a inteligÊncia e o poder legislativo - senado.gov.br · de governo, da manutenção da soberania e...
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A INTELIGÊNCIA E O
Robson José de Macedo Gonçalves é Agente da Polícia do Senado Federal, pós-graduado em Direito Legislativo pela Universidade do Legislativo Brasileiro e pós-graduado em Inteligência Estratégica pela Faculdade Albert Einstein/Prospect Intelligence.
Res
A atividade de Inteligência está presente n
fim da Guerra Fria, e com a crescente democratização
exigidos dos profissionais que militam nesta área e,
Atividade foram desenvolvidos em todo o mundo demo
As fórmulas adotadas são diversas, porém
pelo próprio governo; o controle judicial, exercido
cumprimento de missões; e o controle parlamentar, que
do orçamento das agências, dos relatórios de missão e d
Todas estas metodologias apresentam van
a que apresenta um conjunto de propriedades mais efeti
Tais predicados levaram o Brasil a opt
Atividades. Porém, características legais, intrínsecas da
da comissão criada no Congresso Nacional para este fim
O modelo de Sistema de Inteligência ado
efetivo controle, sua estrutura, apesar de ser centralizad
de ações.
É preciso encontrar meios legais para adeq
Se faz necessário também procurar soluç
parte do órgão central de Inteligência ou a criação
Atividade.
umo
o nosso cotidiano há vários séculos, contudo, após o
do mundo, novos parâmetros éticos e morais foram
nesta linha de pensamento, sistemas de controle da
crático.
, as mais comuns são as do controle político, exercido
na forma de autorizações judiciais prévias para o
é efetivado, em resumo, através do acompanhamento
a análise de documentos classificados.
tagens e desvantagens, porém o controle parlamentar é
vas e democráticas na fiscalização da Atividade.
ar pela adoção deste modelo no controle das suas
democracia brasileira, acabam por dificultar o trabalho
.
tado no Brasil também é fonte de dificuldades para o
ora, não fomenta a centralização de informações e nem
uar a legislação vigente ao controle desejado.
ões que levem à real coordenação das Atividades, por
de agências específicas para as diversas vertentes da
PODER LEGISLATIVO
A INTELIGÊNCIA E O PODER LEGISLATIVO
Robson José de Macedo Gonçalves
Sumário
1. Introdução; 2. Democracia e Inteligência; 3. O Poder Legislativo; 3.1. Grupos de Interesse e Grupos de Pressão; 3.1.1. Grupos de Interesse; 3.1.2. Grupos de Pressão; 4. O Controle Parlamentar das Atividades de Inteligência; 4.1. O Controle Parlamentar das Atividades de Inteligência no Brasil; 4.1.1. A Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência; 4.2. A Política Nacional de Inteligência; 4.3. Considerações Sobre o Controle da Atividade de Inteligência no Brasil; 5. A Proteção do Conhecimento no Congresso Nacional; 6.Conclusão; Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O mundo da Inteligência passou por mudanças radicais com o fim da
Guerra Fria e o início da Era da Informação, até então o mundo era polarizado entre
duas grandes potências, os Estados Unidos da América e a União Soviética. Essa
dicotomia na disputa pelo poder se refletia nos serviços de Inteligência, que se
moviam basicamente segundo os ideais capitalistas ou comunistas. Contudo a
chegada da Era da Informação tornou o mundo é diferente, existem hoje inúmeros
alvos, objetivos e clientes. O mundo da Inteligência evoluiu politicamente e
tecnologicamente; transpôs o meio militar e invadiu todos os segmentos da atividade
humana; desde governos até o meio empresarial e acadêmico, deixou de ser uma
atividade típica do Estado para se tornar uma atividade econômica.
Esta expansão das fronteiras da Inteligência, à primeira vista parece
trazer apenas benefícios à sociedade, porém a abertura do mercado de Inteligência
também trouxe à tona questionamentos sobre os meios utilizados e sobre os
objetivos que norteiam os profissionais que se dedicam a essa atividade. A
espionagem avança a passos largos no meio empresarial e é exercida de forma
totalmente marginal à lei.
No atual contexto da globalização, onde as fronteiras desaparecem diante
da facilidade e agilidade com que as informações são disseminadas, a nova ordem
global exige dos Estados a mesma agilidade para responder aos estímulos internos
e externos a que são submetidos. São desafios, obstáculos e oportunidades que só
são inteiramente visualizados por aqueles que estão preparados para processar
estas informações e transformá-las em conhecimento, em vantagem estratégica e
comercial na guerra diária do mundo globalizado.
A Inteligência, que durante muitos séculos foi tratada exclusivamente nos
meios militares e teve seus princípios forjados em tempos de guerras e conquistas
tinham que atender às necessidades do Estado e procurar meios de prover
informações para a segurança e defesa deste. Desta forma suas atividades eram
voltadas primordialmente para o Estado, visando unicamente o ponto de vista da
soberania e da supremacia militar. Tal origem fortaleceu o entendimento de que as
ações de Inteligência eram uma atividade essencialmente militar e, desta forma, a
estes coube o controle de tais atividades em praticamente todo o mundo.
O fim da Guerra Fria trouxe uma nova ordem política mundial e também
uma necessidade de se adaptar os Serviços de Inteligência às necessidades de um
mundo democrático, os Sistemas de Inteligência que até então davam suporte a
Sistemas Políticos autoritários deveriam buscar novos caminhos. A democratização
crescente impõe uma reflexão sobre o atual papel da Inteligência no Estado, sobre
quais os objetivos a serem alcançados, quais os meios a serem utilizados e sobre a
influência política na atividade de Inteligência.
Este trabalho tem por objetivo fazer uma análise da atividade de
Inteligência no Brasil do ponto de vista político, mais precisamente sob a ótica do
Poder Legislativo a quem cabe, legalmente, o controle de tais atividades no País (Lei
9.883/1999, de 07 de dezembro de 1999, Art. 6º).
Para possibilitar uma melhor compreensão do tema iremos discorrer, em
um breve relato, sobre as particularidades envolvidas no processo legislativo, a
correlação de forças e poder dentro das Casas Legislativas e sobre o jogo político
que orienta suas decisões. Pretende ainda, sob esta ótica, analisar como a questão
da Inteligência deve ser tratada em um país democrático, quais os controles
necessários para garantir que tais atividades sejam desenvolvidas com eficácia sem
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que os limites legais e éticos sejam excedidos e sem que a eficácia seja prejudicada.
Finalmente iremos discorrer sobre a proteção da Informação no Poder Legislativo
Brasileiro, analisando os meios de proteção ao conhecimento produzido no
Congresso Nacional.
2. DEMOCRACIA E INTELIGÊNCIA
A Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de
1988, em seu artigo 1º, define:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito (grifo nosso)...
A palavra democracia tem sua origem no vernáculo grego “demos” que
significa povo e “kratein” que significa governar. Em linhas gerais, numa democracia
o poder é teoricamente exercido pelo povo através de seus representantes. É um
regime de governo baseado em princípios e práticas que protegem as liberdades
individuais, os direitos fundamentais e as instituições. O respeito às garantias
individuais é um dos pilares deste sistema de governo. Outro pilar de sustentação
da democracia é a idéia de que todos são iguais em direitos, sendo que o poder
político só pode ser pleno a partir do reconhecimento prévio desta igualdade jurídica.
A Constituição brasileira de 1988 expressa essa afirmação no caput do Art. 5º, “Dos
Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...
O mesmo Art. 5º da Constituição de 1988 relaciona, em seus incisos, uma
série de direitos, considerados como clausula pétrea pelo Direito brasileiro e
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demonstram a preocupação da Assembléia Nacional Constituinte1 de fortalecer o
sistema democrático através dos direitos e garantias do indivíduo.
Todavia o ideal democrático revela um paradoxo. O povo detém um
suposto poder que lhe confere garantias e direitos, porém o Estado através desse
poder que lhe foi outorgado limita ou mesmo retira garantias individuais em nome do
bem comum. Neste ponto reside o dilema democrático: até onde o Estado pode
intervir no indivíduo? Qual o limite de atuação do Estado sem que o equilíbrio
democrático seja atingido? A não observância deste limite remete muitos governos
ao autoritarismo e à ditadura. Infelizmente é sobre esta linha tênue que os serviços
de Inteligência atuam.
