisadores circulam

interagindo com as pessoas-chave sobre uma questão ou aspecto numa área pesquisada. Seguindo diferentes caminhos, eles procuram descobrir os fenômenos

sociais e reflexões sobre eles, manifestados pelas pessoas envolvidas. Quando não se

detectam mais novas informações e não surgem mais

novas imagens, então, em interação com aqueles que foram envolvidos, as descobertas são transformadas em próximos passos. Esta abordagem se situa no campo científico

do pósmodernismo; ela quer se desfazer dos conceitos modernistas de ciência objetiva

como vinham sendo aplicados na pesquisa empírica. A ciência em si é parte do problema social, diz Ulrich Beck (1990) e não pode se

pronunciar objetivamente sobre ele. Quer dizer que a ciência não é mais o guardião da

verdade e não pode mais fazer pronunciamentos que têm validade geral. Apenas

podemos refletir juntos de forma interativa sobre os acontecimentos sociais com a

ajuda de uma metodologia saudável e assim extrair nossa aprendizagem.

Uma terceira abordagem interessante é a Teoria do Caos (Gleick, 1986). Gleick diz: ‚Onde inicia o caos, a ciência clássica termina. Porque pelo tempo em que o

mundo possuía físicos investigando as leis da natureza, sofria-se de uma ignorância

especial sobre a desordem na atmosfera, nas flutuações das populações dos animais silvestres, nas oscilações do coração e do cérebro. O lado irregular da natureza, o lado

descontínuo e errático – estes têm sidoenigmas para a ciência, ou pior,

monstruosidades.‛ (Gleick) Greuling (internet) nos oferece uma breve descrição do que

a teoria do caos é e o que pode fazer.

A teoria do caos é essencialmente uma disciplina, que se esforça para descobrir a

ordem velada por trás da relação caótica. Um exemplo simples disto é a torneira que

está pingando. À medida que se aumenta o fluxo de águapela torneira, aumenta – de

primeira – a freqüência bem regular dos pingos , até um determinado ponto em que o

sistema começa pingar de forma caótica.

Para poder descrever melhor este tipo de sistemas dinâmicos, Henri Poincaré introduziu uma determinada forma de diagramas: os assim chamados espaços de fase

(Phasenräume) – uma representação abstrata do espaço de todas as possibilidades. No

exemplo dos pingos, surge, por exemplo, um diferencial de tempo a cada vez que três pingos se seguem – o que mostra que não se trata de um ‚caos‛, mas de uma amostra

bem caracterizada.‛ (Greuling)

A teoria do caos continua sendo desenvolvida por cientistas que se confrontaram com os limites do raciocínio de causa – efeito e de posicionamentos objetivos – subjetivos

que estão na base da abordagem empírica. Inspirados pela pesquisa do tempo, em que

é difícil prever o tempo para o período seguinte, eles descobriram que há padrões

subjacentes que podem se metamorfosear em diferentes padrões com base em intervenções bem pequenas. Isto foiexpresso pela imagem de uma borboleta no Japão,

que move suas asas e por meio de umasérie de interações com outros movimentos o

processo termina numa tempestade nos Estados Unidos. Vivemos com muitas interações simultâneas e efeitos de ações de muitos envolvidos que possuem

aparentemente um caráter imprevisível. A posteriori podemos definir a reação em

cadeia de um evento; a priori podemos fazer prognósticos.

A teoria e metodologia do caos nos abrem o caminho para lidar com fenômenos

complexos e paradoxais que não precisamos reduzir para elementos domináveis e

interpretações repetíveis. Não é preciso excluir. Podemos deixar a realidade social intacta e aprender a seu respeito.

Um quarto referencial teórico encontramos na teoria de desenvolvimento de e.o. Lievegoed, (1974), Zwart (1972) e Bos (1974). Eles representam uma abordagem que:

1) é utilizada como esclarecimento conceitual e um roteiro para desenvolvimento

organizacional e processos de mudança em organizações;

2) se baseia em um desenvolvimento interativo de visão a partir de pontos de vista da

ciência espiritual com relação ao desenvolvimento do ser humano e da sociedade;

3) faz parte no contexto social de reflexões críticas e conceitos sobre práticas

organizacionais e gerenciais, desenvolvidos por Peter Drucker (1969) e Henry Mintzberg (1987) entre outros.

Esta abordagem se volta para a comunidade organizada e pesquisa processos de

desenvolvimento, mudança e inovação. Ela parte do campo de tensão entre indivíduo e comunidade.

Resumo do quadro referencial teórico

Resumimos a seguir os pontos centrais destas quatro abordagens científicas da

questão social, que formam o fundamento da nossa metodologia.

1) Ação e pesquisa acontecem simultaneamente. Pesquisa é um processo cíclico e

interativo em que também a metodologia se desenvolve gradativamente. À medida que

o processo de pesquisa avança, surge entendimento do que aconteceu. 2) Somente podemos compreender a posteriori. Os envolvidos possuem percepções e

interpretações diferentes a respeito do que aconteceu. Construímos a posteriori nossa

realidade e o fazemos de forma interativa. Ao pesquisar próximo à fonte, onde as conseqüências não são previsíveis, aumenta nossa compreensão do que aconteceu.

