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A MEDIDA PROVISÓRIA 871 E O PROGRAMA DE REVISÃO DE BENEFÍCIOS POR
INCAPACIDADE: considerações gerais e perspectivas
Solange Maria Teixeira 1
Sarah Moreira Arêa Leão2
RESUMO: O presente artigo visa analisar a Medida Provisória 871 e o Programa de Revisão de Benefício por Incapacidade do INSS do atual governo, desvendado as direções da austeridade buscada, se na dimensão de aplicação eficiente e eficaz dos recursos públicos para atingir os elegíveis desses benefícios e excluir os que fazem uso inadequado, ou se na direção neoliberal ortodoxo do Estado enxuto, e que abrem inúmeras oportunidades para o capital intervir oferecendo serviços e deixando margens de excluídos que não acessam ao mercado pela restrição de recursos e nem são cobertos pelas políticas públicas restritivas e seletivas.
PALAVRAS-CHAVES: Austeridade. Recursos Públicos. Políticas Públicas.
ABSTRACT: This article aims to analyze Provisional Measure 871 and the INSS Disability Benefit Review Program of the current government, unveiling the directions of austerity sought, if in the dimension of efficient and effective application of public resources to reach those benefits eligible and exclude those who make inadequate use, or in the neoliberal orthodox direction of the lean State, and which open up many opportunities for capital to intervene by offering services and leaving excluded margins that do not access the market by restricting resources and are not covered by restrictive public policies and selective KEYWORDS: Austerity .Public.Resources. Public Policy.
1 INTRODUÇÃO
A Medida Provisória 871, editada em 18 de janeiro de 2019 institui, no âmbito do
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o Programa Especial para Análise de Benefícios
com Indícios de Irregularidade e o Programa de Revisão de Benefícios por Incapacidade.
Institui, também, até 31 de dezembro de 2020, o Bônus de Desempenho Institucional
por Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade do Monitoramento Operacional de
Benefícios (BMOB), no valor de R$ 57,50 (cinquenta e sete reais e cinquenta centavos) por
1 Pós-doutoranda em Serviço Social pela PUC/SP, Doutora em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão, docente no Programa de Pós- Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí. [email protected] 2 Mestre e Doutoranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí. [email protected]
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processo integrante do Programa Especial concluído, e o Bônus de Desempenho
Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade (BPMBI), no valor de R$
61,72 (sessenta e um reais e setenta e dois centavos) por perícia extraordinária realizada.
Define as hipóteses em que um processo deve ser considerado com indícios de
irregularidade. Renomeia o cargo de Perito Médico Previdenciário para Perito Médico
Federal. Determina que os cargos de Perito Médico Federal, Perito Médico da Previdência
Social e Supervisor Médico-Pericial passam a integrar o Quadro de Pessoal do Ministério da
Economia.
Altera a Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990, que “dispõe sobre a
impenhorabilidade do bem de família”, para incluir a ressalva de que a impenhorabilidade
não é oponível em processo movido para cobrança de crédito constituído pela Procuradoria-
Geral Federal em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial recebido
indevidamente por dolo, fraude ou coação.
Altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que “dispõe sobre o regime
jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas
federais” para modificar o regramento da pensão por morte.
Altera a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, que “dispõe sobre a organização da
Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências”, determinando que o
INSS mantenha programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos
benefícios por ele administrados, a fim de apurar irregularidades ou erros materiais.
Altera a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que “dispõe sobre os Planos de
Benefícios da Previdência Social e dá outras providências”, incluindo regras para a prova de
união estável e de dependência econômica e estabelecendo carência para o recebimento de
auxílio-reclusão.
Estabelece que os valores creditados indevidamente em razão de óbito, em favor de
pessoa natural falecida, em instituições integrantes do sistema financeiro nacional, por
pessoa jurídica de direito público interno, deverão ser restituídos.
A Medida Provisória 871, dentre outras alterações, estabeleceu um sistema de
revisão de todo e qualquer benefício previdenciário suspeito de irregularidades.
