a lógica de argumentação -...

27
46 Unidade 3 A Lógica de Argumentação Lógica de Argumentação A argumentação ocupava um lugar de destaque na Grécia antiga. Ela desenvolveu-se principalmente com os filósofos conhecidos como sofistas, os quais acabaram ficando conhecidos como falsos filósofos ou como pensadores que não possuíam compromisso com a verdade. A palavra sofista é derivada da palavra grega – sophos – a qual pode ser traduzida por “sábio” ou também por “pro- fessor de sabedoria”. Os principais sofistas conhecidos viveram no chamado século de Péricles (V a.C.), entre eles podemos citar: Protágoras, Górgias e Híppias, como os mais conhecidos. Porém, a palavra “sofista” passou a ser empregada com o sentido negativo de “homem que se vale de sofismas”, ou seja, aquele que busca convencer as demais pessoas através de idéias falaciosas ou ardilosas. Em grego, o termo Sóphisma pode ser interpretado como: “sutileza do sofista”. A visão que possuímos destes filósofos como inventores de discursos capciosos ou de pensadores que simplesmente procuravam fama no meio público por meio de discursos convincentes é derivada em grande medida das críticas, muitas vezes tendenciosas, feitas por alguns filósofos posteriores, tal como Platão, por exemplo. Esta visão ainda é reforçada pela falta de obras escritas dos sofistas, das quais sobraram apenas alguns fragmentos, em muitos casos insuficientes para dedu- zirmos qual a real teoria defendida por eles. HIRE, L. de La. Alegoria da Gramática, 1650.

Upload: trinhanh

Post on 08-Nov-2018

220 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

46

Unidade 3

A Lógica de ArgumentaçãoLógica de Argumentação

A argumentação ocupava um lugar de destaque na Grécia antiga. Ela desenvolveu-se principalmente com os filósofos conhecidos como sofistas, os quais acabaram ficando conhecidos como falsos filósofos ou como pensadores que não possuíam compromisso com a verdade. A palavra sofista é derivada da palavra grega – sophos – a qual pode ser traduzida por “sábio” ou também por “pro-fessor de sabedoria”. Os principais sofistas conhecidos viveram no chamado século de Péricles (V a.C.), entre eles podemos citar: Protágoras, Górgias e Híppias, como os mais conhecidos. Porém, a palavra “sofista” passou

a ser empregada com o sentido negativo de “homem que se vale de sofismas”, ou seja, aquele que busca convencer as demais pessoas através de idéias falaciosas ou ardilosas. Em grego, o termo Sóphisma pode ser interpretado como: “sutileza do sofista”.

A visão que possuímos destes filósofos como inventores de discursos capciosos ou de pensadores que simplesmente procuravam fama no meio público por meio de discursos convincentes é derivada em grande medida das críticas, muitas vezes tendenciosas, feitas por alguns filósofos posteriores, tal como Platão, por exemplo. Esta visão ainda é reforçada pela falta de obras escritas dos sofistas, das quais sobraram apenas alguns fragmentos, em muitos casos insuficientes para dedu-zirmos qual a real teoria defendida por eles.

HIRE, L. de La. Alegoria da Gramática, 1650.

47

Outra crítica bastante contundente aos sofistas se deveu ao fato de alguns deles cobrarem pelas aulas ministradas, sendo chamados por este motivo de mercenários do saber. Isto ocorreu porque muitos provinham de famílias menos abastadas, enquanto a maioria dos intelectuais da época se dedicava aos exercícios intelectuais, ou ao ócio filosófico, por não precisarem se preocupar com o trabalho remu-nerado, considerado uma ocupação própria de escravos.

O certo é que a maioria deles foram professores itinerantes, pro-venientes de diversas localidades gregas, os quais ministravam suas aulas circulando por várias cidades-estados, não fixando residência em nenhum lugar. Isto favorecia a obtenção de uma gama enorme de pensamentos diversos e criava o ambiente ideal para o exercício crítico de idéias. Contudo, não podemos promover uma generalização e de-signar todos os pensadores e professores da antiguidade como sofistas, visto que os assuntos tratados por cada um deles, assim como a forma como cada um fazia filosofia era distinta.

Uma contribuição importante promovida pelos sofistas foi a siste-matização do ensino grego, os quais estabeleceram as matérias que de-veriam ser ensinadas aos jovens. Devia-se instruir os futuros cidadãos em várias áreas do saber: gramática, dialética, aritmética, geometria, astronomia, música e retórica. Esta última fundamental para a parti-cipação política do jovem grego nas assembléias populares da recente democracia, visto que ele necessitava possuir a arte do convencimento ao expor suas idéias na esfera pública. A divisão dos saberes proposta pelos sofistas é seguida até o fim da Idade Média pelos sábios deste período e fica conhecida por trivium (retórica, gramática e dialética) e quatrivium (aritmética, geometria, astronomia e música).

“A polis deveria multiplicar-lhes as oportunidades de conquistar ‘fama imortal’, ou seja, multi-plicar para cada homem as oportunidades de distinguir-se, de revelar em atos e palavras sua identidade singular e distinta. Uma das razões, senão a principal, do incrível desenvolvimento do talento e do gênio em Atenas, bem como do rápido e não menos surpreendente declínio da cidade-estado, foi precisamente que, do começo ao fim, o principal objetivo da polis era fazer do extraordinário uma ocorrência comum e cotidiana. A segunda função da polis, também estreitamente relacionada com os riscos da ação tal como experimentada antes que a polis passasse a existir, era remediar a futilidade da ação e do discurso; pois não era muito grande a possibilidade de que um ato digno de fama fosse realmente lembrado e ‘imortalizado’. ”(ARENDT, H. 1997)

A praça pública, ou ágora, juntamente com a democracia ateniense foram de fundamental importância para o desenvolvimento da argumen-tação na oratória. Visto que os cidadãos precisavam possuir o dom da palavra para convencerem os demais de que as suas idéias eram as melhores para a gestão da cidade-estado. A argumentação desenvol-vida em público precisava ser clara, possuir argumentos sólidos e um

48

encadeamento de idéias coerente para que pudessem ser aceitas pelos demais ouvintes. Ou seja, a arte da argumentação passou a ser muito valiosa para os gregos.

Em nome do convencimento na esfera pública, os sofistas profe-riam discursos extremamente coe-rentes, porém, muitas vezes vazios de conteúdo e até mesmo inteira-mente falsos, porque se dava mais

atenção à forma do discurso com seus elementos persuasivos do que ao próprio conteúdo. Isto criou em torno da imagem dos sofistas a idéia de verdade relativa, porque uma ideia poderia ser considerada tanto falsa como verdadeira, se fosse coerentemente defendida através dos elementos da retórica. Este relativismo dos sofistas geralmente é apresentado através da mais famosa frase de Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas”. Ou seja, é a vontade do homem que determinará o valor de verdade ou falsidade de uma idéia.

Mais tarde a lógica Aristotélica também irá se ater a forma do discurso, ou logos, mas sempre em concordância com o real, como já analisamos na unidade um. É só com a lógica matemática que o valor de verdade ou falsidade nas proposições passa a ser determinado uni-camente pelo próprio pensamento.

A lógica atual pode ser subdividida em duas disciplinas distintas: a lógica matemática, já estudada na unidade anterior e a lógica de argu-mentação, a qual analisa os argumentos persuasivos nos textos. O que veremos brevemente a seguir são alguns destes elementos.

Laço de UniãoO uso retórico da linguagem visa o con-vencimento das demais pessoas através da utilização de argumentos logicamente encadeados.

ESCHER, M. C. Laço de União, 1956.