Isso requer uma outra metodologia e não a que adotamos ‚rio abaixo‛ em leitos de

processos previsíveis. 3) Por detrás da realidade turbulenta observável ‚rio acima‛ atuam padrões que

estruturam fenômenos aparentemente caóticos. Tratam-se de fenômenos complexos e

paradoxais com os quais precisamos lidar de maneira inclusiva e não exclusiva no

nosso processo de compreensão e interpretação. 4) Pesquisar é um processo cíclico em que os envolvidos formam em conjunto e

interativamente ‚mapas de entendimento‛, e buscam encontrar o primeiro próximo

passo que levará o processo adiante. Quem pesquisa dá forma a este processo. 5) Questões no âmbito social se manifestam em processos de desenvolvimento,

mudança e inovação. A individualidade humana e a comunidade de pessoas formam

quadros contextuais que delimitam o processo de pesquisa.

A Metodologia da Evidência

A Metodologia da Evidência se posiciona no quadro referencial que delineamos acima.

É uma metodologia que é aplicada em processos de desenvolvimento, mudança e inovação de organizações. Neste processo ela oferece um suporte para os responsáveis

ao pesquisar e dar forma a estes processos.

Iniciaremos caracterizando alguns conceitos chave desta metodologia. Trata-se dos conceitos realidade social e evidência.

Em primeiro lugar caracterizaremos os conceitos de evidência, realidade social,

metodologia e leis sociais.

Realidade Social

Queremos definir a realidade social como uma realidade interativa e também como

uma realidadeque está em desenvolvimento e que se expressa no contexto da relação entre o ‚Eu‛ e a ‚Comunidade‛. O surgimento da problemática na realidade social tem

sua origem na ruptura da conexão natural do indivíduo e a comunidade natural e

espiritual onde ele nasceu. Ela se torna uma realidade autocriada, por seres humanos, que se manifesta nas realidades sociais organizadas por nós mesmos.

Evidência

Descrevemos Evidência neste contexto da seguinte forma: aquilo que criamos como

realidade múltipla, interativa, fala por si quando o investigamos como questão. A

realidade, como a criamos, se expressa na pesquisa em primeiro lugar como uma

questão. Nós percebemos a realidade que se expressa como questão e a interpretamos

também como questão, porque uma questão é a manifestação expressa de uma

desproporção entre realidades múltiplas.

Na pesquisa temos a tarefa de aprender a entender, por reflexão, a linguagem, o gesto da questão para que possamos lidar com ela de forma consciente. Este pesquisar

reflexivo é feito com a ajuda de convicções direcionadoras sobre a realidade.

Convicções direcionadoras são manifestações expressas de princípios em forma

pontos de partida e modos de ver por meio dos quais observamos, julgamos e agimos.

A seguir citamos alguns exemplos de convicções direcionadoras que nós mesmos

utilizamos ao lidar em pesquisa com questões da organização:

• A realidade organizada é variada e múltipla. Ela não se deixa duplicar e é sempre

diferente do que foi esperado e predito. • Ao viver com uma pergunta se percebe o que antes não pôde ser percebido. Perguntas

abrem a visão sobre a realidade organizada.

• As pessoas se comunicam num processo de falar e ouvir. Assim tocamos o ‘mundo’ do outro mutuamente e podemos integrar o mundo do outro no nosso próprio mundo.

• O ser humano tem a capacidade de deslocar fronteiras, quebrar padrões, transformar

a criação natural.

Questões e convicções direcionadoras são dois componentes essenciais do que eu

chamo ‚evidência‛.

Evidências possuem as seguintes características:

• Elas ocorrem de forma cíclica, iterativa, na atuação de seres humanos;

• Elas se tornam visíveis no seu funcionar durante a ação; • Elas precisam ser levadas em conta como ponto de orientação na nossa ação;

• Elas possuem um caráter moral.

A nossa atividade de perceber, julgar e agir no social não é determinada por leis

naturais, que agem sempre e em todo lugar independentemente de nós. Leis sociais

atuam em processos vitais na forma de nossas próprias evidências

Formulamos as nossas evidências com a linguagem do social, que é a linguagem do homem que interage. Utilizamos nossas evidências para atribuir, de forma reflexiva,

significância e sentido a nossas experiências de vida.

Evidências atuam no nosso agir e refletir. Como isto funciona?

Quando agimos, conectamos o situacional com o que é mais do âmbito de princípios.

Agimos a partir de determinadas convicções.

O agir acontece situacionalmente a partir de convicções e numa interação com a

realidade que encontramos. O efeito deste agir reaparece para nós nos resultados que

surgem nos produtos da atuação e no processo da atuação.

Quando agimos, o fazemos de maneira intuitiva e/ou conscientemente, mas isso ainda

não quer dizer que ao mesmo tempo percebemos de forma consciente como as coisas

acontecem. Podemos fazer isso somente quando olhamos de forma reflexiva sobre os acontecimentos e quando atribuímos sentido a eles a partir da memória. Nós olhamos

e damos sentido espontaneamente, mas, se quisermos penetrar mais profundamente

no que aconteceu, ver como atuou nos efeitos e identificar o sentido que podemos atribuir, então é bom utilizarmos uma metodologia que apóia este processo de

pesquisa. Uma revisão natural e espontânea não é mais suficiente; é preciso de uma

revisão organizada. Com base nesta descrição conceitual, podemos indicar os principais elementos

centrais da nossa metodologia.