O Estado é, em sua essência, cercado pelo secreto, faz parte das ações
de governo, da manutenção da soberania e da obtenção de vantagens estratégicas
para o país esse manto de proteção às informações ditas de “segurança nacional” e
a busca por informações que possam revelar ameaças ou oportunidades ao País.
Desta forma, o Estado não pode prescindir dos serviços de Inteligência, pois estes
produzem o conhecimento necessário à tomada de decisões e trabalham na
proteção destas informações, impedindo que elementos de Inteligência adversos
comprometam os interesses nacionais.
A natureza secreta das atividades de Inteligência permite que muitas
vezes sua missão seja desvirtuada. Estados totalitários utilizam-se das ferramentas
de Inteligência, dos conhecimentos obtidos e dos cenários projetados para “jogos de
poder” e para auferir vantagens pessoais para seus governantes. Nas democracias
mecanismos de controle são criados para impedir o uso político dos serviços de
Inteligência, porém nem sempre estes controles são efetivos e a frágil barreira ética
que impede seu mau uso é constantemente rompida.
O ciclo de Inteligência compreende basicamente a obtenção do dado, o
processamento, a análise e a disseminação da informação. Os dados obtidos são,
em sua maioria, de fontes abertas, encontradas em jornais, revistas, dados
estatísticos, internet e outros meios de acesso público. Porém há aqueles que
devem ser obtidos de forma dissimulada. São dados protegidos por algum 1 Assembléia Nacional Constituinte - Em novembro de 1986, realizaram-se eleições simultâneas para Governador, Senado Federal, Câmara dos Deputados e Assembléias Estaduais, nesta eleição se definiu também a Assembléia Nacional Constituinte, encarregada de elaborar a nova Constituição brasileira, aprovada em 1988. A Carta Magna de 1988 apresentava entre suas principais características a consolidação dos princípios democráticos e defesa dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos.
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mecanismo de sigilo e para serem atingidos devem ser alvo de uma operação de
Inteligência. É exatamente neste momento que a barreira da legalidade pode ser
violada, em Estados democráticos, qualquer ação de Inteligência que venha a ser
deflagrada na obtenção deste dado negado, deve ser revestida de legalidade,
buscando sempre o interesse do Estado e não o de governantes no poder; deve
ainda obedecer a mecanismos legais e estar submetida aos controles e verificações
apropriadas.
Uma análise mais criteriosa deste dilema nos mostra que nem sempre o
ordenamento jurídico é capaz de expressar com exatidão o limite entre o direito
individual e o interesse comum, desta forma somos levados a diversos
questionamentos: É possível o correto discernimento sobre a necessidade ou não do
Estado dispor da privacidade do indivíduo? Como o Estado pode manter o controle
sobre tema tão sensível? É possível que ações do Estado passem por cima dos
direitos individuais? Que normas o Estado pode estabelecer para que,
excepcionalmente, não respeite tais direitos?
A resposta a estas dúvidas é parcialmente respondida quando o Estado
exerce o seu poder de polícia. O poder de polícia é um dos atributos da
administração pública e permite que o Estado utilize meios que favoreçam o
interesse comum em detrimento dos direitos do indivíduo. MEIRELLES (1972, pp.
287-288) nos ensina que: Poder de polícia é a faculdade discricionária de que dispõe a Administração Pública em geral, para condicionar e restringir o uso e gozo de bens ou direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.
Esse poder de polícia é fundamentado na norma constitucional e nas
normas de ordem pública, onde estão definidas expressamente ou implicitamente
faculdades para a autoridade pública fiscalizar, controlar e restringir o uso de bens
ou exercício de direitos e atividades individuais em benefício da coletividade.
No entanto a adoção pura e simples do poder de polícia não é suficiente
para esgotar o debate sobre o assunto, a ordem jurídica brasileira, após a
Constituição de 1988, está fortemente alicerçada nos direitos individuais, criando
então dificuldades jurídicas ao entendimento de que o Estado deve prevalecer sobre
o indivíduo. Desta forma as atividades de Inteligência, mesmo quando revestidas do
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exercício do poder de polícia do Estado, devem ser cercadas de cuidados e
mecanismos que permitam a aplicação de parâmetros de controle e verificação.
3. O PODER LEGISLATIVO
Para melhor entendermos como se dá o controle das atividades de
Inteligência pelo Poder Legislativo, devemos antes compreender o funcionamento e
a estrutura que move o parlamento brasileiro.
O Poder Legislativo teve a sua origem na Inglaterra, durante a Idade
Média quando representantes da nobreza, do clero e do povo procuraram limitar a
autoridade absoluta dos reis, no Brasil, como em outros países o sistema adotado
para o parlamento, no âmbito federal, é o bicameral, composto por duas casas: a
Câmara dos Deputados, com 513 deputados, e o Senado Federal, composto por 81
senadores. Juntas estas Casas formam o Congresso Nacional.
A formação do parlamento brasileiro é baseada na representatividade.
Essa verdade é expressa no parlamentar que de forma legítima representa os
interesses do cidadão. Em resumo: a vontade do povo expressa nas urnas dá a
legitimidade necessária ao seu representante para legislar e para exercer as funções
de controle legislativo e político que lhe foram outorgadas pelo voto.
É importante ressaltar que pela lei eleitoral só pode ser votado o
candidato que for filiado a um partido político, assim sendo, em última instância, o
poder político no Congresso Nacional é exercido não pelo parlamentar, mas pelos
partidos políticos com representação na Casa, são eles que determinam o ritmo de
atuação de cada uma das Casas e sua composição é essencial na relação entre
governo e parlamento. São também a ponte entre a sociedade civil e o Estado. Tais
atributos fazem os partidos políticos cobiçados pelo governo e, neste sentido, existe
o jogo de interesses, o governo precisa dos partidos aliados para melhor governar e
os partidos aliados precisam do governo para a liberação de verbas em suas bases
eleitorais e para a ocupação de cargos estratégicos na administração pública e
empresas estatais. Do outro lado partidos de oposição procuram dificultar as ações
do governo. Esse jogo de poder influi no sistema político de tal forma que a divisão
original de poder entre governo e parlamento dá lugar a uma luta entre a maioria
governamental e as minorias de oposição.
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O jogo de poder é complementado por outros atores que exercem sua
influência, de forma democrática e legítima. Dentre eles destacamos: agentes
econômicos e sociais, os meios de comunicação, os grupos de pressão e as
Organizações não Governamentais (ONGs). Estes atores podem exercer sua
influência diretamente sobre o governo ou sobre os parlamentares.
Estruturalmente cada Casa possui diversas comissões temáticas
permanentes ou temporárias, que têm além da função legislativa, a função de
fiscalizar e controlar atos do Poder Executivo e da administração direta, cada uma
segundo sua área de atuação. Por exemplo: No Senado Federal assuntos relativos à
economia do país são tratados pela Comissão de Assuntos Econômicos, temas
relacionados a questões constitucionais passam pela Comissão de Constituição e
Justiça. Existem também as comissões temporárias, criadas para tratar de temas
específicos e as discutidas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), que
também são comissões temporárias, com tempo de existência e objeto de atuação
previamente definidos.
O trabalho das comissões é sem dúvida o mais importante do processo
legislativo, a delegação de prerrogativas às comissões, mostra-se como a principal
forma de organização interna do legislativo, os resultados políticos alcançados são
relevantes. De um lado, ao constituírem-se em grupos menores do que o plenário,
mas igualmente representativos deste, as comissões favorecem a participação de
grupos organizados, facilitam o trabalho de coleta e distribuição de informações,
diminuem os custos de decisão, abrem espaço para a participação mais ativa das
minorias, propiciam ambiente de negociação e consenso e permitem que os
representantes possam atingir seus objetivos – sejam eles a realização de
determinada política pública, a vocalização de grupos de interesse ou sua própria
reeleição.
Por outro lado, as comissões podem adquirir autonomia relevante com
relação ao plenário, bem como criar espaços onde lideranças privilegiadas possam
auferir benefícios políticos desproporcionais com relação aos demais membros do
parlamento e da própria comissão. Sua menor visibilidade pode, igualmente, criar
condições para que ali ocorram as negociações com outros atores políticos, sejam
eles o Executivo ou grupos de interesse, lobbies, grupos de pressão, sem a
transparência que deve prevalecer nos procedimentos democráticos. Todas essas
conseqüências do trabalho em comissões no Legislativo brasileiro são pouco
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conhecidas, porém evidenciam a importância que as mesmas exercem na
democracia. É nelas que a função legislativa alcança seu ápice.
