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A MANIFESTAÇÃO CULTURAL DA CAPOEIRA NO MUNICÍPIO DE SÃO JORGE
DO PATROCÍNIO: ELEMENTOS PARA O ENSINO DA CULTURA
AFRO-BRASILEIRA
Cleusa Ortiz Ferreira
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Altair Bonini2
RESUMO
Muitos educadores do Brasil procuram maneiras de como ensinar a história e cultura africana e afro-brasileira para os estudantes da educação básica. A realidade é que são poucos os materiais didáticos produzidos sobre o tema e as dúvidas quanto à metodologia e conteúdos são grandes. Por meio do estudo da manifestação da capoeira no município de São Jorge do Patrocínio (PR), procuramos abordar um conteúdo que pode ser trabalhado pelos professores, com uma metodologia pouco conhecida nas escolas: o filme etnográfico. Desta forma, nos propomos discutir como se deu a confecção deste material didático, bem como, sobre o ensino da história afro-brasileira e da capoeira nas aulas de História.
Palavras-chave: Ensino de História; cultura afro-brasileira; cultura; capoeira; filme etnográfico.
1 INTRODUÇÃO
Ao propormos um estudo sobre a capoeira e como ela se apresenta no
município de São Jorge do Patrocínio/PR, procuramos desde logo buscar
alternativas de como mostrar para os alunos como esta prática cultural traz consigo
elementos formadores da identidade cultural e de resistência dos povos de origem
africana trazidos para o Brasil a partir do século XVI, de forma involuntária e
violenta. A partir daí, buscamos conhecer a história da capoeira e a pensar uma
1 Professora da Rede Pública Estadual do Paraná – Participante do PDE – 2010. 2 Professor do Colegiado de História da Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR – Campus
de Paranavaí.
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maneira alternativa de discutir sua prática em nosso município, surgindo assim a
ideia da elaboração do filme etnográfico.
Conforme ocorre o processo de efetivação da Lei Federal n° 10639 de março
de 2003, a cultura afro-brasileira torna-se mais presente nos currículos escolares. A
inclusão destes conteúdos nas instituições de ensino representa uma situação um
tanto nova para os educadores, gestores e comunidade escolar. Tratam de
conteúdos referentes às manifestações culturais oriundas das camadas subalternas.
Um dos movimentos a ser observado no desenvolvimento deste trabalho é a
capoeira, na qual, por um longo período foi condenada e proibida pelas classes
dirigentes. Paradoxalmente nas últimas décadas vem sendo valorizada e ganhando
maior visibilidade. “Em 15 de julho de 2008, a “Roda de Capoeira” e o “Ofício dos
seus mestres” foram registrados nos Livros das “Formas de Expressão” e no de
“Saberes” como bens imateriais brasileiros” (PELEGRINI, 2008, p.146). Tal fato
denota a importância da capoeira para nossa cultura, sendo esta compreendida de
várias formas.
Com efeito, embora tal termo expresse várias ideias, de alguma forma nos remete às origens de uma luta de resistência à escravidão e, fundamentalmente, à construção e reconstrução permanente de uma identidade étnica; e como sabemos a salvaguarda de um bem material ou imaterial só tem sentido se esse patrimônio for reconhecido pela comunidade, se estiver relacionado ao sentimento de pertença desse grupo e incluso na sua dinâmica sociocultural. (PELEGRINI, 2008, p. 149)
Como expresso acima, a capoeira, representa a luta contra a escravidão, os
valores da negritude, a identidade de um povo. Todavia, a capoeira, desde seu
surgimento foi negada, perseguida e criminalizada, mas atualmente vem sendo
valorizada, principalmente com status de esporte regulamentado, demonstrando a
sua aceitação em muitos meios da sociedade.
Como este tema aparece nas aulas de história foi uma das questões que nos
chamou atenção. Isto porque, apesar de ser muito presente no cotidiano das
crianças e jovens, historicamente exerce uma função de grande importância, visto
que no âmbito educacional geralmente são os professores de Educação Física que
se dedicam a trabalhá-lo como conteúdo em suas aulas; dentro do eixo das lutas e
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esportes e algumas vezes, aparece nas aulas de Arte com a finalidade de abordar a
questão da dança e da musicalidade afro-brasileira.
Entretanto, devemos atentar para como isto está sendo realizado. Para o
professor José Luiz C. Falcão (1996), a capoeira se tornou mais evidente e aceita à
medida que foi cooptada pelas classes dominantes. Ele chama atenção para a esta
questão e o perigo da descaracterização desta arte/luta, uma vez que passasse a
desconsiderar seu aspecto histórico e cultural. Assim, segundo este estudioso, o
estudo da capoeira, na escola, “pode aglutinar elementos concretos denunciadores
dos mecanismos de opressão que vigoraram e continuam vigorando na sociedade
brasileira”, por outro lado se for ensinada apenas como uma “modalidade técnica” da
Educação Física suas características “essenciais podem estar sendo alteradas”.
Seguindo este raciocínio, podemos perceber como a capoeira pode ser ensinada e
mostrada de forma equivocada, por exemplo, em muitos filmes hollywoodianos, nos
quais é mostrada apenas como uma arma para roubar e/ou eliminar os inimigos.