49

A Construção de ArgumentosQuando ouvimos falar em pessoas que possuem uma argumenta-

ção convincente, na maior parte das vezes, não vemos este dom como uma qualidade, pelo contrário, geralmente o vemos pejorativamente. É o caso, por exemplo, da famosa “lábia” de alguns vendedores que fazem você comprar coisas inúteis. Além é claro do discurso coerente e convincente das campanhas políticas de alguns candidatos, as quais, muitas vezes, nunca se cumprem. Isto ocorre principalmente porque no senso comum, vemos a argumentação como uma arma que visa forçar e submeter a nossa vontade aos desejos de alguém mais forte que nós. Ao contrário dos dias de hoje, na Grécia antiga, o dom da argumentação era extremamente valorizado. E pode continuar a sê-lo se transformarmos nossa visão sobre o que é argumentar.

Podemos convencer as pessoas de duas formas diferentes: ou atra-vés de idéias coerentes, ou no plano das emoções. No campo das idéias o convencimento ocorre através da apresentação de idéias logicamente encadeadas até chegarmos a uma conclusão necessária. Fazemos com que a outra pessoa passe a pensar como nós. Já quando convencemos alguém por meio da emoção, despertamos nele o desejo de realizar algo que nós esperamos que ele faça. Conseguimos entender os an-seios de nossos interlocutores e os incentivamos a realizá-los.

O primeiro passo que precisamos ter em mente é que argumentar não é submeter alguém a fazer coisas que nós queremos que ela faça contra a sua vontade, pelo contrário, é obter a sua cooperação espontaneamente através do convencimento. Para conseguirmos este intento, inicialmente precisamos compreender a forma como o outro pensa, devemos nos inserir no seu meio e utilizarmos a sua linguagem. Isto é fundamental para tornarmos inteligíveis nossas idéias para a outra pessoa, ou seja, para argumentar bem é necessário nos integrarmos ao universo do interlocutor. Esta é uma habilidade que apenas as pessoas com um bom relacionamento interpessoal possuem, pois elas compreendem o outro, sabem ouvir e como se comunicar adequadamente.

A capacidade de se relacionar e compreender os interlocutores também se distingue da inteligência, compreendida tradicionalmente como o acúmulo de saberes, visto que de nada adianta alguém possuir uma quantidade imensa de conhecimentos se não consegue passar aos outros o que sabe. Um físico genial, por exemplo, só poderá ser conside-rado como tal se souber explicar aos outros que não são físicos as suas teorias. Ou seja, no fundo, o primeiro passo para bem argumentar é se fazer compreender pelos outros.

50

GOGH, V. W. v. Retrato de Dr. Gachet, 1890.

Arsenal interno de conhecimentosPara argumentarmos bem precisamos possuir um arsenal de conhecimentos internos, os quais são formados através da reflexão.

Saber argumentar bem, nos dias de hoje, de forma clara e plausível também é um caminho para o sucesso profissional. Sabemos que um profissional só será bem sucedido se conseguir se relacionar ade-quadamente com os seus clientes, se ele conseguir os compreender e responder aos seus anseios. Quantas vezes vemos um profissional extremamente competente tecnicamente em sua área de atuação, mas que não progride em sua carreira simplesmente porque não consegue conversar e compreender seus clientes? Isto pode acon-tecer desde médicos, advogados e dentistas até profissionais como manicures, por exemplo.

O segundo passo para conseguirmos argumentar bem é sabermos processar o grande número de informações que recebemos de várias fontes diferentes: jornais, televisão, livros, rádio, etc. Visto que para convencermos alguém de nossas idéias precisamos possuir um arsenal interno de conhecimentos. Enfim, precisamos saber sobre o que falamos. É importante atentarmos para o fato de que o conhecimento não depende da quantidade de informações que possuímos, mas

do que fazemos com elas, como as interpretamos e as relacionamos. Porque o verdadeiro conhecimen-to provém da nossa capacidade de reflexão sobre o que lemos e ouvi-mos, de interpretarmos o mundo a nossa volta.

A escolha das palavras que utilizaremos para a argumentação também terá fundamental impor-tância para a idéia que queremos transmitir, porque as palavras são rótulos, são títulos de valor que você atribui às coisas. Você poderá descrever um fato qualquer, como por exemplo, o casamento de uma moça branca com um rapaz negro de várias formas diferentes. Ou positivamente, ou negativamente. De uma forma positiva, e até mes-mo poética, poderá dizer que houve a união perfeita dos dois amores (aquele doce feito à base de choco-late branco e preto), ou que houve a fusão ideal entre o café com o leite,

51

ou entre o arroz e o feijão. Negativamente, porém, poderá dizer que a “mocinha” se casou com o “negão”, ou ainda que ela se casou com aquele “escurinho”. É preciso prestar bastante atenção quando utilizamos as palavras em uma argumentação porque elas transmitem valores.

Ao definirmos o assunto que será debatido, devemos nos posi-cionar em relação a ele. Por exemplo, se for um vendedor tentando convencer um cliente a comprar um produto, o assunto será o próprio produto. Caso seja um debate entre idéias, por exemplo, a pena de morte, os interlocutores deverão possuir uma opinião em relação ao assunto. Alguns serão favoráveis e outros serão contrários, para exem-plificar esta idéia veremos a seguir, no texto complementar, a posição de duas pessoas sobre este assunto, uma a favor e outra contrária à pena de morte.

Depois de definido o assunto em questão, precisamos pensar na for-ma que o apresentaremos aos nossos interlocutores. Tradicionalmente sabemos que um argumento será mais facilmente recebido por uma audiência depois de lançada uma tese introdutória. Para exemplificar podemos imaginar a seguinte situação: uma pessoa quer convencer os membros da diretoria da empresa na qual trabalha a aceitar uma idéia inovadora sobre o controle de qualidade dos produtos fabricados por ela, por exemplo. Ele pode iniciar a argumentação perguntando se o controle de qualidade está falhando em algum momento. Como ele já sabe que a resposta será afirmativa, os membros da diretoria vão começar a se questionar sobre como resolver o problema. Neste mo-mento, com o terreno já preparado para aceitar novas sugestões, este seria o momento ideal para lançar a nova ideia. Ou seja, utilizando esta estratégia argumentativa você poderá fazer com que as outras pes-soas aceitem o seu argumento mais facilmente do que normalmente o fariam. A tese principal só é apresentada após uma outra, a qual fun-ciona como introdução. Muitas vezes, boas idéias são descartadas nas empresas, simplesmente porque as pessoas que as apresentaram não souberam como fazê-lo. Ou as apresentaram no momento errado, ou não as conseguiram expor de forma clara, com a linguagem adequada.

Outro fator importantíssimo em uma argumentação é a ética. De-ve-se usar de sinceridade no processo argumentativo. Um vendedor, por exemplo, não deve enganar os clientes sobre um produto, ele deve ser sincero e transparente. Isto dota a argumentação de credibilidade. Alguém que tenta convencê-lo sobre uma posição teórica, deve real-mente acreditar naquilo que diz e deve ser capaz de defender a sua tese diante de qualquer auditório. Porque alguém que só defende sua posição para um pequeno grupo e transforma sua tese diante de outras pessoas perde credibilidade.

52

Faminto. Neste caso, quem rouba para matar a fome.

Dez centímetros.Que se pode fazer.

A favor da pena de morte:Francisco César Pinheiro Rodrigues

Infelizmente, a humanidade ainda não encontrou um substi-tutivo perfeito para o medo, de modo a conter o ser humano nas suas piores tendências. Manipulações genéticas e bioquímicas no cérebro – realmente “mudar o homem por dentro” – ainda são um sonho da área científica.