A leitura detida do texto da lei, no entanto, revela tratar-se de uma “minirreforma da
previdência” por assim dizer, já que estabelece exigências que outrora inexistiam para a
manutenção dos benefícios previdenciários, o que poderá causar uma enorme instabilidade
e insegurança jurídica entre os segurados da Previdência Social
Com a instituição do Programa Especial para a Análise de Benefícios com Indícios
de Irregularidade, sujeitou ao reexame do INSS benefícios já concedidos e de qualquer
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natureza. Se antes o pente fino analisava benefícios assistenciais e por incapacidade, hoje
desde aposentadorias por idade até aposentadorias especiais e por tempo de contribuição,
pensões por mortes estão sujeitos a serem revistos e cessados.
Muito embora de forma muito acertada a MP 871 tenha instituído maneiras de
fiscalizar irregularidades e fraudes, entretanto, passou a aplicar contra o segurado da
previdência social a lógica do direito penal do inimigo.
Pela lógica do direito penal do inimigo (em alemão, Feindstrafrecht) - conceito
introduzido em 1985 por Günther Jakobs, jurista alemão, professor de direito
Penal e filosofia do direito na Universidade de Bonn. Segundo Jakobs, certas pessoas, por
serem inimigas da sociedade (ou do Estado), não detém todas as proteções penais e
processuais penais que são dadas aos demais indivíduos.
O objetivo deste artigo é analisar a Medida Provisória 871 e o Programa de Revisão
de Benefício por Incapacidade do INSS do atual governo, desvendado as direções da
austeridade buscada, se na dimensão de aplicação eficiente e eficaz dos recursos públicos
para atingir os elegíveis desses benefícios e excluir os que fazem uso inadequado, ou se na
direção neoliberal ortodoxo do Estado enxuto, e que abrem inúmeras oportunidades para o
capital intervir oferecendo serviços e deixando margens de excluídos que não acessam ao
mercado pela restrição de recursos e nem são cobertos pelas políticas públicas restritivas e
seletivas.
O artigo é resultado de uma pesquisa teórica, de base bibliográfica e documental,
como uso de metodologia qualitativa e análises de discursos expresso em documentos.
2 DA LÓGICA DA CIDADANIA PARA A DO DIREITO PENAL DO INIMIGO: exclusão sem
direito de defesa?
Jakobs (2012) propõe a distinção entre um direito penal do cidadão
(Bürgerstrafrecht), que se caracteriza pela manutenção da vigência da norma, e um direito
penal para inimigos (Feindstrafrecht), orientado para o combate a perigos e que permite que
qualquer meio disponível seja utilizado para punir esses inimigos.
Portanto, o direito penal do inimigo significa a suspensão de certas leis justificada
pela necessidade de proteger a sociedade ou o Estado contra determinados perigos. A
maioria dos estudiosos do direito penal e da filosofia do direito se opõem ao conceito
de Feindstrafrecht. Günther Jakobs, por sua vez, assinala que ele apenas descreve algo que
já existe, enquanto seus críticos dizem que ele assume uma posição afirmativa.
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Jakobs (2012) propõe que qualquer pessoa que não respeite as leis e a ordem legal
de um Estado - ou que pretenda mesmo destruí-los - deve perder todos os direitos como
cidadão e como ser humano, e que o Estado deve permitir que essa pessoa seja perseguida
por todos os meios disponíveis. Isso significa, por exemplo, que um terrorista que queira
subverter as normas da sociedade, um criminoso que ignore as leis e um membro
da máfia que só respeite as regras do seu clã devem ser designados como "não pessoas" e
não mais merecem ser tratados como cidadãos, mas como inimigos.
O conceito de inimigo contrapõe-se ao de cidadão. Este faz jus a penas restritivas de
direito, garantias no cumprimento da pena, entre outros. Aquele é tido como irrecuperável e
perde seu caráter de pessoa. O direito penal do inimigo é a materialização no mundo
jurídico da perda da fé em determinados tipos de seres humanos.