Acreditamos que as aulas de história são importantes para a formação
cultural e crítica dos indivíduos, e que a capoeira enquanto conteúdo histórico pode
auxiliá-los no entendimento deste passado, uma vez que, nos permite estabelecer
uma ponte com o presente que se apresenta. Isto nos remete a ter como ponto de
partida pensar como se dá a presença da capoeira e seu significado em nosso
município, bem como, indagar sobre sua origem. Como citado acima, a professora
Sandra C. A. Pelegrini (2008, p.146), indica-nos que suas práticas remetem ao
mesmo tempo a “pretérito longínquo e, simultaneamente, presente nas redes de
sociabilidade contemporâneas”, isto posto, metodologicamente, nos remete a
importância de mostrar, para os alunos, por meio de filmes, imagens e textos, como
a capoeira era praticada em outros tempos e como isto se dá na atualidade, bem
como, a apontar como ela é praticada em outros lugares e em nossa região.
No Município de São Jorge do Patrocínio estão presentes diferentes
manifestações da cultura afro-brasileira, como na maioria dos municípios do Brasil.
A capoeira é contemplada, sempre ressaltada por mestres capoeiristas da região,
nas escolas de capoeira, mas principalmente em atividades voltadas para a
comunidade local, ligada a projetos educacionais, na maioria das vezes financiadas
pelos governos do próprio município. São estes sujeitos que fazem, vivem, valorizam
e divulgam a prática da capoeira e mantém viva sua tradição histórica e valores,
nessa região.
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Desta forma, tendo por base a discussão acima e a valorização desta
experiência, iniciamos um projeto que pudesse, além de mostrar a história da
capoeira e sua importância para a identidade negra no Brasil, que também
evidenciasse como ela é praticada em nosso município.
Assim sendo, idealizamos a elaboração e produção de um vídeo, estruturado
a partir da metodologia dos filmes/documentário etnográficos. Este gênero de
produção fílmica se preocupa com os temas sociais e culturais, a fim de revelar uma
sociedade à outra, tendo como atores sociais principais, os sujeitos e suas
experiências. São os atores sociais que figuram em primeiro plano nas filmagens, no
qual são realizadas espécies de entrevistas, mas o entrevistador não aparece,
apenas, suas falas são valorizadas.
Desta forma, o filme etnográfico que produzimos, serve de meio para abordar
as diferentes temporalidades e espacialidades de prática da capoeira, ao mesmo
tempo evidencia que para trabalhar a história e cultura afro-brasileira não
necessitamos referendar os lugares distantes e realidades que não são entendidas
pelos jovens educandos. Sendo assim, podemos ensinar que a história e cultura
afro-brasileira não é algo folclórico e do passado remoto, ela está presente em
nossas cidades, mesmo as do interior do Paraná, porque ela faz parte da cultura de
todo país.
Desse modo, o presente artigo é uma discussão e descrição deste projeto de
intervenção pedagógica que resultou na elaboração de um material didático (vídeo
etnográfico – disponível no Portal Educacional do Estado do Paraná) e que
compartilhamos com vocês. Para uma melhor didática dividimos o presente texto em
três partes, primeiramente destacamos o que é a capoeira, como ela aparece na
história do Brasil e como é sua prática no município de São Jorge do Patrocínio. Na
segunda parte apresentamos como aconteceu a elaboração do filme etnográfico e
sua utilização na sala de aula. Por fim, uma pequena discussão de como vem
desenvolvendo-se a temática da capoeira na disciplina de história e a importância de
resgatar e valorizar a cultura afro-brasileira não só no ambiente escolar, mas
também na comunidade em que os educandos estão inseridos.
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2 BREVE HISTÓRICO DA CAPOEIRA: ORIGEM, PERSEGUIÇÃO E
RECONHECIMENTO
A capoeira é um dos elementos da cultura afro-brasileira mais significativos,
ela representa desde muito a busca por liberdade e igualdade dos povos africanos
escravizados no Brasil já desde o século XVI. Sua expressão foi codificada no corpo
do homem, suas palavras através de cantos e ladainhas, seu ritual mistura
vontades, conceitos e devoção religiosa.
Quanto à origem da capoeira não existe um consenso devido à falta de
documentação histórica. Entre as fontes de pesquisas que resistiram à ação do
tempo estão às tradições orais, poucos registros escritos e algumas imagens.
Conforme o historiador José Carlos Reis a “[...] capoeira é uma manifestação cultural
brasileira nascida em circunstâncias de luta por liberdade, nos tempos da
escravidão”. Embora africanos de origem banta tivessem sido levados para diversos
outros países, na mesma época, somente na América portuguesa esta prática se
desenvolveu (REIS, 1997, p. 19).
De acordo com os autores Vieira e Assunção (1998), a origem da capoeira
ainda é um enigma que vem sendo investigada por vários pesquisadores de
diferentes áreas. Para alguns, a capoeira era praticada pelos Angolas como dança
religiosa (MARINHO apud FREITAS, 1997, p. 13). Para Waldeloir Rego (1968), tudo
leva a crer que a capoeira seja uma invenção dos africanos no Brasil, desenvolvida
por seus descendentes afro-brasileiros, tendo em vista uma série de fatores colhidos
em documentos escritos e, sobretudo, no convívio e diálogo constante com
capoeiras antigos da Bahia. Também, existe a hipótese da capoeira ter surgido da
necessidade de resistência do escravo, como este não detinha “armas suficientes
descobriu no próprio corpo mecanismos de defesa, imitando animais e estruturas
das manifestações trazidas da África“. (AREIAS apud FREITAS, 1997, p.13).