A educação, é certo, pode muito no sentido de prevenir a crimi-nalidade, mas não é um remédio infalível, tanto que, mesmo os com diploma superior, vez por outra – contando com a impunidade – matam, desviam dinheiro público e podem praticar todos os crimes previstos na legislação, exceto, provavelmente, o “furto famélico”.

Este, por desnecessário. Partindo dessa constatação, surge naturalmente a pergunta: “E se o medo desapareceu totalmente por causa da sensação de impuni-dade?”. É o que acontece hoje no Brasil, notadamente com chefes do tráfico de entorpecentes que, presos e condenados a mais de cem anos de reclusão, sentem que não há mais nada a perder. Não há o que temer, pois não pretendem viver 300 anos. Como reais deten-tores de direitos humanos (nada a opor), sabem que, mandando matar pessoas, o pior que lhes pode ocorrer é a sujeição ao RDD (Regime Disciplinar Diferenciado).

O que significa o RDD, em termos de intimidação? Isolamento em uma cela individual (um alívio em presídios superlotados); uma visita semanal por duas horas (possível visita íntima), com máximo de dois adultos e menores em número sem limite; banho de sol com duração mínima de uma hora (pode ser de duas); e o direito de ler livros e, talvez, outras coisas.

Enfim, nada que se pareça com as masmorras de antigamente, regime de pão e água. Não estou dizendo aqui que tais presos devam suportar condições subumanas. Apenas esclareço ao leitor que o RDD não tem poder intimidativo suficiente para impedir que o recluso se sinta tolhido no desejo de mandar matar pessoas. E se o RDD visa apenas isolar o chefe poderoso, o objetivo é risível, pois as ordens podem ser dadas às pessoas que o visitam e, em tese, a seus procuradores judiciais (se não obedecerem, também podem morrer).

A proibição de celulares para presos é uma meta, não uma realidade. Não é factível examinar cada decímetro quadrado das toneladas de

a l i m e n t o s que chegam todos os dias em caminhões. E consta que há celulares que independem de torres de transmissão. A comunicação é feita por satélite.

Como dinheiro não é problema para o tráfico, seus líderes podem sempre dispor da última tecnologia.

53

Remédio para todos os males.

Com a resistência de pedra. Neste caso, uma cláusula da Constituição não modificável.

Como se vê, não há mais nenhum “contra-estímulo” legal que iniba os grandes chefes do crime organizado já condenados em regime fechado. Fica ao exclusivo critério deles decidir se matam, ou não, quem os contrarie. Um deles, o mais conhecido, chegou a dizer, em entrevista difundida na internet, que podia matar poli-ciais sem susto porque eles não podiam fazer o mesmo, pois isso seria ilegal. É, assim, uma guerra declarada. Uma guerra especial: em toda guerra, cada país tem o “direito” de matar o inimigo; nesse particular conflito entre o crime organizado e o Estado brasileiro, somente o primeiro pode matar. Não se alegue que a iniciativa pri-vada poderia criar presídios com total isolamento. Isso seria im-possível, porque inconstitucional. E empresas que administram cadeias não aceitam presos superperigosos.

Nossa Constituição proíbe a pena de morte, exceto na guerra. “Guerra” já temos. E cláusulas pétreas podem ser alteradas com

uma Assembléia Consti-tuinte, algo perfeitamente

factível, embora trabalhoso, pois o povo é o verdadeiro soberano, não estando para sempre escravizado pelo que outra geração definiu como imutável.

Uma alternativa seria abreviar a saída dos chefões do crime para continuarem em paz com seus “negócios”, matando concorr-entes e consumidores que devem dinheiro. A vida continuaria não valendo nada no Brasil.

FRANCISCO CÉSAR PINHEIRO RODRIGUES, 74, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, é membro do Instituto dos Advogados de São Paulo e da Academia de Ciência de Nova York.

Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2608200609.htm >. Acesso em: 21 abr. 2009.

Contra a pena de morte:José Carlos Dias

O tema, mais que recorrente, é permanente. Aparece quando a violência parece sufocar de forma insuportável. A evidência do sufoco está no fato de que o crime se organiza melhor do que o Estado e nós somos tomados por um medo asfixiante. O Estado é ineficaz, ineficiente, permeado pelo próprio crime. A pena de morte surge como panacéia a prometer um basta para a violência, a

“justa vingança”, como se houvesse vin-gança justa. A carga de ódio e de paixão presente no sentimento de revolta é incompatível com a racionalidade com que a lei deve se expressar e o Estado deve punir.

54

Aprovação de uma lei pelo chefe de Estado.

Cortar, amputar.

Cometer, praticar ato condenável.

Prazer com o sofrimento alheio.Relativo à execução de um crime.

Não causa dano, inofensiva.

Não há ato de violência mais exacerbado do que o crime de morte praticado sob a forma de execução de pena, perpetrado pela consciên-cia e participação de muitas vontades, premeditado e friamente engendrado, executado com sofisticação, numa seqüência de gestos da maior crueldade e de sadismo alta-mente criminógeno.

Evito a discussão ética e moral a respeito do poder da vontade humana sobre a vida de um semelhante. Quero preservar o direito e o dever de considerar que os criminosos, todos eles, devem ser punidos com o rigor proporcional à intensidade de sua intenção, à sua periculosidade.

Reflitamos sobre a eficácia da pena como instrumento garanti-dor da ordem e da paz. Se a pena tem o efeito de castigar, no sen-tido etimológico de tornar puro (“castum agere”), a pena de morte é inócua: matando não se obtém o efeito educativo – em vez de ser

educado, foi morto.

Mas se o efeito educativo tem o caráter exemplar para terceiros, a verdade é que a prática demonstra que os crimes graves não deixam de ocorrer pelo agravamento da sanção penal. Quando se criou a figura do crime hediondo na nossa legislação, absolutamente não se sentiram desalentados os criminosos em continuar a praticar tais condutas. Bem ao contrário, malefícios causou tal modificação legislativa na execução da pena, tirando dos réus o estímulo da progressão.

Se sua eficácia objetiva é inibir o impulso criminoso, é indis-cutível que o perigo é o desafio para a violência. O criminoso há de temer mais a reação violenta do que a longínqua perspectiva do corredor da morte. O delinquente não o teme, pois com a morte se confronta no cotidiano, enfrentando a polícia e as diversas facções do crime. Por certo não irá deixar de praticar um ato só pela con-jectura de que será conduzido ao corredor da morte.

A eficácia da pena se amarra na necessidade de defesa social, guar-dando parâmetros e reservas éticas e morais. Não se aceita, ao menos por aqui, a amputação da mão de quem rouba. É para reservar nossos

direitos que se definem condutas contrárias ao bem comum e de gravidade tal que exigem punição se outras formas forem ineficientes para restabelecer a ordem. E vai daí que a prisão é também das piores das soluções, ineficaz no sentido res-socializante, mas muitas vezes necessária para garantir a exclusão social temporária de um indivíduo.

55

Pequena obra escrita sobre qualquer assunto.

Pensar na pena de morte é optar por opção retrógrada, rejeita-da hoje pela esmagadora maioria dos países. Por exemplo, todos os Estados-membros da União Européia rejeitam a pena de morte, e tal decisão é condição indispensável para o ingresso na UE. De todos os países do mundo, cerca de 122 são abolicionistas da pena de morte. No chamado Primeiro Mundo, somente os EUA e o Japão persistem em adotar a pena capital. Em nosso país, existe a previsão legal da pena de morte para crime em tempo de guerra. Durante a ditadura, vigorou a pena de morte de 69 a 79. Houve uma condenação que veio a ser reformada. Isso não quer dizer que não tem havido no correr de nossa história muitas execuções sumárias.