Essa importância das comissões no papel legislativo também se mostra
presente nas ações estratégicas do Poder Executivo e no jogo político. A
composição das comissões e a formação da mesa, principalmente do Presidente,
depende da composição partidária na Casa, são obedecidas regras de
proporcionalidade da representação partidária ou dos blocos parlamentares, desta
forma a presidência das comissões mais importantes de cada Casa são disputadas
pelo governo e pela oposição.
Devido à disputa pelas presidências das comissões, fica evidente que, de
certa forma, existe uma hierarquização das comissões, há aquelas que são objeto
do desejo de todos como a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), que tem
destaque nas discussões econômicas, e a Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ), que é palco central na resolução de conflitos legislativos. Outra comissão
cobiçada é a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE).
O motivo principal da disputa pela CRE é o papel que a mesma exerce na
escolha dos chefes das missões diplomáticas brasileiras e na ratificação de acordos
internacionais. No escopo das atividades de Inteligência esta comissão ganha
destaque devido à lei 9.883/1999, porém não iremos nos deter neste aspecto agora
e deixaremos para falar, em momento oportuno, sobre o papel conferido à CRE, no
âmbito da atividade de Inteligência.
Uma atividade fortalecida no marco da nova Constituição foi a de
fiscalização e controle, outorgando-se às comissões competência para convocar, a
qualquer momento, ministros de Estado para prestarem informações sobre os mais
diversos assuntos. Outras autoridades públicas podem ser "convidadas" e embora
não sejam obrigadas a prestar informações, se sentem, muitas vezes impelidas a
aceitar o convite, pois a eventual recusa pode criar um constrangimento público.
Essa atividade de controle está distribuída em todo o parlamento,
permitindo-se a todas as comissões tal prerrogativa.
Com a possibilidade de criação de comissões parlamentares de inquérito
(CPIs), com amplos poderes de investigação judicial e autorizadas a encaminhar
suas conclusões às autoridades competentes nas áreas civil e criminal permite
igualmente que, num ambiente de liberdade de expressão, novos canais de controle
se estabeleçam.
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3.1. Grupos de Interesse e Grupos de Pressão
Entre as várias relações de poder existentes no Poder Legislativo, uma
merece atenção especial devido à sua natureza, em geral, externa ao parlamento,
contudo com grande influência nas decisões ali tomadas. São os Grupos de
Interesse e os Grupos de Pressão. A atuação destes grupos se mostra presente em
todos os níveis governamentais e em todas as instâncias de Poder, porém é no
Congresso Nacional que tais grupos agem com freqüência.
A existência destes grupos se dá como conseqüência da democratização,
sendo uma característica presente em todas as democracias, havendo, em muitos
países a previsão legal da possibilidade de organização da sociedade em Grupos de
Interesse e de Pressão.
Em países que adotam regimes políticos fechados, não existe a garantia
legal para a existência de tais grupos que se organizam, geralmente, na
clandestinidade.
3.1.1. Grupos de Interesse
Os Grupos de Interesse são segmentos organizados da sociedade que
procuram interferir no processo decisório de modo a satisfazer os anseios e
necessidades da categoria que defendem. Em geral sua atuação se dá de forma
legal e democrática e sua missão é levar aos legisladores e ao nível decisório do
Poder suas reivindicações.
No contexto Legislativo a atuação destes grupos é muito importante, pois
a pressão exercida pelos diversos grupos comumente influencia no texto final de
diversas leis, favorecendo ou não os interesses de grupos diversos. Neste sentido,
após a Constituição de 1988, diversas categorias se organizaram e prepararam
assessorias parlamentares para acompanhar e influenciar nos projetos de seus
representados. São grupos que podem ser classificados como internos e externos
ao parlamento.
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Internamente, a grande pressão vem de grupos organizados pelos
próprios parlamentares, que se estruturam para defender os mais diversos
interesses. Existe no parlamento uma pluralidade muito grande de origens
profissionais e ideológicas, muitas vezes o parlamentar foi eleito por sua respectiva
categoria justamente para atuar em defesa desta. Existem hoje, no Congresso
Nacional, bancadas específicas de Grupos de Interesse interno, comumente estes
grupos agem com orientação e apoio de outros grupos externos. Como exemplo, de
Grupos de Interesse Interno, podemos citar: as bancadas Ruralista, Feminina, dos
Médicos, dos Usineiros, dos Evangélicos, entre outras.
Os Grupos de Interesse Externos ao parlamento podem ser classificados
como os de Governo e os de Interesse Diversos.
Atualmente, praticamente todos os órgãos de governo possuem sua
assessoria parlamentar atuando dentro do Congresso Nacional. Este grupo se
constitui num Grupo de Interesse interno ao governo, que busca mais verbas para
suas instituições, além de garantir que estas não serão prejudicadas com nenhuma
decisão tomada pelo Legislativo. Os Ministérios, as estatais, as Forças Armadas, os
órgãos policiais e representações de Estados, são exemplos de instituições que
mantêm, diariamente, um acompanhamento das atividades no Congresso Nacional,
de todos os projetos de interesse das respectivas instituições são analisados sob a
ótica desta, que ao sinal de qualquer interesse contrariado, atua no sentido de
corrigir a distorção apontada. São grupos que contam com o apoio do próprio
governo e muitas vezes são coordenados de acordo com a política de governo.
Atuam com freqüência na Comissão de Orçamento do Congresso Nacional.
Finalmente, temos aqueles Grupos de Interesses diversos. Estes grupos
são compostos empresas privadas nacionais e internacionais, confederações,
sindicatos, organismos nacionais e internacionais, além das Organizações não
Governamentais (ONGs). Sua área de atuação é em torno de projetos que venham a
contrariar ou afetar suas atividades. Exemplificando: o GreenPeace, ONG que atua
na questão ambiental; empresas telefônicas, indústria armamentista e grupos
econômicos.
Muitos destes grupos procuram estabelecer relações com alguns
parlamentares de corrente ideológica alinhada com os objetivos do grupo. Esta
aproximação visa facilitar o acesso à Casa, à outros parlamentares e às nuances do
processo legislativo, fornecem também argumentos e subsídios para a
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fundamentação de pareceres e em alguns casos apresentam emendas ou projetos
prontos para serem propostos pelo parlamentar.
3.1.2 Grupos de Pressão
Grupos de Interesse e Grupos de Pressão tem um objetivo comum e se
confundem entre si. Sua linha de atuação é muito parecida e, para alguns, não
existe distinção entre ambos. Porém, para melhor entendermos as relações de
Poder no Congresso Nacional, devemos considerar a existência de Grupos de
Pressão independentes da existência de Grupos de Interesse.
Os Grupos de Interesse, como vimos, são grupos formalmente
organizados e com atuação diária no Congresso Nacional. De forma diversa, os
Grupos de Pressão tem sua existência condicionada a determinado fato, ou evento,
à tramitação de um projeto ou de uma decisão a ser tomada pelo parlamento. Após
o desfecho da situação que gerou a criação do grupo, este se desfaz.
Os Grupos de Pressão podem surgir como um subgrupo de um Grupo de
Interesse a partir da visualização deste de que se deve atuar, sobre os
parlamentares e sobre o processo legislativo, com mais ênfase.
Geralmente estes grupos tentam influenciar o processo legislativo através
de manifestações, panfletagem e abordagens diretas aos parlamentares. Procuram
também estabelecer contatos e angariar simpatizantes entre os parlamentares para
exercer também uma pressão interna.
4. O CONTROLE PARLAMENTAR DAS ATIVIDADES DE INTELIGÊNCIA
Em seu relato sobre a CIA (Central Intelligence Agency), agência de
Inteligência do governo Americano, MARCHETTI (1975, p. 309), transcreve trechos
de duas declarações feitas sobre o controle das operações sigilosas desta agência.