Documentos históricos, datados do século XVII, apontam para o
desenvolvimento da capoeira primeiramente vinculado a gênese urbana da colônia.
Então, o nascimento da capoeira se deu nas primeiras grandes cidades do Brasil, ou
seja, em Salvador e Rio de Janeiro, sendo marcada sua presença também em
Pernambuco. Contudo, a maior parte da documentação sobre a capoeira é da
primeira década do século XIX, no Rio de Janeiro. Isto porque com a chegada da
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Corte Portuguesa em 1808 nestas terras, D. João VI criou a Intendência Geral de
Polícia da Corte do Estado do Brasil, iniciando grandes modificações no sistema
policial. Sendo uma maneira de controle social, neste período de forma gradual
cresceu a presença da capoeira nos registros policiais e processos jurídicos.
(SOARES, 2002/ARAÚJO, 2005).
Porém a capoeira somente ganha projeção entre os escravos e passa a ser
repreendida pelas classes dominantes a partir do fenômeno que foi o Quilombo dos
Palmares no final do século XVII. Foi neste momento que a capoeira passou a ser
utilizada como recurso de ataque e defesa. A superioridade de luta dos escravos
foragidos chamava a atenção dos grupos armados, encarregados de destruir o
Quilombo dos Palmares, espalhou-se então a fama do “jogo da capoeira”, depois
chamado “capoeiragem” (GLADSON DE SILVA, 1993, p. 13). Assim, com a extinção
de Palmares a capoeira desenvolveu-se em todos os lugares.
Como representava uma ameaça ao sistema de controle implantado na
colônia portuguesa pelos grandes proprietários, o termo capoeira passou a ser
relacionado à ideias de arruaceiros e malandros, vinculada a vadiagem, desordem e
marginalidade. De acordo com Mello (2002) “[...] a prática se dava de maneira
clandestina, pois, uma vez que ela era utilizada como arma de luta, os senhores de
engenho passavam a coibi-la veemente, submetendo as terríveis torturas de todos
àqueles que a praticassem”. Mas os povos escravizados encontraram meios de
continuar usando o corpo como uma arma contra a opressão em busca da liberdade.
Para poderem adestrar seus corpos à vista de seus senhores, disfarçavam os movimentos de luta numa dança, passando assim, uma imagem de simples divertimento, e quando fugiam da senzala eram encontrados, procuravam se defender com seus coices, cabeçadas e rasteiras para não serem conduzidos ao cativeiro (SANTOS 1990).
Segundo Filho (2009), no século XIX, durante o Primeiro e no Segundo
Império, a capoeira passou a ser muito popular no Rio de Janeiro, que por ser
combatida pelas elites e estado, se tornou comum na crônica policial e a ser
instrumento político, principalmente integrando campanhas de período eleitoral.
Contudo, em outros momentos a capoeira é utilizada pelo poder conforme
seus interesses, por exemplo, durante a Guerra do Paraguai (1865-1870), o próprio
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governo foi apoiar-se nos capoeiras, de vários pontos do país, requisitando-os para
lutar e defender o país, com frequência os senhores enviavam os escravizados em
troca de sua participação ou de seus filhos. Os capoeiras foram enviados “[...] na
condição de soldados chamados zuavos, que lutavam pela liberdade (também havia
soldados regulares, mercenários e voluntários). Consta que muitos desses zuavos
tiveram atos de bravura, e chegaram a receber condecorações”. Outro fato que
chama a atenção foi a existência da Guarda Negra, uma associação de fanáticos
objetivando defender a princesa Isabel e, naturalmente, frequentada por capoeiras
(FILHO, 2009, p. 3).
A mudança de regime político em 1889, com seus ideais de modernização e
de ordem na sociedade brasileira só fizeram aumentar a perseguição à capoeira,
sendo que, o primeiro presidente da República, Marechal Deodoro da Fonseca
concedeu grande poder ao chefe de polícia Joaquim Sampaio Ferraz, para perseguir
e acabar com esta atividade. Neste sentido, com a elaboração do Código Penal, em
1890, foi incluído a criminalização da prática de capoeira na seção denominada
“Vadios e Capoeiras”, no capítulo XIII, nos artigos 402, 403 e 404, com pena de
prisão celular de dois a seis meses (FILHO, 2009, p. 4).
Mas será que os capoeiristas representavam mesmo uma ameaça a ordem
social e ao modelo burguês que os republicanos queriam implantar no Brasil? De
certa forma, sim, pois, “na realidade era prática de vida que valorizava a liberdade
individual e de pequenas comunidades, as maltas [...] no Rio de Janeiro de 1890 a
1950, capoeiras e malandros (não confundíveis com ladrões) foram
equivocadamente inseridos no âmbito de violência urbana, entretanto a vida desses
elementos refletia uma postura contra a obrigatoriedade social do trabalho” (FILHO,
2009, p. 5). Se analisarmos o contexto do pós-abolicionismo, esta situação fica mais
evidente, visto que neste período tem-se uma forte disciplinarização para o trabalho
livre e assalariado.