E quem é esse inimigo? Certamente se encontra no lado oposto de quem está no
poder, pois o conceito de inimigo é demasiado vago e fluído, permitindo que varie de acordo
com a ordem vigente e os interesses perquiridos pela gestão dominante. Na sociedade
ocidental atual os inimigos são os marginalizados, bêbados, prostitutas e demais pessoas
que a sociedade, em sua maioria, não gosta de ver e se incomoda com a presença.
A doutrina critica severamente a teoria exumada por Jakobs. Ao descrever os crimes
e penas de forma vaga fere de morte o princípio da legalidade. Pune pessoas, ideias e
estilos em detrimento da punição de fatos e sem especificação concreta.
Em situações extremas o direito penal do inimigo é utilizado como manobra política
para conceder uma falsa resposta aos anseios sociais quando crimes de maior gravidade
são cometidos, para diminuir a sensação de medo, insegurança jurídica e desamparo. Tiram
proveito de uma situação extrema gerada por graves violações de direitos e utilizam o
sensacionalismo criado para se promoverem através de um tratamento mais rígido ao
delinquente. O direito penal de emergência, a política do medo teve como sua maior
vertente o pós atentado terrorista de 11 de setembro, em que as leis de luta ou de combate
suprimiram diversos direitos de imigrantes eleitos como os inimigos.
De questionável constitucionalidade, por diversas vezes o direito penal do inimigo
deixa de ser exceção destinada a grupos terroristas, organizações criminosas, traficantes de
armas e de seres humanos para virar regra, afastando a subsidiariedade e
fragmentariedade do direito penal, indispensáveis em um Estado Democrático de Direito.
Se distancia da finalidade retributiva da pena ao punir atos preparatórios como forma
de antever e evitar a prática de atos executórios. Flexibiliza o iter criminis penalizando
crimes formais e de mera conduta, ferindo de morte o princípio da lesividade.
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Eugênio Raúl Zaffaroni, em sua obra O Inimigo no Direito Penal (2011, p.123)
sabiamente asseverou que:
A admissão jurídica do conceito de inimigo no Direito (que não seja estritamente no contexto de 'guerra') sempre foi lógica e historicamente o primeiro sintoma de destruição autoritária do Estado de Direito.
Em assim sendo, não há sentido em repetir os erros do passado e utilizar o direito
penal como válvula de propulsora de domínio e subordinação de um grupo sobre outro,
respectivamente.
O Estado Democrático de Direito, em tese, é avesso a punições estereotipadas e
aplicação do direito como meio para legitimar uma ditadura penal direcionada para alguns
grupos no afã de lhes dar invisibilidade social, embora possa tomar essa forma de
expressão, busca sempre formas políticas de resolução dos conflitos, mas não elimina as
formas repressivas para manter e impor uma ordem legítima
Essa lógica perversa e antidemocrática, evidencia a fragilidade jurídica da MP 871,
pois no Estado Democrático de Direito estabelecido pela Constituição de 1988 abomina tal
tipo de lógica e a nossa Carta Magna garante a todos os cidadãos, e em todos em
processos judiciais e administrativos, que sejam a todos garantido o contraditório e ampla
defesa.
Pelo princípio do contraditório tem-se a proteção ao direito de defesa, de natureza
constitucional, conforme consagrado no artigo 5º, inciso LV: “aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ele inerentes”.
O princípio do contraditório e da ampla defesa, em Direito processual, é um princípio
jurídico fundamental do processo judicial moderno. Exprime a garantia de que ninguém pode
sofrer os efeitos de uma sentença sem ter tido a possibilidade de ser parte do processo do
qual esta provém, ou seja, sem ter tido a possibilidade de uma efetiva participação na
formação da decisão judicial (direito de defesa). O princípio é derivado da frase latina Audi
alteram partem (ou audiatur et altera pars), que significa "ouvir o outro lado", ou "deixar o
outro lado ser ouvido também".