A execução de pena de morte praticada contra o fazendeiro Manoel Mota Coqueiro, em 1855, pelo assassinato de uma família de colonos foi tida, durante muito tempo, como a última execução de pena de morte no Brasil. A matéria é tratada e desvendada a ver-dade por Luís Francisco Carvalho Filho em resenha histórica publi-cada na revista n.º 33 do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, “Mota Coqueiro – O Erro em torno do Erro”. É desse belo opúsculo que reproduzo receita de um famoso advogado norte-americano, Clarence Darrow, para ajudar uma decisão sobre o que dizer e pensar a respeito da pena de morte: “É questão de saber como você se sente. Está tudo dentro de você. Se você gosta da ideia de alguém sendo morto, então você é a favor. Se você detesta a ideia de alguém sendo morto, então você é contra”. Procurem-se horizontes para combater a violência, mas que não seja a violência do Estado contra um ser sem destino, com o risco de constituir um erro judiciário de irremediável solução, como tantos que já aconteceram, como registra a história.JOSÉ CARLOS DIAS , 66, é advogado criminalista. Foi presidente da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, secretário da Justiça do Estado de São Paulo (governo Montoro) e ministro da Justiça (governo FHC).

Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2608200608.htm>. Acesso em: 21 abr. 2009.

A Classificação dos ArgumentosDiante das várias técnicas de convencimento, o argumentador

poderá utilizar uma série de argumentos possíveis. Podemos classificá--los em duas grandes categorias: os argumentos quase lógicos e os argumentos com base no real.

56

Os interlocutores mais convincentes são os que sabem lançar mão dos argumentos mais adequados para cada momento da discussão.

Os Argumentos quase LógicosEstes são argumentos que se fundamentam em interpretações e também na

natureza dos objetos. São chamados desta forma porque não se baseiam comple-tamente na lógica formal, ou seja, na forma como eles são apresentados. A nega-ção de um argumento baseado somente na lógica formal é impossível, enquanto a negação de um argumento quase lógico é aceitável. Eu posso dizer que “todo sorvete derrete”, “a banana split é um sorvete”, “portanto, a banana split derrete”. Eu jamais poderei dizer que esta banana split não derreterá, porque seria uma incoerência lógica.

Contudo, em um argumento quase lógico eu poderei fazer a negação da con-clusão. Por exemplo, eu posso dizer que “todos os bolos que minha tia faz são ruins”, “nenhum curitibano compra os bolos que ela faz”, “eu sou curitibana e compro os bolos que ela faz”. O que se está levando em consideração aqui não é a forma lógica do argumento, mas uma série de outros fatores. Eu posso comprar por consideração, por amizade, porque quero dar o bolo de presente a alguém que não gosto, porque ela precisa de dinheiro, etc.

Estes argumentos quase lógicos podem ser classificados de várias formas diferentes:

MALEKI, I. Irmãs e livro, 1991-2009.

57

Compatibilidade ou Incompatibilidade Através deste recurso tenta-se provar a compatibilidade ou não da

tese principal em relação à tese inicial. Por exemplo: “constata-se que a qualidade de escrita dos alunos é muito ruim, portanto, aceita-se que mude-se a forma de ensiná-los”. A aceitação da tese inicial “os alunos escrevem mal” é compatível com “a mudança na forma de ensino”.

Justiça Este argumento tenta convencer o interlocutor a aceitar a sua tese

por ela já ter sido aceita em outras ocasiões, para isto, geralmente o argumentador cita alguns fatos precedentes. É um argumento que recorre à noção de justiça, por requerer um tratamento idêntico em todos os momentos. Este é um gênero de argumento muito utilizado pelos filhos caçulas em relação aos pais, visando, por exemplo, os mes-mos benefícios concedidos aos filhos mais velhos. Ex.: “Se meu irmão pode sair à noite com os amigos dele, é uma questão de justiça que eu também possa”.

Retorsão O argumentador se utiliza dos argumentos da própria pessoa para

fazê-la aceitar a tese que você propõe. Por exemplo, se uma empresa afirma que ela possui responsabilidade social, então ela não pode se recusar a entrar em um programa contra o analfabetismo de seus fun-cionários. Você utiliza o argumento da própria empresa: “socialmente responsável”, para fazê-la aceitar a tese em questão: “participar de um programa contra o analfabetismo”.

Ridículo Este é um gênero de argumento que visa desqualificar os argumen-

tos do interlocutor. Um argumentador pode adotar a tese do outro de forma irônica e retirar dela todas as conclusões possíveis, na maior parte das vezes, absurdas. Por exemplo: você admite que o café é uma bebida estimulante e, a partir deste ponto, aceitando a tese inicial, você poderá falar ironicamente que a culpa por todos os casos de insô-nia do planeta sejam do café.

DefiniçãoOs argumentos de definição podem ser de vários tipos, visto que

podemos defini-los de diversas formas diferentes. A definição pode ser expressiva, quando apresenta apenas um ponto de vista, não é uma definição lógica. Ex.: “um livro é uma viagem no espaço e no tempo”.

58

Ela também poderá ser uma definição lógica, a qual explicitará exa-tamente o que a coisa é. Ex.: “uma caneta é um objeto feito para escrever à base de tinta”. A definição poderá ser normativa quando estabelecer o significado de um termo para uma classe de ouvintes. Ex.: “Aristóteles através da expressão ‘animal racional’ definiu o que era o homem” e, todas as vezes que utilizarmos esta mesma expressão saberemos que estaremos nos referindo ao homem. A definição será etimológica quando definimos o significado da palavra utilizada atra-vés de seu sentido original. Geralmente estas definições são utilizadas como teses iniciais para começarmos a discussão sobre um assunto. Estas definições aparecem frequentemente em trabalhos acadêmicos. Ex.: “mores”, em latim, significa hábito e costume. Daí provém a pala-vra “moral”, a qual faz referência a este sentido. Porém, não devemos esquecer que nem todas as palavras atuais guardam o mesmo sentido etimológico de seus originais.

Argumentos Fundados na Estrutura do RealEstes argumentos levam em consideração a opinião das pessoas

sobre os fatos que ocorrem a nossa volta, ou sobre o real. Eles também podem ser classificados de algumas formas diferentes:

Pragmáticos Retira-se da conclusão o valor do argumento. Caso a consequência

seja a esperada, o argumento é válido, caso contrário ela é inválida. Ex.: “Eu sabia que este jogador de futebol seria a solução para o time. Nosso time só ganhou a partida porque ele jogou”. Este argumento também é bastante utilizado pelos supersticiosos, porque explica-se sempre a ocorrência de um fato por alguma causa que o precedeu. Ex.: “a pessoa só teve azar porque passou por baixo de uma escada”, ou “ela só teve sorte porque encontrou um trevo de quatro folhas”.

DesperdícioEste argumento geralmente é utilizado para convencer pessoas a

não desistirem de alguma coisa, porque caso elas desistam a perda será ainda maior. Ex.: “não desista agora da faculdade, porque irá jo-gar fora todo o dinheiro que investiu até o momento”, ou “não deixe de pagar a prestação do financiamento, senão você perderá tudo o que já pagou”.