Gladson de Oliveira Silva (2002), aponta como a capoeira conseguiu ter certa
aceitação pelos governantes no decorrer do século XX. Entre os principais fatos
destacados por Gladson estão o surgimento em 1907 do “Guia da capoeira ou
ginástica brasileira”, cujo autor é desconhecido, pois por segurança assinou a obra
apenas com as iniciais O.D.C. Seria uma tentativa de instituição de uma “ginástica
brasileira”. No ano de 1928, foi publicada por Aníbal Burlamáqui a obra “Ginástica
nacional (capoeiragem) – metodizada e regrada” também na linha da
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institucionalização, propondo algo mais “organizado”, estabelecendo regras, e,
assim, indicando a capoeira como jogo desportivo. A primeira academia de capoeira,
oficializada pelo governo, surge em 1932, sendo seu idealizador o baiano Eugênio
Velho Brotas. Sendo a capoeira considerada, oficialmente pelo Ministério de
Educação e Cultura, uma modalidade esportiva no ano de 1972 (SILVA, 2002, p. 22-
23).
Fato ímpar para o reconhecimento da capoeira foi realizado por Manuel dos
Reis Machado, o mestre Bimba (1900-1974). Já em 1937, “obtém reconhecimento
oficial (alvará) de sua Academia de Capoeira, a primeira a ser criada no Brasil
(1932), porém não usando o nome que carregava aquela carga preconceituosa;
chamou-a Centro de Cultura Física e Luta Regional. Ainda em 1937, ele consegue
registro de seu curso de Capoeira, integrado na área de Educação Física” (FILHO,
2009, p. 6).
Mais recentemente temos a criação da Confederação Brasileira de Capoeira,
em 23 de outubro de 1992 e de 23 federações de Capoeira, no Brasil, até 1995.
Bem como, “a eleição da Confederação Brasileira de Capoeira como oficial do
Comitê Olímpico Brasileiro, em 20 de fevereiro de 1995. Nesse mesmo ano, a CBC
é associada ao Comitê Olímpico Internacional” (FILHO, 2009, p. 7).
Falcão (1996), em sua obra “A escolarização da capoeira”, reflete sobre a
discussão travada por alguns pesquisadores em torno da descaracterização da
capoeira enquanto produto efetivamente de origem afro-brasileiro, uma vez que a
partir da criação da capoeira denominada de “Regional” e a sua maior aceitação por
integrantes de outros grupos sociais. O autor assevera sobre a condição da
capoeira, na qual não pode ser negado seu aspecto dinâmico inerente às
manifestações culturais, ou seja, que como outros elementos da cultura, não pode
ser visto como algo estático e que não recebeu influência de outros povos e grupos
sociais.
3 RECONHECENDO A CAPOEIRA: ALGUNS ELEMENTOS
Para Santos (2002), a capoeira contém elementos estruturais que referem-se
a “construção da identidade social urbana do país” pois, sua prática não diz respeito
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somente aos capoeristas, remete a um estilo de vida, um complemento cultural, está
ligado com a música, movimentos corporais, instrumentos, conjunto de rituais, entre
outros aspectos. Descrevemos, de forma sucinta, alguns destes elementos que deve
ser levado em consideração pelos professores que se propõem a trabalhar com a
capoeira.
3.1 Capoeira de Angola
A Capoeira de Angola não se remete a região geográfica (país situado no
Oeste Africano), na verdade a palavra Angola é uma homenagem aos escravos e
descendentes africanos que tinham as suas raízes no continente Africano e que
viviam no Brasil, assim como os brasileiros, os angolanos também foram
colonizados pelos portugueses. A denominação capoeira de Angola foi criada depois
da capoeira regional, pois antes disso não era necessária a distinção. Foi criada
para caracterizar essa prática, em oposição às transformações empreendidas por
mestre Bimba com a capoeira regional. É considerada por muitos, como um
processo de “descaracterização” da “autêntica” capoeira, a capoeira mãe.
A malícia é uma das principais características do jogo de Angola ela é seu
fundamento, este é o segredo da capoeira angola, pois com habilidade um capoeira
deve surpreender o adversário, distrair seu rival, brincar com ele, enganando-o,
mostrando-se desprotegido, para ser atacado justamente onde deseja e, assim,
lançar seu contra-ataque com mais eficácia. Um capoeirista não deve entrar em
choque direto com seu parceiro, porque assim a harmonia do jogo será rompida. A
harmonia desenvolve o próprio jogo. Seus movimentos são com jogo baixo, por isso
grande parte requerem que ambas as mãos estejam apoiadas no chão, as pernadas
são em geral, de pouca altura sendo que as pernas fiquem flexionadas e o tronco e
a cintura a baixa altura. A Capoeira Angola se realiza com ritmo lento, com domínio
do corpo e da mente.