Elementos centrais da Metodologia da Evidência A Metodologia da Evidência parte do observável na nossa realidade social e, para

pesquisá-la, utiliza pontos de vista metodológicos da ciência social, ciência natural e

ciência espiritual.

Apresentamos a seguir os elementos centrais desta metodologia.

A Metodologia da Evidência tem um caráter iterativo e interativo, quer dizer que os

fenômenos observados numa interação entre os envolvidos são interpretados

posteriormente. O responsável segue, com diversas redes de envolvidos, passos

metodológicos na realidade social. Ele age ‚em círculos‛, se repetindo, mas sempre um pouco diferente. Ele o faz interagindo com os envolvidos da questão social até atingir o

cerne da questão. Neste processo, reflexão e ação são combinadas e revezadas.

Exemplo

O diretor de um banco se pergunta por que colaboradores jovens mostram tão pouca

força de iniciativa. Ele pede a dois ‚donos de processo‛ que investiguem esta

percepção. Os dois convidam sete pessoas em posição de liderança e lhes dirigem esta

pergunta. Estas não podem dar exemplos, exceto uma. Ela permitia que os seus

colaboradores jovens entrassem em contato com os clientes inadimplentes e isto teve

efeito para todos: clientes, colaboradores e líder. Os dois ‚donos de processo‛ desenharam um processo em que um grupo de colaboradores jovens, sozinhos ou em

duplas, podiam realizar uma iniciativa própria. Eles agem por conta própria e relatam o

resultado depois de seis meses ao diretor. Assim inicia-se um processo em que todos os colaboradores jovens, que são algumas

centenas, recebem uma oportunidade semelhante. Mais de 90% consegue fazer isto

com um resultado significativo. Eles mobilizam autonomamente todos os outros

colaboradores que eles precisam, trabalham junto com eles durante seis meses e

apresentam o seu trabalho e resultados de aprendizagem à diretoria.

A Metodologia da Evidência é cíclica e longitudinal. Significa que a dimensão do tempo

exerce um papel central no sentido de que questões no social se manifestam nos

acontecimentos e que estes acontecimentos se repetem com uma certa regularidade. Estes acontecimentos ocorrem numa seqüência. Informações e acontecimentos são

identificados no passado e investigados por reflexão, eles são identificados no presente

e de preferência vivenciados e pesquisados no fluxo que acontecem, eles são levados ao futuro em forma de escolhas e decisões que levam a próximos passos, por exemplo,

em forma de experimentos.

Exemplo

Uma empresa no porto de Rotterdam enfrenta dificuldades por causa do Diretor Geral.

Ele está sendo criticado por um comissário do Conselho que o acusa de uma atuação

autocrática e incontrolável. O Diretor Geral inicia, sob pressão, um processo que envolve todos os colaboradores e conselheiros. A posição isolada e poderosa do Diretor

Geral é quebrada pela pressão do comissário. Constitui-se uma equipe de direção com

diversos diretores; o poder é dividido. Uma pesquisa mais detalhada demonstra que conflitos semelhantes entre o Diretor Geral e o comissário já ocorreram diversas vezes

no passado, inclusive com antecessores. Nos anos seguintes esta questão se manifesta

novamente com certa regularidade, apesar das medidas tomadas. Com previsibilidade garantida.

A metodologia é biográfica porque se trata aqui de observar organismos e criações

humanas; se trata de pessoas, organizações, instituições, comunidades, etc., que desenvolvem uma biografia.

Todos os organismos vivos escrevem uma biografia própria que é única. Nesta biografia

aparecem metamorfose e mudança de patamar, quer dizer que o objetivo de pesquisa se transforma ao longo do tempo e se direciona para formas mais altas de consciência.

Isto também pode ser visto e pesquisado como níveis sistêmicos.

Exemplo

Percebemos diversas formas de vida em nosso redor. Estas diversas formas de vida são

representadas em níveis de sistema (vide Boulding 1956). Num nível inferior, células,

num nível mais alto, plantas, animais, pessoas. Cada nível superior inclui os níveis inferiores, aos quais um novo elemento é adicionado. Quando algo novo surge no que

já existe, ocorre transformação e o todo se manifesta em outra característica num nível

superior. Cada organismo vivo possui um ciclo de vida. Uma célula possui um ciclo diferente de uma planta, animal ou pessoa. Durante este ciclo de vida a biografia se

desvenda, que constitui a história de vida deste organismo. Organizações podem ser

vistas como um nível de sistema vital.

A estas três características da Metodologia da Evidência – o iterativo / interativo, o

cíclico / longitudinal e o biográfico – podemos atribuir um título que encontramos na

abordagem

científica de Goethe. No seu tratado ‚Der Versuch (O experimento)‛ da obra ‚Vermittler

von Object und Subject (Mediador entre objeto e sujeito)‛ (1793) diz ‚Quando repetimos

conscientemente as experiências que foram feitas antes de nós e que nós mesmos fazemos e outros junto conosco, e quando trazemos os fenômenos novamente à vida

numa maneira natural ou artificial, chamamos isto de ‚Versuch‛, um experimento.‛

A quarta característica é que a Metodologia é narrativa, porque ela trabalha com

imagens vivas e vitais de acontecimentos, incidentes, encontros, ações criativas,

confrontos e conflitos, momentos de criação de valor, etc., da maneira como eles aparecem na prática da vida e têm a ver com a questão social que é pesquisada. Estas

descrições, imagens e expressões são exemplares e podem novamente levar a outros

acontecimentos e descrições de acontecimentos. Isto leva a um material em imagens

do processo que se desenvolveu relacionado à pergunta e estas imagens nos inspiram e exercem um apelo sobre nós. Imagens geram consciência e nos colocam em

movimento na busca do próximo passo de modo que o processo possa continuar.