59

Exemplo ou modelo e antimodeloEste argumento visa o convencimento de outras pessoas através do

modelo de conduta de alguém. Ex.: “não desista de sua candidatura agora, o presidente Lula só foi eleito depois de se candidatar várias vezes”, ou “confie na sua recuperação, espelhe-se em Ronaldinho, o fenômeno. Quando a recuperação dele parecia impossível, ele provou que a reabilitação era uma realidade”. Ou ainda podemos nos espe-lhar em um antimodelo, como alguém que não deve ser copiado. Ex.: “sempre faça o que estiver ao seu alcance, não deixe que os outros tomem as atitudes por você, não lave as mãos como fez Pilatos”, ou ainda “não deixe atrasar suas contas, como fez seu tio, você pagará muitos juros”.

AnalogiaEste argumento compara fatos que podem possuir certa semelhan-

ça, mas que na realidade não estão associados, a fim de justificar a tese principal. Ex.: “dizem que se deve beber bastante água porque faz bem. Isto nem sempre é verdadeiro, porque meu amigo que foi na-dar no clube, morreu afogado de tanto beber água”. Tenta-se justificar uma ação (não gostar de beber água) por outra que na realidade não tem relação com ela (morrer afogado).

Os Lugares da Argumentação

Desde a Grécia antiga os sofistas sabiam que existia uma série de argumentos que poderiam ser utilizados em caso de necessidade.

FOLTZ, P. v. A era de Péricles, 1853.

60

São denominados desta forma um gênero de argumentos que, de acordo com os gregos, seriam utilizados com a finalidade de reforçar a adesão do auditório à tese do orador. Os lugares da argumentação ficaram conhecidos desta forma porque fazem referência a um su-posto local imaginário no qual estes argumentos estariam à disposição dos debatedores em caso de necessidade. São seis os principais:

Lugar de PessoaEste argumento visa reforçar a tese de que as pessoas seriam mais importantes do que

tudo. Ele valoriza a preservação da vida em detrimento das coisas materiais. Em um grande desastre, por exemplo, dever-se-ia primeiro resguardar a vida dos sobreviventes do que se preocu-par em salvar algum bem material. Este argumento aparece também de forma muito clara nos discursos de alguns candidatos políticos, os quais apresentam campanhas voltadas ao social. Eles afirmam que seria muito mais importante, por exemplo, qualificar os professores, dar condições dignas de trabalho aos funcionários e renumerá-los bem do que investir em infra-estrutura urbana. Este lugar argumentativo dota o debatedor que dele se utiliza com uma aparência mais humana, de amor e preocupação com as pessoas e não com as coisas. E esta aparência de humanidade pode ser um argumento de peso no convencimento de indecisos em uma campanha política, ou em um simples debate.

Lugar de QuantidadeEste lugar argumentativo busca o convencimento através da quantidade. Um bem útil a

um grande número de indivíduos terá, de acordo com este lugar, um valor maior do que um outro bem que sirva a apenas a um pequeno número de pessoas. Por exemplo, um grande hospital público, o qual atende dezenas de pacientes por dia, será considerado muito mais importante que uma pequena clínica particular, visto que esta atende apenas alguns doentes em um dia de trabalho. Este argumento também é utilizado em relação à durabilidade dos bens, porque algo mais durável terá mais valor do que um bem com uma pequena vida útil. Então, por exemplo, adquirir um bem imóvel possuirá mais valor do que um bem móvel, ou uma jóia mais valor do que uma bijuteria. E aqui nos referimos não ao valor monetário, mas ao fato deste bem durar mais do que o outro. Um debatedor político que queira se utilizar do argumento de quantidade poderá dizer, por exemplo, que abrirá o dobro de vagas em creches do que seu antecessor.

Lugar de QualidadeEste argumento é utilizado com a finalidade de valorizar o que é único ou raro. Ao con-

trário do lugar da quantidade, este mostra algo como importante por não ser comum. Um jacaré albino, por exemplo, é considerado muito mais importante do que um jacaré comum, devido a sua raridade. Quadros de grandes artistas como Monet, Renoir ou Da Vinci são valorizados pelo motivo de serem singulares, ao contrário de suas cópias, as quais podem ser reproduzidas às centenas em uma gráfica. O filósofo Walter Benjamim teorizou sobre a unici-dade das obras de arte comentando que elas eram tão valorizadas por possuírem uma “aura”,

61

a qual seria proporcionada justamente por sua raridade. Um debatedor político em campanha que queira se utilizar deste lugar argumentativo poderá, por exemplo, dizer que irá reformar o hospital público para a “dona Maria”, porque ela é idosa e precisa de um atendimento parti-cular. Esta postura também dotará o argumentador com uma imagem humanista.

Lugar de EssênciaValoriza as pessoas como representantes de uma essência específica.

Por exemplo, Madre Tereza de Calcutá representa a própria essência da caridade; Pelé pode encarnar a essência do que é ser um jogador de futebol; Bill Gates pode ser associado à essência do que é ser um homem de negócios bem sucedido e assim por diante. Um político que queira deixar uma boa impressão aos seus eleitores se utilizará do argumento da essência ao se comparar a grandes políticos do passado, sejam eles de esquerda ou de direita. Um político de esquerda, por exemplo, poderá evocar a imagem de Che Guevara e um de direita poderá citar Juscelino Kubitschek.

Lugar do ExistenteEste argumento tem como objetivo valorizar aquilo que já existe

ao invés de daquilo que ainda não foi criado. Por exemplo, o governo poderá anunciar a reforma dos colégios que já existem ao invés de construir novos, uma empresa poderá investir na formação dos fun-cionários que já possui, ao invés de demiti-los e contratar outros já treinados. Enfim, através deste lugar argumentativo busca-se valori-zar aquilo que já existe, esta idéia pode ser sintetizada comicamente através do dito popular: “antes um passarinho na mão, do que dois voando”.

Lugar de OrdemPor meio desta categoria de argumentos, procura-se valorizar tudo

aquilo que surgiu antes de outras coisas. Desta forma, as causas serão mais valorizadas do que os efeitos, os antecessores do que os sucesso-res, etc. Estes argumentos também trazem consigo a ideia de superio-ridade daquilo que apareceu primeiro. Por exemplo, o fato de eu dizer que uma determinada marca de refrigerante foi a primeira a criar uma versão diet do produto, traz implicitamente a noção de superioridade. Também está implícita esta noção no fato de, por exemplo, uma empre-sa ser a primeira do mercado a criar um crediário próprio para a venda de eletrodomésticos. Porque foi a primeira deduz-se que é a melhor. É também por causa desta ideia de anterioridade que muitas padarias,

62

restaurantes e lojas em geral deixam claro a data de sua fundação. É comum vermos slogans como estes: “O pão fresquinho desde 1950”, “Tradição em bem servir a quatro gerações”, “veste a família desde 1970”, etc. Um candidato político ou um partido poderão alegar que foram os primeiros a ter alguma ideia ou a propor alguma inovação, mesmo que estas inovações estejam sendo postas em prática por seus adversários. Com isto, o que está se pretendendo passar aos eleitores é que os inventores da ideia são teoricamente os melhores políticos.

Análise Lógica de um TextoDepois de algumas considerações sobre as estratégias de argumen-

tação em um debate oral, passemos a análise de alguns tópicos sobre as argumentações escritas e sobre a construção e interpretação de tex-tos de uma forma geral.

A principal função do texto é deixar clara a posição de alguém sobre um assunto específico. Quando escrevemos um texto estamos nos posicionando sobre um tema, ou o afirmando, ou o negando. Para marcarmos nossa opinião sobre algum assunto, recorremos frequente-mente à intertextualidade, a qual pode nos servir como um recurso precioso no processo argumentativo.