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3.2 Capoeira Regional
Ao contrário da capoeira de Angola, são identificadas pelos golpes bem
definidos, pernas esticadas, movimentos amplos, jogo alto e objetivo. Criada em
1928, por mestre Bimba, que utilizou os conhecimentos da Capoeira Angola e dos
Batuques para criar este novo estilo de capoeira. Mestre Bimba usou de malicia e
fugiu das pistas que lembravam a origem marginalizada da capoeira, então para isto
teve que mudar alguns movimentos, além de implantar o “batizado”, que segundo
mestre Leonardo é um momento de grande significado para o aluno, pois demonstra
que o aluno se encontra apto para jogar pela primeira vez na roda animada pelo
berimbau. Para isto é escolhido um mestre formado ou um aluno mais velho da
Academia, que como padrinho incentiva seu afilhado a jogar e após o jogo o Mestre
no centro da roda levantava a mão do aluno e então era dado um apelido (nome)
com o qual será conhecido na capoeira. As músicas na capoeira regional se dividem
em duas partes uma referente aos toques de Berimbau, ou seja: São Bento Grande,
Santa Maria, Banguela, Amazonas, Cavalaria, Idalina e Lúna, onde cada toque tem
um significado e representa um estilo de jogo. E a outra chamada de quadra e
corrido. Quadras são pequenas ladainhas com estrofes compostas de 4 a 6 versos e
os corridos são cantigas com frases curtas repetidas pelo coro.
3.3 Capoeira Estilizada
Criada por Carlos Sena, que mantendo golpes básicos, procurou criar uma
ética como existente em outras artes marciais, baseando-se principalmente no judô.
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3.4 Sons da Capoeira
A sonoridade da capoeira, os instrumentos utilizados e o acompanhamento
musical da capoeira geralmente são feitos pelo berimbau, pandeiro, adufe,
atabaque, ganzá ou reco-reco.
3.5 O Jogo
A capoeira constitui-se numa atividade em que o jogo, a luta e a dança se
interpretam. Ela é ao mesmo tempo, luta, dança e jogo, embora seu praticante seja
definido como um jogador e não como lutador ou dançarino. Entre os capoeiristas,
fala-se em jogar capoeira e, raramente, houve-se falar em lutar ou dançar capoeira.
Essa é a constatação que diferencia a capoeira das outras modalidades de luta. O
jogo é uma atividade em que predomina a alegria, não precisa ser justificado e nem
precisa de um objetivo para ocorrer. O jogo “promove a relação de grupos sociais
com tendências a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em
relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios semelhantes”
(HUIZINGA, 1990, p. 16).
Assim, na roda, a capoeira é livre para jogar como e quando quiser, sem a
pretensão de obter qualquer competitividade. A partir desse enfoque, a capoeira
reflete o sentido de uma atividade descomprometida, à vontade, sem objetivos
práticos e imediatos. Vista sob a ótica do jogo, ela consegue entender a
necessidade de fantasia, utopia, justiça e estética e, ainda, desperta o gosto pelo
inesperado, pelo imprevisível.
O jogo, na capoeira, representa uma constante negociação (sobretudo
corporal) em que cada capoeirista procura ampliar cada vez mais o seu volume, ou
seja, desenvolver movimentos. Por mais que se pretenda minuciosa, a descrição
dos expedientes gerados num jogo de capoeira jamais refletirá a riqueza dos fatos
em si. “Através do jogo de capoeira, os corpos negociam, e a ginga significa a
possibilidade de barganha, atuando no sentido de impedir o conflito” (HUIZINGA,
1990).
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O jogo da capoeira, por ser uma simulação de luta, por não envolver
ostensivamente o perigo implícito desta última, permite o desenvolvimento da
autoconfiança e dos reflexos de adaptação e condições de perigo. Simultaneamente,
torna-se um instrumento precioso no desenvolvimento de uma personalidade sadia.
A disciplina exigida pela prática da capoeira acresce novos valores à personalidade
do aprendiz, tais como o respeito à vida ética, o cumprimento das normas e
regulamento, a obediência os preceitos e tradição, a noção de parceria e o
companheirismo indispensáveis ao aprendizado, os quais contribuem para a
formação do caráter forte e equilibrado.
3.6 A Luta
A capoeira enquanto luta, remonta às suas origens. Convém observar que o
jogo e a dança contribuem para a dissimulação do componente luta na prática da
capoeira, à medida que não se efetiva um confronto direto, mas uma constante
simulação de ataques e defesas, mediada pela ginga, numa ambiguidade onde o
jogo, a dança, a luta se interpretam. Nessa luta dissimulada e disfarçada, o capoeira
mais competente é aquele que mostra que poderia acertar um golpe, mas não o faz
e, com isso, possibilita a continuidade da própria Luta – Jogo - Dança.
3.7 A Dança
A dança, na capoeira, se expressa no gingado centrado nos quadris. No
embalo do toque do berimbau, os capoeiristas descrevem círculos no espaço da
roda, fazendo com que “o corpo lute dançando e dance lutando”, remetendo a
capoeira a, “uma zona imaginária e ambígua, situada entre o lúdico e o combativo”
(REIS, 1997, p. 215).
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3.8 A Roda de Capoeira
A roda de capoeira, local de encontro entre os capoeiristas tem origem na
maneira como os escravos faziam seus rituais religiosos, se mantendo atualmente
como espaço em que o capoeirista mostra seus conhecimentos. O local da prática
da capoeira “perdeu muitos de seus antigos rituais e preceitos” ao transferir a roda
do terreiro para a academia, pois esses ritos são esquecidos e quando lembrados
parecem ter pouco valor. Mestre Preá diz que: “muita coisa se perdeu, o valor do
mestre, o valor do berimbau, o valor do cerimonial da roda de capoeira, que a roda e
capoeira têm todo um ritual” (CRUZ, 2006, p. 31 e SOUZA, 2010).