Exemplo

Uma organização surgiu a partir da fusão entre diversas organizações antigas. Depois

de algum tempo a alta diretoria se questiona como a organização pode ser moldada para formar um todo unido. Aí surge a idéia de gravar em vídeo os colaboradores de

todos os setores da empresa no seu trabalho e assim mostrar os seus processos de

trabalho e fazer com que eles contem do seu trabalho e do que estão vivenciando. O

resultado é uma multiplicidade de imagens vivas que são apresentadas e compartilhadas em toda a organização. Também o nível da alta diretoria, num

encontro com 50 pessoas, vê estas imagens. Neste momento se faz a pergunta: o que as

histórias nas definições estratégicas no topo, que são comunicadas regularmente em toda a organização, têm a ver com o que os colaboradores fazem e vivenciam nos seus

processos de trabalho?

A Metodologia é sintomatológica porque se pesquisa, a partir de um único

acontecimento, a qualidade do todo. Através das nossas descrições atingimos o nível

das convicções direcionadoras (steering convictions) que guiam nosso comportamento

e os padrões que definem a seqüência destes acontecimentos. Em cada detalhe o todo está presente. Sintomas são manifestações de complexas realidades de vida, que se

manifestam como uma totalidade de maneira única. Queremos captar a expressão da

realidade múltipla e defini-la de forma sintomatológica. Trata-se da maneira com que o que é pesquisado se expressa na realidade social.

Exemplo

Uma organização está em franco crescimento por causa do seu excelente leque de

produtos comercializados em muitos países. Em função deste crescimento os

processos internos precisam ser constantemente adaptados. Trata-se nestes casos de

novas facilidades de produção, um planejamento mais complexo, novas condições de

trabalho, etc. Isto gera tensão entre os colaboradores. Cada vez que algo der errado,

eles se acusam mutuamente. A tensão aumenta. O Diretor Geral faz uma intervenção.

Num processo os colaboradores observam em conjunto as interfaces problemáticas

entre setores. Como conseqüência alguns processos são redesenhados, por exemplo, o

processo de desenvolvimento de novos produtos e sua introdução no mercado. Os colaboradores se tornam conscientes de que a culpa nem sempre é dos outros.

Encontramos o uso destes dois aspectos da Metodologia, a narrativa e a

sintomatologia, no trabalho de Hannah Arendts (Human Condition, 1958) e Martin Heidegger (1986). Safranski caracteriza a metodologia de Heidegger da seguinte

maneira: ‚A relação entre a experiência direta e a reflexão subjetiva sobre ela, foi

descrita por Heidegger como ´des-viver´: a situação se desintegra, o experimentar é

substituído pela auto-reflexão de um sujeito que está diante de objetos. A pessoa se distanciou do ser direto e encontra a si mesmo como o conjunto

de ‚objetos‛ externos, incluindo a si próprio, o sujeito. Estes objetos, incluindo o sujeito,

podem assim ser pesquisados nas suas características, conexões, causas, etc.; eles serão definidos de uma maneira analítica e no fim receberão alguns valores anexados.

Neste processo secundário os objetos ‚neutralizados‛ são colocados num contexto do mundo, ou, como o próprio Heidegger expressa,

eles recebem uma roupa para que não fiquem totalmente despidos.‛ (Safranski, 2000)

A Metodologia é fenomenológica, porque tudo o que a pessoa encontra, ela conecta

com os fenômenos pesquisados. Trata-se do observável, da manifestação do que aconteceu concretamente e o que foi feito de concreto em contextos sociais e que

também pode ser observado por outros. Fenômenos são principalmente também

fatos, experiências concretas e percepções de manifestações e resultados de interação e ação social. Delimita-se um campo de pesquisa em que fenômenos são procurados,

identificados e documentados.

Exemplo

Nas reuniões de equipe se discutem muitos assuntos. Chama atenção que alguns

pontos sempre voltam na pauta. Também chama atenção que se fala de forma muita

abstrata sobre eles. Quando se fala de maneira abstrata, todos formam uma imagem própria e diferente e os acordos não são mentidos. A partir do momento em que

exemplos são descritos, se conversa imediatamente de forma mais concreta uns com

os outros. Cada um entende melhor do que se trata. Se trabalharmos com descrições concretas de acontecimentos, se os fatos são trazidos, se soubermos, por exemplo, o

tamanho da questão, as diferenças de interpretação no diálogo de equipe se tornam

mais claras e os acordos mais concretos.

A Metodologia é empírica, porque os resultados da pesquisa são testados com todos os

presentes no campo de pesquisa, podem ser percebidos pelos participantes da

comunidade ativa no campo de pesquisa. Isto inclui não apenas a realidade observável

externamente, como também a realidade observável internamente, onde os envolvidos

e o responsável se encontram.