Tendo em vista que quando escrevemos é bastante comum fazer-mos referência a outros textos ou autores que já escreveram sobre o mesmo tema, ou para confirmarmos as nossas idéias ou para polemi-zarmos com eles, mostrando como suas opiniões não se sustentam. De qualquer forma, a intertextualidade torna a nossa argumentação mais rica e demonstra aos nossos leitores que possuímos conhecimento sobre o que afirmamos. Estas referências poderão aparecer ou na forma de citações ou como simples referências indiretas a algum outro autor.

Uma outra dica importante quando interpretamos um texto é de não cedermos à tentação de tentarmos interpretar a totalidade do texto através de um simples fragmento, porque toda a argumentação se insere em um debate de escala mais ampla. Daí decorre boa parte dos problemas de interpretação, porque frases isoladas podem nos fa-zer entender equivocadamente a posição do autor. Às vezes podemos imaginar certas situações irreais. Por exemplo, quem ler a frase isola-da: “eu os encontrei e eles estavam todos sem roupa”, pode imaginar uma cena completamente diferente se ler a frase completa: “eu estava procurando os manequins no estoque. Eu os encontrei e eles estavam todos sem roupa”. Este exemplo deixa claro que as frases isoladas não correspondem à totalidade do texto, portanto, não devem ser interpre-tadas como se não fizessem parte de um todo coerente.

63

Muitas vezes alguns retóricos podem se utilizar de frases isoladas de algum texto para tentar desqualificá-lo e conseguirão este intento se os seus interlocutores não perceberem que aquelas frases são in-terpretadas de forma diferente da original quando deslocadas de seu contexto. Isto também é bastante comum quando lemos as manchetes de algumas revistas sensacionalistas. Às vezes, uma frase isolada de algum personagem famoso nos chama a atenção por parecer polêmi-ca demais, quando na realidade não é dentro de seu contexto origi-nal. Por exemplo, digamos que apareça a frase na capa da revista: “o jogador de futebol afirmou: ‘quero que todos morram!!!’” Esta pode parecer uma frase grave demais e reprovável para um personagem tão conceituado, quando na realidade vemos que a única coisa que este jogador de futebol quis dizer era que ele queria que todos os mosquitos da dengue morressem.

Alguns textos se utilizam de figuras, ou seja, de algumas imagens para mostrar certas idéias em uma argumentação. Por exemplo, eu posso utilizar a figura de uma formiga para representar um homem muito trabalhador e a figura de uma cigarra para representar aquele que não gosta de trabalhar e leva a sua vida apenas se divertindo. Este é um recurso que poderá ser utilizado para tornar o texto mais atra-ente ao leitor. As fábulas são construídas desta forma, assim como as próprias parábolas de Cristo o foram. O que proporciona a compre-ensão destas histórias é o encadeamento destas figuras por meio de um tema específico. O que nos faz perceber que as fábulas com figu-ras de animais, por exemplo, não dizem respeito a eles, mas aos ho-mens, é a relação que elas estabelecem entre si. Por exemplo, no livro a Revolução dos Bichos sabemos que a história contada faz referência à Revolução Russa por causa dos fatos narrados na fábula, os quais ocorreram de forma semelhante aos do início do século XX na Rússia. Jamais confundiríamos esta história como um fato real ocorrido com animais. Assim como em outras fábulas, as quais mostram animais sentindo raiva, ódio, amor e compaixão, sabemos que elas se referem aos homens, porque estes sentimentos são próprios da humanidade e não dos animais.

ORWEL, G. A Revolução dos Bichos. 5. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

Ao lermos um texto também percebemos que poderemos interpre-tá-lo através de níveis de leitura diferentes. Visto que há uma estrutura superficial e uma outra, designada por estrutura profunda do texto. O significado superficial faz referência ao que há de concreto na história. Já o significado profundo traz implícitos os grandes significados con-tidos nele, os quais geralmente aparecem como um debate entre dois extremos. Ou um debate entre o amor e o ódio, ou entre a liberdade e a escravidão, etc. Analisemos o texto a seguir:

64

A Incapacidade de Ser Verdadeiro

Carlos Drummond de Andrade

Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões-da-independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas.

A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço da lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias.

Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá--lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça:

– Não há nada a fazer, Dona Coló. Este menino é mesmo um caso de poesia.

(Extraído de: CUNHA, 1988) P. 14.

A estrutura superficial do texto é compreendida através da sequência narrativa da história. Ou seja, um menino que inventava histórias sobre alguns fatos do cotidiano e por causa disso sempre acabava sofrendo alguns castigos. Já a estrutura profunda pode ser encontrada no debate sobre a verdade e a mentira, e também entre a visão concreta do mundo e a visão poética de tudo o que nos rodeia. O grande debate entre estes extremos representa a estrutura profunda do texto.

Outra dica importante para interpretarmos um texto é dividi-lo em partes, esta é uma maneira de tornar mais simples a sua compreensão. Esta segmentação, contudo, não deve ocorrer sempre por meio da simples análise de parágrafos isolados, visto que a segmentação proposta por meio deles pode não corresponder à divisão real dos temas expostos no texto. No entanto, a divisão também pode ocorrer desta forma, a qual pode esta-belecer um padrão de compreensão, ainda que não inteiramente confiável.

Quando conseguimos dividir corretamente um texto nos vários temas que o compõe, a sua compreensão se torna clara porque conseguimos estabelecer suas relações internas.

“A segmentação é um procedimento importante na interpretação de um texto, porque nos leva a perceber distintamente cada uma de suas passagens e as relações existentes entre elas. Com isso, diminuímos o risco de passar por cima de dados importantes, e, percebendo as rela-ções existentes entre as várias partes, superamos a visão fragmentária e ganhamos visão da totalidade e da própria estrutura global”. (PLATÃO e FIORIM, 1994)

65

Além da divisão do texto por meio da análise de parágrafos, exis-tem várias outras formas de segmentarmos um texto, mas quatro são as principais:

1. Segmentação por oposição temporal: este tipo de segmentação é bastante útil para analisarmos narrações, conseguimos realizar esta divisão através de certas palavras como: “hoje”, “mais tarde”, “semana que vem”, etc. Todas relacionadas ao tempo no qual se passa a história. O importante neste caso é conseguirmos distin-guir os tempos Passado, Presente e Futuro, o antes, o durante e o depois. Frequentemente em algumas análises podemos identificar claramente um julgamento de valor sobre estes tempos: “O passa-do era melhor do que hoje”, ou, “a nossa adolescência será muito melhor do que nossa infância”.

2. Segmentação por oposição espacial: analisando uma história po-demos dividir o texto através da localização dos personagens em uma história. Neste caso, são importantes as noções de “aqui”, “ali” e “lá”. Detectamos esta divisão textual através de algumas palavras como: “alto”, “baixo”, “esquerda” e “direita”, nomes de cidades, locais como vales, montanhas, praias, etc.

3. Segmentação por oposição entre personagens: o texto poderá ser dividido através da análise dos personagens da trama. Há trechos em que um personagem predomina e há trechos em que é o outro. Assim como a análise das atitudes dos personagens também podem ser levadas em consideração. Há passagens da história em que um personagem apresenta determinado caráter e em outros trechos o seu caráter muda.

4. Segmentação por oposição de temas: este tipo de análise ocorre geralmente com textos dissertativos e abstratos. Dividimos o texto de acordo com os temas que vão se sucedendo, poderemos, por exemplo, analisar um texto através de algumas oposições presentes na argumentação, tais como: liberdade x escravidão, igualdade x desigualdade, amor x ódio, etc. Os temas também poderão apare-cer primeiro como causas de um fato específico e depois como as suas consequências, ou ainda, poderemos analisar este texto primeiro com o tema “aquilo que ocorre” para em seguida analisar “o que desejaríamos que ocorresse” ou o que “poderia vir a ocorrer”, tudo isto dependerá do texto em questão.