3.9 A Música
A música é um dos componentes mais importantes para entender o jogo da
capoeira. No som dos instrumentos, a cadência inebriante chama a atenção das
pessoas pelo mundo todo, nas letras que servem como transmissão de
conhecimentos, como comunicação de movimentos sociais ou como oração. Sendo
a capoeira, a única luta no mundo, em que seus lutadores se confrontam ao som de
cantigas executadas pelos demais componentes. Além disso, é possível afirmar que
as cantigas de capoeira são o mais significativo espaço de representação dos
conflitos gerados no contexto dessa arte-luta. O sociólogo Luiz Renato Vieira (1995),
identifica três funções básicas nas cantigas de capoeira: (a) uma função ritual, que
fornece à roda o ritmo e animação; (b) uma função mantenedora das tradições, que
reaviva a memória da comunidade capoeirística acerca dos acontecimentos
importantes de uma história; e (c) uma função ética, que promove um constante
repensar dessa mesma história e dos princípios éticos nas rodas de capoeira.
Geralmente, as cantigas são poemas transformados em músicas de forma prazerosa
e tradicional, na roda de capoeira sempre o corpo se interage com a linguagem oral,
pois na roda o “capoeira” canta, toca os instrumentos e joga.
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4 DE QUE FORMA A CAPOEIRA SE APRESENTA NO MUNICÍPIO DE SÃO
JORGE DO PATROCÍNIO.
Mestre Leonardo Ferreira de Lima, desde seus 10 anos de idade pratica a
arte da capoeira. Hoje como mestre, dá aulas de capoeira, através do Grupo de
Capoeira Chora Menino. Seu trabalho é com crianças, adolescentes, jovens e
adultos; trabalha no município através de um programa com a Secretaria Municipal
de Educação. Segundo ele, as aulas de capoeira iniciaram-se, no município de São
Jorge do Patrocínio, no ano de 1983, pelo Mestre Pereira, mas pouco tempo depois
as atividades foram interrompidas, só voltando a ser praticada no ano de 1990 por
iniciativa do mestre “Bimbola”, da cidade de Umuarama. Leonardo começou a
praticar a capoeira com este professor e foi seu aluno até se tornar mestre.
Em entrevista à autora, Mestre Leonardo expressa a importância de dar aulas
de capoeira para ele, destacando a questão da consciência em relação à cultura
afro-brasileira, como esportista concentra o destaque para os aspectos
disciplinadores do esporte, contudo, mostra a capoeira como elemento integrador da
comunidade.
Ser professor de capoeira é muito importante, porque a gente passa a ter contato sociocultural com as pessoas, passa a ser respeitado, ainda mais que agora a capoeira foi reconhecida como Patrimônio Cultural Brasileiro. A gente se interage com as famílias das pessoas, se entende em todos os lugares que se encontram, as pessoas se respeitam entre si em prol do esporte. Assim que eu, como professor de capoeira, passo meu conhecimento e sabedoria para as pessoas que treinam no domínio de sua mente numa metodologia educacional e vice e versa. O movimento da capoeira é muita malícia para quem não conhece e para quem passa a conhecer nos estudos ou na prática, a capoeira passa a ser vista de uma maneira diferente, ou seja, a capoeira é jinga, samba, dança, frevo de Pernambuco, carnaval, dança afro-brasileira, cultura, música, poesia, arte. A capoeira trás para o seu corpo muitos benefícios, prepara a mente, faz dormir bem, deixa a gente ágil, fisicamente tem postura, é bom para saúde, dá tranquilidade ao espírito e flexibilidade ao corpo. (MESTRE LEONARDO, 2011).
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Muitos profissionais acabam por olhar a capoeira apenas pelo víeis do
treinamento do corpo e da luta, nestes casos ela perde este aspecto integrador de
valorização e de resgate da cultura afro-brasileira.
A capoeira é praticada em São Jorge do Patrocínio em três dias da semana:
quarta, quinta e sexta-feira. Mestre Leonardo (único professor), atende um total de
114 alunos. A capoeira é praticada em vários espaços da cidade, tais como: no
Espaço Criança, no qual são 57 crianças que aprendem a capoeira, sendo 30 de
manhã e 27 à tarde; já no bairro Santo Agostinho, somente no período noturno, 25
adultos exercitam a arte luta e na Casa Familiar Rural são 32 alunos que praticam e
aprendem mais sobre a capoeira.
As principais dificuldades encontradas são a falta de instrumentos e
uniformes, e, em menor grau, a aceitação, pois como a cultura afro-brasileira foi por
muitas décadas desvalorizadas socialmente, as pessoas ainda não a compreendem
completamente.
Ainda não existe academia de Capoeira no município de São Jorge do
Patrocínio, no entanto com a divulgação do filme etnográfico nos jornais da região o
Mestre Leonardo foi convidado a abrir uma academia no Município vizinho de
Altônia.
5 CAPOEIRA E IDENTIDADE
Segundo Santos (2002), “do período colonial ao republicano, os africanos e
seus descendentes sempre foram utilizados por suas características físicas e
procedência racial pelo sistema econômico”. Neste sentido, os povos escravizados
tiveram que encontrar novas formas de viver frente à cultura dos dominantes,
criando mecanismos de resistência, que os diferenciavam dos brancos. Assim,
surgiu, por exemplo, o sincretismo religioso e a capoeira.