A primeira2 é a de Lyman Kirkpatrick, Diretor Executivo da CIA, proferida em 11 de
outubro de 1971:
2 Tradução livre e adaptada do texto original contido na bibliografia citada.
11
Eu entendo que não existe nenhuma agência federal do nosso governo cujas atividades recebam acompanhamento e controle tão próximos quanto a CIA
No contraponto desta opinião, o Senador Stuart Symigton, membro da
comissão responsável pelo controle da CIA no Senado Americano, rebateu3, em 23
de novembro de 1971.
Ao contrário do que afirmou (Kirkpatrick) a verdade é que na minha opinião é uma vergonha para o povo americano ser tão enganado. Não existe nenhuma agência federal do nosso governo, cujas atividades recebam acompanhamento e controle mais deficientes do que a CIA.
Os pontos de vista antagônicos dos dois personagens do relato de
MARCHETTI demonstram de forma clara a dualidade de pensamentos sobre o
controle das atividades de Inteligência. Enquanto que as agências de Inteligência se
sentem sufocadas e tolhidas no exercício de suas funções, setores da sociedade
acreditam que tais agências carecem de um controle maior e mais efetivo.
É fato que nos últimos anos muito tem se falado sobre a necessidade de
serem adotadas medidas de controle das atividades de Inteligência. Em todo o
mundo democrático buscam-se soluções para incorporar tais medidas de forma que
estas não impeçam e nem prejudiquem na eficácia e no funcionamento das
agências de Inteligência. Mas o que significa este “controle”? O que deve ser
controlado? Quem deve efetivamente controlar? Com que objetivo deve ser exercido
este controle?
O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa define controlar como:
submeter a exame e vigilância estritos; fiscalizar, monitorar, exercer ação restritiva sobre; conter, regular, assegurar o controle imediato de (algo), por meio de reflexo motor, ou por habilidade, exercer poder, autoridade sobre (alguém ou algo); manter sob o próprio domínio; dominar.
Como vemos as definições para o ato de controlar, são verbos tão ou
mais fortes que o próprio, tais sinonímias exprimem a seriedade com que deve ser
examinado o tema. Não cabe na abrangência deste verbo o meio termo, ou existe
controle ou não existe controle. 3 Tradução livre e adaptada do texto original contido na bibliografia citada.
12
Historicamente os serviços de Inteligência sempre atuaram com
independência e autonomia, acreditava-se que a eficácia desta atividade era
diretamente proporcional a sua liberdade de atuação, porém, a própria natureza da
atividade de Inteligência dificulta da análise de dados que comprovem ou desmintam
essa eficácia.
A atividade de Inteligência é voltada para a antecipação dos fatos, para a
análise de dados com o objetivo de antever situações e, desta forma, possibilitar ao
tomador de decisão agir de acordo com os interesses da instituição. Essa ação pró-
ativa torna a tarefa de avaliação dos resultados produzidos pela Inteligência, uma
missão árdua e complexa, pois os resultados são mensurados a partir de fatos não
concretizados, de acontecimentos não acontecidos. Outra dificuldade é o sigilo das
operações realizadas e relatórios elaborados, as informações por não serem de livre
divulgação, impossibilitam ou mesmo mascaram uma avaliação de desempenho
desta atividade.
Não obstante todos estes obstáculos ao controle da atividade de
Inteligência, a lógica do controle em si é simples: todas as decisões de governo em
tempos de paz ou de guerra devem ser elaboradas e aprovadas pelo poder político,
eleito democraticamente, ou, quando for o caso, por profissionais que receberam
delegação para tal. Nunca essa decisão deve partir dos serviços de Inteligência.
Desta forma, teoricamente, seria alcançado um efetivo controle da atividade de
Inteligência. A lógica deste raciocínio é: se o Poder Executivo não pode controlar
onde, quando, como e porque, seus próprios Serviços de Inteligência operam, não
existe o almejado controle.
Contudo este pleno controle do sistema de Inteligência, por parte do
Poder Executivo, não resolve por completo a questão colocada. Distorções na
condução e ou na execução da política de governo podem levar a uma falsa
premissa de que existe controle, ou mesmo levar ao uso indevido do sistema de
Inteligência por parte do governo que deveria evitar tal fato.
Como contraponto a esta linha de pensamento surgiu a idéia do controle
externo da atividade de Inteligência, no mundo democrático, esse papel cabe
principalmente ao parlamento e ao Poder Judiciário, em conjunto ou isoladamente,
dependendo do sistema adotado.
13
Porém, em geral, existe uma predominância do controle parlamentar, os
motivos para esta preferência se devem primordialmente pelos atributos, já
destacados, da figura parlamentar (representatividade e legitimidade).
Galgando sua posição no parlamento através do voto, da mesma forma
que o Chefe do Poder Executivo, o parlamentar trás consigo a força das urnas,
legitimando de forma democrática sua participação no processo político.
Nesta linha de pensamento, a elaboração das políticas de Inteligência é
atribuída ao Poder Executivo e submetida ao Poder Legislativo para apreciação e
aprovação. Posteriormente, as ações, resultados e orçamento retornariam ao
parlamento para serem submetidas ao controle parlamentar e seriam avaliados
segundo critérios objetivos e técnicos.
A base democrática deste método de controle faz com que, a priori, seja
uma forma eficiente de fiscalização das atividades de Inteligência, porém esta ainda
não se mostrou totalmente operacional. Esta fórmula depende de diversos fatores
entre eles da perfeita harmonia entre os Poderes e do estabelecimento de
Instituições fortes e bem alicerçadas.
Em países com democracias frágeis ou recentes o controle não é efetivo.
Contudo não devemos acreditar que isto ocorra apenas em tais países, pois até
mesmo em países com longa tradição democrática, como os Estados Unidos da
América, que há vários anos possui no Congresso um sistema parlamentar de
controle das suas agências de Inteligência, o controle fica deficiente, ineficaz e
ilusório quando submetido a argumentos de segurança nacional e soberania.
Já em 1967, o então vice-presidente dos EUA, Hubert H. Humphrey4,
falando a estudantes sobre o orçamento da CIA e sua atuação durante a guerra do
Vietnã, afirmou:
Estes tempos são dos mais tristes do nosso Governo em relação à política pública... Não me sinto absolutamente satisfeito com o que vem fazendo a CIA e tenho certeza de que disso... surgirá uma reforma daquele órgão, com mais estreita supervisão de suas atividades.
Humphrey questionava o sistema de controle da época e visualizava um
controle mais efetivo das atividades da CIA. Outro exemplo mais recente são os
4 Hubert Horatio Humphrey Jr. foi vice-presidente dos EUA durante a gestão do presidente Lyndon B. Johnson, que foi reeleito em 1964, após assumir a presidência, em 1963, com o assassinato do então presidente John Fitzgerald Kennedy.
14
acontecimentos posteriores ao dia 11 de setembro de 2001, quando as agências de
Inteligência americanas foram questionadas em sua eficácia, em sua transparência e
em seus orçamentos. Erros operacionais e de integração das agências foram
apontados pelos mesmos senadores que seriam responsáveis pelo suposto controle
das atividades de Inteligência nos EUA e, teoricamente, deveriam conhecer a
situação de suas agências de Inteligência.
4.1. O Controle Parlamentar das Atividades de Inteligência no Brasil
No Brasil nunca existiu um controle efetivo das atividades de Inteligência
e, para ilustrar esta afirmação, nossa história é rica em passagens que demonstram
o excesso na aplicação das técnicas e o desrespeito aos direitos individuais.
Com a redemocratização o país passou por transformações que o
levaram a promover diversos mecanismos de proteção aos direitos individuais, nesta
linha os serviços de segurança foram impelidos a procurar novos paradigmas de
atuação fundamentados nos Direitos Humanos.
Nesta linha de raciocínio e buscando adequar o Brasil à nova ordem
mundial imposta a todos os órgãos de Inteligência do mundo democrático, a Lei nº
9.883, de 7 de dezembro de 1999, que Instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência e
criou a Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, incluiu em seu Art. 6º, dispositivo
concedendo ao Congresso Nacional a atribuição de controle e fiscalização das
atividades de Inteligência.
Art. 6o O controle e fiscalização externos da atividade de inteligência serão exercidos pelo Poder Legislativo na forma a ser estabelecida em ato do Congresso Nacional.