“O envelhecimento destrói a juventude, a doença destrói a saúde, a degeneração da vida destrói excelentes atributos e a morte destrói a vida. Mesmo que você seja um grande corre-dor, não poderá correr da morte. Não poderá impedir a chegada da morte com suas riquezas, nem com passes de mágica, nem recitando mantras e nem mesmo com remédios. Portanto, é sensato preparar-se para a morte.” (DALAI LAMA, 2001).

66

Podemos analisar a citação de Dalai Lama através da oposição de temas, percebam que o texto pode ser dividido em três partes distintas: a primeira mostra alguns temas como consequências inevitáveis de seus opostos (juventude envelhecimento), (saúde doença), (exce-lentes atributos degeneração da vida) e (vida morte).

O segundo trecho corresponde ao fato de não se poder fazer nada para fugir da consequência inevitável da morte: o fato de ser um gran-de corredor, de possuir riquezas, de se utilizar de mágica, de mantras ou de remédios não evitará a consequência fatal da morte.

E, finalmente, a terceira parte corresponde à conclusão do texto: “Portanto, é sensato preparar-se para a morte”.

Validade de Argumentos

MALEKI, I. Tontura, 1991-2009.

67

Um texto bem argumentado deve possuir algumas característi-cas básicas: como unidade textual (não se deve falar sobre muitos as-suntos em um único texto, pois quem fala de tudo acaba não falando sobre nada), exemplos que tornem claros os argumentos utilizados, correlação lógica entre os temas, ou seja, as consequências devem corresponder às causas apresentadas e, a análise e a refutação de posições contrárias às defendidas pelos argumentadores. Visto que um texto argumentado sem a citação de posições antagônicas às defendidas pelo autor pode parecer ingênuo demais, ou ainda, dar a impressão de que o autor as desconhece.

Deve-se ter em mente que em um texto escrito o argumentador não estará presente para defender a sua posição ou para esclarecer as dúvidas dos seus leitores. Por este motivo a escrita deverá ser a mais clara e autônoma possível.

Presépio

Carlos Drummond de Anrade

Dasdores e suas numerosas obrigações; cuidar do irmão, velar pelos doces de calda, pelas conservas, manejar agulha e bilro, escrever carta de todos. Os pais exigem-lhe o máximo, não porque a casa seja pobre, mas porque o primeiro mandamento da educação feminina é: trabalharás noite e dia. Se não trabalhar sempre, se não ocupar todos os minutos, quem sabe de que será capaz a mulher? Quem pode vigiar sonhos de moça? Eles são confusos e perigosos. Portanto, é impedir que se formem. A total ocupação varre o espírito. Dasdores nunca tem tempo para nada. Seu nome, alegre à força de repetido, ressoa pela casa toda. “Dasdores, as dálias já foram regadas hoje?” “Você viu, Dasdores, quem deixou o diabo do gato furtar a carne?” “Ah Dasdores, meu bem, prega esse botão para a sua mãezinha.” Dasdores se multiplica, corre, delibera e providencia mil coisas.

(Extraído de: CUNHA, 1988) P. 110.

Este pequeno texto pode ser tomado como exemplo de argumen-tação coerente, porque retira das premissas, ou seja, das afirmações anteriores uma conclusão plausível. Visto que uma mente muito ocu-pada não tem espaço para devanear, nem formar ideias e sonhos que, na visão corrente da época em que o texto foi escrito, eram considera-dos perigosos.

Texto bem argumentadoUm texto bem escrito possui algumas características básicas em sua composição, as quais o livram de incoerências e visam facilitar o entendimento geral da argumen-tação.

68

Filósofo da Idade Média

Para evitarmos que os leitores incorram em confusões, devemos evitar alguns termos muito genéricos, de compreensão muito ampla, tais como a palavra “justiça”, por exemplo, porque a noção do que é “justiça” varia de forma radical dentro de determinados contextos. O Estado estabelece um padrão do que é “justiça” absolutamente oposto à “justiça” feita pelo traficante em sua área de domínio, pois a noção que ele tem sobre o mesmo tema é distinto. Portanto, quando formos utilizar este gênero de palavras que podem ser compreendidas de for-mas diferentes, devemos antes de tudo explicitar em qual sentido a empregaremos no texto. Este é um recurso muito comum em textos acadêmicos e de pesquisa científica em geral.

Outro erro bastante comum em argumentações é a utilização de palavras que possuem um significado muito específico dentro de um contexto próprio, mas que são empregadas em outra situação com o seu significado mais ampliado ou muito simplificado. Por exemplo, a expressão “amor platônico” possui uma definição bastante pecu-liar estabelecida no diálogo platônico O Banquete. Ela significa o amor pela sabedoria, ou o amor às idéias verdadeiras, porém, é empregada de forma simplificada e ampliada demais em outros contextos, prin-cipalmente nos românticos, como uma expressão que pode significar um amor não-correspondido, um amor não consumado ou ainda, um amor impossível ou “não carnal”.

Reconhecendo ConclusõesA forma mais simples de reconhecermos uma conclusão em um

texto argumentado é identificarmos as partículas que geralmente as introduzem, tais como: “logo”, “por conseguinte”, “portanto”, “assim”, “deste modo”, “por isso”, “consequentemente”, entre outras. Embora nem sempre as conclusões apareçam precedidas destas partículas.

Fábula de Buridan

“Um asno, vítima da fome e da sede, depois de longa caminhada, encontrou um campo viçoso de feno ao lado do qual corria um regato de límpidas águas. Consumido pela fome e pela sede, começou a hesitar, não sabendo se antes comia do feno e depois bebia da água ou se antes saciava a sede e depois aplacava a fome. Assim, perdido na indecisão, morreu de fome e de sede”. (Extraído de: PLATÃO e FIORIM, 1994) P. 71.

A conclusão aqui está muito clara, pois é precedida pela partícula “assim”. Contudo, observem a fábula abaixo de La Fontaine, a qual também apresenta uma conclusão a qual não está antecedida por nenhuma partícula:

69

“Uma rã viu um boi que tinha uma boa estatura. Ela, que era pequena, invejosa, começou a inflar-se para igualar-se ao boi em tamanho. Depois de algum tempo, disse: – Olhe-me, minha irmã, já é o bastante? Estou do tamanho do boi?– De jeito nenhum.– E agora?– De modo algum.– Olhe-me agora.– Você nem se aproxima dele.O animal invejoso inflou-se tanto que estourou.”

(Extraído de: PLATÃO e FIORIM, 1994) P. 101.

A conclusão da fábula fica clara na consequência: “estourar”, pois a rã que era invejosa (premissa) e inflou-se ao máximo para se igualar ao boi (premissa 2), acabou morrendo ‘porque’ estourou (conclusão).

FaláciasApós estudarmos como expor as ideias corretamente, como escrever e

ler sem confusões uma argumentação, vamos analisar os pensamentos incorretos, também chamados de falácias. Elas são pensamentos falsos, mas que possuem aparência de correção. Geralmente ocorrem ou por falta de atenção ao tema proposto ou simplesmente por incorreção na lógica do raciocínio. As falácias poderão ainda ser denominadas como sofismas ou como paralogismos. Um sofisma teria a intenção de ser enganoso, ou seja, possuiria a finalidade de confundir os interlocutores, enquanto o paralogismo ocorreria sem esta intenção.