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6 FALANDO SOBRE A CAPOEIRA NO FILME ETNOGRÁFICO: SUJEITOS DE
SÃO JORGE DO PATROCÍNIO E SUAS PERCEPÇÕES.
O filme etnográfico foi o meio escolhido para falar de capoeira com os alunos
e comunidade escolar. Nele figuram alguns dos sujeitos que vivem a capoeira e a
cultura afro-brasileira em São Jorge do Patrocínio. Também podemos recontar um
pouco da história da capoeira. Por meio de entrevistas, conversas com mestres de
capoeira, com professores e com quilombolas da Comunidade de Manoel Ciriáco
dos Santos da cidade de Guaíra-Pr.
O filme etnográfico que produzimos está dividido em quatro partes: a primeira
parte busca mostrar como é praticada a capoeira na cidade de São Jorge do
Patrocínio. Na segunda e terceira partes, apresenta-se a história da capoeira no
Brasil e conceitua-se a capoeira. A ultima parte é destinado a falas de integrantes de
Quilombolas da Comunidade Manoel Ciríaco dos Santos da região de Guaíra-Pr e
de seus parentes residentes em nosso município.
A produção do filme se deu de forma simples, de forma amadora, ou seja,
uma ideia e uma câmera na mão. Assim, em um período de seis meses
conseguimos realizar todas as gravações de depoimentos da comunidade local, no
qual um depoimento abria caminho para outro, completando um enredo, uma
sequência em que podemos dividir em partes no final. Podemos dizer que o roteiro
foi se fazendo no percurso, entre uma entrevista e outra.
A parte que mais nos cativou, foi a entrevista do encerramento do filme, nas
terras Quilombolas, neste dia houve o encontro de dois grupos de capoeira, o Chora
Menino de São Jorge do Patrocínio com o grupo dos Quilombolas de Guaíra,
juntamente com a Família Santos, a qual fazia 21 anos que não voltavam lá. Este
fato foi muito importante, pois despertou atenção de muitas escolas e de várias
localidades que passaram a visitar a comunidade Quilombola de Guaíra com seus
alunos, os quais foram motivados a pesquisar, conhecer e valorizar a cultura
Quilombola em nossa região.
Apesar da falta de recursos materiais e preparo técnico, para realização de
um bom filme etnográfico, à medida que avançávamos em sua produção, se deu
uma verdadeira mobilização no município. Muitos passaram a conhecer o tema, a
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valorizar a participação nas entrevistas, tivemos apoio da Secretaria Municipal de
Educação e do jornal local, que demonstraram interesse com o tema.
O encerramento do filme se deu com a visita à Comunidade Quilombola de
Manoel Ciríaco dos Santos, em Guairá, em companhia do grupo de capoeira Chora
Menino e da Família Santos de São Jorge do Patrocínio, descendentes de membros
dessa comunidade Quilombola.
Na Comunidade Quilombola de Manoel Ciríaco dos Santos, os irmãos
Quilombolas e capoeiristas Adir Rodrigues dos Santos e Joaquim Rodrigues dos
Santos relataram sobre a importância dos sons da capoeira para eles. O toque do
berimbau e do atabaque tem um valor especial, uma simbologia, porque traz à
memória o resgate de sua cultura, provoca uma alegria muito grande, um respeito
aos seus antepassados que viveram na época da escravidão, os quais travavam
uma grande luta para se libertarem e se defenderem utilizando a capoeira. Por isso,
mantém viva na comunidade essa luta.
Segundo os professores do Colégio Estadual Ministro Petrônio Portela, o filme
teve grande aceitação pelos alunos, talvez porque muitos de seus colegas e
pessoas que conheciam estavam presentes nele, falando de algo que está no
passado, mas que não aparece preso a ele, também está vivo no presente. O
conteúdo de história e cultura afro-brasileira pode ter este papel de reconhecer os
sujeitos, a cultura, as comunidades e o povo simples do Paraná. Trazer este
passado é ajudar no fortalecimento de sua identidade, mostrar o outro é reconhecer
às diferenças, mas ao mesmo tempo perceber o que todos temos de igual e de
humano.
As possibilidades de utilização do filme são muitas, foi desenvolvido para ser
trabalhado em blocos ou unidades temáticas, como por exemplo, a história da
capoeira, os elementos da capoeira e suas características, entre outras. O filme
também possibilita trabalhar inúmeros temas ligados a outras disciplinas.
6. 1 A Capoeira no Processo Pedagógico
Muito tempo se passou até que a capoeira superasse esse estigma de
mazela social. Pode-se afirmar que a história da capoeira nos últimos cem anos tem
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sido a trajetória de sua inserção e institucionalização na sociedade brasileira. Aos
poucos foi sendo reconhecida como expressão de cultura nacional, como técnica
eficiente de luta e mais recentemente, como instrumento educativo importantíssimo
para a consciência de nossa cultura (FALCÃO, BRASÍLIA, 1996).