§ 1o Integrarão o órgão de controle externo da atividade de inteligência os líderes da maioria e da minoria na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, assim como os Presidentes das Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Em 21 de novembro de 2000, foi realizada a 1ª reunião para a instalação
do Órgão de Controle e Fiscalização Externos da Política Nacional de Inteligência
(OCFEPNI) que, posteriormente, passou a ser denominado de Comissão Mista de
Controle das Atividades de Inteligência (CCAI). Conceitualmente é uma comissão
ordinária e permanente, ou seja, é órgão da estrutura do Congresso Nacional.
15
Com a formalização da comissão, o Congresso Nacional assumiu, em
tese, seu papel no controle das atividades de Inteligência no que diz respeito à
operacionalização das atividades.
Com relação ao controle orçamentário, este, quando bem documentado, é
mais efetivo que o controle operacional, pois é exercido pelo Tribunal de Contas da
União (TCU), uma instituição eminentemente técnica, que tem a função institucional
de órgão auxiliar do Congresso Nacional.
4.1.1. A Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência
Como vimos anteriormente, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa
Nacional é uma das Comissões mais cobiçadas, tanto na Câmara dos Deputados
quanto no Senado Federal. Aos motivos já mencionados para essa disputa pode se
somar o fato de que são destas Comissões que saem dois dos membros da
Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência, o presidente da CRE do
Senado Federal e o presidente da CRE da Câmara dos Deputados. São membros,
em geral, influentes, que já chegam com certa força política devido à disputa travada
pelas presidências das comissões. A importância da CRE para a CCAI se faz ainda
mais destacada devido ao fato de que cabe aos presidentes das CREs de cada
Casa a presidência da CCAI. Essa presidência é exercida segundo a regra da
alternância estabelecida no regimento da comissão, ou seja, ora o presidente da
CCAI será o presidente da CRE do Senado Federal e ora o presidente da CRE da
Câmara dos Deputados. O período de exercício da presidência é de um ano, devido
ao mandato estabelecido para as mesas da Câmara e do Senado e,
conseqüentemente para as mesas das comissões de ambas as Casas, que é de
dois anos.
A CCAI é composta por 6 parlamentares e os outros membros que
compõem a comissão são os líderes da maioria e da minoria do Senado Federal e
os líderes da maioria e da minoria da Câmara dos Deputados. A comissão não
possui membros suplentes e a composição da comissão e alterada a cada vez que a
movimentação política altera as lideranças das Casas e, a cada dois anos, quando
são eleitas as novas mesas da Câmara e do Senado. Em resumo, não existe uma
estabilidade dos membros na comissão.
16
Essa metodologia adotada para a composição da CCAI não contempla a
expertise, ou seja, diferentemente de outras comissões, como a CCJ, que chega a
ter 70% de seus membros oriundos dos meios jurídicos, os membros da CCAI não
são necessariamente conhecedores do tema e por ele podem não nutrir a menor
afinidade. Mesmo que um ou dois membros da comissão, por obra do acaso, sejam
militantes da área de Inteligência, estes vão ter muitas dificuldades em desenvolver
qualquer das prerrogativas da comissão.
Em termos gerais, a finalidade da Comissão Mista de Controle das
Atividades de Inteligência é a verificação da legalidade das atividades de Inteligência
realizadas pelas diversas agências que compõem o Sistema Brasileiro de
Inteligência e pelo sistema como um todo. Deste objetivo geral deriva um objetivo
mais complexo que é a supervisão da Política Nacional de Inteligência (PNI) e o
acompanhamento dos serviços de Inteligência com o propósito de analisar os
orçamentos, a eficiência e a eficácia com a qual a atividade é desenvolvida.
Além dos fatos já mencionados com relação à composição da comissão, o
efetivo controle das atividades de Inteligência também é prejudicado pela não
adoção de marcos regulatórios tanto da função controladora quanto da atividade de
Inteligência. Inexistem normas que permitam que a análise da atividade de
Inteligência seja exercida de forma discricionária e isenta de ideologias. Tal fato
acaba por limitar a atuação dos parlamentares que, por falta de regras claras, não
contam com a total cooperação das agências de Inteligência que temem ter
expostas suas operações, agentes, orçamentos e métodos de operação.
Sem os mecanismos adequados para acompanhar de forma satisfatória
as atividades de Inteligência e sem o poder necessário que permita aos
parlamentares fazer recomendações fundamentadas em torno da matéria objeto de
sua Comissão, os parlamentares acabam por não exercer na plenitude sua função
controladora. O resultado se mostra na inanição da Comissão Mista de Controle das
Atividades de Inteligência do Congresso Nacional, as reuniões são raras e o
desinteresse se mostra presente na constante falta de quorum5 qualificado.
A falta de interesse dos parlamentares pelas atividades de Inteligência se
deve também ao fato de que no Brasil essa atividade não é reconhecida como tema 5 Número indispensável para o funcionamento legal de uma assembléia ou reunião e para que esta possa deliberar.
17
de interesse nacional, não existe no país uma cultura de Inteligência e nem ao
menos de proteção ao conhecimento. A maioria das pessoas, incluídas ai diversos
parlamentares, tende a pensar na Inteligência como um assunto eminentemente
militar, desconhecem as inúmeras possibilidades de aplicação da Inteligência para o
desenvolvimento do país e desprezam a possibilidade de que agentes de outros
países possam atuar no Brasil em busca, não exclusivamente de informações
militares, mais primordialmente de informações que possam ser revertidas em
vantagens comerciais, econômicas e que possam render patentes a grandes
empresas multinacionais.
Sem que este cenário seja alterado o controle das atividades de
Inteligência no Brasil tende a ficar restrito apenas ao aspecto orçamentário, sob a
responsabilidade de técnicos do Tribunal de Contas da União.
4.2. A Política Nacional de Inteligência
Como vimos, para que exista um efetivo controle das atividades de
Inteligência se torna necessário uma delimitação do escopo do controle e o
estabelecimento de parâmetros de trabalho e de controle, tanto das atividades em si
quanto da função controladora.
Neste sentido, a definição de uma Política Nacional de Inteligência (PNI) é
o primeiro passo a ser dado na direção do controle da atividade. É preciso definir o
que o país quer dos serviços de Inteligência, mais ainda, é preciso definir claramente
o que o país entende por Inteligência.
Essa falta de definição é percebida e questionada até mesmo pelos
parlamentares integrantes da Comissão Mista de Controle das Atividades de
Inteligência (CCAI), e um exemplo claro desta situação é apresentado pelo
Deputado Federal Aldo Rebelo6, quando presidente da CCAI, em sua exposição
durante o Seminário Atividades de Inteligência no Brasil7, realizado na Câmara dos
Deputados em 2002 (Brasília, 2002. p.p. 153-154):
6 Presidente da CCAI no período de 2 de abril de 2002 a 07 de maio de 2003. 7 Seminário realizado, em Brasília, nos dias 6 e 7 de novembro de 2002, tendo sido publicado, posteriormente, uma coletânea dos textos apresentados durante o seminário.
18
Temos que saber o que esperamos da ABIN (grifo nosso). Esperamos que monitore ou não a atividade dos sem-terra? Temos que formar uma opinião sobre isso. Não houve porém uma decisão nem a formação de ponto de vista na comissão. Ao final, pedimos os boletins dos agentes sobre a movimentação dos sem-terra... ... e, então perguntei: “Afinal de contas, o que pensamos aqui na comissão? (grifo nosso) Deve-se monitorar a atividade ou não? A ABIN deve ser cobrada por ter acompanhado esse movimento ou por não ter acompanhado, mas não pode ser cobrada pelas duas coisas”... ... Essa polêmica não foi resolvida. A comissão não chegou a uma conclusão. Portanto e necessário que haja do órgão, das entidades, das instituições que têm o desafio de exercer o controle, também uma expectativa muito clara do que se espera da atividade de Inteligência. Penso que se não houver essa definição, não há como exercer a função que lhe é atribuída legal, constitucional ou regimentalmente (grifo nosso).
O dilema do Deputado Aldo Rebelo expressa um sentimento quase que
unânime entre os profissionais de Inteligência no Brasil. A verdade é que no Brasil
não existe, de fato, uma Política Nacional de Inteligência. Temos na verdade o que
podemos chamar de Planejamento Governamental de Inteligência, que na teoria
deveria ser a manifestação do pensamento e dos anseios nacionais sobre o tema,
porém que na prática não contempla estes pontos.