Exemplo

Cada ano os colaboradores da organização são perguntados o que consideram

questões de melhoria e a que é preciso dar atenção especial. Os colaboradores conversam sobre isto em grupos e assim se chega a uma lista de questões, que são

transformadas em perguntas com as quais é feita uma pesquisa entre todos os

colaboradores. Eles atribuem pesos pela importância da questão e os resultados, trabalhados estatisticamente, são devolvidos a todos os envolvidos. Cada equipe de

colaboradores recebe a sua própria pontuação e a média geral. Sob orientação de

‚donos de processo‛ as equipes discutem o resultado desta pesquisa, identificam o que

são assuntos que afetam a sua comunidade e desenham processos para trabalhar estas questões.

Os aspectos fenomenológicos e empíricos da Metodologia podem ser encontrados nas duas formas antigas de abordagem da ciência natural. A abordagem fenomenológica,

por exemplo, encontramos como fundamento para a obra científica de Goethe e outros

na pesquisa do conhecimento das cores e esta abordagem se diferencia da abordagem empírica do conhecimento das cores como tinha sido praticada por Newton. É a

constante diferença, presente ao longo de séculos, entre uma aproximação mais

orgânica da natureza e sua manifestação e uma aproximação racional e analítica.

Estas sete características da nossa metodologia são utilizadas de maneira integrada

entre si na prática de pesquisa e consultoria. Não se trata de métodos complicados que

somente podem ser usados por especialistas, mas do uso exato, criativo das características metodológicas pelo responsável num processo de pesquisa ou de

iniciativa, por exemplo no contexto de um processo de desenvolvimento organizacional

e um processo de mudança. Fazendo isto ampliamos a oportunidade de observar e

pesquisar a realidade social de tal forma que:

Nós a fazemos justiça.

Nós encontramos o ponto onde podemos fazer uma intervenção.

A aplicação da Metodologia da Evidência. Depois de descrever o quadro teórico e os elementos centrais metodológicos,

passamos a aprofundar a sua aplicabilidade. Quais são as possibilidades de trabalhar

com ela? De que maneira a Metodologia pode ser usada e aplicada? Para ilustrar o que nós descrevemos aqui, passaremos primeiro três exercícios que

podem ajudar a vivenciar a Metodologia. Em seguida descreveremos a forma em que a

Metodologia pode ser usada na prática.

Três possibilidades básicas de aplicação da Metodologia em processos de

desenvolvimento, mudança e inovação.

Para vivenciar a Metodologia da Evidência é preciso aplicá-la. Para isto servem três

possibilidades de aplicação em processos de desenvolvimento, mudança e inovação.

A primeira possibilidade de aplicação é uma pesquisa interativa da realidade social criada pela nossa maneira de agir.

A segunda possibilidade de aplicação é a pesquisa de processos de trabalho na forma

com que são desenvolvidos e realizados pelas pessoas na realidade social observável. A terceira possibilidade e aplicação é a pesquisa dos ‚direcionadores ocultos‛, na

forma como atuam em nós. Trata-se de convicções internas que direcionam nosso

comportamento.

Primeira possibilidade de aplicação: A pesquisa interativa da realidade social

Exploramos a realidade social utilizando as seguintes dimensões da Metodologia da

Evidência: O interativo/iterativo cíclico,

O biográfico,

O cíclico/longitudinal. Nós ativamos estas três dimensões ‚questionando a própria pergunta‛. Nosso ponto de

partida é que a realidade social que criamos se apresenta para nós na linguagem de

‚perguntas‛. Tornamo-nos conscientes disto no momento em que formulamos perguntas à realidade social que vivenciamos e observamos.

Três exemplos de perguntas da forma em que se manifestam na realidade e sua

evidência.

Exemplo 1: Se não cuidarmos da realidade social que criamos, ela se desintegrará. Ela

depende de nós. Isto vale para policy/políticas, para procedimentos e leis, mas

também para relações, máquinas e construções. O que é criado por nós requer que seja mantido e cuidado por nós.

Exemplo 2: Surgem problemas com os quais nos confrontamos. Quando isto acontece,

precisamos começar a observar mais precisamente o que está acontecendo e nos

aprofundar sobre o que está em jogo e do que se trata. Por meio de pesquisa

começamos a enxergar e vivenciar as desproporções na realidade social e podemos

procurar soluções. Estas soluções são pontos de vista que têm funcionado em outras

situações e que podemos aplicar. Problemas pedem soluções. Exemplo 3: Chegamos a um ponto sem saber como seguir. Algo precisa mudar. Quando

se trata de mudança, é preciso entrar realmente na questão em profundidade para

chegar a idéias criativas de como tratar a questão. Precisamos obter uma real compreensão da dinâmica do processo que se desenrola, encontrar as intervenções

corretas por meio de experimentações e criar decisões e ações que levem à

transformação e metamorfose da questão. A situação precisa mudar por completo.

Mudanças nos solicitam iniciativas próprias.

Ao formular perguntas em torno da questão, adentramos a questão. O importante é

como se fazem as perguntas de forma metodológica. Descrevemos a seguir de que

maneira estas três dimensões podem ser aplicadas nestas possibilidades de agir.