Implica a necessidade de uma dualidade de partes que sustentam posições jurídicas
opostas entre si, de modo que o tribunal encarregado de instruir o caso e proferir a sentença
não assume nenhuma posição no litígio, limitando-se a julgar de maneira imparcial segundo
as pretensões e alegações das partes.
Outro ponto criticável na MP 871, se dá pela falta de definição do que seria um
benefício identificado como irregular pelo INSS, fato que causa imensa insegurança jurídica.
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A norma precisa delimitar com exatidão de que se trata a irregularidade, sob pena de em se
tratando de norma extremamente genérica e indefinida, sujeitar a manutenção dos
benefícios à discricionariedade do INSS.
Um claro exemplo da discricionariedade e da lógica perversa do direito penal do
inimigo, é que o INSS mantém um link eletrônico e uma linha destinada a receber denúncias
sobre irregularidades de benefícios previdenciários. Assim sendo, qualquer benefício pode
ser alvo de denúncia infundada e ser revisto.
Soma-se a isso o fato de que muitos benefícios são concedidos judicialmente e
existe uma grande divergência na interpretação da legislação previdenciária entre o INSS e
o Poder Judiciário.
Isso ocorre em razão da autonomia administrativa que o INSS possui de editar suas
próprias instruções normativas e portarias que nem sempre coincidem com a legislação em
vigor.
Mesmo dentro do INSS existem divergências já que especialmente na questão da
concessão de benefícios, o próprio órgão previdenciário interpreta de maneira diversa a
legislação a depender de suas regiões, superintendências, órgãos recursais, sendo carente
de entendimento uniforme.
A Medida Provisória sequer delimitou o que consistem nos indícios de irregularidade
que podem sujeitar a revisão e posterior cessação de um benefício previdenciário e
estabeleceu um prazo curto para os segurados promoverem suas defesas junto ao Instituto.
O prazo é de dez dias após a notificação do segurado que pode ser realizada por
intermédio da rede bancária pagadora do benefício, por meio eletrônico, por meio de carta
simples e outros tantos meios possíveis como WhatsApp, e-mail, mensagem de texto, sem
especificar adequadamente de que forma se dará tal convocação.
Ora, neste ponto temos outro problema a ser enfrentado. Do imenso contingente de
beneficiários da previdência social, quantos possuem a adequada capacidade de ler e
compreender uma mensagem convocatória? Não é exagero dizer que uma grande parcela
dos segurados somente se dará conta da convocação quando forem sacar seus benefícios
e perceberem que não há dinheiro a ser recebido, a exemplo do que tem acontecido
corriqueiramente no caso dos pentes finos dos benefícios por incapacidade e de prestação
continuada.
Ademais, abriu-se a possibilidade de suspensão do benefício caso a defesa seja
considerada insuficiente pelo INSS. Trocando em miúdos, o procedimento adotado é em si
um impeditivo à produção de uma defesa adequada, seja pelo critério adotado para
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convocar os segurados, seja pelo prazo demasiado curto. Neste caso, suspende-se o
benefício e abre-se novo prazo, dessa vez de 30 dias para a apresentação de recurso.
Ocorre que o recurso não tem efeito suspensivo, ou seja: neste ínterim, o beneficiário
fica sem receber nenhum valor da Previdência Social. Se o órgão recursal julga o recurso
procedente, o benefício é reativado e os valores pagos, caso contrário, repentinamente o
segurado perderá sua renda.
3 AUSTERIDADE NEOLIBERAL: para além da eficiência e da eficácia, a redução do gasto
público a qualquer custo.
Em recente entrevista, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a
reforma da Previdência pode gerar uma economia de até R$ 1,3 trilhão em até 10 anos. De
acordo com ele, o valor mínimo a ser economizado será de 700 bilhões, podendo chegar a
dois terços a mais do que o esforço do governo anterior.
Conforme Reuters (2019, s/p) em entrevista dia 24.01.2019.
Estamos estudando os números e eles variam de R$ 700 a R$ 800 bilhões, a R$ 1,3 trilhão, então é uma reforma significativa e nos dará um importante ajuste estrutural fiscal. Isso terá um poderoso efeito fiscal e vai resolver por 15, 20, 30 anos. É isso ou seguimos (o caminho da) Grécia.