Segundo o que especifica a Lei 9.883/1999, em seu art. 5º:
A execução da Política Nacional de Inteligência, fixada pelo Presidente da República (grifo nosso), será levada a efeito pela ABIN, sob a supervisão da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo.
Ou seja, a chamada Política Nacional de Inteligência é definida
legalmente como uma ação exclusiva de governo e de iniciativa do Presidente da
República. É comum a muitos países definir em suas legislações que o Presidente
da República é quem apresenta a PNI, porém o que ocorre é que a PNI apresentada
é fruto de esforço conjunto de setores da sociedade e é um planejamento a ser
seguido por vários anos, independente de quem ocupa a cadeira de Presidente. No
caso do Brasil não existem mecanismos que garantam a continuidade da PNI
apresentada, que no caso fica sujeita a mudanças com a alternância natural do
Poder. Um reforço a esta tese se dá na continuação da redação do artigo 5º, onde
se estabelece que a supervisão desta “Política Nacional” estará a cargo de um órgão
de “Conselho de Governo”, ora, um conselho de governo pressupõe-se ser formado
19
por aliados políticos, sem assento permanente naquela função e, por conseguinte,
sem compromisso com as políticas a serem adotadas no pós-governo.
E mais, no parágrafo único do mesmo artigo 5º lemos:
Antes de ser fixada pelo Presidente da República, a Política Nacional de Inteligência será remetida ao exame e sugestões (grifo nosso) do competente órgão de controle externo da atividade de inteligência.
Torna-se evidente que uma eventual “Política Nacional de Inteligência”
não será objeto de apreciação legislativa, podendo a CCAI do Congresso Nacional
se manifestar apenas na condição observadora do processo, com o direito legal
apenas de sugerir mudanças na PNI.
Quando nos referimos a uma “Política de Inteligência”, pretendemos, na
verdade, o estabelecimento de uma Política de Estado, com ampla aplicação em
todos os níveis de Poder e com diretrizes estabelecidas a partir de um planejamento
nacional, resultante do esforço conjunto de diversas lideranças de todo o país, com
metas não para os quatro ou oito anos de um governo, mas para 30 ou 50 anos,
caracterizando desta forma uma desvinculação do governo em exercício.
Em resumo, a Política Nacional de Inteligência não deve ser originária de
um governo, de um partido político no poder, ou de setores isolados da sociedade e,
de forma alguma, concebido no âmago de agências de Inteligência.
Um aspecto incompreensível então é a ausência desta iniciativa mais
abrangente por parte dos nossos governantes e da sociedade. Se entendemos que
traçar esta Política de Inteligência é tão importante, por que o país patina neste
aspecto? Em parte a responsabilidade para esta inércia regulatória cabe a um
sentimento nacional controverso sobre a atividade de Inteligência, o tema provoca
em geral sentimentos de desprezo e rancor, que remontam a tempos de exceção,
nos quais foram cometidos erros na condução de tais atividades.
Porém, as agências de Inteligência e os próprios profissionais desta área
têm sua parcela de responsabilidade neste sentimento adverso nutrido por setores
da sociedade. A atividade sempre foi tratada com uma aura de segredo muito
grande, não se discute aqui sobre o segredo relativo a dados e relatórios sigilosos,
mas sobre a divulgação para o cidadão comum, sobre os objetivos da atividade e
sobre a necessidade da Inteligência para a manutenção da democracia e da
20
soberania nacional, não apenas sob o aspecto militar de soberania, mas também a
soberania tecnológica e econômica.
Este “secretismo” adotado contribuiu muito para a mistificação da
Inteligência no Brasil, o tema é visto apenas como uma atividade de espionagem e é
tratado comumente, de forma jocosa, por “arapongagem”, termo que trás
desvalorização ao profissional de Inteligência e dissemina a idéia de uma atividade
ilegal e desonesta. É preciso mudar a visão nacional desta atividade para que esta
possa desenvolver toda a sua potencialidade.
Se hoje não se cogita um Estado que não se sirva de órgãos de
Inteligência para fazer frente às atuais demandas mundiais, orientadas a um mundo
globalizado e ágil, por que deve o Brasil prescindir destes serviços?
Este pensamento parece simples e lógico, porém no Brasil o ranço dos
tempos da ditadura não tem permitido aos diversos setores da sociedade adotar
uma visão de Estado compatível com as potencialidades do país.
Não deveria ser assim, urge ao Brasil assumir uma posição mais firme e
clara sobre seu papel mundial, deve o país definir estratégias e políticas que visem o
engrandecimento nacional e ainda estabelecer temas nacionais e internacionais a
serem trabalhados e acompanhados pelos serviços de Inteligência. É vital, também,
a dotação de recursos orçamentários compatíveis que o potencial econômico,
político e estratégico do país e, não menos importante, devem ser adotados
mecanismos legais que dêem suporte e clareza à atuação das agências de
Inteligência.
4.3. Considerações sobre o Controle da Atividade de Inteligência no Brasil
Definido o papel que a Inteligência deve assumir no contexto nacional,
podemos então delimitar os aspectos que devem orientar o controle da Atividade.
O material de trabalho da Inteligência é, logicamente, envolvido em sigilo,
seus procedimentos, técnicas, fontes, orçamento e abrangência devem ser tratados
com a reserva necessária para não comprometer toda a estrutura do sistema. Note-
se que esta reserva não implica, de forma alguma, em ausência de controle, contudo
este controle deve ser exercido de forma única e específica para tais atividades, sem
21
adaptações da metodologia adotada no controle das funções corriqueiras da
administração pública.
Para que possamos estabelecer parâmetros de controle adequados é
necessário primeiramente entender os elementos que envolvem a atividade de
Inteligência. A distinção entre Inteligência e Contra-Inteligência deve ser feita e
também, dentro do ciclo tradicional da Atividade, devemos distinguir mais
especificamente as chamadas Operações de Inteligência, que envolvem a busca de
informações de forma velada8 e inclui operações que visam exercer influência sobre
os atores-alvo de uma missão.
As Operações de Inteligência são sem dúvida o aspecto mais controverso
da Inteligência, o mais sujeito a questionamentos e, me arrisco a afirmar, que é a
principal motivação para a manutenção de orçamentos secretos nas agências de
Inteligência.
Quanto às outras fases do ciclo, a saber: a obtenção de dados em fontes
abertas, o processamento, a análise e a disseminação, não são alvo de muitas
controvérsias quanto aos métodos empregados, resta, porém, o questionamento
sobre os aspectos éticos na produção do conhecimento.
Esclarecidos estes aspectos vamos inicialmente fazer uma análise da
configuração da Inteligência no Brasil. A lei 9.883/1999 que criou o SISBIN e a ABIN
colocou sob a responsabilidade da ABIN todo o sistema de Inteligência do país: Art. 3o Fica criada a Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, órgão de assessoramento direto ao Presidente da República, que, na posição de órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência, terá a seu cargo planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência do País (grifo nosso), obedecidas a política e as diretrizes superiormente traçadas nos termos desta Lei. Art. 4o À ABIN, além do que lhe prescreve o artigo anterior, compete: I - planejar e executar ações (grifo nosso), inclusive sigilosas, relativas à obtenção e análise de dados para a produção de conhecimentos destinados a assessorar o Presidente da República; II - planejar e executar a proteção de conhecimentos sensíveis (grifo nosso), relativos aos interesses e à segurança do Estado e da sociedade; III - avaliar as ameaças, internas e externas (grifo nosso), à ordem constitucional; IV - promover o desenvolvimento de recursos humanos e da doutrina de inteligência (grifo nosso), e realizar estudos e pesquisas para o exercício e aprimoramento da atividade de inteligência.
8 Essas operações são conhecidas popularmente como espionagem. O termo é antigo, porém não é bem visto por muitos profissionais de Inteligência por ter ganhado uma conotação de atividade clandestina e ilegal.
22
Sobre o desenho estrutural adotado para a Inteligência no Brasil, cremos
que o estabelecimento de uma única agência que detém o monopólio da Inteligência
me parece um fator prejudicial ao estabelecimento de medidas de controle.