Pessoa A conta a pessoa B uma questão que acontece na situação de trabalho de A. Ela

quer obter um melhor entendimento desta questão. Pessoa B formula perguntas para pessoa A, que o ajudam a descrever a sua questão de

forma melhor e mais clara. Ela pede que A descreva os acontecimentos no tempo de

forma concreta, de tal forma que surja uma imagem do que pode estar acontecendo. Também se pesquisa como A se relaciona com a questão. Para isto B pergunta a A

como ela está ligada à questão e qual o papel dela na sua biografia e na biografia da

organização.

Resumindo:

A : - Conta sobre o seu local de trabalho e sobre o que o ocupa. - Esclarece a sua pergunta.

O objetivo desta abordagem não é que B chegue a um melhor entendimento da

questão, mas que B faça perguntas a fim de ajudar A a se expressar melhor e com maior clareza. Portanto, B presta atenção na maneira como A descreve a sua questão e se

relaciona com ela. Desta forma A é colocada numa posição em que ela se confronta

com a questão, em que ela precisa encará-la . Por meio deste procedimento surgem possibilidades pelas quais A chega a entender melhor sua questão e começa a

visualizar por si mesmo novas possibilidades para fazer próximos passos.

A qualidade essencial neste exercício é ouvir. Para reforçar esta qualidade B pode ouvir A em três níveis:

O primeiro nível é o nível do entendimento. O que A está falando mesmo? Para isto é

preciso concentração. O segundo nível é o nível do sentir. O que isto significa para A? Para isto é preciso

empatia.

O terceiro nível é o nível de descobrir a direção da vontade de A. A está enxergando um próximo passo? Para isto é preciso coragem.

A B

C

B : Faz perguntas - para ajudar A a descrever melhor para tocar na relação: --biografia pessoal e biografia da organização

- para explorar o ciclo de

acontecimentos.

C: - controla o tempo

- observa o processo

A realidade social obtém sentido, quando os envolvidos entram em interação uns com

os outros, quando a pergunta tem uma relação com as biografias dos envolvidos e a

organização e quando elas trabalham com isto ao longo do tempo e juntos passam pelo ciclo dos acontecimentos e reflexões.

Segunda possibilidade de aplicação: a pesquisa de processos de trabalho Nós moldamos o mundo que encontramos e formamos uma criação própria. Fazemos

isto por meio de processos de trabalho. À medida que trabalhamos, mudamos estes

processos de trabalho. Nisto aplicamos duas dimensões da Metodologia da Evidência:

Observar fenômenos

Fazer uma verificação empírica

Além disto, utilizaremos também os pontos de partida do primeiro exercício.

Pesquisamos processos de trabalho e fazemos intervenções, pelas quais os processos

de trabalho mudam. O processo de trabalho, o resultado deste processo e as atividades concretas do

processo de trabalho formam a matéria observável de uma organização em ação, em

que pessoas criam a realidade social, realizam mudanças e inovam. Estes elementos observáveis nos fornecem o material para a nossa pesquisa.

As pessoas que atuam na realidade social executam processos de trabalho e neles

fazem mudanças e melhorias. Elas agem em quatro dimensões:

- Criam valor para um cliente, - Há fluxo no processo,

- Há desperdício de diferentes tipos,

- Cria-se qualidade.

Esta segunda possibilidade de aplicação está voltada para a pesquisa do processo de

trabalho e para a realização de melhorias neste processo pelas pessoas que nele atuam.

Podemos seguir o seguinte procedimento:

Um grupo de colaboradores de uma organização escolhe um processo de trabalho que

não flui. Eles identificam o cliente deste processo. Quem recebe o resultado deste processo de trabalho? Eles analisam o processo em três níveis.

Nível 3 Quem é o responsável por Decisões

Nível 2 Qual é a constelação de pessoas envolvidas neste

processo de trabalho /

atividade

Nível 1

Qual é o ciclo de atividades

começando pelo cliente xxx xxx xxx xxx xxx xxx

Depois que o grupo de colaboradores mapear estes três níveis de processo, eles identificam os ‚pontos vermelhos‛ no processo. Os pontos vermelhos significam que há

um problema estrutural observável no processo e que pode ser melhorado. Por

exemplo, reduzir o desperdício, melhorar o fluxo e influenciar positivamente a qualidade do processo a favor do cliente.

O grupo escolhe um ponto vermelho e verifica quais idéias criativas os próprios

participantes têm que levem à melhoria. Eles selecionam as idéias com maior

perspectiva de dar certo e as experimentam na prática.

Seguindo este caminho os envolvidos no processo de trabalho pesquisam e vivenciam

a realidade social da forma que esta se manifesta num mundo por eles mesmos criado. Assim eles se vinculam intensivamente com este mundo e assumem também

responsabilidade por ele.

Terceira possibilidade de aplicação: descobrir as convicções orientadoras do nosso

mundo interior que dirigem nosso comportamento.

Nesta possibilidade utilizamos principalmente as duas últimas dimensões da nossa

Metodologia da Evidência, a saber: A narrativa que molda imagens vivas que expressam

Os sintomas: enxergando os padrões subjacentes.

Exploramos nosso mundo interior e percebemos como este mundo interior está

conectado à realidade social que criamos.