Falácias FormaisEstas falácias ocorrem quando os raciocínios não seguem as regras

do pensamento formal e correto, muitas das quais já foram expostas quando estudamos os silogismos.

Uma outra regra importante para fugirmos das falácias é seguir-mos adequadamente a regra da conversão de proposições imediatas. Esta inversão só será aceita como válida quando a proposição for uma definição. Por exemplo: “todo homem possui razão” e “todo ser que possui razão é humano”. Não há outro ser racional na Terra, assim como não há homem sem razão. Mas não poderemos fazer as seguintes inver-sões: “todas as cobras são répteis”, para “todos os répteis são cobras”, ou ainda “toda a acelga é um vegetal”, logo “todos os vegetais são acelgas”. Estas inversões se tornariam falácias.

70

Agora examinemos estes dois silogismos:

“Todo o presidente é famoso”.

“Pelé, não é presidente”.

“Portanto, Pelé não é famoso”.

Embora este silogismo apresente uma conclusão falsa material-mente, visto que todos reconhecem a fama de Pelé, é considerado um silogismo válido formalmente. Ele atende a todas as regras para a construção de um pensamento correto: possui três termos, sendo que o termo médio (presidente) faz a ligação entre o termo maior (famoso) e o termo menor (Pelé). A conclusão é formalmente válida, embora seja uma falácia por não corresponder ao real.

Agora prestem atenção no silogismo abaixo:

“Todos os homens são seres vivos”

“Eu sou um ser vivo”

“Logo, eu sou humano”

Este é um pensamento aparentemente correto, visto que a conclu-são material obtida na conclusão é verdadeira. Porém, este silogismo não atende a pelo menos uma das regras para que o silogismo passe a ser válido: “o termo médio deverá ser tomado em sua totalidade pelo menos uma vez”. Não é o que acontece na segunda premissa: os ho-mens não são todos os seres vivos existentes, ainda há todas as plantas e todos os animais, já que todos são considerados seres vivos. Se eu, por exemplo, substituísse a palavra “eu” por “meu cão” a incorreção ficaria visível:

“Todos os homens são seres vivos”

“Meu cão é um ser vivo”

“Logo, meu cão é humano”

Neste segundo caso ficou claro um caso de falácia formal, pois a incorreção do pensamento coube a forma do silogismo e não a sua materialidade. O correto seria:

“Alguns seres vivos são homens”

“Eu sou um homem”

“Logo, eu sou um ser vivo”

71

Falácias Não-FormaisAs falácias não-formais são bastante comuns no nosso cotidiano, elas ocorrem quando

aceitamos premissas mentirosas, ou algumas ideias irrelevantes, as quais formam uma con-clusão falsa ou irreal.

Um tipo de falácia não-formal muito comum ocorre quando aceitamos alguma opinião simplesmente porque alguém importante para nós a proferiu, mesmo que esta pessoa não seja da área específica. Este é o argumento da autoridade. Muitas vezes ao ouvirmos um importante jogador de futebol falar sobre política, por exemplo, temos a tendência a aceitar a sua opinião simplesmente porque ele é um ótimo jogador e o admiramos muito, mesmo que ele não tenha a competência técnica necessária para tratar deste assunto. Ou quando vemos um grande líder religioso falar sobre ciência, ou ao contrário, um grande cientista falar sobre religião. São especialistas próprios em suas áreas, mas que não possuem a competência téc-nica suficiente para abordar outros assuntos. Esta é uma forma bastante fácil de incorrermos em pensamentos incorretos. O argumento da autoridade é um expediente muito utilizado por toda a indústria da propaganda, visto que para que ela anuncie algum produto sempre utiliza a autoridade de algum artista ou pessoa famosa. Ou seja, a imagem desta pessoa dá confiabilidade ao produto anunciado, mesmo que este não seja tão bom assim.

Este argumento também poderá ser utilizado inversamente, quando se quer, por exem-plo, encobrir uma verdade. Ao invés de utilizar a aparência confiável de uma pessoa para de-fender alguma ideia, a qual nem sempre é verdadeira, utilizam-se alguns atos desabonadores da pessoa para desacreditar de todas as suas ideias. Por exemplo, um homem que uma vez praticou um furto, então porque ele teve este ato condenável, todas as suas idéias devem ser desacreditadas. Este tipo de argumentação é muito comum nos tribunais de justiça, porque quando um advogado quer desacreditar o relato de alguma testemunha ele frequentemente recorre a este artifício.

Existe uma outra forma de falácia, a qual poderemos denominar de falácia de aciden-te. Este tipo de engano decorre de conclusões apressadas, devido ao fato de considerarmos um fato particular como motivo para desqualificarmos uma regra geral. Por exemplo, não podemos dizer que a política é inútil porque este vereador é corrupto, ou que possuir uma máquina fotográfica não funciona para registrarmos nossas viagens porque quando você viajou a sua máquina quebrou. Ou ainda, que a Medicina não serve para nada porque não cura a doença que você tem.

Existe ainda uma série de outras falácias, as quais surgem quando utilizamos palavras ambíguas, que podem conter mais de um sentido, como, por exemplo, a palavra “só”. Em uma argumentação ela poderá ser tomada no sentido de “solidão”, como no sentido de “somente”. “O homem só tem uma vida”, portanto, “o homem que não possui companhia, vive”. Quando na realidade a segunda proposição não pode ser inferida da primeira.

Também é falacioso o argumento, quando tentamos justificar uma tese através de seu próprio argumento fundador, pois se trata de um círculo vicioso. Por exemplo, uma pessoa é inteligente porque estuda muito e ela é estudiosa porque é muito inteligente.

72

Existem ainda aqueles argumentadores que procuram desviar o assunto proposto para outros temas, ou porque é ignorante em relação ao tema proposto, ou porque o tema lhe é desagradável ou penoso. De qualquer forma, a conclusão obtida deste tipo de argumentação nunca será devida, porque estará em desacordo com os argumentos iniciais.

Acesse o site <http://criticanarede.com/falacias.htm> e saiba mais sobre os tipos de falácia.

Referência BibliográficasABREU, A. S. A arte de argumentar, gerenciando razão e emoção.

7. ed. Cotia: Ateliê Editorial, 2004.

ALENCAR FILHO, E. Iniciação à Lógica Matemática. 18. ed. São Paulo: Nobel, 1999.

ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: Introdu-ção à Filosofia. 2 ed. São PAulo: Moderna, 1993.

_____. Temas de Filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1998.

CHALITA, G. Vivendo a Filosofia. 3. ed. São Paulo. Ática, 2006.

CHAUÍ, M. Filosofia. 1. ed. São Paulo: Ática, 2004. (Novo Ensino Médio).

CORDI, C. et all. Para Filosofar. 4. ed. São Paulo. Scipione, 2000.

CUNHA, M. A. A. Ler e redigir. 1. ed. São Paulo: Atual, 1988.

HERÁCLITO. Os pré-socráticos, vida e obra. 1. ed. São Paulo: Nova Cultura. 1996. Fragmento 91. p. 97 (Os Pensadores).

LAMA, D. Palavras de sabedoria. 1. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2001.

MEDEIROS, J. B. Técnicas de redação. 1. ed. São Paulo: Atlas, 1983.

MENDES, A. et all. Livro de Filosofia da Secretaria de estado da Educação. 1. ed. Curituba: SEED-PR, 2006.

PLATÃO, F. P.; FIORIM, J. L. Para entender o texto, leitura e redação. 8. ed. São Paulo: Ática, 1994.

ROHDEN, H. Mahatma Gandhi, o apóstolo da não violência. 1. ed. São Paulo: Martin Claret, 2007.

RYLE, G. Dilemas. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993.