O monopólio, como em qualquer setor da sociedade é um elemento que
desfavorece a eficácia e o aprimoramento e, no caso específico da Inteligência, a
falta destes predicados pode trazer efeitos por demais danosos ao país.
Sob o aspecto da funcionalidade a estrutura do Sistema Brasileiro de
Inteligência (SISBIN) deveria ser repensada. A adoção de um único órgão de
Inteligência com as atribuições de tratar das questões internas, externas e de
Contra-Inteligência, sobrecarrega a ABIN e possibilita que uma eventual falha de
atuação, em uma destas vertentes da atividade de Inteligência, demorem a ser
detectada ou não recebam a devida atenção, seja por questões de política de
atuação ou por questões orçamentárias.
O uso político do sistema também deve ser considerado e a adoção de
uma única agência facilita este uso, pois permite um estreitamento muito grande
entre as ações de governo e o direcionamento da Inteligência. Não que a
Inteligência não deva estar próxima do Poder, mas esta proximidade, nas
democracias, deve ser restrita ao fornecimento de subsídios para a tomada de
decisão e nunca na execução da política de governo. Sua atuação também deve se
dar em nível de Governo e não na forma personificada do governante. No caso
especifico da lei que criou a ABIN, a mesma estabelece em seu artigo 3º, que a
ABIN é “órgão de assessoramento direto ao Presidente da República”, a
personificação da ação da agência, na figura do Presidente, é facilitadora do uso
indevido da Inteligência, pois essa proximidade permite que a linha tênue da ética
seja transposta, passando o órgão a desenvolver ações políticas e não produzir
Inteligência.
A adoção de mudanças na estrutura no sistema brasileiro, dotando-o de
agências distintas com funções específicas de atuação nos campos interno, externo
e de Contra-Inteligência e um ponto a ser considerado, porém esta solução merece
um debate mais aprofundado e demorado.
Contudo, a Atividade não pode esperar inerte que mudanças sejam
estabelecidas. As agências devem então buscar os melhores resultados dentro da
realidade que ora se apresenta. A lei estabelece esta estrutura para o sistema e o
23
que se espera da ABIN é que a mesma promova mecanismos de integração
funcionais, capazes de prover o sistema de Inteligência da agilidade necessária para
atender as demandas de um mundo globalizado.
O SISBIN carece de mecanismos de fortalecimento. Os órgãos
pertencentes ao sistema não estão incorporados a este de forma ativa. O motivo
parece ser a existência de pluralidade de objetivos, aliada a não aceitação de alguns
órgãos da liderança, imposta em lei, da ABIN no sistema.
Esta pluralidade de objetivos se refere, justamente, à sobrecarga da ABIN
citada anteriormente, desta feita, pode-se verificar que as outras agências do
sistema estão redirecionando seus objetivos de acordo com orientações internas e
específicas, sem a coordenação da ABIN, e para suprir deficiências detectadas no
órgão central do sistema.
5. A PROTEÇÃO DO CONHECIMENTO NO CONGRESSO NACIONAL
O Congresso Nacional como operador do Poder Legislativo é, juntamente
com o Poder Executivo e o Poder Judiciário, um dos pilares institucionais da
democracia. Na sua função constitucional, tanto a Câmara dos Deputados, quanto o
Senado Federal, exercem funções de extrema importância para os destino do país.
Projetos de relevância nacional e internacional são discutidos e analisados por estas
duas Casas.
Muitas das informações ali produzidas, ou que circulam pelos seus
plenários e gabinetes, são de domínio público e estão abertas a consultas. Porém,
um grande número de informações tem caráter restritivo, são informações
estratégicas para o país, tanto em nível governamental, quanto político, empresarial,
militar e diplomático, entre outros. Estas informações, como não poderia deixar de
ser, não estão disponíveis como fonte aberta de consulta e pressupõe-se que estas
estejam envoltas em uma malha de proteção que impeça o acesso indevido a estas.
A necessidade da manutenção de sigilo é evidente, a cada dia decisões
importantes para o destino da Nação são tomadas no Congresso Nacional, reuniões
reservadas são realizadas com freqüência e documentos importantes passam por
mãos selecionadas. Todos estes fatos são geradores de informação e, como
elemento estratégico, estas informações tem valor econômico e devem ser
24
preservadas, contudo o assunto passa ao largo de reuniões importantes no
Congresso Nacional, pouca importância se dá à informação. Documentos circulam
na mão de estagiários, pessoal terceirizado tem acesso a reuniões secretas do
Congresso Nacional e falta de cuidado com o patrimônio estratégico no Brasil
assusta.
São constantes na imprensa nacional, as veiculações de reportagens
embasadas em dados sigilosos oriundos do Congresso Nacional, são assuntos
tratados em reuniões, conteúdos de relatórios, documentos e depoimentos que a
priori deveriam ser mantidos em sigilo até o momento oportuno, pois a divulgação
destas informações em um momento inadequado, podem causar crises que
resultarão em diversos prejuízos à nação, a instituições e a pessoas.
Mário Rosa, em seu livro A Era do Escândalo, relata inúmeros casos de
crises institucionais e pessoais que tiveram início a partir de informações
desencontradas e mal trabalhadas. Crises como a de Eduardo Jorge, ex-assessor
do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, que viu informações pessoais e
profissionais vazarem para a imprensa pelas mãos daqueles que detinham a guarda
do sigilo destas.
Outro caso emblemático é o da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
do Congresso Nacional, criada para apurar a evasão de divisas por meio das contas
CC59, a chamada CPI do Banestado, que é alvo de denuncias de vazamento de
informações sigilosas, referentes ao sigilo bancário e fiscal, de diversas pessoas e
empresas.
Não se discute aqui o mérito das informações em questão, mas o fato de
que, por meios não convencionais, terem perdido sua condição de informação
reservada e alcançado o domínio público.
A visão de que o Congresso Nacional é a “casa do povo” permite que um
número muito grande de pessoas circule pelos seus corredores. Diariamente, além
do contingente de trabalhadores das duas Casas, são milhares de visitantes,
lobistas, cidadãos buscando soluções para seus problemas específicos, vereadores, 9 CC5 é a abreviatura do documento normativo Carta-Circular 5, editada pelo Banco Central em 1969, regulamentando a abertura de contas em moeda nacional tituladas por não residentes (ou não sediados) no País e a movimentação de recursos em moeda nacional em nome de não residentes (ou não sediados) no País. Com a implementação do segmento de taxas flutuantes, em 1988, foi permitido que as instituições financeiras não sediadas no País pudessem comprar livremente moeda estrangeira no mercado de câmbio brasileiro com os recursos em moeda nacional depositados em suas contas. Essas operações passaram a ser denominadas "operações CC5", o que permanece até hoje, apesar de a referida Carta-Circular ter sido revogada em 1996, pela Circular 2.677, que atualmente regula esse tipo de operação.
25
deputados estaduais, prefeitos e jornalistas. Também são realizados inúmeros
eventos como congressos, seminários, palestras, audiências públicas, sessões de
cinema e formaturas estudantis.
Todas estas pessoas circulando pela Casa tem uma certa facilidade de
acesso a gabinetes e outras áreas do Congresso Nacional, não existem em
nenhuma das Casas um sistema de controle que permita direcionar os visitantes
unicamente a área autorizada a eles, o controle neste caso é frágil e de difícil
solução, pois culturalmente a sociedade brasileira não entende a necessidade de
restrição a certas áreas do Poder Legislativo, volta-se à questão da “casa do povo”.
A própria estrutura arquitetônica do Palácio do Congresso Nacional
dificulta o controle de acesso, são inúmeras as entradas para o edifício e, apesar
das polícias do Senado Federal e da Câmara dos Deputados se aparelharem para
evitar falhas de segurança, a verdade é que muitas vezes o sistema é violado com a
conivência de funcionários. Comumente ganham acesso ao edifício pessoas que
não passaram pela abordagem de segurança, são introduzidas por funcionários via
entradas alternativas.
Cabe ressaltar que o caráter pacifico do povo brasileiro não vê neste
procedimento uma atitude que torne frágil o sistema de segurança, pelo contrário, as
normas de segurança sempre são vistas como importunas e muitos acreditam que é
um gesto de simpatia e boa vontade permitir que um conhecido adentre à Casa livre
de burocracias.