Valores e normas, convicções e ideologias atuam em nós e se manifestam nas nossas

concepções de condução de processos. Elas conferem direção e sentido ao nosso agir

e comportamento em situações concretas. A fim de chegar a mudanças no nosso agir e

comportamento devemos descobrir estas convicções orientadoras e as colocar em

movimento. Isto podemos fazer ao acolher novas idéias no nosso pensar e obter novas experiências em situações desconhecidas e corresponder a elas com um agir e

comportamento diferentes. Isto nos oferece a possibilidade de agir de uma nova

maneira na realidade social e enxergá-la de forma nova.

Podemos seguir os seguintes passos para descobrir convicções orientadoras:

1. Escolhemos uma situação concreta que esteja relacionada com a nossa questão de

mudança e observamos em que momento ela se manifestou.

2. A partir da memória, a pessoa que apresenta o caso descreve a situação o mais

concretamente possível, como um filme mostrando a seqüência de imagens. Ele

descreve o espaço, descreve os acontecimentos, descreve o que passou dentro de si

durante o acontecimento.

3. As pessoas que ouvem caracterizam a descrição, não expressando julgamentos (certoerrado), mas indicando o que chamou atenção na imagem que foi descrita.

4. Na situação descrita procuramos identificar em conjunto o que foram as convicções

orientadoras que surgiram na situação descrita. As convicções orientadoras dominantes são descritas e formuladas.

5. Exploramos com a pessoa qual convicção orientadora também é ativa em outras

situações e acontecimentos na organização. 6. Pesquisamos se a seqüência do processo indica uma possível necessidade de mudar

a convicção orientadora, a fim de possibilitar uma maneira diferente de agir na

situação descrita e em situações semelhantes.

7. Procura-se qual poderia ser uma outra convicção orientadora com a qual a pessoa poderia trabalhar em situações semelhantes e que poderia levar a um comportamento

mais adequado.

Através destes passos adquirimos uma compreensão no campo dos ´condutores

ocultos´, as convicções que nos direcionam nas nossas ações e comportamentos em

situações concretas. Isto pode levar a impulsos para procurar novas idéias e explorar situações desconhecidas, encontrando novas experiências que podemos integrar no

nosso agir e no nosso comportamento.

Por meio destas três possibilidades de agir podemos vivenciar as dimensões essenciais da Metodologia da Evidência de forma consciente. Elas permitem que possamos

experimentar o processo de desenvolvimento, mudança e inovação na realidade social.

Elas fornecem uma base para a aplicação da Metodologia da Evidência em contextos organizacionais.

A aplicação da Metodologia da Evidência em processos de desenvolvimento

organizacional.

A Metodologia da Evidência pode ser usada como metodologia de pesquisa em

processos de desenvolvimento organizacional.

De que forma a Metodologia da Evidência pode ser aplicada de forma cíclica em pesquisa e trabalho de desenvolvimento?

A aplicação cíclica da Metodologia da Evidência pode ser feita em processos de

desenvolvimento organizacional, inovação e mudança dentro da comunidade organizada.

Como isto funciona?

Alguém na comunidade se desperta por uma questão. A questão se manifestou em

atritos, incidentes, conflitos, quebra de padrões, processos de criação ou destruição de

valor. A questão é formulada em palavras no contexto da comunidade envolvida. É o

ponto inicial de um processo de desenvolvimento.

Quando um indivíduo recebe a responsabilidade para trabalhar a questão e se inicia

um processo de mudança e inovação, a Metodologia da Evidência se torna efetiva.

A questão é pesquisada. Quem está ligado a esta questão? Vimos esta questão surgir antes na biografia da comunidade organizada? Como a questão vive no mundo interior

das pessoas envolvidas? Há quanto tempo vimos esta questão surgir e o que

esperamos que apareça no futuro? Num processo circular a pessoa responsável procura pessoas que podem contar algo

relacionado à questão. Histórias são anotadas, reflexões e memórias são

documentadas. Também interpretações e julgamentos são registrados. O quanto as pessoas envolvidas vivenciaram a questão como séria e existencial. Que tensão se

formou, que significado desencadeou? A interlocução com uma pessoa aponta para a

próxima pessoa a ser contatada, até que não surjam mais novas informações.

A pessoa responsável também procura encontrar fatos e dados que possam apoiar ou contradizer as histórias relatadas. Através de observações concretas e análise do

material a imagem da questão se torna mais consistente. Por meio de verificação

empírica de como as pessoas envolvidas viram a questão, se torna claro que a questão é relevante para a comunidade e que exerce um papel na interação e experiência das

pessoas envolvidas. Agora a questão poderá levar

a ações e iniciativas para encontrar as intervenções necessárias para pôr a questão em movimento. Por meio disto ocorre um processo de trazer consciência e tomar

iniciativas, decisões sendo tomadas.

Por fim, as conclusões fundamentadas são testadas empiricamente para checar a

percepção e vivência por todos os envolvidos no campo de pesquisa. Estes podem ser, por exemplo, todos os colaboradores de uma organização, ou um grupo de clientes.

Esta Metodologia da Evidência faz com que a questão se torne perceptível, de forma que os envolvidos possam agir. Surge um processo de conscientização e tomada de

decisão em torno da questão. Torna-se possível tomar iniciativas.

A seguir uma representação em forma de lemniscata.