A proposta de reforma do governo anterior, de Michel Temer, originalmente previa
economia de R$ 800 bilhões, mas com os cortes propostos pelo Congresso Nacional
reduziram para R$ 480 bilhões. Sobre o Imposto de Renda cobrado das empresas, Guedes
disse que o governo analisa reduzir a alíquota de 34 para 15 por cento. Um contrassenso se
o objetivo fosse apenas reduzir gastos público e ampliar os recursos necessários para o
bom desempenho do aparato estatal. Todavia, fica bem claro que a austeridade buscada é
neoliberal ortodoxa, dura ou autoritária, que visa reduzir o Estado na reprodução da força de
trabalho e continua a manter e financiar as condições gerais de reprodução do capital,
especialmente, do financeirizado do atual estágio do capitalismo.
A partir da fala do Ministro da Economia, evidente fica que a lógica da Reforma é
tornar o Sistema Previdenciário mais eficaz, sob o ponto de vista contábil, para depois
transferi-lo para a iniciativa privada. Objetivo que não se apresenta explicitamente nos
argumentos trazidos pelos defensores da mesma, embora se consiga ler nas entrelinhas o
quadro em que se passa esse processo.
Os objetivos explícitos preconizados pela Reforma da Previdência Social no Brasil
são a gestão democrática das Políticas Públicas previdenciárias, alteração no sistema de
arrecadação, considerando a necessidade de redução das despesas públicas, otimização
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dos processos administrativos de análise e concessão dos benefícios, combate a fraudes,
irregularidades e redução da judicialização no âmbito da Previdência Social e da Assistência
Social, avaliando-se como urgente e relevante a implementação das medidas apresentadas.
Na proposição da MP 871, que foi encaminhada ao Congresso Nacional para
votação, foi incluída a seguinte justificativa: A adoção das medidas ora propostas permitirá
maior eficiência e eficácia da ação estatal voltada para a gestão de benefícios, viabilizando
o devido controle dos gastos públicos deles decorrentes e evitando o aumento indevido de
despesas e do déficit público. Além de propiciar ganhos efetivos, a sua implementação não
gera impacto financeiro negativo, em razão dos resultados previstos na eliminação de
pagamentos indevidos, aspecto de extrema relevância face às atuais restrições fiscais
decorrentes da crise que o país enfrenta e da necessidade de fiel cumprimento dos limites
de despesa impostos pelo novo regime fiscal instituído pela Emenda Constitucional n° 95,
de 2016. Todos esses elementos evidenciam a urgência e a relevância da medida ora
apresentada.
Entretanto, verifica-se claramente que todas as tentativas de reforma no Sistema
Previdenciário brasileiro não passaram de meros ajustes fiscais para atender e reduzir os
gastos públicos, evitando o aumento de despesas e do déficit público e beneficiando o
mercado privado, em uma lógica de austeridade fiscal neoliberal, a fim de atender aos
ditames do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BM) que trabalham
para difundir políticas neoliberais de livre mercado e criação de novos nichos para esses
mercados, antes sob a oferta pública, mas que precisam ser encaminhadas para o mercado,
tornando o Estado mais enxuto e menos oneroso, não importando se isto deixar uma
imensa margem da população desprotegida ou subprotegida por benefícios mínimo. Esses
organismos são os intelectuais orgânicos da nova burguesia, aliado a outros da Escola de
Chicago com seu ultraliberalismo.
A influência do FMI é clara, tanto é verdade que para o FMI, a reforma da
previdência é uma prioridade para garantir a sustentabilidade das contas do governo
brasileiro no longo prazo.
O Programa de Revisão de Benefícios proposto pela MP 871 replica um modelo, já
adotado e bem-sucedido, instituído pela MP n° 767, de 6 de janeiro de 2017, convertida na
Lei n° 13.457, de 26 de junho de 2017, que estabeleceu o Bônus Especial de Desempenho
Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade (BESPPMBI). O BESP-
PMBI foi pago ao médico-perito do INSS para cada perícia médica extraordinária realizada
referente à revisão de benefícios por incapacidade mantidos sem perícia há mais de dois
anos, contados da data de publicação da referida MP.