Esta visão demonstra a fragilidade a que está exposto o processo
legislativo. A cultura de segurança orgânica não existe no Congresso Nacional
brasileiro.
Um outro fator presente atualmente em toda a administração pública
brasileira, é a terceirização de funções. São diversos os argumentos a favor e contra
esta forma de suprir a administração de recursos humanos via empresas
terceirizadas ou via estagiários, não é objeto deste trabalho discutir o mérito desta
questão, porém o fato é que hoje, em todos os níveis de governo, existe um
contingente de terceirizados e de estagiários muito grande e, no caso do Congresso
Nacional, muitos estão em posições-chave, participando do processo legislativo e
tendo acesso a informações classificadas.
Os aspectos que tornam desaconselhável a utilização de pessoal externo
a Casa em determinadas funções são muitos: os baixos salários, a temporalidade da
26
passagem pela Casa e a conseqüente falta de comprometimento com a mesma,
estão entre os mais importantes, pois permitem uma suscetibilidade do funcionário à
investidas de elementos que busquem a obtenção de informações sigilosas.
No Senado Federal existe um esforço para minimizar as possibilidades de
ocorrerem falhas na segurança orgânica e para conter avanços possíveis de
elementos adversos. A Polícia do Senado Federal conta com um Serviço de
Inteligência que prioriza as ações de Contra-Inteligência, neste sentido seu efetivo
passa por constantes treinamentos e dispõe de equipamentos modernos no auxílio
desta tarefa. Também estão em curso uma série de medidas que pretendem reforçar
o sistema de segurança da Casa, aprimorando em muito o controle sobre as
milhares de pessoas que ali circulam diariamente.
Porém, o elemento humano ainda é o fator mais frágil desta cadeia de
segurança, não existe segurança eficaz se o elemento humano não tiver
comprometimento com o sistema, desta forma a seleção e contratação de pessoal
terceirizado deve ser aperfeiçoada, a seleção para postos-chave deve ser rigorosa e,
prioritariamente, atribuída a servidor efetivo da Casa.
A conclusão a que chegamos desta rápida análise é que as informações
produzidas pelo Congresso Nacional não estão devidamente protegidas. Para
agentes adversos estas vulnerabilidades são um fator de sucesso em suas missões.
É preciso aperfeiçoar os mecanismos de proteção ao conhecimento ali existente,
não se configura um desrespeito à democracia a adoção de medidas de salvaguarda
do conhecimento sensível produzido no Congresso Nacional, a “casa do povo” pode
e deve estar aberta ao público, contudo regras mínimas de segurança devem ser
estabelecidas e seguidas por todos.
A importância do Brasil no contexto mundial cresce a cada dia, alguns
pesquisadores colocam o Brasil entre as dez maiores potências mundiais nos
próximos cinqüenta anos. Contudo, para alcançar este posto, o país não deve
negligenciar a questão da Inteligência e, no caso do Congresso Nacional, a questão
da Contra-Inteligência.
6. CONCLUSÃO
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A espionagem tem acompanhado o homem através dos tempos. Relatos
da Bíblia no livro de Número, capítulo 13, contam que o Senhor falou a Moisés e
ordenou a este que fossem enviados “homens que espiem a terra de Canaã” com o
objetivo de avaliar as riquezas da terra e o poderio militar da nação.
Sun Tzu, general e filósofo chinês, escreveu a mais de 2.500 anos o seu
tratado “A Arte da Guerra”, considerado por muitos a essência da sabedoria de como
se fazer uma guerra. Em seus escritos Sun Tzu dedicou um capítulo10 inteiro ao
emprego de espiões na guerra e dá a eles uma deferência especial ao afirmar que
“dentre todos os que estão próximos ao comandante... Ninguém terá melhores
prêmios do que eles”.
Praticada durantes séculos a espionagem continua sendo uma ferramenta
útil ao Estado. O tempo se encarregou de aperfeiçoá-la com diversas evoluções,
principalmente tecnológicas, mas sua essência e seus princípios continuam os
mesmos. Ganhou novas denominações e definições e está contida no rol das
chamadas “operações” e passou a ser apenas um dos métodos utilizados por uma
atividade mais complexa conhecida hoje como Inteligência.
As “operações de Inteligência”, apesar de ser apenas uma fração do que
as agências de Inteligência fazem, é a atividade mais contestada e é alvo de críticas
e de denúncias de desrespeito aos direitos fundamentais do cidadão.
Estes questionamentos impuseram à sociedade a busca por uma forma
de controlar os excessos cometidos pelas agências de Inteligência.
No Brasil, este controle a rigor não existe, apesar da previsão legal, a
comissão do Congresso Nacional não atua efetivamente no acompanhamento do
tema. A falta de uma Política clara que norteie os rumos da Inteligência impossibilita
tanto o controle quanto a qualidade do sistema de Inteligência.
A lei que criou o SISBIN é vaga com relação aos controles e mais ainda
com relação às obrigações daqueles que detêm o conhecimento sensível. Quanto a
Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência, a lei é omissa sobre
vários aspectos, entre eles sobre a suposta credencial de segurança que os
membros da comissão possuem, não existe determinação da obrigação da
manutenção do sigilo, não está explícita a forma de como devem ser tratados os
10 Capítulo XIII do livro de Sun Tzu, A arte da guerra.
28
documentos sigilosos, por exemplo, não existe a proibição para se fazerem cópias
dos documentos.
Os membros da Comissão, na condição de parlamentares, são
integrantes de um Poder democrático e constitucionalmente estabelecido e, como
tal, possuem prerrogativas e direitos, mais quais são suas prerrogativas diante de
assuntos desta natureza? Quais são seus deveres? A eventual quebra de sigilo de
informações classificadas constitui alguma transgressão ao ordenamento jurídico do
país?
É eminente a necessidade de que uma Política de Estado seja definida
com brevidade para as atividades de Inteligência, sem tal mecanismo a adoção de
medidas de controle está fadada ao insucesso pelo simples fato de inexistirem
parâmetros de atuação das agências, sem os quais não há como se cobrar a
correição com eficácia e vice-versa.
Também não há como cobrar o controle, pois os parlamentares não têm
definido seu papel de forma clara. A metodologia utilizada para a composição da
Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) é ineficiente e não
favorece a atuação de especialistas na área, é inoportuna a temporalidade da
comissão, a troca de membros a cada mudança de mesa ou na composição das
lideranças da maioria e da minoria cria uma instabilidade muito grande na comissão,
não existe continuísmo, nem compromisso com a Comissão.
A Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI)
deveria ser um órgão de excelência dentro do Congresso Nacional, a composição
atenderia melhor aos objetivos propostos se ocorresse pela expertise e não por
critérios políticos, a permanência dos membros deveria se dar durante toda a
legislatura e não apenas durante o período de tempo reservado às mesas das
Casas ou a ocupação de uma posição de liderança de bancada política.
Estas medidas visam dar à CCAI a capacidade exercer seu papel de
controlador das atividades de Inteligência sem que sentimentos de paixão ou
repúdio aflorem em suas reuniões, permitindo que a tarefa imposta por lei seja
executada de forma técnica e profissional, deve ainda a CCAI dispor de todos os
mecanismos legais e institucionais para cumprir esta missão de forma efetiva e sem
sobressaltos.
Quanto ao Sistema de Inteligência, este, através de suas agências e
agentes, deve também passar por uma reflexão interna sobre a importância do
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adequado controle externo para a Atividade, muitos acreditam que este é um fator
engessador da Atividade e outros acreditam ser uma ferramenta importante para o
desenvolvimento da Atividade. A segunda tese parece ser dotada de mais
defensores e, sendo vencedora, deve provocar o sistema no sentido de que este
exija do Poder Legislativo a eficácia do controle da Atividade.
Neste sentido devem ser estabelecidos os mecanismos para exercer
sobre o Congresso Nacional o legítimo poder de pressão, no caso, o conveniente
seria o estabelecimento de Grupo de Interesse interno ao parlamento, ou seja,
parlamentares ligados à Atividade devem ser mobilizados para pressionar o
Congresso Nacional a efetivar as funções da CCAI.
Cumpridos estes objetivos a Comissão Mista de Controle das Atividades
de Inteligência estará dando sua contribuição para o fortalecimento do Parlamento
brasileiro e para a consolidação da democracia em nosso país.
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