A pergunta

de pesquisa A biografia

da pergunta

Julgamentos Tomar decisões

Tomar iniciativas

Pesquisa

circular

Ações

Reflexão sobre a ação Verificação

empírica

Procurando

fatos

Descrições

narrativas

Podemos também ilustrar a Metodologia da Evidência através de um exemplo. Uma organização sofre do fato de que está perdendo clientes e que o faturamento está

diminuindo. Houve muitas discussões sobre a questão, mas não foi feito nada de

concreto pela direção e colaboradores. Um forte apelo dos colaboradores que trabalham com clientes levou a questão a ser discutida pela alta direção.

Eles, os membros da direção, reconheceram a questão e pediram a uma pessoa que

assumisse a responsabilidade de atacar a questão e ver o que estava acontecendo e o que poderia ser feito.

A pessoa responsável começa fazer uma investigação no ciclo de vida da questão e vê

se isto apareceu antes na biografia da empresa. Ele se fez a pergunta: isto aconteceu

antes e o que foi feito a respeito na época? A pessoa responsável também pergunta o que acontecerá à empresa se este processo não pode ser mudado?

Como a pessoa responsável age? A biografia da pergunta e os indivíduos e organismos relacionados a ela são levantados

a partir de casos concretos. Como a pergunta surgiu? Qual foi a origem, como foi

percebida, como escalou? Investigando estas perguntas viu-se que a questão já existiu antes que tinha uma

relação com a vulnerabilidade do produto no processo do cliente. A pessoa

responsável procura acontecimentos concretos na interação com clientes que podem

ser descritos numa forma viva e assim lançar luz na pergunta. Os colaboradores contam anedotas sobre acontecimentos com clientes e como isto os afetou

internamente. A pessoa responsável descobre a seriedade da questão para a

comunidade organizada. Este processo de pesquisa é feito pela pessoa responsável de uma maneira circular. Ele é conduzido para novas fontes de informação e pessoas, até

o momento em que não encontra mais novos aspectos da questão.

A partir de todas as descrições dadas a pessoa responsável pode deduzir características

da pergunta. Certos padrões se repetem e alguns ´condutores ocultos´ dominam a

ação das pessoas envolvidas. Os sintomas ao redor da pergunta se tornam visíveis e

podem ser vistos pelas pessoas envolvidas por meio de interação.

A pessoa responsável procura informações objetivas como estatísticas, documentação escrita e dados de pesquisas anteriores. Ela também tenta ver a questão atuando na

situação atual em que o cliente é atendido com o produto e tenta também identificar

os padrões subjacentes e os ´condutores ocultos´. Isto complementa o material já conseguido. No final a pessoa responsável checa os dados empiricamente com todas

as pessoas envolvidas, por meio de um questionário.

Com isto ele verifica se a pergunta tem sido observada por todas as pessoas envolvidas

e como ela foi vista. Quando desta forma as descobertas forem validadas pela sua

pesquisa, a pessoa responsável pode organizar uma interação viva entre os atores-

chave na questão para ver com eles qual pode ser o próximo passo para atacar a

questão e organizar a tomada de decisão pelos responsáveis.

Ao utilizar este processo de pesquisa a pessoa responsável pode encontrar orientação

nos seguintes dez pontos de vista: 1. Ao pesquisar a realidade social, tome consciência de que no grupo, organização ou

comunidade existem processos operacionais ou de trabalho nos quais colaboradores

executam suas tarefas, além de existirem processos de desenvolvimento, mudança ou inovação, nos quais as pessoas atuam para pesquisar e agir nas questões identificadas.

2. Investigue e estimule a consciência das pessoas envolvidas pela questão ou pergunta

com relação ao que esta significa para mudança e inovação da comunidade da organização em que a questão está sendo pesquisada.

3. Torne a pergunta, cada vez de novo, explícita durante o processo. A pergunta se

desenvolve enquanto está sendo pesquisada.

4. Dê atenção a três aspectos da realidade social : a constelação de pessoas envolvidas, as imagens do futuro vivendo nelas e os sistemas em que elas agem neste organismo

social.

5. Cuide do aprofundamento, não somente investigando as estruturas formais do organismo social, mas também preste atenção nas maneiras com que pessoas

trabalham e nos processos de trabalho atuais em que as pessoas agem, a fim de

adquirir uma compreensão das convicções condutoras que determinam a ação das pessoas envolvidas.

6. Cuide para que haja cooperação entre todos os envolvidos no processo de pesquisa

dentro do seu papel.

7. Cuide para que o processo de pesquisa seja ancorado no que move o contratante e o líder internamente.

8. Assegure que durante o processo sejam tomadas decisões de forma consciente.

9. Traduza problemas atuais no processo de pesquisa em novos passos do processo. 10. Dê atenção e espaço à percepção de que há diferenças nos papéis que os

envolvidos no organismo social exercem e a partir dos quais eles atuam. Dê atenção às

construções sociais em que envolvidos operam e participam na questão social.

Conclusão

A Metodologia da Evidência aqui descrita se desenvolveu nos últimos 30 anos num processo dialógico entre práticas de desenvolvimento organizacional e conceituação

teórica neste contexto. Minha tese Bewogen Organisaties (Organizações em

movimento) 1998 e o livro escrito posteriormente De organisatie als gemeenschap (A organização como comunidade) 2001 relatam este processo. O livro mais recente

Liderança Horizontal – Qualidades Centrais de Liderança 2010 desenvolve este

processo mais profundamente.

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Literatura

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Suhrkamp, Neue Folge Band 365

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Centro de Liderança Horizontal – Holambra, SP