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Até outubro de 2018, foram cessados 412.274 benefícios de auxílio-doença que
estavam sendo mantidos mesmo com a recuperação da capacidade laborativa do segurado,
demonstrando o enorme potencial de combate a irregularidades promovido pela instituição
do bônus. Logo, austeridade é necessária para a boa aplicação dos recursos públicos. Mas,
nos governos neoliberais visam não apenas essa aplicação racional, destinadas aos fins a
que fora proposto pela política pública, mas reduzir gastos a qualquer preço.
Considerando aqueles resultados, a MP 871 propõe instituir o Programa de Revisão
com duração até 31 de dezembro de 2020, que tem por objetivo realizar perícias médicas
extraordinárias em relação a benefícios por incapacidade mantidos sem perícia há mais de
seis meses, que não possuam data de cessação estipulada ou indicação de reabilitação
profissional e a outros benefícios de natureza previdenciária, assistencial, trabalhista ou
tributária, além do acompanhamento de processos judiciais de benefícios por incapacidade
visando a redução deste tipo de concessão, ampliando o escopo da medida instituída pela
MP nº 767, de 2017, convertida na Lei nº 13.457, de 2017.
Hoje há 2,5 milhões de BPC para pessoas com deficiência ativos, que, junto com os
2 milhões de BPC para os idosos, representam um gasto mensal de R$ 4,3 bilhões. No ano
de 2017, a despesa total com o pagamento do BPC superou R$ 50 bilhões, e embora
prevista legalmente a revisão para verificação se cessou ou não o motivo da inclusão no
benefício, ela não era realizada como prevista de 2 em 2 anos. Todavia, a retomada dessa
revisão vem num contexto de austeridade neoliberal que visa reduzir gasto público e não
apenas verificar a elegibilidade para acesso ao benefício, evitando as fraudes e seu uso
inadequado para quem dele não precisa, enquanto os que precisam não acessam por
desinformação.
Berenice Rojas Couto, em seu livro “O Direito Social e a Assistência Social na
sociedade Brasileira: uma equação possível”(2012), nos alerta que a Assistência Social,
como política pública, se encontra cada vez mais excluída do campo de obrigações do
Estado, em função das políticas neoliberais incorporadas às práticas executivas do
Governo.
No atual governo reduziu-se em torno de 50% os recursos orçamentários destinados
a área, afetando a manutenção do benefício de prestação continuada e os serviços
socioassistenciais já marginalizados em termos de investimentos.
O Estado brasileiro é refratário ao controle público e popular às suas ações,
encontra-se na área da Assistência Social, um tipo particular de cidadania, a invertida
(FLEURY, 1994). Ou seja, aquela que caracteriza a relação do Estado com a população
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pela ausência de cidadania, considerada passaporte para o ingresso na Assistência Social
(COUTO, 2012, p.174-175).
Essa característica se acentua na contemporaneidade, como as medidas de
eliminação de órgãos colegiados ou conselhos que tenham sido criados por decretos,
fechando o diálogo com a sociedade civil e reduzindo seu papel no controle social. A
restrição da Assistência Social no atendimento a novas situações de vulnerabilidade e riscos
sociais, num momento em que vai crescer seu público quando da aprovação da Reforma da
Previdência Social, pois muitos não conseguiram mais se aposentar e buscarão essa
política que tende a ser cada vez mais seletiva, mostra que muitos ficarão desassistidos.
A Reforma da Previdência levada a efeito pelo atual Governo deveria
necessariamente levar em consideração os direitos adquiridos e a manutenção do conceito
de Seguridade Social, enquanto conjunto integrado de políticas e ações no campo da
previdência, saúde e assistência social. Todavia, há tentativas na PEC 06/2019 de retirar a
Previdência Social desse rol de políticas e restringi-la a lógica do seguro medida pela
capacidade contributiva e posteriormente mudar para o sistema de capitalização.