A capoeira pode se integrar aos currículos escolares, sem a conotação de um
simples passatempo, ao contrário, pode integrar-se como uma atividade que tem
lugar de destaque, porque é um jogo que pode desenvolver a criança em seu todo,
em virtude de sua riqueza de expressão e musicalização e principalmente do seu
aspecto de ludicidade. Assim, concorda-se com Oliveira (1983), quando diz que o
jogo é um recurso metodológico capaz de propiciar uma aprendizagem espontânea
e natural, concorrendo para a descoberta e minimizando a atmosfera
predominantemente artificial e tecnicista que impera nos meios educacionais,
estimulando a crítica, a criatividade, a socialização e muitos outros aspectos. A
capoeira, como parte integrante da existência de muitas pessoas, é um fenômeno
lúdico fundamental. Enquanto cultura de movimento na escola deve ser vista como
movimento crítico-social.
A viabilização da capoeira na escola, dentro da proposta aqui sugerida,
requer, portanto, um compromisso com sua historicidade. Não basta que o ensino-
aprendizagem da capoeira se realize apenas pelo viés da técnica, do espetáculo, do
desenvolvimento físico. A capoeira deve ser vivenciada e analisada a partir de suas
próprias mudanças, de sua leitura histórica, de seus condicionantes, de modo a
permitir o desvelamento de suas contradições. Falcão (1996), sem perder de vista a
questão da dinâmica do poder, que incontestavelmente, plasma as suas
configurações. A capoeira emplaca as contradições sociais, onde a dominação e a
resistência coexistem de forma conflitante, fazendo dela uma figura emblemática,
reveladora dos conflitos sociais.
No ensino de história a capoeira pode ser inserida de duas formas: como
tema gerador que teria a função de mobilizar os alunos para a discussão dos
conteúdos relacionados a ela, tais como escravidão moderna, formas de resistência,
sociabilidades no período colonial, imperial e republicano do Brasil, por exemplo.
Neste caso se partiria da capoeira, que é um tema mais próximo dos alunos e
atrelaria a este, outros conteúdos que seriam desenvolvidos pelo professor no
decorrer de um período.
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Outra possibilidade é trabalhar com a metodologia da Unidade Temática
Investigativa, neste caso o professor teria como objetivo o desenvolvimento de
ideias históricas nos alunos sobre a capoeira e sua importância para a identidade
dos afro-brasileiros. Para tanto, seu ponto de partida é buscar saber o que os alunos
já conhecem sobre o tema, com a elaboração de problematizações e o levantamento
de hipóteses pelos alunos. Nesta metodologia, o processo de aprendizagem requer
que o aluno seja ativo construindo o conhecimento a partir dos indícios que o
professor seleciona para serem discutidos em sala de aula. Para tanto, o professor
irá trabalhar com os alunos documentos históricos, fontes escritas, depoimentos de
vários sujeitos históricos, fragmentos de historiografia que discutam o tema e
possibilitem aos alunos responderem de certa forma as hipóteses levantadas no
inicio do estudo. Com isto, poderemos ter um aluno que não responda perguntas
apenas, mas que de posse do conhecimento histórico possa produzir narrativas
históricas sobre o passado e com isto sobre a capoeira.
O filme etnográfico abre-se para ambas as possibilidades didáticas, uma vez
que, apresentam os diferentes sujeitos, documentos, imagens, entre outros que o
professor pode inserir e discutir em suas aulas. Além disto, temos sempre que ter
em mente o fato que trabalhar com a cultura afro-brasileira é mostrar para os alunos
as pessoas do povo, que como eles, vivem, lutam, trabalham, brincam entre muitos
outros aspectos, que passam por experiências de vida semelhantes, mas que cada
uma contém em si sua singularidade.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o presente projeto direcionado a professores do colégio, procurou-se
privilegiar os valores da cultura afro-brasileira e consequentemente da capoeira
dentro da proposta educativa. A metodologia utilizada (história de vida, os
movimentos corporais, as artes, o diálogo, a expressão dramática e a música)
estimulou os professores e consequentemente os alunos ao aprendizado da cultura
afro-brasileira, considerando a capacidade de formação de pessoas críticas e
conscientes de sua própria história.
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Foi um trabalho participativo, no qual a abordagem se deu a partir da
experiência local dos sujeitos históricos, os moradores do município de São Jorge do
Patrocínio. São estes sujeitos que fazem, vivem, valorizam e divulgam a prática da
capoeira mantendo viva a tradição, a história, os valores e as práticas culturais afro-
brasileira em nossa região.
Foi muito gratificante inserir a cultura da capoeira na escola e resgatar os
valores da cultura brasileira, e, através dela, esperamos conseguir fazer com que a
ética trabalhada faça ressurgir os valores históricos que se perderam ao longo dos
tempos e desmistificar a prática da capoeira, atribuída historicamente como uma
atividade de vagabundos e malandros, à margem da sociedade brasileira. Agora ela
foi levada para as escolas como forma de conhecimento e de expressão.
Enfim, o estudo da capoeira resultou em algo positivo dentro da comunidade
escolar, pois ao estudar a história da capoeira e perceber esta manifestação cultural
rica em movimentos corporais, que contribuem na formação de valores importantes
para crianças, jovens e adultos, que faz parte da identidade do povo brasileiro, que
pode ser vivido dentro e fora da escola e só faz fortalecer esta comunidade, dando
sentido e significado a sua existência e unidade com o restante da nação.
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