Desmantelando a integração conceitual entre os vários componentes da Seguridade,
introduzida na Carta de 1988, um dos maiores avanços a serem preservados, mas que vem
sendo duramente atingidos.
4 CONCLUSÃO
A reforma da previdência social é um dos elementos fundamentais do processo de
transição pelo qual passa a sociedade brasileira. Conseguir a estabilização monetária a
qualquer custo — diga-se de passagem, com custos sociais elevados — desmontando
direitos, nos coloca numa situação de repensar o modelo de desenvolvimento sustentável
para o país.
O momento requer, antes de tudo, uma discussão democrática de deliberação
pública, antes da tomada de qualquer decisão precipitada ou da utilização antidemocrática
da lógica do direito penal do inimigo ou a lógica da austeridade buscando só a eficiência e a
eficácia, pela redução do gasto público a qualquer custo, devemos analisar as questões
envolvidas sob a lógica de um pluralismo de concepções culturais e sociais, que são
pressupostos para a tomada de qualquer decisão, mormente quando o assunto for
previdência social.
Qualquer deliberação coletiva sobre as questões da reforma previdenciária para
ocorrer, faz-se necessário, que sejam chamados ao debate e com a participação e a
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integração de todos os sujeitos envolvidos (Estado, Sociedade e Segurados-Cidadãos), pois
somente com essa deliberação coletiva e democrática, que contaria com razões e
argumentos plurais e diferentes, é que poderíamos materializar um processo público de
institucionalização de interesses plurais, e como resultado: uma reforma da previdência
democrática e deliberativa.
Infelizmente, no atual estágio em que se encontram as forças de deliberação, seja
pela redução por nosso atual Governo dos espaços decisórios de participação
pública/popular (Ex: esvaziamento do papel dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais,
esvaziamento e dissolução de Conselhos deliberativos), vemos uma redução cada vez
maior dos fóruns populares deliberativos que foram constituídos historicamente e que se
propunham a ampliação das formas de participação, com o encolhimento desses fóruns de
debate público e democrático, se enfraquece e deixa de fora do debate as razões e os
argumentos não contemplados pelas fórmulas estatais.
Faz-se necessária a ampliação da participação democrática como pressuposto da
reforma da previdência, o debate público é salutar e necessário, as informações detidas pela
máquina burocrática do Estado precisam ser postas ao debate público, o contra argumento,
o conflito de interesses é salutar. Assim, somente com a possibilidade de reconstruirmos os
arranjos deliberativos e fóruns populares de debate, em que os interesses distintos (maiorias
e minorias) possam argumentar sobre suas posições é que poderíamos repensar a reforma
da previdência, como caminho democrático de deliberação pública pelo qual poderíamos
conduzir todas as nossas reformas.
REFERÊNCIAS
ALVRITZER, Leonardo. Sociedade Civil e participação no Brasil democrático.
In:ALVRITZER, Leonardo (Org.) Experiências nacionais de participação social. São
Paulo: Cortez, 2009.
BRASIL. Medida provisória nº 871, 18 de janeiro de 2019. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 18 de janeiro de 2019 – Edição Extra
A, p.1.
BRASIL. Medida provisória nº 767, 06 de janeiro de 2017. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 06 de janeiro de 2017. Seção 1, p.1.
1
BRASIL. Lei nº 13457, 26 de junho 2017. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 27 de junho de 2017.. Ed. 121. Seção 1,
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COUTO, Berenice Rojas. O Direito Social e a Assistência Social na Sociedade Brasileira –
Uma equação possível? . São Paulo: Cortez, 2006.
FLEURY, Sônia. Estado sem cidadãos: seguridade social na America Latina. Rio de Janeiro:
Fiocruz, 1994. A
ZAFFARONI, Eugenio Raul. O Inimigo no Direito Penal – Coleção Pensamento
Criminológico – Vol. 14. Rio de Janeiro: Reva